Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | LUIS ESPÍRITO SANTO | ||
| Descritores: | PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MATÉRIA DE DIREITO MATÉRIA DE FACTO PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL PROVA VINCULADA PROVA PLENA CERTIDÃO | ||
| Data do Acordão: | 12/19/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE. | ||
| Sumário : | I – Resulta dos artigos 674º, nº 3, e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil, bem como do disposto no artigo 46º da Lei da Organização Judiciária, que o Supremo Tribunal de Justiça, constituindo um tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito e não de matéria de facto, o que significa que perante a prova sujeita à livre apreciação do julgador – sem ocorrer qualquer caso de prova vinculativa, dotada de força probatória plena e estabelecida no âmbito do direito probatório material – a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça torna-se particularmente restrita e mesmo excepcional. II - Desde que não se coloque no âmbito da revista a violação pelo acórdão recorrido de normas respeitantes à prova tarifada, com força legalmente vinculativa, encontrando-nos, ao invés, perante prova apreciada livremente pelas instâncias, nos termos gerais do artigo 366º e 369º do Código Civil e 466º, nº 3, do Código de Processo Civil, o juízo de facto autónomo extraído pelo acórdão recorrido está fora do superior controlo por parte do Supremo Tribunal de Justiça, na sequência do que se dispõe nos artigos 662º, nº 4, e 674º, nº 3, do Código de Processo Civil. III - O teor de certidões registrais e cadernetas prediais, constituindo meros elementos identificadores dos prédios, não fazem prova plena acerca da área real dos prédios em causa e das suas delimitações físicas, comportando a produção de prova em sentido contrário. | ||
| Decisão Texto Integral: | Revista nº 1929/20.5T8VRL.G1.S1
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível). I - RELATÓRIO. Instaurou AA, casado, residente na Rua ..., nº 5, Bairro ..., em ..., acção declarativa, com processo comum, contra BB e CC, casados, residentes na Rua ..., e DD e EE, casados, residentes na Quinta .... Essencialmente alegou: Teve conhecimento do negócio celebrado entre os réus, em 12 de Fevereiro de 2020. É dono e legítimo proprietário do prédio rústico que identifica e com as características que refere, que adquiriu por compra há mais de vinte anos e que se mostra registado a seu favor; Esse seu prédio confina a norte com o prédio objeto de escritura pública de compra e venda celebrada entre os réus; O autor tinha já manifestado junto do primeiro réu, o seu interesse na aquisição de tal prédio, mas o réu sempre insistiu em pedir um preço que o autor não quis suportar. Sem lhe ter sido dada a opção de exercer a preferência, veio a ter conhecimento da venda aos segundos réus, por preço inferior ao que lhe havia sido pedido, pelo que logo comunicou ao primeiro réu que pretendia exercer o direito de preferência. Os réus adquirentes não eram, nem são, proprietários de qualquer outro prédio confinante com o que adquiriram. Concluiu pedindo: A) Que se reconheça ao autor o direito de preferência sobre o prédio rústico melhor identificado no artigo 17º da petição inicial, substituindo-se aos segundos réus na escritura de compra e venda realizada no dia 12 de Novembro de 2019 no Cartório Notarial do Dr. FF. B) Que sejam os réus condenados a entregarem o referido prédio rústico ao autor, livre e desocupado de pessoas e bens. C) Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que os segundos réus, compradores, hajam feito a seu favor em consequência da compra do referido prédio, designadamente o constante da inscrição ...20 – apresentação 1283, de 2019/11/12 e outras que venham a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem. D) Se condenem os réus no pagamento das custas processuais e demais despesas devidas. Regularmente citados os réus apresentaram contestação, começando por arguir a exceção de caducidade da acção, alegando que o autor teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio em maio de 2019, para além de que o réu adquirente começou a ocupar o prédio em 15 de Outubro de 2019. No mais, impugnam a factualidade alegada pelo autor e referem que esta acção é uma represália da parte deste, que entende que o primeiro réu lhe deve determinada quantia, pelo aconselhamento que lhe deu quanto aos termos do contrato promessa com os segundos réus. Por outro lado, o preço declarado na escritura não foi o preço efetivamente acordado e pago pela aquisição do prédio objeto da preferência, mas antes €125.000,00, pelo que caso se venha a decidir que o autor tem direito de preferência deve o mesmo ser exercido por esse preço, com pagamento dos custos suportados com o negócio; bem como que o negócio incluiu duas construções que identificam e nas quais os segundos réus realizaram os trabalhos que discriminam, e que valorizaram o imóvel com essas benfeitorias. Deduziram reconvenção pedindo que: - O autor seja condenado a exercer o direito de preferência pelo preço real de cento e vinte e cinco mil euros, o qual deverá ser depositado no prazo de 15 dias contados da data do trânsito em julgado da sentença, sob pena de caducar o direito de preferência; - Mais deve o Autor ser condenado a pagar a quantia de 7.250,00€, a título de impostos pagos com a transmissão, bem como a quantia de 5.000,00€ pelas benfeitorias efetuadas no prédio, acrescidas dos juros que se vencerem desde a data da notificação da presente reconvenção até efetivo e integral pagamento. Em qualquer um dos casos: - Ser o Autor condenado como litigante de má fé, em multa nunca inferior a 10 UC’s e em indemnização a favor do Réu, de valor nunca inferior a 5.000€, bem como nos juros de mora desde a data da citação, custas e procuradoria. Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a presente acção procedente nos seguintes termos: “1- Julgo a presente acção procedente, pelo que: a) Reconheço ao autor o direito de preferência sobre o prédio rústico melhor identificado no artigo 17º da petição inicial, substituindo-se aos segundos réus na escritura de compra e venda realizada no dia 12 de novembro de 2019 no Cartório Notarial do Dr. FF. b) Condeno os réus a entregarem o referido prédio rústico ao autor, livre e desocupado de pessoas e bens. c) Ordeno o cancelamento de todos e quaisquer registos que os segundos réus, compradores, hajam feito a seu favor em consequência da compra do referido prédio, designadamente o constante da inscrição ...20 – apresentação 1283, de 2019/11/12 e outras que venham a fazer. 2- Julgo a reconvenção apenas parcialmente procedente, pelo que: a) Condeno o Autor a pagar aos segundos réus, a quantia de 7.250,00€ (sete mil duzentos e cinquenta euros), a título de impostos pagos com a transmissão, bem como a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) pelas benfeitorias efetuadas no prédio, acrescidas dos juros que se vencerem desde a data do trânsito desta decisão até efetivo e integral pagamento. b) Absolvo o autor reconvindo do demais peticionado. 3- Julgo improcedentes os pedidos de condenação por litigância de má fé. 4- Custas da ação a cargo dos réus e da reconvenção a cargo dos réus e do autor, na proporção do decaimento.” Interposto recurso de apelação pelos RR, foi proferido o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 19 de Janeiro de 2023, que a julgou improcedente, confirmando a decisão recorrida. Vieram os RR. interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões: 1.º O presente recurso de revista excepcional, em tempo interposto, justifica-se uma vez que as questões colocadas reúnem os pressupostos previstos no art.