Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL) | ||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PENA PARCELAR DUPLA CONFORME INADMISSIBILIDADE MEDIDA DA PENA HOMICÍDIO PENA ÚNICA PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL INDEMNIZAÇÃO DANO MORTE DANOS NÃO PATRIMONIAIS ASCENDENTE | ||
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Data do Acordão: | 01/20/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO QUANTO À PENA ÚNICA E QUANTO AOS DOIS PEDIDOS CÍVEIS DE EE E CC, E REJEITADO QUANTO AO DEMAIS. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: |
§1. – RELATÓRIO. §1.(a). – SINOPSE DOS ELEMENTOS RELEVANTES. O Ministério Público, junto da comarca de ..., requereu, em 11 de Junho de 2019, o julgamento de AA, com os sinais de identificação aí consignados, por imputação da prática, em autoria material, e em concurso efectivo, de 1 (um) crime de homicídio, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 131º, 132º, nºs1 e 2, alíneas e) (motivo fútil) e j) (actuação com frieza de ânimo), do Código Penal; 4 (quatro) crimes de homicídio, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas e) (motivo fútil) e j) (actuação com frieza de ânimo), do mesmo livro de leis; 1 (um) crime de ameaça agravada previsto e punido pelo artigo 153º, nº1 e 155º, nº 1, alínea a) do Código Penal (relativamente ao ofendido BB); e 1 (um) crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86º, nº1, alínea c) da Lei nº 5/2006, de 23.02 (relativamente à caçadeira apreendida a 15.03.2019). Pelos ofendidos, CC, BB, DD, EE e Centro Hospitalar de ..., E.P. forma deduzidos pedidos cíveis contra o arguido AA, com base nos factos que serviram de base acusação. Após julgamento, o tribunal da comarca de ..., proferiu, em 6 de Abril de 2020, a decisão que a seguir queda extractada. “I. Absolver o arguido AA da prática, como autor material de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1, 132º, n.º 1 e 2, al.s e) e j) do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86º n.º 3 da Lei 5/2006 de 23.02, II. Absolver o arguido AA da prática, como autor material de dois crimes de homicídio, na forma tentada, previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1, 132º, n.º 1 e 2, al.s e) e j) do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86º n.º 3 da Lei 5/2006 de 23.02; III. Condenar o arguido AA como autor material de um crime de homicídio, na forma consumada (relativamente a FF), previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1 do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86º n.º 3 da Lei 5/2006 de 23.02, na pena de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses de prisão; IV. Condenar o arguido AA como autor material de um crime de homicídio, na forma tentada (relativamente a CC), previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; V. Condenar o arguido AA como autor material de um crime de homicídio, na forma tentada (relativamente a BB), previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; VI. Condenar o arguido AA como autor material de um crime de ofensa à integridade física grave (relativamente a DD), previsto e punível pelo artigo 144º, al. a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; VII. Condenar o arguido AA como autor material de um crime de ameaça agravada, previsto e punível pelo artigo 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; VIII. Condenar o arguido AA como autor de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86º, n.º 1, al. c) da Lei nº 5/2006, de 23/2, alterada pela Lei nº 17/2009, de 6/5 e Lei nº 12/2011, de 27/4, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; IX. Operando o cúmulo jurídico, na pena única de 20 (vinte) anos de prisão; XI. Parte cível XII. Julga-se parcialmente procedente o pedido formulado pelo demandante EE e, em consequência, condena-se demandado AA a pagar ao demandante EE a quantia de 82.000,00 (oitenta e dois mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4% ao ano, desde a presente data até integral pagamento, absolvendo-se o arguido do mais que é pedido por este demandante. XIV. Julga-se parcialmente improcedente o pedido formulado pela demandante GG e, em consequência absolve-se demandado AA quanto ao que é pedido a título de danos não patrimoniais e ao abrigo do artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, remetem-se as partes para os meios comuns quanto ao pedido por danos patrimoniais. XVI. Julga-se parcialmente improcedente o pedido formulado pelo demandante HH e, em consequência absolve-se demandado AA quanto ao que é pedido a título de danos não patrimoniais e ao abrigo do artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, remetem-se as partes para os meios comuns quanto ao pedido por danos patrimoniais. XVIII. Julga-se parcialmente improcedente o pedido formulado pela demandante II e, em consequência absolve-se demandado AA quanto ao que é pedido a título de danos não patrimoniais e, ao abrigo do artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, remetem-se as partes para os meios comuns quanto ao pedido por danos patrimoniais. XX. Julga-se parcialmente improcedente o pedido formulado pelo demandante CC e, em consequência condena-se demandado AA a pagar ao demandante a quantia de 3.120,00 (três mil cento e vinte euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4% ao ano, desde a data em que o arguido foi notificado para contestar este pedido e até integral pagamento; condena-se o arguido a pagar ao demandante a quantia de 6.850,00 (seis mil oitocentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4% ao ano, desde a presente data até integral pagamento, absolvendo-se o arguido do mais que é pedido por este demandante. XXII. Julga-se parcialmente improcedente o pedido formulado pelo demandante BB e, em consequência condena-se demandado AA a pagar ao demandante a quantia de 2.065,51 (dois mil e sessenta e cinco euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4% ao ano, desde a data em que o arguido foi notificado para contestar este pedido e até integral pagamento; condena-se o arguido a pagar ao demandante a quantia de 38.350,00 (trinta e oito mil trezentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4% ao ano, desde a presente data até integral pagamento, absolvendo-se o arguido do mais que é pedido por este demandante. XXIV. Julga-se totalmente procedente o pedido formulado pelo demandante Centro Hospitalar de ... e, consequentemente, condena-se o demandado AA ao demandante a quantia global de 13 975,77€ (treze mil novecentos e setenta e cinco euros e setenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4% ao ano contados desde a data da notificação do demandado para contestar o pedido e juros vincendos até integral pagamento. XXVI. Declaro perdidos a favor do Estado declaro perdidos a favor do Estado o revólver da marca … calibre … mm …., modelo … com o número de série … e uma pistola semiautomática, marca …., modelo … calibre … mm … com o número de série … com carregadora espingarda de marca … com o n.º … e … munições calibre … marca …., determinando-se a oportuna remessa das armas e munições ao Comando-Geral da Polícia de Segurança Pública (nos termos e para os efeitos do artigo 78º do Regime Jurídico das Armas e Munições).” Em dissensão com o julgado, alçaram, o arguido, bem como o assistente, DD, recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que em decisão, datada de 14 de Setembro de 2020 (fls. 1780 a 1919), decidiu negar provimento a ambos os recursos, “(…) confirmando inteiramente a decisão recorrida”. Mantendo, no essencial, os pontos de divergência que haviam cevado o recurso para o tribunal de 2ª instância, recorre da decisão proferida, o arguido, AA, tendo dessumido a motivação (fls. 1917 a 1950), no epítome conclusivo que a seguir queda extractado. §1.(b). – QUADRO CONCLUSIVO. “1 - No caso em apreço, o arguido foi condenado, por um dos crimes, numa pena superior a 8 anos de prisão (13 anos e seis meses, pelo crime de homicídio consumado) e por outros, em penas iguais ou inferiores a 5 anos (5 anos pelos homicídios tentados, 3 anos e 4 meses pela ofensa à integridade física, 1 ano e 6 meses pela ameaça agravada, 1 ano e 6 meses pela detenção de arma proibida). 2 - Ora, estando em causa um recurso que tem por objeto não só a pena única aplicada ao arguido como também as penas parcelares, e em que a pena do concurso de crimes é superior a 5 anos, mas as penas parcelares são iguais ou inferiores a 5 anos, o STJ deve ser competente para apreciar a totalidade do recurso. 3 - Outra solução não seria defensável na medida em que a apreciação do tribunal em relação às penas parcelares insere-se na temática mais abrangente da fixação da pena conjunta. 4 - E, para a fixação da pena conjunta manda o art 77º do CP que se atenda” em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”; como tal, tendo que ser analisados os “factos e a personalidade do agente” na sua globalidade, uma interpretação da lei da qual decorra que o STJ apenas se pode pronunciar quanto à pena do concurso mas já não quanto às penas parcelares iguais ou inferiores a 5 anos consubstancia uma restrição drástica do direito ao recurso, já que limita a atuação do STJ a segmentos “truncados” do recurso ao invés de perscrutar os “factos e a personalidade do agente”, em toda a sua amplitude, sem qualquer restrição - Acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/2009 no processo 611/07.3GFLLE.S1 relator MAIA COSTA 5 - O acórdão recorrido sufragou o entendimento do tribunal de primeira instância ao manter os factos provados 12), e 31) do acórdão, não obstante a sua contraditoriedade com os factos 13), 14) e 19) 6 - Quanto ao primeiro desses factos, entendeu o tribunal que o arguido se dirigiu à sua viatura, retirou da mesma as armas de fogo (facto provado 9) e regressou às instalações da associação com o intuito já preconcebido de matar os ofendidos FF, CC e BB. 7. Todavia, a interpretação da realidade apurada que deu origem à prova desses factos é contraditória com aquela em que se alicerçou a prova dos factos 13) e 14), na medida em que nada aponta para que o arguido tenha regressado à associação com as armas com o intuito de matar aqueles sujeitos já que, à luz das regras comuns de experiência, daquilo que usualmente ocorre em situações semelhantes quando alguém quer atingir mortalmente outrem, de imediato, e sem contemplações, os mataria, mal se abeirasse dos mesmos - sem conversa, sem entrar em discussão, nem ouvir repetidos insultos. 8 - Só após a persistente, reiterada e de todo infundada (por que o arguido não lhe deu qualquer pretexto para tal, por ínfimo que fosse) provocação de FF e restantes ofendidos, que nem na presença das armas de fogo se refrearam da atitude arrivista e de arruaça, é que sucedem os disparos. 9. Ou seja, a decisão irrefletida e desgovernada do arguido de atirar contra os ofendidos só sucedeu por causa e em virtude dos comportamentos dos ofendidos relatados em 13) e 14) 10. Quando foi buscar as armas à viatura a intenção do arguido, mau grado do que possa ter dito, era obrigar os opositores a pôr termo às ofensas e “sair por cima” ou pelo menos “não sair humilhado” no conflito que os opunha. 11. Por isso a expressão “mantendo o propósito já manifestado” que se fez constar do facto provado 12) ou seja o propósito de os matar, deve ser eliminada. 12. Quanto ao facto provado 31) a conclusão retirada neste facto de que em todas as situações o arguido agiu com a intenção de matar FF, BB e CC está também em contradição com os restantes factos –não só com os já mencionados factos 13) e 14), mas também com o fato provado 19), e não se coaduna com as regras da experiência comum já que, àquela distância, entre 3 e 5 metros (facto provado 14)), fosse mesmo essa a intenção do arguido e o mesmo teria matado todos os seus opositores, bastando para tal atirar para a cabeça ou tórax, potenciando a probabilidade de obter esse resultado. 13. No estado de desespero e exasperação em que foi deixado o arguido, o mesmo procurou dar resposta à humilhação de que estava a ser vitima pelos ofendidos, através do único meio que tinha de o fazer, dada a sua fragilidade física e o facto de os seus opositores serem em elevado número: o de lhes apontar a sua arma e depois, de os atingir, provocando-lhes lesões, mas só depois de verificar que os mesmos mantinham a atitude de arruaça de insultos de humilhação para consigo, mesmo quando empunhava já a arma ( facto provado 13) e 14). 14. Por força do exposto, deve ser alterada a matéria de facto dada como provada, passando a constar do facto 31) que: “Em todas as descritas situações agiu sempre o arguido AA, com o intuito de causar lesões graves aos ofendidos FF, BB e CC.” 15. Em face das alterações supra descritas à matéria de facto provada, é imprescindível a alteração da qualificação jurídica de alguns dos crimes por forma, a que os mesmos espelhem a correta subsunção dos factos às previsões legais respetivas. 16. Dito isto, o arguido não cometeu contra o ofendido FF um crime de homicídio simples, mas antes um crime de ofensa à integridade física grave, agravada pelo resultado (arts. 144º a) e 147º, nº 1), dada a sua morte. 17. E quanto aos ofendidos BB e CC, dada a alteração aos factos provados 12) e 31) acima referidos, e a não intencionalidade de matar, o arguido não cometeu dois crimes de homicídio na forma tentada, mas sim dois crimes de ofensa à integridade física grave (art. 144º) do CP), com dolo eventual. 18. Sem prescindir a matéria de facto dada como provada pelo tribunal sempre teria – no nosso entender, que afastar por completo o entendimento de que o arguido agiu com dolo direto, ou seja, com a intenção primordial de matar FF, CC e BB pelo que, tendo os crime sido cometidos com dolo eventual, segundo a factualidade provada, esse facto não pode deixar de ter repercussões consideráveis em sede de determinação da pena. 19. Não obstante o tribunal se tenha referido ao circunstancialismo que antecedeu os disparos, e concretamente ao enxovalhamento, provocação e humilhação sofridos pelo arguido nas mãos dos ofendidos e de outros, pertencentes ao “grupo de …”, composto de 14 pessoas que que o afrontaram até ao limite, - sem que ele nada tenha feito para o justificar (vide factos provados 4), 5), 8), 13) e 14)) - acabou por não dar qualquer relevo a estas circunstâncias, não obstante as mesmas diminuam fortemente o grau de culpa com que atuou. 20. Contudo, esses antecedentes justificam uma atenuação especial da pena nos termos do art 72 nº 2 b) por ter sido a sua conduta determinada por provocação injusta ou ofensa imerecida. 21. Quanto à determinação da medida concreta da pena especialmente atenuada, atendendo à orientação dada pelo art. 71º do C.P., nº 1 quanto à relevância da culpa do agente, necessidades de prevenção especial e geral e outros, reportados ao caso concreto, julgamos adequada e proporcional a aplicação ao arguido das seguintes penas, ESPECIALMENTE ATENUADAS: quanto a FF - na hipótese de ofensas à integridade física graves, agravadas pelo resultado - 6 anos de prisão; - na hipótese de homicídio consumado – entendimento do acórdão – sendo de ter em conta o dolo eventual: 8 anos de prisão, quanto a DD, CC e BB, por cada um dos crime de ofensas à integridade física graves - 2 anos de prisão; Quanto ao crime de ameaças agravadas (BB) – 6 meses de prisão e finalmente pelo crime de detenção de arma proibida – pena de multa. 22. Em cúmulo jurídico das penas especialmente atenuadas) atendendo aos limites impostos pelo art 77.º, n.º 2, do Código Penal e ponderados os fatores mencionados no art 71º, nº 1 do CP aplicados ao caso concreto, julgamos que seria adequada a pena única especialmente atenuada a aplicar ao arguido de: Na Hipótese 1 – de ser qualificado o crime cometido contra FF como ofensas à integridade física graves, agravadas pelo resultado: cúmulo de 9 anos de prisão e pena de multa pelo crime de detenção de arma proibida, Na Hipótese 2 - de ser qualificado o crime cometido contra FF como homicídio consumado: cúmulo de 11 anos de prisão e pena de multa pelo crime de detenção de arma proibida. 23. Sem prescindir não obtendo a concordância de V Ex.as quanto à argumentação até aqui aduzida, o que equivale a dizer para a eventualidade de V. Ex.as virem a ratificar o entendimento do acórdão recorrida quanto à matéria de facto dada como provada, à qualificação jurídica dos crimes e à inaplicabilidade da atenuação especial da pena – o que por mera hipótese académica se concebe, ainda assim a pena aplicada no acórdão recorrido a cada um dos crimes pelos quais o arguido foi condenado em primeira instância, e a pena única determinada em cúmulo é claramente excessiva e injusta para além de que desconsiderou fatores relevantes que devia ter tido em conta. 24. Os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena são os que se prendem com a prevenção e a culpa do agente, refletindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto o limite máximo da pena. 25. Tendo em conta tal limite da pena, associado à culpa do agente, a mais premente das críticas a efetuar ao acórdão recorrido prende-se com incorreta avaliação dessa mesma culpa, principalmente em face do contexto em que os factos sucederam e da franca diminuição da culpa do arguido dada a conduta arruaceira, provocadora e humilhante dos ofendidos e da vítima, que deram causa ao atrito e ao estado de exasperação que o levou a disparar contra os mesmos; tal diminuição da culpa terá que servir de fortíssima atenuante da medida da pena a aplicar. 26. Para além disto, quanto à agravação da medida da pena em virtude do uso de arma de fogo, não obstante decorra da lei o incremento das molduras penais em abstrato por força do seu uso (artigo 86º, n.º 3 da Lei 5/2006, de 23.02), no momento da determinação da pena em concreto, neste caso em particular, tal circunstância não pode ser usada como agravante – como veio a ser no acórdão recorrido, já que, dentro dos condicionalismos em que se encontrava – a ser humilhado e insultado por um grupo de 14 indivíduos, corpulentos, sendo o arguido um homem de estrutura física frágil, e que se encontrava sozinho a enfrentar o grupo, a arma a que o mesmo recorreu era o meio “mínimo” possível para a concretização do crime. 27. Por outro lado, não obstante o arguido tenha alvejado mais 3 pessoas para além da vítima, as lesões físicas de que os mesmos padeceram tiveram pouca repercussão ou reduzidos efeitos na saúde dos ofendidos, que não se encontram impedidos pelas mesmas de levar uma vida normal, fator que deve ser tido em conta. 28. Quanto ao crime de ameaças, a pena aplicada de um ano e seis meses de prisão é exorbitante e deve ser consideravelmente reduzida, na medida em que, não obstante o previsível e justificado temor resultante do incidente relatado no facto provado 19), que terá feito o ofendido BB recear pela própria vida, tal ameaça durou escassos segundos, tendo deixado existir logo após, quando o arguido deixou de ter a arma encostada à testa do ofendido. 29. Da fundamentação do cúmulo jurídico do acórdão recorrido retira-se que o mesmo acolheu em desfavor do arguido a circunstância de o mesmo ter cometido um elevado número de crimes num lapso temporal de minutos, o que constitui uma solução jurídica manifestamente errada já que por forma a avaliar o grau de culpa do arguido tal circunstância só poderia ter levado ao entendimento contrário, ou seja, aquele de que a sua culpa é diminuta precisamente em face da prática de crimes “em catadupa”, em poucos minutos, de forma quase instantânea, num evento infeliz, único e irrepetível, em que o agente, em face de acontecimentos anómalos e em situação de desespero, cometeu esses crimes, já que tal não é indicativo de uma predisposição criminosa do agente – como tal a circunstância tida pelo tribunal como agravante deveria funcionar pelo contrário como atenuante já que o comportamento do arguido aponta não para uma tendência criminosa do arguido, mas antes para uma “pluriocasionalidade”, - para utilizar a expressão de Figueiredo Dias revertida no acórdão – que não radica na sua personalidade e não deve funcionar como agravante. 30. Para além disso o acórdão recorrido, para a aplicação da medida concreta da pena parcelar e da pena única, apoia-se em elementos que não podem ser tidos em conta para o efeito, já que integram o elemento típico do ilícito; servem para qualificar ou tipificar o acto como crime e não cumulativamente para decidir sobre qual a pena concreta que lhe caberá - a ofensa ao bem supremo que é a vida ou a ofensa à integridade física não são elementos que possam ser utilizados para se fixar a medida da pena porque integram já o respetivo ilícito. 31. Verdadeiramente da leitura do acórdão e excluindo esses elementos – que não podem ser utilizados para o efeito, - conclui-se do mesmo que nem um único elemento é invocado para fundamentar a aplicação da medida concreta da pena ou a pena única 32. A opção do acórdão recorrido pela pena de prisão quanto ao crime de detenção de arma proibida é inaceitável dado que a arma em causa – uma espingarda - estava a ser usada como simples objeto decorativo de embelezamento de uma parede da sala de bilhar de casa do arguido, onde se encontrava pendurada (facto provado 35), do que resulta que o arguido não tinha nenhuma intenção de a utilizar com qualquer finalidade ilícita, para além de que o arguido possuía outras armas - e devidamente legalizadas – (designadamente aquelas referidas no facto provado 10), pelo que o risco de aquela arma “sair” da parede para outra finalidade que não a de exposição como objeto decorativo era diminuto. 33. Para além disso, a referencia ao “uso que o arguido faz das armas” constante do acórdão recorrido como justificação para a aplicação de pena de prisão por este crime é altamente falaciosa, na medida em que faz crer que o arguido é um individuo perigoso, que habitualmente se serve de armas de fogo para finalidades ilícitas, o que claramente não é o caso; repise-se: não fossem as circunstâncias excecionais a que o mesmo esteve sujeito no momento da prática dos crimes aqui em causa, concretamente a brutal provocação de que ele foi alvo, e os crimes praticados contra os ofendidos jamais teriam sucedido, pelo que a sanção a aplicar deve ser a pena de multa. 34. Em face do exposto, e tendo em conta as condicionantes aqui explanadas caso V. Ex.as entendam não valorizar a argumentação anterior aqui aduzida, mantendo a decisão do acórdão recorrida quanto aos factos provados aqui colocados em crise, à qualificação jurídica dos crimes e à não aplicação da atenuação especial da pena, ainda assim deverão V Ex.ªas julgar as pena aplicadas em concreto manifestamente exageradas, sendo as adequadas, no nosso entendimento as seguintes: - pelo crime de homicídio consumado contra o ofendido FF: 11 anos de prisão; por cada um dos crimes de crime de homicídio sob a forma tentada (contra os ofendidos CC e BB): 3 anos prisão; pelo crime de ofensas à integridade física graves (DD) - 2 anos e 8 meses de prisão; pelo crime de ameaças agravadas – 8 meses de prisão; pelo crime de detenção de arma proibida – pena de multa. 35. Em cúmulo jurídico, atendendo ao estabelecido no artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, e sendo considerados na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. (art 71º, nº 1 do CP), afigura-se adequada a aplicação da pena única de 13 anos de prisão e pena de multa pelo crime de detenção de arma proibida. 36. No que concerne à parte cível, a fixação do quantum indemnizatório pela perda do direito à vida terá que assentar nas circunstâncias concretas do caso e nas orientações jurisprudenciais, com as quais o poder discricionário do tribunal não deve colidir. 37. O acórdão recorrido colidiu com essas orientações ao atribuir ao demandante EE indemnização em 70.000€ pela perda do direito à vida de FF já que tal valor excede os valores habitualmente fixados pelas nossas instâncias superiores, que vêm a fixar com maior frequência montantes compreendidos os €50.000,00 e os €60.000,00€ pelo que se nos afigura mais justa e adequada a fixação do montante indemnizatório pela perda do direito à vida de FF no valor de 60.000,00€. 38. A indemnização atribuída pelo tribunal ao demandante EE de 30.000€ pelos danos morais decorrentes da dor e sofrimento pela morte do filho FF é excessiva, encontrando-se além dos valores habitualmente arbitrados pelos nossos tribunais superiores em circunstâncias semelhantes pelo que a decisão aqui posta em crise ofende a equidade e deve ser substituída por outra, que fixe a indemnização pelos danos morais ao demandante EE, na quantia de 25.000,00 €. 39. A quantia indemnizatória atribuída ao demandante EE de 10.000€ pelo chamado dano intercalar, ou seja, pelo sofrimento de FF pela antevisão da própria morte, que não ocorreu imediatamente após o disparo é excessiva já que dos factos 89), 90) e 91) – que não esclarecem a duração da situação – retira-se que o sofrimento de FF que antecedeu a própria morte terá durado alguns minutos, pelo que se afigura desproporcionada a indemnização de 10.000€ atribuída a este título, devendo esta ser reduzida para 5.000€, quantia que se entende adequada a ressarcir esse dano. 40. A redução da indemnização nos termos do art 570º do Cód. Civil, determinada no acórdão recorrido em face da culpa do ofendido FF na produção dos danos é insuficiente já que, em face dessa culpa a redução da indemnização terá que ser de, pelo menos 40%, ficando assim a indemnização fixada em 67.500€ (valor resultante da soma das quantias pelas quais aqui pugnamos – 60.000€ + 25.000€ + 5.000€ = 90.000€, subtraída dos 40%). 41. Quanto às indemnizações a atribuir a CC e BB, dada a culpa dos mesmos na produção dos danos, nos termos do art. 570º nº 1 do Cód. Civil deve ser-lhes aplicada uma redução à indemnização de, pelo menos 20% Pelo exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser revogado o acórdão recorrido, proferindo-se outro nos termos acima requeridos.” §1.(c). – RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. “Por douto acórdão com a referência …, proferido no dia 6 de abril de 2020 pelo Juízo Central Criminal de ... – Juiz … - do Tribunal Judicial da Comarca de ..., foi o arguido AA condenado, no que à parte crime diz respeito: - “Como autor material de um crime de homicídio, na forma consumada (relativamente a FF), previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1 do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86º n.º 3 da Lei 5/2006 de 23.02, na pena de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses de prisão. - Como autor material de um crime de homicídio, na forma tentada (relativamente a CC), previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão. - Como autor material de um crime de homicídio, na forma tentada (relativamente a BB), previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão. - Como autor material de um crime de ofensa à integridade física grave (relativamente a DD), previsto e punível pelo artigo 144º, al. a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão. - Como autor material de um crime de ameaça agravada, previsto e punível pelo artigo 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. - Como autor de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86º, n.º 1, al. c) da Lei nº 5/2006, de 23/2, alterada pela Lei nº 17/2009, de 6/5 e Lei nº 12/2011, de 27/4, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. - Em cúmulo jurídico, na pena única de 20 (vinte) anos de prisão”. Não satisfeito com esta decisão dela veio o arguido recorrer para o Tribunal da Relação de Guimarães. Por decisão deste Tribunal da Relação de Guimarães com a referência 70…02, proferido no dia 14 de setembro de 2020, foi julgado improcedente o recurso que o arguido havia interposto e mantida integralmente a decisão recorrida. Mais uma vez, não concordando com esta decisão dela veio o arguido AA recorrer, nos termos constantes das suas doutas alegações com a referência …. Como é jurisprudência unânime, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, nomeadamente a indagação dos diferentes vícios que estão previstos no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal. Nas palavras do Professor Germano Marques da Silva, “São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem que apreciar” - Curso de Processo Penal III, Editorial Verbo, 2000, página 335. De acordo com as conclusões do recurso importa saber se: - Se verifica contradição insanável entre os factos provados 12 e 31 e os factos provados 23, 24 e 19 – conclusões 5 a 14. - Se, face à alteração pelo arguido proposta à redação destes factos, se deve proceder à alteração da qualificação jurídica de alguns dos crimes por que foi condenado – conclusões 15, 16 e 17. - Se o arguido agiu com dolo direto ou com dolo eventual – conclusões 18 e 19. - Se o arguido deve beneficiar da atenuação especial da pena, nos termos do disposto no artigo 72º, nº 2, al. b) do Código de Processo Penal – conclusões 21 e 22. -Se as penas que ao arguido foram aplicadas – penas parcelares e pena unitária – são excessivas e injustas – conclusões 22 a 35. - Se as indemnizações fixadas a favor dos ofendidos se apresentam excessivas – conclusões 36 a 41. Da contradição insanável entre factos provados. O arguido invoca o vício previsto no artigo 410º, nº 2, al. b) do Código de Processo Penal – contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão. Está jurisprudencialmente assente que os vícios da sentença como é o caso da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova, terão de resultar do texto da própria decisão sem que se possa deitar mão a qualquer outro elemento exterior – vd., entre outros, acórdãos do STJ de 11-11-2004, 5-07-2007 e 15-07-2008, todos publicados em www.dgsi.pt. Para definir em que consiste o vício de contradição insanável, previsto no artigo 410º, nº 2, al. b) do Código de Processo Penal, vamo-nos socorrer do que se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-04-2013, relatado pelo Desembargador Alves Duarte, in www.dgsi.pt., que passamos a citar na parte que interessa: “II - O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste tanto na contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, como também entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou até mesmo entre a fundamentação e a decisão. Ou seja, uma situação em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão”. E também no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-03-2010, proferido no processo nº 1319/08.8TACBR.C1, relatado pelo Desembargador Esteves Marques, que dispõe: “Como é sabido a contradição insanável de fundamentação consubstancia um vício previsto no artº 410º nº 2 b) CPP o qual se verifica, segundo Simas Santos e Leal Henriques Código de Processo Penal Anotado, pág. 739., “ Por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou na qualidade. Para os fins do preceito ( al. b) do nº 2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência”. E acrescentam os referidos autores que “ As contradições insanáveis que a lei considera para efeitos de ser decretada a renovação da prova são somente as contradições internas, rectius intrínsecas da própria decisão considerada como peça autónoma.”. Daí que, nos termos do artº 410º nº 2 CPP, tenham de resultar, na sua globalidade, “ do próprio texto da decisão recorrida” (não sendo assim portanto permitida a consulta a outros elementos constantes do processo), por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”. Defende o arguido que que se verifica contradição entre os factos provados 12 e 31 do acórdão com os factos também provados 13, 14 e 19. Na sua opinião nunca o tribunal poderia ter considerado como provado que o arguido quando foi ao carro, pegou nas duas armas que aí guardava e que havia previamente municiado com balas do mesmo calibre, regressou novamente para a associação recreativa e cultural de ..., empunhando, ao alto, uma das referidas armas, “mantendo o propósito já por si manifestado”, ou seja, mantendo a intenção de matar os ofendidos FF, BB, DD e CC. Se a sua intenção fosse matar os ofendidos nunca teria tido o comportamento que teve e que se encontra descrito nos pontos 13, 14 e 19. À luz das regras da experiência e daquilo que usualmente ocorre em situações semelhantes, se a sua intenção fosse matar os ofendidos teria imediatamente disparado sobre eles, mal se abeirasse dos mesmos. Mas não o fez. Só depois de ser persistente, reiterada e infundadamente provocado pelo FF e restantes ofendidos, que nem na presença das armas de fogo se refrearam da atitude arrivista e de arruaça, é que disparou sobre eles. Na opinião do arguido deve ser eliminada, no ponto 12, a expressão “mantendo o propósito já manifestado” e o ponto 31 deve ser alterado, passando a ter a seguinte redação “Em todas as descritas situações agiu sempre o arguido AA com o intuito de causar lesões graves aos ofendidos FF, BB e CC”. Confrontando-se os pontos 12 e 31 com os pontos 13, 14 e 19, todos da matéria de facto provada, não se vê qualquer contradição e muito menos uma contradição insanável. O que acontece é que o arguido faz uma interpretação dos factos descritos nos pontos 13, 14 e 19 do modo que mais lhe interessa, completamente desfasada da realidade do que se provou nos autos e contrária à interpretação feita pelo tribunal, pretendendo que o Supremo Tribunal altere a matéria de facto dada como assente pela primeira instância e confirmada pela Relação relativamente à intenção que o arguido tinha de matar os ofendidos, considerando agora como provado que apenas tinha a intenção de os ofender gravemente na sua integridade física, nunca sendo sua intenção matar as vítimas. Sabendo o recorrente que o Supremo Tribunal de Justiça apenas aprecia matéria de direito, sem prejuízo de apreciar também questões que sejam de conhecimento oficioso, nomeadamente a indagação dos diferentes vícios que estão previstos no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, veio invocar agora a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, prevista na da alínea b), do nº 2 do referido artigo. As contradições insanáveis que a lei considera para que seja decretada a renovação da prova terão de resultar do texto da própria decisão, terão de ser intrínsecas à própria decisão sem que se possa deitar mão a qualquer outro elemento exterior, não sendo portanto permitida a consulta a outros elementos constantes do processo. Analisando-se a decisão recorrida não vê qualquer contradição e muito menos uma contradição insanável, parecendo-nos, pelo contrário, que todos os factos aí descritos se harmonizam entre si, do mesmo modo que não se descortina qualquer contradição entre a motivação e a decisão de facto ou entre a motivação e a decisão de direito. O que nos parece é que o recorrente confunde as coisas, resultando a invocada contradição, não da interpretação que o tribunal fez da prova, mas da apreciação que ele próprio faz dessa mesma prova. Vista a decisão recorrida, verifica-se que, de acordo com “um raciocínio lógico”, a fundamentação justifica precisamente a decisão que foi tomada e não se verifica qualquer colisão entre os factos provados, designadamente os factos indicados pelo arguido, ou entre a fundamentação e a decisão. Deve, pois, nesta parte, o recurso improceder. Da qualificação jurídica dos factos. Na opinião do arguido, face à alteração por si proposta dos factos provados 12 e 31 deve proceder-se à alteração da qualificação jurídica de alguns dos crimes, passando o arguido a ser condenado, não pela prática de um crime de homicídio simples na pessoa de FF, mas pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, agravada pelo resultado, previsto e punido pelos artigos 144º, al. a) e 147º, nº 1 do Código Penal, dada a morte. Quanto aos ofendidos BB e CC deve o arguido ser condenado, não pela prática de dois homicídios de homicídio na forma tentada, mas pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física grave, previstos e puníveis pelo artigo 144º, al. a) do Código Penal, com dolo eventual. O recorrente socorre-se aqui de uma mera hipótese que consiste em a matéria de facto constante dos pontos 12 e 31 ser alterado no sentido de ser excluída a intenção de matar do arguido ao disparar contra o corpo do FF, do BB e do CC e ser dado como provado que apenas tinha intenção e vontade de lhes causar lesões graves. Ora, esta hipótese não se verifica, pelo que não tem qualquer viabilidade a pretensão do arguido. Alega ainda o recorrente que ao cometer os crimes na pessoa do FF, do CC e do BB agiu com dolo eventual e não com dolo direto, ou seja, com a intenção primordial de os matar, pelo que esse facto não pode deixar de ter repercussões consideráveis em sede de determinação da pena. Sobre esta matéria consideraram as instâncias provado que: - “O arguido agiu sempre com o intuito de tirar a vida à vítima FF, e aos ofendidos CC e BB, utilizando o instrumento que considerou mais adequado para o fazer – uma arma de fogo - bem sabendo que face às suas próprias características, disparando a mesma a curta distância (não superior a 5 metros) e visando o corpo daqueles, locais onde se alojam órgãos vitais, a sua conduta era idónea a produzir o resultado que almejava, isto é, a morte dos ofendidos, como conseguiu efetivamente em relação à vítima FF que veio a falecer logo no local, só não conseguindo os seus intentos relativamente aos ofendidos CC e BB por factos independentes da sua vontade. - Sabia ainda que aquela arma possuía uma grande capacidade agressiva para os tecidos humanos e era particularmente perigosa quando fosse disparada em direção a uma pessoa e suscetível de provocar a morte dos ofendidos, como efetivamente veio a acontecer com o FF ou ofensas corporais graves e permanentes, como aconteceu com DD. - O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente”. Como bem se afirma no parecer do Ministério Público nesta Relação, “De tal matéria factual resulta de forma evidente a intenção criminosa do arguido em tirar a vida à vítima FF e aos ofendidos CC e BB, tendo o arguido previsto a respetiva morte, que quis que acontecesse, tanto mais que sabia que a arma que utilizou possuía uma grande capacidade agressiva para os tecidos humanos e era particularmente perigosa quando fosse disparada em direção a uma pessoa e suscetível de lhe provocar a morte, pelo que agiu com dolo direto”. A intenção e vontade de matar os ofendidos era tão intensa por parte do arguido que não se limitou a disparar sobre cada um deles um só tiro, o que aconteceria se a sua vontade fosse apenas feri-los, ainda que gravemente. Mas não, atingiu cada um dos ofendidos, pelo menos, com dois tiros, em partes vitais do corpo como é o abdómen, onde se alojam vários órgãos vitais como são o fígado, o pâncreas e o baço e até os próprios intestinos que ao serem perfurados facilmente provocam uma infeção generalizada e incontrolável. Por ter a vontade de matar todos os indivíduos do grupo de ... que o afrontassem, muniu-se com duas armas, uma pistola e um revólver, com os carregadores integralmente municiados para, no caso de esvaziar um carregador ficar ainda com o outro. Afirma ainda o arguido que é um bom atirador e que disparou a curta distância dos ofendidos. Se pretendesse matá-los facilmente os atingiria na cabeça ou no tórax. Acreditamos que seja bom atirador e por isso atingiu as vítimas no abdómen, local que ele sabe ser extremamente perigoso e que da sua perfuração resulta normalmente a morte. Sendo assim tão bom atirador e tendo disparado a tão curta distância facilmente teria atingido as vítimas nos membros inferiores, se quisesse, provocando-lhes normalmente apenas ferimentos e não a morte. Mas não era essa a sua intenção. A sua intenção primordial era matá-los e por isso os alvejou no abdómen e com dois tiros. Também quanto a esta matéria não tem o recorrente razão alguma, pelo que terá o recurso de improceder. Da atenuação especial da pena. Defende ainda o recorrente que a pena que lhe foi aplicada deve ser especialmente atenuada, nos termos previstos nos artigos 72º e 73º do Código Penal, atentas as circunstâncias que antecederam a prática dos crimes, tendo sido injusta e imerecidamente provocado, enxovalhado e humilhado pelos ofendidos e por vários indivíduos que os acompanhavam, em número de catorze, pertencentes ao denominado “grupo de ...”, que o afrontaram até ao limite. Este comportamento por parte dos ofendidos e seus acompanhantes faz diminuir fortemente o grau de culpa com que atuou. Parece-nos que não tem razão. Dispõe o artigo 72º do Código Penal com o título “atenuação especial da pena”. “1 – O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos especialmente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. 