Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO PRAZO DE VIGÊNCIA INTERPRETAÇÃO DA LEI | ||
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Data do Acordão: | 10/15/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA E BAIXA DO PROCESSO | ||
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Sumário : | A norma do n.º 4 do art. 1110.º do CC, introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12-02, deve ser interpretada no sentido de que a declaração de oposição à renovação pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais (5 anos) para produzir efeitos na data em que, sem a oposição, o contrato se renovaria. | ||
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Decisão Texto Integral: | Revista n.º 1064/21.9T8AGD.P1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1.1.- O Autor – AA – instaurou acção declarativa, com forma de processo comum, contra a Ré– Motorinc II Unipessoal Lda. Alegou, em síntese: O Autor (senhorio) e a Ré (arrendatátia) celebraram em 25 de Abril de2009, contrato de arrendamento para fins não habitacionais, que tem vindo a ser sucessivamente renovado, tendo por objecto o prédio com a matriz predial U-...14 no concelho de ..., união de freguesias da ..., ... e ... - fração autónoma designada por Lote nº2, correspondente a parte do terreno para construção urbana (actualmente serviços) com 1410 m2 em .... Em 2019 foi feito novo contrato de arrendamento pelo período de cinco anos. O Autor pretende pôr fim ao contrato de arrendamento, no final do prazo deste, a 31 de Dezembro de 2023. No entanto, a Ré a tal se opõe, alegando que o Autor não se pode opor à renovação do contrato até 2028, o que não corresponde ao que vem previsto na lei. Pediu que seja reconhecido: a) O prazo de 5 anos do contrato de arrendamento para fins não habitacionais; b) Que a norma redigida em 2019 (Artº 1110, nº4) não se aplica ao presente contrato por esta não ter a capacidade de modificar relações já constituídas, ou ainda que se entenda que se aplica, não produz os efeitos pretendidos pela Ré; c) O direito ao A. de se opor à renovação do contrato de arrendamento com antecedência mínima de 120 dias antes do termo deste (31 de Dezembro de 2023); d) O direito do A. em receber o prédio como se encontrava à data da celebração do contrato vigente (1 de Janeiro de 2019), com as respetivas benfeitorias. 1.2.- A Ré contestou concluindo pela improcedência da acção e pela condenação do Autor como litigante de má-fé, e em reconvenção pediu que seja reconhecido o direito de Ré reclamar uma indemnização pelas benfeitorias realizadas no imóvel, no montante de €114,348,28. 1.3. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu julgar improcedente a ação e absolver a Ré dos pedidos, declarando-se prejudicado o conhecimento da reconvenção. 1.4. - O Autor apelou e a Relação decidiu: “Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se parcialmente a decisão recorrida, com a consequente não admissão do pedido reconvencional e condenando-se o autor no pagamento das custas na proporção de 11,60%, e a ré no valor de 88,4%. No mais, mantém-se a decisão recorrida.” 1.4. – O Autor recorreu de revista excepcional (admitida por acórdão de 19-6-2024, com as seguintes conclusões: “(…) 4. O A. celebrou em 2019 contrato de arrendamento para fins não habitacionais, portanto regulado, na parte que lhe compete, pelo art.º 1110 do Código Civil. 5. Quando o A. avisou a Ré de que se iria opor à renovação do contrato de arrendamento, a Ré disse entender que não o podia fazer, por motivo do disposto no art.º 1110 do Código Civil, que determina que nos primeiros 5 anos de arrendamento o senhorio não se pode opor à renovação do contrato, estando esta prevista. 6. Interpretação com a qual o A. não concordou, pelo que submeteu a causa a juízo, através de ação de simples apreciação. 7. Em primeira instância, apesar de conhecer da dualidade das posições em causa, o Tribunal optou por seguir a corrente de pensamento que não permitia ao A. opor-se à renovação, decisão que mereceu a discordância do A. 8. Apelado, o Tribunal da Relação do Porto, apesar de também conhecer da dualidade de correntes, aderiu à fundamentação da sentença. 9. No entanto, o A. quando submeteu a causa a juízo fê-lo convicto da sua argumentação e tese que expôs fundamentadamente no seu pedido. 10. Por momento da prolação da sentença, em agosto de 2023, o A. seguia já de perto o proc.