Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
738/20.6T9TVD.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: CARLOS CAMPOS LOBO
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
VÍCIOS DO ART.º 410 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FUNDAMENTOS
QUESTÃO NOVA
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
AVULTADA COMPENSAÇÃO REMUNERATÓRIA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 01/29/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I – Nos recursos cabíveis na alínea b) do nº 1 do artigo 432º do CPPenal, os recorrentes não podem invocar, como fundamento do recurso, a existência, no acórdão recorrido, de vícios decisórios, o que, em todo o caso, não impede o seu conhecimento oficioso.

II - Tem sido posição unânime do STJ que, no regime em vigor, os vícios decisórios e as nulidades referenciados no artigo 410º, nºs 2 e 3 do CPPenal, só constituem alicerce recursivo para o STJ nos casos previstos na alínea a) – recurso de decisão da relação proferida em 1ª instância – e alínea c) – recurso per saltum de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo – do nº 1 do artigo 432º do mesmo complexo normativo, não sendo pois, nos termos da alínea b) do mesmo nº 1 admissível recurso para o STJ com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do dito artigo 410º.

III – Assim, julgado pelo Tribunal de 2ª Instância um recurso interposto da decisão proferida em 1ª Instância, onde se suscitaram nulidades, o recorrente, discordando da decisão daquele, apenas pode impugnar esta última decisão e não (re)introduzir no recurso para o STJ a impugnação da decisão da 1.ª instância.

IV – Não se suscitando junto do Tribunal de segunda Instância, determinada questão ou questões, configura inovatória posição, a(s) submeter à apreciação deste STJ, um aspeto que não levou à ponderação daquele Tribunal pois, sendo certo que pode o recurso ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, por norma, não pode o mesmo ter outros que, por opção do recorrente foram excluídos do conhecimento na decisão em apreciação.

V - O recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial apenas pode ter como objeto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que sejam de conhecimento oficioso.

VI -  A ideia de avultada compensação remuneratória, agravante expressa na alínea c) do artigo 24º do DL nº 15/93, de 22 de janeiro, assenta num exercício de  ponderação global e conjugada de diversos fatores indiciários, de índole objetiva tais como, a qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, do volume de vendas / negócio / transporte, da duração da atividade, do seu nível de organização e de logística, do grau de inserção do agente na rede clandestina que forneçam / apontem para uma determinada imagem / ideia do valor da remuneração obtida ou que se visava obter.

VII – Nessa medida, a avultada compensação remuneratória pode não ressaltar imediata ou diretamente da prova do lucro conseguido ou a conseguir, não está dependente de qualquer estudo ou análise contabilística, consumando-se com a expetativa da obtenção de grandes lucros

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência na 3ª Secção Criminal


I – Relatório

1. No processo nº 738/20.6... da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., foi proferido acórdão, em 23-09-2022, com o seguinte dispositivo:

- Absolver o arguido AA da prática do crime de Tráfico e outras atividades ilícitas agravado, p. e p. pelos artigos 21º, nº 1 e 24, alínea h) do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-A, I-B e I-C anexa ao referido diploma, por que vinha pronunciado;

- Absolver a arguida BB da prática do crime de Tráfico e outras atividades ilícitas, p. e p. pelos artigos 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-C e I-B anexa ao referido diploma, por que vinha pronunciada;

- Absolver o arguido CC da prática do crime de Tráfico e outras atividades ilícitas, p. e p. pelo art.º 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-C e I-B anexa ao referido diploma, por que vinha pronunciado;

- Absolver o arguido DD da prática do crime de Tráfico e outras atividades ilícitas, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-C anexa ao referido diploma, por que vinha pronunciado;

- Condenar o arguido EE, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Tráfico e Estupefacientes na forma agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 21º, nº 1 e 24, alínea c) do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-B e I-C anexa ao referido diploma, por que vinha pronunciado, na pena de oito anos e seis meses de prisão;

- Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-A, I-B e I-C anexa ao referido diploma, na pena de cinco anos e seis meses de prisão;

- Condenar o arguido FF pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-C e I-B anexa ao referido diploma, por que vinha pronunciado, na pena de cinco anos de prisão;

- Condenar o arguido GG pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-C e I-B anexa ao referido diploma, por que vinha pronunciado, na pena de quatro anos e nove meses de prisão;

- Condenar o arguido HH pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-C e I-B anexa ao referido diploma, por que vinha pronunciado, na pena de quatro anos e nove meses de prisão;

- Condenar o arguido II pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-C e I-B anexa ao referido diploma, por que vinha pronunciado, na pena de quatro anos e seis meses de prisão;

- Condenar o arguido JJ pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-C e I-B anexa ao referido diploma, por que vinha pronunciado, na pena de cinco anos de prisão;

- Condenar o arguido KK pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-C e I-B anexa ao referido diploma, por que vinha pronunciado, na pena de cinco anos e seis meses de prisão;

- Condenar o arguido LL pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1 do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-C e I-B anexa ao referido diploma, por que vinha pronunciado, na pena de cinco anos e três meses de prisão;

- Condenar o arguido MM pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-C e I-B anexa ao referido diploma, por que vinha pronunciado, na pena de cinco anos de prisão;

- Condenar o arguido CC pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Tráfico de Estupefacientes de Menor Gravidade, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 21º, nº 1 e 25º, alínea a), ambos do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-C e I-B anexa ao referido diploma, na pena de um ano e seis meses de prisão;

- Condenar o arguido NN pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-C e I-B anexa ao referido diploma, por que vinha pronunciado, na pena de cinco anos e seis meses de prisão;

- Condenar o arguido OO pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelo artigoº 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-C e I-B anexa ao referido diploma, por que vinha pronunciado, na pena de cinco anos de prisão;

- Condenar o arguido DD pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Tráfico de Estupefacientes de Menor Gravidade, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 21º, nº 1 e 25º, alínea a), ambos do DL nº 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-C e I-B anexa ao referido diploma, na pena de um ano e seis meses de prisão;

- Suspender por período idêntico ao da respetiva medida, as penas de prisão em que foram condenados os arguidos GG; II; OO; MM; CC e DD, condicionando-se tal suspensão a regime de prova que compreenda, entre o mais, o cumprimento das seguintes obrigações:

a) Consolidação de integração laboral;

b) Enriquecimento curricular compatível com a rotina familiar e/ou laboral do arguido, que favoreça aquela integração;

c) Inserção em atividades de ocupação de tempos livres promotoras do desenvolvimento pessoal e do sentido cívico;

d) Frequência de consultas da especialidade com vista quer ao despiste de eventual dependência de aditivos quer ainda de necessidade de Psicoterapia para aprimoramento de competências do domínio da Inteligência Emocional, e observância do tratamento, acompanhamento e/ou encaminhamento que lhe venham a ser prescritos.

(…)


*


2. Inconformados com o decidido, os arguidos EE1, AA, FF, HH, JJ, KK, LL e NN, recorreram para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, suscitando as seguintes questões2:

(…)

- vícios do artigo 410º do CPPenal;

- falta de fundamentação.

3. Por Acórdão datado de 11 de outubro de 2023, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa – ...ª Secção -, pronunciando-se sobre as questões suscitadas pelos arguidos recorrentes, decidiu negar provimento aos recursos da decisão final e, em consequência, manter nos seus precisos termos o acórdão recorrido.

4. Discordando deste decidido, veio recorrer, para este Supremo Tribunal de Justiça, o arguido EE, questionando o aresto prolatado, retirando das suas motivações, as seguintes conclusões: (transcrição)

A) O Tribunal a quo condenou o arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na forma agravada previsto e punido pelos artigos 21º e 24º do Decreto - Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses.

B) O tribunal a quo não se pronunciou quanto à arguição de nulidade da prova recolhida por via dos “metadados”, geo-localização, trace - back e registo de chamadas e mensagens os quais foram determinantes para considerar como provado a forma agravada do crime imputado.

C) À data da existência de tais elementos (geolocaliazação, trace - back e registo de chamadas e mensagens) não existia qualquer despacho judicial a permitir a realização de intercepções telefónicas D) O tribunal não se pronunciou quanto às restrições probatórias decorrentes da utilização dos metadados

E) O arguido não devia nem podia ter sido condenado pela forma agravada do tipo de crime imputado

F) Razão pela qual impõe-se a revogação do acórdão nesta parte e correspondente reenvio do processo para novo julgamento com a indicação expressa que dos factos dados como provados de 1 a 572º terão que ser expurgados os factos relativos às deslocações a Espanha e a Marrocos, melhor indicados a fls..

G) Deve ser revogado o acórdão quanto à pena aplicada, em consequência da não verificação da agravação do crime, e substituído por outra próxima dos limites mínimos previstos.

5.O Digno Ministério Público, junto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não apresentou qualquer resposta.

6. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu competente parecer, defendendo: (transcrição)3

(…)

O recurso incide predominantemente sobre a validade da prova assente nos denominados metadados, no contexto da qual invoca omissão de pronúncia, na errada qualificação jurídica quanto à agravação do tráfico de estupefacientes e, em decorrência, na medida da pena aplicada.

(…)

Quanto à validade da prova assente em metadados e omissão de pronúncia quanto a essa valoração e a invocação das correspondentes nulidades:

Importa abordar previamente a inviabilidade do conhecimento por este Supremo Tribunal dos apontados vícios e invalidades da decisão, pois é na ligeira invocação desses vícios e nulidades que se centram as poucas conclusões apresentadas no recurso, questões que são suscitadas sem a menor correspondência com a realidade processual.

Vejamos.

Sendo a competência a medida da jurisdição de um tribunal, delimitada em função da matéria, da hierarquia, etc., a competência decisória do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos, nas causas de natureza penal, está principalmente restringida à matéria de direito (artigos 46.º da LOSJ e artigo 434.º do Código de Processo Penal).

(…)

O âmbito ou objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da motivação do recorrente ( cf. artigos 402.º, 403.º e 412.º do Código de Processo Penal), as quais fixam os poderes de cognição do tribunal ad quem.

Estão invocados como fundamento do recurso os vícios e nulidades previstos no artigo 410.º, n.º 2 e 3, do Código de Processo Penal.

(…)

Decorre do atual regime de recursos, por via das alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei n.º 94/2021, de 21 de Dezembro (ampliando o regime de admissão de recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça1), que apenas nas situações previstas no artigo 432.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal, o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer da invocada existência dos vícios da decisão previstos no n.º 2 do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, em conformidade com o artigo 434.º do Código de Processo Penal “O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do artigo 432.º.”.

Com fundamento nos vícios previstos no n.º 2, do artigo 410.º do Código de Processo Penal ou com fundamento em nulidade não sanada (artigo 379.º, .º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), apenas cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões das relações proferidas em 1.ª instância ou nos casos de recurso per saltum, de acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos.

Vale por dizer que, fora dos casos previstos no artigo 432.º, n.º 1, alínea a) e c), do Código de Processo Penal, não é admissível recurso de acórdão da relação proferido em recurso com um dos fundamentos previstos no artigo 410.º, n.º 2 e n.º 3, do Código de Processo Penal, pois com esses fundamentos apenas é admissível recurso de decisões proferidas em 1.ª instância, incluindo a Relação, se os demais pressupostos legais também estiveram verificados.

Porém, continua a estar salvaguardada a possibilidade de, oficiosamente, o Supremo Tribunal de Justiça tomar a iniciativa de examinar a existência dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (cf. AUF n.º 7/95).

É jurisprudência consensual que essa sindicância apenas deve ter lugar quando tal se torne imperioso e indispensável para proferir a decisão de direito, ainda ou apesar do pedido (inadmissível) das partes4.

Trata-se, assim, de um conhecimento oficioso, da iniciativa do Supremo Tribunal de Justiça, de natureza excecional, como último remédio contra vícios manifestos no julgamento da matéria de facto.

Por via desse conhecimento oficioso procura-se salvaguardar a verdade material ou a justiça de uma condenação, que não pode estar sustentada em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em manifesto erro de apreciação ou assente em premissas contraditórios, ilações incompreensíveis ou erróneas (juízos irrazoáveis, temerários, inverosímeis ou arbitrários), i.e., com a gravidade inerente a um dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal5.

A existirem esses vícios, ocorre nulidade da decisão e o processo é, por regra, reenviado para novo julgamento (cf. artigo 426.º, do Código de Processo Penal).

Ora, o recurso interposto recaiu sobre decisão proferida pelo tribunal da Relação que, por sua vez, decidiu de recurso da decisão de 1.ª instância, e tem também, e principalmente, por fundamento os vícios previstos no n.º 2, do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

Assim sendo, com fundamento nos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal ou nulidades não sanadas, de acordo com o n.º 3 respetivo, não é admissível recurso de acórdãos da Relação quando tirados em recurso de decisão de 1.ª instância, ainda que o mesmo tenha sido admitido (cf. artigo 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).