2 – Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: a) Ter atuado o agente sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem depende ou a quem deva obediência; b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida; c) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados; d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta. 3 – Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo”. Por sua vez, dispõe o artigo 73º do mesmo código, com o título “termos da atenuação especial”. “1 – Sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável: a) O limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço; b) O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a três anos e ao mínimo legal se for inferior; c) O limite máximo da pena de multa é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal; d) Se o limite máximo da pena de prisão não for superior a três anos pode a mesma ser substituída por multa, dentro dos limites legais. 2 – A pena especialmente atenuada que tiver sido em concreto fixada é passível de substituição, incluída a suspensão, nos termos gerais”. Escreve-se sobre esta matéria, atenuação especial da pena, no acórdão do STJ de 15-1-2015, processo nº 92/14.5YFLSB, relatado pela Conselheira, Drª Helena Moniz. “O disposto no art. 72.º, do CP, constitui uma cláusula geral, uma “válvula de segurança (Figueiredo Dias) que o legislador quis estabelecer admitindo que os casos específicos de atenuação especial expressamente previstos não sejam suficientes, isto por considerar que possam “existir circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura respectiva' [20] — nestes casos deverá então substituir-se a moldura abstrata do tipo legal de crime, por uma outra formada a partir dos critérios do art. 73.º, do CP. Ou seja, o legislador entende que, para além dos casos de atenuação especial previstos na parte especial do CP, haverá outras situações, situações extraordinárias em que, em nome da justiça e da equidade, não é possível estabelecer uma pena adequada à culpa concreta do agente e às necessidades de prevenção geral e especial, sem que se usem poderes extraordinários de atenuação. Para tanto, e tal como nos diz o art. 72.º, n.º 1, do CP é necessário que ocorram “circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, portanto é necessário que ocorram elementos que nos permitam concluir estarmos perante um caso em que exista uma diminuição acentuada da ilicitude do facto, uma diminuição acentuada da culpa do agente ou uma diminuição acentuada das exigências de prevenção. Ora, “a diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da atuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo'[21], ou seja, apenas se aplica este regime para casos extraordinários ou excecionais, casos em a situação atenua a “imagem global do facto, a gravidade do crime como um todo. Além disto, as próprias situações descritas no art. 72.º, n.º 2, do CP, “não têm um efeito «automático» de atenuar especialmente a pena, mas só o possuirão se e na medida em que desencadeiem o efeito requerido. [22]”. Não vemos que no presente caso se possa invocar, atentos os factos dados como provados, estarmos perante uma situação excecional que diminua de forma acentuada as exigências de punição dos factos praticados pelo arguido, suscetível de legitimar uma atenuação especial das penas. No momento da determinação das penas foram tidos em conta todos os elementos que depunham a favor do arguido, designadamente as provocações e insultos que sofreu por parte dos ofendidos e seus acompanhantes, e foram perfeitamente integrados no âmbito da moldura estabelecida para o tipo de crimes praticados, sem que se sentisse necessidade de uma moldura menor. Não se verifica qualquer circunstância excecional que diminua de forma acentuada a culpa do arguido e a necessidade de pena diferente das normalmente previstas pelo legislador quando constrói uma moldura abstrata suficientemente ampla, que nos permita concluir pela aplicação do regime de atenuação especial, previsto nos artigos 72.º e 73.º, do Código Penal. Entre as injúrias e as ameaças que o arguido sofreu e a atuação que teve ao atingir as vítimas com disparos de uma pistola numa zona do corpo como é o abdómen, onde existem órgãos que ao serem atingidos têm grandes probabilidades de provocar a morte como aconteceu ao infeliz FF, verifica-se uma enorme desproporção. Não se verifica uma diminuição acentuada da culpa do arguido, da ilicitude do facto ou das exigências de prevenção geral e especial. Bem pelo contrário, a intensidade do dolo é elevada, tendo atuado com dolo direto, a ilicitude dos factos é também muito elevada, a personalidade do arguido apresenta “sinais de características pessoais reveladoras de agressividade verbal, perante situações que o próprio percecionava como ofensivas” – vd. ponto 52 da matéria de facto provada. Tudo isto é impeditivo da aplicação ao arguido da atenuação especial da pena. As penas parcelares e a pena única aplicadas ao arguido e acima referidas parecem-nos justas e adequadas e não se mostram, de modo algum, excessivas, pelo que nos parece que também nesta parte deve o recurso improceder. Da medida das penas. O crime de homicídio, previsto no artigo 131º, nº 1 do Código Pena, é punido com pena de prisão de oito a dezasseis anos. Uma vez que, no presente caso, a pena é agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, nos termos do disposto no artigo 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23-02, por ter sido cometido com arma de fogo, passa a pena abstrata a ser de dez anos e oito meses a vinte e um anos e quatro meses de prisão. O crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido nos termos dos artigos 131º, 23º, nº 2 e 73º, nº 1, als. a) e b) do Código Pena, com pena de prisão de um ano, sete meses e seis dias a dez anos e oito meses. Uma vez que, no presente caso, a pena é agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, nos termos do disposto no artigo 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23-02, por ter sido cometido com arma de fogo, passa a pena abstrata a ser de dois anos, um mês e dezoito dias a treze anos, seis meses e vinte dias de prisão. O crime de ofensa à integridade física grave é punido com pena de prisão de dois a dez anos, agravado de um terço nos seus limites mínimo e máximo, nos termos do disposto no artigo 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23-02, por ter sido cometido com arma de fogo, passa a pena abstrata a ser de dois anos e oito meses a treze anos e quatro meses de prisão. O crime de ameaça agravada, previsto nos termos do artigo 155º, nº 1, al. a) do Código Penal, agravado nos termos disposto no artigo 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23-02, é punido com pena de multa ou com pena de prisão até dois e oito meses. O crime de detenção de arma proibida, previsto pelo artigo 86º, nº 1, al. c) da Lei nº 5/2006, de 23-02, é punido com pena de multa até seiscentos dias ou pena de prisão de um a cinco anos. Estabelece o artigo 40º do Código Penal que as finalidades da aplicação de uma pena assentam na proteção de bens jurídicos e na reinserção do agente na sociedade. A necessidade de proteção de bens jurídicos traduz-se “na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma infringida” -vd. Professor Figueiredo Dias, in Consequências Jurídicas do Crime, 1993, página 228. Trata-se da chamada prevenção geral positiva ou de integração que decorre do princípio político-criminal básico da necessidade da pena consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. A prevenção geral positiva fornece-nos uma “moldura de prevenção”. O limite máximo é constituído pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. Abaixo desse ponto ótimo, outros existem em que aquela tutela é efetivamente consistente e onde a pena ainda desempenha a sua função primordial. A pena deve evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia ótima de proteção de bens jurídicos. A medida da pena nunca pode ultrapassar a medida da culpa. A função da culpa consiste numa incondicional proibição do excesso, isto é, “a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas” – vd. Professor Figueiredo Dias, in Consequências, página 230. O limite máximo de pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, sob pena de pôr em causa a dignidade humana do delinquente - artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal. De acordo com o disposto no artigo 71º, nº 1 do Código Penal, na determinação da medida da pena há que ter em conta a culpa do agente e as necessidades de prevenção de futuros crimes, tendo em conta todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de ilícito, deponham a favor do arguido ou contra ele. Como se vê lendo o douto acórdão recorrido, o tribunal teve em conta todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de ilícito, depunham a favor do arguido ou contra ele, ao contrário do que este afirma. E porque teve o tribunal em atenção não só a conduta levada a cabo pelo arguido, mas também todos os fatores que o beneficiam, designadamente a confissão quase integral dos factos, porém sem grande relevância para a descoberta da verdade, o arrependimento demostrado, a sua integração familiar, laboral e social e a provocação que terá sofrido, é que lhe aplicou penas que se situam próximo do limite mínimo legal da moldura penal. Parece-nos que nenhuma censura merece, também nesta parte, o acórdão recorrido. Ainda relativamente a esta matéria, a medida concreta da pena, passaremos a citar o que se escreveu no acórdão desta Relação de Guimarães, de 22-02-2016, processo nº 176/15.2GACMN.G1, relatado pelo Desembargador Dr. Fernando Monterroso, posição a que aderimos inteiramente: “Como se sabe, a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa – art. 40º do Cód. Penal. O limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Dentro destes limites, a pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial. “Toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa” – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Tomo I, pag. 81. Noutra obra – As Consequências Jurídicas do Crime -, ao tratar da controlabilidade por via de recurso da medida da pena, o Prof. Figueiredo Dias dá notícia das doutrinas segundo as quais “a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quanto exato da pena, para o qual o recurso de revista seria inadequado”. Aquele nosso maior Mestre conclui considerando que “esta posição é a mais correta…” (pag. 197) – sublinhado do relator. Ou seja, num recurso interposto pelo arguido, com vista à diminuição da pena aplicada, ele deverá, antes de mais, alegar que foi ultrapassado aquele limite máximo da medida da culpa. Pelo contrário, no recurso interposto pelo Ministério Público para a agravação da pena, terá de demonstrar-se que a pena fixada não garante a satisfação das exigências de prevenção geral positiva. Dentro destas fronteiras, que indicam o máximo e mínimo da pena concreta legalmente admissível, deverá, por regra, prevalecer o prudente critério do tribunal a quo. O direito penal português ainda não aderiu a uma certa ideia de matematização da pena”. No mesmo sentido se pronuncia o Desembargador Cruz Bucho, na decisão sumária de 6 de janeiro de 2016, proferida no processo nº 173/16.0GBAVV.G1, também desta Relação de Guimarães: “Conforme decorre da lição da melhor doutrina (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, cit, págs. 196-197, 255) e constitui jurisprudência uniforme do STJ, a intervenção do tribunal de recurso pode incidir na questão do limite ou da moldura da culpa assim como na actuação dos fins das penas no quadro da prevenção; mas já não na determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”. Ainda sobre esta matéria, determinação da medida concreta da pena, escreve-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo nº 1013/08-3ª secção, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges: “A intervenção do Supremo Tribunal em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quanto exacto da pena, salvo perante a violação das regras de experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada”. No presente caso, a primeira instância e esta Relação atenderam, na aplicação concreta das penas parcelares, a todos os requisitos impostos pelos artigos 40° e 71° do Código Penal, designadamente a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor ou contra o arguido, como se pode constatar pelo seguinte excerto que passamos a citar: “No que respeita ao crime de detenção de arma proibida, afigura-se-nos que a pena de multa, manifestamente, não é adequada ao caso, considerando a personalidade do arguido e o uso que o mesmo faz das armas. Prevendo as demais normas incriminadoras apenas pena de prisão, resta apenas ponderar a respectiva dosimetria. O grau de ilicitude dos factos afigura-se-nos muito elevado, atendendo, nomeadamente, ao número de vítimas atingido, exigindo a sua actuação uma energia criminosa de forte intensidade. Além disso, impõe-se ponderar as severas repercussões da sua actuação, quer porque tirou uma vida, quer porque causou lesões físicas aos ofendidos, com as quais estes terão que viver o resto das suas vidas. Por outro lado, não pode ser obliterada a ambiência dos factos, isto é, o contexto em que os mesmos ocorreram, num ambiente de provocação e de humilhação a que o arguido foi sujeito. O dolo do arguido, que reveste a modalidade de dolo directo, cuja intensidade é elevada. As condições pessoais do arguido que resultaram provadas e que aqui se dão por reproduzidas, sublinhando-se que tem hábitos consistentes de trabalho, beneficiando de apoio familiar, estando socialmente integrado. A seu favor, ainda, que não tem antecedentes criminais. Impõe-se ainda ponderar que o arguido manifestou arrependimento, apesar de ser infeliz na forma como se expressa, que cremos ser genuíno, tanto mais que além de se ter dito arrependido após os factos teve uma atitude proactiva no sentido de demonstrar e concretizar esse arrependimento, designadamente, pedindo desculpa às vítimas e suas famílias e tratando de as ressarcir parcialmente, pagando-lhes alguns montantes em dinheiro, como também resultou provado. Portanto, mais do que se dizer arrependido, fez alguma coisa para materializar esse arrependimento. Por último, há que ponderar as exigências de prevenção, sendo: As de prevenção especial, acentuadas, considerando a personalidade do arguido, reflectida nos factos, que constitui factor de risco da reiteração de actos criminosos, pois o arguido em face de uma provocação mostrou-se violento e descontrolado na sua actuação. As exigências de prevenção geral são prementes. Nos crimes de homicídio, as exigências de prevenção geral positiva são sempre intensas porque a violação do bem jurídico vida é, em geral, fortemente repudiada pela comunidade. Os crimes deste jaez – amplamente divulgados e suscitando forte reacção social – tem proliferado de forma assustadora neste país que se diz de brandos costumes. Por todos estes factores julgamos adequada e proporcional a aplicação ao arguido das seguintes penas: - Pela prática do crime de homicídio na forma consumada a pena de 13 anos e 6 meses de prisão; - Pela prática dos crimes de homicídio na forma tentada a pena de 5 anos de prisão por cada um dos crimes; - Pela prática do crime de ofensa à integridade física grave a pena de três anos e dez meses de prisão; No que respeita ao crime de ameaça agravada a sua conduta foi gravíssima, como dolo intenso e elevada ilicitude. De facto, o arguido, depois do já ter atingido o ofendido com um tiro, estando este ferido e a sangrar, ainda lhe apontou a arma à cabeça e disse-lhe que o mataria. Ora, este comportamento é fortemente atemorizador, tendo causado terror do ofendido, que, pela segunda vez, voltou a temer pela vida. Assim, pelo exposto, pela prática do crime de ameaça agravada entende-se adequada a pena de um ano e seis meses de prisão; No que concerne ao crime de detenção de arma proibida. - a ilicitude apurada pela qualidade e quantidade da arma e munições apreendidas, pelo que se pode considerar média. - a culpa é a normal e o dolo é de intensidade normal; - as necessidades de prevenção especial são as que ressaltam do uso de arma de fogo para cometer crimes de homicídio ainda que não os tenha cometido com esta arma em concreto, considerando que o arguido revela uma personalidade algo descontrolada, pelo que se mostram exigentes as necessidades de prevenção especial no que diz respeito à detenção de quaisquer armas pelo arguido. Há que ponderar, em todos os casos, as exigências de prevenção geral, sendo indubitavelmente elevadas as necessidades de prevenção geral face à proliferação de crimes relacionados armas de fogo, a que se vem assistindo, que no caso se coloca com particular acuidade sendo aquelas, frequentemente, utilizadas no cometimento de crimes contra a vida e a integridade física, gerando forte intranquilidade na comunidade. Pelo exposto e tudo ponderado, entende-se adequada a pena de um ano e seis meses de prisão”. Ponderados todos estes factos, mostrando-se perfeitamente adequado ao grau de culpa do arguido, à gravidade dos factos perpetrados e às graves consequências advenientes dos crimes cometidos, às exigências de prevenção geral que assumem grande relevo face à frequência como crimes deste jaez são cometidos, às exigências de prevenção especial, atendendo-se ao facto de o arguido ser primário e se encontrar inserido social e familiarmente e ter demonstrado arrependimento, também a nós nos parece que, as penas aplicadas ao arguido, tanto as penas parcelares como a pena única, não violam as regras da experiência nem a sua quantificação se revela de todo desproporcionada, antes se contêm dentro dos limites da culpa e das necessidades de prevenção e fazem adequada e justa ponderação das circunstâncias que não fazendo parte dos crimes militam a favor e contra o arguido. Ponderados todos estes factos, concordamos inteiramente com a douta decisão recorrida parecendo-nos que as penas aplicadas ao arguido se mostram justas e adequadas, devendo “prevalecer o prudente critério do tribunal a quo”. Da pena única. Relativamente à aplicação da pena única dispõe o artigo 77º nº 1 do Código Penal que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única”. No que concerne à moldura penal a ter em conta para encontrar a pena única aplicável, esta “tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de penas de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.” - art. 77º 2 do C. Penal. Sobre esta matéria escreve-se no acórdão desta Relação de Guimarães, processo nº 108/13.2P6PRT.G1, relatado pelo Desembargador, Dr. Luís Coimbra: “Relativamente à medida da pena a atribuir, em sede de cúmulo jurídico, tem uma especificidade própria. Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal mais abrangente; por outro, tem lugar uma específica fundamentação (em que, por força do que estabelece a parte final do nº 1 do artigo 77º do Código Penal) são considerados, em conjunto, “os factos e a personalidade do agente”, que acresce à decorrente do artigo 71º do Código Penal. Como refere Figueiredo Dias, “a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção”, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art.72º, nº 1 (actual art. 71º nº 1), um critério especial: o artigo 77º, nº 1, 2ª parte. Explicita este Professor que, na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise (exigências de prevenção especial de socialização.” (cfr. Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, editorial Notícias, 1993, págs. 291 e 292. Com o sistema da pena conjunta, perfilhado neste preceito penal, deve olhar-se para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente (cfr. neste sentido, o acórdão do STJ, de 09-01-2008, in www.dgsi.pt) do qual também decorre que na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado. E a dado passo do acórdão atrás referido ainda é dito: “Recorrendo à prevenção importa verificar em termos de prevenção geral o significado do conjunto dos actos praticados (…) e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delinquente para o que será eixo essencial a consideração dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos”. Diz ainda o STJ no seu acórdão de 23.02.2011 (Proc nº 429/03. 2PALGS.S1): “Com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere em conjunto, e não unitariamente, os factos e a personalidade do agente. Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois a averiguação sobre se ocorre ou não conexão ou ligação entre os factos a concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza, a gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderado em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos que permita aferir se o ilícito global é ou não produto e tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele.” O tribunal recorrido aplicou ao arguido, em cúmulo jurídico, a pena única de vinte anos de prisão, pretendendo o arguido que essa pena seja reduzida para treze anos, acrescida de pena de multa pelo crime de detenção de arma proibida. Ora, tendo em conta as penas parcelares fixadas e face ao que estabelece o citado artigo 77º, nº 2 do Código Penal, a moldura penal a ter em conta para encontrar a pena única aplicável tem como limite mínimo a pena de treze anos e seis meses, (a mais elevada das penas parcelares) e como limite máximo a pena de vinte e cinco anos, limite máximo estabelecido pelo artigo 77º do Código de Processo Penal. A soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes atinge trinta anos e quatro meses de prisão. Os factos sucederam-se num período temporal muito curto, poucos minutos. Os factos praticados pelo arguido são expressivos de uma atitude de completa desconsideração e de indiferença total pelo respeito de valores essenciais da comunidade, como seja o respeito pela vida e a integridade física humanas. As exigências de prevenção geral que se fazem sentir são muito elevadas face à proliferação de crimes desta natureza, mormente na região em que estes foram praticados. Também as necessidades de prevenção especial são elevadas atento o número de crimes praticados pelo arguido. O grau de ilicitude global é também muito elevado. O dolo é direto, traduzindo-se na elevada censurabilidade do seu comportamento. A avaliação da personalidade unitária do arguido parece-nos revelar ainda que os factos se reconduzem a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. A favor do arguido temos como atenuante o facto de ter confessado a prática dos crimes, porém sem grande relevância para a descoberta da verdade, o arrependimento demonstrado com o pedido de desculpas e o facto de ter iniciado o ressarcimento das vítimas, não ter antecedentes criminais, estar social, laboral e familiarmente inserido e o contexto de provocação e humilhação em que os factos ocorreram. “A pena única a impor deverá, na sua duração, espelhar a intensidade da ilicitude e as necessidades de prevenção geral, mas também ter uma dimensão humanizada”. Tendo-se em conta a gravidade e o número de crimes cometidos pelo arguido, o contexto temporal em que ocorreram, o facto de a personalidade unitária do arguido não revelar ainda que tem tendência criminosa, as penas parcelares que lhe foram aplicadas e a moldura abstrata que das mesmas decorre, a pena única de vinte anos de prisão, mostra-se justa, adequada e proporcional, não merecendo o douto acórdão recorrido qualquer censura. Qualquer pena única abaixo desta faria perigar o efeito dissuasor da pena que também deve ser considerado na realização do cúmulo jurídico. Deve, pois, quanto a esta matéria, improceder o recurso. Relativamente à questão respeitante à condenação do arguido no pagamento de indemnização civil não nos pronunciamos por falta de interesse em agir por parte do Ministério Público. Face ao exposto e salvo melhor opinião é nosso entendimento que o acórdão recorrido não violou qualquer disposição legal nem qualquer princípio jurídico, mostra-se devidamente fundamentado, justo e adequado, pelo que deverá ser integralmente mantido e, em consequência, julgar-se improcedente o recurso pelo arguido interposto.” §1.(d).- PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 14.09.2020 foi decidido, na improcedência do recurso então interposto pelo arguido AA, manter inalterado o acórdão proferido em sede de tribunal de 1ª instância. O arguido foi condenado na pena única de 20 anos de prisão. 2. Considerando-se o arguido legalmente notificado de tal acórdão em 17.09.2020, interpõe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em 19.10.2020, cujas conclusões se dão por reproduzidas. 3. A tal recurso respondeu fundadamente o Magistrado do MºPº junto do TRG, pugnando pela improcedência global do recurso. 4. Nada obstando ao conhecimento do mesmo, e não tendo sido requerida a realização de audiência, deverá o recurso ser apreciado em sede de conferência. 5. Do parecer: 5.1. Irrecorribilidade para o STJ de acórdão proferido, em recurso, pelo TRG, que confirma decisão de 1ª instância e aplica pena de prisão inferior a 8 anos e pena de prisão não superior a 5 anos – art. 400º nº1- e) e f) e 432º, do CPP. Como supra se referiu o TRG proferiu acórdão, em recurso, confirmando decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância. O arguido foi condenado pela prática dos seguintes crimes: - “Como autor material de um crime de homicídio, na forma consumada (relativamente a FF), previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1 do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86º n.º 3 da Lei 5/2006 de 23.02, na pena de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses de prisão. - Como autor material de um crime de homicídio, na forma tentada (relativamente a CC), previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão. - Como autor material de um crime de homicídio, na forma tentada (relativamente a BB), previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão. - Como autor material de um crime de ofensa à integridade física grave (relativamente a DD), previsto e punível pelo artigo 144º, al. a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão. - Como autor material de um crime de ameaça agravada, previsto e punível pelo artigo 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. - Como autor de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86º, n.º 1, al. c) da Lei nº 5/2006, de 23/2, alterada pela Lei nº 17/2009, de 6/5 e Lei nº 12/2011, de 27/4, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. - Em cúmulo jurídico, na pena única de 20 (vinte) anos de prisão”. Uma vez que o acórdão do TRG, em apreciação de recurso, manteve inalterado o acórdão proferido em sede de tribunal de 1ª instância, verifica-se apenas ser recorrível para o STJ a condenação pela prática do crime de homicídio consumado, sendo vítima FF, p. e p. pelo artigo 131º n.º 1 do CP, agravado nos termos do artigo 86º n.º 3 da Lei 5/2006 de 23.02, tendo sido aplicada a pena parcelar de 13 anos e 6 meses de prisão, assim como a medida da pena única aplicada de 20 anos de prisão. Relativamente aos demais crimes, tendo o recorrente sido condenado em penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, não estando em causa um recurso interposto diretamente para o STJ de decisão proferida em 1ª instância, nos termos do art. 400º alíneas e) e f) em conjugação com o art. 432º, do CPP, são os mesmos insuscetíveis de recurso para o STJ. De salientar que, nos termos do acórdão de fixação de jurisprudência nº 5/2017 (DR 120, série I de 23-06-2017), apenas nas situações de “recurso direto par o STJ de acórdãos de tribunal coletivo ou de júri, em que tenha sido aplicada pena conjunta de prisão superior a 5 anos, compete ao Supremo apreciar das questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas”. Não sendo essa a situação dos presentes autos, tendo o recorrente interposto recurso do acórdão de 1ª instância para o Tribunal da Relação, e tendo a Relação conhecido já das questões de novo suscitadas pelo recorrente no recurso que interpõe para o STJ, relativamente aos crimes em que foi mantida pena de prisão não superior a 5 ou a 8 anos de prisão, incluindo a dimensão das concretas penas parcelares aplicadas, deve tal segmento do recurso ser rejeitado, por inadmissibilidade legal. 5.2. Do crime de homicídio consumado sendo vítima FF No recurso que interpõe para o STJ o recorrente invoca de novo: - a existência de contradição dos factos 12 e 31 com os factos provados 13), 14) e 19), pugnando pela eliminação do facto provado em 12) (propósito de matar) - pugna pela subsunção dos factos à previsão crime de ofensa à integridade física grave, agravada pelo resultado (arts. 144º a) e 147º, nº 1), dada a sua morte. - impugna a medida da pena parcelar e pena única aplicadas Como tem sido jurisprudência reiterada do STJ, não é da competência doeste tribunal conhecer dos vícios aludidos no art. 410º, nº 2, do CPP, como fundamento de recurso, quando invocados pelos arguidos, uma vez que o conhecimento de tais vícios sendo do âmbito da matéria de facto, é da competência do tribunal da Relação, (arts. 427º, e 428º, nº 1, do CPP) [nesse sentido, vd designadamente acórdão de 19-02-2020, Proc.n.°118/18.3JALRA.C1.S1 - 3.ª Secção]. O STJ apenas tem competência para o reexame da matéria de direito (art. 434º CPP). A alusão na primeira parte do art. 434º do CPP a "Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410" não significa que o STJ possa analisar a matéria de facto. O que lhe é permitido é aferir, oficiosamente\ se do texto da decisão recorrida, por si, ou conjugado com as regras da experiência, se verificam os vícios elencados no art. 410, n.° 2, do CPP. Note-se, contudo, que o prisma de análise e de intervenção é distinto do Tribunal da Relação. Este último Tribunal pode conhecer dos factos, o que lhe permite curar de toda a dimensão da facticidade. Já o STJ, não obstante a remissão para o art. 410 do CPP, nunca perde a sua marca ou natureza de Tribunal de Revista. É o Direito que lhe cumpre analisar de acordo com o julgamento da matéria de facto plasmada no acórdão recorrido do Tribunal da Relação. Assim, não é de admitir o recurso do arguido quando suscita questões conexas com a matéria de facto, como seja a ocorrência de contradição entre factos provados. Ou seja, tudo que no recurso se relaciona com os vícios previstos no art. 410, n.° 2, do CPP situa-se no domínio da competência do Tribunal da Relação, que já apreciou dos mesmos, concluindo pela sua inexistência. E não se vislumbra que resulte do texto da decisão recorrida -o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, qualquer vício de decisão. No que tange à qualificação jurídica dos factos, não ocorrendo fundamento para alterar a factualidade tida como provada pelas instâncias, a mesma é subsumível à prática, pelo recorrente, do crime de homicídio consumado, pp pelo art. 131º do CP, agravado nos termos do artigo 86º n.º 3 da Lei 5/2006 de 23.02, aqui se dando por reproduzidos os fundamentos constantes de fls. 91 e 92 do acórdão da Relação, pelo que tal segmento do recurso deverá ser considerado improcedente No que tange à medida da pena parcelar aplicada pela prática do crime de homicídio agravado- fixada em 13 anos e 6 meses de prisão, e à medida da pena única fixada em 20 anos de prisão, pelos fundamentos aduzidos a fls. 96 a 119 do acórdão, considera-se quer a medida da pena parcelar, quer a da pena única, adequadas e proporcionais ao grau de culpa com que o recorrente atuou. Pelo exposto, e em síntese, pronunciamo-nos pela rejeição do recurso, nos termos do ponto 5.1.do presente parecer; e pela improcedência do recurso quanto às demais questões suscitadas.”. §1.(e). – QUESTÕES PRÉVIAS. Em antelação à enunciação dos temas que devem merecer uma apreciação arrimada à pretensão recursiva do recorrente concernente com a etiologia legal-processual estabelecida, importa dirimir a questão prévia da admissibilidade de segmentos da pretensão recursiva, notadamente (i) a admissibilidade do recurso quanto à eventual contradição entre pontos (enunciados e rpovados) da decisão de facto (“O acórdão recorrido sufragou o entendimento do tribunal de primeira instância ao manter os factos provados 12), e 31) do acórdão, não obstante a sua contraditoriedade com os factos 13), 14) e 19)”, que, o recorrente continua a entender estarem entre si em contradição insanável, o que desvirtua o sentido lógico-racional da decisão; e (ii) a cognoscibilidade das penas parcelares iguais a 5 (cinco) nos em que o arguido foi condenado pelos crimes de homicídio, na forma tentada. §1.(e).i). – ADMISSIBILIDADE DO RECURSO (VICÍOS DO ARTIGO 410º, Nº 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). A pretensão alentada pelo arguido, no recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, assenta, na sua essencialidade, nos pontos de divergência que tinha manifestado no recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães. Avulta a discrepância, que mantém, na contradição entre o que ficou provado nos enunciados de facto provados sob os números 12) e 31) e o que resulta adquirido nos itens 13), 14) e 19). O recorrente rejeita a conclusão vertida nos pontos 12) e 13) – de que tenha sido sua intenção ter-se dirigido ao automóvel, daí ter retirado as duas pistolas e ter retornado ao salão com a intenção de tirar a vida aqueles com quem se havia altercado e que o haviam insultado e humilhado. Para o arguido (sic) “a interpretação da realidade apurada que deu origem à prova desses factos é contraditória com aquela em que se alicerçou a prova dos factos 13) e 14), na medida em que nada aponta para que o arguido tenha regressado à associação com as armas com o intuito de matar aqueles sujeitos já que, à luz das regras comuns de experiência, daquilo que usualmente ocorre em situações semelhantes quando alguém quer atingir mortalmente outrem, de imediato, e sem contemplações, os mataria, mal se abeirasse dos mesmos - sem conversa, sem entrar em discussão, nem ouvir repetidos insultos. 8- Só após a persistente, reiterada e de todo infundada (por que o arguido não lhe deu qualquer pretexto para tal, por ínfimo que fosse) provocação de FF e restantes ofendidos, que nem na presença das armas de fogo se refrearam da atitude arrivista e de arruaça, é que sucedem os disparos. 9. Ou seja, a decisão irrefletida e desgovernada do arguido de atirar contra os ofendidos só sucedeu por causa e em virtude dos comportamentos dos ofendidos relatados em 13) e 14).” O Tribunal recorrido, por força da impugnação – interpretativa (do real acontecer, ou suceder) que cada um dos interpretes, tribunal, por um lado, e arguido, por outro, inferiram do mesmo quadro factual – que o arguido alentara relativamente à decisão de facto, tomou posição sobre esta concreta questão tendo rechaçado a induzida interpretação. “Da reapreciação da prova (questões suscitadas pelo arguido e pelo assistente) (a) O recorrente/arguido, ao longo de toda a motivação e também das conclusões, tece considerações sobre a forma como o tribunal a quo valorou a prova, concluindo que o Colectivo procedeu a uma incorrecta avaliação da prova produzida em julgamento ao dar como provado que cometeu os crimes pelos quais foi condenado. A seu ver impõe-se considerar que o arguido não cometeu contra o ofendido FF um crime de homicídio simples, mas antes um crime de ofensa à integridade física grave, agravada pelo resultado (artºs 144 a) e 147º, nº 1), dada a sua morte. E quanto aos ofendidos BB e CC, não cometeu dois crimes de homicídio na forma tentada, mas sim dois crimes de ofensa à integridade física grave (artº 144 a) do CP, com dolo eventual. No essencial argumenta que a interpretação feita pelo colectivo nesta matéria, não tem suporte nos meios probatórios. Na sua perspectiva, “a interpretação da realidade apurada que deu origem à prova desses factos é contraditória com aquela em que se alicerçou a prova dos factos 13) e 14), na medida em que nada aponta para que o arguido tenha regressado à associação com as armas com o intuito de matar aqueles sujeitos já que, à luz das regras comuns de experiência, daquilo que usualmente ocorre em situações semelhantes quando alguém quer atingir mortalmente outrem, de imediato, e sem contemplações, os mataria, mal se abeirasse dos mesmos - sem conversa, sem entrar em discussão, nem ouvir repetidos insultos”. E salienta que “Só após a persistente, reiterada e de todo infundada (por que o arguido não lhe deu qualquer pretexto para tal, por ínfimo que fosse) provocação de FF e restantes ofendidos, que nem na presença das armas de fogo se refrearam da atitude arrivista e de arruaça, é que sucedem os disparos, concluindo que “a decisão irrefletida e desgovernada do arguido de atirar contra os ofendidos só sucedeu por causa e em virtude dos comportamentos dos ofendidos relatados em 139 e 14). Pretende, assim que seja eliminada a expressão “mantendo o propósito já manifestado” que se fez constar do facto provado 12) ou seja o propósito de os matar, deve ser eliminada. Por outro lado, quanto ao facto provado 31), considera que “a conclusão retirada neste facto de que em todas as situações o arguido agiu com a intenção de matar FF, BB e CC está também em contradição com os restantes factos –não só com os já mencionados factos 13) e 14), mas também com o fato provado 19), e não se coaduna com as regras da experiência comum já que, àquela distância, entre 3 e 5 metros (facto provado 14)), fosse mesmo essa a intenção do arguido e o mesmo teria matado todos os seus opositores, bastando para tal atirar para a cabeça ou tórax, potenciando a probabilidade de obter esse resultado. No estado de desespero e exasperação em que foi deixado o arguido, o mesmo procurou dar resposta à humilhação de que estava a ser vitima pelos ofendidos, através do único meio que tinha de o fazer, dada a sua fragilidade física e o facto de os seus opositores serem em elevado número: o de lhes apontar a sua arma e depois, de os atingir, provocando-lhes lesões, mas só depois de verificar que os mesmos mantinham a atitude de arruaça de insultos de humilhação para consigo, mesmo quando empunhava já a arma (facto provado 13) e 14). E conclui que “deve ser alterada a matéria de facto dada como provada, passando a constar do facto 31) que: “Em todas as descritas situações agiu sempre o arguido AA, com o intuito de causar lesões graves aos ofendidos FF, BB e CC.” Ora, ao assim motivar o seu recurso o recorrente/arguido, pretende que se faça tábua rasa do julgamento realizado na 1ª instância e que este tribunal de recurso proceda a um novo julgamento e forme uma nova e diferente convicção, dando crédito à versão do recorrente. Porém, como é sabido, os recursos não se destinam à repetição do julgamento. São, isso sim, «remédios jurídicos» (não «meios de refinamento jurisprudencial») [Cfr. Simas Santos e Leal-Henriques – Recursos em Processo Penal – 5ªEd., pág.25 e também Germano Marques da Silva - Fórum Justitiae, Maio/99], destinados a corrigir erros in judicando ou in procedendo, em que incumbe ao recorrente não só manifestar a sua discordância mas também apresentar «as razões da discordância e, bem assim, as provas (...) que não só demonstrem a possível incorrecção decisória mas também permitam configurar uma alternativa decisória» [Revista Portuguesa de Ciência Criminal – Ano 8, Fasc.2º, pág.259/260]. Em inúmeras circunstâncias o Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado que o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se antes de um remédio jurídico, destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros e não indiscriminadamente, de forma genérica, quaisquer eventuais erros (neste sentido vejam-se extensas referências jurisprudenciais constantes do Ac. do STJ de 11-6-2014, proc.º n. 14/07.0TRLSB.S1, rel. Cons.º Raul Borges, in www.dgsi.pt). Por conseguinte, o recurso em matéria de facto, destina-se apenas à reapreciação da decisão proferida em primeira instância em pontos concretos e determinados. Tem como finalidade a reapreciação de “questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida” (cfr. designadamente o art. 410º, n.º l do CPP). Daí que o legislador tenha estabelecido um específico dever de motivação e formulação de conclusões do recurso nesta matéria - cfr. artigo 412º, n.º 1, 3 e 4 do CPP. Segundo o n.º 3 do citado artigo 412º, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; As provas que devem ser renovadas. Por seu turno, nos termos do n.º4 do mesmo artigo 412.º, na redacção que lhe foi conferida pela lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”. Importa frisar, como se salientou no douto Ac. do STJ de 19-5-2010 696/05.7TAVCD.S1, rel. Cons.ª Isabel Pais Martins que “As indicações exigidas pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP são imprescindíveis para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto e não um ónus de natureza puramente secundária ou meramente formal, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre matéria de facto”. No mesmo sentido se refere no Ac. do STJ de 11-6-2014, proc.