º 1085/22.4YLPRT.P1, que em quase tudo se assemelha ao seu caso, nomeadamente conhecia do Ac. do Tribunal da Relação do Porto, que transportado para o seu caso lhe daria total razão. 11. Quando a sentença do Tribunal de primeira instância não deu a sua pretensão como procedente, é já suportado no Ac. supracitado que apelou, seguro de que o Tribunal da Relação do Porto seguiria o mesmo entendimento que seguiu no Acórdão-fundamento, ao proc.º 1085/22.4YLPRT.P, o que não aconteceu. 12. Tem, agora, palco para submeter a causa ao entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, também já suportado no Ac. (que também terá de se considerar Acórdão-fundamento) do Supremo Tribunal de Justiça ao mesmo processo supracitado que dá razão à sua pretensão. 13. A norma do n.º 4 do art.º 1110 do C.C., é de interpretar no sentido de que a declaração de oposição à renovação pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais para produzir efeitos na data em que, sem a oposição, o contrato se renovaria, concluindo-se, assim, no caso dos autos, pela validade e eficácia da declaração da locadora de oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado pelo prazo de cinco anos. 14. Pelo dito o Tribunal a quo violou a norma disposta no art.º 1110, número 4, do Código Civil.” A recorrida apresentou contra-alegações, no sentido da improcedência do recurso. II - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – O objecto do recurso A questão submetida a revista consiste em saber se a declaração de oposição à renovação por parte do senhorio pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais (5 anos), tendo em vista produzir efeitos na data em que, sem a oposição, o contrato se renovaria ( tese do recorrente ) ou se, pelo contrário, tal declaração de oposição à renovação não pode, de todo, ocorrer nos primeiros 5 anos de vigência do contrato de arrendamento, com a consequente automaticidade da primeira renovação ( tese do acórdão recorrido ). 2.2. – Os factos provados 1 – O Autor e a Ré, representada por BB e CC, celebraram a 25 de Abril de 2009 um contrato de arrendamento que tinha por objecto o prédio com a matriz predial U-...14 no concelho de ..., união de freguesias da ..., ... e ... - fração autónoma designada por Lote nº2, correspondente a parte do terreno para construção urbana (actualmente serviços) com 1410 m2 em .... 2 – Este contrato foi objecto de diversas renovações corporizadas em novos contratos e aditamentos. 3 - Em 2018, decorria um contrato, datado de um de Janeiro de 2017, que terminava em 2021. 4 - Nesse contrato a cláusula terceira tinha a seguinte formulação: “A renda mensal para os anos de 2017 e 2018 é de 550.00 € e para os anos de 2019, 2020 e 2021 é de 600,00 €” 5 – E a cláusula sexta tinha a seguinte formulação: “Findo o contrato, a fracção arrendada, deverá ser entregue nas mesmas condições em que o recebeu em 1 de Julho de 2009” 6 - A Ré, representada por BB, pediu para que fosse alterada a data do termo da relação contratual para 2024. 7 – Assim, com data de 1 de janeiro de 2019, foi elaborado novo contrato, estabelecendo-se na cláusula segunda que o seu o prazo é de “cinco anos” “com início em 1 de Janeiro de 2019 e termo em 31 de Dezembro de 2023”. 8 - Na cláusula sexta refere-se que no fim do contrato o prédio “deverá ser entregue ao senhorio, nas mesmas condições em que o recebeu nesta data”. 9 - Foi ainda acordado que a renda que estava estipulada em 600 €, no contrato que decorria, fosse reduzida para 500,00 €. 10 – Em momento não concretamente apurado, o Autor comunicou à Ré a intenção de não renovar o contrato de arrendamento. 11 - A ré recebeu do autor o prédio descrito em 1, sem qualquer construção. 12 - Tendo as partes convencionado que a ré procederia ao licenciamento da construção e edificaria o prédio a fim de corresponder às funções de uma lavagem de carros, o que foi efectuado pela Ré. 13- No licenciamento a Ré despendeu as seguintes quantias: - Projecto de arquitectura, alteração, loteamento e licenciamento – T... – 6.500.40€; - Estradas de Portugal – Legalização da Obra e acessos à EN... – 499,45 €; - EDP – 209,60 €; - Câmara Municipal de ... – Licenças de Construção – 795,34 €. 14 - Na construção, realizada em 2009, a Ré despendeu, pelo menos, as seguintes quantias: - P... – Obra Civil- 21.000,00 €; - Fossas Residuais – 1100,00 €; - Cobertura e túneis – Boxes – 80.400,00 €. 