Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
489/17.9T8AVV.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: ACIDENTE DESPORTIVO
PRATICANTE DESPORTIVO
SEGURO OBRIGATÓRIO
SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
INVALIDEZ
REPARAÇÃO DO DANO
OBJETO DO CONTRATO DE SEGURO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
SUCUMBÊNCIA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
VALOR DA CAUSA
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: DEFERIDA A RECLAMAÇÃO E NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. De acordo com o regime jurídico do seguro desportivo obrigatório a indemnização por invalidez permannte parcial é calculada em função do grau de incapacidade, indepedentemente do valor do dano efectivo (art. 16º, al. d) do DL nº 10/2009 de 12.1.);

II. A essa indemnização, assim calculada, não acresce qualquer valor a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça


*


AA instaurou contra Seguradoras Unidas, S.A. e Rede Nacional de Assistência, S.A. (R.N.A, S.A.) acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia global de € 39.935,83, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, contados desde citação até integral pagamento.

Após audiência de julgamento foi proferida sentença, com a seguinte parte decisória:

“Pelo exposto, na procedência parcial da acção, o Tribunal decide:

- Condenar a R. Seguradoras Unidas, S.A. a pagar ao A. AA a quantia de 6.675,00 € (seis mil seiscentos e setenta e cinco euros), a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos contados à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento;

- Absolver a R. Rede Nacional de Assistência, S.A. do pedido. (…)”

Não se conformando, o autor veio apelar pugnando pelo pagamento de € 14.575,00 acrescida dos juros de mora em conformidade com a decisão recorrida.

Rematou o recurso com as seguintes, entre as demais, conclusões;

“14ª – Pelo que, € 580,00X14X50X2% = € 8.120,00 (Oito mil, cento e vinte euros);

15ª - Somando este valor, a título de danos patrimoniais, com o valor dos danos não patrimoniais, teria o recorrente direito a ser indemnizado pelo valor global de € 16.120,00, o que cabe no seio, quer do valor contratado (€ 30.000,00) quer, naturalmente, no legalmente obrigatório, que é menor - € 25.000,00 (artigo 16º, do D.L. nº 10/2009, de 12/01);

16ª - Todavia, como se diz no acórdão de referência, no que se respeita e concorda, há que recorrer à equidade, uma vez que o recorrente recebe o quantum de uma só vez;

17ª - Pelo que se tem por equitativo, a título de dano biológico, € 6.500,00, a que acrescem os danos não patrimoniais, no valor de € 8.000,00, tudo totalizando, incluindo as despesas ainda por pagar, € 14.575,00 (Catorze mil quinhentos e setenta e cinco euros), acrescida dos juros de mora em conformidade com a decisão recorrida;

18ª - A sentença recorrida violou, assim, o D.L. nº 10/2009, no seu preâmbulo e os artigos 4º, 5º, 6º e 16º, al. c), e incorreu em erro de interpretação e em erro de julgamento.

Assim, obtendo provimento o presente recurso nos termos das conclusões expendidas, V. Exªs, Venerandos Juízes Desembargadores, e revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por acórdão em conformidade, maxime que atribua a indemnização defendida nas conclusões deste recurso (…)”

Também a ré seguradora veio interpor recurso subordinado.

Porém, apreciando ambos os recursos, a Relação decidiu julgar improcedente a apelação do autor e procedente a apelação da 1ª ré Seguradoras Unidas, S.A. e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida na parte referente ao reembolso de despesas e à invalidez permanente (num total de € 675,00) revogando no mais a referida decisão.

Novamente inconformado, recorreu o autor para este Supremo.

No corpo das alegações, deixou escrito: “sendo a indemização tomada como um todo e somando este valor, a título de danos não patrimoniais [8.000] com o valor supra defendido quanto aos danos patrimoniais [8.120], deverá o recorrente ter direito a uma indemnização no valor de € 16.120,00, o que cabe no seio, quer do valor contratado (€30.000,00) quer, natiuralmente, no legalmente obrigatório, que é menor - € 25.000 (art. 16º do DL nº 10/2009 de 12/01). Ou, subsidiariamente e por recurso à equidade, incluindo as despesas ainda por pagar, nunca menos do que € 14.575 (…) acrescido dos juros de mora, desde a citação até intrgal pagamwnto.”

Em sede de conclusões:

“ (…)

11ª – Atenta tal admissibilidade de ressarcimento dos danos não patrimoniais, que se defende, bem como considerando toda a matéria de facto dada como provada, é de arbitrar ao recorrente a quantia pedida de € 8.000,00, por ser justa e equilibrada e assim devendo fixar-se;

12ª - Somando este valor, a título de danos patrimoniais, com o valor dos danos não patrimoniais, deverá o recorrente ser indemnizado pelo valor global de € 16.120,00 (Dezasseis mil, cento e vinte euros), o que cabe no seio, quer do valor contratado (€ 30.000,00) quer, naturalmente, no legalmente obrigatório, que é menor - € 25.000,00 (artigo 16º, do D.L. nº 10/2009, de 12/01);

13ª - O acórdão recorrido violou a lei substantiva, in casu o D.L. nº 10/2009, de 12 de Janeiro, no seu preâmbulo e os artigos 4º, 5º, 6º e 16º, maxime al. d), por erro de interpretação, bem assim como o artigo 496º, do Código Civil.

Termos em que, procedendo na íntegra o presente recurso, deve revogar-se o acórdão recorrido e produzir-se acórdão em conformidade com o conteúdo das conclusões supra, assim se fazendo JUSTIÇA.”

Já neste Supremo o relator proferiu o seguinte despacho:

“(…) o autor decaiu (em relação em valor pelo qual pugnava na apelação) em valor inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação (€ 15.000).

Argumenta o recorrente que a decisão impugnada (a da Relação) é desfavorável em valor superior a metade da alçada do Tribunal da Relação, uma vez que o que resulta da diferença entre o valor do pedido (€ 39.935,83) e o da condenação (€ 675,00) é bem superior a essa metade (€ 39.260,83), não sendo aplicável ao caso o AUJ nº 10/2015 que manda corresponder à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1ª instância e o acórdão da Relação.

Admitindo que, neste caso, a medida da sucumbência não se afere pela diferença entre o valor arbitrado na sentença e o da Relação mas em função do decaimento do pedido, sucede, todavia, que o recorrente restringiu o objecto do recurso de apelação (art. 635, nº 4 do CPC).

Ou seja: não pugnou pelo valor do pedido mas, expressamente, pelo de € 14.575,00, valor que o Supremo não pode agora exceder. Como assim, a decisão impugnada passou a ser desfavorável ao recorrente em valor inferior a metade da alçada do tribunal (art. 629º, nº 1 do CPC).