Estando a decisão impugnada transitada em julgado, ela é ordinariamente irrecorrível e os alegados vícios radicam apenas na discordância do recorrente quanto à valoração da prova que, por si e em si mesma, é inconsequente.

Por fim a ter–se por pertinente a apreciação dos argumentos que, a propósito desses vícios e nulidades, por mero exercício de lealdade processual, a nosso juízo, sempre os argumentos do recorrente não mereceriam substancial procedência, como bem demonstrou o acórdão recorrido, que contrariou ponto por ponto esses aspetos do recurso relativos aos erros–vícios e cujos fundamentos decisórios se subscrevem (…)

(…)

Quanto à errada qualificação do crime de tráfico de estupefacientes agravado, com a consequência da redução da medida da pena aplicada:

(…)

O recorrente considera que a sua conduta não pode ser integrada no crime de tráfico de estupefacientes agravado, conforme p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al. c), do DL. 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-B e I-C anexa ao referido diploma e, no pressuposto de que assim seja, pede que a pena seja aplicada concretamente próxima do mínimo legal correspondente à forma simples do crime imputado.

A pena foi fixada em 8 anos e 6 meses de prisão, dentro de uma moldura de 5 a 15 anos de prisão, por via da agravação da alínea c), do artigo 24.º da Lei 15/93, que dispõe que: “As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se:[…] c) O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória;[…]”

Vejamos, brevemente, se há que reconhecer algum erro na qualificação jurídica.

A questão não foi adequadamente posta no recurso interposto para o TRL. Ainda assim, ditou o TRL o seguinte, ao apreciar a inexistência de erros–vícios a que se agarrou o recorrente:

“A tese do recorrente não merece acolhimento, pois ficou claro, pela prova produzida, a existência das respetivas condutas com que o ora arguido/recorrente agiu e que a lei tipifica como crime de tráfico de estupefacientes na forma agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.º 21º, n.º 1 e 24, al. c) do DL. 15/93 de 22/1, por referência às tabelas I-B e I-C anexa ao referido diploma. Em suma, cotejando o teor do acórdão recorrido, face ao expendido, facilmente se verifica que do seu teor não resulta a ocorrência de quaisquer dos vícios constantes do artigo 410º, número 2 do Código Processo Penal, considerando que todos os vícios ali elencados são de conhecimento oficioso, e não só os invocados pelo recorrente. Termos em que improcede, também nesta parte, o recurso.”.

Quanto à qualificação jurídica da conduta imputada ao ora recorrente e que justificou a sua condenação, o tribunal de 1.ª instância considerou:

(…)

A qualificação jurídica, escrutinada pela decisão condenatória nos termos que se deixam transcritos, não merece qualquer censura, como implicitamente não a mereceu pelo TRL, que a confirmou, razões suficientes e necessárias para concluir pela correta qualificação jurídica da conduta.

(…)

No que à medida da pena respeita:

O recorrente assenta a tese de que a pena aplicada é excessiva no pressuposto de que a qualificação jurídica pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado estava incorreta.

Como vimos que não está, não há fundamento para adiantar argumentos, já que isso corresponderia a suplementar, aditando argumentos que o recorrente omite quanto à pena aplicada, pois parte do pressuposto de que a agravação não se verificava, nada tendo alegado para a eventualidade de assim não ser.

Por via disso, não tem este Supremo Tribunal de Justiça que conhecer de matéria que não lhe é submetida a decisão.

Em todo o caso, sempre diremos que o crime em causa e a relevância dos bens jurídicos ofendidos ou postos em perigo reclama elevada satisfação das necessidades de prevenção geral pela afirmação da validade ou mesmo reforço da norma jurídica violada, onde se encontram ainda razões para dar satisfação ou resposta ao alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam e das conhecidas consequências para a comunidade a nível de saúde pública e efeitos colaterais, pelo que há que atender ao sentimento coletivo de segurança próprio de um Estado de Direito fundado na legalidade democrática, cuja tutela é, em certos casos, antecipada em face da especial perigosidade de determinadas condutas, como acontece com os crimes de perigo - de que o tráfico de estupefacientes é exemplo -, além da inerente gravidade, elucidada no artigo 51.º do DL 15/93 de 22/1, que equipara os crimes de tráfico dos artigos 21.º a 24.º e 28.º aos crimes de terrorismo, criminalidade violenta e altamente organizada, para os efeitos do disposto no artigo 1.º do Código de Processo Penal.

Considerou o tribunal da condenação, no que foi implicitamente secundado pelo TRL, que, quanto ao recorrente:

(…)

É uma pena que respeita as exigências de prevenção especial (que fazem alinhar todos os fatores enunciados no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, com as exigências de que a condenação, mormente em pena de prisão, tenha como objetivo a reintegração do delinquente na vida em sociedade sem cometer mais crimes), atendendo a que o recorrente não se manteve fiel ao Direito antes e durante a atividade criminosa em que se envolveu, pois não era inédita a prática de tal crime no seu percurso de vida, que chegou a determinar a sua condenação e cumprimento efetivo de pena de prisão.

Nesta medida, a pena aplicada é uma pena que também não está em desconformidade com os parâmetros que têm sido seguidos pela jurisprudência deste tribunal superior (…)

(…)

Em suma, a pena concreta aplicada respeita os princípios constitucionais da intervenção mínima, da proporcionalidade das penas e da igualdade, e sobretudo o princípio da culpa, pois a realização da justiça penal num Estado de Direito democrático tanto se alcança na proibição da punição sem culpa ou para além da culpa (nulla poena sine culpa – princípio da proibição do excesso), como se cumpre por meio de uma punição adequada dos culpados, quando necessária for para salvaguarda do interesse púbico subjacente ao respeito pelo Direito do próprio Estado (nulla culpa sine poena – princípio da realização do Estado de Direito); ou seja, a adequada proteção de bens jurídicos, enquanto finalidade principal das penas, deve estar alinhada com a reintegração tão rápida quanto possível da arguida em sociedade.

Neste caso, a reintegração ocorrerá através do cumprimento efetivo da pena aplicada, que não é de todo excessiva, mas antes adequada e necessária à reação penal que o caso justifica, situando–se pouco acima do 1/3 do intervalo da pena abstrata aplicável.

Da leitura da decisão recorrida resulta terem sido considerados os fatores relevantes: ilicitude moderada para o tipo de crime agravado, culpa elevada, correspondente ao dolo direto, exigências elevadas de prevenção geral, exigências muito elevadas de prevenção especial face aos antecedentes homólogos que pouco ou nada preveniram quanto à reincidência, tendo assim sido devidamente ponderado o percurso criminal que, no caso concreto, acentua sobremaneira e evidentemente as exigências de prevenção especial.

Assim, a pena aplicada pelo tribunal recorrido revela–se uma pena necessária, justa e adequada, por estar dentro do quadro proporcional da culpa e por atender às necessidades de prevenção geral e especial.

(…)

o recurso deverá ser julgado improcedente, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido.

Não foi apresentada qualquer resposta.

7. Após redistribuição dos autos ao ora Relator, em 14 de janeiro de 20256, foi efetuado o exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Questões a decidir

Face ao disposto no artigo 412º do CPPenal, considerando a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de outubro de 19957, bem como a doutrina dominante8, o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo da ponderação de questões de conhecimento oficioso que possam emergir9.

Isto posto, e vistas as conclusões do instrumento recursivo trazido pelo arguido recorrente, nem sempre consentâneas com tudo o que refere nas motivações, e os poderes de cognição deste tribunal, importa apreciar e decidir, as seguintes questões:

- admissibilidade recursiva e sua dimensão;

- nulidade da prova;

- omissão de pronúncia por ausência de posicionamento quanto às restrições probatórias;

- integração jurídica dos factos e pena aplicada.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos: (transcrição10)

Da Acusação, das Contestações e da discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

ARGUIDO EE

(…)

1. Pelo menos desde meados de 2017 e até ao dia 25 de Março de 2021 que o arguido EE se vinha dedicando à compra de estupefaciente, designadamente cocaína e canábis nos seus vários estados de apresentação (erva, placas de pólen de haxixe e bolotas de resina de canábis), para posterior revenda na zona Oeste, nomeadamente concelho de ... e localidades limítrofes, fazendo desta actividade o seu meio de subsistência.

2. O arguido vivia em casas arrendadas e utilizava viaturas alugadas à empresa “...”.

3. O arguido EE viajou para a Tailândia no dia 21 de Dezembro de 2019, tendo regressado no dia 05 de Janeiro de 2020.

4. No dia 13 de Fevereiro de 2020, viajou para ..., Brasil, tendo regressado no dia 19 de Fevereiro.

5. Nos dias 09 a 11 de Março de 2020, viajou para a Espanha e Marrocos acompanhado por PP.

6. Foi ao Dubai no dia 13 de Setembro de 2020 e regressou na manhã do dia 30 de Setembro.

7. No dia 18 de Janeiro de 2021, foi ao Brasil, tendo regressado dia 21 de março de 2021.

8. Além da residência sita na Praceta ..., ..., o arguido EE tinha ainda a posse do imóvel sito em Rua ... – ....

9. Utilizava o número ...91 pelo menos entre Outubro de 2019 e Março de 2021.

10. O arguido EE adquiria estupefaciente a pessoa cuja identidade não se logrou apurar, pelo menos, em Espanha - chegando aí a deslocar-se acompanhado pelo menos duas vezes por PP -, e no ....

11. No que respeita à canábis (folha) o arguido EE comprava-a, chegando a fazê-lo, em número de vezes não apurado, por valor não inferior a €2,00 o grama, vendendo-a aos seus revendedores a €2,50 por grama, os quais, por sua vez, a vendiam por valor não inferior €5,00 o grama, ficando com a diferença de lucro.

12. O que chegou a render ao arguido EE um lucro de €500,00 por quilo só na venda aos revendedores na canábis folha, em número de vezes não concretamente apurado.

13. Assim, para o dito efeito, entre o dia 17 de Outubro de 2019 e o dia 25 de Março de 2021, o arguido EE deslocou-se a Espanha pelo menos 63 vezes, designadamente às localidades de ..., a ..., a ..., a ..., a ..., a ... em ... e a ... em ....

14. De entre as ditas viagens, fez-se acompanhar do arguido LL na do dia 22.10.2019; pelo arguido NN na do dia 22.12.2020; pelo arguido FF nas dos dias 15 e 27 do 7/2020 e do dia 14.08.2020; e do arguido AA, nas dos dias 04.11.2019, 21.11.2019, 28.11.2020, 30.11.2020, 1.12.2020, 2.12.2020 e 3.12.2020, arguidos aos quais entregou contrapartida não concretamente apurada.

15. No dia 14 de Janeiro de 2020, o arguido EE deslocou-se ao ... com um indivíduo desconhecido, em viaturas diversas, mais uma vez em execução do seu esquema habitual, para comprar estupefaciente.

16. No dia 2 de Dezembro de 2019, pelas 19h54, o arguido AA liga ao arguido EE mantendo, a certa altura, o seguinte diálogo:

NS: Atão querias falar comigo o quê?

JM: Hum é das viagens!

NS: Apois eu fala41, depois eu falo contigo.

JM: mas era, mas isso.

NS: (imperceptível) Depois fala, agora não dá.

JM:Tá bem, não dá, não dá.

NS: imperceptível

JM:Hã?

NS:Agora de momento não há!

(…)

17. Na viagem a Espanha ocorrida no dia 28 de Novembro de 2020, em que foram em diferentes viaturas e horário, o arguido EE, pelas 13h00, liga ao arguido AA a informá-lo que QQ, a quem havia telefonado pelas 11h45 a pedir €100,00 emprestados, iria ter consigo para lhe dar €100,00 para fazer a viagem até ao seu encontro no ... e que, para voltarem, o mesmo tinha dinheiro.

18. E no dia 4 de Dezembro de 2020, após a viagem a Espanha no dia anterior, o arguido EE instruiu o arguido AA para ir fazer a entrega da viatura alugada por este utilizada na viagem.

19. No dia 11 de Dezembro de 2020, pelas 7h38, o arguido EE liga ao arguido AA para saber se o mesmo está pronto para seguirem para Espanha, ao que aquele responde que está doente ficando a viagem agendada para a terça-feira seguinte.