º n. 14/07.0TRLSB.S1, rel. Cons.º Raul Borges: “As indicações exigidas pela lei são essenciais, não se tratando de mero capricho, pois à Relação não cumpre proceder a um novo julgamento em matéria de facto, apreciando a globalidade das «provas» produzidas em audiência, antes lhe competindo, atenta a forma como se encontra estruturado o recurso, emitir juízos de censura crítica. (…) O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão/imporiam uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto”. Ora o recorrente, como se disse, manifesta a sua discordância quanto à forma como o tribunal a quo apreciou a prova e indica a forma como deveria ser apreciada, para tirar a conclusão de que a final houve erro de julgamento relativamente à concreta facticidade que especifica. Como é manifesto, o recorrente limita-se a fazer a sua própria análise crítica da prova mas, como bem se escreveu no acórdão desta Relação, de 12/09/2011, «…o momento processualmente previsto para o efeito são as alegações finais orais a que alude o artigo 360 do CPP. A impugnação da decisão da matéria de facto não se destina à repetição, agora por escrito, do que então terá sido dito. Fica-se a saber qual teria sido a decisão se o arguido/recorrente tivesse sido a juiz do seu próprio caso, mas isso nenhumas consequências pode ter, pois é ao juiz e não a outros sujeitos processuais, naturalmente condicionados pelas específicas posições que ocupam, que compete o ofício de julgar. Verdadeiramente, nesta parte, a procedência do recurso implicava que a relação censurasse o tribunal recorrido por, cumprindo a lei, ter decidido segundo a sua livre convicção, conforme lhe determina o art. 127 do CPP.» [http://www.dgsi.pt/jtrg. Por outro lado, importa ainda não esquecer que, como bem se enfatizou no Ac. desta Rel. de Guimarães de 20-3-2006, proc.º n.º 245/06-1ª, rel. Fernando Monterroso, in www. dgsi.pt: (…) a lei refere as provas que «impõem» e não as que “permitiriam» decisão diversa. É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.» Nos termos do artº127º do C.P.P., a prova, salvo quando a lei dispuser diferentemente, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, ou seja, o julgador é livre na sua apreciação, estando apenas «vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório» [Cavaleiro Ferreira - Curso de Processo Penal – 1986 - 1ºVol. – pág.211]. E, no caso, tratando-se, como se trata, de prova testemunhal, não existem critérios legais que determinem o valor a atribuir-lhe [A regra do artº127º sofre algumas excepções ou “limites”, como lhes chama Castanheira Neves, «designadamente, as respeitantes ao valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (art.169.º); ao caso julgado, não obstante este apenas se encontrar indirectamente regulado no CPP, a propósito do pedido cível (art.84.º); à confissão integral e sem reservas no julgamento (art.344.º) e à prova pericial (art.163.º)».]. Ensina Alberto dos Reis [Código de Processo Civil Anotado – Vol. III, pág.245.] que «o que está na base do conceito (de livre convicção) é o princípio da libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que, entretanto, se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas (…). O sistema da prova livre não exclui, e antes pressupõe, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica.» A liberdade na apreciação da prova, escreve também Castanheira Neves [Sumários de Processo Criminal – Coimbra 1968, pág.48], «não é, nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação. Trata-se antes de uma liberdade para a objectividade – não aquela que permita uma “intime conviction”, meramente intuitiva, mas aquela que se determina por uma intenção de objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, i. é, uma verdade que transcenda a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros – que tal só pode ser a verdade do direito e para o direito.» Por isso é que o artº379º do C.P.P. impõe que a sentença, sob pena nulidade (al.a) do nº1), para além de enumerar os factos provados e não provados, contenha a exposição dos motivos que fundamentam a decisão e a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (nº2 do artº374º). Ora, na decisão impugnada o Colectivo, como se vê da motivação da matéria de facto que acima se deixou transcrita para que dúvidas não subsistam, dá a conhecer, pormenorizadamente, as provas em que assentou a sua convicção, indica sumariamente o seu conteúdo e o que de cada uma foi relevante, faz o seu exame crítico, expondo o percurso seguido na aquisição da convicção probatória, de forma detalhada e clara, permitindo-nos facilmente perceber as razões pelas quais acolheu a tese do homicídio consumado relativamente ao FF e dos homicídios na forma tentada, quanto aos ofendidos CC e BB. Não estamos, assim, perante uma convicção caprichosa mas perante uma convicção formada de acordo com critérios racionais, na qual se não vislumbra qualquer elemento objectivo que coloque em causa a credibilidade dos meios probatórios tidos em conta relativamente aos factos integradores da actuação dolosa do recorrente. O preenchimento do dolo, que exprime a representação e a vontade de o agente realizar os pertinentes elementos objectivos do tipo legal, exige que o mesmo preveja o resultado e a relação causal e tenha vontade de concretizar essa acção. Nos termos do artigo 13º do Código Penal só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos, especialmente previstos na lei, com negligência. E nos termos do artigo do artigo 14º: “1. Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime atuar com a intenção de o realizar. 2. Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preencha um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta. 3 Quando a realização de um facto que preencha um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente atuar conformando-se com aquela realização. Isto é, num homicídio, age com dolo directo quem, ao empreender uma conduta o faz intencionalmente para matar; age com dolo necessário quem sabe que como resultado de conduta que empreende ocorrerá a morte e mesmo assim não se abstém de a empreender; age com dolo eventual quem prevê como possível a ocorrência da morte na sequência da conduta que empreende e conforma-se com tal resultado. Como ensina Maria Fernanda Palma in de Tentativa Possível em Direito Penal, Almedina, 2006, 79 e ss e é dito no Acórdão, do STJ de 12/03/2009 in www.dgsi.pt o dolo eventual é ainda uma forma de decisão da realização do facto típico, ou, em última análise, decisão pela lesão do bem jurídico, uma vez que na situação de dolo eventual o agente ao aceitar o risco da verificação do resultado típico (“conformando-se” com ele – artigo 14º, nº 3 do CP), preferindo-o aos custos da não realização da sua conduta, inclui essa aceitação, nos fundamentos da decisão e opta pela lesão do bem jurídico. Ou, usando as palavras de Faria da Costa in Tentativa e Dolo eventual (ou da relevância da negação em direito penal) Coimbra, 1995, 42 e 43 “o dolo eventual representa claramente um alargamento das ações puníveis a título de dolo, onde o elemento da vontade se não perfila frontalmente antes se insinua unicamente na conformação da realização de um facto que preenche um tipo legal de crime (…).Na conformação vinga a ideia, permita-se-nos a linguagem denotativa, de uma certa astenia ético-jurídica da personalidade moral para com os acontecimentos”. Assim, situando-os no plano ou em sede de julgamento sobre matéria de facto e assumindo os elementos intelectual e volitivo do dolo a natureza de factos relativos ao foro psicológico ou da vida interior do agente e, por isso, impossíveis de apreender directamente, os mesmos podem ser deduzidos ou inferidos de outros factos que, com muita probabilidade, os revelem: tratando-se de factos, muitas vezes, indemonstráveis de forma naturalística, o tribunal pode considerá-los provados, através de outros factos (objectivos) dados como provados que com eles normalmente se ligam, analisados à luz das regras da experiência comum, e que permitem ou impõem concluir pela sua verificação. Não será despiciendo sublinhar, de novo, que a matéria respeitante ao dolo da actuação, porque se situa no campo da subjectividade, é sempre de difícil discernimento. Se quem actua não esclarecer qual o estado de alma em que actuou, terá de ir buscar-se a elementos, a dados objectivos reveladores da verdadeira vontade, o sentimento que determinou a actuação. E quais são, em regra, tais dados? São, desde logo, os instrumentos utilizados na prática do crime e a forma como o foram; e são também a parte do corpo atingida e a extensão qualitativa e quantitativa das lesões. Aqui reside o ponto crucial da questão em apreço: o recorrente parece olvidar que a ilação de que o arguido agiu com intenção de tirar a vida aos ofendidos FF, CC e BB e de que a sua conduta era apta a provocar a morte não decorre de factos materiais demonstrados em audiência. Ora, à luz da matriz orientadora do julgamento dos factos no âmbito penal, parece-nos irrefutável que a materialidade fáctica apurada consente a dedução de uma realidade do foro psicológico do arguido diferente da afirmada, pelo recorrente. Na verdade, defende o arguido que “em todas as descritas situações agiu sempre com o intuito de causar lesões graves aos ofendidos FF, BB e CC, pois se tivesse intenções homicidas “teria matado todos os seus opositores, bastando para tal atirar para a cabeça ou tórax, potenciando a probabilidade de obter esse resultado”. De todo o modo conclui que sempre será de afastar por completo o entendimento de que o arguido agiu com dolo direto, ou seja, com a intenção primordial de matar FF, CC e BB pelo que, tendo os crimes sido cometidos com dolo eventual, segundo a factualidade provada, esse facto não pode deixar de ter repercussões consideráveis em sede de determinação da pena”. Ora, a menos que o arguido o tivesse confessado, o elemento subjectivo dos crimes em questão terá de ser retirado da conjugação dos factos provados com as regras da experiência comum. Na verdade, qualquer cidadão que corresponda ao padrão do homem médio, agindo como o arguido agiu, revela inequivocamente intenção de praticar os factos, como na realidade praticou. Toda a gente sabe e o recorrente sabe-o muito bem, que ao desferir disparos com arma de fogo na direcção do abdómen de uma pessoa e o vem a atingir, causando-lhe lesões graves, é muito provável que lhe cause a morte. O arguido teve tal comportamento agindo com o propósito de causar a morte aos ofendidos. Se o arguido não tivesse a intenção de matar o FF, o CC e o BB e tivesse a intenção de apenas lhes provocar ferimentos, não lhes tinha desferido tiros na direcção do abdómen, nas circunstâncias em que o fez. Em suma, como bem observa o magistrado do Mº Pº, na 1ª Instância “Como se depreende da leitura dos factos dados como provados no douto acórdão recorrido não há qualquer erro na prova dos factos 12) e 31) por contradição com os factos provados 13), 14) e 19). Aliás e atentando aos anteriores factos dados como provados temos, em suma, que a discussão que se iniciou na sala de jogo terminou e o arguido continuou a jogar. Quando saiu da sala houve «nova troca de palavras entre o arguido e elementos do grupo.». Não houve qualquer contacto físico e o arguido saiu sem que ninguém o impedisse. Porém, ao invés de ir embora «9. O arguido desceu as escadas exteriores que dão acesso à via pública e dirigiu-se apeado ao seu veículo automóvel de marca …, com a matrícula …, que se encontrava estacionado a alguns metros da referida associação ao mesmo tempo que dizia em tom alto e sério “quem são estes cobardes, eles pensam que me batem, eu vou matá-los a todos”.» (sublinhado e negrito nosso). E, empunhando as duas armas identificadas no ponto 10, que se encontravam municiadas, regressou à associação. Não se nos afigura, pois, que atendendo aos factos dados como provados, às acções do arguido de sair – sem qualquer oposição de ninguém - e regressar com as armas dizendo, em tom alto e sério, “quem são estes cobardes, eles pensam que me batem, eu vou matá-los a todos”, tendo começado a disparar em seguida, com os resultados descritos, se poderá defender que não houve intenção e propósito de matar e que o dolo é meramente eventual”. De resto o douto acórdão recorrido justifica exemplarmente que o arguido actuou com intenção homicida, nada mais havendo a acrescentar ao que tão bem foi dito. Estes factos demonstram inequivocamente a intenção que o arguido tinha de matar os ofendidos FF, CC e BB o que só não aconteceu relativamente a estes últimos por causas estranhas à sua vontade. Em suma, a convicção do tribunal mostra-se devidamente fundamentada, pois transmite, de forma concisa, clara e completa, como foi analisada a veracidade das provas produzidas, como foram apreciadas e conjugadas e o raciocínio desenvolvido para chegar aos factos provados e não provados. A convicção assim demonstrada mostra-se lógica e coerente, não se vislumbrando qualquer arbítrio na sua apreciação. Para além do mais, o recorrente/arguido não demonstra que as conclusões retiradas não correspondam ao conteúdo dos meios probatórios considerados relevantes. Não aponta nem demonstra eventuais erros em que possa ter incorrido o tribunal a quo e que invalidem o processo lógico que esteve na base da sua convicção. Na verdade, e como acima sublinhámos, limita-se a fazer a sua interpretação dessas mesmas provas. Por isso, não podemos deixar de aqui citar o acórdão do Tribunal Constitucional, nº198/2004, segundo o qual «A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode, consequentemente, assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.» [http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos; e Acórdão do Tribunal Constitucional, nº198/2004 - http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/] Em suma, não basta contrapor à convicção adquirida pelo tribunal em sede probatória a convicção do próprio recorrente, maxime porque o tribunal é livre na apreciação da prova. Consequentemente, nesta parte, improcede o recurso.” O Supremo Tribunal de Justiça está organicamente estruturado, na hierarquia dos tribunais, como uma instância de revisão [cfr. artigo 46º da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto e artigos 11º e 434º do Código Processo Penal], sendo-lhe defeso a sindicância e escrutínio da decisão de facto em que as instâncias se ancoram para estribar as suas decisões – cfr. artigo 434º do Código Processo Penal – excepção infirmada/reivindicada pela possibilidade de – oficiosamente, e não como fundamento de recurso – o Supremo Tribunal conhecer dos vícios elencados no artigo 410º do Código Processo Penal, o que significa, em resumidas contas, que apenas se ocupa de definir o direito que a cada caso corresponde, assente na matéria de facto que as instâncias escrutinaram e definiram para a situação que foi requestada ao tribunal solucionar e resolver. Decorre da atribuição sistémico-legal aferida ao Supremo Tribunal de Justiça que a censura ao julgamento de facto não pode decorrer da inumação factual percepcionada, compreendida, valorada e consignada pelas instâncias, decorrente do exercício e consumação do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do Código de Processo Penal), mas tão só do traslado dessa factualidade vertida no texto da decisão em sindicância e em situações em que se evidencie i) qualquer dos vícios elencados nas alíneas a) a c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal; ou ii) ou quando tenha sido deixado de observar um requisito «cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada» - nº 3 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ex vi do citado artigo 434º do mesmo livro de leis. Em qualquer das situações encaradas nas alíneas a) a c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, o que ocorre é um estado patológico da decisão que impediria, cognitivamente e sob a égide de um estrito razoamento lógico-racional, o tribunal de formular um juízo valorativo e dedutivamente justificado, por i) a base de conteúdo factual, narrado e descrito na decisão, embasar em pressupostos factuais deformados e desquiciados de uma realidade congruente e atinada a cânones mínimos de uma experiência aferida pelo agir comum e corrente dos indivíduos em sociedade, v. g. erro notório na apreciação da prova; ou ii) insuficiência dos elementos factuais constantes da decisão para que, só com eles e/ou com base neles, se poder inferir e atestar um juízo de existência de culpa, ou não culpa, do sujeito cujo comportamento, eventualmente ilícito e antijurídico, foi objecto de apreciação, em julgamento; ou ainda iii) por ressaltar um evidente e clamoroso desajustamento entre parâmetros que sustentam a fundamentação, de facto e de direito, ou entre estas duas premissas do raciocínio perceptivo e compreensivo de um devir lógico-dedutivo concludente, ou seja do veredicto (decisório) a que o tribunal se alcandorou. A hipótese sobrante – conhecimento de vícios decorrentes da «inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada» (nº 3 do artigo 410º do Código de Processo Penal – ocorre, ou emerge, de situações em que o tribunal descortina, ou exsurge, uma patologia processual que, pela sua fisionomia e relação com a composição do iter legal-processual, a continuar deformaria e inquinaria de forma irretractável e imarcescível o resultado do julgamento efectuado naquele processual, v. g. a obtenção de prova com recurso a qualquer dos meios (ilícitos) previstos no artigo 126º do Código de Processo Penal. Os limites de cognoscibilidade impostos ao tribunal de revista, coarctam a possibilidade de sindicância do processo perceptivo-formativo da convicção das instâncias. Dito de forma mais singela, ao tribunal de revista está ilaqueado o escrutínio do razoamento cognitivo e intelectivo desenvolvido e processado pelas instâncias para lograrem o resultado factual constituído que fixaram em determinação do livre exercício do princípio da livre apreciação (vinculada) da prova. Vale por dizer que tendo as instâncias laborado a decisão de facto num conspecto de livre apreciação da prova escapa ao Supremo Tribunal sindicar a percepção e a compreensão dos meios de prova captados e utilizados, ou seja o sentido e a inteligibilidade que desses meios de prova o julgador captou e razoou para obter o resultado probatório que consignou na decisão de facto. A decisão de facto fundada em meios de prova que devam ser apreciados livremente pelos tribunais das instâncias, pelo razoamento e capacidade de inteligibilidade pessoal-institucional a que estão sujeitos, desde que não violem as regras estipuladas para a sua produção, não podem ser escrutinadas pelo Supremo Tribunal. De facto, o distanciamento que da prova produzida por meios não vinculados e que possam ser percepcionados, directamente, pelo Supremo Tribunal ou que não possam decorrer directamente da lei, conduziria a criar uma volatilidade nos mecanismos de produção e aquisição de prova para o processo que tornariam as decisões infinitamente sindicáveis e sem certeza relativa quanto a um dos suportes decisórios, ou seja uma decisão de facto performativa da aplicação do direito. A criação de um espaço de certeza e de segurança para a aplicação do direito pelo Supremo Tribunal impõe que se confira á decisão de facto, consolidada pelas instâncias, numa livre apreciação da prova não vinculada, um valor de certeza probatória e de pressuposto referencial decisório invadeável e intransitável. Decorre do que fica explanado que, no âmbito do julgamento da matéria de facto, cabe, quase em exclusivo, ou numa dimensão quase total, às instâncias fixaram os parâmetros em que o Supremo Tribunal terá de se movimentar e orientar para aplicar o direito que ao caso couber. A este Supremo Tribunal cabe o papel residual de sindicar a forma e o modo como as instâncias procederam à aplicação das normas de direito probatório de que se serviram para obtenção dos juízos e veredictos a que chegaram por aplicação das referidas normas. Esta função, capacidade cognoscente atina com o já referido enquadramento estatutário que a lei orgânica lhe inculca, e ao qual se encontra vinculado, de conhecer tão só de matéria de direito deixando para as instâncias o poder-dever de formular os juízos, extrair conclusões fácticas e justificar os resultados das provas apresentadas pelos sujeitos processuais. Desta injunção normativa extrai-se, com meridiana linearidade, que o Supremo estaria capacitado e poderia intervir na operação de reapreciação da decisão de facto estabelecida pela 2.ª instância e criticar a forma como aceitou ou modificou a decisão de facto que lhe vinha aportada da 1.ª instância, se viesse alegado que, na conclusão a que chegou para se alcandorar a uma determinada decisão de facto, as instâncias utilizaram um comportamento inibitório ou perverso e violador de normas de direito probatório material (cfr. o já apontado artigo 126º do Código de Processo Penal) Na defluência do exposto é mister concluir que este segmento do recurso, traduzido na impugnação, por divertida interpretação do suceder factual que ficou adquirido pelo tribunal, e a que o arguido pretende conferir diferenciado sentido e alcance cognitivo-racional, não será apreciado neste recurso, por empeço legal-processual. §1.(e).ii). – DUPLA CONFORME (ARTIGO 400º, Nº 1, ALÍNEA E) DO CÓDIGO DE PRCESSO PENAL). Incoa, o arguido, por apelar para a necessidade de o Supremo assumir um conhecimento alargado do âmbito do recurso, notadamente, porque (sic) “estando em causa um recurso que tem por objeto não só a pena única aplicada ao arguido como também as penas parcelares, e em que a pena do concurso de crimes é superior a 5 anos, mas as penas parcelares são iguais ou inferiores a 5 anos, o STJ deve ser competente para apreciar a totalidade do recurso; [o]utra solução não seria defensável na medida em que a apreciação do tribunal em relação às penas parcelares insere-se na temática mais abrangente da fixação da pena conjunta; e ainda porque “para a fixação da pena conjunta manda o art 77º do CP que se atenda” em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”; como tal, tendo que ser analisados os “factos e a personalidade do agente” na sua globalidade, uma interpretação da lei da qual decorra que o STJ apenas se pode pronunciar quanto à pena do concurso mas já não quanto às penas parcelares iguais ou inferiores a 5 anos consubstancia uma restrição drástica do direito ao recurso, já que limita a atuação do STJ a segmentos “truncados” do recurso ao invés de perscrutar os “factos e a personalidade do agente”, em toda a sua amplitude, sem qualquer restrição.” O recorrente no recurso que interpôs para o Tribunal de segunda (2ª) instância, para além da impugnação da decisão de facto, impugnou as medidas, parcelares e global, das penas que lhe haviam sido irrogadas pelo tribunal de primeira (1ª), tendo obtido uma confirmação, in totum, do julgado. Ocorreu, com a confirmação, irrestrita e sem desconformidade colegial, a formação de uma dupla conformidade relativamente `s penas parcelares impostas até ao limite de cinco (5) anos e, correlatamente, das condutas activas e jurídico-penalmente puníveis, em que assentou o juízo de responsabilização penal do arguido. O instituto jusprocessual da dupla conforme, ou seja a conformidade de pronúncia decisiva e essencial entre duas decisões proferidas por dois tribunais de diferente hierarquia, foi introduzido na jurisdição cível com a publicação do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, sendo que na jurisdição penal o regime havia sido introduzido pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro “Não é admissível recurso: De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”- alínea f) do artigo 400º, na redacção do Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro. [“No novo regime de recursos cíveis, foi a introdução das restrições decorrentes da dupla conforme que motivou mais discussão. De um lado, vozes a reclamar a manutenção do sistema anterior, ainda que com elevação do valor da alçada da Relação, com o argumento de que o direito ao recurso ainda integra uma das componentes do acesso ao direito e que a análise dos resultados da intervenção do Supremo revelaria a necessidade da sua intervenção mesmo em casos de confirmação da decisão recorrida, como forma de garantir a correcta aplicação da lei. Do outro, invocava-se a necessidade de se reduzir o número de recursos, não só como forma de racionalizar o uso dos meios processuais, como ainda, e principalmente, de permitir valorizar a intervenção do Supremo, proporcionando reais condições para a criação de correntes jurisprudenciais estáveis. O regime estabelecido traduz um compromisso entre as duas tendências: mantendo, como regra geral, a inadmissibilidade de recurso em situações de dupla conforme, admite-se, contudo, recurso de revista nas três situações enunciadas no art. 721.º-A, n.º 1. A um generalizado direito de interposição de recurso, foi contraposta a necessidade de uma racional e equilibrada gestão dos meios humanos e materiais. Assim, por regra, desde que a Relação confirme, sem qualquer voto de vencido, a decisão da 1.ª instância, não é admissível recurso para o Supremo, ainda que a acção ou o decaimento atinjam valores que excedam os mínimos legalmente prescritos pelo art. 678.º, n.º 1 (Contra esta solução se pronunciou a Ordem dos Advogados em Parecer subscrito por LEBRE DE FREITAS, com o receio de que “o simples requisito negativo da dupla conforme pode levar a resultados que subverteriam a intenção do legislador: em vez do aperfeiçoamento do Direito, teríamos facilmente, por via do aliciamento dos magistrados à solução mais cómoda, o seu abastardamento” (Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 41, de 2006, pág. 75)).. Ou seja, desde que se confirme, por unanimidade, o resultado final, é indiferente que a Relação tenha seguido na fundamentação uma via divergente da trilhada pelo tribunal de 1.ª instância, que tanto pode consistir numa diversa interpretação dos mesmos preceitos, como no recurso a uma diversa qualificação jurídica. Já a existência de voto de vencido, assinalando uma importante polémica no seio do colectivo, justifica a desobstrução no acesso ao 3.º grau de jurisdição. Se, em abstracto, a multiplicidade de graus de recurso constitui elemento potenciador de maior segurança jurídica, também é certo que os meios disponíveis para a tarefa de Administração da Justiça são necessariamente limitados e que a necessidade de alcançar uma decisão definitiva, em tempo razoável, nem sempre é compatível com o esgotamento da multiplicidade de graus de jurisdição. Aliás, a polémica em redor da assunção da regra da dupla conforme é mais aparente que real. Em primeiro lugar, sob a aparência de uma forte restrição ao 3.º grau de jurisdição, nos casos em que, pelo valor do processo ou da sucumbência, era de admitir o recurso de revista, tal obstáculo é eliminado em face da mera existência de uma contradição entre o acórdão da Relação e um outro das Relações ou do Supremo sobre a mesma questão, nos termos do art. 721.º-A, n.º 1, al. c). Por isso, enquanto não existir uma malha significativa de acórdãos de uniformização de jurisprudência a que a Relação expresse a sua adesão, confirmando a decisão da 1.ª instância30, aquela restrição acaba por ceder perante a demonstração da existência de um acórdão da Relação ou do Supremo que tenha resolvido em sentido diverso a mesma questão, tarefa de fácil execução, em grande parte dos casos, tendo em conta não apenas a diversidade jurisprudencial que se manifesta relativamente aos mais variados assuntos como ainda o facto de a lei abstrair da data em que foi proferido o acórdão. Em segundo lugar, se a Relação, confirmando a decisão de 1.ª instância, o fizer por adesão à jurisprudência uniformizada do Supremo, fechando, deste modo, uma das portas da revista excepcional (art. 721.º-A, n.º 1, al. c), in fine), na prática, limitar-se-á a antecipar o resultado que provavelmente seria obtido se acaso também pudesse ser interposto recurso para o Supremo nos termos gerais. Acresce ainda que se a parte vencida duvidar do acerto da decisão que a Relação venha a proferir no âmbito do recurso de apelação, tem à sua disposição, nos casos previstos no art. 725.º (recurso per saltum), a possibilidade de interpelar directamente o Supremo com elevação do valor da alçada da Relação, com o argumento de que o direito ao recurso ainda integra uma das componentes do acesso ao direito e que a análise dos resultados da intervenção do Supremo revelaria a necessidade da sua intervenção mesmo em casos de confirmação da decisão recorrida, como forma de garantir a correcta aplicação da lei. Do outro, invocava-se a necessidade de se reduzir o número de recursos, não só como forma de racionalizar o uso dos meios processuais, como ainda, e principalmente, de permitir valorizar a intervenção do Supremo, proporcionando reais condições para a criação de correntes jurisprudenciais estáveis. O regime estabelecido traduz um compromisso entre as duas tendências: mantendo, como regra geral, a inadmissibilidade de recurso em situações de dupla conforme, admite-se, contudo, recurso de revista nas três situações enunciadas no art. 721.º-A, n.º 1. A um generalizado direito de interposição de recurso, foi contraposta a necessidade de uma racional e equilibrada gestão dos meios humanos e materiais.” – Cfr. Abrantes Geraldes, in Reforma de Recursos em Processo Civil, Revista Julgar, nº 4, 2008; Vide ainda na jurisdição civil, os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Novembro de 2014 e de 28 de Abril de 2014, relatados pelo Conselheiro Abrantes Geraldes, in www.dgsi.pt ] A dupla conformidade em processo penal, introduzida, como se disse, pelo Decreto-Lei 78/87 e depois alterada pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, veio alterar o paradigma do regime de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, ao não permitir o recurso das decisões das Relações que, sem voto de vencido, confirmassem a decisão proferida em primeira instância. A lei ordinária, com respaldo na lei fundamental, regula o direito ao recurso, permitindo um duplo grau de jurisdição corrector e asseverante do direito que qualquer imputado pela prática de um ilícito penalmente punível, e por ele condenado, tem de ver o seu caso apreciado e revisto por um tribunal de rango superior aquele que procedeu à análise do caso em primeira instância. Deste princípio basilar e incontrastável retira a lei consequências no caso de o caso haver sido apreciado por uma segunda instância de recurso. A lei adrede, consagrou o instituto da dupla, tendo ficado consignado no artigo 400º do Código de Processo Penal a sequente redacção, na parte interessante: “1 — Não é admissível recurso: (….) e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos; f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos”. Com o comando contido na alínea f) do citado preceito o legislador de 2007 consagrou a figura da dupla conforme, isto é, a confirmação por um tribunal, sem discrepância de fundamentos essenciais, de facto e de direito, da decisão proferida em 1ª Instância. Prevaleceu-se o legislador, na sua opção jusnormativa, do facto de os intervenientes processuais manterem intactos o direito ao recurso, pelo direito que exerceram de apresentarem as razões da sua discordância perante um tribunal de rango superior – na acepção jusconstitucional do irremível direito ao recurso – e de evitar um prolongamento do procedimento por uma escalada de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, quando o caso já havia obtido uma confirmação, itera-se sem discrepâncias de dois órgãos jurisdicionais, de um parelho e concordante veredicto jurídico. A criação da figura da dupla conforme, ou seja da confirmação (concordante e similar, na sua essencialidade) de uma decisão de um tribunal inferior por uma decisão de um tribunal de rango superior, concita consequências no plano do direito ao recurso, quando verificada a situação de conformidade, a saber o da não admissibilidade do recurso que o prejudicado pretenda interpor da decisão confirmatória da primeva decisão. Vale por dizer que a constituição/formação de uma situação de dupla conformidade ilaqueia o eventual prejudicado pelas decisões concordantes de ver reapreciado seu caso por um outro tribunal. As razões processual/estruturais que ditaram a opção do legislador, foram conspicuamente dissecadas pelo Conselheiro Abrantes Geraldes, no acórdão de 20 de Novembro de 2014, (in www.dgsi.pt,), ao asseverar que (sic): “Com a reforma do regime dos recursos de 2007, a necessidade de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça determinou a consagração de uma restrição assente na dupla conforme: confirmação, sem voto de vencido e ainda que com fundamento diverso, da decisão da 1ª instância. Esta medida foi objecto de largo debate entre os defensores da manutenção do sistema anterior que não previa este impedimento ao terceiro grau de jurisdição e aqueles que sublinhavam a necessidade de reduzir a quantidade de recursos, como forma de racionalizar o uso dos meios processuais e de valorizar a intervenção do Supremo, proporcionando reais condições para a criação de correntes jurisprudenciais estáveis. Se, em abstracto, a multiplicidade de graus de jurisdição constitui elemento potenciador de maior segurança jurídica, também é certo que os meios disponíveis para a tarefa de Administração da Justiça são limitados e que a necessidade de alcançar uma decisão definitiva em tempo razoável não é compatível com o esgotamento da multiplicidade de recursos. Foi consagrada no âmbito daquela revisão do regime de recursos cíveis a regra da inadmissibilidade de recurso em situações de dupla conforme, com excepção das três situações particulares enunciadas no nº 1 art. 721º-A do anterior CPC. O regime entretanto foi modificado. Inicialmente a aludida medida restritiva era totalmente independente da fundamentação de cada uma das decisões: a dupla conforme verificava-se sempre que a Relação confirmasse, sem voto de vencido, e mesmo com fundamentação diversa, a decisão da primeira instância. Já com o NCPC o regime restritivo deixa de se aplicar quando a Relação empregue para a confirmação da decisão da 1ª instância “fundamentação essencialmente diferente” (art. 671º, nº 3). Efectivamente, em tais circunstâncias, embora o resultado final seja idêntico, o facto de as instâncias divergirem, de modo substancial, no enquadramento jurídico da questão que se mostre verdadeiramente decisiva para o atingir é revelador de uma cisão que deve permitir, nos termos gerais, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, sem necessidade de invocar alguma das situações típicas da revista excepcional. Intervenção, aliás, justificada pela missão que é especialmente atribuída ao Supremo no campo da identificação, interpretação e aplicação do regime jurídico ajustado aos casos. O quotidiano forense é susceptível de nos revelar diversas situações que impedem a verificação de uma situação de dupla conforme com aquele motivo. Assim ocorre designadamente: - Quando, depois de a 1ª instância assumir uma determinada qualificação contratual, a Relação adopte uma outra distinta ou envolva a decisão num enquadramento jurídico substancialmente diverso; - Quando uma eventual condenação tenha sido sustentada na aplicação das regras de um determinado contrato, sendo a decisão confirmada ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa ou de normas que regulam os efeitos da nulidade do mesmo contrato; - Quando um determinado resultado tenha sido sustentado na apreciação da validade de um contrato e a Relação, oficiosamente, reconheça a existência de nulidade que nenhuma das partes invocou; - Ou ainda, nos casos em que a primeira decisão tenha absolvido o réu da instância com fundamento numa determinada excepção dilatória e a Relação tenha encontrado motivo para a mesma decisão noutra excepção. Em cada uma destas situações que nos limitámos a exemplificar, posto que o resultado final seja idêntico, a diversidade do percurso seguido acaba por infirmar as razões que levaram o legislador de 2007 a restringir o acesso ao terceiro grau de jurisdição, justificando que, nos termos gerais, a parte vencida suscite a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça como órgão jurisdicional que tem a primazia na aplicação do direito. 4. Todavia, a atenuação do condicionalismo legal de que depende a verificação de uma situação de dupla conforme não pode ser interpretada como um regresso ao modelo recursório anterior à reforma de 2007, fazendo depender o recurso de revista unicamente do valor do processo ou da sucumbência em conexão com a alçada da Relação. O relevo atribuído à fundamentação jurídica para evitar a formação de uma situação de dupla conformidade decisória não pode servir de pretexto para, na prática, restaurar de pleno o terceiro grau de jurisdição que o legislador de 2007 limitou, sustentado nas vantagens que uma tal restrição assegura, na medida em que evita o recurso indiscriminado ao Supremo Tribunal de Justiça, só porque o valor do processo ou da sucumbência o permitem. Assim, a alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação implica que prevaleça o seu núcleo fundamental, ou seja, os aspectos que verdadeiramente se mostram decisivos para a obtenção do resultado, levando a desconsiderar, para este efeito, as divergências marginais, secundárias, periféricas, que não representam efectivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo acontece nas situações em que a diversidade de fundamentação se traduza apenas na não aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado pela 1ª instância ou que não tenha sido admitido e que sirva para reforçar o mesmo resultado. Se, como é natural, a sistematização das decisões ou a variedade dos argumentos jurídicos empregues numa e noutra das decisões é susceptível de conduzir a resultados formalmente diversos ou não inteiramente coincidentes, releva unicamente para o caso a essencialidade da fundamentação que, seguindo trilhos diversos, sustente uma e outra das decisões. Para o efeito importa não devem confundir-se questões jurídicas com argumentos jurídicos, sendo relevante que os resultados tenham sido motivados por respostas diversas à mesma questão de direito essencial para ambos os resultados.” No mesmo sentido o acórdão do mesmo Exmo. Conselheiro de 28 de Abril de 2014, em que expendeu que (sic): “No horizonte desta modificação legal estiveram situações em que, por exemplo, a confirmação da decisão da 1ª instância se processa a partir de um quadro normativo substancialmente diverso, como sucede nos casos em que a uma determinada qualificação contratual se sucede uma outra distinta, com um diverso enquadramento jurídico. Outrossim quando uma eventual condenação tenha sido sustentada na aplicação das regras de um determinado contrato, sendo confirmada pela Relação, mas ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa ou das normas que regulam os efeitos da nulidade do mesmo contrato. Ou quando um determinado resultado tenha sido sustentado na apreciação da validade de um contrato e a Relação, oficiosamente, reconheça a existência de nulidade que nenhuma das partes invocou. Ou, ainda, quando a primeira decisão tenha absolvido o réu da instância com fundamento numa determinada excepção dilatória e a Relação tenha encontrado motivo para a mesma decisão noutra excepção. Na realidade, em cada um destes exemplos, ainda que o resultado final seja idêntico, a diversidade do percurso acaba por revelar duas decisões substancialmente diversas, não se justificando a ablação de terceiro grau de jurisdição em situações em que o mesmo resultado seja alcançado no final de um percurso jurídico substancialmente diverso. A alusão à natureza essencial ou substancial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não revelam um enquadramento jurídico alternativo. