Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3650/10.3TBVFR.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
DURAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
NULIDADE
DENÚNCIA
Data do Acordão: 06/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ NEGÓCIO JURÌDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ CONTRATOS
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 236.º E SEGS., 292.º, 294.º, 1096.º, 1097.º 1110.º
REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO, APROVADO PELO DL Nº 329-B/90, DE 15 DE OUTUBRO
NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO, APROVADO PELA LEI Nº 6/2006, DE 27 DE FEVEREIRO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA DE 27 DE OUTUBRO DE 2010 (WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 971/08.9VPRT.P1.S1).
Sumário :

1. Aplica-se a lei vigente à data da celebração de um contrato de arrendamento para determinar o sentido das declarações negociais e para aferir a sua validade.

2. Estando assente que, na vigência do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 329-B/90, de 15 de Outubro, as partes celebraram um contrato de arrendamento de duração limitada para o exercício de uma determinada indústria, é nula a cláusula que prevê a duração efectiva de um ano, uma vez que, por norma imperativa, não era permitido estipular um prazo inferior a cinco anos.

3. À luz da regra definida pelo artigo 292º do Código Civil, não tendo sequer sido alegado que o contrato não teria sido celebrado “sem a parte viciada”, a nulidade de tal cláusula não implicou a nulidade do contrato.

4. Ora, assente que as partes celebraram um contrato de duração limitada, deve entender-se que vale o prazo mínimo previsto na lei, cinco anos.

5. Vigorando o contrato quando entrou em vigor o Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, é-lhe aplicável o regime de oposição à renovação que nele se prevê.

Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA e mulher, BB, propuseram uma acção contra Z... – Cortiças, Lda., pedindo que se declarasse “validamente denunciado o contrato de arrendamento” do prédio urbano (armazém) sito na Rua ..., Santa Maria da Feira, inscrito sob o artigo 3702º na matriz predial da freguesia de Lourosa, entre ambos celebrado em 1 de Março de 2004, e que a ré fosse condenada a desocupá-lo e a entregá-lo aos autores “livre de pessoas e bens, com as reparações que, porventura, lhe incumba fazer”, a pagar-lhes as rendas vencidas e vincendas até à data fixada para a desocupação ou até à entrega, se ocorrer antes, e ainda a quantia de € 2.500,00, a contar dessa data, “por cada mês de ocupação do local arrendado até à entrega”:

Alegaram que denunciaram a contrato, nos termos contratualmente previstos, por carta remetida à ré em 11 de Dezembro de 2009 e por ela recebida em 14 de Dezembro; que a denúncia deveria produzir efeitos a partir de 28 de Fevereiro de 2010; que autorizaram posteriormente a permanência da ré até à realização de uma assembleia geral da ré, onde se iria discutir o arrendamento; que, não tendo havido tal assembleia, solicitaram a entrega do armazém no prazo de 15 dias, “atenta a denúncia do contrato operada em 01 de Março de 2010”.

Consideram que do artigo 26º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, resulta que as respectivas regras são aplicáveis “aos contratos celebrados na vigência do RAU", como é o caso; que, portanto, se aplica o artigo 1110º do Código Civil; que vale o prazo acordado para a denúncia (60 dias), que foi cumprido.

A ré contestou. Em síntese, contrapôs tratar-se de um contrato sem termo certo, celebrado na vigência do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 329-B/90, de 15 de Outubro; em qualquer caso, ser inoperante a denúncia, por não serem admissíveis denúncias condicionais; e ser abusivo o prazo de 15 dias para entregar o armazém. Em reconvenção, pediu que fosse apreciada a legalidade da cláusula 1ª do contrato, já que, a ser interpretada como fixando o prazo de um ano para a duração do contrato, é nula; e que se declarasse tratar-se de um contrato por tempo indeterminado. Caso assim se não entenda, que se julgue a denúncia nula, dando-se “o contrato renovado por mais 5 anos”, ou, ainda, que lhe seja concedido prazo, nunca inferior a 60 dias, para entregar o local.

Os autores replicaram. Por entre o mais, observaram que, nos termos decorrentes do Novo Regime do Arrendamento Urbano, “a admissibilidade de denúncia livre pelo senhorio constitui o denominador comum à totalidade dos contratos de arrendamento, conforme resulta do disposto pelos artigos 1096º, nº 2 e 1097º (…)”; ainda que sejam “contratos de duração indeterminada, o senhorio goza da faculdade de denúncia não fundamentada, contemplada pelo artigo 1101º, c), todos do CC".