20. No dia 19 de Dezembro de 2020, pelas 12h29, o arguido EE liga novamente ao arguido AA para acertar as coisas para a viagem agendada para dia 22, nomeadamente no que respeita a trazer de Espanha uma viatura da empresa “...”, onde alugou os carros para, pelo menos, algumas destas viagens, que se encontra ali apreendida, viagem que veio a ser feita pelo arguido NN.

21. No dia 1 de Dezembro de 2019, o arguido EE deslocou-se ao ... para adquirir estupefaciente.

22. No dia 20 de Janeiro de 2020, o arguido EE deslocou-se a Espanha com um individuo desconhecido e em viaturas diversas, mais uma vez em execução do seu esquema habitual, para comprar estupefaciente.

23. No dia 11 de Março de 2020, o arguido EE deslocou-se ao ... na viatura com a matrícula ..-TA-...

24. No dia 1 de Junho de 2020 o arguido EE deslocou-se mais uma vez a Espanha para adquirir estupefaciente, o mesmo sucedendo no dia 20 de Julho, sendo que, neste dia - no regresso -, se deslocou directamente à ....

25. No dia 10 de Julho de 2020, o arguido EE deslocou-se mais uma vez a Espanha para adquirir estupefaciente, desta vez com a colaboração de um individuo espanhol que vinha a servir de batedor e com o qual ficou irritado porque não o avisou que estava a polícia na estrada perguntando se queria que fosse preso.

26. No dia 7 de Novembro de 2020, pelas 13h48, o arguido EE deslocou-se mais uma vez a Espanha para comprar estupefaciente, perguntando a um individuo espanhol se tinha tudo pronto para quando chegasse ser só pegar e vir embora, dizendo que dentro de três horas estaria lá.

27. No dia 7 de Dezembro de 2020, pelas 18h14, o arguido EE liga para o seu fornecedor que lhe diz que tem de ir a “...” e pergunta se não quer levar 2 caixas, ao que aquele diz que sim, que traz 2 caixas e depois vai buscar mais uma, combinando ir lá no dia 10, contudo nesse dia, quando ia a caminho, teve um acidente de viação e informa o fornecedor que se vem embora e que o dinheiro está na viatura do acidente, dizendo-lhe aquele para ele ficar tranquilo que vai dizer ao chefe para lhe guardar as 3 caixas informando-o que cada caixa pesa 30kg.

28. Em intervalo de tempo não apurado mas compreendido no período temporal mencionado em 1, de entre os indivíduos que o arguido EE forneceu de estupefaciente, encontravam-se, pelo menos, os arguidos AA, GG, HH e KK sendo que os arguidos AA, GG, BB, HH, FF, II, KK e JJ eram consumidores de estupefacientes.

29. Para o efeito, o arguido EE manteve encontros regulares com os referidos arguidos, entre o mais, para entregar estupefaciente e receber o respectivo pagamento.

30. Na sequência da reclamação do arguido GG da qualidade do estupefaciente, no dia 18 de Outubro de 2020, pelas 17h03, o arguido EE manda-lhe uma mensagem a exigir-lhe o pagamento do valor de estupefaciente que lhe deve até ao dia seguinte e no dia 8 de Janeiro de 2021, desentendendo-se com aquele por causa do dinheiro que o mesmo lhe deve.

31. No dia 30 de Novembro de 2020, pelas 10h28, o arguido EE liga para o arguido FF a perguntar se tem dinheiro para lhe dar, perguntando-lhe“tens isso aí para mim”, e aquele responde que “tenho algum, anda cá”, dizendo o arguido EE que vai ter com ele pedindo-lhe o arguido FF boleia para a ....

32. No dia 19 de Outubro de 2019, o arguido EE troca mensagens com o arguido AA que lhe diz “Assim tenho que ir para outra obra, é?” dizendo o arguido EE que fizesse como quisesse desde que pagasse o que lhe deve até final do mês, acabando aquele por dizer que no Sábado acertaria as contas com o arguido EE

33. No dia 31 de Outubro de 2019, o arguido AA tenta que o arguido EE lhe venda produto estupefaciente à consignação para poder pagar o que lhe deve, dissimulando a conversa com recurso as expressões relacionadas com obras e materiais de construção, mas aquele diz que só lhe volta vender após saldadas as contas, mantendo nessa ocasião o seguinte diálogo (sessões n.º ...88 e ...17-Ap. ...):

JM: Já tens material para acabar o resto da obra, como é que é?

NS :Pá, eu quando isso não tiver resolvido eu não faço (im) disso meu

JM: Atão foda-se, mas eu, essa parte daquela obra está resolvido!

NS: Tá o quê(..) tás louc ou que?

34. No dia 16 de Dezembro de 2019, pelas 18:32, o arguido EE liga para o arguido AA e mantém, a certa altura, o seguinte diálogo:

(…)

NS: Tu tens que fazer uma coisa, é agarrares em ti e ires para um centro ou um centro de recuperação e é fazer uma desintoxicação!

(…)

NS: Eu sou o gajo que te ajudo, pus o carro para tu venderes e tu entregaste (imperceptível), a tão, o outro ganhou mil euros e tu ganhaste o quê, ganhaste caralhos, pá.

(…)

Fodeste quatro mil euros em duas ou três semanas (..)

JM:Tá bem , eu sei, eu sei, agora também não tenho ninguém que me dê a mão

(…)

NS: Quantas vezes avisei-te..

JM: Tu assim até lá não me vais ajudar é isso?

(…)

NS:Ajudar o quê olha lá não te estou a ajudar, atão onde tá o meu dinheiro, eu tou a ajudar onde tá esse dinheiro meu

(…)

JM: Queres, queres que te leve isso tudo!

NS: O meu dinheiro, im, que eu te emprestei vá foda-se

Eu te ajudo, arranjo-te um negócio hã, (…) para ganhares dois mil euros.. eu agora comprei dois carritos e arranjo-te negócio para ganhar dinheiro agora tu vais fazer uma coisa, vais vendê- lo agora desenrasca-te a vendê-lo, tas a ouvir eu te arranjo

JM:Atão onde é que eu posso ir ver o carro?

(...)

NS: Há, atão é, amanhã vou te amostrar, são dois que eu comprei, tá bem?

JM: Tá.42

(...)

35. Pelas 10:57 do mesmo dia, o arguido EE já o tinha acusado de lhe mentir e de lhe gastar dinheiro.

36. Sendo que este [arguido AA], no dia 19 de Janeiro de 2020, pelas 18h00, liga para o arguido EE para tentar retomar o negócio com ele, mas este diz-lhe que, enquanto não lhe pagar os €800,00 que lhe deve, não há mais negócio nenhum entre os dois, até porque perdeu a confiança nele porque o mesmo se descontrolou e andava a consumir cerca de 3 a 4gr. de cocaína por dia.

37. No dia 23 de Janeiro de 2020, quando contactado telefonicamente por RR, que pretendia adquirir cocaína, o arguido EE forneceu-lhe o número de telefone do arguido HH e, quando este não a atendeu, deu-lhe o número do arguido GG.

38. No já mencionado período, em número de vezes não apurado e cuja dada concreta não se logrou apurar, o arguido EE deu gratuitamente a RR, consumidora de cocaína, estupefaciente.

39. No dia 16 de Dezembro de 2020, pelas 17h20, RR ligou ao arguido EE a pedir-lhe estupefaciente, respondendo aquele que está em “Stand by”, perguntando aquela se não foi ao ..., ao que o arguido EE diz que não e que talvez dia 21, 22 ou 23 já tenha estupefaciente, mantendo, a dado passo, o seguinte diálogo:

MM: Tá bem mas ouve lá, então mas não… não correu bem, tipo, não…não foste até ao ... dar… no fim de semana tipo passar um…

NS: Não não, não, não, não. Não.

MM: Ok.. Atão, atão pra mim não é conversa, é isso? Ainda?

NS: Por enq.. ainda não. Eu depois…

MM: Então e não me sabes dizer mais ou menos, eh pá, tipo é melhor…

NS: Eh á, não sei não.. não sei.. talvez a partir … do dis vinte eum, vinte dois ou vinte e três, sei lá..

40. SS, consumidora de canábis, conheceu o arguido EE em meados de 2017, com quem ganhou alguma proximidade, data em que lhe adquiriu um grama de cocaína pelo valor de €50,00.

41. A partir daí e entre o início de 2018 e finais de 2020, adquiriu-lhe, com a periodicidade de uma a duas vezes por semana, um grama de cocaína pelo valor de €50,00, chegando igualmente a comprar-lhe €10,00 de canábis (resina/folha) por várias vezes, sendo que a maior parte da canábis que esta consumiu lhe era oferecida pelo arguido EE a título gratuito, com quem contactava através do Messenger e Whatsapp combinando encontrarem-se e fazendo a transação nesses locais, sendo que este, quando não dispunha de estupefaciente, a encaminhava-a para os arguidos AA e GG.

42. Desde, pelo menos, Janeiro de 2019, QQ, amigo de infância do arguido, adquiriu-lhe em número não inferior a 3 vezes 125 gramas de canábis (folha) pelo valor total não inferior a €900,00 para dar ao seu filho dependente de estupefaciente.

43. No dia 18 de Outubro de 2020, quando o arguido EE se encontrava em ..., Espanha, na companhia de PP, em mais uma das suas viagens para adquirir estupefaciente, deu a esta canábis (folha) para fumar a fim de apurar da qualidade do que estava a comprar, perguntando-lhe depois via telefónica se era bom, como aliás já havia acontecido por mais do que uma vez noutras ocasiões em que lhe dava 5,0gr. de canábis resina para consumir.

(NUIPC: 16/21.3...)

44. No dia 25 de Março de 2021, pelas 18h15, o arguido EE circulava na viatura alugada da marca Opel com a matrícula ..-UL-.. pela ..., km..., no regresso de mais uma viagem a Espanha para comprar estupefaciente, trazendo consigo e detendo, na mala da viatura, dentro de um saco de plástico, 12 embalagens contendo canábis (resina), vulgo haxixe, com o peso total de 9.500kg.

45. Para além disso, EE trazia consigo €705,00 e um telemóvel da marca Samsung, modelo ... com os IMEI`s ...11 e ...19.

46. Na sua residência, sita na Praceta ..., ..., o arguido EE possuía, na sala:

- Um telemóvel da marca Samsung, modelo ... com os IMEI`s ...39 e ...37; e

- Um caderno de argolas A4, capa laranja, com nomes, valores, números de telefone e outras anotações;

47. A canábis resina referida no ponto 66º - 9.500 Kg -, apresentava um grau de pureza de THC de 4,8% e os 3,011kg tratavam-se de canábis folha com um grau de pureza de THC de 12%, suficiente para 7228 doses diárias individuais.

48. Em todas as ocasiões supracitadas, o arguido EE entregou o produto estupefaciente aos vários consumidores que o contactaram e recebeu o respectivo preço em numerário.

49. O arguido EE agiu com o propósito conseguido, de comprar, importar, transportar, deter, ceder e vender estupefaciente para com isso obter compensação pecuniária, tendo perfeito conhecimento da natureza e características do produto que detinha, bem sabendo que não estava autorizado para o efeito e que, dadas as suas características, o não podia comprar, importar, transportar, deter, ceder e vender.

50. Agiu ainda com o propósito de retirar desta sua actividade, que sabia ilícita, um elevado proveito económico por forma a sustentar o seu estilo de vida, bem sabendo que o mesmo provinha de uma actividade ilegal e que, por isso, a ele não tinha direito.

(…)

52. No que respeita à cocaína e canábis (resina/folha), AA adquiriu ao arguido EE.

53. Assim, no dia 29 de Outubro de 2019, pelas 13h12, o arguido AA enviou uma mensagem ao arguido EE com o seguinte teor: “Assim tenho que ir para outra obra, é?”, respondendo-lhe o arguido EE que fizesse como quisesse desde que pagasse o que lhe deve até final do mês, acabando aquele por dizer que no Sábado acertaria as contas com o arguido EE assunto que volta a ser aflorado no dia 31 desse mês.

54. Já no dia 3 de Dezembro de 2019, pelas 22h49, o arguido EE liga para o arguido AA e pergunta-lhe quando lhe paga a dívida de €150,00.

55. No exercício desta sua actividade, o arguido AA utilizava os números ...62 e ...24,

(…)

66. Por indicação do arguido EE, SS, consumidora de estupefacientes, adquiriu ao arguido AA, entre data não concretamente apurada de 2018 e início de 2020, um grama de cocaína pelo valor de €50,00, pelo menos três vezes, sendo que, em duas delas o arguido EE acompanhou-a a ... e ..., locais combinados para a transação.