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na não aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido. A restrição ao conceito de dupla conformidade que decorre agora do art. 671º, nº 3, do NCPC, com atribuição de relevo à fundamentação jurídica, não pode servir de pretexto para, na prática, se restaurar de forma irrestrita o terceiro grau de jurisdição que o legislador de 2007 limitou, sustentado nas vantagens que uma tal restrição assegura, por evitar o recurso indiscriminado ao Supremo Tribunal de Justiça, só porque o valor do processo ou da sucumbência o permite. Não podem para o efeito exponenciar-se as objecções dirigidas àquela opção legislativa, nem superar, por via de meros juízos valorativos, o pressuposto negativo representado pela dupla conforme, agora circunscrita aos casos em que a fundamentação jurídica seja essencialmente idêntica. Em suma, a admissão, fora das regras da revista excepcional, do recurso de revista interposto de um acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1ª instância, depende da verificação de uma situação em que o núcleo essencial da fundamentação jurídica é diverso. Já se for substancialmente idêntica a resposta que as instâncias deram à questão ou questões jurídicas que, em concreto, se revelem em concreto essenciais para o resultado, a situação contém-se nos limites da dupla conforme, dependendo a admissibilidade da revista da demonstração de algum dos fundamentos previstos no art. 672º, nº 1, do NCPC.” Em sentido que se nos figura similar, os arestos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Julho de 2015, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, em que se doutrinou que (sic): “No que respeita à existência ou não de fundamentação essencialmente diferente entre a sentença apelada e o acórdão recorrido, adere-se inteiramente à argumentação expendida no despacho que considerou procedente a questão prévia da recorribilidade – sendo manifesto, aliás, que na sua argumentação os reclamantes confundem os conceitos de fundamentação diferente e de fundamentação essencialmente diferente, como instrumento para, no âmbito da figura da dupla conforme, delimitar as possibilidades de acesso ao STJ, perante decisões inteiramente sobreponíveis, nos respectivos segmentos decisórios: não basta, para quebrar o limite à recorribilidade decorrente da regra da dupla conforme, identificar uma qualquer alteração ou nuance na fundamentação jurídica acolhida no acórdão recorrido, sendo indispensável que se trate de uma alteração ou modificação qualificada da base jurídica da decisão, resultante do apelo a um diferente enquadramento normativo do pleito: não cabem, pois, seguramente no referido conceito de fundamentação essencialmente diferente os casos em que – movendo-se inquestionavelmente a Relação, no que respeita à efectiva ratio decidendi do acórdão proferido, no campo dos mesmos institutos ou figuras jurídicas – se limita a aditar um mero reforço argumentativo no que toca à idêntica solução jurídica do pleito que alcançou. Por outro lado, não é exacto que possa inferir-se do direito fundamental de acesso à justiça, plasmado no art. 20º da Constituição, um amplo direito de acesso a um terceiro grau de jurisdição a exercitar pelo STJ, sem que ao legislador e à jurisprudência seja legítimo delimitar ou filtrar, em termos proporcionais e adequados, os litígios em que deva intervir em via de recurso ainda o STJ: na verdade, o acesso à justiça e a tutela judicial efectiva bastam-se com a obtenção de uma decisão jurisdicional, em tempo útil, sobre os litígios de direito privado, sendo certo que no caso a sentença proferida foi objecto de reapreciação pela 2ª instância, que manteve inteiramente o sentido decisório questionado pelo recorrente; ora, não está seguramente compreendido naqueles princípios fundamentais um direito de aceder ao STJ sempre que a parte vislumbre alguma nuance ou alteração menor na fundamentação jurídica seguida pelas instâncias. Note-se, por outro lado, que a regra da dupla conforme, tal como se mostra delineada no actual CPC, não pode perspectivar-se como traduzindo a imposição de um limite formal à recorribilidade: na verdade, ela não se consubstancia em qualquer regra de forma, tendo antes a ver com a substância das decisões proferidas nos autos, delimitando a acesso ao STJ, em revista normal, em função da identidade essencial das decisões e respectivos fundamentos, proferidas anteriormente nos autos, vedando o acesso a um terceiro grau de jurisdição nos casos em que a fundamental coincidência do unanimemente decidido na 1ª instância e na Relação torna plausível a adequação e legalidade substantiva da solução normativa alcançada para o litígio.” (”cfr. no mesmo sentido o acórdão prolatado pelo mesmo Exmo. Relator de 19 de Fevereiro de 2015, em que se escreveu (sic): “Esta alteração do conceito de dupla conformidade, enquanto obstáculo ao normal acesso em via de recurso ao STJ, operada pelo actual CPC, obriga o intérprete e aplicador do direito– analisada a estruturação lógico argumentativa das decisões proferidas pelas instâncias, coincidentes nos respectivos segmentos decisórios - a distinguir as figuras da fundamentação diversa e da fundamentação essencialmente diferente: não é, na verdade, qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica assumida pela Relação para manter a decisão já tomada em 1ª instância, que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme. É necessário, na verdade, que estejamos confrontados com uma modificação qualificada ou essencial da fundamentação jurídica em que assenta, afinal, a manutenção do estrito segmento decisório – só aquela se revelando idónea e adequada para tornar admissível a revista normal. Note-se que este regime normativo (que sucedeu ao inicialmente editado pelo DL 303/07, estabelecendo a absoluta irrelevância da fundamentação para aferir da existência ou inexistência de dupla conforme) destina-se a permitir ao STJ sindicar, em revista normal, o decidido pela Relação nos casos em que – sendo coincidentes os segmentos decisórios da sentença apelada e do acórdão proferido na apelação – a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância.”). “(…) O Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo pacificamente serem dois os pressupostos de irrecorribilidade fixados naquela alínea f) por um lado, que o acórdão da relação confirme a decisão da 1ª instância; por outro, que a pena aplicada na relação não seja superior a 8 anos de prisão. No nosso caso, o acórdão recorrido confirmou integralmente o acórdão da 1ª instância, na parte relativa ao Recorrente. É a chamada dupla conforme. Quanto ao segundo pressuposto, também constitui jurisprudência uniforme deste Tribunal a de que, no caso de concurso de crimes, só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente aos crimes (relativamente às questões suscitadas a propósito dos crimes) punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou à pena conjunta superior a essa medida. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça, na esteira da interpretação praticamente consensual que fazia deste mesmo preceito na versão anterior à Reforma de 2007, vem entendendo, também agora de forma pacífica, que, no caso de um concurso de crimes, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da relação que confirme decisão da 1ª instância apenas é admissível relativamente ao(s) crime(s) punidos com prisão superior a 8 anos e/ou relativamente às questões sobre os pressupostos do próprio concurso e da formação da pena conjunta, quando esta também ultrapasse aquele limite (cfr., entre outros, os Acs. 11.02.09, P° 113/09-3º; de 04.03.09, P° 160/09-3ª; de 25.03.09, P° 486/09-3ª; de 16.04.09, P° 491/09-5ª; de 29.04.09, P° 39l/09-3ª; de 07.05.09, P° 108/09-5ª; de 27.05.09, P° 384/07GDVFR.S1-3ª, de 12.11 2009, P° n° 200/06.0JAPTM-3ª, de 23.06.10, P° n° l/07.8ZCLSB.L1.S1-3ª de 09.06.2011 P° n° 4095/07.8TPPRT.P1.S1- 5ª, de 26.04.2012, P° n°438/07.2PBVCT.G1.S1-5ª, de 12.09.2012, P° n° 269/08.2TABNV.L1.S1-3ª e de 29.05.2013, P° n°344/11.6JALRA.El)”. (…) Ac. do STJ, de 11/6/2016, Pº 54/12.7SVLSB.L1.S1-3ª.” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Junho de 2018, proferido no processo nº 3343/15.5JAPRT.G1.S1). Vide ainda os arestos citados no mencionado acórdão, de que respigam os sequentes: - Ac. STJ de 9/10/2013, Proc. 955/10.7TASTS.P1.S1, Rel. Oliveira Mendes: “I - Como o STJ vem entendendo de forma pacífica, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, quer estejam em causa penas parcelares (ou singulares) quer penas conjuntas (ou únicas resultantes de cúmulo). II - É irrecorrível para o STJ o acórdão do Tribunal da Relação que, confirmando a decisão condenatória de 1.ª instância, manteve as penas parcelares aplicadas ao recorrente, todas elas não superiores a 8 anos de prisão, se não é impugnada a pena conjunta cominada que ultrapassa esse patamar.”; - Ac. STJ de 3/2/2016, Proc. 686/11.0GAPRD.P1.S1, Rel. Raúl Borges: “I - Com a entrada em vigor, em 15-09-2007, da Lei 48/2007, de 29-08, foi modificada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, tendo-se alterado o paradigma de “pena aplicável” para “pena aplicada”, pelo que, o regime resultante da actual redacção da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP tornou inadmissível o recurso para o STJ de acórdãos condenatórios proferidos pelas relações quando, confirmando decisão anterior, apliquem pena não superior a 8 anos de prisão, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para este STJ, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a oito anos. II - O STJ e o TC têm-se pronunciado no sentido de entender que de tal restrição do recurso não decorre violação do direito de recurso por estar assegurado um duplo grau de jurisdição e não se impor um, aliás, não previsto duplo grau de recurso, na medida em que, a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas. III - No caso concreto, dado que as penas aplicadas aos recorrentes pelos vários crimes por que foram condenados foram todas inferiores a 8 anos de prisão, acontecendo que a confirmação pelo tribunal da Relação é total, integral, completa, absoluta, mantendo-se nos seus exactos termos a factualidade assente, a respectiva qualificação jurídico-criminal e as penas aplicadas, quer as parcelares, quer as únicas, são de rejeitar os recursos apresentados por inadmissibilidade, nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. b), em conjugação com o art. 414.º, n.º 2, ambos do CPP, sendo unicamente objecto de reapreciação a medida das penas únicas aplicadas aos arguidos X e Y, porque superiores a 8 anos de prisão.”: - Ac. STJ de 18/2/2016, Proc. 68/11.4JBLSB.L1.S1, Rel. Armindo Monteiro: “I - Não cabe recurso da condenação pela Relação quanto às penas parcelares. Todas sem excederem 5 anos de prisão, transitando em julgado a espécie e medida da pena aplicadas, pelo que o poder cognitivo do STJ objectivar-se-á, apenas e no que respeita à pena única, nos termos do art. 77.º, do CP, de todos os arguidos recorrentes impugnada por excessiva.”; - Ac. STJ de 23/11/2016, Proc. 736/03.4TOPRT.P2.S1, Rel. Sousa Fonte: “XI - Também no caso de aplicação da al. e) do n.º 1 do art. 400.º a decisão da relação proferida em recurso que haja recaído sobre um concurso de crimes, só admite recurso para o STJ quanto às penas parcelares e única, não confirmadas, superiores a 5 anos de prisão. O mesmo é dizer que relativamente aos crimes parcelares e a todas as questões com eles conexas que, inovatoriamente ou por agravação das cominadas pela 1.ª instância, o tribunal da relação puna com prisão até 5 anos, não são susceptíveis de apreciação pelo STJ.)”: Tendo como horizonte este quadro doutrinário e jurisprudencial estendido, haver-se-á de concordar que a questão que o recorrente pretende ver reapreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, já mereceu reapreciação, em tribunal de recurso, sendo que a fundamentação não se revela essencialmente diferente, nem ocorreu qualquer modificabilidade ou alteração da qualificação jurídico-penal ou factual. Neste eito de pensamento e porque se esmalta uma situação de confirmação ou dupla conforme total e plena (“perfeita”), resultante de uma “chancela” impressiva da condenação ditada pelo tribunal de primeira (1ª) instância, serão objecto de rejeição (i) a apreciação dos crimes poe que o arguido foi condenado por penas inferiores a cinco (5) anos este segmento do recurso, será objecto de rejeição. §1.(e).(iii). – INADMISSIBILIDADE DO RECURSO QUANTO AO PEDIDO FORMULADO PELO LESADO CC. O lesado, CC, formulou pedido de indemnização cível contra o demandado/arguido, AA, orçado em 100.808,00 (cem mil e oitocentos) euros. O tribunal recorrido viria a condenar o demandado “a pagar ao demandante a quantia de 3.120,00 (três mil cento e vinte euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4% ao ano, desde a data em que o arguido foi notificado para contestar este pedido e até integral pagamento; condena-se o arguido a pagar ao demandante a quantia de 6.850,00 (seis mil oitocentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4% ao ano, desde a presente data até integral pagamento, absolvendo-se o arguido do mais que é pedido por este demandante.” O valor da condenação não alcança o valor da alçada do tribunal da Relação – cfr. artigo 64º da Lei de Organização do Sistema Judiciário. A recorribilidade das decisões concernentes com a indemnização cível, conexa com a responsabilidade criminal, seguem os termos apostos para a responsabilidade civil regulada no ordenamento cível (artigo 129 º do Código Penal). Nos termos do artigo 629º do Código de Processo Civil, o recurso das decisões proferidas pelos tribunais inferiores, só são admissíveis se “a decisão impugnada” for “desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal”. O valor da condenação – indemnização atribuída ao lesado CC – soma 9.970.00 (nove mil novecentos e setenta) euros. Sendo o valor da alçada do tribunal da Relação de 30.000,00 euros, a sua metade orça em 15.000,00, pelo que a a apreciação do pedido de alteração do montante de indemnização relativamente a pedido de indemnização formulado pelo recorrente não é admissível, à luz das citadas disposições. §1.(e). – QUESTÕES A MERECER APRECIAÇÃO. Aspersos os dois segmentos de recurso – por inadmissibilidade legal –, sobram para perquisição (a) a pena parcelar imposta ao arguido pela prática de um crime de homicídio, na forma consumada (relativamente a FF), previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1 do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86º n.º 3 da Lei 5/2006 de 23.02; (b) atenuação (especial) da pena, por este tipo de ilícito; (c) a determinação da pena global; e (c) o quantum indemnizatur pelo dano de morte e pelos danos não patrimoniais, ao pai da vítima, EE e pelos danos morais atribuídos ao lesado, BB. §2. – FUNDAMENTAÇÃO. §2.(B). – DE FACTO. A decisão a proferir assentará, no plano factológico, na sequente matéria de facto. “1. No dia 23 de Dezembro de 2018, o arguido AA e FF, JJ, DD, BB e CC e vários outros jogadores participaram no XV “grande torneio de ….” que se realizou na associação recreativa e cultural de ..., freguesia de ..., em .... 2. Cerca das 22 horas desse dia, no decorrer de um dos jogos, JJ, fez um sinal ao seu parceiro, tendo sido chamado à atenção por LL, membro da organização do torneio, por tal comportamento não ser permitido, tendo o dito JJ ficado exaltado e a falar alto. 3. O arguido, que jogava na final do torneio, na mesa ao lado, dirigindo-se à mesa onde jogava JJ disse “desculpe lá, o senhor está aqui para jogar à sueca ou para fazer barulho?”. JJ ficou ainda mais exaltado e o arguido disse-lhe que tinha que fazer pouco barulho, ao que JJ respondeu “se não quiser barulho vá lá para fora”. O arguido voltou a responder dizendo “vá você, que estamos aqui para jogar à sueca. 4. Esta discussão acabou por dar origem ao fim de jogo que então decorria e enquanto decorria a troca de palavras várias pessoas que estavam no torneio, designadamente, os referidos em 1. levantaram-se das mesas e começaram a a apodar o arguido de “corno e filho da puta”. 5. Além disso, o falecido FF dirigiu-se ao arguido e disse-lhe “estás a ver a minha estrutura? Passo-te as mãos pelas golas e passas as mesas para fora”, ao que o arguido respondeu “se quereis matar-me, matai-me”. 6. Elementos da organização tentaram acalmar os ânimos e o referido grupo foi convidado a sair da sala de jogo, o que fizeram, tendo o arguido ficado ainda a jogar. 7. O referido grupo de pessoas, cerca de catorze, provenientes da zona de ..., onde se incluíam os ofendidos referidos em 1, permaneceram no pátio exterior à sala de zona. 8. Terminado o jogo, o arguido abandonou as instalações da referida associação, onde ainda se encontrava o referido grupo, tendo havido nessa ocasião nova troca de palavras entre o arguido e elementos do grupo. 9. O arguido desceu as escadas exteriores que dão acesso à via pública e dirigiu-se apeado ao seu veículo automóvel de marca ..., com a matrícula ..., que se encontrava estacionado a alguns metros da referida associação ao mesmo tempo que dizia em tom alto e sério “quem são estes cobardes, eles pensam que me batem, eu vou matá-los a todos”. 10. Uma vez chegado ao mencionado veículo automóvel, o arguido retirou do interior do habitáculo um revólver da marca ... calibre … mm …, modelo … com o número de série … e uma pistola semiautomática, marca …, modelo … calibre … mm … com o número de série …0 com carregador, que havia previamente municiado com munições do mesmo calibre, ambas sua propriedade e manifestadas em seu nome, respetivamente, através do livrete n.º … e livrete …., sendo ainda o arguido titular da respetiva licença de porte e de uso. 11. Ambas as referidas armas estavam, tal como as suas munições, em perfeito estado de funcionamento e conservação e aptas a efetuar disparos. 12. Na posse das referidas armas de fogo o arguido, mantendo o propósito já por si manifestado, dirigiu-se novamente para a associação recreativa e cultural de ... empunhando ao alto uma das referidas armas, indiferente aos pedidos de calma que Egídio Augusto Teixeira Dinis, com quem se cruzou em tal trajeto, lhe dirigiu. 13. Após ter subido as escadas de acesso ao primeiro andar da associação recreativa e cultural de ... e deparando-se no hall exterior de acesso com o referido grupo de jogadores que ali se encontravam à conversa, no qual se encontravam os ofendidos FF, BB, DD e CC o arguido perguntou-lhes se queriam falar agora, tendo FF respondido “qual é o teu problema, põe-te no caralho seu filho de puta”, ao mesmo tempo que vários elementos do grupo insultavam o arguido, que também lhes respondia. 14. Houve empurrões entre ambos e, certo passo, FF diz ao arguido que “era um cobarde”, tendo o arguido exclamado em tom alto “para vós tenho isto” ao mesmo tempo que apontou o revólver em direção ao ofendido FF que se encontrava distante de si a uma distância não concretamente apurada mas seguramente entre os 3 e os 5 metros e 50 cm, premiu o gatilho e efetuou na direção daquele o primeiro disparo que veio a atingir o ofendido FF no abdómen, fazendo-o cair desamparado no chão. 15. Logo de seguida, o arguido apontou o referido revólver ao ofendido BB e premindo o gatilho efetuou novos disparos na sua direção vindo a atingi-lo no abdómen e na anca do membro inferior direito. 16. O arguido apontou ainda o mesmo revolver em direção ao ofendido DD que, fugindo, subia as escadas de acesso ao campo de futebol temporariamente transformado em parque de estacionamento para aquele torneio, premiu o gatilho e disparou vindo a atingi-lo nos membros inferiores. 17. De imediato e vendo o ofendido CC ao cimo daquelas mesmas escadas o arguido apontou-lhe igualmente a referida arma de fogo e premindo o gatilho disparou, vindo a atingi-lo no abdómen e no membro superior esquerdo. 18. Apesar de estar ferido, o ofendido BB conseguiu descer as escadas de acesso ao rés-do-chão da associação e à via pública para pedir auxílio, tendo-se sentado numa cadeira que ali se encontrava. 19. O arguido vendo-o ali sentado, desceu novamente as escadas e de pé encostou a arma à testa do ofendido BB e em tom sério e indiferente às súplicas do ofendido BB para que não o matasse disse “ainda não morreste, não vais ficar cá para falar, eu vou-te matar não vais ficar para contar, não vais ficar”. 20. Contudo, apercebendo-se que a polícia já tinha sido chamada ao local e que o auxílio médico já havia sido acionado, o arguido correu em direção ao seu veículo automóvel de marca ... com a matrícula ... e conduzindo-o dirigiu-se para fora da localidade de .... 21. Porém, neste seu trajeto e a escassos metros da associação recreativa e cultural de ..., o arguido deparou-se com JJ que vendo-o disparar sobre os amigos havia encetado fuga do local. 22. Assim, estando o arguido no interior do referido veículo automóvel que conduzia e encontrando-se a cerca de 3 metros e 30 cm do ofendido JJ que estava apeado na via pública e virado de frente para a porta frontal do lado do passageiro, o arguido ao mesmo tempo que dizia “este é um deles, faz parte do lote” apontou a pistola semiautomática, marca …. municiada para o ar premiu o gatilho e efetuou pelo menos dois disparos. 23. Com a sua descrita conduta, causou o arguido ao ofendido FF, para além das restantes lesões melhor descritas no relatório de autópsia de fls. 696 e seguintes que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos: -um orifício (forma elíptica) no abdómen com 0,6 centímetros por 0,5 centímetros de maiores dimensões, localizado na transição toraco-abdominal, a 39,7 centímetros do manúbrio esternal, a 29, 4 centímetros da crista ilíaca esquerda, num eixo vertical e a 35,8 centímetros da linha média da face anterior, num eixo horizontal, compatível com orifício de entrada de projétil de disparo de arma de fogo de cano curto e seguido de trajeto penetrante na cavidade abdominal; -tumefação sólida nas paredes do tórax, imóvel no arco anterior da sétima costela direita sem infiltração sanguínea em concordância com o local onde foi recuperado o projétil metálico; -fratura circular do arco anterior da sétima costela com infiltração sanguínea dos bordos ósseos e das estruturas adjacentes com 0,5 centímetros por 0,5 centímetros de maiores dimensões no interior da qual se encontrava o projétil metálico; - fractura ovalada do arco médio da décima costela com infiltração sanguínea dos bordos ósseos e das estruturas adjacentes com 0,8 centímetros por 0,6 centímetros de maiores dimensões compatível com o orifício de entrada de projétil de arma de fogo de cano curto; - hematoma subpleural no pulmão esquerdo com 4 centímetros por 2,5 centímetros de maiores dimensões com ligeira tradução intra-parenquimatosa localizada na face posterior do lobo inferior, compatível com lesão provocada pela cavidade temporária resultante do trajeto do projétil de arma de fogo curto; - solução de continuidade ovalada no diafragma com infiltração sanguínea nos bordos medindo 08 centímetros por 0,6 centímetros de maiores dimensões, localizada ao nível do arco médio da décima costela esquerda compatível com orifício de entrada de projétil de arma de fogo de cano curto; - solução de continuidade ovalada com infiltração sanguínea dos bordos medindo cerca de 1,5 centímetros por 0,3 centímetros de maiores dimensões localizada ao nível do arco anterior da sétima costela direita, compatível com final do trajeto de projétil de arma de fogo de cano curto; - solução de continuidade estrelada no fígado com infiltração sanguínea dos respetivos bordos medindo 3 centímetros por 2,5 centímetros de maiores dimensões localizada na parte posterior do lobo esquerdo e solução de continuidade ovalada com infiltração sanguínea dos respetivos bordos medindo 1,5 centímetros por 1 centímetro de maiores dimensões localizada na face anterior do lobo direito do fígado com consequente destruição do parênquima hepático entre os dois orifícios descritos, com perda da normal configuração e infiltração sanguínea do parênquima adjacente, alteração compatível com a cavidade permanente formada pelo trajeto do projétil de arma de fogo de cano curto; - perda da normal configuração do parênquima do corpo e causa do pâncreas com infiltração parênquima adjacente, alteração que é compatível com a cavidade permanente formada pelo trajeto do projétil de arma de fogo de cano curto; - solução de continuidade estrelada no baço com infiltração sanguínea dos respetivos bordos, medindo 4 centímetros por 4,5 centímetros de maiores dimensões localizada na face postero-lateral; - solução de continuidade irregular com infiltração sanguínea dos respetivos bordos medindo4 centímetros por 3,5 centímetros de maiores dimensões, localizada no hilo do baço. 24. As lesões traumáticas abdominais assim descritas, diretamente resultantes da mencionada atuação do arguido deram origem a um choque hemorrágico e foram causa direta e necessária da morte do ofendido FF. 25. Com a sua descrita conduta causou o arguido, direta e necessariamente, ao ofendido BB dor na anca do membro inferior direito (local onde terá ficado alojado um dos projécteis), cicatrizes no abdómen, uma vertical mediana de extremidade superior abaixo da apófise xifoide e inferior acima da sínfise púbica compatível com a laparoscopia a que foi submetido na sequência do disparo efetuado pelo arguido e uma outra cicatriz correspondente ao orifício de entrada do projétil de cerca de 1 cm de diâmetro na região umbilical, aumento do numero de micções por diminuição da capacidade da bexiga para cura do que esteve doente durante 40 dias com afetação da capacidade de trabalho geral por 8 dias e com afetação da capacidade de trabalho profissional durante 40 dias, tendo recebido tratamento médico no Cento Hospitalar de ...(...). 26. Dos factos praticados pelo arguido resultaram para o ofendido BB como consequência permanente a dor na anca do membro inferior direito, as cicatrizes abdominais e alterações abdominais acima descritas, tendo o ofendido estado em perigo de vida. 27. Com a sua descrita conduta causou o arguido, direta e necessariamente, ao ofendido DD cicatrizes arredondadas no membro inferior direito, uma hiperpigmentada na face anterior do joelho compatível, outra também hiperpigmentada na face medial em nível inferior no 1/3 médio distal da coxa, cicatrizes arredondadas no membro inferior esquerdo, hiperpigmentadas de cerca de 1 cm de diâmetro, uma na face lateral e outra na face medial em nível inferior no 1/3 médio da coxa, perturbações de ansiedade com medicação atribuída, para cura do que esteve doente durante 86 dias sem afetação da capacidade de trabalho geral e com afetação da capacidade de trabalho profissional por 15 dias, tendo recebido tratamento médico no Cento Hospitalar de ... (...). 28. Dos factos praticados pelo arguido resultaram para o ofendido DD como consequência permanente as cicatrizes acima descritas. 29. Através da sua descrita atuação causou o arguido, direta e necessariamente, ao ofendido CC cicatrizes no abdómen uma vertical mediana de cerca de 20 cm de comprimento, arredondada, compatível com a laparotomia a que foi submetido na sequência dos factos praticados pelo arguido, outra hiperpigmentada de cerca de 1 cm de diâmetro no flanco direito compatível com orifício de saída do projétil, anquilose das articulações inter- falângicas do dedo indicador do membro superior esquerdo para cura do que esteve doente durante 141 dias com afetação da capacidade de trabalho geral por 9 dias e com afetação da capacidade de trabalho profissional por 30 dias, tendo recebido tratamento médico no Cento Hospitalar de ... (...). 30. Dos factos praticados pelo arguido resultaram para o ofendido CC como consequência permanente as cicatrizes abdominais acima descritas e a aniquilose do dedo indicador do membro superior esquerdo. 31. Em todas as descritas situações agiu sempre o arguido AA, com o intuito de tirar a vida aos ofendidos FF, BB e CC, utilizando o instrumento que considerou mais adequado para o fazer – uma arma de fogo - bem sabendo que face às suas próprias características, disparando a mesma a curta distância (não superior a 5 metros) e visando o corpo daqueles, locais onde se alojam órgãos vitais, a sua conduta era idónea a produzir o resultado que almejava, isto é, a morte dos ofendidos, como conseguiu efetivamente em relação ao ofendido FF que veio a falecer logo no local. 32. Sabia ainda que aquela arma possuía uma grande capacidade agressiva para os tecidos humanos e era particularmente perigosa quando fosse disparada em direção a uma pessoa e suscetível de provocar a morte dos ofendidos, como efetivamente veio a acontecer com o FF ou ofensas corporais graves e permanentes, como aconteceu com DD. 33. BB e CC só não morreram por facto independente da vontade do arguido mas antes pela fuga que os ofendidos encetaram, pelo pronto-socorro das equipas de emergência e porque mero acaso o arguido não lhes perfurou qualquer órgão vital que lhes viesse a causar a morte, como era sua vontade. 34. O arguido ao agir pelo modo descrito teve o propósito de molestar o corpo e a saúde de DD, o que conseguiu, utilizando para o efeito a arma de fogo descrita a qual, objecto que, pelas suas características, é perigoso e adequado a provocar lesões graves, tais como as que efectivamente causou [cicatrizes arredondadas no membro inferior direito, uma hiperpigmentada na face anterior do joelho compatível, outra também hiperpigmentada na face medial em nível inferior no 1/3 médio distal da coxa, cicatrizes arredondadas no membro inferior esquerdo, hiperpigmentadas de cerca de 1 cm de diâmetro, uma na face lateral e outra na face medial em nível inferior no 1/3 médio da coxa], o que quis e conseguiu. 35. No dia 15 de Março de 2019 o arguido tinha na parede de uma arrecadação/sala de bilhar no interior da sua residência situada na rua da .... uma espingarda de tiro a tiro, calibre …mm, de marca … com o n.º … e … munições de calibre …. de marca …, tudo em bom estado de conservação e aptas a efetuar disparos, para a qual o arguido não era titular de licença de uso e porte, não se encontrando as mesmas igualmente manifestadas em seu nome, as quais lhe vieram a ser apreendidas. 36. Por via da conduta empreendida pelo arguido, o ofendido BB ficou com medo e inquieto temendo que o arguido, que logo dali se ausentou, viesse a tentar novamente levar avante as suas intenções homicidas. 37. O arguido atuou da forma descrita com a intenção conseguida de intimidar o ofendido BB, o que fez de forma séria e convincente, a ponto de este temer pela sua vida e ver prejudicada a sua liberdade de determinação. 38. O arguido não era detentor de qualquer autorização para o uso e porte da espingarda, de tiro a tiro, calibre … mm, de marca … com o n.º … e das 9 munições de calibre … …. de marca …, nem possuía qualquer registo ou manifesto da arma e munições em causa, de que conhecia as características e que sabia deter e usar fora das condições legais, como aliás pretendia. 39. Agiu sempre o arguido livre, voluntária e deliberadamente bem sabendo que todas as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei. 40. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta. 41. Das condições socioeconómicas do arguido 42. AA é filho de mãe solteira, tendo mais dois irmãos uterinos, com quem pouco privou na infância, uma vez que os irmãos saíram precocemente do lar para ingressarem no mercado de trabalho, dada a precariedade económica em que a família vivia. 43. O processo educativo do arguido ficou centrado na pessoa da avó materna, junto de quem residia, juntamente com a progenitora. O pai foi uma figura ausente na sua vida e o avô materno esteve emigrado vários anos no …. 44. AA frequentou o ensino escolar, concluindo apenas o 1º ciclo de escolaridade, abandonando precocemente o projeto educativo por volta dos dez anos, altura em que entrou no mercado de trabalho, na mata dos pinheiros, na recolha de resinas e outras atividades. Aos quinze anos foi trabalhar para o … na construção civil, porém foi vítima de uma queda/acidente, que ditou um período prolongado de inatividade (mais de um ano), regressando assim ao meio de origem. 45. Aos dezassete anos regressou à atividade laboral, como …, num …, na cidade de .... Dedicou-se a esta atividade de forma regular e empenhada, até se constituir empresário neste ramo. 46. Aos vinte e oito anos AA contraiu matrimónio com MM, união da qual nasceram dois descendentes. Após oito anos a residirem numa casa dos sogros do arguido, o casal decidiu mudar-se para ...., onde construíram casa e abriram um talho, comércio que se veio a estender a outras três freguesias e um ambulante. 47. Aos 23 de dezembro de 2018 AA residia em ...., juntamente com a esposa e dois filhos, sendo que a mais velha frequentava o ensino universitário na ..... 48. A dinâmica familiar é como harmoniosa, existindo sentimentos de união e laços afetivos consistentes entre os diferentes elementos. 49. A esposa do arguido dedicava-se à sua atividade laboral de cabeleireira, no salão de que era proprietária e o arguido era responsável pela gestão dos restantes negócios de talhos e uma cozinha tradicional que abriu há sete anos, aproximadamente. Tais actividades permitiam-lhe fazer face a todas as despesas do agregado familiar e deter uma situação económica estável. 50. AA ocupava ainda os tempos livres com desporto, através da prática de corrida, bicicleta e de árbitro amador de forma esporádica – actividades que lhe permitiram construir uma rede social e de amigos, considerável, onde se encontrava bem integrado. 51. Toda a família goza de uma imagem social positiva, tratando-se de um núcleo bem inserido e respeitado socialmente. O arguido é visto como um individuo muito trabalhador, sendo um empresário de sucesso. 52. Todavia, são identificados ao arguido sinais de características pessoais reveladoras de agressividade verbal, perante situações e que o próprio percecionava como ofensivas, sendo seguido na valência clínica de psiquiatria, no Hospital … (….), no âmbito da qual era medicado. 53. Em meio prisional AA tem evidenciado capacidade de adaptação, decorrendo processo disciplinar relativamente ao seu comportamento desajustado para com elemento do Corpo da Guarda prisional. 54. O arguido mantém a medicação do foro psiquiátrico, sendo ainda conhecidos problemas cardíacos, com acompanhamento na valência quando necessário. 55. Recebe visitas regulares de amigos e da família constituída, que se mantêm apoiantes e presentes na vida do arguido. 56. Da contestação 57. O arguido foi injuriado, agredido, vexado, por um grupo de indivíduos, dos quais fazem parte os ofendidos e outras pessoas provindas de ... e que os acompanhavam do dito torneio. 58. Sofreu profunda humilhação, pois a sala onde se encontravam a jogar no Torneio da sueca, encontrava-se repleta. 59. O arguido frequentou Cursos de Formação Técnica e Cívica, para portadores de armas de fogo, tendo obtido a classificação de apto. 60. Andava com as respetivas armas, nomeadamente, revólver cal.32 e pistola cal. 6,35mm por estarem legalizadas e estar autorizado, por força da sua atividade profissional. 61. Os disparos aconteceram a uma curta distância, cerca de 3 metros, não sendo disparados contra o tórax ou cabeça. 62. Após este episódio, num acto de arrependimento, o Arguido foi-se entregar no Posto Policial, entregando as armas. 63. Desde essa altura é um homem transtornado, vivendo com este peso na consciência, arrependendo-se dos seus actos, tendo escrito a vários ofendidos, explicando o seu arrependimento, apresentando um seu pedido de desculpas pessoais, lamentando todo o sucedido. 64. Já iniciou a indemnização às vítimas, pretendendo minimizar esse sofrimento, com as respetivas indemnizações. 65. O arguido comprou a arma que lhe foi apreendida em casa como antiguidade, estava a mesma exposta, à vista de toda a gente na garagem e salão de bilhar de sua casa, nunca tendo a tendo usado para qualquer fim. 66. Do pedido de indemnização civil formulado por EE, GG, HH e II 67. EE é pai da vítima mortal FF. 68. GG, HH são sobrinhos do de cujus, com quem viviam à data da sua morte. 69. E eram dependentes económica e financeiramente do de cujus e do seu avô, o aqui requerente EE. 70. O de cujus FF era o encarregado de educação da GG. 71. O pai de GG e FF faleceu em 21 de Novembro de 2004, com 42 anos, tendo desde essa data ambos ficado o seu tio (aqui de cujus) e seu avô - o demandante EE - a tomar conta deles, pois também a mãe deles sofreu um acidente de trabalho, ficando incapacitada de trabalhar desde 2001. 72. Ficando a viver, desde essa data, com o de cujus e com seu sogro EE que suportam as despesas dela. 73. O agregado familiar dos requerentes, à data da morte do FF, era constituído por seu pai – EE, pelos seus dois sobrinhos – uma estudante e o outro desempregado e pela sua cunhada, viúva e incapacitada. 74. O falecido FF era bancário (gerência) e auferia um vencimento líquido mensal de 1.603,75€. 75. Era ele, com o seu salário e juntamente com a reforma de seu pai, quem provia ao sustento do seu agregado familiar, de forma praticamente exclusiva. 76. Com a sua morte desapareceu a fonte de rendimento que assegurava a subsistência do seu agregado familiar, vivendo agora seu pai, sobrinhos e cunhada dos rendimentos obtidos da sua reforma e de uma pensão de sobrevivência da requerente II. 77. À data da sua morte, o FF, tinha 50 anos, gozava de boa saúde e estava em pleno vigor físico. 78. Era pessoa com grande alegria de viver, de constante boa disposição, trabalhador incansável, pessoa séria e honesta, empenhando-se em proporcionar ao seu agregado familiar as melhores condições de vida, pois era solteiro. 79. Era respeitador, estimado e querido pelos seus que com ele viviam uma vida alegre, feliz e tranquila. 80. A sua morte constitui para todos os demandantes uma profunda dor, uma sentida mágoa e uma tristeza imensa e infindável, agravadas pela forma abrupta, violenta e trágica como ocorreu. 81. Sofreram e sofrem os demandantes, todos e cada um deles, uma perda irreparável e irremediável. 82. Os demandantes GG e FF vêm-se privados, brusca e irremediavelmente de seu tio, que era o seu “pai”, pois os mesmos, como se disse, ficaram sem pai há 15 anos atrás, vivendo sempre com o falecido tio e com o seu avô EE e sua mãe. 83. Os sobrinhos do de cujus têm ela 18 e ele 20 anos. 84. Idades em que tanto precisavam do seu apoio, conselhos, acompanhamentos e afectos e também do seu apoio económico para lhes garantir o sustento, saúde e educação, ainda para mais com a mãe incapacitada. 85. O pai do de cujus, além da privação brusca e definitiva do afecto e companhia do seu único filho (pois o outro já faleceu também muito novo), vê-se de um momento para o outro sem o seu apoio na criação, educação e sustento para os seus sobrinhos e cunhada incapacitada. 86. O que lhe vai exigir um grande esforço no sentido de tentar conseguir que isso não implique para os seus netos e nora uma ruptura no crescimento sócio-afectivo dos mesmos. 87. Cada um dos sobrinhos, GG e FF, necessita cada um de, pelo menos, 200,00€ mensais para prover ao seu sustento, educação, alimentação, vestuário e demais despesas inerentes a uma vida mesmo que modesta. 88. Sendo que para a requerente II, sua cunhada que pertencia ao seu agregado familiar e dependente dele, necessita de pelo menos 100,00€, uma vez que tem uma pensão de sobrevivência de 200,00€ mensais, despendendo muito em medicação. 89. A vítima FF não morreu de imediato. 90. Foi auxiliado por colegas e os mesmos receberam informações via INEM para o estabilizar e reanimar, estando em sofrimento, tanto físico, como psicológico (a angústia pela antevisão da morte). 91. Sentiu a iminência da morte, o processo lesivo conducente à mesma e as dores e angústia resultantes. 92. O demandado já ressarciu o demandante EE no valor de 17.000€. 93. Do pedido civil formulado por CC 94. A acção do arguido/demandado, acima melhor descrita, causou no demandante cicatrizes no abdómen uma vertical mediana com cera de 20 cm de cumprimento, arredondada, compatível com a laparotomia a que foi submetido na sequência dos factos praticados pelo arguido, outra hiperpigmentada de cerca de 1 cm de diâmetro no flanco direito compatível com orifício de saída do projétil, anquilose das articulações inter-falângicas do dedo indicador do membro superior esquerdo. 95. Na sequência dos disparos ficou prostrado no chão até ao momento em que a ambulância do INEM o transportou para o hospital. 96. Onde foi operado, na mesma noite, com urgência, aí permanecendo internado, durante 13 dias, sendo que nos primeiros 7 com prognóstico reservado no que à possibilidade de sobreviver respeita; 97. No hospital foi sujeito a intervenções cirúrgicas, tratamentos, curativos e consultas tudo nos termos que melhor constam de fls. 666 e seguintes dos autos, dos relatórios médicos e perícias juntas aos autos e que aqui e agora se dão por, integralmente, reproduzidos; 98. Foi seguido regularmente no centro de saúde de ... onde se deslocava para realizar curativos, bem como a consultas e tratamentos em hospital. 99. Sofreu de muitas dores e padecimentos, quer no período de internamento, quer depois. 100. Ainda hoje sofre de dores sempre que tem que fazer esforços, ainda que ligeiros. 101. Fruto da acção do arguido ficou CC incapacitado pelo período de 140 dias á data dos factos. 102. O demandante à data dos factos exercia a profissão de taxista, auferindo o valor correspondente ao salário mínimo nacional. 103. Tendo deixado de trabalhar, desde o dia 23-12-2018 até 30-5-2019, deixando assim de auferir 3.000,00 €. 104. Durante o período de internamento hospital, a sua família deslocou-se, diariamente, desde ... até ..., percorrendo 60 km para cada lado, ou seja, 120 km/dias x 15 = 1.800Km, gastando com isso, 0,36 € por km, num total de 648 €. 