Sustentaram ainda a validade da cláusula cuja nulidade os réus pretendem que seja declarada.

A acção foi julgada totalmente procedente no despacho saneador, de fls. 80, que também julgou improcedente a reconvenção.

Em síntese, o tribunal entendeu, fazendo apelo “às regras legais de interpretação da declaração negocial contidas nos artigos 236º a 238º do Código Civil, que as partes contratantes quiseram efectivamente estipular um prazo para a duração efectiva do contrato, que no caso foi de um ano”; que a circunstância de ter sido fixado um prazo inferior ao previsto no RAU, 5 anos, não o transforma num contrato sem prazo; que a denúncia foi efectuada já na vigência do NRAU e extinguiu o contrato em 28 de Fevereiro de 2010.

2. Os réus recorreram, impugnando a decisão de facto e a solução de direito. Vieram então sustentar que se tratava de um contrato de duração limitada, pelo prazo de um ano; mas que a validade da cláusula correspondente deveria ser aferida pelo nº 1 do artigo 98º e pelo artigo 117º do RAU, e que, portanto, era nula, tornando-se necessário reduzir o negócio, eliminando-a e considerando o prazo mínimo admitido pela lei, cinco anos.

Assim, decorridos os cinco anos iniciais, o contrato renovou-se, já de acordo com o NRAU (artigo 26º, nº 3), por mais cinco anos, vigorando portanto até 28 de Fevereiro de 2014; a carta de denúncia, enviada em 11 de Dezembro de 2009, “um ano fora de prazo (…) não produziu qualquer efeito”.

O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 136 concedeu provimento parcial ao recurso interposto pelos réus, que foram absolvidos do pedido.

            Para o efeito, a Relação considerou fundada a alegação dos recorrentes, quanto à nulidade da cláusula relativa à duração do contrato, à sua redução e à aplicação do prazo mínimo de cinco anos, à renovação e à ineficácia da denúncia: “quando a mesma foi feita já o contrato de arrendamento se tinha renovado” por mais cinco anos.

            Vieram então os autores interpor recurso de revista excepcional, para o Supremo Tribunal da Justiça.

            Não estando manifestamente em causa uma situação abrangida pelo artigo 721º-A do Código de Processo Civil, por não se verificar qualquer situação de dupla conforme – o acórdão recorrido revogou a sentença –, foi determinado, por acórdão de fls. 252 do Colectivo previsto no nº 3 do artigo 721º-A do Código de Processo Civil, que o recurso fosse distribuído como revista.

            Cumpre apreciá-lo, sendo certo que os recorrentes concluíram as alegações, na parte que interessa, nos seguintes termos:

«(…)

3ª - Importa saber se ao contrato de arrendamento para fins não habitacionais, celebrado em 1 de Março de 2004, entre AA. e R. se aplica os normativos legais do RAU ou se devem ser aplicadas as regras do NRAU.

4ª - Tendo decido o Tribunal da Relação do Porto, no caso dos autos pela aplicabilidade do RAU e o Supremo Tribunal de Justiça, em situação idêntica, no âmbito do Acórdão n° STJ 971/08.9TVPRT.P1.S1 de 27.10.2010, decido pela aplicabilidade do NRAU.

            (…) 7ª - Perante a situação actual, torna-se impossível saber se "aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, celebrados na vigência do RAU se aplicam algumas normas do NRAU, mais concretamente, aquelas que estabelecem limites de duração dos contractos.

11ª - Nos presentes autos, discutiu-se o prazo de duração do contrato de arrendamento celebrado pelas partes, defendendo a R. que a cláusula 1ª e 2ª do contrato, são nulas, facto que determinaria que o contrato em apreço deveria ter pelo menos 5 anos de duração.

12ª - O arrendamento em questão, foi celebrado estando em vigor o DL n° 321-B/90, de 15 de Outubro (RAU) e destinava-se o arrendado à instalação de uma indústria de cortiça, é o mesmo qualificado como um arrendamento para comércio ou indústria.

13ª - No decurso do contrato entrou em vigor o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n° 6/2006, de 27 de Fevereiro, é fixado no artigo 59°, n° 1, do citado diploma que "o NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias".

14ª - Acrescenta o n° 3, que "as normas supletivas contidas no NRAU só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável".