(…)

84. De acordo com o plano delineado, o arguido EE seguiria à frente do arguido AA numa viatura a fazer de batedor e este transportava o estupefaciente noutra viatura, seguindo atrás da do arguido EE, mantendo uma distância que permitisse uma manobra de evasão em caso de alerta daquele para a existência das autoridades policiais na estrada.

85. No âmbito do acordado, realizaram as seguintes viagens:

1 - No dia 4 de Novembro de 2019 a ..., Espanha, saindo da ..., pelas 14h00, entrando novamente em território nacional no mesmo dia pelas 22h54, chegando à ... no dia 5 pela 1h27;

2 - No dia 21 de Novembro de 2019, a ..., Espanha, saindo da ... pelas 15h08, entrando novamente em território nacional no mesmo dia pelas 23h17, chegando a ... no dia 22 pelas 2h00;

3 - No dia 28 de Novembro de 2020, em que o arguido AA fez a viagem para o ... na tarde desse dia, pernoitou numa estação de serviço e só passou a fronteira para Espanha no dia 29, indo ao encontro do arguido EE em ..., tendo regressado a casa no mesmo dia

4 - No dia 30 de Novembro de 2020, saindo de ... pelas 11h24 chegando à ... no mesmo pelas 23h23;

5 - No dia 1 de Dezembro de 2020, a ..., Espanha, saindo de ... pelas 7h05, chegando a ... no mesmo dia pelas 17h48, em viaturas diversas conforme acordado, acabando o arguido AA por se perder, sendo repreendido pelo arguido EE

6 - No dia 2 de Dezembro de 2020, saindo de ... pelas 4h35 chegando a ... no mesmo dia pelas 16h35;

7 - No dia 3 de Dezembro de 2020, saindo de ... pelas 10h31, chegando a ... no mesmo dia pelas 20h41. (Ap. ... – Localizações Celulares das viagens efetuadas, Ap. ... – Mapas de Localizações Celulares das viagens)

86. Após chegar da primeira das viagens referidas, pelas 2h52, o arguido AA envia uma mensagem a TT com o seguinte teor (dia 05.11.19 às 02:53: sessões n.º ...90, ...91, Ap. ... ...º Vol.) :

Amor já cheguei a casa e já tá encaminhado o trabalho de hoje abstr

(…)

93. O arguido AA agiu, de comum acordo e em comunhão de esforços com o arguido EE no que às viagens a Espanha diz respeito, com o propósito conseguido de comprar, importar, transportar, deter e vender estupefaciente, para com isso obter uma compensação pecuniária, tendo perfeito conhecimento da natureza e características do produto que detinha, bem sabendo que não estava autorizado para o efeito e que, dadas as suas características, o não podia comprar, transportar, importar, deter ou vender.

(…)

94. Pelo menos desde Junho de 2020 e até dia 18 de Maio de 2021, que o arguido FF se vinha dedicando, à compra de estupefaciente, designadamente cocaína e canábis nos seus vários estados de representação (erva, placas de pólen de haxixe e bolotas de resina de canábis), o qual chegou a comprar ao arguido EE a um preço abaixo do de venda final, para posterior revenda a terceiros consumidores no concelho de ... e localidades limítrofes, a troco de quantias pecuniárias, fazendo dessa actividade um dos seus meios de subsistência.

95. Para o efeito, o arguido FF utilizava o número ...10.

(…)

104. Com vista a rentabilizar ainda mais o negócio, o arguido FF acedeu ao proposto pelo arguido EE em data não concretamente apurada de Julho de 2020, mas anterior a dia 15, para, em comunhão de esforços com este, se deslocarem a Espanha ao seu fornecedor de estupefaciente, para fazer o transporte de estupefaciente em troca de compensação não concretamente apurada.

105. No âmbito do acordado com o co-arguido EE, realizaram uma primeira viagem no dia 15 de Julho de 2020 a ..., Espanha, saindo da ..., pelas 13h00, regressando no dia 16 pelas 00h13, e uma segunda no dia 27 de Julho, igualmente a ..., saindo de ... pelas 8h40, regressando à ... no dia 28 pelas 4h18.

(…)

110. O arguido FF agiu, de comum acordo e em comunhão de esforços com o arguido EE no que às referidas viagens que efectuou diz respeito, com o propósito conseguido de comprar, transportar, importar, deter, ceder e vender estupefaciente, para com isso obter uma compensação pecuniária, tendo perfeito conhecimento da natureza e características do produto que detinha, bem sabendo que não estava autorizado para o efeito e que, dadas as suas características, o não podia comprar, transportar, importar, deter, ceder nem vender.

(…)

111. Pelo menos desde o início de 2019 e até dia 18 de Maio de 2021, que o arguido GG se vinha dedicando à compra de estupefaciente, nomeadamente cocaína e canábis nos seus vários estados de apresentação (erva, placas de pólen de haxixe e bolotas de resina de canábis), o qual comprava ao arguido EE a um preço abaixo do de venda final, para posterior revenda a terceiros consumidores no concelho de ... e localidades limítrofes, a troco de obter uma compensação pecuniária.

112. Para o efeito, o arguido GG utilizava o número ...27.

113. No dia 30 de Setembro de 2020, pelas 19h22, o arguido GG entrou em contacto com o arguido EE para efectuar um pagamento de estupefaciente.

114. Por indicação do arguido EE, SS, consumidora de estupefacientes, adquiriu ao arguido GG, entre data não concretamente apurada de 2018 e início de 2020, um grama de cocaína pelo valor de €50,00, em número de vezes não inferior a quatro, sendo que, em três delas, a transação teve lugar na casa do arguido GG com quem contactava pelo telefone e Messenger, utilizando o código previamente combinado de lhe perguntar se podia ir ter com ele, significando que queria adquirir estupefaciente.

(…)

141. Pelo menos desde data não concretamente apurada de 2019 e até dia 18 de Maio de 2021 que o arguido HH se vem dedicando à compra de estupefaciente, nomeadamente cocaína e canábis nos seus vários estados de apresentação (erva, placas de pólen de haxixe e bolotas de resina de canábis), a um preço abaixo do de venda final, para posterior revenda a terceiros consumidores no concelho de ... e localidades limítrofes, a troco de obter uma compensação pecuniária, fazendo desta actividade o seu meio de subsistência.

142. O arguido HH chegou a ter como fornecedor o arguido EE, dentro do referido de tempo em que praticou os factos, em data e intervalo temporal não concretamente apurados.

(…)

146. Já no dia 23 de Janeiro de 2020, RR contacta o arguido EE para lhe adquirir cocaína, no entanto este, por falta de produto, forneceu-lhe o número de telefone do arguido HH.

(…)

201. Pelo menos desde data não apurada de 2017 e até dia 18 de Maio de 2021 que o arguido KK se vem dedicando à compra de estupefaciente, designadamente canábis nos seus vários estados de apresentação (erva, placas de pólen de haxixe e bolotas de resina de canábis), a um preço abaixo do de venda final, para posterior revenda a terceiros consumidores no concelho de ... e localidades limítrofes, a troco de obter uma compensação pecuniária.

202. Para o efeito, KK utilizava o número ...44.

203. KK adquiriu estupefaciente ao arguido EE.

204. No dia 10 de Janeiro de 2021, pelas 18h47, o arguido EE liga para o arguido KK para lhe entregar estupefaciente, dissimulando a situação, perguntando se o pintor já lá tinha ido e quando podia ver, se estava em casa e, em face de resposta afirmativa, referiu que ia passar na casa do arguido KK mas que o mesmo tinha que vir cá abaixo que não subia porque estava com pressa, sendo que no dia 15 de Janeiro de 2021, pelas 10h15 é o arguido KK quem liga ao arguido EE para lhe pedir mais estupefaciente utilizando a expressão “passa aí pá”, o mesmo acontecendo no dia 17.

(…)

221. Com vista a conseguir extrair mais alguma rentabilidade do negócio, o arguido LL aceitou a proposta que arguido EE lhe fez em data não concretamente apurada de Outubro de 2019, mas anterior a dia 22, para, em comunhão de esforços com este, se deslocarem ao ... ao seu fornecedor de estupefaciente para fazer o transporte de vários quilos desse produto,

222. Acordaram que o arguido EE seguiria à frente do arguido LL numa viatura a fazer de batedor e este transportava o estupefaciente noutra viatura seguindo atraz da do arguido EE a uma distância razoável que permitisse a fuga em caso de encontrarem as autoridades policiais na estrada, viagem que veio a ter lugar no dia 22 de Outubro de 2019 regressando ainda nesse mesmo dia.

223. Com efeito, no dia 22.10.20 pelas 13:05 (sessão ...75) mantém, a dado passo, o seguinte diálogo:

NS: Tás onde?, afinal foste por onde, pa para o ...? Tás onde?

BF: Tou quase a chegar.

NS: Oh, tás na portagem do ..., encosta-te logo ao lado direito, ta bem

BF: Olha, já passaste..

NS: Vá enconsta-te…

BF: Passaste a autoestrada que tá em obras já?

NS: não. Vai passar a portagem encosts-te logo ao lado direito, fica aí à espera, vá.

BF: Tá bem. Até já tio

NS:Foda-se caralho, por que é que continuste? Caralho, foda-se.

BF: tu andas muito devagar, caralho, acelera essa merda

(…)

A seguir (sessão ...94), EE diz-lhe que “Ficaste para tás..”.

Pelas 20:31 (sessão ...00), mantém, a dado passo, o seguinte diálogo:

NS: Vá, já estou aqui nas bombas.

BF: tá bem, já estou a chegar- localização celular bomas ...

(…)

226. O arguido LL agiu, de comum acordo e em comunhão de esforços, com o arguido EE no que à viagem a Espanha diz respeito, com o propósito conseguido de comprar, transportar, importar, deter e vender estupefaciente para com isso obter uma compensação pecuniária, tendo perfeito conhecimento da natureza e características do produto que detinha, bem sabendo que não estava autorizado para o efeito e que dadas as suas características o não podia comprar, transportar, importar, deter e vender.

(…)

247. Pelo menos desde o Verão de 2020 e até dia 22 de Dezembro de 2020 que o arguido NN se vinha dedicando à compra de estupefaciente, designadamente canábis nos seus diversos estados de apresentação (erva, placas de pólen de haxixe e bolotas de resina de canábis) e cocaína, que adquiria ao arguido EE, a um preço abaixo do de venda final, para posterior revenda a terceiros consumidores no concelho de ... e localidades limítrofes, a troco de obter uma compensação pecuniária.

248. Para o efeito, o arguido NN utilizava o número ...24.

(…)

250. Com vista a conseguir alavancar o seu negócio de vendas de estupefaciente que vinha fazendo, o arguido acedeu à proposta que o arguido EE lhe fez entre os dias 20 e 21 de Dezembro de 2020, para, em comunhão de esforços com este, se deslocarem a Espanha ao seu fornecedor de estupefaciente para fazer o transporte de vários quilos de canábis folha, recebendo compensação não concretamente apurada.

251. De acordo com o plano delineado, o arguido EE seguiria à frente do arguido NN numa viatura a fazer de batedor e este transportava o estupefaciente noutra viatura seguindo atrás da do arguido EE, mantendo uma distância que permitisse uma manobra de evasão em caso de alerta daquele para a existência das autoridades policiais na estrada, viagem que veio a ter lugar no dia 22.

252. Assim, na execução do plano previamente delineado, no dia 22 de Dezembro de 2020, pelas 18h05, quando o arguido NN circulava na viatura da marca Nissan com a matrícula ..-UX-.. pela ..., km..., no regresso da viagem a Espanha, a dada altura passou para a frente da viatura marca Peugeot, modelo ..., conduzida pelo arguido EE, transportando aquele - NN -, na mala da viatura cinco sacos de plástico contendo canábis (folha), vulgo “erva”, com o peso total de 17.800kg.

253. Para além disso, trazia consigo €110,00 e um telemóvel da marca Samsung, modelo ... com os IMEI`s ...66 e ...64.

254. A referida quantidade de canábis (folha/sumid.) que o arguido NN transportava na referida viatura tinha um grau de pureza de THC de 14,3%63

255. nesse dia 22.12.20, com NN, às 3:56, o teor da sessão ...45 (apenso ...):

(…)

NS : (…) passas a ponte de depois logo à direita

(…)

NS:(..) És tu.. olha, é aqui agora. Não és tu que vais ali, para ...?

MC:(..) tá bem tá bem já tou a caminho

Mais tarde pelas 18:09 - sessão ...94 do apenso ... -, EE diz a RR que não sabe o que aconteceu ao UU que não atende, que estava ali com a Brigada de Trânsito e logo a seguir na sessão ...04 queixa-se nestes termos:

NS: (...) ele passou para a minha frente. Não sei o que el foi fazer essa arara ou caralho

(…)

Porque ele passou para a minha frente. Acho que ia a acelerar (…) esse maluco do caralho, o que é que ele foi fazer pa? Passa à minha frente, tio. Foda-se.