105. Fruto da acção do demandado viu o demandante, destruída a roupa que nesse dia trazia, designadamente casaco e camisola, tudo no valor mínimo de 120 €. 106. Devido aos factos praticados pelo demandado e à possibilidade de perda da vida, ao estado débil em que ficou a sua saúde e a todas as circunstâncias, o demandante experimentou e continua a experimentar momentos de grande sofrimento físico e psíquico, tendo sofrido um quantum doloris de 4/7. 107. Chegou a antever a própria morte e pensou nunca mais poder ver a sua família. 108. Em consequência da conduta do demandado e das lesões provocadas pela sua actuação, o demandante experimentou e continua a experimentar muitas dores, um enorme sofrimento e instabilidade psíquica. 109. Ficou largo período de tempo sem saber o que lhe reservava o futuro no que tange ao estado de saúde em que ficaria e temendo pela sobrevivência económica do seu agregado familiar, pois não sabia se algum dia poderia voltar a trabalhar, sofrimento e angústias que se prolongaram e continuam a prolongar no tempo. 110. Após recuperar a consciência e ter acordado em luta pela vida, sentiu medo. 111. Por tudo o que lhe aconteceu e em virtude das lesões sofridas, o demandante continua a sentir-se triste, desanimado e desmotivado. 112. Em consequência das lesões sofridas, o demandante temeu estar condenado a ser um inútil o resto da sua vida, necessitando de receber auxílio de terceiros, o que sucedeu, pelo menos, até ao mês de Maio do ano de 2019. 113. O demandante, que era uma pessoa bem-disposta, sociável, que gostava de estar e conviver com os amigos, depois do ocorrido, sente-se uma pessoa diminuída do ponto de vista físico e está emocionalmente abalado, o que o afasta do convívio com os demais. 114. Além disso, a conduta do arguido implicou para o demandante, danos que se traduzem numa incapacidade permanente parcial de 2 pontos percentuais. 115. Sofreu, ainda, danos estéticos fruto das intervenções cirúrgicas a que foi sujeito no Hospital de ..., ficando com uma cicatriz de 20 cm no abdómen. 116. Tal marca permanecerá para sempre no corpo do ofendido, dano fixado em 2/7 graus. 117. Sendo, ainda, limitativa para idas à praia, ficando com vergonha de exibir o tronco nú por causa da mesma. 118. A agressão ocorreu de uma forma pública e inesperada e sem que o demandante tivesse sequer contacto com o demandado. 119. A conduta do arguido causou ao ofendido humilhação, vexame e revolta. 120. O ofendido é uma pessoa pacata, respeitadora e respeitada no meio em que reside. 121. O demandado já ressarciu o demandante no valor de 17 250€. 122. Na data dos factos, o demandante tinha 56 anos de idade. 123. Do pedido civil deduzido por BB 124. Esta situação deixou o demandante com muito medo, provocando-lhe ansiedade e sucessivos pesadelos. 125. A acção do arguido/demandado causou ao demandante dor na anca do membro inferior direito (local onde terá ficado alojado um dos projeteis), cicatrizes no abdómen, uma vertical mediana de extremidade superior abaixo da apófise xifoide e inferior acima da sínfise pública compatível com a laparoscopia a que foi submetido na sequência do disparo efetuado pelo arguido e uma outra cicatriz correspondente ao orifício de entrada do projétil de cerca de 1 cm de diâmetro na região umbilical, aumento do número de micções por diminuição da capacidade da bexiga. 126. Resultando para o demandante, como consequência permanente, dor na anca do membro inferior direito, as cicatrizes abdominais e alteração abdominais acima descritas, tendo estado em perigo de vida. 127. Na sequência dos disparos ficou caído sobre uma cadeira segurando o sangue que jorrava do seu corpo, até ao momento em que a ambulância do INEM o transportou para o hospital. 128. Onde, ainda nessa noite, foi operado, de urgência, aí permanecendo internado, durante 15 dias, sendo que de 23/12/2018 ao dia 3/01/2019 se encontrou em coma induzido, com prognóstico reservado no que à possibilidade de sobreviver respeita. 129. No hospital foi sujeito a intervenções cirúrgicas, tratamentos, curativos e consultas tudo nos termos que melhor constam de fls. 433 e seguintes e 655 e seguintes dos autos, dos relatórios médicos e perícias juntas aos autos e que aqui e agora se dão por, integralmente, reproduzidos. 130. Foi seguido, regularmente, no centro de saúde de ... onde se deslocava para realizar curativos, bem como a consultas e tratamentos em hospital, frequentando várias especialidades, designadamente urologia, ortopedia, psicologia e medicina geral. 131. Sofreu de muitas dores e padecimentos, quer no período de internamento, quer depois. 132. Ainda hoje sofre de dores sempre que tem que fazer esforços, ainda que ligeiros. 133. Fruto da acção do arguido ficou BB incapacitado pelo período de 130 dias, permanecendo desde 23-12-2018 até 9-6-2019 de baixa médica. 134. À data dos factos, o demandante exercia a profissão de vendedor de pedras e granitos, auferindo o valor correspondente ao salário mínimo nacional, 600,00 €. 135. Tendo deixado de trabalhar, desde o dia 23-12-2018 até 12-6-2019, deixando assim de auferir 3.000,00 €, sendo certo que, nesse período recebeu da segurança social, a quantia de 1.335,59 € pela baixa médica. 136. Do exposto resulta que o demandante ficou, a tal título, prejudicado, na quantia de 1.664,31 €. 137. Durante o período de internamento hospital, a sua família deslocou-se, diariamente, desde ... até ..., percorrendo 60 km para cada lado, ou seja, 120 km/dias x 15 = 1.800Km, gastando com isso, 0,36 € por km, num total de 648 €. 138. Suportou, ainda, as seguintes despesas: Consultas em …. (Hospital) 50 €; uma Cinta da Farmácia € 26; Despesas Médicas = € 205,20, totalizando 281,20 €. 139. Fruto da acção do demandado viu o demandante, destruída a roupa que nesse dia trazia, designadamente colete e camisola, tudo no valor mínimo de 120 €. 140. A acção do arguido, aqui demandado acabou por ter reflexos e consequências na economia familiar, bem como no dia a dia da família. 141. A mulher do ofendido, advogada de profissão teve que se ausentar das suas lides profissionais, delegando e substabelecendo numa colega os trabalhos que lhe estavam confiados até ao final do mês de Janeiro de 2019 e nos meses seguintes sempre que o demandante necessitou de se deslocar a tratamentos e consultas hospitalares, sofrendo com isso um prejuízo nunca inferior a 5.000,00 €. 142. Ao longo dos meses o demandante não conseguia executar as tarefas de higiene e outras do dia a dia sem ajuda da sua mulher, designadamente deitar, levantar, sentar, tomar banho, vestir, despir, levar todos os dias ao penso (no posto médico) e hospital, consultas. 143. O filho do demandante NN, estudante de Engenharia … em … suspendeu a frequência do curso para se deslocar com um funcionário a obras confiadas ao demandante, ajudando em tarefas de tirar medidas, cortar pedra, não conseguindo por isso, realizar os exames do mês de Janeiro de 2019. 144. Devido aos factos praticados pelo demandado e à possibilidade de perda da vida, ao estado débil em que ficou a sua saúde e a todas as circunstâncias, o demandante experimentou e continua a experimentar momentos de grande sofrimento físico e psíquico, tendo sofrido um quantum doloris de 4/7. 145. Na verdade, sofre de enormes dores na perna, mancando e não lhe é possível permanecer muito tempo em pé, tem dificuldades em circular de carro, bem como de se por em cima de escadas – o que é necessário no exercício da sua actividade profissional, pois, sucessivamente tem que tirar medidas para colocar as pedras que comercializa. 146. Chegou a antever a própria morte e pensou nunca mais poder ver a sua mulher e os seus dois filhos, a quem tanto ama. 147. Em consequência da conduta do demandado e das lesões provocadas pela sua actuação, o demandante experimentou e continua a experimentar muitas dores, um enorme sofrimento e instabilidade psíquica. 148. Terá que ser sujeito, por via dos factos constantes da acusação, a novas intervenções cirúrgicas, a sua bexiga está a ficar mais pequena, por ter sido atingida com a bala, o que implica que o demandante vá à casa de banho muito mais vezes ao dia. 149. Ficou um período de tempo sem saber o que lhe reservava o futuro no que tange ao estado de saúde em que ficaria e temendo pela sobrevivência económica do seu agregado familiar, pois não sabia se algum dia poderia voltar a trabalhar ou sequer conviver com os seus filhos, sofrimento e angústias que se prolongaram e continuam a prolongar no tempo. 150. Após recuperar a consciência e ter acordado em luta pela vida, sentiu medo. 151. Por tudo o que lhe aconteceu e em virtude das lesões sofridas, o demandante continua a sentir-se triste, desanimado, desmotivado, não sabe o que lhe reserva o futuro, e teme por não poder prover mais ao sustento da sua família, como até então fazia. 152. O A. ficou, ao longo da sua recuperação, profundamente traumatizado com o que lhe aconteceu e, para além disso, caiu em depressão reactiva, estado depressivo que o acompanhou e acompanha sobretudo pelo grande incómodo que foi ter de servir-se de algália (até 17.1.2019) e de a parte mais afectada com o tiro ser a bexiga. 153. Além do mais, ainda hoje, não sabe o demandante a real dimensão das limitações que ficará e, sendo certo que irá carecer de cuidados continuados e permanentes, devido à incapacidade decorrente dos actos praticados pelo demandado, sendo certo que sabia que teria de ser sujeito a diversas cirurgias, quer no abdómen, quer à perna, o que lhe causa enorme incerteza e preocupação acerca do seu estado de saúde. 154. Em consequência das lesões sofridas, o demandante temeu estar condenado a ser um inútil o resto da sua vida, necessitando de receber auxílio de terceiros, o que sucedeu pelo menos até ao mês de Junho do ano de 2019. 155. O demandante, que era uma pessoa bem-disposta, sociável, que gostava de estar e conviver com os amigos, depois do ocorrido, sente-se uma pessoa diminuída do ponto de vista físico e está emocionalmente abalado, o que o afasta do convívio com os demais. 156. Além disso, a conduta do arguido implicou para o demandante, danos que se traduzem numa incapacidade permanente parcial de que se deverá fixar num mínimo de 9 pontos percentuais. 157. Na verdade, considerando a actividade profissional do demandante, a afectação do corpo nas zonas e moldes em que foi, limita-o na sua actividade, pois tem dificuldades em conduzir – passada uma curta viagem de minutos, não tem posição, sofrendo de muitas dores, não consegue subir escadas para tirar medidas, não tem força para carregar e assentar pedras, ou seja, as sequelas descritas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas com esforço suplementar. 158. Sofreu, ainda, danos estéticos, fruto das intervenções cirúrgica a que foi sujeito no Hospital de ..., ficando com cicatrizes na parede abdominal: uma vertical com ligeira eventração na extremidade superior, mediana, de extremidade superior abaixo da apófise xifoide e inferior acima da sínfese púbica e outra arredondada, de cerca de um cm de diâmetro, cerca de 10 cm à esquerda e de 4 cm abaixo da cicatriz umbilical, sendo o dano estético permanente fixado em 3/7. 159. Tal marca permanecerá para sempre no corpo do ofendido, que, diariamente, no banho para ela tem que olhar, sendo ainda limitativa para idas à praia, ficando com vergonha de exibir o tronco nú por causa da mesma. 160. A agressão ocorreu de uma forma pública e causou ao ofendido profunda humilhação, vexame e revolta. 161. O ofendido é uma pessoa pacata, respeitadora e respeitada no meio em que reside. 162. Na data dos factos, o demandante tinha 54 anos de idade. 163. O demandado já ressarciu o demandante em 22 250€. 164. Além disso, o demandado depois de já ter baleado o ofendido e enquanto ele agonia e lutava pela vida, encostou-lhe a arma na cabeça e disse em tom ameaçador: “vais morrer…não ficas cá para contar…”. 165. Nas circunstâncias de modo tempo e lugar, o demandante pediu ao demandado: “não me mates…”, humilhando-se, tolhido ao medo e suplicou pela vida. 166. Sofreu e sofre, ainda, de pesadelos durante a noite com esta imagem, vive aterrorizado, necessitou e necessita ainda de apoio psicólogo e de medicação. 167. Do pedido de indemnização civil formulado pelo Centro Hospitalar ..., EPE. 168. Como consequência directa e necessária da conduta do demandado, BB foi admitido no serviço de urgência do Demandante no dia 23.12.2018, tendo permanecido internado até 03.01.2019 e consulta externa nos dias 06.02.2019 e 15.03.2019. 169. A assistência que lhe foi prestada, episódio de urgência, internamento, consultas externas e meios complementares de diagnóstico orçou a quantia de 6300,96€ (três mil e trezentos euros e noventa e seis cêntimos). 170. Como consequência directa e necessária da conduta do Demandado, DD foi admitido no serviço de urgência do Demandante no dia 23.12.2018 e 24.12.2018. 171. A assistência que lhe foi prestada, episódio de urgência e meios complementares de diagnóstico orçou a quantia de 150,87€ (cento e cinquenta euros e oitenta e sete cêntimos). 172. Como consequência directa e necessária da conduta do Demandado, CC foi admitido no serviço de urgência do Demandante no dia 23.12.2018, tendo permanecido internado até 01.01.2019 e na consulta externa nos dias 06.02.2019, 07.02.2019 e 25.06.2019. 173. A assistência que lhe foi prestada, episódio de urgência, internamento, consultas externas e meios complementares de diagnóstico orçou a quantia de 7411,87€ (sete mil quatrocentos e onze euros e oitenta e sete cêntimos). 174. Como consequência directa e necessária da conduta do Demandado, JJ foi admitido no serviço de urgência do Demandante no dia 23.12.2018, tendo permanecido internado até 03.01.2019 e consulta externa nos dias 06.02.2019 e 15.03.2019. 175. A assistência que lhe foi prestada, episódio de urgência e meios complementares de diagnóstico orçou a quantia de 112,07€ (cento e doze euros e sete cêntimos). Os factos não provados: Não resultaram provados os factos que não se compaginam com os que foram dados por provados, nomeadamente, e com interesse para a decisão da causa, sendo irrespondíveis os conceitos de direito ou matéria conclusiva, designadamente, que “foi movido por um motivo fútil e com frieza de ânimo”, “o que demonstra clara e inequívoca falta de intenção de matar quem quer que fosse”; “parca reforma”. Da acusação: a. Tenha sido o arguido quem encetou uma discussão; b. Que o arguido tenha apontado a pistola semiautomática, marca …. municiada na sua direção (de JJ), premiu o gatilho e efetuou pelo menos dois disparos na sua direção, não tendo, contudo, por motivos alheios à sua vontade logrado atingi-lo; c. Que o arguido tenha agido com o intuito de tirar a vida a JJ. d. Que JJ só não morreu, por facto independente da vontade do arguido que por imprecisão de pontaria não o conseguiu atingir no seu corpo; e. Que o arguido tenha agido com o intuito de tirar a vida ao ofendido DD. Da contestação f. Estas situações que o exaltaram e perturbaram levaram-no a fugir da sala, para evitar males maiores, tendo no seu subconsciente um estado de profunda perturbação, e, num acto impensado, irrefletido efectuou os disparos. g. Disparos estes que aconteceram nunca com intenção de matar qualquer individuo, inclusive a vítima mortal, que por um mero acto de infelicidade, acabou por falecer; h. Que o Arguido é uma pessoa com forte perícia no tiro e treino assíduo em carreira de tiro.; i. Que o arguido, em relação à arma apreendida em 15.03.2019, em sua casa, não tinha a noção que a mesma fosse ilegal. Dos pedidos civis j. Que o demandante CC tenha sofrido um quantum doloris de 5/7; k. Que a incapacidade permanente parcial sofrida pelo demandante CC seja de 40 pontos percentuais; l. Que o demandante BB não mais será capaz de participar nas corridas comemorativas nas festas da cidade, como até então fazia. m. Que o demandante BB tendo sofrido um quantum doloris de 5/7. n. Que a incapacidade permanente parcial sofrida pelo demandante BB seja de 50 pontos percentuais.” §2.(B). – DE DIREITO. §2.(B).(a). – DETERMINAÇÃO/INDIVIDUALIZAÇÃO JUDICIAL DA PENA (pelo crime de homicídio na pessoa de FF). O tribunal recorrido, coonestando a responsabilização jurídico-penal, assacada ao arguido pelo tribunal de primeira (1ª) instância, manteve a qualificação jurídica e a sanção penal irrogada. A qualificação jurídico-penal enformada na decisão recorrida, não colhe a aquiescência do arguido, por, em seu juízo, a interpretação conferida (pelas instâncias) ao suceder anteposto à acção desencadeadora do resultado acontecido (a morte do FF) e a tentativa de homicídio do BB, CC e DD não deve ser aquela que ficou plasmada na decisão de facto, mas sim que o arguido, depois de ter colhido as armas, na sua viatura, só depois de “provocado” pelos circunstantes é que tomou a decisão de usar as armas e desferir os disparos que viriam a ter o resultado atestado na matéria de facto comprovada. A interpretação do suceder (factual) constitui matéria de indução/inferição das instâncias pelo que ao tribunal de revista cabe aquilatar se, considerando a matéria de facto comprovada, ocorreu desvio de razoamento e/ou de planeamento lógico-racional dedutivo susceptível de ocasionar uma perversão/malversão da eleição conclusiva (categoria jurídico-cognitiva funcional) obtida. As instâncias deram como adquirido que o arguido se dirigiu ao automóvel para colher as armas (revólver e pistola) que aí detinha e, na sua posse, se dirigiu para os opositores (que o haviam aperreado e constrangido) e os desafiou a repetir o que até esse momento tinham alardeado. Ocioso dizer que para que ocorra uma acção punível, se torna, imprescindível que o agente aja com dolo, em qualquer das suas formas, directo, necessário e eventual. [Refere Fernanda Palma, ibidem p. 81, que “numa obra [Ascombe, G. E. M. Intention, 2ª ed. 1963] determinante da Filosofia sobre o conceito de intenção, poderemos assentar em que o comportamento intencional é aquele para o qual a pergunta porquê tem como resposta exclusiva a própria vontade de o agente realizar a essa conduta.” No mesmo sentido Claus Roxin, “Derecho Penal. Parte General. Tomo II. Especiales Formas de Aparición del Delito, Civitas/Thomson Reuters, Madrid, 2014, p. 456.] Em pós a uma distinção das formas de manifestação do dolo – intenção ou propósito (dolus directus de primeiro grau), o dolo directo (dolus directus de segundo grau) e dolo eventual (dolus eventualis), Claus Roxin alcança uma forma unitária de descrição do dolo, como ““saber e querer (conhecimento) e vontade” de todas as circunstâncias do tipo legal.” “A este respeito, o requisito intelectual (“saber”) e o volitivo (“querer”) estão em cada caso diferentemente configurados nas suas relações entre si. No caso da intenção, no lado do saber basta com a suposição de uma possibilidade, ainda que seja só escassa, de provocar o resultado, p. ex. um disparo a grande distância. Dado que se persegue o resultado e que, portanto, o “querer” é muito pronunciado, quando o disparo dá no alvo (“da en el blanco”) concorre de todos os modos um facto doloso consumado.” [Claus Roxin, Depreco Penal. Parte General. Tomo I. Fundamentos. La Estructura del Delito. Civitas, Madrid, 1997, p. 415.] Neste eito definitório alinha Hans-Heinrich Jescheck quando assevera que “o dolo significa conhecer e querer os elementos objectivos pertencentes ao tipo.” “O conhecimento do autor deve referir-se aos elementos do tipo situados no passado e no presente; para além disso, o autor há-de prever nos seus rasos essenciais os elementos típicos futuros, em especial o resultado e o processo causal. A vontade consiste na resolução de executar a acção típica. Estende-se a todos os elementos objectivos constitutivos conhecidos pelo autor que serem de base à decisão da acção. (…) o dolo deve concorrer no momento da acção, sendo irrelevante um dolo antecedente ou subsequente.” [Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal. Parte General. Volume I, Bosch, Barcelona, 1978, p. 398-399.] Para que ocorra, na participação da realização de tipo de ilícito pressupõe-se, que “junto com a tipicidade e antijuridicidade do facto do autor, também o seu carácter doloso. Esta indicação legal expressa é supérflua se se ubica sistematicamente o dolo como parte subjectiva do tipo, como se corresponde com a opinião dominante (…). Pois, em tal caso, da exigência de um facto típico do autor se desprende que este deve ser também doloso.” [Claus Roxin, Derecho Penal. Parte General. Tomo II. Especiales Formas de Aparición del Delito, Civitas/Thomson Reuters, Madrid, 2014, p. 205.] A intenção de concretização de um resultado, de um fim, ou objectivo de acção, representa-se exteriormente mediante a efectivação/execução de um conjunto de actos e acções operadas pelo indivíduo/agente que, tendo conjecturado a realização desse resultado, é impulsionado por um querer, voluntariamente assumido e formado, em direcção à concretização do resultado que quis obter. À representação formada e querida, no plano intelectivo e psicológico, o agente ade a materialização no plano físico, exteriorizando por essa forma o querer induzido na acção. A facticidade dada como comprovada induz e inculca uma intenção/resolução de tirar a vida à vítima – aquele que mais se havia encrespado contra o arguido e mais o havia alanceado – e aos demais que se haviam mancomunado e conchavado para o aperrear. Não padece de incorrecção jurídico-penal a qualificação alcançada pelas instâncias. Do mesmo passo não se torna passível de critica a agravação do tipo pela pelo uso da arma na consecução do resultado querido e obtido. A agravação decorrente do uso da arma na perpetração ou consumação do crime de homicídio não afasta a punição pela detenção e posse (ilegais) da arma. A agravação da punição cominada no preceito incriminador pela detenção da arma não se destina a sancionar a detenção da arma mas a agravar o desvalor da acção pelo meio utilizado, a arma proibida. Não ocorre, no caso, uma dupla valoração – entre a incriminação pelo crime de detenção de arma proibida e a circunstância de o crime de homicídio sofrer uma agravação na sua moldura legal – dado que a agravação cominada na norma repercute uma censura do sistema penal pela utilização de um meio fatalmente letal e com uma aptidão lesiva muito de capacidade e inserção superior a qualquer outro meio apto a lesionar o corpo de um ser humano. A agravação cominada na norma (avulsa) representa uma adição de censurabilidade ético-social e jurídico-penal que não pode ser absorvida pela censura geral e reprovação institucional-social do dever de manifesto de armas e de obtenção de licença para o seu uso e posse. (“tratando-se de uma situação em que a verificação de uma circunstância qualificativa de carácter geral (ditada por razões de prevenção geral, que têm a ver com a necessidade de reprimir o uso de armas no cometimento de crimes, logo que, não sendo privativa do crime de homicídio, mas transversal a todos os crimes perpetrados nessas condições, aporta um acréscimo à ilicitude da conduta) determina a agravação da pena aplicável ao crime, nada obsta a que a mesma opere, nos termos do número 3 do artigo 86.º do Regime Jurídico das Armas e suas Munições.”- cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11-02-2016, proferido no processo 205/14.7PLLRS.L1.S1, relatado pela Conselheira Isabel São Marcos, e citado no acórdão da 1ª instância. No aresto ora citado propugna-se pela verificação de um concurso efectivo entre o crime de homicídio qualificado e de detenção de arma proibida, “tem vindo este Supremo Tribunal a considerar que existe concurso efectivo entre os crimes de detenção de arma proibida e de homicídio qualificado pelo uso de arma proibida, numa situação como a prefigurada nos autos. E, designadamente (confira-se pontos 23, 24, e 25 da matéria de facto provada), quando, conhecendo as características de arma em causa (uma pistola semiautomática, com o calibre de 7,65 milímetros), e não ignorando que, sendo a mesma proibida, não podia tê-la em seu poder, e que se tratava de um meio muito perigoso, adequado a causar a morte da vítima nas circunstâncias em que com ela efectuou os disparos, e que não dispunha de licença de uso e porte de arma, o arguido não só a detinha como a usou.” Na nota de rodapé citam-se arestos deste Supremo Tribunal de Justiça, coonestando a tese defendida - acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.2013, Processo n.º 137/08.8WLSB.L1.S1, 5ª Secção; de 03.07.2014, Processo n.º 417/12.8TAPTL.S1, 5ª Secção; de 23.04.2015, de 15.01.2015, Processo n.º 92/14.5YFLSB, 5ª Secção; de 23.04.2015, Processo n.º 86/14.0YFLSB, 5ª Secção.) Daí que não se configure, no caso, uma consunção da incriminação pela unidade natural de acção consubstanciada na detenção de uma arma detida e possuída legalmente e a agravação da circunstância de utilização de um meio particularmente perigoso e de letalidade acrescida para a consumação do crime de homicídio. (cfr. neste sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Janeiro de 2012, proferido no processo nº 306/10.0JAPRT.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral) Desatende-se a existência de uma situação jurídico-legal de concurso aparente de crime e/ou de expansão e violação de uma dupla valoração. As instâncias fixaram, ao recorrente, pela prática do crime de homicídio, agravado pelo uso da arma de fogo, a medida da pena no patamar dos 13 (treze) anos, por (sic) “Sabido que o arguido AA se constituiu autor, em concurso real, de um crime de homicídio, na forma consumada (relativamente a FF), previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1 do CP, agravado nos termos do artigo 86º n.º 3 da Lei 5/2006 de 23.02; de um crime de homicídio, na forma tentada (relativamente a CC), previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1 do CP; de um crime de homicídio, na forma tentada (relativamente a BB); um crime de ofensa à integridade física grave (relativamente a DD), previsto e punível pelo artigo 144º, al. a) do CP; um crime de ameaça agravada, previsto e punível pelo artigo 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a) do CP e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86º, n.º 1, al. c) da Lei nº 5/2006, de 23/2, alterada pela Lei nº 17/2009, de 6/5 e Lei nº 12/2011, de 27/4, o que decorre do factualismo apurado em julgamento, importa apreciar se as penas que lhe foram concretamente aplicadas se mostram, ou não, ajustadas quanto à sua natureza e medida. Nos termos do artigo 40º do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º1). Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º2). Na síntese do Ac. do STJ de 8 de Fevereiro de 2007 (proc.º n.º 28/07-5, rel. Cons.º Simas Santos): «A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor - a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)». A posição do nosso mais Alto Tribunal espelhada naquele aresto - e muitos outros se poderiam mencionar no mesmo sentido – perfilha claramente a teoria penal defendida pelo Prof. Figueiredo Dias e por ele resumida pela forma seguinte: “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais” (Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, 2001, págs. 110-111). Mais especificamente sobre a função da culpa, o Prof. Figueiredo Dias esclarece-nos com o brilhantismo da sua lição: “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas (…) A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo da pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar” (op. cit., págs. 109-110) Dando concretização aos vectores enunciados no n.º1 do artigo 71º do Código Penal (culpa do agente e exigências de prevenção), o n.º 2 daquele preceito legal enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação e determinação concreta da pena, que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Tendo em consideração estes parâmetros, analisemos as pretensões recursórias. Conforme decorre da lição da melhor doutrina (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 196-197, §255) e constitui jurisprudência uniforme do STJ (cfr., v.g. os Acs do STJ de 9-11-2000, in Sumários STJ de 29-1-2004, proc.º n.º 03P1874, rel. Cons.º Pereira Madeira e de 27-5-2009, proc.º n.º09P0484, rel. Cons.º Raul Borges, disponíveis in www.dgsi.pt), aplicável à segunda instância (cfr. v.g. o Ac. da Rel. de Lisboa de 31-10-2019, proc.º n.º 989/17.0PZLSB.L1-9, rel. Abrunhosa de Carvalho, os Acs da Rel. do Porto de 6-1-2013, proc.º n.º 201/10.3GAMCD.P1, rel. Ernesto Nascimento e de 2-10-2013, proc. n.º 180/11.0GAVLP.P1, rel. Joaquim Gomes, e o Ac. da Rel. de Guimarães de 13-5-2019, proc.º n.º 348/18.7GAVLP.G1 Ausenda Gonçalves, todos disponíveis in www.dgsi.pt), a intervenção do tribunal de recurso pode incidir na questão do limite ou da moldura da culpa assim como na actuação dos fins das penas no quadro da prevenção; mas já não na determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. Estabelece, por sua vez, o art° 70º do Código Penal que "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição." O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Janeiro de 2001, proferido no âmbito do processo 3404/00, diz-nos claramente que "subjaz à norma constante do art° 70° do Código Penal, toda a filosofia informadora do sistema punitivo vertido no Código Penal vigente, ou seja, a de que embora se aceitando a existência da prisão (ou pena corporal) como pena principal para os casos em que a gravidade dos ilícitos, ou de certas formas de vida, a impõem ou justificam, a recorrência deverá ter lugar quando, face ao circunstancialismo que se perfile, se não apresentem adequadas, suficientes ou convenientes, as sanções não detentivas, às quais não é de recusar elevada capacidade (ou potencialidade) ressocializadora. Tudo isto se insere no desiderato de se evitarem as curtas penas de prisão (ou a eventualidade da efectivação dessas penas) donde que, por regra, a alternativa por pena de multa se autorize nos casos em que aos ilícitos caiba pena prisional não demasiado elevada." Nesta mesma linha podemos citar o Professor Figueiredo Dias que, em "Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime" refere que "o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição, o que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação. Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico. Assim, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas e que deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias." Volvendo ao caso que nos ocupa e, tendo em consideração os crimes perpetrados pelo arguido, vejamos: - O crime de homicídio é punível com pena de prisão de 8 anos a 16 anos (artigo 131º, nº. 1), sendo agravada a pena de um terço no seu limite mínimo e máximo, nos termos do artigo 86º, n.º 3 da Lei 5/2006, de 23.02, ou seja, a pena abstracta de 10 anos e oito meses a 21 anos e 4 meses. O crime de homicídio, na forma tentada, é punível com pena de prisão de 1 ano, 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses (artigos 131º e 23º, n.º 2 e 73º, n.º 1, al.s a) e b) do Código Penal), agravada nos termos do artigo 86º, n.º 3 da Lei 5/2006, de 23.02, ou seja, a moldura abstracta de 2 anos, um mês e 18 dias a 13 anos, 6 meses e 20 dias. O crime de ofensa à integridade física grave é punido com pena de prisão de dois a 10 anos, agravada nos termos do artigo 86º, n.º 3 da Lei 5/2006, de 23.02, ou seja, a moldura abstracta de dois anos e 8 meses a 13 anos e 4 meses. O crime de ameaça agravada, pelo art 155º, n.º 1, al. a) do C.P. e nos termos do artigo 86º, n.º 3 da Lei 5/2006, de 23.02, é punido com pena de multa ou dois anos e oito meses de prisão. O crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, al c) da Lei 5/2006, de 23.02, alterada pela Lei n.º 17/2009, de 06.05 e Lei 12/20111, de 27.04, é punido com pena de multa até 600 dias ou pena prisão de 1 a 5 anos. Aqui chegados, analisemos as críticas dirigidas ao acórdão, tendo por base as circunstâncias com relevo na determinação da medida da pena e que não se encontram já valoradas no tipo legal. Quanto às exigências de prevenção geral: As exigências de prevenção geral - não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação das normas ocorridas; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida” (Figueiredo Dias, “O sistema sancionatório do Direito Penal Português”, in em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815) - são muito elevadas. Como se assinalou no Ac. do STJ de 11-7-2007, proc. n.º 1583/07-3.ª, “a criminalidade violenta, em que se integra o crime de homicídio, assume alguma preocupação comunitária em crescendo, pelo que, para confiança da colectividade na lei, em nome de uma desejável tranquilidade e segurança de respeito pela vida humana, as necessidades de prevenir a prática de tal crime são muito presentes”. Trata-se, com efeito, de um crime gerador de grande alarme social e repúdio das pessoas em geral, face à enorme intranquilidade que gera no tecido social, que vem assumindo uma prática frequente, sendo elevadas as exigências de reafirmação da norma violada. A confiança dos cidadãos na salvaguarda do bem jurídico afectado por este tipo de crime exige, pois, uma pena suficientemente dissuasora de nova violação da norma infringida. Note-se que, conforme explicitado pelo Ac. do STJ de 24-9-2014, proc.º n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1, rel. Cons.º Raul Borges, “a função de prevenção geral que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial tem de ser eminentemente assegurada, sobrelevando, decisivamente, as restantes finalidades da punição”. As exigências de prevenção geral revelam-se elevadas nos crimes de armas e homicídio. Com o cometimento ou a prática de factos criminais relacionados com armas e homicídios desencadeiam-se fortes e graves sentimentos de insegurança e consequente alarme social – principalmente em casos de homicídio com as características do que ora se apreciou. As necessidades de prevenção especial – necessidade de induzir o arguido a evitar a prática de futuros crimes e a adoptar um comportamento correcto – não são despiciendas, considerando desde logo que aquele actuou com absoluta indiferença e insensibilidade pela vida e pela dignidade da pessoa humana. O grau de ilicitude dos factos mostra-se muito elevado, tendo em conta as características da arma de fogo utilizada com grande capacidade agressiva para os tecidos humanos, sendo particularmente perigosa quando disparada em direcção a uma pessoa, ou seja, com capacidade letal e que torna muito difícil a defesa, para mais quando o disparo é efectuado, como foi o caso, a uma distância próxima das vítimas (relembre-se que o arguido apontou o revólver em direção ao ofendido FF que se encontrava distante de si a uma distância não concretamente apurada mas seguramente entre os 3 e os 5 metros e 50 cm). O arguido actuou com dolo muito intenso, pois foi muito forte a vontade de cometer os crimes, como se retira das circunstâncias em que efectuou os disparos sobre as várias vítimas. E agiu com dolo directo. Como Eduardo Correia ensinava “(…) consoante o dolo toma as formas de necessário ou eventual, assim a realização do crime é mais intensa, mais radica na sua personalidade e na sua vontade, e portanto, mais severa haverá de ser a punição no quadro da moldura do facto” (Direito Criminal, vol. II, reimp., Coimbra 1971, pág. 331). Também Teresa Pizarro Beleza, discorrendo à luz do anterior Código sublinhava que “para além de poder parecer uma regra de bom senso e de justiça, o próprio artigo 84.º do Código Penal quando define os critérios a que o juiz deve obedecer na individualização, na concretização, da medida da pena a aplicar ao réu, refere expressamente a ‘intensidade do dolo’ como um desses elementos a ter em conta. E, portanto, naturalmente que um homicídio praticado de uma forma mais grave (nesse aspecto, pois poderá haver outras circunstâncias…) isto é com a pena mais perto do máximo, e um homicídio com dolo eventual, necessariamente, por efeito do art. 84, punido mais próximo da pena mínima” (Direito Penal, 2ºvol, AAFDL, 1983, pág. 224). Ora, in casu, como referimos, o arguido actuou como se provou sob dolo directo, revelando intensa energia criminosa, ao desferir os disparos sobre as vítimas em várias zonas do corpo, inclusive no abdómen; -No circunstancialismo da execução dos factos, releva também a forma como usou as armas com as quais não só tirou uma vida, mas criando nos ofendidos CC e BB o receio de virem a serem mortos; e causando lesões de mediana gravidade no ofendido DD (cicatrizes arredondadas no membro inferior direito, uma hiperpigmentada na face anterior do joelho compatível, outra também hiperpigmentada na face medial em nível inferior no 1/3 médio distal da coxa, cicatrizes arredondadas no membro inferior esquerdo, hiperpigmentadas de cerca de 1 cm de diâmetro, uma na face lateral e outra na face medial em nível inferior no 1/3 médio da coxa, perturbações de ansiedade com medicação atribuída, para cura do que esteve doente durante 86 dias sem afetação da capacidade de trabalho geral e com afetação da capacidade de trabalho profissional por 15 dias. E muito embora não tenha havido perigo para a vida do DD sofreu como consequência permanente as cicatrizes acima descritas. Há também que ter presentes as consequências resultantes da conduta delituosa do arguido relativamente aos ofendidos BB e CC: - o BB ficou a sofrer de dor na anca do membro inferior direito (local onde terá ficado alojado um dos projécteis), cicatrizes no abdómen, uma vertical mediana de extremidade superior abaixo da apófise xifoide e inferior acima da sínfise púbica compatível com a laparoscopia a que foi submetido na sequência do disparo efetuado pelo arguido e uma outra cicatriz correspondente ao orifício de entrada do projétil de cerca de 1 cm de diâmetro na região umbilical, aumento do numero de micções por diminuição da capacidade da bexiga para cura do que esteve doente durante 40 dias com afetação da capacidade de trabalho geral por 8 dias e com afetação da capacidade de trabalho profissional durante 40 dias. Note-se que como consequência permanente da dor na anca do membro inferior direito, as cicatrizes abdominais e alterações abdominais acima descritas, ficou o ofendido estado em perigo de vida. - o CC ficou com cicatrizes no abdómen uma vertical mediana de cerca de 20 cm de comprimento, arredondada, compatível com a laparotomia a que foi submetido na sequência dos factos praticados pelo arguido, outra hiperpigmentada de cerca de 1 cm de diâmetro no flanco direito compatível com orifício de saída do projétil, anquilose das articulações inter- falângicas do dedo indicador do membro superior esquerdo para cura do que esteve doente durante 141 dias com afetação da capacidade de trabalho geral por 9 dias e com afetação da capacidade de trabalho profissional por 30 dias. Note-se que como consequência permanente as cicatrizes abdominais acima descritas e a aniquilose do dedo indicador do membro superior esquerdo. Há também que ter presente a motivação que presidiu a sua apurada conduta delituosa e o contexto em que a mesma ocorreu, num ambiente de provocação e de humilhação a que o arguido foi sujeito. Por outro lado importa sublinhar que não existem circunstâncias com relevo especial na dosimetria penal quanto ao crime de detenção de arma proibida, devendo ter-se em consideração, tal como expresso no acórdão recorrido, que a aplicação de uma pena de multa não satisfaria as finalidades de reprovação, nem as intensas necessidades de prevenção geral, tendo em conta o contexto da conduta ilícita global, impondo-se a necessidade de aplicação da pena de prisão[1] de cumprimento efectivo e contínuo, para corresponder a exigências mínimas de tutela dos bens jurídicos e de confiança da comunidade na validade e vigência das normas jurídicas atingidas. E quanto ao crime de ameaça agravada, como bem observa o colectivo a conduta do arguido foi gravíssima, como dolo intenso e elevada ilicitude. De facto, o arguido, depois do já ter atingido o ofendido com um tiro, estando este ferido e a sangrar, ainda lhe apontou a arma à cabeça e disse-lhe que o mataria. Ora, este comportamento é fortemente atemorizador, tendo causado terror do ofendido, que, pela segunda vez, voltou a temer pela vida. Por outro lado, e como acima sublinhámos, as necessidades de prevenção geral (positiva ou de reintegração), que determinam o limite mínimo de tutela da ordem jurídica comunitariamente indispensável [2], são, no caso, elevadas, dada a relevância social que este tipo de crimes assume, maxime o de homicídio. Daí que o “sentimento jurídico da comunidade” afaste a pena do seu limite mínimo e a aproxime do seu meio. Por fim, a prevenção especial de socialização que, dentro do máximo da culpa e o mínimo da prevenção geral, vai ajudar a encontrar, em último termo, a medida justa da pena, tem, no caso, um peso relevante. Impõe-se desde logo ponderar como salientou o colectivo que o arguido manifestou arrependimento, apesar de ser infeliz na forma como se expressa, que cremos ser genuíno, tanto mais que além de se ter dito arrependido após os factos teve uma atitude proactiva no sentido de demonstrar e concretizar esse arrependimento, designadamente, pedindo desculpa às vítimas e suas famílias e tratando de as ressarcir parcialmente, pagando-lhes alguns montantes em dinheiro, como também resultou provado. Portanto, mais do que se dizer arrependido, fez alguma coisa para materializar esse arrependimento. O facto de se tratar de arguido sem antecedentes criminais, não tem relevância de maior. Embora possa ser indiciadora de uma personalidade e de um percurso de vida tendencialmente respeitadores da vida em sociedade e do direito, de modo algum invalida que em determinadas circunstâncias, como as que desencadearam os acontecimentos trágicos aqui em discussão, o mesmo não pudesse ser levado a praticar actos violentos como os em apreço nos autos. Aliás, a prática demonstra-nos que, frequentemente, são perpetrados crimes graves por delinquentes primários. Todavia, é certo que as exigências de prevenção especial surgem atenuadas atentas as condições pessoais sociais e familiares do arguido espelhadas nos factos apurados relativos a esta matéria (relevando-se aqui o de abonatório que foi testemunhado a seu respeito). Por último, ter-se-ão em consideração critérios jurisprudenciais aplicados em situações semelhantes, maxime a pena de 13 anos e seis meses de prisão em causa nestes autos para o crime de homicídio consumado, que não se afasta do padrão condenatório dos tribunais superiores portugueses, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça. Em conclusão, entendemos que as penas que foram aplicadas, ao arguido pela prática: - do crime de homicídio, na forma consumada (relativamente a FF), previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1 do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86º n.