Pelo exposto, não se toma conhecimento do objecto do recurso.

Custas do incidente pelo recorrente/autor, com a taxa de justiça de 1,5 (uma e meia) UC.”

Inconformado, de novo, reclama agora o recorrente para a conferência.

Argumenta o seguinte:

“(…) é indubitável que a causa tem valor superior à alçada do tribunal de que se recorre (vide valor - € 39.935,83); e, também (conjunção copulativa), a decisão impugnada é desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal (tal resulta da diferença entre o valor inicialmente pedido - € 39.935,83 e € 675,00 (acórdão da Relação) = € 39.260,83.

Ou seja, ao contrário do que reza do douto despacho, o autor não decaiu em valor inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação (€ 15.000,00), mas sim em valor bem superior.

O despacho proferido estriba-se, ainda que tal não mencione, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 10/2015, de 14/05/2015, do Pleno (Procº 687/10.6TVLSB.L1.S1-A, que uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:

“Conformando-se uma parte com o valor da condenação na 1ª instância e procedendo parcial ou totalmente a apelação interposta pela outra parte, a medida da sucumbência da apelada, para efeitos de ulterior interposição de recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1ª instância e no acórdão da Relação” (sublinhado nosso).

Ora tal uniformização não se aplica in casu, já que os pressupostos são, deveras, bem diferentes.

Na esteira da anotação de Maria José Capelo a tal acórdão uniformizador – Cadernos de Direito Privado, nº 54, Abril/Junho, de 2016, pgs 46, releva-se: “Qual é a “fórmula” para determinar para determinar o valor da sucumbência? Estando em causa o recurso de revista, dever-se-á atender ao decidido pela 1ª instância em confronto com o Acórdão da Relação?

Ou a medida da sucumbência apurar-se-á com base na diferença entre o montante, ditado pelo Acórdão da Relação, e o solicitado pelas autoras na petição?

Somos remetidos necessariamente para um cálculo aritmético, que confere preponderância à sucumbência fixada de acordo com um critério formal. Somente em caso de dúvida no apuramento deste, a lei manda atender unicamente ao valor da causa (cfr. nº 1, do artigo 623º, in fine, do C.P.C. O que não é o caso.

O Exmº Juiz Conselheiro Relator ressalvou na decisão sumária, no pressuposto de não ser aplicável o AUJ nº 10/2015, o seguinte: “Admitindo que, neste caso, a medida da sucumbência não se afere pela diferença entre o valor arbitrado na sentença e o da Relação mas em função do decaimento do pedido, sucede, todavia, que o recorrente restringiu o objecto do recurso de apelação (artº 635, nº 4, do CPC). Ou seja: não pugnou pelo valor do pedido mas expressamente pelo de € 14.575,00…”.

Que o reclamante saiba, a sucumbência não se afere pelo “decaimento do pedido”; este não constitui critério daquela (nem o recorrente desistiu parcialmente do pedido ou reduziu expressamente o pedido). Não cabe, de modo algum, no número 1, do artigo 629º, do C.P.C.

Acresce que, o reclamante foi bem claro, na conclusão 11ª, do seu recurso: “Atenta a admissibilidade de ressarcimento dos danos não patrimoniais, que se defende, bem como considerando toda a matéria de facto dada como provada, é de arbitrar ao recorrente a quantia pedida de e 8.000,00, por ser justa e equilibrada e assim devendo fixar-se”.

E, por sua vez, na conclusão 12ª: “Somando este valor, a título de danos patrimoniais, com o valor dos danos não patrimoniais, deverá o recorrente ser indemnizado pelo valor global de e 16.120,00 (dezasseis mil, cento e vinte euros)…”

Portanto, o recurso deve ser admitido.

Mas, insistimos, ainda que, e sempre, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, atende-se somente ao valor da causa.

Pelo que, salvo melhor e fundamentada opinião, o recurso deverá admitir-se, devendo elaborar-se acórdão em conformidade.”

Cumpre decidir.

A matéria de facto dada como provada foi a seguinte:

“1. O autor foi praticante amador de rugby no “C...”, que tem a sua sede na Piscina Municipal de ..., em ... – ..., ...

2. No dia 21/10/2014, entre as 20 e as 22, 22h30m, no decurso de um treino no recinto desportivo do “C...”, também situado em ..., o autor sofreu um choque de um seu colega do clube que lhe provocou rotura do LCA, rotura do LCP e rotura do PAPL do joelho esquerdo.

3. Em consequência do referido em 2, o autor foi submetido a intervenção cirúrgica no Hospital ..., na cidade ..., em 05/11/2014, que consistiu numa Ligamentoplastia do LCA com O-T-O com STG com via astroscópica e reconstrução do PAPE do joelho esquerdo.

4. O autor teve alta em 08/11/2014, tendo-lhe sido recomendado tratamento fisiátrico urgente, para o que as rés, ou uma delas, pelo menos, deveriam enviar um termo de responsabilidade para a entidade dirigida pelo Sr. Dr. BB, médico fisiatra.

5. Em 16/03/2015, apesar de cumprir plano de reabilitação funcional na Fisiatria, com melhoria clínica gradual, ainda era previsível um tempo global de tratamento nunca inferior a 9 meses.

6. Em 01/04/2015 o autor questionou a 2ª ré sobre a necessidade de emissão do termo de responsabilidade para o médico fisiatra e sobre o pagamento da ortótese de bloqueio do arco articular, cujo custo ele suportara.

7. A 2ª ré respondeu em 15/04/2015 informando que havia solicitado ao Dr. BB o envio da prescrição de fisioterapia por forma a assumir directamente com este último o pagamento das sessões.

8. Em 11/12/2014 a 2ª ré informou o C... que, caso o autor pretendesse efectuar as sessões de fisioterapia fora da sua rede, as primeiras sessões, com o limite de 15 a 20, se encontravam autorizadas, e que no final das mesmas seria necessário novo relatório clínico com evolução clínica do autor e pedido de continuação da fisioterapia com indicação do número de sessões necessárias.

9. Para o efeito o autor efectuou um exame de Avaliação da Força através do dinamómetro Isocinético Humac Norm, pelo qual pagou € 75,00.

10. E, posteriormente, em 14/10/2016, efectuou um exame de Avaliação Isocinética.

11. Realizados os referidos testes concluiu-se que o autor “manifestou um défice funcional na execução do teste para excentricidade dos Isquiotibiais no MIE (involved), por manifesta limitação estrutural/articular…”, e que “…o atleta apresenta défices patológicos (15% 15,8%) do Pek Torque no MIE e verifica-se uma assimetria ainda maior (19,4%-48,2%) na produção de trabalho muscular…O Índice de Fadiga é marcadamente elevado para os Isquiotibiais do MIE (involved);”, “Por isso…consideramos que existe um risco elevado de lesão”.