15ª - No NRAU, qualquer que seja a modalidade de arrendamento – habitacional ou para fins não habitacionais – e o respectivo tipo de duração – com prazo certo ou com prazo indeterminado –, o locador passou a gozar do direito de se opor à renovação ou de denunciar o contrato. Assim sendo, quis o legislador uniformizar a disciplina legal, cessando a diferença, dentro do sistema normativo do arrendamento, entre os contratos sujeitos ao regime vinculístico e aqueles que, pela delimitação negativa do artigo 5°, n° 2, do RAU, a ele estavam subtraídos.

16ª- Nesta medida, e tal como decidido pelo Acórdão do STJ n° 971/08.9TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt, cuja cópia se junta, "Todos os contratos para fins não habitacionais, sem qualquer excepção, constituídos antes da data do início de vigência do NRAU, são susceptíveis de vir a ser regulados por este diploma legal, caindo no domínio da lei nova os efeitos futuros das respectivas relações jurídicas que vierem a produzir-se já no âmbito temporal da mesma."

(…) 18ª - Sendo que, quanto à denúncia ou oposição à renovação, a mesma poderia ser exercida por qualquer um dos outorgantes, com a antecedência mínima de 60 dias, o que de facto no caso vertente ocorreu.

19ª - Mesmo que as partes nada tivessem estipulado quanto à denúncia e o respectivo prazo, sempre os Recorridos, de acordo com as disposições dos artigos 1067°, n° 1, 1079°, 1110°, n° 1, 1096°, n° 2 e 1097°, todos do CC, com a redacção que lhe foi dada pelo NRAU, teriam a possibilidade de denúncia do contrato, mediante comunicação à Recorrente, com uma antecedência não inferior a um ano do termo da renovação.

20ª - O que no caso em apreço sempre ocorreu em Fevereiro de 2011, data em que a denúncia levada a cabo pelos AA. produziria os seus efeitos, pelo que, ao contrário do que a R. pretende, a denúncia feita pelos AA. é legitima, e perfeitamente válida, à luz do supra alegado no Acórdão do STJ.

(…) 22ª - Assim, é válida a denúncia promovida pelos AA., devendo produzir os seus efeitos de forma plena desde 28 de Fevereiro de 2010.»

            A recorrida contra-alegou. Para além de sustentar a inadmissibilidade da revista excepcional, defendeu a manutenção do que foi decidido na Relação.

            3. Vem assente o seguinte:

            «1- Os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio urbano sito na Rua ..., Santa Maria da Feira, inscrito na matriz predial da freguesia de Lourosa, concelho de Santa Maria da Feira, sob o artigo 3702º;

2- Em 1 de Março de 2004 o Autor marido, como primeiro outorgante, e a Ré, como segunda outorgante, celebraram contrato escrito denominado "Contrato de Arrendamento", por meio do qual o Autor deu de arrendamento à Ré o prédio descrito em 1., submetido, entre outras, às seguintes cláusulas:

1ª O arrendamento é feito pelo prazo de 1 ano, com início no dia 1 de Março de 2004, considerando-se prorrogado, nos termos da lei por períodos sucessivos de igual tempo enquanto não houver denúncia válida;

2ª A denúncia acima referida operar-se-á através de carta registada, com aviso de recepção, expedida por qualquer dos outorgantes ao outro, com a antecedência mínima de, pelo menos sessenta dias relativamente ao termo do prazo da sua renovação;

3ª O local arrendado destina-se à indústria de cortiça, não lhe podendo ser dado outro destino, mesmo parcial;

4ª A renda anual é de 15.000,00€ (...) que deverá ser paga em duodécimos de 1 250,00€ (...), na residência do primeiro outorgante ou noutro local por este indicado;"

3- Por carta registada com aviso de recepção datada de 11 de Dezembro de 2009, recebida pela Ré em 14 de Dezembro de 2009, os Autores comunicaram à Ré que "(...) Para efeitos do disposto na cláusula segunda do contrato, vimos pela presente, denunciar o referido contrato de arrendamento com efeitos a partir do próximo dia 28 de Fevereiro de 2010. Assim, na data a que se reporta a denúncia (28/02/2010) ora transmitida deve o arrendado ser entregue livre de pessoas e bens (...)",