256. Na referida ocasião, o arguido NN entregou o produto estupefaciente a SS e recebeu o respectivo preço em numerário.

257. O arguido NN destinava a parte que lhe competia no estupefaciente transportado à venda a terceiros consumidores, para com isso obter um rendimento pecuniário não concretamente apurado.

258. O arguido NN agiu de comum acordo e em comunhão de esforços com o arguido EE, com o propósito conseguido de comprar, transportar, importar, deter e vender estupefaciente para com isso obter uma compensação pecuniária, tendo perfeito conhecimento da natureza e características do produto que detinha, bem sabendo que não estava autorizado para o efeito e que, dadas as suas características, o não podia comprar, transportar, importar, deter e vender.

(…)

467. O arguido EE cresceu junto dos pais numa fratria de 2 irmãos germanos.

468. A dinâmica familiar era adequada, onde lhe foram transmitidas normas e valores vigentes na sociedade.

469. A família mantinha uma média condição socioeconómica.

470. Iniciou a frequência escolar em idade regular, tendo, contudo, abandonado os estudos, após completar o 8º ano de escolaridade.

471. O abandono escolar esteve relacionado não só com o facto de não apresentar motivação para os estudos, mas também, pelo facto de pretender iniciar o desempenho laboral, com o intuito de ajudar a família.

472. Segundo o próprio, iniciou o seu percurso laboral com 14 anos de idade, como aprendiz de ..., na ... que é propriedade da família.

473. Trabalhou durante vários anos na empresa familiar, mas por desentendimentos com o pai, passou a trabalhar por contra de outrem, na mesma atividade profissional.

474. Aos 23 anos de idade, iniciou uma relação afetiva e passou a viver maritalmente com a companheira.

475. Deste relacionamento que durou cerca de 9 anos, tem um filho atualmente com 20 anos de idade.

476. Após o término da relação, a companheira e o filho emigraram para França, onde ainda se mantêm.

477. Depois da separação manteve escassos contactos com o filho.

478. O seu percurso de vida tem-se caracterizado por consumos regulares de estupefacientes, nomeadamente haxixe, não reconhecendo, no entanto, este comportamento como problemático na sua vida.

79. Nos últimos anos, o modo de vida do arguido tem sido caracterizado por alguma desorganização pessoal e dificuldades em manter uma postura consentânea com as normas sociais e jurídicas vigentes.

480. Em 16/04/2008 foi preso em Espanha e em 31/07/20212 foi transferido para Portugal, a fim de iniciar o cumprimento de uma nova pena de prisão.

481. Em 26/02/2016 foi colocado em Liberdade Condicional, medida que cumpriu até 02/04/2018.

482. EE cumpriu ainda um novo período de prisão efetiva em Espanha, entre 01/07/2016 e 29/05/2017.

483. No período que antecedeu a prisão preventiva, o arguido encontrava-se a viver sozinho, numa casa que adquiriu com recurso a empréstimo bancário.

484. No Estabelecimento Prisional já teve visitas dos pais.

(…)

563. O arguido EE tem antecedentes criminais pela prática:

a. Em 12.06.05, de um crime de Ofensa à Integridade Física Simples, p. p. pelo art. 143º, nº1, do Cód. Penal; um crime de Ameaça, p. p. pelo art. 153º, nº1, do Cód. Penal; e de um crime de Resistência e Coacção Sobre Funcionário, p. p. pelo art. 347º, do Cód. Penal, pelo qual foi condenado em pena única de multa, por decisão transitada em julgado a 18.01.07, no âmbito do processo nº387/04.6..., que coreu termos no ...º juízo da instância local criminal de ....

b. Em 13.12.07, de um crime de Tráfico de Drogas, pelo qual foi condenado na pena de um ano e 10 dias de prisão por decisão de 09.01.08, no âmbito do processo nº..., que correu termos na ...ª Instância de ....

c. Em 16.04.08, de um crime de cultivo ou tráfico de estupefacientes, pelo qual foi condenado na pena de três anos de prisão por decisão de 27.06.08, no âmbito do processo nº..., que correu termos no nº... da Primeira Instância de ....

d. Em 09/2006, de um crime de Tráfico de Estupefacientes Agravado, p. p. pelos art.s 21º e 24º, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, pelo qual foi condenado na pena de seis anos e seis meses de prisão por decisão transitada em julgado a 21.06.10, no âmbito do processo nº376/06.6..., que correu termos na ...ª Vara Criminal de ....

(…)

Factos não provados

Arguido EE

1. O arguido EE também era conhecido por “VV”.

2. As referidas viagens eram inteiramente suportadas pelo arguido EE

3. Foi com a contrapartida de receber mil ou dois mil euros que os arguidos FF, NN AA e LL aceitaram acompanhar o arguido EE em viagem a Espanha e ao ... no caso de LL.

4. No dia 14 de Janeiro de 2020, o arguido EE pagou ao indivíduo que o acompanhou ao ... €1.000,00 pelo serviço de transporte.

5. No dia 23 de Setembro de 2019, pelas 21h11, o arguido AA refere a WW que o arguido EE está na ... num convívio querendo significar que está a comprar estupefaciente, e pede-lhe para ver se a pessoa a quem compra estupefaciente não lhe arranja um pouco até o arguido voltar no dia seguinte.

6. Nas circunstâncias referidas, o arguido EE deslocou-se à ... para entregar estupefaciente a XX, seu revendedor na zona.

7. No dia 6 de Abril de 2020, pelas 19h46, o arguido EE recebeu uma chamada de um individuo desconhecido espanhol, o qual mandou ligar-lhe pelo Whatsapp, desligando a chamada, sendo que aquele deixou uma mensagem a informar o arguido que lhe enviou o número do camionista para o transporte de estupefaciente.

8. No referido período, de entre os indivíduos que o arguido EE fornecia de estupefaciente, encontravam-se os arguidos BB, II, e JJ, os quais eram revendedores do seu produto.

9. Para além destes, tinha um revendedor chamado XX na ... a quem também fornecia estupefaciente, ali se deslocando entre Novembro de 2019 e Março de 2021 pelo menos 29 vezes.

10. No dia 19 de Janeiro de 2020, pelas 19h27, o arguido EE enceta uma discussão com o arguido MM porque o mesmo entrou em contacto com o seu fornecedor de estupefaciente e não lhe disse nada antes, anunciando-lhe que, se não for falar com ele imediatamente, liga àquele para não lhe vender nada.

11. No dia 10 de Junho de 2020, pelas 22h09, um desconhecido contacta o arguido EE para comprar estupefaciente e diz que vai ter com ele, no entanto, aquele encaminha-o para o arguido FF

12. No dia 6 de Agosto de 2020, pelas 18h15, o arguido EE liga ao arguido FF a informá-lo que lhe mandou um consumidor chamado WW para comparar estupefaciente.

13. O arguido EE vendeu estupefaciente a RR e foi com a frequência de duas vezes por mês que lhe cedeu gratuitamente.

14. Em Junho/Julho do ano de 2018, YY, consumidor de canábis e de cocaína, conheceu o arguido EE no Bar “...” no ..., altura em que lhe comprou dois gramas de cocaína por €85,00.

15. A partir daí e até ao Natal de 2020, altura em que lhe comprou 5,0gr. de cocaína e 50gr. de canábis pelo valor total de €500,00, passou a comprar-lhe estupefaciente despendendo uma média de €100,00 mensais repartidos entre cocaína e canábis, sendo que, entre Fevereiro e Agosto de 2020, chegou a gastar €500,00 por mês, entrando em contacto com o arguido EE via telefone e através das aplicações Wicker me e Whatsapp, combinando encontrarem-se e fazendo a transação nesses locais, habitualmente no ..., mas também na ....

16. Em data não concretamente apurada do início do ano de 2019, WW, consumidor de canábis e cocaína, tendo conhecimento de que o estupefaciente que adquiria ao arguido AA era fornecido pelo arguido EE, comprou-lhe, pelo menos duas vezes, um grama de cocaína por €50,00, porque este, normalmente, não vendia em pequenas quantidades.

17. Em data não concretamente apurada de meados de 2019, ZZ, consumidor de canábis resina e folha, em média, três a quatro vezes por semana, contactou com o arguido FF para que lhe arranjasse alguém que vendesse estupefaciente, sendo que aquele lhe indicou o arguido EE, conhecido por “AAA”, levando-o ao seu encontro no parque de estacionamento perto da ....

18. Nessa mesma ocasião ZZ adquiriu ao arguido €200,00 a €300,00 de canábis, acordando que se juntaria com os amigos para lhe adquirirem um quilo de canábis folha pelo valor de €2.000,00 contactando-o para o efeito através do Whatsapp, o que aconteceu pela primeira vez 3 semanas a um mês após o primeiro encontro no mesmo local, repetindo-se nas mesmas circunstâncias de produto, valor e local, pelo menos, mais seis vezes em datas não concretamente apuradas.

19. Para além disso, em data igualmente não apurada, ZZ adquiriu ainda ao arguido dois pedaços de canábis resina pelo valor de €500,00, concretizando a sua ultima compra de canábis ao arguido em data e quantidade não concretamente apurada do período compreendido entre Setembro de 2020 e Janeiro de 2021.

20. Tendo conhecimento de que o pai de ZZ, BBB, era proprietário de uma empresa de transportes internacionais e porque, devido à pandemia, apenas os camionistas podiam cruzar fronteiras sem restrições, com vista a manter um fluxo consistente de estupefaciente para fazer face à procura, o arguido EE solicitou a ZZ que agendasse um encontro com o pai com o intuito de o aliciar a transportar estupefaciente por sua conta a troco de dinheiro.

21. Este, que já conhecia o arguido EE pelas alcunhas de “CCC” e “AAA” desde meados de 2019, altura que começou a levar estupefaciente ao seu filho, aceitou o convite para almoçar, o que veio a ter lugar em data não concretamente apurada de meados de 2020 no restaurante “...”, sito no ..., onde o arguido EE propôs a BBB fazer o transporte de cerca de 10kg. de canábis (folha) da zona de ... para ..., a troco de uma quantia pecuniária que variava entre os €2.000,00 e os €3.000,00 por transporte. No entanto, aquele recusou, pelo que o arguido EE, no dia 17 de Junho de 2020 às 9h49, contactou-o telefonicamente a marcar um encontro para insistir nesse mesmo assunto, sendo, contudo, que não compareceu.

22. No dia 11 de Março de 2020, pelas 18h18, DDD ligou ao arguido EE para comprar estupefaciente (“ir lá comermos”), combinando encontrarem-se no ..., uma vez que o arguido está a regressar do ..., acabando os mesmos por se encontrar junto ao posto de pagamento do parque de estacionamento da ... por indicação do arguido EE

23. No dia 17 de Março de 2020, pelas 13h43, o arguido EE liga a DDD exigindo-lhe que lhe pague o que lhe deve de estupefaciente, caso contrário vai ao seu encontro.

24. No dia 22 de Abril de 2020, pelas 15h20, YY liga ao arguido perguntando se tem estupefaciente (“nunca mais disseste nada para arranjar o estor”) ao que o arguido EE responde que não tem.

25. No dia 30 de Maio de 2020, pelas 23h39, EEE liga para o arguido EE e pergunta se lhe arranja dois cigarrinhos daqueles que não são normais, se dá para comprar e o arguido diz-lhe que sim e para subir.

26. No dia 8 de Agosto de 2020, pelas 19h40, um individuo chamado FFF liga ao arguido para lhe arranjar estupefaciente ao que este lhe diz que está com um “tia” (companhia feminina) e que não pode ir ter com ele dizendo-lhe para falar com o arguido FF.

27. Nas circunstâncias do dia 25 de Março de 2021, EE detinha, no sótão da sua residência, três bolsas plásticas contendo cannabis (folha) com o peso total de 3,011kg.

2.2. Das questões a decidir

a. admissibilidade do recurso e seu âmbito

Visitando conjugadamente os normativos que encerram os artigos 432º, nº 1, alínea b)11 e 400º, nº 1, alíneas e) e f)12, ambos do CPPenal, e num primeiro momento, importa apurar da possibilidade de intervenção deste STJ em matéria recursiva.

Os preceitos em referência, pacificamente entendidos, delimitam que só é admissível o recurso para o STJ de acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação, quando aquele aplique pena de prisão superior a 8 anos – alínea f) – e / ou quando estejam em causa penas superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão e, cumulativamente, tal não resulte de confirmação da decisão de 1ª instância13.