º 3 da Lei 5/2006 de 23.02, na pena de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses de prisão; - de um crime de homicídio, na forma tentada (relativamente a CC), previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; - de um crime de homicídio, na forma tentada (relativamente a BB), previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; - de um crime de ofensa à integridade física grave (relativamente a DD), previsto e punível pelo artigo 144º, al. a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; - de um crime de ameaça agravada, previsto e punível pelo artigo 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; - de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86º, n.º 1, al. c) da Lei nº 5/2006, de 23/2, alterada pela Lei nº 17/2009, de 6/5 e Lei nº 12/2011, de 27/4, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, se afiguram como adequadas a punir a sua criminosa e muito censurável actuação, pelo que não nos merecem qualquer censura. Em conclusão, as penas parcelares devem ser mantidas, pelo que nesta parte também improcedem os recursos.” Ensaiando um bosquejo (sumário) do conceito e fins das penas, poder-se-ia dizer que com a pena, o Estado, através do sistema penal (viger numa sociedade de configuração ideológica demoliberais) dispõe-se a rechaçar e reagir ao desrespeito que alguém assume perante um comando legal que contenha uma proibição de fazer, agir ou omitir pretendendo com essa reacção confirmar a inteireza da norma (de proibição) e a sua validade e eficácia na manutenção de uma determinada e concreta ordem societária. Dir-se-á que com a pena o sistema pretende negar a negação consumada pelo agente de um preceito normativo-social válido. (Numa definição impressiva, Jesus-Maria Silva Sánchez, refere que “A pena (estatal) associa-se substancialmente à inflicção pelo Estado de um mal simbólico-comunicativo ao agente responsável de um delito, a quem se reprova juridicamente. Constitui, pois, uma reacção estatal ao delito. A ela só lhe é consubstancial o sofrimento inerente à própria comunicação, que tem lugar em virtude da sua imposição como tal pena incluso sem esta mediante a declaração do injusto culpável responsavelmente cometido” – “Malum passionais. Mitigar el dolor del Derecho Penal”, Atelier, 2018, 113-114. (tradução do castelhano) A pena, na asserção de Claus Roxin, “só resulta legítima quando é preventivamente necessária e, ao mesmo tempo, é justa no sentido de que evita ao autor qualquer carga que vá além da culpabilidade do facto”, (Claus Roxin, “La Teoria del Delito en la Discussión actual”, Editorial Grijley, 2007, p.71.) actuando a culpabilidade como pressuposto fundamentador da pena “posto que nunca pode impor-se uma pena se ela não estiver presente, assim como tão pouco a pena pode ir além da sua medida. No entanto a tarefa da pena é igualmente preventiva, pois ela não deve retribuir mas sim impedir a comissão de delitos (crimes). Em câmbio, a culpabilidade só tem a função de limitar, ema aras da liberdade dos indivíduos, magnitude dentro da qual devem perseguir-se objectivos preventivos. Disto resulta, por política criminal, aquele princípio da dupla limitação que caracteriza a minha sistematização da categoria da responsabilidade: a pena não deve ser imposta nunca sem uma legitimação preventiva, mas tão pouco pode haver pena sem culpabilidade ou mais além da medida desta. A pena de culpabilidade é limitada através do preventivamente indispensável; a prevenção é limitada através do princípio da culpabilidade.” (Claus Roxin, op. loc. cit. ps. 52-53.) (“A praxis de responsabilizar segundo a medida do merecido pode definir-se e legitimar-se num sistema de imputação ética e jurídica que opere debaixo da ideia de liberdade como expressão de respeito ante o autor que se haja servido da sua capacidade para configurar o mundo arbitrariamente de um modo concreto (isto é, de forna contrária ao dever) e não de outro (isto é, conforme ao dever.” – (Michael Pawlik, “Confirmación de la Norma y Equilibrio en la Identidad. Sobre la Legitimación de la Pena Estatal, Editorial Atelier, Barcelona, 2019, p. 57) Na perspectiva funcionalista de Günther Jakobs, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. (Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualización Judicial de la Pena”, Ediciones Universidad Salamanca, 1999, p. 121) “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Para uma abordagem mais aprofundada sobre a acepção «social de culpabilidade» veja-se Bernd Schünemann, págs. 98 a 114, “La Culpabilidad: Estado de la Questión”; in “Sobre el Estado de la Teoria del Delito” (Seminário en la Universitat Pompeu Fabra), Claus Roxin, Günther Jakobs, Bernd Schünemann; Wolfang Frish e Michael Köhler; Cuardernos Civitas, 2016.) A pena foi assumida no Estado liberal com uma dupla função, de prevenção de delitos e retribuição por um mal cometido. Num Estado com uma preocupação social e de raiz democrático, o direito penal “deve assegurar a protecção efectiva de todos os membros da sociedade, pelo que há-de tender para a prevenção de delitos (Estado social), entendidos como aqueles comportamentos que os cidadãos entendem danosos para os seus bens jurídicos - “bens” não num sentido naturalista nem ético-individual, mas sim como possibilidades de participação nos sistemas sociais fundamentais –, e na medida em que os mesmos cidadãos considerem graves tais factos (Estado Democrático). Um tal direito penal deve, pois, orientar a função preventiva da pena com arrimo (“arreglo”) aos princípios de exclusiva protecção de bens jurídicos, de proporcionalidade e de culpabilidade.” Para este autor “são dois, pois, os aspectos que deve adoptar a prevenção geral no Direito penal de um Estado social e democrático de Direito: junto ao aspecto intimidatório (também chamada a prevenção geral negativa), deve concorrer o aspecto de uma prevenção geral estabilizadora ou integradora (também denominada prevenção geral ou positiva).” (Santiago Mir Puig, “Estado, Pena e Delito. Função da Pena no Estado Social e Democrático de Direito”, Editorial Bdef, Montevideu e Buenos Aires, pág. 105.) Hassemer afirma que «la función de la pena – afirma – es la prevención general positiva”, que “no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de suponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.” (No mesmo eito pode colher-se lição em Enrique Bacigalupo, in “Justicia Penal y Derechos Fundamentales”, Marcial Pons, 2002, p. 117, quando assevera que “A gravidade da culpabilidade determina o limite máximo da pena, mas não obriga – como na concepção de Kant – à aplicação da pena adequada á culpabilidade. Por debaixo desse limite é possível observar exigências preventivas que, inclusive, podem determinar uma redução da pena adequada á culpabilidade. Dito de outra maneira: a retribuição da culpabilidade, que provém das teorias absolutas, só determina o limite máximo da pena aplicável ao autor, sem excluir a possibilidade de dar cabida às necessidades preventivas, proveniente das teorias relativas, até ao limite fixado pela culpabilidade.”) O ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, consagrou uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (“conditio sine qua non”) e de limite da pena”. (Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.) Para este Professor [Taipa de Carvalho], as penas devem visar, em primeira linha privilegiar a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. (Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit.,pag. 327) A ordem jurídico-penal viger, estabelece no art. 71 nº 1 do C.P. que "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente societária e comunitária para a reprovação do comportamento do agente e a correlata necessidade no asseguramento da confiança (da sociedade) na norma, traduzido na punibilidade de condutas contrárias ao sentido conformador-normativo) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Mediante o estabelecimento e indicação de critérios, o legislador fornece ao juiz orientações para a formação cognitiva de juízos avaliativos e condensadores dos pressupostos e da fixação de premissas que possibilitam a conformação e determinação das escolhas a realizar perante um concreto responsável em face da realidade factual ressumada pela facticidade adquirida pelo julgamento. Assim na individualização da pena o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha uma insubstituível tarefa mediadora, construtiva e constitutiva das reacções penais ajustadas ao caso e convincentes da sua justeza perante a sociedade que se destinam a influenciar. Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente: – O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente; – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. (Paragonado com o estabelecido no artigo 71º do nosso ordenamento jurídico-penal, pontua-se no apartado II do § 46 do StGB, que o tribunal deverá na “medición” da pena ponderar as circunstâncias favoráveis e contrárias ao autor. “com este fim se contemplarão particularmente: - os fundamentos da motivação e os fins do autor; - a intencionalidade que se deduz do facto e a vontade com a qual se realizou o facto; - a medida do incumprimento do dever; - o modo de execução e os efeitos inculpatórios do facto; - os antecedentes do autor, a sua situação pessoal e económica, assim como a sua conduta depois do facto, especialmente os seus esforços para reparar os danos, e os seus esforços para acordar uma compensação com o prejudicado.”) A pena contém, na sua impressão conotativa e ontológica, dois vectores axiais (i) a culpa do agente produtor de um resultado contrário a uma proibição legal (comando estipulado pela normação emanada do Estado); e (ii) a prevenção que com a imposição de uma inflicção se pretende alcançar na comunidade em que as normas vigentes imperam e, por outro lado, fazer reflectir o agente da sua contradição cognitiva ao sistema de leis vigente e prevalente na sociedade em que se insere e, eventualmente, impulsionar a respectiva reversão, por forma a conformar a sua pauta de conduta com o conceito sociopolítico prevalente. Num seminário sobre os fins das penas, (Claus Roxin, “Fundamentos Politico-criminales del Derecho Penal” (“La determinación de la pena a la luz y de la teoria de los fines de la pena), Hammarabi, Buenos Aires, págs. 143 a 166) Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade (“O princípio – fundamentado segundo opinião generalizada na Constituição – nulla poena sine culpa (princípio da culpabilidade) não significa nesta situação senão que «o suposto de facto e a consequência jurídica devem estar em proporção adequada», quer dizer, a imputação ao autor deve ser necessária, por estar descartada a possibilidade de resolver o conflito sem castigar o autor. Também a medida da culpabilidade se vê limitada pelo necessário. Sobretudo, o conteúdo da culpabilidade não é algo prévio ao Direito, sem consideração às situações sociais.” – Günther Jakobs, op. loc. cit. pág. 588-589.), devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou da forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode, portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz…poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” (À teoria da margem da liberdade opõe-se a teoria da «pena exacta», segundo a qual «a la culpabilidad» só pode corresponder una pena exactamente determinada (punktuell). – Clus Roxin, op. loc. cit. P. 146.) De forma definitiva assevera Hans-Heinrich Jescheck que “fundamento da determinação da pena é a culpabilidade, Com esta declaração fundamental reconhece-se expressamente o princípio da culpabilidade e expressa-se que o sentido da pena deve ver-se em todo o caso na retribuição da culpabilidade. Sem embargo, junto a esta declaração, se estabelece no §46 I 2 o dever do juiz ter em conta e todo o acto de determinação da pena os efeitos que podem esperar-se tenha a pena na vida futur do réu na sociedade”. (Autor citado em Tratado de derecho Penal, Volumen Segundo, Bosch, Barcelona, p. 1200) Para Bacigalupo a culpabilidade só logra a sua função de parâmetro delimitador da pena, se for referido à «culpabilidade do facto». “Isto requer excluir das considerações referentes à culpabilidade as que se referem a uma ponderação geral de personalidade como objecto do juízo de reprovação (“juicio de reproche”). Concretamente o juízo de culpabilidade relevante para a individualização da pena, deve excluir como objecto do mesmo referências à conduta anterior ao facto (sobretudo a penas sofridas), a perigosidade, ao carácter do autor, assim como á conduta posterior ao facto (que só pode compensar a culpabilidade do momento da execução do delito.” Noutra perspectiva, o conteúdo de culpabilidade, impõe a “a um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.) Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas Santiago Mir Puig opina que: «O princípio de culpabilidade em sentido amplo, aqui manejado, não deve confundir-se com a exigência de certa proporção entre a pena e a gravidade do delito. Entendida como possibilidade de relacionar um facto com um sujeito e não como possibilidade de converter em demérito subjectivo o facto realizado, a culpabilidade no indica la quantia da gravidade do mal que deve servir de base para a graduação da pena. A referida quantia vem determinada pela gravidade do facto antijurídico do qual culpa o sujeito. A concepção contrária só pode ser admitida por quem aceite que a pena não se impões para prevenir factos lesivos, mas outrossim como retribuição da atitude interna que o facto reflecte no sujeito.- pág. 206. Por um lado a prevenção geral pode manifestar-se pela via da intimidação dos possíveis delinquentes, ou também como prevalecimento ou afirmação do Direito aos olhos da colectividade. No primeiro sentido, a ameaça da pena persegue imbuir de um temor que sirva de freio à possível tentação de delinquir. Dirige-se somente aos eventuais delinquentes. Num segundo sentido, como afirmação do direito, a prevenção geral persegue, mais do que a finalidade negativa de inibição, a internalização positiva na consciência colectiva da reprovação jurídica dos delitos e, por outro lado, a satisfação do sentimento jurídico da comunidade. Dirige-se a toda a sociedade, e não só aos eventuais delinquentes. – pág. 43 Daí, pois, um primeiro limite que a prevenção encontra em si mesma: a gravidade das penas tendentes a evitar delitos não pode negar até ao máximo do que aconselharia a pura intimidação dos eventuais delinquentes, outrossim que deve respeitar o limite detida por certa proporcionalidade com a gravidade social do facto. Por outra parte a exigência de proporcionalidade desprende também aa conveniência de ressaltar o mais grave respeito do menos grave em ordem a frenar em maior grau o mais grave. - pág. 44 Frente ao delinquente ocasional, a prevenção especial exigiria só a advertência que implica a imposição da pena. Para o delinquente no ocasional corrigível, seria precisa a ressocialização mediante a aplicação de um tratamento destinado a obter a sua correcção. Por último, para o delinquente incorrigível a única forma de alcançar a prevenção especial seria inoculá-lo, evitando assim o perigo mediante o seu internamento “asegurativo”. O efeito de advertência se designa às vezes como “intimidação especial”, para expressar que se dirige só ao delinquente e não à colectividade, como a intimidação que persegue a prevenção geral. A ressocialização adopta às vezes modalidades especiais: assim, como tratamento educativo ou como tratamento terapêutico para sujeitos com anomalias mentais. (Cfr. Santiago Mir Puig, in “Estado, Pena y Delito” Editorial B de f, Montevideu – Buenos Aires, 2006 Págs. 43, 44, e 206. Tradução nossa) Do mesmo passo, Santiago Mir Puig faz derivar desta função preventiva uma concepção de pena em que “a pena há-de cumprir (e só está legitimada para cumprir) uma missão política de regulação activa da vida social que assegure o seu funcionamento satisfatório, mediante a protecção dos bens jurídicos dos cidadãos. Isso supõe a necessidade de conferir à pena a função de prevenção dos factos que atentem contra esses bens, e não basear o seu encargo, ou incumbência, numa hipotética necessidade ético-jurídica de não deixar sem resposta, sem retribuição, a infracção da ordem jurídica.” (Santiago Mir Puig, ibidem, pág. 114.) “Partindo da ideia de que a eficácia preventiva da pena pode estar referida aos potenciais delinquentes (prevenção geral) ou aqueles que já hajam delinquido (prevenção especial), e de que a pena pode produzir um efeito preventivo de formas diversas, consideramos que a legitimidade do recurso à mesma há-de vincular-se à sua eficácia preventiva e ao respeito do princípio de proporcionalidade, que (sem prejuízo da eficácia preventiva derivada da sua vigência e da sua importância para estabelecer as penas dos distintos delitos) teria uma função de limite garantístico: a pena é legítima quando, sem rebaixar os limites que derivam do princípio de proporcionalidade, resulta eficaz desde o ponto de vista preventivo; mais concretamente, quando proporciona a máxima eficácia preventiva, atendendo tanto à sua eficácia preventiva geral, como à sua eficácia preventiva especial, e aos distintos sentidos (“cauces”) através dos quais o recurso à pena pode produzir um efeito preventivo (função preventiva limitada pelo princípio da proporcionalidade). Como o resto das teorias preventivas, a proposta pressupõe aa eficácia preventiva da pena. A sua singularidade radica em que faz depender todas as decisões relacionadas com ela (classe e duração da pena que se ameaça com impor, classe e duração da pena imposta e, no concreto caso, forma de execução da pena) do saldo preventivo global das distintas alternativas e do respeito pelo princípio da proporcionalidade. Para que primeiro o legislador, e a seguir o Juiz (e, no caso concreto, a administração penitenciária), adoptem aquelas decisões tendo em conta a sua eficácia preventiva, deverão conhecer a eficácia preventiva das distintas alternativas. A complexidade da conduta humana, e as limitações do próprio ser humano para conhecer os elementos que influem nela, dificultam a aplicação prática daquela proposta, como também dificultam a de qualquer teoria preventiva. No entanto, tais dificuldades não obrigam a abandoná-las. Obrigam a ser prudentes, tentar obter o máximo conhecimento possível sobre a eficácia preventiva da melhoria pena, reconhecer os limites do conhecimento disponível e promover a melhoria do mesmo. E, no caso concreto, também obrigam a reconhecer os limites da capacidade da pena para produzir um efeito preventivo, e a valorar as consequências de intentar incrementá-lo.” (Cfr. Sergi Cardenal Montraveta, “Eficacia Preventiva General Intimidatória de la Pena”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia”, (RECPC 17-18 (2015), pág. 3.) As escoras da pena assentam, na concepção dominante, na culpa e na prevenção, devendo o tribunal, na individualização concreta da pena, ponderar, aquilatar e idear os factores concretos que podem intervir e equivaler os interesses em jogo. Na doutrina estrangeira sugere-se que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o seu comportamento posterior ao delito”. (Winfried Hassemer (Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derecho Penal”, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127). “Fundamento da determinação da pena é a significação do delito para a Ordem jurídica (conteúdo do injusto), e a gravidade da reprovação que se faz ao réu pelo facto cometido (conteúdo de culpabilidade. No entanto estes factores, fundamentais para a determinação da pena, não estão totalmente desvinculados entre si, a culpabilidade jurídico-penal vem referida ao injusto: a sua extensão determina-se pelo conteúdo culpável do injusto do facto. A culpabilidade tem, não obstante, também junto a isto, elementos autónomos que carecem de paralelo no âmbito do injusto (por ex., o grau de capacidade da culpabilidade; a evitabilidade do erro de proibição, autênticos elementos da atitude interna). Tanto o injusto como a culpabilidade entendidos como elementos materiais do delito, são conceitos graduáveis. Isto significa que, entre outras coisas, entidade do dano, a forma de execução do facto e a comoção da paz jurídica determinam o grau de injusto do facto, tanto com a desconsideração, a premeditação, a situação de necessidade, a tentação, a juventude, os transtornos mentais ou o erro devem ser valorados para graduar a culpabilidade.” (Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Volumen Segundo, Bosch Editora, Barcelona, 1981, p. 1207.) (“Na lesão ou colocação em perigo do objecto da acção protegido reside o desvalor do resultado do facto, na forma da sua comissão o desvalor da acção. O desvalor da acção consiste tanto nas modalidades externas do comportamento do autor, com nas circunstâncias que radicam na sua pessoa. Segundo isto, é preciso distinguir entre desvalor da acção (pessoal) referido ao facto e referido ao autor. O desvalor do resultado ou da acção se convertem em injuso do resultado ou da acção, respectivamente, ao ser recolhidos nos tipos penais.” – Hans-Heinrich Jescheck, op. loc. cit. p. 323) (Para uma perspectiva da categoria do que se constitui como injusto e da sua justificação e imputação, veja-se Michael Pawlikemann – Urs Kindhäuser – Javier Wilenmann – Javier Pablo Mañalich, in “La antijuridicidad en el Derecho Penal. Estudios de las Normas Permissivas y la legitima Defensa”, Bdef, Buenos Aires, 2020, ps. 99-176.) Pondera-se, na jurisprudência, que a escolha e determinação da medida, ou para medição, da pena “reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. (“A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07) Consignada a pena nos preditos moldes, e arredada, por não interessar ao caso em apreço, a figura da “determinação legal da pena, ainda que para a operação de individualização judicial da pena não nos possamos alhear deste conceito, por constituir o limite que o legislador consignou como sendo aquele que protege de forma prevalente e eficaz, e num dado momento histórico, um determinado bem jurídico”, procuraremos indagar quais os critérios e justificações que deverão guiar e lastrar a determinação da medida concreta de uma pena, o que vale por dizer quais serão ou deverão ser os princípios rectores em que poderá ancorar-se uma adequada valoração da conduta de um agente infractora norma protectora de bens jurídicos. (Na procura de directivas e vectores de orientação que ajudem na determinação concreta da pena seguem-se de perto os ensinamentos colhidos em Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, bem como dos ensinamentos recolhidos na obra já citada supra de Gunther Jakobs, de Winfried Hassemer, in “Fundamentos del Derecho Penal”, de Claus Roxin, in “Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal” e Anabela Miranda Rodrigues, in “A Determinação da Pena Privativa de Liberdade” e Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato”, Marcial Pons, 2015.) A culpa serve, na determinação concreta da escolha, um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial. Dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou segurança individuais. «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas». (Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111 e ainda Anabela Rodrigues (- Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin (2002), “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, 177/208, estudo também publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182.) Anabela Rodrigues, bem como Taipa de Carvalho, ao defenderem que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral, devendo eleger, em cada caso, aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto. Tutela dos bens jurídicos não, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada. Neste sentido, constitui indicador razoável afirmar-se que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra. (“O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça. [Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.” – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007). Discorrendo sobre o princípio da proporcionalidade, refere Mata Barranco que, “no momento judicial o âmbito de projecção do princípio da proporcionalidade manifesta-se claramente tanto na fase judicial de concreção da pena legalmente prevista – se se prefere, de determinação judicial da pena – como na individualização em sentido específico. Diz-se inclusivamente que a denominada aritmética penal, que não é senão a completa técnica que o tribunal tem que levar a cabo para determinação da pena que corresponde ao autor, está inspirada no princípio da proporcionalidade. Em primeiro lugar, o Código estabelece determinadas regras vinculadas à determinação judicial da pena em relação, por exemplo, ao grau de execução do delito, à participação, ao erro de proibição, à concorrência de eximentes incompletas, de atenuantes e agravantes ou aspectos concursais, modulando-se a resposta penal com base na diferente gravidade do facto e da culpabilidade do autor nos supostos concretos. (…) Em segundo lugar, ao juiz fica-lhe sempre uma margem de arbítrio, mais ou menos amplo, na determinação quantitativa da pena, ou inclusivamente qualitativa quando o preceito penal contemple penas alternativas, penas de imposição potestativa ou a possibilidade de aplicar substitutos penais que permita um melhor ajuste entre a gravidade do facto – em toda a sua complexidade – e a gravidade da pena, que tem que aplicar – de todo o modo proporcional – atendendo ao conjunto de circunstâncias objectivas e subjectivas do delito cometido, tal e como costumava exigir, por outro lado a própria normativa penal. Aquela primeira função judicial, ainda que próxima a esta de individualização judicial propriamente dita, se entende conceptualmente separável da verdadeira função autónoma individualizadora do juiz, que não procede a uma delegação do legislador, diz-se, mas sim que se apresenta como competência exclusiva da jurisdição enquanto se trata de determinar uma pena em função das peculiaridades de cada caso e de cada autor (…) por isso se qualifica este acto de individualização judicial como de discricionariedade juridicamente vinculada, pois o juiz pode mover-se livremente, em princípio, dentro do marco legal do delito – que quele concreta -, mas orientado por princípios que haverão de extrair-se desde logo das declarações expressas da lei, quando existam, assim como dos fins do Direito penal no seu conjunto, ou ainda dos fins da pena partindo da função e limites do Direito penal.”) (Norberto J. de la Mata Barranco, “El Princípio de Proporcionalidad Penal”, Tirant lo Blanch, “ColeCCión Delitos”, Valência, 2007, 221-223.) Como se alcança do que a doutrina vem ensinando “o conceito de proporcionalidade, o juízo sobre a proporcionalidade de uma norma – não só de uma sanção, mas também de uma norma enquanto ao que prescreve ou proíbe e enquanto á consequência do seu incumprimento – afecta, e deve fazê-lo, tanto à delimitação da tutela que trata de conseguir como ao mecanismo sancionatório que prevê para o lograr e, por isso mesmo, ideia de proporção deve poder permitir restringir tanto a sanção desnecessária ou excessiva como limitar comportamentos susceptíveis dela. (…) O princípio de proporcionalidade penal rechaça, com se disse, o estabelecimento de cominações legais - proporcionalidade em abstracto – e a imposição de consequências jurídicas – proporcionalidade em concreto – que careçam de relação valorativa com o facto cometido, contemplado este no seu significado global. De uma forma mais sintética, exige que as consequências da infracção penal, previstas ou impostas, não sejam mais graves – se é que se pode equiparar a gravidade de umas e outras – à entidade da mesma. (…) mas também – ou justamente por isso – se há-de destacar a necessidade e vincular o conceito de proporção à relação entre a medida imposta e a finalidade pretendida pela norma a aplicar e com os fins, no nosso caso, da pena e do Direito penal; serão estes – tratando de garantir uma convivência na qual se maximize a liberdade de cada um sem detrimento superior da do resto – os que determinam a gravidade do facto a «enjuiciar».” (Norberto J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 289-290. “A exigência de proporção tem umas implicações, em todo o caso, que talvez não captam os conceitos de razoabilidade, racionalidade ou ausência de arbitrariedade, por quanto permite incorporar um conteúdo limitador da actuação estatal que, em princípio, estes não têm que atender. Com ser difusa a ideia de proporção, porque não indica mais que uma correspondência ou correlação de magnitudes, sem dúvida oferece uma base de actuação mais concreta – no âmbito penal – que a estes conceitos e nesse sentido aporta um plus de segurança, relativa, na restrição de liberdades porque, ao menos, remete para determinadas magnitudes ou referências a partir das quais pode efectuar uma ponderação de qual deve ser o grau de intervenção.” – ibidem, p.291) Iterando a vertente da pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente merece, ou seja, deve corresponder ao desvalor social do injusto cometido. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. (Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.); Cfr. ainda por mais recentes os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2008 e 09.04.2008; proferidos, respectivamente, nos proc.s nºs 07P4724 e 08P1011; disponíveis em www.stj.pt.) A imposição de uma pena depende do estabelecimento/consolidação de um juízo de culpabi-lidade que pressupõe exigências de verificação a) “de um princípio de responsabilidade pelo facto. “Exige um “direito penal do facto” e opõe-se a castigar o carácter ou o modo de ser – directa ou indirectamente. Ainda que o homem contribua para a formação da sua personalidade, esta escapa em boa parte ao seu controle. Deve rechaçar-se a teoria da “culpabilidade pela conduta de vida” ou a “culpabilidade do carácter”. Este princípio [da responsabilidade pelo facto] entronca com o da legalidade e a sua exigência de tipicidade dos delitos: o “mandato” e determinação da lei penal reclama uma descrição diferenciada da cada conduta delitiva”; b) a exigência de imputação objectiva do resultado lesivo a uma conduta do sujeito. Nos delitos de conduta positiva, isso requer a relação de causalidade entre o resultado e a acção do sujeito, mas para além disso são precisas outras condições que exige a moderna teoria de imputação objectiva e que giram em torno da necessidade de criação de um risco tipicamente relevante que se realize no resultado”; c) a exigência do dolo ou culpa (imputação subjectiva). Considerada tradicionalmente a expressão mais clara do princípio de culpabilidade, faz insuficiente a produção de um resultado lesivo ou a realização objectiva de uma conduta nociva para fundar a responsabilidade penal”; d) A necessidade de culpabilidade em sentido estrito, que exige a imputabilidade do sujeito e a ausência de causas de exculpação- também a possibilidade ed conhecimento da antijuridicidade, se esta não se inclui no dolo.” (Santiago Mir Puig, ibidem. “Sobre o Princípio de Culpabilidade como Limite da Pena”, pág. 203.) Ainda que concordemos que a função da pena deva assumir-se como um pendor marcadamente preventiva, não podemos deixar de, na escolha e determinação concreta da pena, considerar o facto conduzido pela vontade de delinquir do agente – desvalor da acção – e o resultado em que a acção desvalorativa se concretizou. A imposição de uma pena que, partindo destes dois parâmetros definidores da conduta ilícita e típica do agente, seja colimada pela culpabilidade do agente impõe como paradigma da pena proporcional ao facto que deve encampar a actividade do julgador na hora de ponderar o quantum penológico a impor. Factor de ponderação inarredável na formação de uma pena justa e arrimada com os valores constitucionalmente consagrados é a proporcionalidade entre o desvalor da acção referido ao conteúdo do bem jurídico contido na norma violada, o desvalor do resultado enquanto atingimento e vulneração histórico-social e concreta de um sentimento socialmente relevante e o retraimento social que se pretende com a imposição da sanção penal. No ensinamento de Silva Sanchez (Individualización judicial de la Pena”, p.139) “é difícil, na realidade, falar de discricionariedade no âmbito da individualização judicial da pena e que, seguindo a terminologia da doutrina alemã, afinal do que poderá falar-se é de uma “discricionariedade juridicamente vinculada. A maioria da doutrina entende sim possível continuar aludindo a uma certa discricionariedade no exercício da actividade judicial, limitada, submetida a uma conjunto de critérios valorativos, que não permita tomar decisões com base em considerações opostas a princípios cuja transgressão afasta o arbítrio das pautas de racionalidade, mesura e proporcionalidade que lhe devem presidir; sem embargo autor explica, em meu juízo com acerto, que isso já não é uma verdadeira discricionariedade, mas sim autêntica aplicação pura, regrada do Direito, pois não se trata de eleger entre várias possibilidades igualmente correctas, que é o que caracteriza a discricionariedade, mas sim concretar os juízos de valor da lei e conseguir os fins daquela em cada passo. Determinando a pena concreta. (…) Por isso o Tribunal Supremo distinguiu o que a discricionariedade enquanto uso motivado das faculdades de arbítrio não susceptíveis de revisão em apelação, cassação ou amparo – quando se executa correctamente –, da arbitrariedade, definida pela ausência de motivação do uso de tais faculdades, vetada e revisível, diz-se numa diferenciação que não obstante reside somente no facto da motivação da individualização (…).” (Norberto J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 229-230.) Numa recensão louvável da jurisprudência e de uma “desmadejada” doutrina sobre a determinação da pena, respigamos o que a propósito foi escrito no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça datado de 20 de Junho de 2018, no processo 3343/15. (Incluem-se as notas de rodapé nos números apósitos). “O art. 40.º do do CP constitui um repositório da doutrina defendida entre nós que entende que os fins das penas «só podem ter natureza preventiva – seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa--, não natureza retributiva.» (Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal. Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal sobre a Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2001, pág. 104.) A medida da pena há-se encontrar-se de acordo com a combinação do disposto nos arts. 40.º e 71.º através da conjugação da culpa, da prevenção geral e da prevenção especial, esse “triângulo mágico” de que falava Zift. (Cit. por Anabela Miranda Rodrigues em O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, pág. 148.”( Sobre o historial do art. 71.º do CP, cfr. o cit. Ac. STJ de 29/6/2011, Proc. 21/10.5GACUB.E1.S1, Rel. Raul Borges.) Referindo-se ao relacionamento da culpa e da prevenção, escreve Anabela Miranda Rodrigues em O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 155, que «É essa composição que oferece o artigo 40.º, ao condensar em três proposições fundamentais o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena – e levantando, assim, obstáculos definitivos à eventual persistência de correntes jurisprudenciais erradas e funestas»(sublinhado nossos) (Relativamente à culpa, não é dogmaticamente pacífica a sua concepção: para uns, Anabela Miranda Rodrigues, Jorge de Figueiredo Dias, constitui apenas limite da pena e não seu fundamento; para outros, v.g., Maria Fernanda Palma, Direito Penal. Conceito material de crime, princípios e fundamentos. Teoria da lei penal: interpretação, aplicação no tempo, no espaço e quanto às pessoas, cit., págs. 87 e 108, constitui fundamento da pena. Na jurisprudência deste STJ, considerando a culpa como fundamento e limite da pena, cfr., v.g., Acs. de 13/10/2000, Proc. 200/06.0JAAVR.C1.S1; de 27/4/2011, Proc. 210/08.2JBLSB. L1.S1; de 15/2/2012, Proc. 85/09.4PBPST.L1.S1; de 22/1/2013, Proc. 182/10.3TAVPV.L1.S1; de 15/5/2013, Proc. 154/12.3JDLSB.L1.S1, relatados pelo Cons.º Santos Cabral; Ac. de 31/5/2017, CJACSTJ, XXV, T. II, págs. 208 e ss. Refere-se naquele Ac. de 15/2/2012, Proc. 85/09.4PBPST.L1.S1, que «Nunca é demais acentuar o papel da culpa como critério fundamentador da medida da pena, ao invés da preponderância que alguns outorgam à prevenção geral, colocando-a acima da retribuição da culpa pelo delito quando é esta, na realidade, que justifica a intervenção penal. A culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente uma finalidade da mesma.») «A norma do artigo 40.º - escreve-se no Ac. STJ de 16/1/2008, Proc. 4565/07, Rel. Henriques Gaspar - condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, senda a culpa o limite da pena mas não seu fundamento. Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo. O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do artigo 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação. O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. A medida da prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.». (Entendimento replicado no Ac. STJ de 13/1/2011, Proc. 369/09.1JELSB.L1.S1, do mesmo Relator e noutros arestos deste STJ (cfr., v.g., Ac. STJ de 29/6/2011, Proc. 1878/10.5JAPRT.S1, Rel. Raul Borges).” (in www.dgsi.pt).” Com a norma inscrita no artigo 131º do Código Penal pretende-se proteger e tutelar a vida da pessoa humana. “Il diritto alla vita costituisce nel nostro ordenamento personalístico, il bene-fine primario.” [Veja-se na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Maio de 201º, proferido no Processo nº 58/08.JAGRD.C1.L1, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral em que se sumariou: “I - O crime de homicídio constitui uma violação do bem mais precioso de qualquer pessoa que é a própria vida e, como tal, será sempre inadmissível. Porém, o processo causal que leva à consumação de tal crime, isto é, a dinâmica de emoções e sentimentos que lhe está associada assume uma policromia por tal forma plurifacetada que, necessariamente, terá de lhe corresponder uma maior ou menor compreensão da sua génese. II - O art. 132.º do CP define o tipo de crime de homicídio qualificado constituindo uma forma agravada de crime em relação ao tipo do art. 131.º do mesmo diploma. Com efeito, o tipo de crime assenta nos mesmos factos dos que estão previstos no art. 131.