Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
59366/22.3YIPRT-A.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: EMIDIO SANTOS
Descritores: INJUNÇÃO
PRAZO
PAGAMENTO
TAXA DE JUSTIÇA
CUSTAS CÍVEIS
MULTA
DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS
AUDIÊNCIA FINAL
ABUSO DO DIREITO
ÓNUS DA PROVA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
APOIO JUDICIÁRIO
CONTRADIÇÃO DE JULGADOS
OBJETO DO RECURSO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - O prazo adicional previsto no n.º 3 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais é o prazo limite para o interessado efectuar a 2.ª prestação da taxa de justiça acrescida de multa.

II - O n.º 4 consente ao interessado tão só a faculdade de demonstrar, até ao dia da audiência final ou o da realização de qualquer outra diligência probatória, uma das seguintes realidades: 1) pagamento da taxa de justiça no prazo inicial; 2) pagamento da taxa de justiça acrescida de multa, no prazo adicional 3) a concessão do benefício do apoio judiciário.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça

Lcg Analytics – Consultoria Lda, com sede no ..., ..., requereu procedimento especial de injunção contra Brighten SA, com sede na Rua ..., ....

Após a dedução de oposição pela requerida, o processo foi remetido à distribuição, prosseguindo os ulteriores termos.

Em 15-06-2023 foi realizada audiência prévia, na qual estavam presentes os Exm.ºs mandatários das partes. Nela foi decidido:

• Admitir a reconvenção deduzida;

• Fixar em € 177.298,06 o valor da causa;

• Julgar improcedente a exceção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial;

• Identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova;

• Designar, com o acordo de ambos os mandatários, o dia 17 de Janeiro de 2024, pelas 09h30, com eventual continuação pelas 13h30, a realização da audiência de julgamento.

No prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final, a requerida não entregou documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça nem comprovou a realização desse pagamento no mesmo prazo.

Em 30-06-2023, a secretaria expediu guia à requerida para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento do complemento da prestação em falta, acrescida de multa de igual montante, sob pena de, não o fazendo, ficar sujeita às cominações previstas no n.º 4 do artigo 14.º do Regulamento das Custas processuais.

A guia expedida com a notificação continha a indicação do montante a pagar a título de taxa de justiça e de multa e do início e do termo do pagamento (13-07-2023).

No referido prazo, a requerida não pagou nem o complemento da taxa de justiça nem a multa.

Em 12-01-2024, a requerida juntou aos autos DUC e documento comprovativo do pagamento, em 12-01-2024, do complemento de taxa de justiça, no montante de 204 euros.

Na data designada para a audiência – 5 de Março de 2024 –, a Meritíssima juíza do tribunal da 1.ª instância proferiu o seguinte despacho: “Uma vez que a ré não procedeu ao pagamento da taxa de justiça nos termos em que foi notificada em 29-06-2023, tendo apenas pago a taxa de justiça e sendo certo que a tal estava obrigada sob pena de ver aplicado o disposto nos n.º 4 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais, fica a Ré impedida de produzir prova”.

Dada a palavra á Ex.ma mandatária da ré por ela foi dito:

«A Ré opõe-se ao despacho agora proferido. A questão ora apreciada, a de saber se a taxa de justiça subsequente e a multa podem ser pagas até ao início da audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais, deve ser interpretada conforme a Constituição e também conforme o Direito da União Europeia.

A Constituição deve ser tida como um instrumento hermenêutico de conhecimento das normas constitucionais e, portanto, deve recorrer-se a estas normas para determinar o conteúdo intrínseco das leis.

No que se refere à Constituição importa ter presente e levar a sério alguns direitos e princípios constitucionais: o princípio do Estado de direito (artigo 2.º), e o respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, sendo um desses direitos o direito que a todos pertence a uma tutela jurisdicional efectiva nos termo do artigo 20.º, 1.

O direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos de cada um é, entre o mais, um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder «deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas da outra parte e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras.

Dito isto, e sem mais, dir-se-á que o artigo 14.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais sempre deveria ser interpretado no sentido dar à parte, até ao início desta audiência de julgamento, de pagar a taxa de multa em falta e tudo o mais.

Reserva a Ré o seu direito ao recurso do presente despacho, citando o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa sob esta matéria, nomeadamente o proferido no âmbito do processo n.º 10624/19.7t8LRS-C.L1-8, proferido pelo Relator Luís Correia de Mendonça

Apelação

A ré não se conformou com o despacho que a impediu de produzir prova e interpôs recurso de apelação para o tribunal da Relação de Lisboa, pedindo se desse provimento ao recurso e, em consequência:

i. Se revogasse a decisão proferida pelo Tribunal a quo substituindo-a por decisão que, conhecendo das questões suscitadas, ordenasse que o processo fosse remetido à primeira instância para que fosse proferido despacho determinando a emissão das guias para pagamento da multa em falta;

ii. Se determinasse a anulação do processado desde o início da audiência de julgamento realizada a 05 de Março de 2024, inclusive, viabilizando a produção de prova da apelante, com as demais consequências legais.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido em 6 de Junho de 2024, julgou improcedente o recurso e, em consequência, manteve o despacho recorrido.