12. O autor continuou a frequentar as sessões de fisioterapia.

13. O autor, em consequência do sinistro sofrido, ficou a padecer de Défice Funcional Permanente na Integridade Físico-Psíquica de 2 pontos em 100.

14. O autor andou de canadianas entre seis a oito meses.

15. À data do acidente o autor era estudante de engenharia ... na cidade do ....

16. O que o obrigou a recorrer ao transporte de táxi, quer para a fisioterapia, quer para as aulas da faculdade, cujas despesas as rés foram ressarcindo.

17. O autor, em 11/11/2015, requereu junto das rés o reembolso do montante de €2.051,93 respeitante a despesas de deslocações de táxi, avaliação isocinética, ressonância magnética articular, ortótese de bloqueio do arco articular e despesas com o Hospital ....

18. Desse valor a 2ª ré apenas reembolsou o autor no montante de € 191,60 referente aos custos por este reembolsados com a realização da ressonância magnética articular, consultas, joelheira e Raio-X.

19. O autor nasceu no dia .../12/1993.

20. É engenheiro ....

21. O autor, em virtude do sinistro, sofreu dores, deixou de praticar o seu desporto favorito e teve incómodos e transtornos no transporte, quer para as aulas, quer nas deslocações às sessões de fisioterapia.

22. Para além disso sente dores provocadas por movimentos com o joelho esquerdo, dores que se agravam na mudança de estação ou de tempo.

23. O autor ficou com uma limitação nesse mesmo joelho na medida em que realiza uma flexão de apenas um arco de 0º a 110º.

24. Em virtude da cirurgia a que foi sujeito são visíveis no joelho do autor quatro cicatrizes lineares, não hipertróficas, uma na face interna do joelho, com 2 cm; outra na face anterior, com 7 cm; outra na lateral, com 11 cm; e outra na face ántero-interna da perna, com 5 cm. 25.

E ficou ainda a padecer de ligeira amiotrofia da coxa de 1 cm.

26. O autor sofreu desgosto e angústia em virtude do referido em 24.

27. E ficou também muito desgostoso e triste por não poder continuar a praticar rugby, como anteriormente ao sinistro o fazia.

28. Na data referida em 1 encontrava-se em vigor um contrato de seguro de “acidentes pessoais” celebrado entre o “C...” e a 1ª R., titulado pela apólice n.º ...33, junto a fls. 47 a 58 e reverso, cujo teor aqui damos por reproduzido.

29. Nos termos das Condições Particulares desse contrato, as coberturas do mesmo, entre outras, eram as seguintes:

- Morte por acidente, sendo o capital seguro por pessoa de € 30.000,00;

- Invalidez permanente por acidente, sendo o capital seguro por pessoa de € 30.000,00;

- Despesas de tratamento e de repatriamento, sendo o capital seguro por pessoa de € 10.000,00.

30. O artigo 2º das Condições Gerais da apólice de seguro supra referida dispõe o seguinte sob a epígrafe “OBJECTO DO CONTRATO”:

“Nos termos e limites definidos nas Condições Especiais, se as houver, e Particulares da Apólice, o contrato garante, consoante as coberturas contratualizadas, o pagamento das indemnizações ou prestações devidas…” nos termos referidos em 29, “…em consequência de acidente emergente do risco Extra Profissional, única e exclusivamente, quando o Segurado/Pessoa Segura estiver no exercício de uma actividade desportiva, cultural ou recreativa: quer em competição, treino, estágio, preparação, ensaio ou actuação, quer em representação ou sob o patrocínio do Tomador de Seguro e, ainda, nas deslocações de e para os locais onde a mesma tenha lugar, desde que realizadas em grupo, em veículo do próprio Tomador do Seguro ou a este cedido ou alugado”.

31. O nº 2 do artigo 3º das Condições Gerais da apólice de seguro supra referida dispõe, para além do mais, o seguinte sob a epígrafe “DEFINIÇÃO E ÂMBITO DAS COBERTURAS”, “INVALIDEZ PERMANENTE”:

“ 2.1 Entende-se por Invalidez Permanente a perda anatómica ou impotência funcional de membros ou órgãos que, em consequência de lesões corporais resultantes de acidente coberto pela apólice, se encontre especificada na Tabela de Desvalorizações anexa a estas Condições Gerais e que faz parte integrante desta apólice.

2.2 O capital seguro por Invalidez Permanente só é devido se a mesma for clinicamente constatada no decurso de dois anos a contar da data do acidente.

2.3 Verificados os pressupostos enunciados em 2.1 e 2.2, o Segurador pagará a parte do correspondente capital determinado pela Tabela de Desvalorizações anexa a estas Condições Gerais.

2.4 …

2.5 As indemnizações são calculadas objectivamente, isto é, considerando apenas a percentagem de Invalidez Permanente independentemente do Segurado/Pessoa Segura poder ou não praticar a actividade desportiva a que se dedicava.

2.6 … 2.7 … 2.8 … 2.9 …

2.10 A Incapacidade funcional parcial ou total de um membro ou órgão é equiparada à correspondente perda parcial ou total.

2.13 Só haverá lugar a indemnização desde que a desvalorização ou soma das desvalorizações seja igual ou superior a 10 % (dez por cento), salvo convenção em contrário e mediante aplicação do sobreprémio correspondente. …”.

32. O nº 6 do artigo 3.º das Condições Gerais da apólice de seguro supra referida dispõe, para além do mais, o seguinte sob a epígrafe “DESPESAS DE TRATAMENTO E DE REPATRIAMENTO”:

“6.1 Por Despesas de Tratamento entendem-se as relativas a honorários médicos e internamento hospitalar, incluindo assistência medicamentosa e de enfermagem, bem como de exames auxiliares de diagnóstico e de fisioterapia que forem necessárias em consequência do acidente.

6.2 …

6.3 O Segurador procederá ao reembolso, até à importância para o efeito fixada nas Condições Particulares, das despesas necessárias para o tratamento das lesões sofridas, bem como das despesas extraordinárias de repatriamento.

6.4 No caso de ser necessário tratamento clínico regular, e durante todo o período do mesmo, consideram-se também incluídas as despesas de deslocação ao médico ou Unidade Hospitalar, quando indicados e/ou convencionados pelo Segurador e desde que o meio de transporte utilizado seja adequado à gravidade da lesão e devida e clinicamente fundamentado pelo médico assistente do Segurado/Pessoa Segurada e consequente parecer dos Serviços Técnicos e Clínicos do Segurador.