º, funcionando a qualificação assente na combinação de um critério de culpa com a técnica dos exemplos padrão. III - A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação, sendo um tipo de culpa. Seguindo Roxin, por tipo de culpa entende-se aquele que, na descrição típica da conduta, contém elementos da culpa que integra factores relativos à actuação do agente que estão relacionados com a culpa.”] Como bem-pressuposto da Constituição, ele deve ser assumido num tríplice significado: “1) que o ordenamento personalístico-solidarístico coloca, exactamente no centro, a pessoa humana, na sua unitariedade físico-psíquica e na sua dimensão individual-social reconhecendo-lhe o direito inviolável e favorecendo-lhe o pleno desenvolvimento mediante a imposição, à República, as remoções dos obstáculos, limitativos, de ordem económicos e sociais e, aos particulares, o adimplemento dos deveres inderrogáveis de solidariedade politica, económica e social; 2) que o reconhecimento e a tutela do direito à vida são pressuposto e suporte da manifestação e do desenvolvimento da personalidade humana, enquanto “senza di essi” ainda o reconhecimento, da tutela a o exercício de todos os demais direitos individuais e sociais, «di» e «da», da personalidade humana, e a imposição da remoção dos ditos obstáculos e do adimplemento dos ditos deveres restariam abstractos enunciações privada de efectividade: a começar pelo próprio direito de liberdade, porque para poder ser livre ocorre estar antes de mais («innanzitutto») sujeitos vivos; 3) que qa hierarquização entre bem-fim e bem-meio tem um sentido funcional, sobretudo, da postulada tutela da vida o bem-fim supremo.” [Fernando Mantovani, “Diritto Penale. Parte Speciale. Delitti Contro la Persona”, Cedam. Milan, 2005, p. 89. Refere o autor que ao invés de outras Constituições, com o é o caso das alemã, espanhola e portuguesa, a Constituição italiana não reconhece expressamente o direito à vida e à incolumidade individual.] “O direito à incolumidade individual constitui, também ele, um bem-fim primário, ainda que de rango inferior ao da vida. A incolumidade está entendida em relação: a) à incindível unitariedade da pessoa, no seu significado global, de integridade física e psíquica funcional e estética; b) à sua variabilidade de pessoa para pessoa: no seu significado, absoluto e abstracto, de condições óptimas de funcionalidade psicofísica ou de esteticidade individual, ou pelo menos, de funcionalidade e esteticidade médio-normal.” O elemento objectivo da conduta consiste: “em qualquer comportamento idóneo a causar a morte, pois que essa é tipificada exclusivamente em função de tal idoneidade causal, quedando indiferente, aos fins da subsistência do delito, a própria modalidade, que assumem, ainda assim, relevância tão somente para fim de agravamento da pena”, seja através da acção ou da omissão. [Fernando Mantovani, op. loc. cit. p. 93.] O objecto material é: “1) um homem, isto é, um ser humano, não na fase de «concepito» (objecto este de tutela autónoma); “mas como já ficou dito: a) vindo à existência através da fecundação sexuada, assexuada ou extraespecifica e desenvolvido em qualquer ambiente idóneo que o conduza à maturação (corpo humano feminino ou masculino, corpo animal ou «madre mecânica»); b) capaz de vida autónoma, seja esse saído ou pelo menos no corpo materno (constitui duplo homicídio a morte, por isso, mediante veneno ou incidente estradal, da mãe e do concebido ainda não nascido, mas capaz de vida autónoma”; 2) um homem vivente, isto é, vindo à existência e não morto, ainda que não necessariamente, vital; 3) um qualquer homem, pois que o principio personalístico-igualitário não tolera qualquer discriminação de tutela ao bem supremo da vida, pro qualquer razão; 4) um homem diverso do sujeito do agente; O evento é a morte do homem, isto é, a morte clinica que consiste na perda, total e irreversível, da capacidade do organismo manter, autonomamente, a própria unidade funcional, coincidente com a chamada ou dita morte encefálica; O nexo causal naturalístico, no caso de acção, e normativo, em caso e omissão, deve subsistir entre a conduta e o evento da morte. O objecto jurídico é a vida, que assume uma tutela, antes de mais, como direito individual; A ofensa é a destruição do bem da vida, tornando-se perfeita com o momento da morte.” [Fernando Mantovani, op. loc. cit. p. 94 a 97. Vide ainda quanto ao tipo objectivo, sujeitos passivos e acção (comissiva ou omissiva) Francisco Muñoz Conde, “Derecho Penal, Parte Especial”, Tiranto lo Blanch, 13ª edição, Valência, 2001, p. 34-40.] “Ai fini dell’individuazione del bene giuridico tutelato, si può dire, quindi, che la legge penale tutela la vita «individuale» anche contro la volontà del singolo, ed a prescindere da questa. Per convincersene basterà considerare non soltanto le norme che puniscono l’agevolazione dell’altrui suicídio (art. 580), oppure l´omicidio del consenziente (art. 579), ma anche che il delito di omissione de soCCorso (art. 505) – ad esempio – si configura, come delito contro la vita e l’incolimità individuale, anche nell’ipotesi in cui venga rinvenuto um corpo umano che «sia o sembri inanimato» e si tratti – ad esempio – de un mancato suicida.” [Cfr. Vincenzo Patalano, “I Deliti Contro la Vita”, CEDAM, Milano, p. 16.] “O bem jurídico protegido é a vida humana desde o momento do nascimento até à morte. O homicídio é um delito de lesão que requer a efectiva lesão do interesse protegido para a sua consumação. “ [Javier Boix Reig, “Derecho Penal. Parte Especial. La proteCCión penal de los interes jurídicos personales”, (Adaptado a la reforma de 2015 del Código Penal); Volume I, 2ª edición, iustel, Madrid, 2016, p. 18] A conduta típica do homicídio, constituído como delito de resultado, impõe que para a consumação do delito não se torne suficiente “com a realização da conduta por parte do sujeito activo, mas sim que seja necessário que se produza a morte do sujeito passivo. Em consequência, deve verificar-se a relação causal entre a acção do sujeito activo e o resultado da morte, isto é, a morte deve ser imputável objectivamente à conduta do autor. Para além disso, este tipo penal admite tanto a modalidade activa como a omissiva ou a comissão por omissão.” [Javier Boix Reig, op. loc. cit. p. 20.] Para que a previsão contida na norma se materialize no plano da intencionalidade ou voluntariedade do querer de agir de uma determinada maneira e com vista a um determinado fim “não basta a previsão do evento e a sua vontade, mas é necessário que o sujeito preveja a agressão ao bem tutelado e intencionalmente a realiza como consequência do próprio comportamento. O sujeito, «cioè», deve perspectivar o resultado lesivo da sua acção e realizá-lo intencionalmente como consequência da sua conduta.” [Vincenzo Patalano, op. loc. cit. 25-26] (Tradução nossa). “O dolo exige o conhecimento e a vontade de realizar as circunstâncias do tipo objectivo, quer dizer, saber que se mata outra pessoa e querer fazê-lo.” [Francisco Muñoz Conde, op. loc. cit. p. 38.] A realização/consumação do tipo de ilícito contido no tipo-base do 131º do Código Penal, basta-se, como já apontamos supra, com a supressão, em consequência de acção (comissiva, ou omissiva ou comissiva por omissão) da vida de uma pessoa humana, de um individuo dotado de vida. [Não vem aqui ao caso a querela doutrinária relativa ao início da vida. Com interesse podem ver-se os dois autores citados, Vincenzo Patalano, op. loc. cit. ps. 8 a 12; e Javier Boix Reig p. 18 (bem como os autores citados por este último autor)] A desvalorização do sentido positivo da vida de uma pessoa, ainda que a acção (comissão) haja sido impelida por motivação emotiva, repentista e irreflectida, por decorrente de uma provocação maturada e continuada, constitui uma ofensa insuportável e irremível de um valor insuperável e invadeável da pessoa humana. Da asserção irrefragável ressalta a necessidade de a ordem jurídica ter a obrigação de reagir acerbamente para com os autores de tão infanda acção. A pena a impor, sopesado o valor e a substancialidade do bem jurídico a proteger, deve contemplar a voluntariedade e intencionalidade do agente e nesta assumpção subjectiva-objectiva em que a acção se repercute, a pulsão culpável revelada no agir concreto do autor. Abonados nos elementos doutrinários e jurisprudenciais alinhados supra, importará para a determinação (judicial) individualizada da pena, destacar (exalçando) a facticidade que, em nosso juízo, deverá sobressair na aferição concreta da pena. O arguido encontrava-se num espaço de entretenimento – ainda que de disputa (campeonato de sueca); estava em jogo um título a ser obtido pela melhor equipa; em situações similares ocorre uma emulação inerente à disputa do “troféu”; ocorrendo um ambiente de emulação é-lhe adstrito uma tensão nervosa e emotiva superlativa; a perversão das regras do jogo é susceptível de desencadear, nos espíritos mais exaltados e descompensados, uma reacção agressiva e perturbadora do espirito lúdico que deveria estar imanente a um jogo; o arguido foi perturbado, segundo as declarações de um dos responsáveis da organização, pela reacção intempestiva de um dos participantes, quando se encontrava concentrado a realizar uma partida que seria essencial para a obtenção do primeiro (1º) lugar; o arguido procurou acalmar o interveniente exaltado; o arguido foi repreendido, agressivamente, pela vítima – que lhe disse que se não estava bem o lançava para fora; o arguido trocou com os asseclas de uma facção palavras acídulas e insultos; o arguido, em momento que os factos, desafortunadamente, não situam temporalmente, dirigiu-se à sua viatura, donde retirou uma pistola e um revólver; retornou, empunhando-os para o local onde tinha decorrido a altercação; esgrimiu as armas, desafiando os sequazes da facção adversa, para que o insultassem, nesse momento; o arguido disparou na direcção do FF, visando-o e atingindo-o em parte do corpo que sabia serem vitais; o arguido atingiu mais três contendores. O arguido, segundo ele próprio, era adestrado no manejo e uso de armas, por ser possuidor habilitado com licença e por tal com instrução adrede pela força e segurança competente para o efeito. [Num parêntesis, e em aparte de curiosidade, diremos, baseando-nos em experiência própria, que não é de acolher a alegação, glosada pelo arguido, de que, quando foi buscar as armas e as transportou, empunhando-as, não seria para as usar. Constitui uma regra basilar, diria até, iniciática, de um utilizador de armas, que nunca se extrai e exibe uma arma (carregada) – a gíria policial emprega a expressão “nunca se puxa por uma arma” – se não se tiver a intenção de a usar. Se se faz sem essa intenção o detentor arrisca-se a que a arma seja, por reversão, usada contra ele próprio.] A culpabilidade do arguido, na produção dos resultados antijurídicos, tem de ser aferida pela assumpção resolutiva que assumiu, depois de ter saído do salão onde se estava a disputar o campeonato e foi ao automóvel armar-se para tirar desforço dos opositores com quem se trocara palavras e insultos. O arguido sabia que armado, dirigindo-se para o espaço onde os ânimos se encontravam exaltados, num estado de exacerbamento emotivo e com as razões totalmente esvaídas não teria outra alternativa que não fosse disparar contra qualquer dos opositores. O grau de culpa mostra-se assim adensado, porquanto teve tempo para amadurecer a sua retirada e evitar o desfecho que acabou por ocasionar. O arguido, segundo no diagrama de responsabilidade social, de todos os que o conhecem, “é visto como um individuo muito trabalhador, sendo um empresário de sucesso”, sendo, entanto, de discussão fácil e verbalização acídula. A moldura da pena situa-se entre os 10 anos e oito meses a 21 anos e 4 meses. A culpabilidade do agente – acima conferida – e a necessidade de prevenção geral que este tipo de criminalidade inculca, principalmente em determinados meios, não aconselham outra pena senão aquela que foi imposta ao arguido. Desestima-se este segmento da pretensão recursiva e com a fixação da pena no rango que as instâncias haviam fixado, ficará prejudicada a apreciação do segmento do recurso em que o arguido/recorrente pugnava pela atenuação especial da pena. §2.(B).(b). – DETERMINAÇÃO JUDICIAL DA PENA GLOBAL. Fixada a pena (concreta) para o crime de homicídio, impõe-se a indagação da pena global pelos crimes, em concurso, que levou a efeito. Para além da pena de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses, haverá que adir duas penas de 5 (cinco) anos, pela prática de 2 (dois) crimes de homicídio (nas pessoas de CC e BB), na forma tentada; uma pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses, pela prática de um crime de ofensa à integridade fisica grave; uma pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, pela prática de um crime de ameaça agravado; e uma pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, pela prática de um crime de detenção de arma proibida. Em cúmulo (jurídico) foi imposta ao arguido a pena global de 20 (vinte) anos de prisão. O arguido – se fossem atendidas as pretensões com que alentou o alor recursivo – pugnava por uma pena conjunta de 13 anos. O tribunal recorrido, justificou a manutenção da pena única, com a argumentação que a seguir queda transcrita. “Nos termos do disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, "quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente". É este o quadro normativo em que se move o Tribunal na determinação da pena unitária a aplicar. Não quer isto dizer que não sejam atendíveis os elementos a que se refere o artigo 71.º do Código Penal, mas não se pode esquecer que isso já aconteceu em relação a cada uma das penas parcelares e que tudo se terá de reflectir na personalidade do agente, atenta a globalidade dos factos (Ac. do STJ de 8-11-2007, proc.º n.º 07P3296 rel. Cons.º Simas Santos, que aqui se segue de perto). A pena aplicável tem como limite superior a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes" (artigo 77º, n.º 2, do Código Penal). E são atendíveis as condições pessoais do agente, como já decidiu o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. por todos o Ac. de 17.3.05, proc. n.º 124/05-5, rel. Cons.º Simas Santos) e que se reflectem na sua personalidade, bem como o seu desenvolvimento. Por outro lado, importa ter em atenção a soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico (como refere Figueiredo Dias, Direito Penal 2, pág. 284, cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, I, 411 e Robalo Cordeiro, JDC 278), em que são determinadas as penas concretas aplicáveis a cada um dos crimes singulares e é depois construída uma moldura penal do concurso, dentro do qual é encontrada a pena unitária – artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal, tendo em atenção os factos e a personalidade do agente. Sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação – a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes), sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares. É, pois, de toda a relevância a consideração do quantum do limite mínimo a considerar. Na síntese do Cons.º Rodrigues da Costa, a qual condensa a doutrina e jurisprudência mais representativas: «A medida concreta da pena do concurso, dentro da moldura abstracta aplicável, a qual se constrói a partir das penas aplicadas aos diversos crimes, é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico, constante do art. 77.º, n.º 1 do CP: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do arguido. À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detectar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da actuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”, a que se refere CRISTINA LÍBANO MONTEIRO em anotação ao acórdão do STJ de 12/07/058. Ou, como diz FIGUEIREDO DIAS: «Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique». Na avaliação desta personalidade unitária do agente, releva, sobretudo «a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização.» Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses factores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita. E tem de ter uma fundamentação específica na qual se espelhem as razões por que, em atenção aos referidos factores (em particular a propensão ou não do agente para a prática de crimes ou de determinado tipo de crimes), se aplicou uma determinada pena conjunta». (“O Cúmulo Jurídico Na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”, disponível em http://www.stj.pt/). Na formação da pena única no concurso de crimes, o Supremo Tribunal de Justiça, evidenciando preocupações de justiça relativa e de equidade, tem adoptado maioritariamente um critério segundo o qual a pena conjunta se há-de encontrar, em resultado da apreciação conjunta dos factos e da personalidade do agente, fazendo acrescer à pena mais grave o produto de uma operação que consiste em comprimir a soma das restantes penas com factores variáveis, mas que se situam, normalmente, entre um terço e um quinto, salvo casos excepcionais, devidamente fundamentados (cfr. Simas Santos-Leal Henriques, Código Penal Anotado, 4ªed., Lisboa, 2015, vol. II, pág. 213) . Como se sumariou no acórdão do STJ de 27/01/2016, proc. 178/12.OPAPBL.S2 -3.° Secção, sendo seu relator o conselheiro Santos Cabral: "V-Embora não se aceitem quaisquer critérios matemáticos alheios a uma valoração normativa, admite-se que, na formulação da pena conjunta, se considere que, conforme uma personalidade, mais ou menos, desconforme com o Direito, o tribunal determine a pena única somando à pena concreta mais grave entre 1/2 e 1/5 de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso. V -Na definição da pena concreta dentro daquele espaço situa-se a dimensão dos bens jurídicos tutelados pelas diferentes condenações, já que não é raro ver um tratamento uniforme do bem jurídico, que pode assumir uma diferença substantiva abissal consoante haja ofensa de bens patrimoniais ou de bens fundamentais, como é o caso da própria vida. VI - A utilização de tal critério de determinação está relacionada com a destrinça do tipo de criminalidade. Na operação de cálculo importa considerar a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade bagatelar, média grave. VII-Paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa averiguar se há certa tendência, que no limite se identifica com uma carreira criminosa, ou uma mera pluriocasionalidade, que não radica na personalidade do arguido. VIII-Este critério está directamente conexionado com o apelo a uma referência cronológica (o concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes) ou a uma referência quantitativa (o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes) " Tendo em consideração as penas parcelares aplicadas ao arguido e que, como vimos, devem ser mantidas, a pena aplicável tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – in casu 13 anos e 6 meses de prisão, correspondente ao crime de homicídio consumado, e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos todos os crimes – no caso, 25 anos de prisão, considerando o limite estabelecido no citado artigo 77º (a soma material seria de 30 anos e 4 meses de prisão). Revertendo ao caso dos autos, como vimos, há que que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do arguido, em todas as suas facetas. A ilicitude dos factos é muito elevada, pois as condutas são dirigidas essencialmente, contra o bem vida. Estão em causa três crimes de homicídio, sendo dois na forma tentada, um crime de ofensa à integridade física grave, para além dos ilícitos de ameaça agravada e de detenção de ama proibida. É assim evidente que todo o complexo de crimes praticados pelo arguido gera um intenso sentimento de insegurança na comunidade e reclama exigências muito fortes de prevenção geral. Importa que a sociedade sinta que o desrespeito pelo bem jurídico supremo que é a vida, para além do desprezo pela observância das normas, em geral, tem uma resposta do sistema penal significativa, necessariamente pautada em reclusão prolongada. Importante é também sopesar a ausência de antecedentes criminais, a inserção social e laboral do arguido, o contexto de provação e humilhação em que ocorreram os factos, o arrependimento demonstrado pelo arguido, mormente ao pedir desculpa às vítimas e ter iniciado o seu ressarcimento. Por outro lado cumpre vincar que nos termos do artigo 40.º, n.º1 do Código Penal a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Ora, a necessidade da pena no cumprimento do fim da prevenção especial de socialização impõe um juízo de ponderação que permita que essa finalidade de realize e, por isso, não resulte frustrada com a aplicação de uma pena menos adequada, porque excessiva. A pena a aplicar há-de contribuir para que o arguido venha a interiorizar a necessidade de conformar a sua vida pelas regras do direito e da convivência social. Nesta perspectiva, a pena conjunta, adequada à culpa e correspondendo às exigências de protecção dos bens jurídicos decorrente da apreciação global, há-de permitir a desejável reintegração social. Se se torna difícil entender este caso como de mera pluriocasionalidade, não pode ainda falar-se, com segurança, numa tendência para a prática de crimes particularmente contra a vida por parte do arguido. Na verdade, a facticidade provada não permite formular um juízo específico sobre a personalidade do arguido que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, não se mostrando provada personalidade por tendência, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do agente. Todavia, importa ter presente que no caso, a conexão entre os crimes, o contexto e circunstâncias em que ocorreram e serem diferentes os bens protegidos violados, acentuam a gravidade da conduta. Tudo ponderado, sopesando em conjunto as circunstâncias referentes à gravidade dos factos no seu conjunto, comportamento anterior e posterior e personalidade do arguido, afigura-se-nos justa e equitativa a pena única de 20 anos de prisão fixada no acórdão recorrido.” Na pena única, deverão ser considerados, «em conjunto», seguindo a regra aplanada na parte final do artigo 77º do Código Penal (i) os factos; e (ii) a personalidade do agente. A consideração em conjunto – dos factos e da personalidade do agente – importa uma valoração global, vale dizer conjugada e precípua dos factos (particulares e autónomos) que irão compor, por agregação, a heurística de uma ideia, a um tempo diversa e holística, ou seja uma ideia compósita a congregadora dos elementos que hão-de ser componentes, numa perspectiva eidética e inovadora, da formação de uma realidade conformadora de um novo conceito, no caso a formação da dita “pena única”. A raiz donde, em nosso juízo, se deve partir para formar a conclamada “imagem global”, deverá ser, seguindo a regra, a natureza dos factos ajuizados. O arguido, como se realçou supra, aquando da explanação dos motivos salientes para a formação da pena parcelar, agiu desprovido de razoabilidade e numa tentativa de desforço que evidencia um carácter desabrigado de valores de complacência e sociabilidade. A natureza dos bens atingidos, e modo como foram atingidos, com recurso a armas de fogo – o que evidencia a feição hegemónica com que o arguido adorna e pretende afectar a sua personalidade – são os mais valiosos da constelação jurídico-penal e merecem uma censura intensa e premente. Concentrando-se o arco das penas (parcelares) aplicadas entre 13 (treze) anos e 6 (seis) meses e 30 (trinta) anos e 10 (dez) meses, consideramos a pena conjunta encontrada se pauta pela proporcionalidade e pela necessidade. Desatende-se, também neste segmento, a pretensão do recorrente. §2.(B).(d). – RESPONSABILIDADE CIVIL PELOS DANOS (DE MORTE E NÃO PATRIMONIAIS). Estima o recorrente que os quantitativos encontrados pelo tribunal de primeira (1ª) instância e roborados na decisão recorrida são exagerados, (i) “ao atribuir ao demandante EE indemnização em 70.000€ pela perda do direito à vida de FF já que tal valor excede os valores habitualmente fixados pelas nossas instâncias superiores, que vêm a fixar com maior frequência montantes compreendidos os €50.000,00 e os €60.000,00€ pelo que se nos afigura mais justa e adequada a fixação do montante indemnizatório pela perda do direito à vida de FF no valor de 60.000,00€”; (ii) “a indemnização atribuída pelo tribunal ao demandante EE de 30.000€ pelos danos morais decorrentes da dor e sofrimento pela morte do filho FF é excessiva, encontrando-se além dos valores habitualmente arbitrados pelos nossos tribunais superiores em circunstâncias semelhantes pelo que a decisão aqui posta em crise ofende a equidade e deve ser substituída por outra, que fixe a indemnização pelos danos morais ao demandante EE, na quantia de 25.000,00 €”; (iii) “a quantia indemnizatória atribuída ao demandante EE de 10.000€ pelo chamado dano intercalar, ou seja, pelo sofrimento de FF pela antevisão da própria morte, que não ocorreu imediatamente após o disparo é excessiva já que dos factos 89), 90) e 91) – que não esclarecem a duração da situação – retira-se que o sofrimento de FF que antecedeu a própria morte terá durado alguns minutos, pelo que se afigura desproporcionada a indemnização de 10.000€ atribuída a este título, devendo esta ser reduzida para 5.000€, quantia que se entende adequada a ressarcir esse dano”; (iv) “a redução da indemnização nos termos do art 570º do Cód. Civil, determinada no acórdão recorrido em face da culpa do ofendido FF na produção dos danos é insuficiente já que, em face dessa culpa a redução da indemnização terá que ser de, pelo menos 40%, ficando assim a indemnização fixada em 67.500€ (valor resultante da soma das quantias pelas quais aqui pugnamos – 60.000€ + 25.000€ + 5.000€ = 90.000€, subtraída dos 40%)”; e (v) [q]uanto às indemnizações a atribuir a CC e BB, dada a culpa dos mesmos na produção dos danos, nos termos do art. 570º nº 1 do Cód. Civil deve ser-lhes aplicada uma redução à indemnização de, pelo menos 20%”, Para manter os quantitativos que vinham fixados da primeira (1ª) instância, o tribunal recorrido esgrimiu a sequente argumentação (sic). “Nos termos do artº 562º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Contudo, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artº563º do mesmo diploma). Os danos indemnizáveis podem ser de natureza patrimonial ou de natureza não patrimonial. No que aos primeiros concerne, são indemnizáveis não apenas os danos emergentes, ou seja, o prejuízo imediatamente sofrido pelo lesado, mas também os lucros cessantes, isto é, as vantagens que deixaram de entrar no património do lesado, como consequência da lesão (artigo 564º, n.º 1, do Código Civil). Comecemos pelos danos não patrimoniais: Dispõe o artº496º do C.Civil: 1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3 – (…). 4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores. Nele se preveem três espécies de indemnizações: - a indemnização pela perda do direito à vida. - a indemnização pela dor sofrida pela própria vítima; - a indemnização pela dor sofrida pelos familiares, seus herdeiros. De acordo com o preceituado no artº494º, nº1 do C.Civil, para o qual remete o nº3 do artigo transcrito, a indemnização tem que ser fixada de acordo com juízos de equidade, levando em consideração, nomeadamente, o grau de culpabilidade do agente. A finalidade da indemnização por danos não patrimoniais, sobretudo no caso em que a reconstituição in natura é impossível, é, essencialmente, compensatória. Da perda do direito à vida de FF: Considera o recorrente/arguido que acórdão recorrido colidiu com as orientações jurisprudenciais ao atribuir ao demandante EE indemnização em 70.000€ pela perda do direito à vida de FF “já que tal valor excede os valores habitualmente fixados pelas nossas instâncias superiores, que vêm a fixar com maior frequência montantes compreendidos os € 50.000,00 e os € 60.000,00€ pelo que se nos afigura mais justa e adequada a fixação do montante indemnizatório pela perda do direito à vida de FF no valor de 60.000,00€”. Pois bem: O montante indemnizatório pela lesão do direito à vida, «o primeiro dos direitos fundamentais constitucionalmente enunciados» [J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira – Constituição da República Portuguesa Anotada – IV Ed., Vol. I, - Coimbra Editora, pág.446.], consagrado no artº24º da CRP, tem vindo a ser fixado pelo Supremo Tribunal de Justiça, entre € 50 000,00 e € 80 000,00 [Cfr., entre outros, os acórdãos de 03/11/2016 – Relator: António Joaquim Piçarra e de 11/10/2017 – Relator: Oliveira Mendes - www.dgsi.pt.] Sobre a compensação pelo direito à vida, escreve-se no acórdão do STJ de 03/11/2016: «A jurisprudência portuguesa foi, durante muito tempo, extremamente avara quando se tratava de determinar a indemnização correspondente a este tipo de dano, mas verificou-se, nesse campo, um salto qualitativo, com o progressivo aumento do montante indemnizatório pela perda do direito à vida. Isso mesmo se constata através do teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/2/2002, acessível em wwwdgsi.pt., onde se mencionam vários outros arestos do mais Alto Tribunal, fixando a indemnização pelo dano morte entre €40 000,00/8.000.000$00 e €50 000,00/10.000.000$00". Consolidou-se, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os €50 000,00 e €80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100.000,00 (cfr, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, de 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1), de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) e de 16 de Setembro de 2016 (processo 492/10.OTBB.P1.S1), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.).» Mais recentemente, o acórdão do STJ de 21/03/2019, acima citado e o acórdão de 11/04/2019, fixaram em € 80 000,00. [http://www.dgsi.pt/jstj. Relator: Oliveira Abreu] Nos tribunais da Relação vem-se sentindo uma tendência para aumentar este valor, conhecendo-se pelo menos dois acórdãos que o fixaram no montante de € 100 000,00 (em ambos os casos tratava-se de jovens). [Cfr. Ac. da Relação do Porto, de 06/11/2019 - http://www.dgsi.pt/jtrp - Relator: Moreira Ramos e da Relação de Évora, de 19/11/2019 – Relator: José Maria Martins Simão.] Considerando, porém, que o valor da vida é igual para todos, independentemente das circunstâncias em que ocorreu a lesão, pois «sendo a vida um valor absoluto, o seu valor fiCCionado não depende da idade, condição sócio-cultural ou estado de saúde da vítima», bem como a aludida prática jurisprudencial nesta matéria, considera-se justa e adequada a quantia - € 70 000,00 (setenta mil euros). [Acórdãos do STJ, de 14/07/2009 – Relator: Sebastião Póvoas e de 12/09/2013 – Relator: Bettencourt de Faria, ambos em http://www.dgsi.pt/jstj. e, na doutrina, Leite de Campos - A vida, a morte e a sua indemnização – BMJ365/15. Veja-se, no sentido de que na fixação deste dano deve atender-se, designadamente, às circunstâncias em que ocorreu a lesão, à da idade da vítima, à sua condição sócio-cultural ou estado de saúde, entre outros, o acórdão do STJ, de 22/02/2018 – Relator: Manuel Braz - http://www.dgsi.pt/jstj. e, na doutrina, Dario Martins de Almeida – Manual de Acidentes de Viação – 2ª Ed., pág.186.] Danos sofridos pelo demandante com a perda do filho: Pelo sofrimento e dor com a perda do filho FF, o colectivo atribuiu ao demandante EE a quantia de - € 30 000,00. Na perspectiva do arguido encontrando-se tal montante além dos valores habitualmente arbitrados pelos nossos tribunais superiores em circunstâncias semelhantes “a decisão aqui posta em crise ofende a equidade e deve ser substituída por outra, que fixe a indemnização pelos danos morais ao demandante EE, na quantia de 25.000,00 €”. Vejamos: - A indemnização a este título destina-se a dar aos lesados uma compensação passível de atenuar ou minorar a intensidade da dor psíquica suportada e deve ser fixada equitativamente. É manifesta a dificuldade na determinação de uma indemnização justa dada a impossibilidade de quantificação da dor e desgosto dos familiares. Porém, salvo raríssimas excepções [Cfr., acórdão do STJ, 30/04/2015 – Relator: Salazar Casanova - http://www.dgsi.pt/jstj. -, em que o tribunal não atribuiu indemnização ao pai de vítima por se ter provado que entre eles não havia quaisquer laços de afecto, pois o pai abandonou-o em criança e foi mesmo inibido do poder paternal.], a perda do marido e pai ou filho, como é o caso, é causador de grande sofrimento, tanto mais que se provou que o demandante/EE “além da privação brusca e definitiva do afecto e companhia do seu único filho (pois o outro já faleceu também muito novo), vê-se de um momento para o outro sem o seu apoio na criação, educação e sustento para os seus sobrinhos e cunhada incapacitada. O que lhe vai exigir um grande esforço no sentido de tentar conseguir que isso não implique para os seus netos e nora uma ruptura no crescimento sócio-afectivo dos mesmos”, sendo assim, esse sofrimento agravado naturalmente pelas circunstâncias inesperadas da morte do FF. Na fixação do quantum indemnizatório não se pode perder de vista a jurisprudência que tem vindo a atribuir a este dano valores variáveis entre os € 15 000,00 e os € 60 000,00 [Cfr., entre muitos, o acórdão do STJ, de 19/04/2012 - Revista n.º 569/10.1TBVNG.P1.S1 - 2.ª Secção - Álvaro Rodrigues (Relator), com sumário disponível em www.stj.pt. - Jurisprudência temática – Os danos não patrimoniais na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça.]. Assim, tendo ficado provado que o demandante, sofreu uma profunda dor, uma sentida mágoa e uma tristeza imensa e infindável, agravadas pela forma abrupta, violenta e trágica como ocorreu a morte do seu filho, e que à data da sua morte, o FF, tinha 50 anos, gozava de boa saúde e estava em pleno vigor físico, sendo certo que era pessoa com grande alegria de viver, de constante boa disposição, trabalhador incansável, respeitador, estimado e querido pelos seus que com ele viviam uma vida alegre, feliz e tranquila, afigura-se razoável e dentro parâmetros de indemnização adoptados pela jurisprudência em situações semelhantes, o montante de € 30. 000,00 fixado pelo colectivo. Dano sofrido pela vítima no período que antecedeu a morte e perante a sua antevisão: Considera o arguido que “a quantia indemnizatória atribuída ao demandante EE de 10.000€ pelo chamado dano intercalar, ou seja, pelo sofrimento de FF pela antevisão da própria morte, que não ocorreu imediatamente após o disparo é excessiva já que dos factos 89), 90) e 91) – que não esclarecem a duração da situação – retira-se que o sofrimento de FF que antecedeu a própria morte terá durado alguns minutos, pelo que se afigura desproporcionada a indemnização de 10.000€ atribuída a este título, devendo esta ser reduzida para 5.000€, quantia que se entende adequada a ressarcir esse dano”. Pois bem. Este dano, também denominado “dano intercalar”, abrange não só o susto e as dores sofridas pela vítima entre o momento do disparo e a morte mas também a angústia e o medo perante a antevisão da morte e constitui um dano autónomo relativamente ao dano morte. [Cfr., entre outros, o acórdão do STJ, de 03/11/2016 – Relator: António Joaquim Piçarra - http://www.dgsi.pt/jstj.] No seu cálculo deve ter-se em consideração, designadamente, a intensidade dessas dores, a sua duração, bem como o grau de consciência da vítima. No caso, provou-se que o FF: não morreu de imediato; foi auxiliado por colegas e os mesmos receberam informações via INEM para o estabilizar e reanimar, estando em sofrimento, tanto físico, como psicológico (a angústia pela antevisão da morte) e sentiu a iminência da morte, o processo lesivo conducente à mesma e as dores e angústia resultantes. Desconhece-se se o sofrimento do FF se prolongou durante todo o tempo que mediou o momento em que foi alvejado e a morte, pois não se apurou se a vítima permaneceu ou não consciente durante todo esse período. Mas tal sofrimento terá sido intenso. Na fixação de tais danos deve recorrer-se a critério de equidade, de acordo com o nº3 do artº496º do C.Civil. Assim, mesmo tendo presente a falta de elementos mais concretos referentes às dores provocadas pelo disparo que veio a atingir o ofendido FF no abdómen, causando-lhe as lesões traumáticas abdominais que deram origem a um choque hemorrágico e foram causa directa e necessária da sua morte, afigura-se-nos que é de manter o montante fixado pelo colectivo de €10.000,00 Resta apreciar a questão da pretendida redução do montante indemnizatório nos termos do artº 570º, do CC, em face da culpa do ofendido FF, na produção dos danos. A argumentação expendida nesta matéria, pelo arguido, é a seguinte: “O acórdão recorrido, assumindo de FF teve uma contribuição relevante no escalar dos acontecimentos que culminaram com a sua morte, determinou, nos termos do art 570° do Cód. Civil uma redução de 10% na indemnização a atribuir, que desse modo foi fixada no valor global de 99.000€. Ora, por tudo o quanto acima se expôs quanto ao papel determinante que os ofendidos, e principalmente o ofendido FF, tiveram no desenrolar dos acontecimentos, é indiscutível que a redução à indemnização deve ser muito superior aos 10% aplicados pelo Tribunal. Os ofendidos foram os responsáveis pelo iniciar e escalar do atrito criado com o arguido, atendendo ao comportamento arrivista, desrespeitoso e insultuoso que evidenciaram para com ele, sem que o arguido nada tivesse feito para que tal acontecesse. Os ofendidos, e principalmente o ofendido FF, insultaram, humilharam e espezinharam o arguido até o mesmo atingir o seu limite e, em estado de exasperação, incrementado e atiçado por aqueles, cometer o ato irrefletido que terminou com a tragédia. Por forma a evitar repetições do que atrás se relatou de forma vasta, não fosse a atitude provocatória e incendiária de FF plasmada nos factos provados 13) e 14) a tragédia pura e simplesmente não teria sucedido, pelo que o mesmo tem uma forte responsabilidade no escalar dos eventos”. É certo que o FF e demais ofendidos contribuíram com a sua conduta para o desencadear dos acontecimentos e consequente morte da vítima e lesões nos ofendidos, tornando-se necessário proceder à fixação da indemnização peticionada. Na verdade, não podemos ignorar que se apurou que “O arguido foi injuriado, agredido, vexado, por um grupo de indivíduos, dos quais fazem parte os ofendidos e outras pessoas provindas de ... e que os acompanhavam do dito torneio e que sofreu profunda humilhação, pois a sala onde se encontravam a jogar no Torneio da …, encontrava-se repleta”. Todavia, importa relembrar o que acima se expendeu com relevo sobre esta matéria: “Aliás e atentando aos anteriores factos dados como provados temos, em suma, que a discussão que se iniciou na sala de jogo terminou e o arguido continuou a jogar. Quando saiu da sala houve «nova troca de palavras entre o arguido e elementos do grupo.». Não houve qualquer contacto físico e o arguido saiu sem que ninguém o impedisse. Porém, ao invés de ir embora «9. O arguido desceu as escadas exteriores que dão acesso à via pública e dirigiu-se apeado ao seu veículo automóvel de marca ..., com a matrícula ..., que se encontrava estacionado a alguns metros da referida associação ao mesmo tempo que dizia em tom alto e sério “quem são estes cobardes, eles pensam que me batem, eu vou matá-los a todos”.» (sublinhado e negrito nosso). E, empunhando as duas armas identificadas no ponto 10, que se encontravam municiadas, regressou à associação. Não se nos afigura, pois, que atendendo aos factos dados como provados, às acções do arguido de sair – sem qualquer oposição de ninguém - e regressar com as armas dizendo, em tom alto e sério, “quem são estes cobardes, eles pensam que me batem, eu vou matá-los a todos”, tendo começado a disparar em seguida, com os resultados descritos, se poderá defender que não houve intenção e propósito de matar e que o dolo é meramente eventual”. Ora, diante destes factos dificilmente se compreende a tese do arguido de que “não fosse a atitude provocatória e incendiária de FF plasmada nos factos provados 13) e 14) a tragédia pura e simplesmente não teria sucedido”. Por isso que, como bem concluiu o colectivo o desvalor da actuação do arguido é bem superior ao desvalor da actuação dos ofendidos pelo que a proporção de culpas fixada em 90% para aquele e em 10% para estes, mostra-se equilibrada. Improcedem também as pretensões do arguido nesta matéria Não foram, pois, violadas quaisquer normas legais, maxime, as apontadas pelos recorrentes. Em conclusão, a decisão recorrida não merece qualquer censura. Comprovada a responsabilidade por acto ilícito (penalmente punível) o autor da acção desencadeadora do resultado antijurídico, constitui-se, relativamente ao lesado, na obrigação de indemnizar pelas perdas e danos que haja ocasionado na esfera jurídica de quem sofreu/teve de suportar a acção desvalorativa – cfr. artigo 129º do Código Penal. O preceito citado (artigo 129º do Código Penal) comina a avaliação e arbitramento dos danos causados de acordo com as regras e critérios estabelecidos para a indemnização em matéria civil – cfr. artigo 483º do Código Civil. Na génese da obrigação de indemnizar induzida, ou fundada, na produção de um evento que altere/modifique ou transforme a realidade existente na esfera (patrimonial ou imaterial) de uma pessoa está a ideia de procurar restabelecer o bem jurídico violado no estado em que se encontrava antes da consumação do evento danoso, e, caso o restabelecimento não seja possível in natura, deverá a reparação ser realizada economicamente, na medida da diferença entre o estado anterior aquele em que o bem jurídico violado ou lesado se encontrava se não tivesse ocorrido a produção do resultado danoso – teoria da diferença (artigo 562.