15 - As obras realizadas no local têm um valor, em novo, de 72.750,00 €, assim distribuído: Pavimentos – 24.750,00 €; Fossa águas residuais – 1.500,00 €; Separação de hidrocarbonetos – 750,00 €; Cobertura lavagem – 25.000,00 €; Cobertura aspiração – 16.000,00 €; Rede de alimentação de água – 1.500,00 €; Rede de drenagem de águas residuais – 2.500,00 €; Iluminação – 750,00 €. 16 - Atendendo a depreciação sofrida em função da idade e do estado de conservação essas obras têm, actualmente, um valor de 38.000,00 €, assim distribuída: Pavimentos – 12.375,00 €; Fossa águas residuais – 1.050,00 €; Separação de hidrocarbonetos – 525,00 €; Cobertura lavagem – 12.500,00 €; Cobertura aspiração – 8.000,00 €; Rede de alimentação de água – 1.125,00 €; Rede de drenagem de águas residuais – 1.875,00 €; Iluminação – 562,00 €. 2.3. – Os factos não provados a) Na renovação do contrato referida em 7 as partes acordassem, mercê da redução da renda e do alargamento do prazo de arrendamento referidos em 7 e 9, que as benfeitorias efectuadas, ficassem, sem pagamento de qualquer indemnização, como parte do locado b) O motivo da realização de um novo contrato em janeiro de 2019 se prendesse com o facto de em 2017 o representante da ré, Sr. BB, ter intenção de comprar a quota ao seu anterior sócio, considerando que tal negócio só seria viável se conseguisse garantir junto do Autor a renovação do contrato de arrendamento do estabelecimento. c) Quando no início de 2018 se apercebesse que o filho do Autor, Sr. DD, iria abrir um negócio semelhante, o representante da Ré sentisse uma enorme revolta, d) Disto deu conta ao Autor, dizendo-lhe ainda que o iria denunciar às finanças por todos estes anos que andava a passar recibos de valor inferior ao que efetivamente recebia, tanto quanto à Ré, como quanto aos outros inquilinos. e) O Autor, em consequência destas afirmações oferecesse um novo contrato à Ré, com o valor que efetivamente a ré paga, isto é 500 €, f) Fosse nessa sequência que fosse alterada, em relação ao contrato anterior, a clausula sexta. g) A Ré tenha gasto 2000,00 € no jardim, 896,27 € num separador de hidrocarbonetos, 547,20 na bomba e fossa de águas residuais e 400,00 € na Baixada BT. h) A Ré tenha gasto 2150,00 € na vedação do imóvel. 2.4. - Problematiza-se no recurso a interpretação do art.1110 nº4 CC e a questão de saber se a declaração de oposição à renovação por parte do senhorio pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais (5 anos), tendo em vista produzir efeitos na data em que, sem a oposição, o contrato se renovaria ou se, pelo contrário, tal declaração de oposição à renovação não pode, de todo, ocorrer nos primeiros 5 anos de vigência do contrato de arrendamento, com a consequente automaticidade da primeira renovação. O acórdão recorrido, aderindo à fundamentação da sentença, considerou que o 1110 n.º 4 do CC não permite a renovação nos primeiros cinco anos de vigência do contrato. Por sua vez, no acórdão fundamento, entendeu-se posição contrária, argumentando-se “se, em tese geral, seria de atribuir relevância à diferença entre a redacção do n.º 4 do art. 1110.º («Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação») e a do n.º 3 do art. 1097.º («A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data (...)»), o resultado, a nosso ver ilógico, resultante da atribuição de relevância a tal diferença de redação – transformando um prazo de vigência contratual de cinco anos, acordado entre as partes e correspondente ao prazo de renovação supletivo mínimo previsto no n.º 3 do art. 1110.º, num prazo mínimo de vigência (para o senhorio) de dez anos –, leva-nos a ser favoráveis a que ambas as normas sejam interpretadas em sentido equivalente.. “Por isso, atendendo à ‘ratio’ da norma, admitimos que ao senhorio deve ser permitido opor-se à renovação de um contrato celebrado pelo prazo inicial de cinco anos. De outro modo, dar-se-ia o resultado absurdo de o senhorio só poder terminar o contrato no seu décimo ano de duração.”. Neste contexto, o acórdão fundamento propugna o entendimento de que o art. 1110.º, n.