4- Por carta registada com aviso de recepção datada de 11 de Fevereiro de 2010, recebida pela Ré em 15 de Fevereiro de 2010, os Autores comunicaram à Ré que "(...) Tomamos conhecimento pelos sócios B...S... e J...S..., que nesta data foi solicitada a convocação de uma Assembleia-geral à gerência da Z..., com vista à discussão da situação relativa ao arrendamento do armazém onde a mesma tem a sua sede. Como certamente terão presente tal armazém é objecto do arrendamento denunciado por carta remetida a V. Exas. em 11.12.2009. Assim, considerando o facto de poder estar eminente a deslocação de todo o activo físico da Z... para outro local, deverão V. Exas. considera-la sem a referida notificação de denúncia, podendo permanecer no arrendado até à realização da referida Assembleia-geral (...).''

5- A gerência da Ré não marcou a assembleia-geral para discutir a situação do arrendamento mencionado em 1., conforme solicitado pelos sócios, tendo sido marcada uma outra, no dia 25 de Maio de 2010, onde se pretendia discutir as contas de 2009;

6- Não tendo ocorrido a assembleia-geral solicitada à gerência, os Autores, através de carta registada com aviso de recepção datada de 7 de Junho de 2010, recebida pela Ré em 8 de Junho de 2010, comunicaram à Ré que "(...) Como certamente terão presente o contrato de arrendamento celebrado em 01 de Março de 2004, do qual é objecto o armazém sito na Zona industrial do Casalinho em Lourosa, foi por nós denunciado, por carta remetida a V. Exas. em 11.12.2009. Denúncia essa que produziu os seus efeitos em 01.03.2010 data em que deveria ter ocorrido mais uma renovação do contrato, caso não tivesse sido feita a referida denúncia. Em 11 de Fevereiro deste ano, e pese embora a comunicação de denúncia acima referida, autorizamos expressamente que V. Exas. permanecessem no arrendado, até à data da realização da Assembleia-geral solicitada pelos sócios B...S... e J...S..., a qual dentre outros pontos, expressamente visava a discussão da situação do arrendamento em causa. Acontece que, a V/ gerência não procedeu à marcação da dita Assembleia, optando por convocar uma outra, apenas para apresentação, discussão e deliberação acerca das contas de 2009. Sendo do N/conhecimento que tal Assembleia decorreu em 25 de Maio do corrente ano. Neste sentido, renovamos a denúncia do contrato operado em 1 de Março de 2010, solicitando que procedam à entrega do arrendado devoluto, no prazo máximo de 15 dias. Findo tal prazo, seremos forçados a intentar a competente acção de despejo, com todas as consequências daí advindas (...).".

            4. Tendo em conta as conclusões das alegações dos recorrentes (nº 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil), está em causa saber se o contrato de arrendamento em causa nestes autos cessou em 28 de Fevereiro de 2010, por efeito da denúncia operada pela “carta registada com aviso de recepção datada de 11 de Dezembro de 2009, recebida pela Ré em 14 de Dezembro de 2009” (ponto 3 dos factos assentes).

            Os recorrentes entendem que essa eficácia resulta da aplicação ao contrato do regime definido pelo NRAU; mas não têm razão, como o acórdão recorrido claramente justificou em termos que não merecem qualquer censura, e que têm em conta a devida aplicação do NRAU ao mesmo contrato.

            Pese embora a discussão inicial, resultante do confronto entre a petição inicial e a contestação, verifica-se que, afinal, as partes estão de acordo em que o contrato que celebraram em 1 de Março de 2004 se destinou a ter uma duração limitada – nos termos da cláusula 1ª, a duração de um ano. Está portanto ultrapassada a questão de saber se estaria em causa um contrato sem termo.

            Igualmente está assente que o local foi arrendado para que nele se exercesse a “indústria de cortiça” (cláusula 3ª).

            Nestes termos, e à luz do regime vigente à data do contrato, tratou-se de um contrato destinado ao exercício de “actividade industrial” e, portanto, de um “arrendamento para (…) indústria” (artigos 3º e 110º do RAU), especialmente sujeito ao disposto nos artigos 110º e segs. do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 329-B/90, de 15 de Outubro; em particular, ao seu artigo 117º, na redacção resultante do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de Setembro. O que significa que, quando o contrato foi celebrado, a respectiva cláusula 1ª, no que toca ao estabelecimento de um prazo de duração efectiva de um ano, era nula, por força da conjugação entre o artigo 117º do RAU, o nº 2 do artigo 98º igualmente do RAU e o artigo 294º do Código Civil, uma vez que, por norma imperativa, não era permitido estipular um prazo inferior a 5 anos.