Registe-se, ainda, que por força do plasmado no artigo 414º, nº 3 do CPPenal, a decisão de admissão do recurso e, bem assim, a fixação do seu efeito e regime de subida, pelo tribunal recorrido, são pronunciamentos que não vinculam o tribunal superior que pode rejeitar aquele e modificar o efeito e / ou o regime de subida .

Neste patamar de avaliação, sendo o presente recurso, ao que imediatamente desponta, circunscrito a matéria de direito – artigo 434º do CPPenal – e tendo por objeto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, prolatado em sede recursiva, o qual confirmou a decisão do Tribunal de 1ª Instância que aplicou ao arguido recorrente a pena de 8 anos e 6 meses de prisão, conclui-se pela recorribilidade para este STJ, nos termos das normações conjugadas dos artigos 399º, 400º nº 1 alínea f) e 432º nº 1 alínea b) do CPPenal.

Partindo de tal, e olhando aos matizes trazidos pelo arguido recorrente, importa agora apurar da dimensão da dita recorribilidade.

b - nulidade da prova

Tanto quanto se perceciona, o arguido recorrente, neste matiz, em muito se socorrendo do decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022, de 19/04/2022, proferido no Processo nº 828/201914, vem defender que opera esta mácula pois, houve prova recolhida por via (…) dos “metadados”, geo-localização, trace - back e registo de chamadas e mensagens os quais foram determinantes para considerar como provado a forma agravada do crime imputado, sendo que na (…) data da existência de tais elementos (geolocaliazação, trace - back e registo de chamadas e mensagens) não existia qualquer despacho judicial a permitir a realização de intercepções telefónicas.

Percorrendo o processado, tanto quanto se antevê, esta questão foi analisada em sede de primeira instância, a suscitação direta de outros arguidos – HH e NN -, tendo-se ali entendido que não padece de nenhum vício a prova que foi obtida a partir dos dados solicitados à operadoras de telecomunicações15.

De outra banda, visitando o aresto em sindicância, parece confortadamente cristalino que houve pronunciamento sobre este mote recursivo, tendo-se concluído pela inexistência de qualquer possibilidade de sucesso, neste campo reativo.

Na realidade, a dado passo do aresto em evidência consta (…) o ora arguido/recorrente arguiu a nulidade de toda a prova produzida nos autos resultante da recolha e conservação de dados móveis e metadados fornecidos pelas operadoras de comunicações, nos termos do disposto no acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional conjugado com os artigos 125º, à contrário; 126º, n.º 2 e 3 todos do Código de Processo Penal (…) não se pode pretender a extensão do decidido pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19-04 a áreas processuais que ali não estão previstas, nomeadamente quando os dados em causa foram solicitados de forma legal e resultam da obtenção de dados facultada com as intercepções de comunicações em tempo real e não de dados que se mostrem arquivados, armazenados antecipadamente nas operadoras (…) desde já, discorda-se completamente do ora arguido/recorrente, uma vez que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da Lei 32/2008, de 17-07, constante do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19-04, não afecta os dados de tráfico gerados e obtidos em tempo real (…) improcede toda a argumentação expendida pelo ora arguido/recorrente, inclusive todas as consequências jurídicas que se teriam de retirar de tal constatação, concretamente os denominados “frutos da árvore envenenada” ou “efeito à distância”.

Tanto quanto se entende, no enfrentamento deste traço recursivo, importa clamar, pela normação conjugada dos artigos 410º, 432º e 434º do CPPenal.

O primeiro, exibindo-se como norma de carácter geral, prescreve que sempre que a lei não restrinja a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, ou seja, o recurso pode ter por fundamento aspetos de natureza adjetiva ou substantiva, que não sejam excluídos por lei e não se encontrem definitivamente resolvidos.

Acresce que, mesmo nos casos em que o recurso apenas se pode dirigir à matéria de direito, é possível intervenção nos matizes da existência de vícios decisórios expressos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 410º do CPPenal, conquanto resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e, bem assim, em casos de alguma nulidade que não deva considerar-se sanada.

Por seu turno, o segundo inciso apontado, como se anteviu, elenca as situações em que é possível o recurso para o STJ, indicando o artigo 434º do CPPenal que, nesta sede, apenas se pode intervir quanto à matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 432º, do diploma que se vem citando.

Nesse desiderato, e considerando o regime vigente advindo das alterações ao CPPenal, introduzidas pela Lei nº 94/2021, de 21/12, o recurso para o STJ, nos casos subsumíveis à previsão das alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 432º do CPPenal, visa-se exclusivamente o reexame da matéria de direito, a existência dos vícios decisórios ou a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.

Por outro lado, a literalidade da alínea b) do nº 1 do citado inciso legal, não referenciando que o recurso nela previsto se destina exclusivamente o reexame da matéria de direito, ou aos fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 410º do CPPenal, impõe a conclusão de que foi propósito do legislador excluir como fundamento dos recursos subsumíveis à sua previsão, o conhecimento dos vícios decisórios.

Ou seja, nos recursos cabíveis na alínea b) do nº 1 do artigo 432º do CPPenal, os recorrentes não podem invocar, como fundamento do recurso, a existência, no acórdão recorrido, de vícios decisórios, o que, em todo o caso, não impede o seu conhecimento oficioso.

Assim, tem sido posição unânime do STJ que, no regime em vigor, os vícios decisórios e as nulidades referenciados no artigo 410º, nºs 2 e 3 do CPPenal, só constituem alicerce recursivo para o STJ nos casos previstos na alínea a) – recurso de decisão da relação proferida em 1ª instância – e alínea c) – recurso per saltum de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo – do nº 1 do artigo 432º do mesmo complexo normativo, não sendo pois, nos termos da alínea b) do mesmo nº 1 admissível recurso para o STJ com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do dito artigo 410º, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios decisórios, quando a correta decisão de direito a proferir possa vir a ser afetada pela sua subsistência16.

Nesta senda, parece entendimento consolidado que julgado pelo Tribunal de 2ª Instância um recurso interposto da decisão proferida em 1ª Instância, o recorrente, discordando da decisão daquele, apenas pode impugnar esta última decisão e não (re)introduzir no recurso para o STJ a impugnação da decisão da 1.ª instância.

De outra banda, observando todo o pronunciamento tomado neste conspecto, pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que basta e suficientemente analisou esta questão, nenhum apontamento emerge reclamando sanação oficiosa por banda deste STJ, sendo de concluir pela rejeição este segmento recursivo, por inadmissibilidade legal.

c - omissão de pronúncia por ausência de posicionamento quanto às restrições probatórias

Aqui, o arguido recorrente, fazendo a ligação com o analisado em b, vem sufragar a ideia de que o (…) tribunal não se pronunciou quanto às restrições probatórias decorrentes da utilização dos metadados.

E, neste desiderato, tanto quanto se intui – o arguido recorrente nas suas conclusões não o afirma claramente – pretende-se defender que se patenteia o vício da omissão de pronúncia, prevenido nas disposições conjugadas dos artigos 425º, nº 4 e 379º, nº 1, alínea c) do CPPenal.

Parece incontornável defender que há omissão de pronúncia sempre que o tribunal não respeita os seus poderes / deveres de cognição e ponderação, omitindo pronunciar-se sobre aspetos que devia ou, apreciando aspetos de que não devia tomar conhecimento.

A omissão de pronúncia significa, essencialmente, “(…) a ausência de posição ou decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa (…) a pronuncia cuja omissão determina a consequência prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 379º do CPP – a nulidade da sentença – deve, pois, incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegados”17; de outro modo, são questões que o tribunal tem que apreciar todas aquelas que “ as partes tenham submetido à apreciação do tribunal (…) para além das de conhecimento oficioso (…) daquelas que o tribunal tem o dever de conhecer independentemente de alegação (…) quer elas digam respeito à relação processual, quer à relação material controvertida”18.

Sopesando tais premissas e concatenando com todo o sucedido ao longo do traçado processual em presença, e repescando todo o ponderado em b, julga-se inexistir o menor fundamento para este alegado.

Com efeito, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, tomou posição sobre esta questão, tendo ido muito mais além do que devia e se lhe impunha, como de forma absolutamente explícita transluz do Acórdão recorrido – (…) Decorre da leitura da motivação, que o ora arguido/recorrente arguiu a nulidade de toda a prova produzida nos autos resultante da recolha e conservação de dados móveis e metadados (…) Não obstante, não existe qualquer referência a tal temática nas conclusões do recurso que, como é consabido, é pelas conclusões do recurso que se estabelece o objecto da sindicância à decisão sob censura por parte deste tribunal ad quem (…) Se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões (…) É o caso (…) Não obstante, diremos que não se pode pretender a extensão do decidido pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19-04 a áreas processuais que ali não estão previstas (…).

É verdade insofismável que a pronúncia do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não foi ao encontro da pretensão do arguido recorrente.

Todavia isso não desenha a mancha que se anuncia. É apenas e só um entendimento diferente.

Assim sendo, sucumbe este traço recursivo.

d - integração jurídica dos factos e pena aplicada

Por via das conclusões trazidas nas alíneas E) a G) das conclusões, e de uma forma algo confusa, vem o arguido questionar a sua condenação (…) pela forma agravada do tipo de crime imputado (…) defendendo que se impõe (…) a revogação do acórdão nesta parte e correspondente reenvio do processo para novo julgamento com a indicação expressa que dos factos dados como provados de 1 a 572º terão que ser expurgados os factos relativos às deslocações a Espanha e a Marrocos, melhor indicados a fls..(…).

Neste ensejo, ao que exulta, parece pretender o arguido recorrente que, nesta instância, se faça nova incursão sobre toda a factualidade provada e como à mesma se chegou, abstraindo-se da normação constante do artigo 428º do CPPenal e o que a mesma encerra, ou seja, só aos Tribunais da Relação cabe a possibilidade de conhecer de facto.

Por seu turno, apelando aos factos provados sob os nºs 1 a 572, olvida o arguido recorrente que muitos destes em nada se relacionam consigo – inclui até toda a factualidade respeitante às condições económicas e socias dos restantes arguidos -, e nessa medida, carece o mesmo de legitimidade para, sobre matéria que a si não respeita, tentar intervenção recursiva.

Assim, e nesta vertente, sem necessidade de outros considerandos, é de baquear o pretendido.

No caso de ser intento do arguido recorrente, como parece transparecer, vir sindicar a qualificação jurídica dos factos dados como assentes, é por demais evidente que se trata de pretensão votada ao insucesso.

Com efeito, visitando os autos, o arguido recorrente no recurso que interpôs para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, por nenhum modo questionou a integração jurídica dos factos que se lhe apontam, tendo-se conformado com a mesma.

Olhando o instrumento recursivo trazido pelo arguido recorrente, junto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, insurgindo-se contra a decisão proferida em 1ª Instância, o que dali consta são apenas e só aspetos como (…) haver insuficiência da matéria de facto dada como provada para a condenação do recorrente - al. a) do n.º 2 do artigo 410º do C.P.P (…) haver contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão a propósito dos factos provados em 1 a 572º; há também contradição insanável na fundamentação entre os factos provados sob os artigos supra e a matéria constante dos factos não provados descritos nos pontos 1) a 173º da matéria não provada - alínea b) do nº 2 do artigo 410º do C.P.P (…) o Tribunal a quo valorou erradamente a prova produzida em audiência quanto à matéria de facto tendente à formação da convicção de que o recorrente praticou factos integradores do preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime de tráfico de estupefacientes agravado, mostrando-se erradamente julgados a propósito os factos provados 1 a 572º (…) o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação relativamente à matéria assente sob os n. 1º a 572º existindo mesmo contradição insanável na fundamentação expedida da subsunção da matéria de facto à circunstância apurada nos autos (no que concerne à extensa prova documental e respectivos depoimentos das testemunhas) (….) o acórdão em crise enferma ainda do vício de insuficiência para a decisão, da matéria de facto provada (…) Há contradição insanável entre os factos provados no artigo 1º a 572º dos factos provados e os artigos 1º a 32º dos factos não provado - alínea b) do nº 2 do artigo 410º do C.P.P (…) em face da matéria dada como não provada facto apresenta-se absolutamente contraditório com o artigos 1º a 572º dos factos provados de difícil compatibilização designadamente em face da prova documental junta aos autos (…) há também contradição insanável na fundamentação entre os factos provados nos artigo 1º a 572º com os artigos 1º a 173º dos factos não provados e entre estes (…) as contradições insanáveis são inúmeras, quer entre a matéria de facto provada, quer entre esta e a não provada referida (…) O tribunal a quo valorou erradamente a prova produzida em audiência quanto à matéria de facto tendente à formação da convicção de que o recorrente tenha acordado fazer transporte de produto estupefaciente de Espanha para Portugal e, bem assim, que todas as vezes em que foi a Espanha foi para transportar produto estupefaciente (…) a verdade é que do depoimento do arguidos e das testemunhas supra indicadas resulta claramente que o arguido não praticou os factos de que foi acusado pelos motivos supra (…) A melhor apreciação da prova produzida, mormente do depoimento prestado pelas testemunhas infra, cotejam e confirmam o depoimento do arguido, ora recorrente, o que impõem diferente resposta quanto aos referidos factos (…) O acórdão é nulo por falta de fundamentação relativamente à matéria dada como assente sob os pontos 1º a 572º dos factos provados, pois não deixa transparecer suficientemente os motivos que fundamentam a mesma, nulidade que aqui se argui nos termos do disposto no artigo 374º, n.º 2, ex - vi al. a) do n.º 1 do artigo 379º, ambos do C.P.P. (…) na tentativa de fundamentar a decisão tomada quanto ao preenchimento do elemento subjectivo do tipo de crime o Tribunal a quo deixa-se enredar-se na apreciação que faz de uma e outra circunstância (…) nunca questionando a integração jurídica da factualidade dada como provada.