º 4 do CC não pretendeu impedir que, durante os primeiros cinco anos de duração do contrato de arrendamento para fins não habitacionais, o senhorio não pudesse exercer o seu direito de oposição à renovação, mas tão só garantir o diferimento dos efeitos da primeira oposição à renovação, ou seja, garantir que o contrato de arrendamento dure, pelo menos, 5 anos. Comprova-se que entre as partes foi celebrado um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, por meio do qual o autor cedeu à ré o gozo do prédio com a matriz predial U-...14no concelho de ..., união de freguesias da ..., ... e ... - fração autónoma designada por Lote nº2, correspondente a parte do terreno para construção urbana (actualmente serviços) com 1410 m2 em .... Não se presta, igualmente, a discussão a conclusão a que chegaram as instâncias de que o contrato de arrendamento dos autos tem uma duração de 5 anos, sendo renovável por períodos de igual duração, por força do disposto no art. 1110.º, n.º 3, do CC. Por fim, não se discute, outrossim, a conclusão a que chegaram as instâncias de que a nova redação do n.º 4 do art. 1110.º do CC tem plena aplicação ao caso dos autos. O recorrente impugna a decisão da Relação apenas na parte em que se concluiu que “consideramos que face ao teor deste normativo que nos 5 primeiros anos o senhorio não se pode opor à renovação. Pelo que, se o contrato tiver um prazo de duração igual ou inferior a 5 anos, até ao fim dele não é possível uma oposição à renovação e, por isso, o contrato, até ao fim desses 5 anos, renovou-se. Pelo que, antes desta renovação não é possível a oposição à mesma.” Está, assim, em causa a interpretação e aplicação da norma contida no n.º 4 do art. 1110.º do CC (introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12-02). Dispõe o art. 1110.º do CC que “1 - As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte. 2 - Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano. 3 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º. 4 - Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação.”. Trata-se de uma norma cuja aplicação se restringe aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, como é o contrato dos autos. A nova redacção do art.1110 CC foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12-02, cujo objetivo declarado foi o de estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade. Neste quadro, as alterações legislativas introduzidas deixaram a descoberto uma clara intenção de intervir ao nível da duração dos contratos, seja com a introdução de prazos mínimos de duração dos contratos de arrendamento (cf. art. 1095.º do CC), seja na introdução de períodos de renovação mínimos (cf. arts. 1096.º, n.º 1, 1097.º, n.º 3, e 1110.º, n.ºs 3 e 4, todos do CC). Ora, se o objetivo do legislador se afigura claro, o mesmo não se pode afirmar quanto à aplicação das normas em análise que tem vindo a suscitar dúvidas interpretativas, de que é exemplo a questão em análise nos autos. Efetivamente, do cotejo das normas a que se fez referência, resulta a dúvida interpretativa de saber qual o prazo mínimo de vigência inicial do contrato e das respetivas renovações e qual a data de produção de efeitos da declaração de oposição à renovação. Como adverte Jéssica Rodrigues Ferreira, “não se compreende se o direito de oposição só “nasce” findos os cinco anos, como parece resultar da letra do n.º 4 do art.º 1110.º , ou se, pelo contrário, o legislador se limitou a deferir a produção dos efeitos do exercício do direito de oposição à renovação do contrato, quando deduzida pelo senhorio, para o fim do quinto ano de duração do contrato, como parece resultar da redação dada ao n.º 4 do art.º 1097.º, aplicável aos arrendamentos habitacionais, onde se pode ler que “a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte” –( «Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais», in Revista Electrónica de Direito, Fevereiro 2020, n.º 1, vol. 21, pág. 84.) Sobre a interpretação do art.1110 nº4 do CC existem-se duas orientações: a) Uma no sentido propugnado pelo acórdão recorrido, ou seja, que a declaração de oposição à renovação não pode ocorrer nos primeiros 5 anos de vigência do contrato de arrendamento, com a consequente automaticidade da primeira renovação ( cf., por exemplo, Ac RL de 29-09-2022 (proc. n.º 1006/21.1T8CSC.L1-2, Rel. Pedro Martins, Ac RL de 27-10-2022 (proc. n.