º 672.º, n.º 1 e 2, al. a), b) e c) do CPC; 2.º Devendo ser proferido acórdão que, nos termos expostos, clarifique as questões jurídicas expostas em sede de alegações, e que, em jeito de resumo são: a) Qual o valor probatório dos documentos, atento o disposto nos art.ºs 366.º, 370.º, 371.º, 373.º, 374.º, 376.º, 383.º e 387.º todos do Código Civil; b) Aplicou o Tribunal da Relação correctamente estas normas no caso em apreço; c) Constituiu violação do dever de fundamentação previsto no art.º 662.º do CPC o facto do Tribunal não fazer um juízo crítico de todos os elementos de prova enumerados nos termos do disposto no art.º 640.º do CPC pelos recorrentes. 3.º Pretendendo o A. provar que teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio celebrado entre os Recorrentes no dia em que se desloca à Conservatória do Registo Predial e pede cópia da escritura, não se poderá considerar idóneo a fazer essa prova um documento do qual não consta a data em que o documento foi obtido, facto que obrigatoriamente aquele serviço fez constar. 4.º Junto pelo Autor uma carta que, pelo seu texto, demonstra que já tinha conhecimento dos elementos essenciais do negócio em data anterior à sua redacção e envio, faz aquele facto, porque contrário aos interesses do apresentante do documento, prova nos termos prescritos para a prova por confissão; 5.º Não é possível o mesmo facto ser considerado como provado e não provado; 6.º Atento o exposto e considerando o valor probatório daqueles documentos, não poderá dar-se como provado que o recorrido teve conhecimento dos factos essenciais do negócio apenas no dia 12 de Fevereiro de 2020; 7.º Ao não lograr provar em que data teve conhecimento dos factos essenciais e considerando que a escritura já tinha sido celebrada há mais de 11 meses contado da entrada da acção de preferência em juízo, terá a presente acção de ser julgada improcedente por não provado um requisito essencial à sua procedência; 8.º Constando da certidão de teor e matricial que um prédio tem 26.420 m2, não poderá dar-se como provado, sem que outra prova tenha sido produzida em contrário, que o prédio tem apenas 2.642 m2 - o que determina a alteração do facto provado sob o n.º 1; 9.º Em consequência disso e considerando, em primeiro lugar, que ambos os prédios se destinam à cultura da vinha e, em segundo lugar que a área mínima de cultura para vinha na região demarcada do ... é de 2,5 hectares, não se mostra preenchido outro requisito ao da procedência da acção de preferência - que o prédio tenha uma área inferior ao da área mínima de cultura; 10.º Não se pode dar como provado que uma carta junta aos autos tem um conteúdo distinto daquele que consta da mesma, facto que se apreende da sua simples leitura - o que determina a alteração dos factos provados sob os n.ºs 25 e 26; 11.º Resultando dos autos que: a) Está provado que o recorrente vendedor pretendia vender o prédio pelo preço de 150.000€; b) Está provado que o recorrido ofereceu 100.000€ e que o recorrente vendedor não aceitou aquele preço por o considerar insuficiente; 12.º Mostrando-se juntos aos autos os seguintes documentos: c) 1 contrato promessa pelo qual é declarado um preço de venda de 125.000€; d) Uma escritura pública pela qual é declarado um preço de venda de 60.000€; e) Uma escritura de rectificação da escritura anterior na qual é declarado que a venda é pelos 125.000€ previstos no contrato promessa; f) 6 cheques no valor total de 125.000€; g) Comprovativos do saque dos cheques da conta do recorrente comprador; h) Comprovativo do depósito desses cheques em conta titulada pelo recorrente vendedor; 13.º Não se tendo produzido qualquer tipo de prova da qual pudesse resultar que o preço contratado e pago não foram os declarados € 125.000, terá de dar-se como provado que esse foi o valor real do negócio; 14.º O dever de fundamentação previsto no art.º 662.º do CPC impõe ao Tribunal da Relação que explique o motivo pelo qual desconsiderou toda a prova indicada pelos recorrentes; O valor probatório da prova indicada; O motivo pelo qual, apesar dos argumentos apresentados pelos recorrentes, manteve o julgamento da matéria de facto da primeira instância; 15.º O dever de fundamentação impõe que o Tribunal explique aos recorrentes o motivo pelo qual discorda da leitura que estes fizeram da prova, pronunciando-se sobre os diferentes pontos e argumentos aduzidos por estes, sob pena da obrigação imposta no art.º 640.º do CPC se revelar inútil; 16.º Ao assim não decidir violou o Tribunal “a quo” o preceituado nos os artigos 366.º, 370.º, 371.º, 373.º, 374.º, 376.º, 383.º e 387.º todos do Código Civil e os art.ºs 607.º, 640.º e 662.º do CPC. Se Vossas Excelências, em face das conclusões atrás enunciadas, julgarem procedente o presente recurso excepcional de revista e: A) Não derem como provado que o Recorrido teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio no dia 12 de Fevereiro de 2020 e, em consequência disso julgarem improcedente por não provada a presente acção; Em alternativa: B) Derem como provado que o prédio do recorrido tem 26.420 m2 de área e que a área mínima de cultura para a região demarcada do ... é de 25.000 m2 e, em consequência disso julgarem improcedente por não provada a presente acção; Em ambos os casos C) Derem como não provados os factos que constam dos pontos 25 e 26; Caso assim não se entenda: D) Derem como provado que o preço real do prédio objecto de preferência foi de €125.000, julgando procedente por provado o pedido reconvencional; Se assim não se entender de todo e todas as alíneas anteriores forem julgadas improcedentes: E) Considerarem que o Tribunal da Relação não cumpriu o dever de fundamentação previsto no art.º 662. do CPC, determinando que seja proferido novo acórdão que explique os motivos pelos quais desconsiderou a análise feita pelos recorrentes em cumprimento do disposto no art.º 640.º do CPC; Em resumo, revogarem o acórdão recorrido. Não houve resposta. II – FACTOS PROVADOS. Encontra-se provados nos autos que: 1. O autor é dono e legítimo proprietário do prédio rústico sito no lugar da ... ou ..., composto por cultura com 60 oliveiras, matos, vinha do douro e vinha em latada, com a área total de 2.642 m2, a confrontar de norte com GG, de sul com caminho e HH, de nascente com HH e de poente com caminho e II e HH, inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o artigo 3.660º e descrito na CRP de ... sob a inscrição ...06 da referida Freguesia de ... e inscrita a favor do Autor pela apresentação número 1 de 1990/11/20. 2. O referido rústico veio à posse do autor, no ano de 1990, por compra que fez a JJ. 3. Tal aquisição encontra-se inscrita a favor do autor na Conservatória do Registo Predial pela AP 1 de 1990/11/20. 4. Desde a sua aquisição até à presente data, sempre o autor por si e demais ante possuidores, amanharam, cultivaram e desmataram o prédio, colheram uvas, azeite e lenha, limparam margens, conservaram as estremas, pagaram atinentes impostos. 5. Tais atos vêm sendo praticados pelo autor e seus antecessores, ao longo de todos estes anos até aos dias de hoje. 6. Há mais de 20 e mais anos. 7. À vista de todas as pessoas. 8. Sem violência ou oposição de quem quer que seja. 9. De forma contínua, porque sem interrupção até aos dias de hoje. 10. Na convicção de atuar como dono e legítimo proprietário do dito prédio. 11. O prédio descrito confina a norte com o prédio rústico sito no lugar de ... ou ..., freguesia de ..., concelho de ..., composto de pinhal e vinha, com a área de 20.621 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo 4324º, com proveniência nos artigos 3658º e 3656º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...42 da freguesia de .... 