33. O artigo 5.º das Condições Gerais da apólice de seguro supra referida dispõe, para além do mais, o seguinte sob a epígrafe “EXCLUSÕES”:

“Salvo convenção expressa em contrário nas Condições Especiais, quando as houver, e Particulares, excluem-se:

1.1 Acidentes consequentes de acções ou omissões do Tomador do Seguro, do Segurado/Pessoa Segura ou do Beneficiário, sempre que as mesmas estejam influenciadas por consumo excessivo de álcool… e estupefacientes fora da prescrição médica, substâncias psicotrópicas ou produtos de efeito análogo;

1.2 Acidentes consequentes de acções delituosas ou seja criminosas, negligência grave, e quaisquer actos intencionais do Segurado/Pessoa Segura, praticados sobre si próprio, tal como o suicídio ou tentativa deste, incluindo actos temerários, apostas, desafios e rixas;

1.3 Acidentes consequentes de acções delituosas ou seja criminosas, negligência grave, e quaisquer actos intencionais do Tomador de Seguro ou do Beneficiário, dirigidos contra o Segurado/Pessoa Segura, na parte do benefício que àquele respeitar, ou a quem este quiser beneficiar;

1.4 Acidentes ou eventos que produzam unicamente efeitos psíquicos;

1.5 Acidentes resultantes da utilização pelo Segurado/Pessoa Segura de veículos motorizados de duas ou três rodas, moto quatro (ATV) e de aeronaves não pertencentes a carreiras comerciais autorizadas;

1.6 Acidentes derivados da prática profissional de desportos;

1.7 Acidentes derivados da prática de desportos de Inverno, prática de ski na neve e aquático, surf, snowboard, boxe, karaté e outras artes marciais, tauromaquia, para-quedismo, parapente, asa delta, ultraleves, alpinismo, barrage/saltos em equitação, espeleologia, anooing, escalada, rappel, bungee jumping, pesca submarina, mergulho com escafandro autónomo, motonáutica, motorismo e outros desportos e actividades análogas, na sua perigosidade;

1.8 Acidentes resultantes de cataclismos da natureza, tais como ventos ciclónicos, terramotos, maremotos e outros fenómenos análogos nos seus efeitos e ainda acção de raio;

1.9 Acidentes resultantes de explosão ou quaisquer outros fenómenos directa ou indirectamente relacionados com a desintegração ou fusão de núcleos de átomos, bem como os efeitos da contaminação radioactiva e de exposição a campos magnéticos;

1.10 Acidentes consequentes de greves, distúrbios laborais, tumultos, alteração de ordem pública, actos de terrorismo e sabotagem, insurreição, revolução, guerra civil, invasão e guerra contra País estrangeiro (declarada ou não) e hostilidades entre nações estrangeiras (quer haja ou não declaração de guerra) ou actos bélicos provenientes directa ou indirectamente dessas hostilidades;

1.11 Acidentes derivados de uma doença ou estado patológico preexistente, assim como lesões que sejam consequência de intervenções cirúrgicas ou tratamentos médicos não motivados por um acidente garantido por este contrato;

1.12 Hérnias qualquer que seja a sua natureza, lumbagos, reumatismo, varizes e suas complicações;

1.13 Os acidentes resultantes da inobservância das disposições preventivas das leis e regulamentos em geral e em especial os concernentes à prática das diversas actividades desportivas, culturais e recreativas;

1.14 Defeitos físicos ou doenças que possam agravar o risco de acidente ou as suas consequências;

1.15 Transplante de membros ou órgãos, cirurgia plástica e danos em próteses pré existentes, bem como as ortóteses;

1.16 S.I.D.A. – Síndroma de Imunodeficiência Adquirida e suas consequências;

1.17 As pessoas com idade inferior a 3 anos e superior a 70 anos;

1.18 Todas as situações do foro patológico, como acidentes vasculares cerebrais e acidentes cardio-vasculares.”

34. A cláusula 7 do “Manual de Procedimentos” junto a fls. 49 a 54 – cujo teor se dá por reproduzido – estipula o seguinte: “Não serão liquidadas despesas com veículos particulares ou táxis senão quando devidamente autorizadas pela RNA – REDE NACIONAL DE ASSISTÊNCIA”.

35. A 2ª ré não desenvolve a actividade seguradora, sendo que o seu objecto social é a prestação de serviços, gestão, assistência e consultadoria a pessoas e bens no ramo de qualquer sinistro. Gestão de quadros clínicos e outros. Prestação de serviços médicos e outros.

36. A 2ª ré é a entidade responsável pela gestão de sinistros contratada com a 1ª ré.

37. O exame isocinético destina-se a avaliar a função dinâmica dos músculos através da avaliação quantitativa do arco de movimento, da força e de variáveis do desempenho muscular com vista a aferir se é possível retomar a prática desportiva com segurança.

Com relevância para a boa decisão da causa não se provou:

1. O autor efectuou as sessões de fisiatria referidas no ponto 12 do elenco de factos provados até Abril de 2017 a suas expensas, sem que as rés tenham procedido ao respectivo reembolso.

2. Para além do referido no ponto 17 do elenco de factos provados o autor reclamou junto da 2ª ré o pagamento de mais do que uma avaliação isocinética.

3. Para além do referido no ponto 23 do elenco de factos provados o autor não pode dobrar o joelho.

4. Para além do referido no ponto 27 do elenco de factos provados o autor ficou também muito desgostoso e triste por não poder continuar a praticar desporto.

5. O autor é engenheiro ....

6. O autor também contactou com a 1ª ré nos termos referidos no ponto 6 do elenco de factos provados.

7. A 1ª ré também respondeu ao autor nos termos referidos no ponto 7 do elenco de factos provados.

8. A 1ª ré também contactou o “C...” nos termos referidos no ponto 8 do elenco de factos provados.

9. Para além do referido no ponto 13 do elenco de factos provados, o autor, em consequência do sinistro sofrido, ficou a padecer de Défice Funcional Permanente na Integridade Físico-Psíquica de 15 pontos em 100.

10. O autor andou de canadianas entre nove a doze meses. *

Admissibilidade do recurso:

A 1ª instância condenou a recorrida ré a pagar ao autor € 6,675, sendo € 600 a título de danos patrimoniais, no que respeita ao défice funcional permanente da integridade física, calculado com base no limite do capital convencionado e nos 2% de incapacidade.