O arguido recorrente, pretendendo abalar o que foi considerado como provado em sede de 1ª Instância, ou seja, os factos que se lhe imputam, nunca, por nenhuma forma, colocou em crise a sua qualificação jurídica e, nessa medida, aceitou a leitura dos mesmos que foi levada a cabo.

Nessa medida, não suscitando junto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa essa dimensão, trata-se de inovatória posição, a submeter à apreciação deste STJ, um aspeto que não levou à ponderação daquele Tribunal.

Sendo certo que pode o recurso ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, por norma, não pode o mesmo ter outros que, por opção do recorrente foram excluídos do conhecimento na decisão em apreciação.

Ao que se pensa, em recurso, o que se decide são questões específicas, delimitadas e concretas que tenham já sido objeto de decisão anterior pelo tribunal a quo e que o interessado pretende ver reapreciadas / reavaliadas pois, o objeto do recurso ordinário é apenas e só a sindicância da decisão impugnada, constituindo um remédio processual que permite a reapreciação, por um tribunal superior de questões que a decisão recorrida apreciou ou deveria ter conhecido e decidido19.

No julgamento do recurso não se decide, com rigor, uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas, que tenham sido objeto de decisão anterior pelo tribunal recorrido.

Ou seja, o recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, ao que se pensa, apenas pode ter como objeto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que sejam de conhecimento oficioso.

Na verdade, a via recursiva não existe para criar e emitir decisões novas sobre questões novas, mas sim impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do Tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal a quo no momento em que a proferiu.

Conquanto, uma vez que está em causa a qualificação jurídica-penal dos factos, tem-se entendido ser de admitir a possibilidade da sua alteração oficiosa pelo STJ20.

E, nesse desiderato, importa olhar ao que narra o Acórdão proferido em 1ª Instância, neste matiz – (…) O arguido despendeu vários dias, horas e horas, e suportou diversas viagens e despesas na ordem dos milhares de euros, ao longo de vários meses, sem que lhe fosse conhecida de forma reiterada e consistente qualquer actividade profissional. A pretensão com cada uma das mais de meia centena de viagens só a Espanha visava sempre valores não inferiores a um milhar de euros. O potencial de disseminação aproxima-se das operações de grandes redes de tráfico internacional do ponto de vista dos agentes do topo das respectivas priâmides (pois em última análise, as redes são na sua maioria internacionais quanto a países não produtores). O valor almejado não poderia deixar de ser proporcional a esse potencial de disseminação. E é em função de todos estes factores que não restam dúvidas sobre a intenção de auferir avultado montante para efeitos da norma. Ou seja, de auferir montantes que justificam uma especial censurabilidade pois reconduzem-se a potenciais de disseminação de estupefacientes que exarcebam a ilicitude e que consubstanciam verdadeiras portas abertas num dado país ao grande tráfico, com ele se confundindo.

Ao que se pensa, a ideia de avultada compensação económica – noção cuja integração foi sofrendo alguns ajustes ao longo do tempo – assenta num exercício de ponderação global e conjugada de diversos fatores indiciários, de índole objetiva tais como, a qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, do volume de vendas / negócio / transporte, da duração da atividade, do seu nível de organização e de logística, do grau de inserção do agente na rede clandestina que forneçam / apontem para uma determinada imagem / ideia do valor da remuneração obtida ou que se visava obter e, nessa medida, a avultada compensação remuneratória pode não ressaltar imediata ou diretamente da prova do lucro conseguido ou a conseguir, não está dependente de qualquer estudo ou análise contabilística, consumando-se com a expetativa da obtenção de grandes lucros21.

Cotejando, é claro que se desenha factualidade cabível na agravante em causa e, desse modo, não merece qualquer reparo o decidido.

Tal como se enuncia, as inúmeras viagens efetuadas, suportadas e participadas pelo arguido recorrente, as quantidades de produto estupefaciente envolvido nessas deslocações, a par do tempo em que se foi prolongando esta atividade e a forma como a mesma se desenrolou, recorrendo às regras da experiência comum, é óbvio que não só se obtiveram quantias monetárias de relevo, como se ambicionava / visava, obter avultada compensação económica.

Diga-se, igualmente, que nenhuma argumentação recursória se adianta que, por alguma forma, possa beliscar a conclusão retirada. Limita-se o arguido recorrente a uma vaga e imprecisa manifestação (…) não devia nem podia ter sido condenado pela forma agravada do tipo de crime imputado.

Neste seguimento, falha este projeto revidendo.

Atente-se, agora, à dosimetria da pena, vertente igualmente impugnada pelo arguido recorrente.

Em pronto passo, retenha-se que vem sendo entendimento pacífico e sedimentado que o recurso em matéria de pena, não é uma oportunidade para o tribunal ad quem fazer um novo juízo sobre a decisão em revista, sendo antes um meio de corrigir o que de menos próprio foi decidido pelo Tribunal recorrido e que sobreleve de todo espetro decisório.

Por outro lado, ao que se pensa, exige-se ao recorrente o ónus de demonstrar perante o tribunal de recurso o que de errado ocorreu nesta vertente.

Verdadeiramente, tanto quanto se crê, há muito que a doutrina e jurisprudência se mostram firmadas, no sentido de que em sede de medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico, apontando para que a intervenção do tribunal de recurso, se deve cingir à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e regularidade que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstrata determinada na lei, sendo que observados os critérios globais insertos no artigo 71º do CPenal, a margem do julgador dificilmente pode ser sindicável22.

Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida, suscitado pela via recursiva, não deve afastar-se desta, senão, quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo) qualquer abusiva fixação de uma concreta pena que ainda se revele congruente, proporcional, justa e acertada23.

Neste patamar, a decisão tomada em 1ª Instância – a qual, como se disse, não foi objeto de questionamento pelo arguido recorrente junto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa neste segmento concreto do quantum imposto – assenta (…) EE, a sua actividade mostrava-se implantada e algo sofisticada, com recurso a fornecedor certo e a revendedores, e operando como “batedor” nas viagens que consubstanciaram correios de droga. Viagens a que presidia a expectativa de trazer para revenda quantidades, pelo menos, aproximadas àquela que NN, actuando como mula, trouxe no dia 22 de Dezembro de 2020, a saber, perto de dezoito quilos de canábis e não inferiores à que lhe foi apreendida, superior a nove quilos (…) é forçoso concluir por um grau de ilicitude moderado (dentro do tipo legal em apreço, agravado) (…) arguido com três condenações anteriores por crime de natureza semelhante, tendo cumprido já cerca de oitos anos de uma pena de dez anos de prisão, sendo que os factos dos autos têm início no mesmo ano em que o arguido saiu em liberdade (…) o arguido EE não encetou diligências no sentido de se integrar profissionalmente ou de procurar meios de subsistência alternativos lícitos. Apesar do apoio dos pais e da possibilidade de trabalhar em actividades económicas implantadas que o progenitor desenvolvia (…) regista (…) no percurso deste arguido, uma clara tendência para uma progressiva sofisticação do modus operandi através da terceirização da responsabilidade pelo transporte, enquanto correio de droga (…)

(…) face à indiferença perante diversas condenações anteriores e pena longa de prisão, atendendo ainda à opção do arguido em sofisticar a sua actividade, implicando terceiros mais dependentes e vulneráveis, e à ausência de planos para um projecto de vida futuro de outra índole, é de concluir por um grau elevado no tocante às necessidades de prevenção especial (…) oscilando a moldura do tipo agravado praticado entre 5 e 15 anos de prisão, reputa-se suficiente e adequado mas também necessário ficar a pena em medido próxima do limite médio, em oito anos e seis meses de prisão.

Ao que se vem defendendo, no exercício a realizar para se determinar a medida concreta das penas a aplicar e, dando cumprimento ao disposto no artigo 70º do CPenal, como primeira operação que urge levar a cabo é, se aplicável, a de optar entre uma pena privativa da liberdade ou uma pena não detentiva - se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Mostra-se evidente que aqui essa alternatividade não desponta.

Do que plasma o artigo 40º, nº 1 do CPenal, os fins visados com a imposição de uma pena consistem na proteção dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade sendo que, escolhido o tipo de penalidade adequado e apto ao alcance de tal, demanda-se a observância articulada do disposto nos 40º e 71º do CPenal.

Sublinhe-se, também, que o limite máximo da pena a aplicar está balizado pela culpa do agente pois, no sistema penal vigente impera o princípio basilar que assenta na compreensão de que toda a pena repousa no suporte axiológico–normativo de culpa concreta (artigo 13.º do CPenal), o que sempre terá como consequência que se admita ainda a ausência de pena sem culpa, e se condicione os seus limites máximos à intensidade daquela24.

Quanto às finalidades das penas, colhe ainda fazer notar que o vetor da proteção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva), significando, também, essa proteção, a prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente.25

Assim, para a aferição da medida concreta da pena haverá que considerar primeiro a delimitação rigorosa da moldura penal abstratamente aplicável ao caso concreto, determinando, nos limites mínimos e máximos daquela, a pena concretamente a aplicar, em consonância com o vetor axiológico-normativo que atrás se deixou exposto.

E, neste percurso, há que atender a todos os elementos que, não fazendo parte integrante do tipo, depuserem a favor ou contra o agente, atendendo-se, de entre outras, às vertidas no nº 2 do artigo 71º do CPenal.

Dentro da moldura penal abstrata, as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depõem a favor ou contra o agente, e apelando ao dito normativo são, designadamente:

- O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);

- A intensidade do dolo ou negligência;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Isto posto, in casu, parece indubitável que são elevadas as exigências de prevenção geral, pois o tráfico de estupefacientes é um dos crimes que mais preocupa e alarma qualquer comunidade, ante os nefastos efeitos que desencadeia, questionando aspetos como a coesão familiar, a tranquilidade da vida em sociedade, potenciando a prática de outros ilícitos26, mais se evidenciando estas notas negativas, quando orientado e dirigido pelo anseio pela obtenção de proveitos à custa da saúde e liberdade dos consumidores.

Com efeito, o tráfico de droga é um crime socialmente muito disruptivo, que destrói a saúde e o são equilíbrio das vítimas / consumidores, indutor da pática de outros crimes e sustentáculo económico de algumas das mais tenebrosas formas de crime organizado.

Faceando, neste vetor, reclama-se enfrentamento de rigor e de severidade.

Debruçando a atenção à dimensão da prevenção especial, o retrato que emerge, tanto quanto se julga, igualmente demanda intervenção incisiva e de algum peso.

O arguido recorrente, atuou de forma prolongada no tempo, sem o menor sentido de autocrítica, desenvolvendo toda a sua atividade já com alguma organização / programação, o que revela posicionamento assumidamente direcionado para o tráfico de estupefacientes, encarado como negócio e “forma de vida”.

Desponta com clareza que agiu com dolo direto, vertente mais intensa deste cânone ponderativo.

Exibe antecedentes criminais de onde despontam condenações pelo mesmo tipo de ilícito, uma delas em 6 anos e 6 meses de prisão, contactos com diversos sistemas prisionais - ..., Portugal – demonstrando, assim, que tal não o fez arrepiar caminho nem sentir o peso das condenações e do seu significado.

Não se lhe conhecem meios de subsistência consolidados, apresentando modo de vida (…) caracterizado por alguma desorganização pessoal e dificuldades em manter uma postura consentânea com as normas sociais e jurídicas vigentes (…)27, avultando como fator positivo, o apoio familiar de que parece beneficiar.