12. À data em que o autor comprou o imóvel com o artigo matricial 3 660º, o rústico identificado e que confina com o adquirido pelo autor nos termos mencionados, pertencia a GG - artigo 3658º- e KK e esposa LL – artigo 3656º, que após unificação pelos 1ºs Réus deu origem ao atual artigo 4324º. 13. O autor desde há muito que pretendia adquirir esta parcela de terreno, com o intuito de a anexar à sua, de modo a tornar a sua propriedade mais rentável do ponto de vista agrícola. 14. Razão pela qual logo que no referido prédio viu afixada uma placa para venda, de imediato contactou o primeiro réu marido, dando-lhe conta do seu interesse na compra do rústico e assim iniciar a negociação do mesmo. 15. Respondeu-lhe o primeiro réu marido que o rústico estava para venda pelo preço de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros). 16. Como não dispunha de tal quantia, propôs o autor ao 1º réu marido a celebração de uma permuta entre aquele rústico - melhor identificado no artigo 17º da petição - e um urbano de que é proprietário na Cidade .... 17. Após verificação do urbano manifestaram os primeiros réus não lhes interessar a permuta proposta, afirmando manter interesse apenas na venda do rústico pelo valor indicado. 18. Decorridos alguns dias, decidiu o autor apresentar nova proposta, desta feita, propondo-se pagar o preço de € 100.000,00 (cem mil euros). 19. Novamente recusou o 1º réu marido, afiançando apenas vender pelo valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros). 20. Face à postura do 1º réu marido, nada mais disse ou procurou saber o autor. 21. O autor veio a obter confirmação pelo próprio réu vendedor que já havia vendido o prédio. 22. No dia 12 de fevereiro de 2020, o Autor deslocou-se à Conservatória do Registo Predial ... para requerer uma cópia do documento através do qual o rústico foi transmitido aos segundos Réus. 23. Verificou tratar-se de uma escritura pública de Compra e Venda, celebrada no dia 12 de Novembro de 2019, no Cartório Notarial do Dr. FF, em ..., através da qual os primeiros Réus BB e CC declararam vender aos segundos, DD e EE, o prédio rústico sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., composto de pinhal e vinha, com a área de 20.621 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo 4324º, com proveniência nos artigos 3658º e 3656º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...42 da freguesia de ..., pelo preço de € 60.000,00 (sessenta mil euros). 24. Com fundamento na referida escritura pública, a aquisição do prédio rústico melhor identificado no artigo 17º da petição inicial, vendido pelos primeiros réus, foi inscrito a favor dos segundos réus na Conservatória do Registo Predial .... 25. No dia 12 de Fevereiro de 2020, o autor redigiu e enviou carta ao primeiro réu marido, com conhecimento do segundo réu marido, transmitindo-lhe o seu desagrado face à conduta por este assumida, uma vez que não lhe havia comunicado os termos do negócio para que este, querendo, como o primeiro réu marido bem sabia que queria, exercer o seu direito legal de preferência. 26. Mais lhe comunicou na missiva enviada, que era sua vontade exercer a preferência legal na aquisição do rústico, uma vez que o valor pago pelos segundos réus era inferior àquele que ele se propôs pagar e que não foi aceite, recorrendo, se necessário fosse, aos meios judiciais competentes. 27. Na data de 23 de Julho de 2020, a mandatária subscritora endereçou aos réus comunicação escrita, dando-lhes conta, uma vez mais, da decisão do autor em exercer o direito de preferência, por forma a aferir da possibilidade da resolução extrajudicial do diferendo. 28. Todavia, tal não se mostrou possível. 29. Pelo menos, no dia 12 de Fevereiro de 2020, o Autor teve conhecimento dos elementos essenciais da venda do rústico melhor identificado no artigo 17º da petição inicial. 30. Nem os primeiros réus, nem qualquer outra pessoa, comunicaram ao autor, quer verbalmente, quer por carta, quer através de qualquer outro meio, o projeto da venda mencionada e as cláusulas desse contrato, nomeadamente, o preço do negócio, a forma de pagamento, a identificação do comprador, o local e prazo para celebrar o contrato e quaisquer outras condições de cuja observância dependesse a realização do negócio. 31. Quando bem sabiam ser vontade do autor adquirir o rústico em questão. 32. Quer o prédio rústico de que é proprietário o autor, quer o prédio objeto de preferência, são compostos, entre outros, por pinhal, oliveiras e vinha. 33. O prédio do autor confina pelo seu lado norte com o lado sul do prédio vendido pelos primeiros réus aos segundos. 34. O prédio rústico, propriedade do autor, confinante com aquele que foi alienado, bem como este último, têm área inferior à unidade de cultura estabelecida para a região em que se situam. 35. Os segundos réus compradores, à data da realização da transação supra, referida, não eram, nem são atualmente, proprietários de qualquer outro prédio confinante com o prédio adquirido aos primeiros réus, pois que, como atestam as confrontações daquele rústico, os proprietários dos prédios confinantes são MM, o autor, e NN, sendo todas as outras confrontações com caminho público. 36. O autor e os primeiros réus conviviam, chegando a participar em festividades na casa um do outro. 37. Com o primeiro pagamento, em 15 de Outubro de 2019, o segundo Réu passou a ocupar o prédio. 38. O qual limpou, começou a cultivar e no qual introduziu algumas benfeitorias. 39. Os réus lavraram escritura de retificação, em 17 de novembro de 2020. 40. Bem como liquidaram a totalidade dos impostos. 41. Os segundos Réus suportaram os custos com impostos, no valor total de € 7.250,00. 42. Os segundos Réus realizaram benfeitorias no imóvel objeto da preferência. 43. No prédio rústico objecto da presente ação existem duas construções compostas por um armazém agrícola e uma casa de apoio. 44. Imóveis que foram naturalmente incluídos no negócio. 45. Ao tomar posse das referidas construções, os segundos Réus resolveram levantar uma vedação para proteção dos seus filhos menores. 46. Mais executaram na casa de suporte os seguintes trabalhos: a) Construção de mobiliário embutido; b) Construção de teto falso; c) Construção de divisória em pladur; d) Remodelação da rede elétrica. 47. Trabalhos que valorizaram o imóvel em causa em, pelo menos, 5 000 € (cinco mil euros). Factos julgados não provados: a- O autor teve conhecimento do negócio celebrado entre os Réus, na data de 12 de Fevereiro de 2020. b- Acordaram autor e 1º réu marido agendar uma visita ao urbano oferecido pelo autor para troca, para que aquele e sua esposa o pudessem verificar e assim aferir do interesse no negócio proposto. c- No dia 11 de Fevereiro de 2020, enquanto almoçava no restaurante ... com a sua esposa, em ..., o autor foi abordado pelo 1º réu marido o qual lhe comunicou que já havia vendido o rústico. d- Ao que o autor respondeu, completamente convencido de que o havia feito pelo preço de € 150.000,00, como sempre afiançou que faria: “sempre conseguiste”. e- Ao comentário efetuado pelo autor nada respondeu o 1º réu marido, limitando-se a esboçar um sorriso. f- Facto que levou o autor a desconfiar que, se calhar, assim não tinha sido. g- Os elementos essenciais do negócio são do conhecimento pessoal do Autor desde finais de maio de 2019. h- O Autor era, desde há vários anos e até estes factos terem ocorrido, o responsável pela contabilidade e entrega das declarações de rendimentos dos primeiros Réus. i- Inclusivamente era portador das senhas de acesso ao portal das finanças, ao qual acedia até a pedido dos primeiros Réus, sempre que estes necessitavam que o fizesse por os próprios não o saberem fazer. j- Além de