º e 566.º do Código Civil). [“A sanção jurídica da conduta lesiva responde a uma elementar exigência ética e constitui uma verdadeira constante histórica: o autor do dano responde por ele, isto é, acha-se sujeito a responsabilidade. Este vocábulo sugere, inclusivamente antes de qualquer reflexão jurídica, a ideia de que a pessoa está submetida à necessidade de suportar as consequências dos seus actos. E a expressão mais cabal dessa «necessidade» é a obrigação de indemnizar ou reparar os prejuízos causados à vitima.” – Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo 1, Bosch, 2ª edición, 2008, 14.”] A vulneração de um direito ou de uma disposição legal protectora de interesses alheios, exige um conjunto de pressupostos de que a lei faz depender a obrigação de indemnizar - cfr. Artigo 483.º do Código Civil. A doutrina, como dá nota o Professor Pessoa Jorge, não se mostra unânime quanto à elencagem dos pressupostos de que a lei faz depender a ocorrência ou a verificação da responsabilidade civil por factos ou actos ilícitos. Pensamos, no entanto, colher melhor sufrágio a solução adoptada por Antunes Varela, de que para que se mostrem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil se torna necessário: a) a ocorrência de um facto; b) que esse facto deve ser considerado ilícito; c) que o facto ilícito possa ser imputado a um determinado sujeito; d) que por virtude desse facto ilícito praticado por uma pessoa ocorra um dano, patrimonial ou não patrimonial, na esfera jurídica de outrem; e) e que exista um nexo de causalidade entre o facto e o dano. (Cfr. Pessoa Jorge, Fernando, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil, Almedina, 1995, pág. 53 a 57. Para este autor os pressupostos da responsabilidade civil reduzem-se a dois: acto ilícito e prejuízo reparável. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 495. Vide ainda Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo 1, Bosch, 2ª edición, 2008, 219-220.]“Estos pressupuestos son: em primer lugar, una conduta, bien sea positiva (aCCión), bien sea de inactividad (omisso). En segundo término, esa conduta, según el criterio de imputación de responsabilidad del Código Civil (distinto es el de alguno de los «regímenes especiales», debe ser subjetivamente atribuible o reprochabale al agente, esto es, ha de ser una actuación caracterizada por la culpabilidad. En tercer lugar, el comportamiento en cuestión tiene que revestir caracteres de antijuridicidad o ilicitud o, dicho de otro modo, injusticia. Además ha de existir un resultado lesivo, esto es, un daño debe mediar una relación de causalidad bastante para que ese daño pueda ser atribuible al autor de la conduta sobre cuya responsabilidad se trata.” Em visualização expandida e explicitada poder-se-ia dizer que os pressupostos da responsabilidade aquiliana, se reconduzem nos sequentes elementos lógico-materiais e de verificação ou produção natural e físico-psicológicos: i) – o facto voluntário, consubstanciado numa conduta comissiva ou omissiva de um agente traduzido, naturalisticamente, numa alteração ou modificação da realidade existente ante; ii) – a ilicitude, traduzida na violação de normas legais ou de direitos (absolutos) consolidados na esfera individual ou colectiva e infractores dessas normas ou direitos; iii) – a culpa, como nexo de imputação ético-jurídico, de feição e natureza censurável ou reprovável, à luz dos valores eticamente prevalentes numa sociedade historicamente situada; iv) – o dano, lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros; v) – e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Supõe e importa, portanto, a responsabilidade civil, a imposição de medidas reparadoras destinadas a compensar um dano, moral ou patrimonial, ocasionados pela prática por parte de alguém de um uma conduta, ilícita e culposa, susceptível de violar direitos alheios ou disposição legal destinada a proteger interesses de terceiros. A perfeição da instituto da responsabilidade pressupõe a prática de um facto humano e material – comissão por via de acção ou omissão -; que esse facto se revele e planteie como contrário à ordem jurídica; que se exponha como reprovável e censurável, no plano imputação subjectiva a um determinado sujeito; que esse facto seja imputável ao um sujeito determinado; que o resultado produzido por esse facto produza uma modificação, material-objectiva ou moral-subjectiva, na esfera jurídica do sujeito que sofre os efeitos da acção ou da omissão, e que seja possível imputar o facto ao resultado danoso ocasionado. Para que se configure o dever de indemnizar, com base na responsabilidade civil, deverá, portanto, ser possível conexionar a conduta do agente ao dano provocado por essa conduta, ou seja, deve existir um nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a conduta do agente. Em regra a responsabilidade civil e a obrigação de reparar o dano surge da conduta ilícita do agente que lhe deu causa, ou seja de uma conduta violadora de normas gerais e de direitos de outrem. [Sinde Monteiro, Jorge, in “Responsabilidade Civil”, Revista de Direito e Economia, Ano IV, n.º 2, Julho/Dezembro, 1978, doutrina que “[estamos] em presença de responsabilidade civil por factos ilícitos quando a ordem jurídica coloca como pressuposto da obrigação de reparar um dano causado a outrem a exigência da verificação de um facto ilícito e a possibilidade de afirmação de um nexo de imputação subjectivo do facto ao agente, i. é, que tenha procedido com culpa. Fundamento da responsabilidade é aqui a culpa, ou, se preferirmos, o juízo de reprovação que a conduta do agente suscita, verificando-se uma aproximação entre os juízos de censura moral e do direito”. - pág. 317.] O primeiro dos pressupostos de que a lei faz derivar a obrigação de indemnizar, com base na responsabilidade civil, é a realização de um facto - acção ou conduta humana, que se traduz na modificação de um estado de coisas existente antes da acção – por alguém que está adstrito, por imposição legal ou convencional, a observar determinadas regras de comportamento, e a fazê-lo utilizando cuidados e regras técnicas e de perícia correspondentes á tarefa a realizar. Trata-se, assim, de um acto humano, comissivo ou omissivo - a comissão vem a ser a prática de um acto que se deveria efectivar, e a omissão, a não-observância de um dever de agir ou da prática de certo acto que deveria realizar-se -, de natureza voluntária e que deve, ou pode ser, objectivamente imputável, a uma determinada pessoa. Esse facto, pela sua feição ilícita, ou lícita [Para o autor citado na nota anterior, a responsabilidade por factos lícitos, ocorre “[nas]hipóteses em que a lei, atendendo ao interesse preponderante de um particular ou da colectividade, permite uma intervenção na esfera jurídica alheia em detrimento de um direito que em principio goza de uma protecção absoluta (impondo correspondentemente ao titular deste um dever de tolerar essa intervenção negando-lhe o direito de defesa que de outro modo lhe é concedido) estabelecendo, todavia, a cargo do titular do direito ou do interesse supra-ordenado a obrigação de reparar os danos sofridos pelo «sacrificado» (exemplo: art. 339.º).”], deve ter actuado e agido por forma a causar na esfera do lesado um prejuízo. Esta lesão de um direito de outrem ou de um interesse particular protegido por disposição legal, quando resultante da acção de um agente lesante, desencadeia a obrigação de indemnizar, a cargo do autor da lesão. O facto do agente, consubstanciado num comportamento ou numa conduta humana, deve assumir um carácter voluntário e poder ser dominável e controlável pela vontade. Revestindo o facto do agente uma atitude positiva denomina-se acção, sendo que revestindo uma atitude negativa se constitui numa omissão. Neste caso, a não prática do facto ou acto que o agente, por imposição de um dever jurídico, estava compelido a praticar, desencadeia a obrigação e indemnizar com base na responsabilidade civil. A culpa pode revestir as modalidades de dolo, ou mera culpa, ou negligência, que são, nas situações de responsabilidade civil, as mais frequentes. A par da negligência, consubstanciada na omissão de um dever de cuidado, que uma atenta consideração da situação poderia e deveria ter prevenido, ocorrem a imprudência ou imperícia, sendo que a primeira ocorrerá quando o agente age por precipitação, por falta de previdência, de atenção no cumprimento de determinado acto, e a imperícia quando o agente acredita estar apto e possuir conhecimentos suficientes pratica acto para o qual não está preparado por falta de conhecimento aptidão capacidade e competência. [Para um esclarecedor e detalhado desenvolvimento sobre os aspectos jurídico-ontológicos que a culpa pode assumir no conspecto da responsabilidade civil: – colpa civile e colpa penale; la colpa per violazione di norme giuridiche; la colpa per violazione di norme di comune prudenza; la diligenza come parametro di determinazione della condotta dovuta e come criterio di responsabiltà.I contenuti della diligenza; la prevedibilità; la colpa comissiva e colpa omissiva; la colpa lieve e la colpa grave – veja-se Laura Mancini, “Responsabilità Civile. La Colpa nella Responsabilità Civile”, Giuffrè Editore, 2015, ps. 25 a 55.] A culpa (subjectiva, também designada “culpa penal”) revela-se e traduz-se numa imputação psicológica feita a uma pessoa e conleva um juízo de censura ético-jurídica dirigida a uma conduta humana portadora, ou a que se agrega, uma vontade livremente determinada e liberta de condicionalismos perturbadores da assumpção de um sentido querido e orientado da vontade individual. O juízo de culpabilidade geradora de responsabilidade civil assume uma feição objectiva, por referida a um padrão normativo eleito pela ordem jurídica, como mediador ou referência de imputação valorativa ético-normativa. A censura opera-se, para este fim, pela referência prudencial ou avisada que todo o individuo deve assumir, na gestão da sua vivência societária, onde o feixe de riscos e de situações passíveis de gerar perigos é constrangedor da assumpção de uma atitude de cautela, ponderação e razoabilidade. A previsão ou prognose de situações potenciadoras de um risco ou de factores exógenos que se perfilam como geradores de perigo devem ser cautelarmente avaliados e prefigurados, intelectivamente, de modo a que o agente assuma perante essa situação concreta um comportamento conducente a evitar a violação de direitos pessoais ou patrimoniais ou regras legais impostas para evitar a consumação de danos na esfera de outrem. [“Para determinar se a acção ou omissão não dolosa, mas realizada com infracção de um dever objectivo de cuidado, que possa ser reprovado ao sujeito, a título de culpa ou negligência, como exige o artigo 1.902, o decisivo não é a previsão objectiva do juiz, mas sim, unicamente, o juízo prévio de que o agente, no uso das suas faculdades, se tivesse podido formar à vista das circunstâncias que configuravam concretamente o caso, de ter observado o cuidado pessoalmente possível para ele …” – Cfr. Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, in Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo I, Bosch, 2008, Barcelona, p. 222.] À míngua de o juiz poder, numa reconstrução/avaliação a posteriori dos actos submetidos à sua decisão, colocar-se na representação das coisas que sucederam durante o desenvolvimento do próprio comportamento “enjuiciado” na posição do agente, deverá, na avaliação do comportamento, eventualmente culposo ou violador de uma norma legal utilizar um critério comparativo abstracto, qual seja o comportamento de um “homem recto e seguro dos seus actos”, do “homem razoável e prudente”, em definitivo do “bom pai de família” (“sem que isso impeça a atenção às circunstâncias de cada caso enjuizado, que em muito casos incidem poderosamente na valoração da conduta”). [Cfr. Ignacio de la Cuesta, op. loc. cit., p. 223.] Na avaliação de um comportamento violador de regras ou comandos legais deverá ter-se como padrão aferidor um nível de diligência, prudência ou cautela que um indivíduo razoável, ponderado e prevenido colocado numa situação similar assumiria. [“(…) de maneira que o cânone de diligencia deve vir representado pelo que guarda o homem médio, sem dever ser exigível uma diligencia extraordinária. No âmbito da actividade empresarial ou profissional isto traduzir-se-ia na aplicação de um princípio de proporcionalidade, segundo o qual o dever de diligência tem o seu limite ali onde exista uma desproporção apreciável entre o custo da adopção de determinadas medidas de prevenção e probabilidade de que se produza um dano de alcance relevante. Sem embargo, o certo é que neste âmbito, a jurisprudência só reconhece o cânone clássico da «diligência exactíssima». - cfr. Reglero Campos, Fernando, “Tratado de Responsabilidad Civil, Aranzadi, Thomson, 2002] Para além da culpa, torna-se necessário que o facto possa/deva ser imputável ao agente e que possa/deva ser estabelecido um nexo causal, ou a relação de causalidade (adequada), entre o facto e o dano ocorrido. A relação de causalidade constitui-se, assim, como o elo de ligação entre o acto lesivo do agente e o dano ou prejuízo sofrido pela vítima. O conceito de nexo causal, ou relação de causalidade decorre de leis naturais. Apura-se pela conexão objectiva e subjectiva que é possível estabelecer entre a conduta do agente e o dano. O nexo de causalidade é um pressuposto da responsabilidade civil que consiste na interacção causa/efeito, de ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele, a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a lesão (art. 563º do Código Civil: “«a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».) De acordo com o preceituado no art. 563º do Código Civil a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, com que se consagra a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, proposta por Ennecerus-Lehman, segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que ela seja de todo indiferente para a produção do mesmo, e só se tenha tornado condição dele em virtude de outras circunstâncias, sendo pois inadequada à sua produção. À luz desta teoria, não serão ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto causador do resultado danoso, mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado, ou seja, aqueles cuja ocorrência com ele esteja numa relação de adequação causal. Por outras palavras, dir-se-á que o juízo de adequação causal tem que assentar numa relação intrínseca entre o facto e o dano, de modo que este decorra como consequência normal e típica daquele, ou seja, que corresponda a uma decorrência adequada do mesmo. Não basta que ocorra um dano, é preciso que esta lesão passe a existir a partir do acto ou acção de um agente que tenha tido a intenção de lesar um direito ou interesse, pessoal ou real/patrimonial de outrem, para que surja o dever de reparação. É imprescindível o estabelecimento da entre o acto omissivo ou comissivo do agente e o dano de tal forma que o acto do agente seja considerado como causa do dano. Para que alguém fique constituído na obrigação de indemnizar é, pois, mister que tenha preenchido o condicionalismo, objectivo e subjectivo, que se deixou apontado. A jurisprudência dominante vai no sentido de que a imputação de um facto a um agente deve conter-se num plano de objectividade e, em nosso juízo, é a que deve ser assumida e acatada, por ser a que melhor se adequa, em nosso juízo, à doutrina da imputação (objectiva). [cfr. Miranda Barbosa, Ana Mafalda, in “Responsabilidade Civil Extracontratual – Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade” Princípia Editora, Cascais, 2014, pgs. 23 a 26. Quanto à necessidade de distinção entre imputação objectiva e relação causal (numa perspectiva jurídico-penal), veja-se Fernando Reglero Campos, in “Tratado de Responsabilidad Civil”, Tomo I, Parte General, Thomson-Arandazi, 2008, Cizur Menor (Navarra), pags. 730 e 731. de uma conduta a um agente. Numa perspectiva mais actualista, Fernando Reglero Santos, in op. loc. cit. pags. 721 a 780, refere que para que uma conduta se possa imputar, ou ser causal de um evento danoso, “é suficiente que o prejuízo se haja produzido dentro de um determinado âmbito, o da aplicação da norma especial, para que seja imputável ao sujeito por ela designado, ou ainda que o tenha sido no seio de uma determinada actividade para que a imputação possa ser dirigida contra quem resulte ser o seu titular.” “A determinação de se uma conduta ou actividade se integra na etiologia do facto danoso não constitui tanto um fenómeno que possa ser ubicado dentro de certos critérios axiomáticos ou jurídico-dogmáticos, enquanto uma questão de direito que deva ser resolvida pelo juiz atendendo mais do que a elementos empíricos a critérios puramente subjectivos dirigidos, no caso concreto, à consecução de um resultado justo e equitativo.” (tradução nossa).] A lei consagra um direito de indemnização, autónomo, pela supressão (biológica) do bem jurídico constitucionalmente reconhecido que é vida de uma pessoa, mais concretamente, quando essa ablação (da vida) surge, não por razões da própria natureza humana, da ordem natural da vida, mas por uma acção, natural ou humana, que ocorre de forma inopinada no curso normal da vida de um individuo. [“O dano da morte é não patrimonial (…). Segundo a formulação negativa (…) estão incluídas nesta categoria todos aqueles que não atingem bens materiais do sujeito passivo ou que, de qualquer modo, não alteram a sua natureza patrimonial. De entre os danos não patrimoniais são de destacar os resultantes de ofensas aos direitos de personalidade, das quais resultam normalmente sofrimentos físicos e morais (dor, emoção, vergonha, perturbação psíquica, etc.)” – Diogo Leite Campos, A Indemnização pelo Dano de Morte, Boletim da Faculdade de Coimbra, Vol. I, Coimbra 1974, 251] O assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Março de 1971, resolveu de forma definitiva a questão que se debatia até aí sobre que tipo de dano a atribuir em caso de morte. (“I. A perda do direito à vida, por morte ocorrida em acidente de viação, é, em si mesma, passível de reparação pecuniária, sendo a obrigação pela acção ou omissão e que a morte é consequência. II. – O direito a essa reparação integra-se no património da vítima e, coma morte desta, mantêm-se e transmite-se.” – BMJ nº 205, pág. 150. [A partir do mencionado assento ficou estabelecido que os danos (não patrimoniais) indemnizáveis eram: o dano da perda de vida; o dano sofrido pelos familiares da vítima; e o dano sofrido pelo lesado antes de morrer. O acórdão dá nota de que ocorria uma oposição entre o decidido no assento citado e o acórdão de 12 de Fevereiro de 1969, que havia merecido anotação desfavorável do Professor Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 103º, pág. 172] Após essa definição jurisprudencial, mostra-se unanimemente aceite que o dano de morte se constitui como um dano autonomamente indemnizável. [Cfr. Diogo Leite Campos, A indemnização do Dano da Morte, Almedina, Coimbra, 1980, pág. 24; A Indemnização pelo Dano de Morte, Boletim da Faculdade de Coimbra, Vol. I, Coimbra 1974, maxime págs. 261 a 297. “A defesa da personalidade jurídica exige uma apertada tutela do direito à vida. Esta tutela acarreta a obrigação de indemnizar pela sua lesão. O respectivo direito deverá ser, na ordem natural das coisas, adquirido pelo próprio lesado. E porque não mesmo depois da morte? É mais um caso em que a protecção a um direito de personalidade se prolonga para depois da morte, sem o que aquela perderia parte da sua consistência prática. Ficamos, pois, com dois instrumentos técnico-jurídicos de compreensão do fenómeno de aquisição pelo «de cujus» do direito à indemnização pela própria morte e respectiva transmissão «mortis causa».” – cfr. págs. 296-297.] O dano de morte constitui-se, pois, como um direito autónomo que se transmite por via sucessória aos herdeiros da vítima. Ainda que se nos afigurem com pertinência algumas das objecções que se mostram levantadas numa tese de mestrado 1 a propósito da tese de que o dano de morte não pode ser configurado como um dano autónomo e não seja descartável e desprezível a argumentação aí adiantada para conferir o dano de morte de iure proprio aos familiares da vítima, o facto é que, por razões que não caberão numa decisão judicial, mantemos a posição de que o dano de morte se constitui como um dano indemnizável autonomamente e que se radica na esfera do de cujus transmitindo-se por via sucessória aos herdeiros referidos no nº 2 do artigo 496º do Código Civil. [Cfr. Andreia Marisa Rodrigues, Análise jurisprudencial da Reparação do Dano de Morte – Impacto do Regime da Proposta Razoável de Indemnização, Abril de 2014 (Sob a orientação da ora Juíza Conselheira Maria da Graça Trigo). Vide ainda, no sentido de que se trata de um direito iure proprio, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de Acórdão de 16-06-2005, proferido no Processo nº 1612/05, relatado pelo Conselheiro Neves Ribeiro “o direito à indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela vítima, antes de falecer, e o dano decorrente da sua perda do direito à vida, ambos em consequência de acidente de viação, cabe, em conjunto, e pela precedência indicada no art. 496,2 do CC, às pessoas que, também nesta disposição, se mencionam. Mas não se trata de um direito sucessório relativo a danos provocados por lesão da personalidade do falecido, não revestindo um chamamento à titularidade das suas relações jurídicas patrimoniais, e consequente devolução dos bens que lhe pertenciam, segundo o art. 2024º do CC, não havendo assim, por conseguinte, lugar à repartição da indemnização, como se uma herança se tratasse”; e o acórdão deste mesmo Tribunal de 24-05-2007, Processo nº 1359/07, relatado pelo Conselheiro Alberto Sobrinho, em que se doutrina que: “a indemnização pela perda do direito à vida cabe, não aos herdeiros da vítima por via sucessória, mas aos familiares referidos e segundo a ordem estabelecida no n.º 2 do art. 496º do CC, por direito próprio. Ao lado do dano morte e dele diferente, há o dano sofrido pela própria vítima no período que mediou entre o momento do acidente e a sua morte; o dano vivido pela vítima antes da sua morte é passível de indemnização, estando englobado nos danos não patrimoniais sofridos pela vítima a que se refere o n.º 3 do mencionado art. 496º; estes danos nascem ainda na titularidade da vítima; mas, como expressivamente refere a lei, também o direito compensatório por estes danos cabe a certas pessoas ligadas por relações familiares ao falecido; há aqui uma transmissão de direitos daquela personalidade falecida, mas não um chamamento à titularidade dos bens patrimoniais que lhe pertenciam, segundo as regras da sucessão; quis-se chamar essas pessoas, por direito próprio, a receberem a indemnização pelos danos não patrimoniais causados à vítima de lesão mortal e que a ela seria devida se viva fosse. Do teor literal do n.º 2 do art. 496º do CC, decorre que esse direito de indemnização cabe, em simultaneidade, ao cônjuge e aos filhos e, representativamente, a outros descendentes que hajam sucedido a algum filho pré-falecido (…).”] Na aferição do quantum a atribuir pelo dano de morte deve atender-se, na esteira do sumariado no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Dezembro de 2009, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, que (sic): “II - A indemnização deve ter carácter geral e actual, abarcar todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, mas quanto a estes apenas os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arts. 562.º a 564.º e 569.º do CC). III - A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor – art. 566.º, n.ºs 1 e 2, do CC. IV - Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. V - A Portaria 377/2008, de 26-05, contém «critérios para os procedimentos de proposta razoável, em particular quanto à valorização do dano corporal» (cf. o respectivo preâmbulo). Tem um âmbito institucional específico de aplicação, extrajudicial, e, por outro lado, pela sua natureza, não revoga nem derroga lei ou decreto-lei, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais, é o definido pelo CC. VI - Na indemnização pelo dano não patrimonial o pretium doloris deve ser fixado por recurso a critérios de equidade, de modo a proporcionar ao lesado momentos de prazer que, de algum modo, contribuam para atenuar a dor sofrida – Ac. deste STJ de 07-11-2006, Proc. n.º 3349/06 - 1.ª. VII - Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto. VIII - Para que o dano não patrimonial mereça a tutela do direito tem de ser grave, devendo essa gravidade avaliar-se por critérios objectivos e não de harmonia com percepções subjectivas ou da sensibilidade danosa particularmente sentida pelo lesado, de forma a concluir-se que a gravidade do dano justifica, de harmonia com o direito, a concessão de indemnização compensatória. IX - Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» – cf. Ac. do STJ de 17-06-2004, Proc. n.º 2364/04 - 5.ª. X - À míngua de outro critério legal, na determinação do quantum compensatório pela perda do direito à vida importa ter em linha de conta, por um lado, a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais. E, por outro, conforme os casos, a vontade e a alegria de viver da vítima, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, designadamente a sua situação profissional e socioeconómica. XI - A indemnização devida pelo dano morte é transmissível, bem como, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais, que cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem – art. 496.º, n.º 2, do CC –, sendo ainda indemnizáveis, por direito próprio, os danos não patrimoniais sofridos pelas pessoas referidas no preceito, familiares da vítima, decorrentes do sofrimento e desgosto que essa morte lhes causou (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª ed., pág. 604 e ss.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., pág. 500; Pereira Coelho, Direito das Sucessões, e Ac. do STJ de 17-03-1971, BMJ 205.º/150; Leite de Campos, A Indemnização do Dano da Morte, Boletim da Faculdade de Direito, vol. 50, pág. 247; e Galvão Telles, Direito das Sucessões, pág. 88 e ss.).” [Disponível em www.dgsi.pt] “O dano não patrimonial reporta-se à depreciação e abatimento das condições psicológicas e subjectivas da pessoa humana, por virtude de factores externos susceptíveis de afectar um estado subjectivo liberto de constrangimentos, preocupações e alterações das condições de vida que normalmente o afectado conduz. Representa, assim, uma ofensa objectiva de bens que repercutem uma mazela no conspecto subjectivo da pessoa afectada, traduzindo-se em estados de sofrimentos, de natureza espiritual e/ou física. Esta incidência negativa e malsã na vivência e estabilidade psíquica e/ou física do ser humano, não sendo mensurável no plano patrimonial, deve, na medida em que afecta a personalidade do individuo, na sua dimensão espiritual e/ou física, ser passível de indemnização pecuniária. Não para reparar um dano quantificável, mas compensar ou satisfazer em bens materiais males infligidos pela acção imputável ao lesante. Esta satisfação, não possui, pois, a dimensão de uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, ou seja, um montante que deva ser quantificado, por equivalente aquele que haja sido o prejuízo (quantificado) pelo lesado. Vale por dizer, pelo equivalente a um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão. Pretende-se, outrossim, como já se deixou dito supra, atribuir ao lesado uma compensação pelas alterações da estabilidade emocional, psicológica e espiritual do lesado. Constitui jurisprudência firme e doutrina inconcussa que apenas são passiveis de ressarcimento ou compensação os aleijões morais ou espirituais-sentimentais que pela sua relevância, pertinência e repercussão na vida do lesado se tornem, espelhem e projectem num estado de ânimo depreciativo de um viver salutar e conforme a um padrão de vida ausente de compressão e angústia intelectual. [Cfr. por todos Antunes Varela, Das obrigações em Geral, Coimbra, 1989, Vol. I, ps. 572-578. “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em conta as circunstâncias do caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.” (p. 576). (“Os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc.. A avaliação da sua gravidade tem de aferir-se segundo um padrão objectivo, e não á luz de factores subjectivos (A. VARELA, “Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 628), sendo, nessa linha, orientação consolidada na jurisprudência, “com algum apoio na lei”, que as simples contrariedades ou incómodos apresentam “um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do n.º 1 do art. 496º” (ac. STJ, 11/5/98, Proc. 98A1262 ITIJ).] Como vem sendo entendido, dano grave não terá de ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação” – ac. de 5/6/79, CJ IV-3-892.” [Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Maio de 2007, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, no Processo nº 07ª1187. Vejam-se ainda a título meramente exemplificativo os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 04-03-2004, relatado pelo Conselheiro Moitinho de Almeida e de 9-10-2004, relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira, no Processo 2897/2004.] Na atribuição da indemnização, deverá atender-se à gravidade dos efeitos da acção desvalorativa do lesante, pois só a afectação grave e desproporcionada do estado emocional, psicológico e /ou físico do lesado é passível de obter um grau de valoração ético-jurídica reconhecida pela ordem jurídica e por ela tutelada e protegida. No montante a atribuir, o tribunal deverá usar de critérios de equidade, como factores de ponderação e de equação socialmente relevantes, fazendo intervir os elementos ético-socialmente censuráveis e reprováveis inerentes ao desvalor das acções lesivas. Haverá, assim, que atender, na atribuição do quantitativo pecuniário compensatório ao grau de culpabilidade do lesante, ao modo como a acção lesiva foi consumada e/ou reiterada, aos efeitos e consequências que essa acção provocou no lesado e nas perturbações/alterações que provocaram na vivência e nos estados psicológicos, emotivos e/ou físico do lesado. Os danos morais ou não patrimoniais, insusceptíveis de avaliação pecuniária, visam proporcionar ao lesado uma compensação que lhe proporcione algumas satisfações decorrentes da utilização de uma soma pecuniária (compensatória) [Segundo Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, 9ª ed., Vol. I, pág. 630, tal indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.]. A obrigação de indemnização neste âmbito decorre do disposto no art. 496.º, nº 1 do Código Civil que estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, e o critério da sua fixação é a equidade (nº 3, do mesmo artigo, devendo ser “proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” [Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I, pág. 501.]. Como escreveu Vaz Serra, “a satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação do dano, que não é susceptível de equivalente. É, assim, razoável, que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselhe sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante” [Na RLJ, Ano 113º, pág. 104.]. Tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal vem cada vez mais acentuando a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. Importa, no entanto, vincar que indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O juiz deve procurar um justo grau de “compensação”. Tem vindo a ser advogado em diversos arestos deste Supremo Tribunal que a intervenção deste alto Tribunal só deverá ocorrer quando os montantes fixados se revelem em notória colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm sendo adoptados. Como se afirma no Acórdão deste Supremo de 7/10/10, Proc. nº 457/07.9TCGMR.G1.S1, disponível no IGFEJ, “Assentando o cálculo da indemnização destinada a compensar o lesado por danos não patrimoniais essencialmente num juízo de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor a arbitrar, já que a aplicação da equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se move o referido juízo equitativo a formular pelas instâncias face à individualidade do caso concreto «sub juditio” [Cfr. no mesmo sentido, os Acs. de 5/11/09, Proc. nº nº 381-2002-S1, 16/12/10, Proc. nº 270/06.0TBLSD.P1.S, e de 20/10/11, Proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1]. Ainda, como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 17/04/12, Proc. nº 4797/07.9TVLSB.L2.S1, disponível no IGFEJ, “(...) não podem ser postergados, como critério de valoração, os referidos valores de igualdade de tratamento e de segurança jurídica, transpondo, na medida do possível, os indicadores fornecidos pelas situações mais próximas conhecidas. É, de resto, a este nível que colhe justificação a intervenção do STJ, como Tribunal de revista, pois que como já se escreveu nos acórdãos de 28/10/2010 e de 05/11/2009 (proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1 e 381-2009.S1), respectivamente, “quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio»”, sendo que esse “juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos - deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade“. Escrutinados os pressupostos em que embasa a obrigação de indemnizar e os titulares do direito à indemnização pelo dano de morte e danos não patrimoniais, assoma a urgência de os quadrar cm a factualidade adquirida e verificar se, com a acção ilícita e culposa que levou a cabo, o arguido se constituiu na obrigação de indemnizar aqueles que reclamam o direito correspondente. Seguimos a orientação jurisprudencial que propugna pela não intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no escrutínio/sindicância dos concretos factos que balizaram o critério de equidade interveniente na fixação do quantum indemnizatur, nos casos em que o tribunal, como é corrente nas situações de indemnizações por danos não patrimoniais. [A propósito da aplicação/recurso a critérios e juízos de equidade, vem sendo seguido, pela jurisprudência que reputamos mais ciente, torne-se ciente o que foi escrito no acórdão deste supremo Tribunal de Justiça de 13.09.2012, pº1026/07.9TBVFX.L1.S1, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, “(..) não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» o juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma “questão de direito”, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios que, generalizadamente, vêm sendo adoptados, abalando, em consequência, a segurança da aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais, minimamente, uniformizados, e, em última análise o princípio da igualdade”, mantendo e prosseguindo que já havia doutrinado em aresto datado de 28-10-2010, em que se escreveu: “[Quando] o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio». 3. O apelo a juízos equitativos para obter uma exacta e precisa quantificação de danos patrimoniais resultantes da inutilização ou privação de um bem material – consentido pelo art. 566º, nº3, do CC – desempenha uma função meramente complementar e acessória, representando um instrumento para suprir possíveis insuficiências probatórias relativamente a um dano, inquestionavelmente sofrido pelo lesado, mas relativamente indeterminado quanto ao seu exacto montante - pressupondo que o «núcleo essencial» do dano está suficientemente concretizado e processualmente demonstrado e quantificado, não devendo o juízo equitativo representar um verdadeiro e arbitrário «salto no desconhecido», dado perante matéria factual de contornos manifestamente insuficientes e indeterminados.] Vale por dizer que, para ponderação e aferição dos critérios e factores de avaliação do dano sofrido pelo lesado, são as instâncias, em primeira linha, de acordo com os elementos de prova colhidos em audiência de julgamento, quem determina o montante a atribuir. Só se o Supremo Tribunal vier a verificar que o modo e os vectores intelectivos de indicação do exercício racional que conduziu aos valores pecuniários atribuídos se mostram desajustados e desviados das regras de experiência comum e de razoamento prevalentemente maioritário será possível sindicar a decisão. Assoalhada a forma de indemnizar, importará apurar se no acórdão recorrido conferiu desviado e desabusado uso aos princípios de equidade. A ponderação dos factores psicológicos (pessoais) e factuais em que a decisão se embasou para a atribuição dos quantitativos atribuídos quadram-se dentro de critérios razoáveis e devidamente estribados. O sentimento de perda de um filho, de forma violenta e abrupta situa-se num plano de dor extrema e profunda, que deve ser compensada com um quantitativo que não podendo assumir, natural, pessoal e humanamente, uma feição reintegradora, não pode deixar de conferir um resguardo material do sentimento de supressão e falta do ente perdido. Do mesmo passo o quantitativo pela perda do direito à vida se situa em valor compatível com o que vem sendo atribuído. A atribuição dos quantitativos pelos danos não patrimoniais e pelo dano de morte que a vítima terá sofrido entre o momento em que sofreu o impacto do disparo e o aquele em que viria a falecer balizam-se dentro de limites de razoabilidade, pela dimensão expressiva que deve assumir a dor que um pai sofre pela perda de filho. A lei da vida, dita que os pais não sobrevivem, normalmente, aos filhos, pelo que a dor de um pai que perde um filho deve ser valorada de forma impressiva e compensada adequadamente. O tribunal recorrido não abalroou os limites e os critérios de razoabilidade que em situações similares se têm por prudentes e compatíveis com as regras da equidade, pelo que se devem manter. Os critérios usados para a fixação da indemnização ao lesado, BB, não infringem e desvirtuam a pauta de factores de ponderação que devem intervir para casos similares. O lesado sofreu as dores advenientes do impacto da bala no corpo e posteriormente teve de se sujeitar a uma intervenção cirúrgica, tendo vindo a ficar com sequelas e cicatrizes na “anca do membro inferior direito (local onde terá ficado alojado um dos projeteis), cicatrizes no abdómen, uma vertical mediana de extremidade superior abaixo da apófise xifoide e inferior acima da sínfise pública compatível com a laparoscopia a que foi submetido na sequência do disparo efetuado pelo arguido e uma outra cicatriz correspondente ao orifício de entrada do projétil de cerca de 1 cm de diâmetro na região umbilical, aumento do número de micções por diminuição da capacidade da bexiga.” Todos estes factores de constrangimento e dor pessoal se prolongarão e perdurarão como pontos indicadores da situação vivenciada, o que não deve deixar de ser ponderado na fixação do quantum indemnizatur. As instâncias, itera-se, não se desviaram de parâmetros de equidade e razoabilidade, pelo que os valores atribuídos não merecem reparo. §3. – DECISÃO. Na defluência do que foi exposto, acordam os juíz4es que constituem este colectivo, na 3ªa secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em: - Rejeitar, por inadmissibilidade, os segmentos da pretensão recursiva concernentes: a) – à impugnação da matéria de facto; b) – à apreciação das penas parcelares iguais e inferiores a cinco (5) anos, por verificação de dupla conformidade decisória entre a primeira (1ª) e segunda (2ª) instâncias; - Julgar o recurso improcedente quanto à medida das penas impostas, pelo crime de homicídio e pena única; - Julgar o recurso improcedente quanto às decisões condenatórias proferidas quanto aos pedidos formulados pelo EE e BB; - Condenar o arguido no pagamento das custas, fixando a taxa de justiça em 5 Uc´s. Lisboa, 20 de Janeiro de 2021 Gabriel Martim Catarino (Relator) Manuel Augusto de Matos (Declaração nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 2072020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Adjunto, Dr. Manuel Augusto de Matos, não assinando, por o julgamento, em conferência, haver sido realizado por meios de comunicação à distância.) ________ [1] Sobre o tema da aplicação do artº 70º do C. Penal, com escolha entre pena de multa ou de prisão em caso de apreciação conjunta com outros comportamentos merecedores de aplicação de pena detentiva, vide o Ac. do STJ de 23.02.2011, processo nº 250/10.1PDAMD.S1, Rel. Raul Borges. |