Não se conformou o autor que, na apelação, teve por equitativa a fixação de indemnização a título de dano biológico em € 6.500, a que acrescia a indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de € 8.000,” tudo totalizando, incluindo as despesas ainda por pagar, € 14.575,00.” Já não assim na revista em que o recorrente pugna em 1ª linha pelo valor de € 16.120,00 e apenas, subsidiariamente, e por recurso à equidade, por um valor nunca inferior a €14.575.00.

Tendo em consideração que a ré foi condenada a pagar € 670 e o autor/apelante pediu apenas € 14.575, considerou o relator que a decisão da Relação passou a ser desfavorável para o autor não na medida da diferença de € 39.260,83 entre o valor inicialmente pedido - € 39.935,83- e o obtido de € 675,00 no acórdão da Relação, mas na medida da diferença entre o valor pedido nas alegações da apelação do autor e o valor fixado na Relação (que seria a € 13.900= €14.575- €675), tendo, para tanto, ponderado que ao caso não era aplicável o AUJ nº 10/2015 que manda corresponder à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1ª instância e o acórdão da Relação.

Como se sabe, o AUJ nº 10/15 uniformizou a seguinte jurisprudência: “Conformando-se uma parte com o valor da condenação na 1.ª instância e procedendo parcial ou totalmente a apelação interposta pela outra parte, a medida da sucumbência da apelada, para efeitos de ulterior interposição de recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1.ª instância e o acórdão da Relação”.

Porém, como decidiu o Ac. STJ de 9.11.2017, proc. 2035/11.9TJVNF.G1.S1” A medida da sucumbência, para efeitos de interposição de revista – quando quer a autora, quer os réus, apelaram da decisão da 1.ª instância – não se afere pela diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1ª instância e no acórdão da Relação (não sendo, como tal, aplicável a orientação do AUJ n.º 10/2015), mas sim em função do decaimento no pedido (quanto à autora) e do montante da condenação (quanto aos réus), pelo que, verificando-se, quanto a um e outro recurso, que o acórdão recorrido é desfavorável aos respectivos recorrentes em valor superior a metade da alçada da Relação, a revista é admissível (art. 629.º, n.º 1, do CPC).”

Foi o caso: o autor não se conformou com a decisão da 1ª instância, recorrendo, (como, de resto, a ré, que o fez subordinadamente).

Não sendo deste modo aplicável a orientação do AUJ nº 10/2015, deverá aferir-se, assim, a medida de sucumbência em função do decaimento no pedido.

Sucede, no entanto, que o autor apelou pugnando não pelo valor do pedido inicial, de € 39.935,83, mas pelo de € 14.575.

O que coloca a seguinte questão: deverá a sucumbência aferir-se pela diferença entre o valor peticionado (na petição inicial) de € 39.935,83 e o valor da condenação de € 675 na Relação ou pela diferença entre o valor sustentado pelo recorrente nas alegações da apelação, de €14.575 e o da condenação de € 675?

Se entendermos que o autor pediu, expressa e inequivocamente, a indemnização limitada ao máximo de €14.575, a solução deverá corresponder à segunda hipótese, na medida em que a decisão se revelará desfavorável, em relação ao que o recorrente pretende, em valor inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação.

Com efeito, afastada, no caso, a noção de sucumbência material (medida pela diferença entre o valor da condenação fixado na Relação e o arbitrado na 1ª instância, com o qual o A. se conformou, não recorrendo), terá aqui cabimento a passagem do AUJ, que respeita à sucumbência formal:

“Ora, a perda ou desvantagem do vencido é susceptível de uma dupla perspectiva:

– subjectiva, como frustração de expectativa (sucumbência formal, adjectiva ou processual);

– objectiva, como resultado efectivo da decisão (sucumbência material ou substantiva).

Na perspectiva subjectiva (frustração de expectativas), há sucumbência quando o conteúdo da parte dispositiva da decisão judicial diverge do que foi requerido pela parte no processo ou recurso, quando se verificar desconformidade entre o que foi pedido (na acção ou no recurso) e o que foi concedido na decisão, em suma, quando esta não satisfizer (totalmente ou não) o pedido.

Nesta hipótese, a medida do dano ou do prejuízo da sucumbência será a da pretensão não atendida, como diferença entre o valor do pedido (ou do recurso) e o valor da decisão (sucumbência meramente formal ou processual).

Terá sido esta a perspectiva que vingou nos acórdãos deste STJ de 26-09-2007 (Proc. 06S4612) e de 27-10-2010 (Proc. 4483/07.0TTLSB.L1.S1), ambos relatados pelo Cons. Vasques Dinis e segundo os quais:

“(...) o valor da sucumbência corresponde ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para o recorrente, aferido pelo teor da alegação do recurso e pela pretensão nele formulada, equivalendo, pois, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económica que, através dele, se pretende obter (...)”.

Assim, revertendo ao caso concreto, e repetindo, se entendermos que o autor pugnou no recurso não pelo valor do pedido mas pela fixação da indemnização limitada a € 14.575,00, concluiremos que a sucumbência é inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação.

Porém, e reponderando o caso, apesar de aceitar a fixação da indemnização nesse valor com base na equidade, não parece haver uma vontade firme e inequívoca da parte do recorrente em limitar a indemnização ao máximo de € 14.575,00, reduzindo, dessa forma, o pedido formulado na petição,

Com efeito, consta das conclusões que:

“14ª – Pelo que, € 580,00X14X50X2% = € 8.120,00 (Oito mil, cento e vinte euros);

15ª - Somando este valor, a título de danos patrimoniais, com o valor dos danos não patrimoniais, teria o recorrente direito a ser indemnizado pelo valor global de € 16.120,00, o que cabe no seio, quer do valor contratado (€ 30.000,00) quer, naturalmente, no legalmente obrigatório, que é menor - € 25.000,00 (artigo 16º, do D.L. nº 10/2009, de 12/01);

16ª - Todavia, como se diz no acórdão de referência, no que se respeita e concorda, há que recorrer à equidade, uma vez que o recorrente recebe o quantum de uma só vez;

17ª - Pelo que se tem por equitativo, a título de dano biológico, € 6.500,00, a que acrescem os danos não patrimoniais, no valor de € 8.000,00, tudo totalizando, incluindo as despesas ainda por pagar, € 14.575,00 (Catorze mil quinhentos e setenta e cinco euros), acrescida dos juros de mora em conformidade com a decisão recorrida” ( destaque nosso)

Assim, não havendo da parte do recorrente um pedido de indemnização de € 14.575,00 que implique, de forma clara e inequívoca, a redução expressa do pedido formulado na petição inicial de € 39.935,83 para essa quantia, afigura-se-nos que a sucumbência deverá ser aferida em função do decaimento relativamente ao pedido formulado na petição ( € 39.935,83-€675).