contabilista era considerado pelos primeiros Réus um amigo de confiança com o qual partilhavam, não só os seus negócios, como muitos aspetos da sua vida pessoal. k- Ainda que frustrado o negócio do terreno entre ambos, foi o 1º Réu marido dando conhecimento ao autor das diferentes propostas que ia recebendo. l- Que culminou com a proposta apresentada pelo 2º R marido -125.000€, a pagar ao longo de 2019 e 2020. m- Este negócio concretizou-se verbalmente em finais de maio de 2019 e nessa mesma altura foi dado a conhecer ao Autor - preço; modo de pagamento; comprador. n- Atenta a especificidade do negócio, foi o Autor quem sugeriu aos primeiros Réus, a celebração de um contrato promessa, nos exatos termos que acabaram por constar do documento celebrado. o- O qual, antes de ser assinando, foi exibido pelo 1º Réu ao Autor, contando com os conhecimentos jurídicos que o Autor havia adquirido com a licenciatura de solicitador e a sua vasta experiência profissional. p- Quando em Maio de 2019, o primeiro Réu comunicou ao Autor o preço e a forma de pagamento, este, na qualidade de contabilista daquele, fez de imediato os cálculos e indicou ao primeiro Réu quanto este iria pagar a título de mais valias. q- Razão pela qual insistiu que tivesse o cuidado de não fazer constar na escritura pública que iria celebrar ainda em 2019, a totalidade do preço, sob pena de pagar já em 2020 o imposto relativo a um ganho que deveria ser tributado no ano seguinte. r- É o Autor conhecedor dos elementos essenciais do negócio desde Maio de 2019. s- Com a outorga do contrato promessa foi retirada a placa que anunciava a venda daquele imóvel. t- E nas semanas que se seguiram, por mais do que uma vez, o Autor viu o 2.º Réu naquela propriedade, a quem chegou a chamar “o meu novo vizinho rico” por, nas suas palavras, ter pago uma fortuna pelo terreno. u- Como era obrigação do 1.º Réu para com o seu contabilista, no dia seguinte ao da realização da escritura, foi entregue ao Autor uma cópia, em mão. v- E nesse mesmo dia, o Autor, ao aperceber-se que os Réus não haviam referido na escritura a forma concreta de pagamento, tentou convencer o 1.º Réu a não declarar o remanescente do preço pago, demonstrando-lhe novamente o quanto iria pagar a título de mais valias, que assim poupava. w- A presente ação mais não configura do que uma represália do Autor em relação ao 1.º Réu. x- Isto porque o Autor considera que o 1.º Réu lhe deve a quantia de € 7.500,00 pelo trabalho que desenvolveu a aconselhar os termos do contrato promessa, e a poupança em impostos, caso tivesse escriturado a venda do rústico pelos € 60.000. y- E como o 1.º Réu se recusou a pagar aquele valor, de imediato ameaçou, contínuas vezes, com o exercício da preferência pelo valor escriturado. z- Afirmando e garantindo que, apesar de saber que o valor da venda tinha sido de 125.000€, iriam perder aquele montante. aa- E foi com esse objetivo que, de Novembro de 2019 a Julho de 2020, por mais de uma vez, enviou emissários a ambos os Réus, que os aconselhavam a pagar ao Autor o que ele lhes estava a exigir para não ficarem sem o terreno e sem dinheiro. bb- Também nesse período, o 1.º Réu recebeu uma carta, sem assinatura, de alguém que se dizia Advogado, a ameaçar com uma queixa no Serviço de Finanças se não pagasse ao Autor o que era devido àquele pelos serviços prestados e os impostos poupados. cc- Ameaças que começaram logo após a realização da escritura e se prolongaram até ao envio das cartas juntas à P.I. e subscritas pela Ilustre Mandatária do Autor. dd- O preço constante da escritura de compra e venda outorgada em 12 de Novembro de 2019, não corresponde ao preço que foi acordado e pago pelos segundos réus aos primeiros pela aquisição do prédio objeto de preferência. ee- O que o Autor muito bem sabe. ff- Ocorreu um lapso no conteúdo da dita escritura. gg- Lapso esse induzido pelo Autor e do qual agora pretende tirar proveito com a presente ação. hh- Conforme constava do contrato promessa, foi o preço de aquisição de 125.000€, valor que os 2ºs Réus se obrigaram a pagar, 60.000€ até final de 2019 e 65.000€ até final de 2020. ii- Facto que deveria ter constado da escritura realizada a 12 de Novembro de 2019, mas cujo texto os Réus julgaram não ser admissível ou, a constatar, implicaria sempre o imediato pagamento de mais valias. jj- Ao aperceberem-se do lapso, de imediato lavraram a escritura de retificação, assim sanando e corrigindo alguma dúvida que pudesse existir. kk- Ainda assim, quanto ao preço, devido a dificuldades de tesouraria sentidas pelos segundos Réus, acabaram estes por prolongar, com o consentimento dos primeiros Réus, esse pagamento até inícios de 2021. ll- O valor entretanto liquidado ascende já aos acordados 125.000€, realizado da seguinte forma: A) No dia 15/11/2019 foi paga a quantia de 30.000€ através do cheque n.º ...95 do Banco BPI; B) No dia 12/11/2019 foi paga a quantia de 30.000€ através dos cheques n.ºs ...96 e ...97 do Banco BPI; C) No dia 02/12/2020 foi paga a quantia de 25.000€ através do cheque ...52 do Banco BPI; D) No dia 07/01/2021 foi paga a quantia de 20.000€ através do cheque ...53 do Banco BPI; E) No dia 09/03/2021 foi paga a quantia de 20.000€ através do cheque ...54 do Banco BPI. mm- Nunca houve intenção dos réus em declarar uma vontade diferente da vontade real. III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER. Reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação. Modo de exercício dos poderes/deveres consignados no artigo 662º do Código de Processo Civil. Fundamentação da sindicância de facto. Poderes e limites do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de facto. Passemos à sua análise: O presente recurso de revista versa essencialmente sobre o modo de exercício pelo Tribunal da Relação dos poderes/deveres que lhe estão conferidos pelo artigo 662º do Código de Processo Civil (matéria sobre a qual, dada a sua natureza, não se constituiu dupla conforme nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil). Estão em causa os seguintes pontos: 1 – Valor probatórios dos documentos juntos ao processo. Eventual violação do direito probatório material. a) ausência de data no documento que constitui cópia da escritura de compra e venda do imóvel em causa. b) carta junta pelo A., pelo seu texto demonstraria – no entender dos recorrentes – o anterior conhecimento dos elementos essenciais do negócio e deveria ter o valor da prova por confissão. c) contradição consistente na prova e não prova do mesmo facto. d) consideração de que o valor probatório dos citados documentos levaria a considerar não provado que o A. teve conhecimento dos factos essenciais do negócio apenas no dia 12 de Fevereiro de 2020. e) certidão de teor e matricial do prédio que indicaria a sua área como de 26.420 m2, não podendo assim dar-se como provado que o prédio tinha apenas 2.642 m2 (com a alteração do facto provado sob o nº 1). f) prova do teor da carta junta aos autos, com a alteração dos pontos nºs 25 e 26 dos factos provados. g) prova do preço de aquisição do prédio (€ 125.000,00) resultante dos documentos que os RR. juntaram aos autos. 