º 12613/21.2T8LSB.L1-6, Rel. Eduardo Petersen Silva, disponíveis em www.dgsi.pt). Também David Magalhães («Algumas alterações ao regime jurídico do Arrendamento Urbano», in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. XCV, Tomo I, 2019, p. 575) considera que “durante cinco anos em nenhum caso pode o arrendatário ser despejado por mera vontade do senhorio; se nada se convencionar sobre a renovação, a extinção ‘ad nutum’ só será alcançada mediante oposição à segunda renovação que pudesse ocorrer após o primeiro lustro contratual, garantindo-se ao arrendatário o mínimo de dez anos de duração contratual”. b) – Em sentido contrário – propugnado pelo recorrente – pronunciou-se o Ac RP de 21-11-2023, processo nº 16892/22.0T8PRT.P1, Rel. Anabela Miranda, em www dgsi, e o já citado Ac STJ de 11-01-2024 ao decidir que “a norma do n.º 4 do art. 1110.º do CC, introduzida pela L. n.º 13/2019, de 12.02, é de interpretar no sentido de que a declaração de oposição à renovação pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais para produzir efeitos na data em que, sem a oposição, o contrato se renovaria, concluindo-se, assim, no caso dos autos, pela validade e eficácia da declaração da locadora de oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado pelo prazo de cinco anos.” – proc. n.º 1085/22.4YLPRT.P1.S1, Rel. Maria da Graça Trigo, disponível em www.dgsi.pt. No plano doutrinário, por exemplo, André Mena Hüsgen, deixou escrito que “atendendo à ratio da norma, admitimos que ao senhorio deve ser permitido opor-se à renovação de um contrato celebrado pelo prazo inicial de cinco anos. De outro modo, dar-se-ia o resultado absurdo de o senhorio só poder terminar o contrato no seu décimo ano de duração.” - «As novas regras sobre a duração, denúncia e oposição à renovação do arrendamento urbano», in Estudos de Arrendamento Urbano, Vol. I, Universidade Católica Editora, Porto, 2020, p. 97. Também Jéssica Rodrigues Ferreira considera que “A nosso ver, a solução que melhor se coaduna com o espírito da lei é a última, e que tem suporte na letra do art.º 1097.º, n.º 4. Ou seja, o que se pretende é deferir a produção de efeitos da primeira oposição à renovação deduzida pelo senhorio, de forma a garantir que o contrato de arrendamento habitacional dure pelo menos três/cinco anos, consoante seja habitacional ou não habitacional (salvo se o arrendatário pretender antes disso opor-se à sua renovação ou denunciá-lo) e não impedir que, durante esses três/cinco anos, o senhorio possa exercer o seu direito de oposição à renovação, coartação essa da qual poderia, na prática, resultar uma duração mínima do contrato de arrendamento bastante superior àquela que o legislador quis acautelar e que se reflete, também, nos novos prazos supletivos de duração dos períodos de renovação dos contratos” – Ob. Cit. p. 85. No mesmo sentido, Edgar Valente para quem “celebrando as partes um contrato de cinco anos, o senhorio poderá opor-se logo à primeira renovação do contrato, uma vez que, no referido exemplo e em observância do disposto no n.º 4, apenas lhe é imposta a manutenção do vínculo pelo período de cinco anos” – Arrendamento Urbano, Comentário às alterações introduzidas ao regime vigente, 1.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 48. Ponderados os argumentos, a melhor interpretação é a já decidida neste Supremo no citado Ac de 11-01-2024, pelas seguintes razões: Em primeiro lugar, importa salientar que o actual regime legal dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais surge ancorado, em primeira linha, no princípio da autonomia privada. Efetivamente, como resulta do disposto no art. 1110.º, n.º 1, do CC, “as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes”. Neste quadro, não parece verosímil que o legislador tenha querido impor às partes uma solução que foi, voluntariamente, excluída por aquelas. Como é evidente, o reforço da segurança e da estabilidade do arrendamento urbano não é possível fazer-se à custa do que é a vontade das partes no momento da celebração do contrato, a que, como vimos, o legislador atribuiu uma enorme relevância. Ora, se as partes quiseram prever um prazo de duração do contrato de arrendamento de 5 anos renovável, não é possível defender que tal declaração de vontade não tem qualquer aplicação prática face à letra da lei e que, inevitavelmente, tal contrato vigorará por um período de 10 anos. Depois, muito embora seja notória a diferença de redacção da norma em análise face à redacção do n.º 3 do art. 1097.