Ainda que assim não se entenda, sempre subsistirão fundadas dúvidas acerca do valor da sucumbência, pelo que, nos termos do art. 629º, nº 1, in fine do CPC, se deverá atender ao valor da causa, igual ao do pedido de € 39.935,83 e que é superior à alçada do Tribunal da Relação.

Defere-se, pois, a reclamação.

Da indemnização pretendida pelo autor.

Está em causa a quantificação dos danos patrimoniais sofridos pelo autor em consequência de um acidente desportivo (choque de um seu colega do clube que lhe provocou rotura do LCA, rotura do LCP e rotura do PAPL do joelho esquerdo), ocorrido no dia 21.10.2014, a coberto de um contrato de seguro de “acidentes pessoais” celebrado entre o “C...” e a 1ª R., titulado pela apólice n.º 14.00069533; e a existência ou não do direito à indemnização por danos não patrimoniais.

Tendo em consideração que a cobertura da invalidez permanente parcial foi configurada como prestação de valor pré-determinado (sendo, nesse caso, o valor fixado em função do grau de incapacidade) a Relação, atendendo a que, depois do acidente desportivo, o autor passou a padecer de um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de 2 pontos em 100 e que o montante máximo constante da apólice para esta cobertura era (e é) de € 30.000,00 (superior ao montante mínimo de € 25 000 previsto no art. 16º d) do RJSDO, aprovado pelo DL nº 10/2009), apurou o valor da prestação patrimonial de € 600,00. Do mesmo passo, julgando procedente o recurso subordinado da seguradora, entendeu não haver lugar a indemnização por danos não patrimoniais.

Contra esta decisão se insurge o autor que, estribando-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 9.7.2018, e no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3.10.2019, no proc. 225/17.0T8CBC.G1, sustenta que “o apuramento do montante de capital devido ao segurado é determinado pela extensão do dano e não apenas pela extensão da incapacidade decorrente do dano”, motivo por que, tendo o recorrente, à data do sinistro, 20 anos de idade e sendo estudante universitário, não possuindo actividade economicamente remunerada, haverá que considerar como bitola o salário mínimo mensal nacional à data, que era de € 580,00, bem assim os anos de esperança de vida, que era de 50 anos (atento os 70 anos como limite de esperança média de vida) e considerar uma indemnização por danos patrimoniais de € 8.120,00 (€ 580,00X14X50X2%).

Por outro lado, arrimando-se nos acórdãos do Supremo de 9.5.2019, proc. 1751/14.8TBVCD e de 20.6.2017, proc. 343/10.5TBVCD em www.dgsi.pt, considera que, tendo em conta que do texto das Condições Gerais do Contrato de Seguro não resulta que o mesmo exclua os danos não patrimoniais, é de arbitrar ao recorrente, a esse título, a quantia pedida de € 8.000,00.

Não se desconhece a discussão jurisprudencial em torno do cálculo do capital em caso de invalidez (parcial permanente, no caso) de um praticante desportivo e da possibilidade de indemnização por danos não patrimoniais.

Todavia, da nossa parte não colhem as razões aduzidas pelo recorrente no sentido de que o capital se encontra mal calculado e que, ainda, tem direito a indemnização por danos não patrimoniais.

Como se viu, em vez de calcular a indemnização aplicando a taxa de incapacidade ao capital seguro, propõe o recorrente que se apure o rendimento do lesado durante os anos de esperança de vida e se faça incidir a taxa de incapacidade sobre o resultado encontrado, resultado esse que não poderá exceder o capital contratado; e que se atendam ainda aos danos não patrimoniais até ao limite do capital

Mas cremos que não pode ser assim. O lesado recebe um montante pré-determinado que corresponde ao capital contratado ponderado pelo grau de incapacidade fixado. Não recebe o rendimento perdido ou um capital para compensação do acréscimo dos esforços em resultado da incapacidade, com a limitação máxima do capital contratado, nem qualquer compensação para os danos não patrimoniais.

Mas vejamos mais em detalhe.

No dia 21/10/2014, entre as 20 e as 22, 22h30m, no decurso de um treino no recinto desportivo do “C...”, também situado em ..., o autor sofreu um choque de um seu colega do clube que lhe provocou rotura do LCA, rotura do LCP e rotura do PAPL do joelho esquerdo. (2)

Na data referida em 1[2] encontrava-se em vigor um contrato de seguro de “acidentes pessoais” celebrado entre o “C...” e a 1ª R., titulado pela apólice n.º 14.00069533, junto a fls. 47 a 58 e reverso (28), seguro de que o autor, como jogador, era, inquestionavelmente, beneficiário.

Atenta quer a data da celebração do contrato de seguro, com início em 24.9.2014 e termo em 31.8.2015 ( doc. nº 1 junto com a contestação da ré seguradora) quer a data do sinistro em causa (em 21.10.2014), não está em causa o entendimento de que é aplicável ao caso o regime jurídico do contrato de seguro desportivo obrigatório regulado pelo Dec.-Lei nº 10/ 2009, de 12. 1.em vigor desde 1.2.2009.

E se é assim, o contrato de seguro não pode ofender o regime jurídico do contrato de seguro desportivo obrigatório no que respeita às coberturas mínimas (art. 5º), ao teor das exclusões (art. 6º) ou aos montantes mínimos obrigatórios das coberturas ( arts. 16º a 18º).

Observando as condições particulares do contrato verifica-se que a cobertura do seguro contratada abrangia a invalidez permanente pelo capital garantido de €30.000 (29), não se mostrando questionados nem o tipo de cobertura nem o capital garantido.

Apenas se mostra questionado, como se disse, o cálculo da indemnização por invalidez permanente, que não respeitará, na perspectiva do recorrente, o seguro desportivo obrigatório.

Porém, não é o que resulta da comparação entre o clausulado do seguro e o texto do diploma do seguro obrigatório.

Senão vejamos.

Para o cálculo da indemnização, o contrato de seguro celebrado entre as partes manda atender às seguintes cláusulas:

“2.1 Entende-se por Invalidez Permanente a perda anatómica ou impotência funcional de membros ou órgãos que, em consequência de lesões corporais resultantes de acidente coberto pela apólice, se encontre especificada na Tabela de Desvalorizações anexa a estas Condições Gerais e que faz parte integrante desta apólice.

2.2 O capital seguro por Invalidez Permanente só é devido se a mesma for clinicamente constatada no decurso de dois anos a contar da data do acidente.