            Assim, e sempre considerando o regime então em vigor, tem de concluir-se, à luz da regra definida pelo artigo 292º do Código Civil, que, não tendo sequer sido alegado que o contrato não teria sido celebrado “sem a parte viciada”, a nulidade de tal parte da cláusula 1ª não implicou a nulidade do contrato.

            A dúvida que então se poderia colocar era a de saber se o contrato se converteria num contrato de duração indeterminada, ou, diferentemente, se deveria então fazer-se funcionar o prazo mínimo definido para os contratos de duração limitada; no fundo, ponderando da aplicação do regime da integração dos negócios jurídicos (artigo 239º do Código Civil) e da conversão (artigo 293º, também do Código Civil).

            É claramente à luz do regime vigente no momento em que as partes contratam que se deve determinar o sentido das declarações negociais. Ora, assente que as partes celebraram um contrato de duração limitada – trata-se, aliás, de questão que não integra o objecto deste recurso, recorde-se – deve entender-se que vale o prazo mínimo previsto na lei, cinco anos – tal como entendeu o acórdão recorrido.

            Ou seja: à data da entrada em vigor do NRAU, o contrato dos autos era um contrato de duração limitada, por cinco anos, a vigorar desde 1 de Março de 2004.

            5. Os recorrentes pretendem que o NRAU se aplica à apreciação da validade da cláusula.

            É exacto que, de acordo com a nova lei, entrada em vigor “cento e vinte dias após a publicação” (artigo 65º) e, portanto, durante o período inicial de validade do contrato, é permitido às partes acordar livremente o regime de “duração, denúncia e oposição à renovação de arrendamentos para fins não habitacionais” (artigo 1110º, nº 1, do Código Civil); mas também é certo que este regime não pode, retroactivamente, tornar válida uma cláusula inválida à data da celebração do contrato. É o que resulta do nº 2 do artigo 12º do Código Civil e do nº 1 do artigo 59º do NRAU.

            Solução diferente, aliás, conduziria a que o conteúdo do contrato, tal como vigorava à data da entrada em vigor do NRAU, acabasse por ser modificado, não por acordo das partes, mas pela “revalidação” de uma cláusula nula, o que manifestamente não decorre do nº 1 do artigo 59º do NRAU: o novo regime aplica-se “às relações contratuais constituídas” que subsistam na data da sua entrada em vigor – aqui, um contrato de duração limitada, por cinco anos.

            Da aplicação do NRAU ao contrato dos autos não decorre, portanto, que o prazo acordado para a sua vigência seja de um ano e, portanto, que se tenha renovado sucessivamente por iguais prazos.

            6. Mas resulta que o regime de oposição à renovação é o que o NRAU prevê. Assim, e como se decidiu no acórdão recorrido, vale o disposto no nº 3 do seu artigo 26º: os contratos de duração limitada podem ser denunciados “no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de três anos, se outro superior não tiver sido previsto, sendo a primeira renovação pelo período de cinco anos no caso de arrendamento para fim não habitacional”.

Ora a data em que os recorrentes afirmam que cessou o contrato, 28 de Março de 2010, ocorreu em plena vigência da primeira renovação do contrato – iniciada, por 5 anos, em 1 de Março de 2009, nos termos do nº 3 do artigo 26º, aplicável segundo os nºs 1 e 3 do NRAU.

A acção não pode proceder.

            Não releva a invocação, em contrário, do disposto nos artigos 1067º, nº 1, 1079º, nº 1, 1096º, nº 2 e 1097º do Código Civil; não está em causa saber se o senhorio tem ou não o direito de denunciar o contrato, ou de se opor à respectiva renovação.

            7. Sempre se acrescenta que este acórdão não contradiz de forma alguma o que este Supremo Tribunal decidiu no seu acórdão de 27 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 971/08.9VPRT.P1.S1). Também ali se observou que as regras aplicáveis à validade de um contrato de arrendamento são as que vigoravam quando foi celebrado; e também agora se afirma a aplicação de princípio das regras no NRAU às relações contratuais existentes à data da sua entrada em vigor, nos limites traçados pelo seu artigo 59º.

8. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 12 de Junho de 2012.

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Lopes do Rego

Orlando Afonso