Sopesando todos estes indicadores, sendo que a moldura em causa oscila entre os 5 e os 15 anos de prisão, a pena imposta – 8 anos e 6 meses de prisão -, ainda assim, inferior à mediana possível – 10 anos de prisão -, parece não merecer qualquer censura e, por isso, não reclama qualquer intervenção deste STJ.

Pelo expendido, igualmente sucumbe este mote revidendo.

III - Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em:

a. Rejeitar, parcialmente, por inadmissibilidade legal, o recurso interposto pelo arguido EE, em conformidade com o conjugadamente disposto nos artigos 400º, nº 1, alíneas e) e f), 414º, nºs 2 e 3, 420º, nº 1, alínea b), e 432º, nº 1, alínea b), e 434º, todos do CPPenal, e relativamente aos segmentos analisados e nos termos expostos, respeitantes aos pontos b e d;

b. Julgar, no mais, improcedente o recurso do arguido EE confirmando-se a decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.


*


Custas pelo arguido recorrente EE, fixando-se a Taxa de Justiça em 6 (seis) UC - artigo 513º do CPPenal e artigo 8º, por referência à Tabela III Anexa, do RCP.

*


O Acórdão foi processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94º, nº 2, do CPPenal), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 29 de janeiro de 2025

Carlos de Campos Lobo (Relator)

Horácio Correia Pinto (1º Adjunto)

Jorge Raposo (2º Adjunto)

___________


1. Doravante EE

2. Apenas se elencam os aspetos invocados pelo arguido EE pois, apenas este, veio interpor recurso para o STJ do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

3. Consigna-se que apenas se transcrevem as partes do texto em que se toma pronunciamento sobre as questões que se invocam como fundamentos do recurso e, nessas medida, a decidir.

4. cf. acórdão de 07.06.2017 do S.T.J., proferido no processo n.º 516/13.9PKlRS.L1.S1, 3ª Secção.

5. cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-7-2019, processo n.º 1203/16.1T9VNG.P1.S1, relator: Raul Borges.

6. Cf. Referência Citius ...64.

7. Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

8. SILVA, Germano Marques da, Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, Universidade Católica Editora, p.335; SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, Recursos Penais, 8ª edição, 2011, Rei dos Livros, p.113.

9. Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do STJ, de 12/09/2007, proferido no Processo nº 07P2583, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria, disponível em www.dgsi.pt.

10. Consigna-se que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa manteve intacta toda a materialidade vinda da 1ª Instância, sendo que apenas se reproduz o que respeita ao arguido EE↩︎

11. Artigo 432.º

  Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça

  1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

  a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;

  b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

  c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;

  d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

  2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º

12. Artigo 400.º

  Decisões que não admitem recurso

  1 - Não é admissível recurso:

  a) De despachos de mero expediente;

  b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;

  c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º;

  d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos;

  e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância;

  f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

  g) Nos demais casos previstos na lei.

  2 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

  3 - Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.

13. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ, de 02/05/2024, proferido no Processo nº 4315/21.6JAPRT.P1.S1V – (…) Da conjugação dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP resulta que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão, penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância e penas não privativas da liberdade ou penas de prisão não superiores a 5 anos em casos de absolvição em 1.ª instância (…) este regime efetiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. , disponível em www.dgsi.pt..

14. a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição;

  b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.

15. (…) a investigação dos autos solicitou tão só dados de base conservados sendo que os dados de tráfego e de localização solicitados não foram os que eventualmente estivessem conservados, mas apenas os que puderam ser obtidos em tempo real, ou seja, em momento contemporâneo da solicitação e da investigação. Justamente aquilo que o Tribunal Constitucional e o TJUE afirmaram estar contido no perímetro da compressão proporcional – e, por isso, aceitável do prisma da concordância prática – do universo de direitos fundamentais sacrificados. É justamente aquilo que é permitido pelo art. 18º, nº2, da lei do Cibercrime, sendo que tal norma, por mais não permitir, jamais conduziria ao resultado das normas declaradas inconstitucionais com força obrigatória geral pelo Acórdão do TC 268/2022, de 19 de Abril.

16. Neste sentido, entre outros, os Acórdão do STJ, de 31/10/2024, proferido no Processo n.º 18/18.7GTCBR.C1.S1 - (…) nos recursos previstos na referida al. b), não pode o recorrente invocar, como seu fundamento, a existência na decisão recorrida, de vícios decisórios, o que, em todo o caso, não impede o seu conhecimento oficioso, como é entendimento consolidado deste STJ (…) -, de 29/02/2024, proferido no Processo n.º 9153/21.3T8LSB.L1.S1 - (…) Nestes casos, e porquanto a Lei 94/2021, de 21-12 não aditou expressamente (podendo tê-lo feito, se fosse essa a intenção do legislador) à parte final da al. b) o n.º 1 do art. 432.º a referência aos “fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.º do CPP”, diferentemente do que sucedeu expressamente com as als. a) e c) do mesmo preceito, não pode o recurso, nos seus fundamentos, convocar no todo ou em parte, os vícios ali aludidos nesse art. 410.º, n.os 2 e 3, do CPP (…) -, de 08/11/2023, proferido no Processo nº 52/18.7GBSLV.E2.S1 – (…)poderes de cognição do STJ, definidos no art. 434.º do CPP, que visam exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 432.º, o que significa que o recurso para o STJ é um recurso de revista, ainda que ampliado, ao contrário do que sucede com o recurso para a Relação que é um recurso de apelação, que conhece de facto e de direito (art. 428.º CPP) – e de 01/03/2023, proferido no Processo nº 589/15.0JABRG.G2.S1 – (…) Com a alteração operada pela Lei n.º 94/2021 de 21712, que entrou em vigor um 21 de março de 2022, os erros-vicio e a nulidades previstos e referidas no artigo 410 n.ºs 2 e 3, do CPP podem legitimar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça mas apenas de decisão da Relação proferida em 1ª instância (portanto, em recurso em 1º grau para o Supremo, em que poderá/deverá conhecer de facto e de direito) e no recurso per saltum, de acórdão de tribunal do júri ou coletivo de 1ª instância contanto tenha aplicado pena de prisão em medida superior a 5 anos.Com fundamento nos referidos erros-vicio e nulidades não sanadas, não se admite recurso de acórdãos da Relação, tirados em recurso (…), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

17. Acórdão do STJ, de 21/01/2009, proferido no Processo nº 111/09 referido em GASPAR, António da Silva Henriques, CABRAL, José António Henriques dos Santos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira, GRAÇA, António Pires Henriques da, Código de Processo Penal, Comentado, 2016, 2ª Edição Revista, Almedina, p. 1136.

18. Acórdão do STJ, de 5/12/2021, proferido no Processo nº 4642/02, disponível em www.dgsi.pt.

19. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 22/09/2021, proferido no Processo nº 797/14.0TAPTM.E2.S1 - (…) o objeto do recurso ordinário é a sindicância da decisão impugnada, constituindo um remédio processual que permite a reapreciação, por um tribunal superior das questões que a decisão recorrida apreciou ou deveria ter conhecido e decidido (…) No julgamento do recurso não se decide, com rigor, uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas, que tenham sido objeto de decisão anterior pelo tribunal recorrido (…) A suscitação, em recurso, de uma questão nova, que foi não foi apresentada ao tribunal recorrido, afronta o princípio da lealdade processual que deve ser observado por todos os sujeitos processuais, de 9/04/2015, proferido no Processo nº 353/13.0PAPNI.L1.S1 – (…) O STJ não pode apreciar questão que não tenha sido suscitada perante a Relação, na medida em que os recursos servem apenas para reexaminar as decisões tomadas pelas instâncias e não para apreciar questões novas, de 04/12/2008, proferido no Processo nº 08P2507 – (…) - Os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu (…) Sendo os recursos meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais, e não meio de obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido (…) O tribunal superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre (…) os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a obter decisões ex novo sobre questões não colocadas ao tribunal a quo, mas sim a obter o reexame das decisões tomadas sobre pontos questionados, procurando obter o cumprimento da lei, disponíveis em www.dgsi.pt.

20. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 04/06/2024, proferido no Processo nº 263/22.0PQLSB.L1.S1 – (…) I - O STJ pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efetuada pelo tribunal recorrido, mesmo para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus -, de 16/12/2021, proferido no Processo nº 148/12.9TAACN.E1.S1 – (…) este tribunal não procedeu a uma alteração substancial dos factos descritos na acusação e/ou na pronúncia, mas sim a uma alteração da qualificação jurídica de tais factos, que foram dados como provados em 1.ª instância, e totalmente confirmados em sede de recurso, podendo-o fazer oficiosamente nesta fase processual (…) .

21. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ de 10/10/2018, proferido no Processo nº 895/18.1T9PDL.L1.S1 - (…) Para efeitos da agravante da alín. c) do art.º 24.º do DL n.º 15/93, de 22.01, a quantidade e também a qualidade de produto estupefaciente envolvido e as quantias monetárias implicadas na sua aquisição, em combinação com as regras da experiência comum e o carácter ilícito e clandestino das condutas de tráfico, pode levar à conclusão de ter sido obtida ou procurada obter avultada compensação remuneratória do acto ou actos de traficância (…) Avultada será, desde logo, a remuneração obtida ou procurada obter que se mostre claramente acima da correspondente ao vulgar tráfico de estupefacientes, a revelar toda uma conduta em que a ilicitude assume invulgar dimensão (…) -, de 10/10/2018, proferido no Processo nº 5/16.0GAAMT.S1 – (…) No que concerne à al. c) do art. 24.º do DL 15/93 - avultada compensação remuneratória - inicialmente, a jurisprudência do STJ começou pelo preenchimento deste conceito com o recurso à noção de valor consideravelmente elevado constante do art. 202.º, do CP, mas logo houve quem defende-se que a avultada compensação remuneratória não se submetia às regras do art. 202.º, do CP. A jurisprudência do STJ, de há alguns anos a esta parte, tem-se pronunciado, quase unanimemente, no sentido do conceito de avultada compensação remuneratória dever ser preenchido através da ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, nomeadamente da qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, do volume de vendas, da duração da actividade, do seu nível de organização e de logística, do grau de inserção do agente na rede clandestina, factores que, valorados globalmente, são susceptíveis de fornecerem uma imagem objectiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada (…) A avultada compensação remuneratória pode, por isso, não ressaltar imediata ou directamente da prova do lucro conseguido ou a conseguir, não está dependente de qualquer estudo ou análise contabilística e consuma-se com a expectativa da obtenção de grandes lucros, como claramente resulta do texto da lei ao referir «O agente obteve ou procurava obter…» (cit. al. c) do art. 24.º). Nos autos estão presentes todos os ingredientes que permitem a qualificação como crime de tráfico de estupefacientes agravado (arts. 21.º e 24.º, al. c), do DL 15/93)(…).

22. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 11/04/2024, proferido no Processo nº 2/23.9GBTMR.S1 (…) em conformidade com a jurisprudência uniforme do STJ no sentido da abstenção de princípio do tribunal de recurso na definição do quantum concreto das penas fixadas em tais circunstâncias, por não se verificar qualquer desvio daqueles critérios e parâmetros de que resulte uma situação de injustiça das penas, por desproporcionalidade ou desnecessidade -, de 18/05/2022, proferido no Processo nº 1537/20.0GLSNT.L1.S1 – (…) A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” -, de 19/06/2019, proferido no Processo nº 763/17.4JALRA.C1.S1- (…) justifica-se uma intervenção correctiva quanto à pena aplicada ao arguido, reduzindo-se a pena de (…) para (…) que entendemos adequada e justa e proporcional e que satisfaz as exigências de prevenção, respeitando a medida da culpa - , disponíveis em www.dgsi.pt.

23. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 27/05/2009, proferido no Processo nº 09P0484, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler (…) no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.

24. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 15/04/99, proferido no Processo nº 243/99, disponível em www.dgsi.pt.

25. Neste sentido, PALMA, Maria Fernanda, in Casos e Materiais de Direito Penal, 2.ª edição, 2022, Almedina, p. 32.

26. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ, de 18/11/2921, proferido no Processo nº 616/20.9JAFUN.S1 - (…) O tráfico de estupefacientes é dos crimes que mais preocupa e alarma a nossa sociedade pelos seus nefastos efeitos e que mais repulsa causa quando praticado como meio de obtenção de proveitos à custa da saúde e liberdade dos consumidores, com fortes reflexos na coesão familiar e da comunidade em geral (…).

27. Cf. ponto 479 dos factos provados.