2 – Dever de fundamentação consubstanciado no desenvolvimento do juízo crítico de todos os elementos de prova constantes dos autos. a) desconsideração de toda a prova indicada pelos recorrentes e ausência da indicação dos respectivos motivos. b) ausência de pronúncia sobre os diferentes pontos e argumentos aduzidos pelos recorrentes no âmbito da sua impugnação da decisão de facto, ao abrigo do disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil. Apreciando: Considerações gerais. Resulta dos artigos 674º, nº 3, e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil, bem como do disposto no artigo 46º da Lei da Organização Judiciária, que o Supremo Tribunal de Justiça, constituindo um tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito e não de matéria de facto. O que significa que perante a prova sujeita à livre apreciação do julgador – sem ocorrer qualquer caso de prova vinculativa, dotada de força probatória plena e estabelecida no âmbito do direito probatório material – a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça torna-se particularmente restrita e mesmo excepcional. Ou seja, desde que não se coloque no âmbito da presente revista a violação pelo acórdão recorrido de normas respeitantes à prova tarifada, com força legalmente vinculativa, encontrando-nos, ao invés, perante prova apreciada livremente pelas instâncias, nos termos gerais do artigo 366º e 369º do Código Civil e 466º, nº 3, do Código de Processo Civil, o juízo de facto autónomo extraído pelo acórdão recorrido está fora do superior controlo por parte do Supremo Tribunal de Justiça, na sequência do que se dispõe nos artigos 662º, nº 4, e 674º, nº 3, do Código de Processo Civil. Tendo bem presente estes princípios de carácter geral, analisemos as questões concretas suscitadas pelos recorrentes: 1 – Valor probatórios dos documentos juntos ao processo. Eventual violação do direito probatório material. a) ausência de data no documento que constitui cópia da escritura de compra e venda do imóvel em causa. Para efeitos da possível intervenção – sempre excepcional – do Supremo Tribunal de Justiça relativamente à discussão de facto, é absolutamente irrelevante que o documento apresentado sob o nº 5 (a cópia da escritura pública de compra e venda do imóvel sobre o qual é exercido o direito de preferência) não tenha a data da sua emissão. O facto dado como provado pelas instâncias de que o A. teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio celebrado entre os RR., pelo menos no dia 12 de Fevereiro de 2020 (e não antes, mormente na data indicada pelos Réus), quando se deslocou à Conservatória do Registo Predial e obteve a dita cópia da escritura de compra e venda realizada em 12 de Novembro de 2019, resultou da análise conjugada da diversa prova produzida – mormente do próprio reconhecimento do autor no que respeita ao seu conhecimento em 12 de Fevereiro de 2020 -, não se suscitando, a este propósito, qualquer questão relacionada com prova tarifada, com força probatória plena e vinculativa. Pelo que o juízo de facto extraído pelo Tribunal da Relação é soberano e absolutamente insindicável, carecendo o Supremo Tribunal de Justiça de competência para nele interferir. Improcede o recurso neste ponto. b) carta junta pelo A., pelo seu texto demonstraria – no entender dos recorrentes – o anterior conhecimento dos elementos essenciais do negócio e deveria ter o valor correspondente à prova por confissão. A carta que os recorrentes referem (junta a fls. 16) constitui um mero documento particular, enviado pelo A. aos RR. em 12 de Fevereiro de 2020, e não configura, de forma alguma, qualquer tipo de confissão. Basicamente, referencia-se nesse escrito o propósito de o A. emitente vir a instaurar a presente acção judicial (para o exercício do direito de preferência), acompanhado de revelações esparsas acerca do seu estado de espírito na ocasião ( referindo-se que:“não posso admitir que pelas minhas costas possa passar de preferente a preferido; ainda que venha a ser considerado como autor de má fé ou armadilha, ou aceitar aquilo que se poderá designar de cunhas metidas a pessoas amigas de grande colaboração e amizade”, e outras do mesmo género, sem especial interesse ou relevo – face ao seu carácter vago, praticamente enigmático, e totalmente inócuo - para a discussão de facto travada nos presentes autos). É evidente que este mesmo documento apresentado pelo A. constitui apenas um dos vários elementos de prova livremente analisados pelas instâncias em sede de discussão de facto. Não se suscita aqui, portanto, a mais leve hipótese de violação do direito probatório material, não se extraindo do teor da dita carta o reconhecimento de qualquer facto desfavorável aos interesses de quem a escreveu e endereçou. Improcede a revista neste ponto. c) contradição consistente na prova e não prova do mesmo facto. Do elenco dos factos provados e não provados não consta qualquer contradição lógica, consistente no pretenso conflito entre a prova e a não prova da mesma factualidade, como os recorrentes infundadamente invocam. Aludem os recorrentes ao facto de não ter sido dado como provado que “O autor teve conhecimento do negócio celebrado entre os Réus, na data de 12 de Fevereiro de 2020” enquanto consta do elenco dos factos provados que: “Pelo menos, no dia 12 de Fevereiro de 2020, o Autor teve conhecimento dos elementos essenciais da venda do rústico melhor identificado no artigo 17º da petição inicial”. Tal contradição é meramente aparente e não real. Questionando-se qual a data concreta em o A. terá tido conhecimento dos elementos essenciais do negócio sobre o qual exerceu o direito de preferência, nenhuma das instâncias deu como provado que tal tivesse acontecido antes de 12 de Fevereiro de 2020. Ou seja, competindo ao RR. – e não ao preferente - o ónus de prova de que tal conhecimento ocorreu mais de seis meses antes da propositura da presente acção (artigo 1410º, nº 1, do Código Civil) – conforme concretamente alegaram – os mesmos não lograram realizar tal demonstração, absolutamente decisiva para a procedência da excepção de caducidade que suscitaram na sua contestação. O sentido que deve razoavelmente conferir-se à falta de prova de que o conhecimento do A. só tivesse acontecido no dia 12 de Fevereiro de 2020 é de que não houve absoluta certeza de não poder (eventualmente) ter havido conhecimento anterior dos factos em causa, sem ter sido efectivamente realizada, contudo, a prova desse concreto (pretérito) conhecimento do A. – que fora alegado, mas não demonstrado, pelos RR., a quem incumbia o correspondente ónus. Conforme se refere na fundamentação da decisão de facto proferida em 1ª instância: “Como resulta do que se acaba de descrever, são opostas as posições do autor e dos réus, embora as declarações dos réus tenham deixado dúvidas quanto à data em que o autor teve conhecimento dos termos do negócio, pelo que não se deu como provado que tenha sido em Maio de 2019. Por outro lado, quanto ao conhecimento dos próprios termos do negócio, nomeadamente do preço, também não resultou que o autor tenha tido conhecimento desses termos antes da data que refere, até porque, apenas o réu vendedor o afirma, não havendo qualquer prova que o corrobore (…)”. No mesmo sentido consta no acórdão recorrido: “(…) não se pode concluir, com segurança, que o autor teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio na data que os réus alegam (…). Por outro lado, quando ao conhecimento dos próprios termos do negócio, nomeadamente do preço, também não resultou que o autor tenha tido conhecimento desses termos antes da data que refere, até porque, apenas o réu vendedor o afirma, não havendo qualquer outra prova que o corrobore (…)”. Não recaindo sobre o A. o ónus de provar os pressupostos da excepção de caducidade invocada pelos RR., queda totalmente irrelevante que não se tenha provado que só em 12 de Fevereiro de 2020 tal conhecimento sucedeu (o que no fundo resulta, em termos circunscritos, da prova de que “Pelo menos, no dia 12 de Fevereiro de 2020, o Autor teve conhecimento dos elementos essenciais da venda do rústico melhor identificado no artigo 17º da petição inicial.” (sublinhado nosso). De resto, o conhecimento dos elementos do negócio por parte do preferente por referência à data de 12 de Fevereiro de 2020 