º do CC é incontornável a ideia de que caso fosse intenção do legislador prever um período de duração mínimo de 10 anos nestes casos, teria, certamente, deixado tal intenção expressa. Se tal não ocorreu foi, simplesmente, porque o legislador não pretendeu adotar essa solução. É, assim, manifesto que a solução legal fixada em ambas as normas em confronto (arts. 1097.º, n.º 3, e 1110.º, n.º 4, do CC), visou garantir um período de duração mínimo do contrato, prazo que se considerou justificado face ao investimento que, não raras vezes, é realizado no âmbito do arrendamento não habitacional e que corresponde, tudo visto, ao período de duração supletivo previsto pelo legislador. Note-se que o segmento “independentemente do prazo estipulado” visou apenas abranger os contratos com duração inferior a 5 anos, pretendendo o legislador garantir que tal prazo seria sempre o prazo mínimo de duração do contrato. Foi tão-só este o objetivo do legislador. Por fim, não deixaria de ser estranho e contrário à tendência que se tem vindo a observar nas sucessivas reformas das leis do arrendamento, que o regime do arrendamento não habitacional se revelasse mais favorável do que o regime do arrendamento habitacional (o que sucederia caso o entendimento do acórdão recorrido fosse aceite). De resto, caso fosse outro o entendimento, poderíamos estar perante uma solução que, ao contrário da vontade do legislador, estaria a estimular o recurso a contratos de arrendamento não renováveis, inviabilizando a pretendida estabilidade e durabilidade das relações de arrendamento. Como se afirma no citado Ac STJ de 11-01-2024, “se, em tese geral, seria de atribuir relevância à diferença entre a redacção do n.º 4 do art. 1110.º («Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação») e a do n.º 3 do art. 1097.º («A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data (...)»), o resultado, a nosso ver ilógico, resultante da atribuição de relevância a tal diferença de redação – transformando um prazo de vigência contratual de cinco anos, acordado entre as partes e correspondente ao prazo de renovação supletivo mínimo previsto no n.º 3 do art. 1110.º, num prazo mínimo de vigência (para o senhorio) de dez anos –, leva-nos a ser favoráveis a que ambas as normas sejam interpretadas em sentido equivalente. Por isso, atendendo à ‘ratio’ da norma, admitimos que ao senhorio deve ser permitido opor-se à renovação de um contrato celebrado pelo prazo inicial de cinco anos. De outro modo, dar-se-ia o resultado absurdo de o senhorio só poder terminar o contrato no seu décimo ano de duração.”. Deste modo, conclui-se ser válida e eficaz a declaração de oposição à renovação do contrato feita pelo Autor, e consequentemente o contrato de arrendamento cessou em 31 de Dezembro de 2023. No entanto, o pedido formulado em d) da petição inicial (reconhecimento do direito autor em receber o prédio como se encontrava à data da celebração do contrato vigente (1 de Janeiro de 2019), com as respetivas benfeitorias) não foi objeto de conhecimento por parte das instâncias, na medida em que ficou prejudicado, pois entendeu-se que o contrato não cessara por não ser válida a declaração de oposição à renovação. Estando, neste caso, vedado ao Supremo os poderes de substituição, em face do art.679 CPC (cf., por ex., Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pág.483 a 485) o processo deverá baixar à Relação para se pronunciar sobre esse pedido. 2.5.- Síntese conclusiva A norma do n.º 4 do art. 1110.º do CC, introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, deve ser interpretada no sentido de que a declaração de oposição à renovação pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais (5 anos) para produzir efeitos na data em que, sem a oposição, o contrato se renovaria. III – DECISÃO Pelo exposto, decidem: 1) Julgar procedente a revista e revogar o acórdão recorrido, reconhecendo ao Autor o direito de se opor à renovação do contrato de arrendamento com antecedência mínima de 120 dias antes do termo deste (31 de Dezembro de 2023), sendo de 5 anos o prazo do contrato de arrendamento para fins não habitacionais. 2) Determinar a remessa do processo à Relação para apreciação do pedido formulado em d) (“O direito do A. em receber o prédio como se encontrava à data da celebração do contrato vigente (1 de Janeiro de 2019), com as respetivas benfeitorias”). 3) Condenar a Ré nas custas.
Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Outubro de 2024.
Jorge Arcanjo (Relator) Jorge Leal Henrique Antunes |