2.3 Verificados os pressupostos enunciados em 2.1 e 2.2, o Segurador pagará a parte do correspondente capital determinado pela Tabela de Desvalorizações anexa a estas Condições Gerais.

2.4 …

2.5 As indemnizações são calculadas objectivamente, isto é, considerando apenas a percentagem de Invalidez Permanente independentemente do Segurado/Pessoa Segura poder ou não praticar a actividade desportiva a que se dedicava.

2.6 … 2.7 … 2.8 … 2.9 …”

Em resultado do contrato, o Segurador pagará, pois, a parte do correspondente capital determinado pela Tabela de Desvalorizações anexa às Condições Gerais, calculada, objectivamente, considerando apenas a percentagem de Invalidez Permanente.

É o que resulta, também, do Dec.-Lei n.º 10/ 2009.

Vejamos as disposições mais relevantes deste diploma:

Artigo 5.º

Coberturas mínimas

1 – O seguro desportivo cobre os riscos de acidentes pessoais inerentes à respetiva actividade desportiva, nomeadamente os que decorrem dos treinos, das provas desportivas e respectivas deslocações, dentro e fora do território português.

2 – As coberturas mínimas abrangidas pelo seguro desportivo são as seguintes:

a) - Pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva;

b)– Pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar, e de repatriamento;

(…)

Artigo 16.º

Coberturas mínimas abrangidas pelo seguro desportivo

O contrato de seguro a que se refere o n.º 2 do artigo 5.º garante os seguintes montantes mínimos de capital:

a) – Morte – (euro) 25 000;

b) – Despesa de funeral – (euro) 2000;

c) – Invalidez permanente absoluta – (euro) 25 000;

d) – Invalidez permanente parcial – (euro) 25 000, ponderado pelo grau de incapacidade fixado;

e) – Despesas de tratamento e repatriamento – (euro) 4000.

Artigo 18.º

Actualizações das coberturas mínimas

As coberturas mínimas obrigatórias dos seguros são automaticamente actualizadas em Janeiro de cada ano, de acordo com o índice de preços ao consumidor verificado no ano anterior e publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, I.P.

Para o caso, importa também atender ao disposto nos art. 175º e 210º da Lei do Contrato de Seguro ( DL nº 72/2008 de 16.4):

Artigo 175.º

Objecto

1 - O contrato de seguro de pessoas compreende a cobertura de riscos relativos à vida, à saúde e à integridade física de uma pessoa ou de um grupo de pessoas nele identificadas.

2 - O contrato de seguro de pessoas pode garantir prestações de valor predeterminado não dependente do efectivo montante do dano e prestações de natureza indemnizatória.

Artigo 210.º

Noção

No seguro de acidentes pessoais o segurador cobre o risco da verificação de lesão corporal, invalidez, temporária ou permanente, ou morte da pessoa segura, por causa súbita, externa e imprevisível.

Como se disse, coloca-se a questão de saber se, em face do regime jurídico do seguro obrigatório, a indemnização estabelecida para a invalidez permanente parcial deve ser calculada em função de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos até ao limite do capital garantido ou se é calculada em função da taxa de incapacidade, independentemente dos danos sofridos.

Cremos que a resposta surge como evidente em face das disposições conjugadas dos art. 5º, nº 1 e 2 e do art. 16º, d), que preveem o pagamento de um capital por invalidez permanente parcial ponderado pelo grau de incapacidade fixado, a que se somam prestações de natureza indemnizatória, como é possível num contrato de seguro de pessoas, como é o contrato de seguro desportivo (art. 175º, nº 2 da LCS) (cfr. Ac. STJ de 7.11.2019, proc. 654/16.6T8ABT.E1.S1). E, por isso, apontam alguns autores ao referido contrato uma natureza mista ou híbrida que combina, prestações de valor pré-determinado não dependente do efectivo montante do dano, como é o caso do capital por morte e invalidez permanente total e parcial, com prestações indemnizatórias, como as despesas de funeral, tratamento ou repatriamento (Francisco Rocha Rodrigues, em “Seguro desportivo. Cobertura de danos não patrimoniais in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, ano LXI, 2020, número 2, pág. 303 ). Assim [e para o exemplo da cobertura de € 25.000] “se o agente desportivo falecer ou ficar absoluta e permanentemente inváliido, a prestação do segurador é em ambos os casos, verificado o evento e independentemente do dano, de € 25.000. Se a invalidade permanente for parcial, a prestação do segurador é de € 25.000 em proporção do grau de imcapacidade (por ex. incapacidade parcial de 80%, logo o segurado recebe € 20.000). Diferentemente se passam as coisas quando se trate de das prestações indemnizatórias. Se despesas do funeral forem no valor de € 1.500 o segurador só paga os € 1.500 não obstante a soma segura ser de € 2.000. A prestação do segurador é, pois, dependente do montante do dano. Mas é-o também da soma segura acordada. Assim, se ascenderem a € 7.000 só paga o segurador € 5.000 (loc. cit., págs. 303 e 304).

Mais adiante, o citado autor desenvolve: “ (…) a lei é clara no sentido de que a cobertura por morte e invalidez permanente inclui o “pagamento de um capital “ (artigo 5.º/2, al. a)), não de uma indemnização, diversamente do que sucede com as “ despesas de funeral, tratamento e repatriamento (artigos 5.º/2, b) e 16.º e)). O significado da palavra “capital”, no direito dos seguros, pode ser ambíguo: na RJSDO ela também é usada com o significado de soma segura, mas no artigo 5.º/2 trata-se claramente de prestação de valor predeterminado, também dita de capital, porque antecedida da palavra “pagamento” seguida do artigo indefinido “um” forma sob a qual raramente aparece com um sentido de soma segura; com efeito, uma coisa seria falar-se de “pagamento do capital” outra “pagamento de um capital”, ou seja, “um capital” dentro do capital ou soma segura. Confirma-o ainda o uso da palavra “capital” no artigo 11.º/ 2: novamente antecedido do artigo indefinido “um” e aqui também com o sentido de prestação do valor predeterminado pois, apesar de não ser antecedido da palavra “pagamento” o sentido de soma segura é assegurado por outra expressão que vem logo a seguir, “valores mínimos fixados no presente decreto-lei”. A lei é também clara no sentido de que o cálculo do pagamento do capital de €25.000, no caso de invalidez permanente parcial, é feito não em função do efectivo dano mas do “grau de incapacidade fixado” (artigo 16.º d) do RJSDO), ou seja, por valor predeterminado não dependente do efectivo montante do dano ( artigo 175.º/ 2 do RJCS). ( artigo citado, pág. 308)

A estes argumentos o Ac. STJ de 7.11.2019 junta os seguintes:

“ De resto, uma solução que se pautasse, sem mais, pelo atendimento do dano efetivo poderia levar até a que a “indemnização” por invalidez permanente ficasse aquém do valor do capital garantido, caso o montante daquele dano fosse porventura inferior a este capital.