é aceite desde logo nos artigos 29º e 34º da petição inicial, não sendo portanto controvertido que nessa data o A. tenha tido esse mesmo (assumido) conhecimento. O que se discutia era se tal conhecimento seria, como pretendiam os RR., anterior (reportando-se aos finais de Maio de 2019 – cfr. artigo 3º da contestação). Ora, tal prova não foi, segundo as instâncias, realizada por todos os motivos que desenvolvidamente expuseram. Assim sendo, não tem razão de ser, nem fundamento sério, a afirmação que se encontra dado como provado e não provado o mesmo facto. Improcede a revista neste ponto. d) consideração de que o valor probatório dos citados documentos levaria a considerar não provado que o A. teve conhecimento dos factos essenciais do negócio apenas no dia 12 de Fevereiro de 2020. Aqui estamos unicamente no âmbito da apreciação da prova – quanto ao conhecimento pelo A. dos factos essenciais do negócio celebrado entre os RR. -, onde predomina, conforme já se salientou, a liberdade de julgamento, não cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça proceder à respectiva sindicância. Foi matéria para cuja dilucidação concorreu a prova testemunhal e a que foi realizada através de declarações de parte, havendo as instâncias emitido, com a ampla liberdade que o Código Processo Civil lhes confere, o seu juízo de facto, que não compete ao Supremo Tribunal de Justiça em sede de revista sindicar. Improcede a revista neste ponto. e) certidão de teor e matricial do prédio que indicaria a sua área como de 26.420 m2, não podendo assim dar-se como provado que o prédio tinha apenas 2.642 m2 (com a alteração do facto provado sob o nº 1). Constitui entendimento aceite uniformemente, há muitos anos, pela jurisprudência que o teor de certidões registrais e cadernetas prediais, constituindo meros elementos identificadores dos prédios e não fazendo prova plena acerca da área real dos prédios em causa, bem como das suas delimitações/confrontações físicas, tal como bem sublinhou o acórdão recorrido, comportam a produção de prova em sentido contrário. (vide, sobre esta matéria, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 2001 (relator Tomé de Carvalho) com a referência 01A3385, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2002 (relator Sousa Inês) com a referência 02B940, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 2004 (relator Lucas Coelho), processo com a referência 04B2972, sumariado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Janeiro de 2005 (relator Oliveira Barros) com a referência 04B4132, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2006 (relator Duarte Soares), com a referência 05B4095, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2008 (relator Sebastião Póvoas), com a referência 08A055, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 2009 (relatora Prazeres Beleza), proferido no processo nº 839/04.8TBGRD.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2010 (relator Moreira Alves), proferido no processo nº 336/04.1TBVVC.C1.S1, cujo sumário se encontra publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 2013 (relator Serra Batista), proferido no processo nº 74/07.3TCGMR.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2017 (relator Alexandre Reis), proferido no processo nº 120/14.4T8EPS.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira), proferido no processo nº 809/10.7TBLMG.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 2018 (relator José Rainho), proferido no processo nº 668/15.3T8FAR.E1.S2, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Setembro de 2019 (relator Acácio das Neves), proferido no processo nº 272/17.1T8BGC.G1.S2, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2022 (relator Vieira e Cunha), proferido no processo nº 1654/19.0T8VCD.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 2023 (relator Fernando Batista), proferido no processo nº 1091/20.3T8VCT.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt). Pelo que, também neste particular, não pode considerar-se qualquer violação do direito probatório material de que cumpra conhecer. Acrescente-se ainda que na própria contestação apresentada pelos RR – e estando já nos autos a certidão da Conservatória do Registo Predial indicada – os mesmos não fizeram a menor alusão à área do prédio rústico na titularidade do preferente, invocando mormente a circunstância, essencial e decisiva para a sorte do pleito, de não ter área inferior à Unidade de Cultura, e não indicando – como seria expectável que fizessem – a mencionada desconformidade entre área do terreno constante do artigo 5º da petição inicial e o teor do documento junto pelo A. a fls. 12 e 13. Tal facto dado como provado – a área do prédio confinante tal como foi concretamente alegada pelo A. –, não sendo em oposição e contrapartida alegada pelos RR. qualquer outra área do terreno, diversa e superior, acaba por se inserir no âmbito da liberdade de julgamento das instâncias, em relação à qual o Supremo Tribunal de Justiça, sem a indispensável existência de documento dotado de força probatório plena que tenha sido porventura descurado, não pode legalmente intervir. Improcede a revista neste ponto. f) prova do teor da carta junta aos autos, com a alteração dos pontos nºs 25 e 26 dos factos provados. Os factos dados como provados sob os nºs 25 e 26 inserem-se no âmbito da prova livremente apreciada pelas instâncias e neles apenas se refere que no dia 12 de Fevereiro de 2020 o autor redigiu e enviou aos RR. a carta em que essencialmente lhes transmitia o propósito de exercer o seu direito de preferência na transmissão do imóvel mencionado, se necessário através das vias judiciais. A carta invocada pelos recorrentes reveste a natureza de documento meramente particular e do seu teor nada se retira que obrigue à modificação dessa mesma factualidade, em virtude da violação de qualquer regra pertinente ao direito probatório material. Pelo que o Supremo Tribunal de Justiça carece de competência para intervir neste tocante. Improcede a revista neste ponto. g) prova do preço de aquisição do prédio (€ 125.000,00) resultante dos documentos que os RR. juntaram aos autos. Os documentos apresentados pelos recorrentes revestem a natureza de documentos particulares. Foram impugnados pela parte contrária, que refutou o sentido que os RR. dos mesmo visavam extrair. Estamos igualmente aqui no âmbito da livre apreciação da prova, o que retira fundamento para a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, que só conhece matéria de direito e não matéria de facto. Improcede a revista neste ponto. 2 – Dever de fundamentação consubstanciado no desenvolvimento do juízo crítico de todos os elementos de prova constantes dos autos. a) desconsideração de toda a prova indicada pelos recorrentes e ausência da indicação dos respectivos motivos. A alegada desconsideração dos elementos probatórios apresentados pelos RR, ora recorrentes, faz parte do resultado da análise global e crítica realizada pelas instâncias. Tanto na sentença de 1ª instância como no acórdão recorrido foi necessário aquilatar da relevância (conjugada) de cada um dos elementos probatórios reunidos, dando-se prevalência a uns em detrimento de outros, como é perfeitamente habitual em situações similares e não podia aliás deixar de ser. É o que sucede praticamente em todos os julgamentos sobre matéria de facto controvertida, não fazendo sentido concluir que foram indevidamente desconsiderados os elementos probatórios apresentados por uma parte pela circunstância de terem vingado aqueles que a parte contrária legitimamente lhes opôs. Em todo o caso, estamos de pleno no âmbito da discussão de facto da causa. Matéria relativamente à qual, por todos os motivos já invocados, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça intervir. Por outro lado, basta ler o acórdão recorrido para concluir que o mesmo fundamentou consistentemente a sua análise da prova, o que fez designadamente nos seguintes termos: “(…) ouvidos na íntegra todos os depoimentos de parte e declarações de parte, todos os depoimentos das testemunhas inquiridas e conjugando os mesmos com os documentos constantes dos autos, nomeadamente os supra-referidos, e as regras da experiência comum, chegamos à mesma conclusão do tribunal a quo. Com efeito, do teor do depoimento e declarações de parte do Autor resulta afirmado pelo mesmo que apenas teve conhecimento dos termos do negócio em fevereiro de 2020, negando que fosse responsável pelo IRS ou qualquer contabilidade dos primeiros réus, que tivesse recebido qualquer cópia do contrato, ou que tivesse tido qualquer intervenção nos termos em que é alegado pelos réus. Mais afirma o Autor que o vendedor lhe pediu 150 000 euros pelo prédio e que viu, na Conservatória do Registo Predial, que tal prédio foi vendido por 60 000 euros, desconhecendo se esse é o valor real; que enviou carta ao vendedor, em fevereiro de 2020, quando teve conhecimento da venda. Confirmou ser confinante, ao contrário dos compradores, e referiu como adquiriu o seu prédio. Mais detalhou como como mostrou interesse na aquisição do prédio, as conversas que teve com o vendedor e os valores pedidos. Salientou que em fevereiro de 2020, o primeiro réu lhe disse que já tinha vendido o prédio, pelo que foi à Conservatória verificar e veio a saber como foi o negócio. E afirmou que nunca o vendedor lhe comunicou os termos do negócio. Por sua vez, o Réu BB, começou por afirmar que o autor não é nem nunca foi seu contabilista, tratando-se de uma confusão, referiu, no entanto, que era uma pessoa da sua confiança e que tinha as suas senhas das Finanças. Disse que foi sempre muito amigo do autor, chegando a haver convívios nas respectivas residências. Afirmou que quando resolveu vender, a primeira pessoa a quem falou, foi ao autor, ainda antes de colocar uma placa a anunciar a venda, pelo preço de 150 000 euros. Explicou que o autor lhe propôs uma troca, o que o autor também referiu, mas que não aceitou, pelo que quando apareceu um comprador, decidiu vender, pelo preço de 125 000 euros. Disse também que o autor passava todos os dias pelo prédio e que um dia lhe perguntou se já tinha vendido, o que confirmou, referindo que o autor o convidou a ir a sua casa para lhe explicar como devia fazer a escritura para pagar menos impostos, afirmando que fez um contrato promessa e que antes de fazer a escritura falou com o autor que o aconselhou sobre a forma de pagar menos impostos, tendo sido nessa altura que o autor ligou para as Finanças e obteve as senhas para saber o valor patrimonial do prédio. Mais afirmou que nessa mesma altura, o autor lhe disse que não iria exercer opção; que quando fez o negócio com o segundo réu, falou com o autor e lhe disse a quem ia vender, tendo até a mulher do autor dito que os compradores eram da terra dela; que o preço da venda foi de 125 000 euros e que recebeu através de vários cheques; que falou com os réus compradores no início de 2019, que os mesmos foram ver a vinha em agosto e que fecharam o negócio em setembro ou outubro de 2019. Tal contraria a alegação de que o autor teve conhecimento dos termos do negócio em maio de 2019. E apesar de ter referido que fizeram um contrato promessa, o que terá ocorrido em maio de 2019, constata-se uma contradição com o que referiu em relação a terem ido ver a vinha em agosto. Afirmou ainda o Réu BB que quando decidiu vender aos segundos réus pelo preço de 125 000 euros, já tinha “oferecido” o prédio ao autor, por esse preço. Porém, o autor não admitiu tal facto, não existindo qualquer prova nesse sentido. Mais referiu que não deu qualquer cópia da escritura ao autor, ao contrário do alegado. Em suma, resulta das declarações deste réu que vários dos factos alegados na contestação, foram pelo mesmo negados. Donde não se pode concluir, com segurança, que o autor teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio, na data que os réus alegam. Das declarações do réu DD, resulta afirmado que a sua esposa viu a placa a anunciar a venda do terreno em causa, contactou o primeiro réu no início de 2019, fizeram uma contraproposta ao preço pedido, e negociaram, tendo feito um contrato promessa. Mais afirmou que após a vindima, ainda antes da escritura, tomou conta do prédio e que o autor o via lá e até lhe chamava vizinho; que uma pessoa amiga do autor o contactou e lhe disse que o autor ia exercer preferência, caso não fosse paga uma alegada dívida, pelo que o declarante foi falar com o autor que lhe disse que não estava interessado no prédio, mas que o primeiro réu tinha que lhe pagar, senão punha a ação, o que aconteceu por uma segunda vez em que o autor manteve a mesma posição. Afirmou ainda que pagou pelo prédio o preço de 125 000 euros através de vários cheques; que começaram a negociar em maio de 2019 e decidiram comprar em junho de 2019, mas referiu também que mantiveram as condições em sigilo até ao final da vindima, embora o primeiro réu tenha dito que comunicou ao autor; e que o negócio incluiu o terreno e dois armazéns agrícolas. Por outro lado, quanto ao conhecimento dos próprios termos do negócio, nomeadamente do preço, também não resultou que o autor tenha tido conhecimento desses termos antes da data que refere, até porque, apenas o réu vendedor o afirma, não havendo qualquer outra prova que o corrobore, como veremos. No que tange à prova testemunhal, há a considerar que a testemunha OO afirmou, em síntese, conhecer o autor e o prédio em questão, referindo que viu o primeiro réu em casa do autor e foi aí que soube que este era o proprietário do prédio; que soube que o autor estava interessado na aquisição do prédio e disse saber que o autor e o primeiro réu se conheciam e tinham contactos, nomeadamente encontrando-se no mesmo restaurante; que sabe que o autor comunicou ao primeiro réu o seu interesse na compra do prédio, que lhe fez uma oferta e até propôs uma troca, mas não sabe em que data o autor teve conhecimento da venda, mas andava aborrecido e disse que se sentia enganado, uma vez que teve acesso à escritura e que o imóvel havia sido vendido por 60 000 euros. Do depoimento da testemunha PP resulta, em síntese, afirmado que a mesma conhece a prédio do autor e saber que confina com o terreno aqui em causa; que o autor manifestava interesse em adquirir esse prédio, tendo até tentado uma troca, mas não chegou a acordo com o vendedor. Mais resulta confirmado que foi falar com o segundo réu, e o advertiu da possível preferência do autor, o que terá deixado o segundo réu surpreendido. Afirmou ainda que o autor soube da venda no dia do seu aniversário, em fevereiro de 2020, que estava chateado e disse que foi enganado. Do depoimento da testemunha QQ resulta, em síntese, que trabalha no escritório de contabilidade da esposa do autor, tendo antes trabalhado para o autor, há cerca de 30 anos; que o primeiro réu nunca foi cliente desse escritório, o que o réu, como vimos, também disse, esclarecendo que nunca tiveram senhas do portal das Finanças do primeiro réu; e que o primeiro réu foi ao escritório falar com o autor, uma outra vez, entregar uma chave e uma terceira vez em que o autor lhe chamou mentiroso e o convidou a sair. Por fim, resulta do depoimento da testemunha RR, em síntese, que é filha do réu BB e que o que sabe é através do seu pai, não revelando conhecimento directo sobre os factos essenciais em discussão. Decorre, pois, da prova testemunhal que ninguém presenciou as