Acresce que atender ao valor do dano efetivo, incluindo dos danos não patrimoniais, poderá eclipsar a diferenciação da atribuição patrimonial devida por invalidez permanente absoluta e a devida por invalidez permanente parcial e, no âmbito desta, a que for devida em função dos graus de incapacidade fixados, diferenciação essa, de cariz objetivo, que se encontra bem patente no artigo 16.º, alíneas c) e d) do Dec.-Lei n.º 10/2009 “.

Nesta conformidade, a cobertura por invalidez permanente, ao abrigo do seguro desportivo obrigatório, encontra-se configurada como prestação de capital pré-determinada em função exclusiva da natureza dessa lesão, devendo, ainda, a invalidez permanente parcial ser ponderada pelo grau de incapacidade que for fixado (16º, alínea d)).

O cálculo da indemnização por invalidez permanente feito pelo tribunal a quo obedece, pois, não apenas ao contrato de seguro, celebrado entre as partes, como ao regime jurídico do seguro obrigatório.

Pretende, ainda, o recorrente ser compensado com uma indemnização por danos não patrimoniais.

Mas também aqui não lhe assiste razão.

Como bem nota o acórdão recorrido, do texto das Condições Particulares do Contrato de Seguro não resulta que o mesmo abranja danos não patrimoniais; e do conceito de invalidez permanente constante das Condições Gerais não resulta também tal inclusão. E a lei apenas prevê uma prestação de capital pré-determinada, sem consideração pelo dano efectivo (seja ele patrimonial, seja não patrimonial).

No sentido de que não se compreende no capital por invalidez a indemnização por danos não patrimoniais, pode ver-se, ainda, o citado acórdão do STJ de 6.4.2017, proferido no processo n.º 335/10.4TTOAZ-P1.S1,, que tece, com propriedade, a nosso ver, a seguinte observação:

“(…) a entender assim, teríamos de aceitar a incongruente solução de que a apólice apenas contemplaria a reparação de danos não patrimoniais em casos de menor gravidade, em que a invalidez permanente fosse de um valor percentual mais baixo, pois o valor do capital disponível para tal indemnização iria diminuindo à medida que fosse subindo o grau de desvalorização funcional permanente. E chegar-se-ia ao absurdo de, no caso de uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, correspondente a uma IPP de 100%, ou mesmo no caso de um IPP de 66%- potencialmente determinativas de maiores danos em bens de ordem espiritual, atenta a maior gravidade do dano corporal e as maiores limitações físicas que coenvolvem -, a apólice não contemplar a indemnização por danos não patrimoniais por não haver já capital disponível para o efeito.”

No mesmo sentido, escreve Francisco Rocha, no artigo vindo de referir, a pág. 309:

“A cobertura de danos não patrimoniais não se enquadra igualmente na lógica das prestações a cargo do segurador, em particular do seu quantum. De facto, se se entendesse que os danos não patrimoniais fossem cobertos no seguro desportivo em acréscimo aos directamente derivados da invalidez permanente e se fossem autonomizados uns e outros, só seriam cobertos danos patrimoniais por invalidez de grau inferior a 100% e em termos gradualmente maiores à medida que menor o referido grau: os danos não patrimoniais seriam cobertos em casos pouco graves de invalidez, mas não o seriam em casos mais graves de invalidez em que não restaria capital para pagamento de tais danos. A conclusão só pode ser a de que os danos não patrimoniais não são isoladamente considerados no capital a pagar pois a prestação a cargo do segurador é de valor predeterminado não dependendo do montante efetivo do dano (artigo 175.º/2 do RJCS).”

Em conclusão, o capital atribuído ao autor, de € 600, mostra-se calculado correctamente, em função do grau de incapacidade fixado (€ 30.000 x 2%); sendo que a este valor não pode ser adicionado qualquer valor autónomo a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):

“1. De acordo com o regime jurídico do seguro desportivo obrigatório a indemnização por invalidez permannte parcial é calculada em função do grau de incapacidade, indepedentemente do valor do dano efectivo (art. 16º, al. d) do DL nº 10/2009 de 12.1.);

2. A essa indemnização, assim calculada, não acresce qualquer valor a título de indemnização por danos não patrimoniais.”

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 9 de Janeiro de 2024

António Magalhães (Relator)

Jorge Arcanjo

Maria Clara Sottomayor

Voto vencida.

Decidiria pela procedência do recurso de revista.

Perante a existência de duas correntes jurisprudenciais quanto à interpretação do artigo 16.º, al. d), do DL n.º 10 /2009, de 12 de janeiro, relativo à extensão e âmbito dos danos cobertos pelo seguro desportivo obrigatório, defendo a tese adotada no Acórdão de 10-10-2023 (proc. n.º 1015/20.8T8PVZ.P1.S1), segundo a qual deve entender-se, à luz da ratio subjacente à consagração dos seguros obrigatórios (solidariedade e socialização do risco) «(…) que a referência feita no art. 16.º, al. d), da LSD, ao concreto grau de incapacidade do lesado impõe, justamente, que se atenda à situação em que o mesmo efetivamente se encontra, o que não sucede se não se levar em devida linha de conta a extensão do dano concretamente por si sofrido, assim como aos danos não patrimoniais».

Nos termos deste Acórdão, «(…) não cabe ao aplicador lançar mão de uma interpretação voluntarística das normas em ordem a garantir o seu putativo sentido interno quando daí resultar o esvaziamento ou redução da proteção jurídica que a mesma visa dirigir ao sujeito por si tutelado. E, como vimos, é escopo desta norma proteger de forma efetiva os lesados que o sejam na prática desportiva, o que não pode dispensar nunca a consideração da sua lesão efetiva». No mesmo sentido, se pronunciou o Acórdão de 09-05-2019 (proc. n.º 1751/14.8TBVCD.P1.S1), com base no argumento segundo o qual se a lei não distingue entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial, o intérprete também não pode distinguir, «sob pena de subversão do espírito do legislador».

Considero que esta interpretação normativa é a mais adequada em virtude do princípio da interpretação conforme à Constituição, uma vez que estão em causa direitos fundamentais constitucionalmente protegidos dos praticantes de desporto, designadamente o direito à saúde, bem como o direito à integridade física e psíquica (artigo 70.º, n.º 1, do Código Civil em conjugação com o artigo 25.º, n.º 1, da Constituição).

Maria Clara Sottomayor