conversas entre o autor e o primeiro réu. E decorre do teor das referidas declarações prestadas pelas partes que são opostas as posições de autor e réus, sendo que, conforme realça o tribunal a quo, as declarações dos réus deixam dúvidas quanto à data em que o autor teve conhecimento dos termos do negócio. O que justifica que se não dê como provado que tenha sido em maio de 2019. Assim, atento o teor de tais depoimentos, nomeadamente, depoimento e declarações de parte do Autor, e depoimentos das testemunhas indicadas pelo mesmo, prestados de forma objectiva e isenta, e sua conjugação com os documentos supra mencionados na sentença, concluímos que devem manter-se como provados os factos dos pontos 1, 11, 12, 13, 22, 25, 26, 29, 30 e 34, nos seus precisos termos. É certo que, relativamente aos pontos 1, 11 e 12 dos factos provados, os Recorrentes alegam que das confrontações referidas nos documentos juntos pelo Recorrido com a Petição Inicial (como documentos 1 a 4) não resulta que o prédio do Autor confine com o dos RR; e que tais documentos, que não foram impugnados, são qualificados como autênticos e que, por via disso, fazem prova plena dos factos que neles se mostram atestados. Na verdade, os documentos em causa dizem respeito certidões registrais e cadernetas prediais relativa aos prédios em causa nos autos. Porém, a força probatória desses documentos autênticos não abrange as áreas dos prédios, as suas confrontações ou quaisquer outros elementos ínsitos nos documentos. A força probatória plena não cobre a veracidade ou a sinceridade do declarado (assim, Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares, pg. 227, cit. in S.T.J. 15/5/07, www.dgsi.pt, pº 07A1273, relatado pelo Consº Sebastião Póvoas). Desta forma pode usualmente concluir-se que as confrontações de um prédio referenciadas numa escritura pública constituem meros elementos identificadores do prédio, para efeitos da escritura, e não integram, como tais, a força probatória plena do declarado, mais a mais se forem objecto de impugnação – cf. Ac.R.C., 27/10/87 Bol.370/624 ou Ac.S.T.J. 18/11/04, in www.dgsi.pt, pº 04B2972, relatado pelo Consº Lucas Coelho. O que vem de ser dito quanto às confrontações vale, igualmente, para o que em tal documento vem declarado relativamente à área do prédio a que respeita e também perante o que consta das certidões registrais. Com efeito, a presunção da titularidade do direito estabelecida no art. 7º do Código de Registo Predial, que não foi ilidida, reporta-se tão só ao facto jurídico inscrito e não também a totalidade dos elementos de identificação física, económica e fiscal do prédio (v. Ac. STJ de 19-09-2017, proferido no processo nº 120/14.4T8EPS.G1.S1 (disponível em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-11-2013, proferido no processo nº 1643/10.0TBCTB.C1). Neste sentido se decidiu no Acórdão desta Relação, de 30-05-2018, proferido no processo nº 8250/15.9T8VNF.G1: “A inscrição no registo predial faz presumir a titularidade do direito de propriedade, mas a essa presunção não abrange a área ou a definição da delimitação física do prédio. A presunção registral cinge-se à existência do direito registado e à sua titularidade, bem como à existência de eventuais ónus registados e ainda de um núcleo mínimo essencial caracterizador da coisa. Não beneficiando a parte da presunção de propriedade relativamente a uma determinada área, para que possa ser declarada proprietária uma fracção autónoma com uma concreta área terá de fazer prova da sua aquisição por usucapião.” Dito isto, tem de improceder esta alegação dos Recorrentes. Relativamente aos factos não provados aqui impugnados, a sua prova está afastada, quer pela prova da versão factual do Autor, incompatível com a dos RR., quer porque, relativamente aos mesmos, não foi produzida qualquer prova credível sobre a sua verificação. Cumpre salientar que o documento relativo ao “contrato promessa” de fls. 45 a 46 revela os termos do negócio e o alegado preço real, que, aliás, resulta também da escritura de retificação junta a fls. 47 a 48. No entanto, não resulta que que o autor tenha tido qualquer intervenção. E as assinaturas apostas em tal documento não se mostram reconhecidas nos termos legais, o que deixa dúvidas sobre a data em que o contrato promessa foi elaborado, já que nada comprova que o tenha sido na data nele aposta, o que poderia ser provado precisamente pelo reconhecimento das assinaturas. Relativamente aos documentos de fls. 99 a 101, estamos perante cheques emitidos a favor do primeiro réu, pelo segundo réu, no valor global de € 125 000,00, o alegado valor real do negócio. Da análise dos referidos cheques, verifica-se que os três primeiros, no valor global de € 60 000,00, valor declarado na escritura de compra e venda, têm datas correspondentes à altura em que a escritura foi celebrada. No entanto, como bem observa o tribunal a quo, os cheques no valor global de € 65 000,00, correspondentes ao valor que foi feito constar da escritura de retificação do preço, têm apostas datas de novembro e dezembro de 2020, posteriores à data da dita escritura de retificação, e posteriores à data da entrada da presente ação em juízo, o que se estranha, já que não se afigura verosímil que apenas cerca de um ano após a celebração da escritura de compra e venda, quando foi já instaurada uma ação de preferência, é que as partes se lembrem de pagar mais de metade do alegado valor real da venda. E mais se estranha, porque os réus não se conheceriam antes da celebração do contrato. Perante as provas referidas, fica a dúvida sobre não ter sido o preço real, aquele que foi declarado na escritura, prova que aos réus cabia fazer. E pelas razões acima expostas, não devem ser considerados como provados os factos elencados nas conclusões 23 e 24 do recurso. Em síntese, deve ser mantida a sentença recorrida relativamente aos factos provados e não provados, improcedendo totalmente a impugnação da matéria de facto”. Ora, este excerto do acórdão recorrido é bem demonstrativo da circunstância de haver sido realizada, com todo o rigor, a análise crítica da prova produzida, através de um juízo de facto autónomo, claramente explicado e suficientemente detalhado pelo Tribunal da Relação. Concorde-se ou não qual o sentido da valoração dos elementos probatórios – tarefa que cabe em última instância pelo Tribunal da Relação-, o certo é que não pode fundadamente afirmar-se que se verificou qualquer tipo de indevida desconsideração da prova indicada pelos recorrentes e/ou ausência da indicação dos respectivos motivos, o que a transcrição supra desmente categoricamente. Improcede a revista neste ponto. b) ausência de pronúncia sobre os diferentes pontos e argumentos aduzidos pelos recorrentes no âmbito da sua impugnação da decisão de facto, ao abrigo do disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil. Na fundamentação constante do acórdão recorrido é realizada, como se salientou, a análise de toda a matéria essencial respeitante ao conhecimento da impugnação de facto, com o desenvolvimento suficiente e necessário, não se verificando qualquer omissão relevante que importe a (sempre excepcional, neste domínio) intervenção do Supremo Tribunal de Justiça. Assim sendo, mantendo-se a decisão de facto fixadas pelas instâncias, o enquadramento jurídico perfilhado no acórdão recorrido afigura-se-nos totalmente correcto, não existindo motivo algum para dele divergir. A revista é assim negada. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) em negar a revista. Custas pelos recorrentes Lisboa, 19 de Dezembro de 2023. Luís Espírito Santo (Relator). António Barateiro. Maria Olinda Garcia. V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil. |