Revista:

A requerida não se conformou com a decisão e, invocando contradição do acórdão recorrido com 2 acórdãos da Relação de Lisboa e com um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, interpôs, ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do CPC, recurso de revista, pedindo se desse provimento ao recurso e em consequência:

• Se revogasse a decisão proferida pelo tribunal a quo substituindo-a por decisão que, conhecendo das questões suscitadas, ordenasse que o processo fosse remetido ao Tribunal da 1.ª instância para que fosse proferido despacho determinando a emissão das guias para pagamento da multa em falta;

• Se determinasse a anulação do processado desde o início da audiência de julgamento realizada a 05 de Março de 2024, inclusive, viabilizando a produção de prova da recorrente, com as demais consequências legais.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:

a. Não se conformando com o sentido do douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal a quo, que proferiu decisão no sentido de manter o despacho proferido pelo Tribunal de 1ª Instância no início da audiência de julgamento realizada em 05-03-2024, por via do qual foi determinado, com fundamento no disposto no art.º 14.º, n.º 4 do RCP, o impedimento da Ré/Recorrente de produzir prova, em razão do não pagamento da multa pela não liquidação atempada da 2.ª prestação da taxa de justiça, devida nos termos previstos no n.º 2 daquele preceito legal,

b. A Recorrente interpõe o presente Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 629.º, n. º2, alínea d), e 671.º, n.º 2, alínea a) do CPC.

c. De acordo com o entendimento sufragado no despacho proferido em 1ª Instância, a Ré/Recorrente disporia do prazo de 10 dias subsequente à notificação, efetuada pela unidade de processos, para que procedesse ao pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça, acrescida da multa de igual montante, multa essa liquidada em razão do não pagamento atempado daquela prestação.

d. Já conforme preconizado pela Ré/Recorrente, o citado n.º 4 do art.º 14.º do RCP deve ser interpretado no sentido de que, até ao início da audiência final (ou da realização de qualquer outra diligência probatória, hipótese esta não que não se verifica no caso dos autos), ainda se pode efetuar o pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa correspondente, definindo- se, assim, como momento último para a demonstração daquele pagamento precisamente aquele em que a prova irá ser produzida.

e. A questão primordial a apurar nos presentes autos corresponde, em suma, e sem limitação, a saber sobre aquele que deve ser acolhido como o terminus ad quem do pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça devida e da multa correspondente.

f. Sucede, pois, que o acórdão, aqui objeto de recurso, está em contradição com diversos acórdãos proferidos pelas Relações nomeadamente os seguintes - Acórdão da Relação de Lisboa de 14-09-2022, proferido no processo n.º 14284/21.7T8LSB-A.L1-2; Acórdão da Relação de Lisboa de 17-11-2022, proferido no processo n.º 10624/19.7T8LRS-C.L1-8 e Acórdão da Relação de Guimarães de 15-10-2020, proferido no processo com o n.º 2568/18.6T8VRL-C.G18, linha jurisprudencial acolhida pela aqui Recorrente.

g. Por outro lado, o Acórdão recorrido acolheu a linha jurisprudencial plasmada nos seguintes Acórdãos - Acórdão da Relação de Lisboa de 07-03-2024, proferido no processo n.º 15768/19.2T8LSB-A.L1-2, Acórdão da Relação do Porto de 17-01-2022, proferido no processo n.º 4480/20.0T8MTS-A.P1, Acórdão da Relação de Lisboa de 18-02-2020, proferido no processo n.º 9761/18.0T8LSB.L1-7 e Acórdão da Relação do Porto de 18-04-2017, proferido no processo n.º 1391/16.7T8AVR-A.P19 .

h. Nos presentes autos, ocorre contradição entre o Acórdão proferido pela Relação, no âmbito deste processo e os Acórdãos supra descritos, os quais se invocam para efeitos de contradição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, tendo como objeto uma decisão interlocutória, pelo que não caberia recurso de revista ordinário, nos termos do artigo 671.º, n. º 1 do CPC.

i. Sucede, pois, que os Acórdãos descritos apõem duas linhas jurisprudenciais opostas que legitimam o recurso a este Supremo Tribunal de Justiça nos termos legais expostos, ao qual caberá uniformizar” jurisprudência quanto à matéria sobre que versa o presente recurso, e que tem sido alvo de decisões dispares no seio dos Tribunais da Relação.

j. Sintetizando os factos que relevam ao caso concreto, conforme oportunamente se clarificou, que se é verdade que por mero lapso a ora recorrente não procedeu ao pagamento da guia da qual foi notificada a 29.06.2023, também é verdade que assim que se deparou com o lapso ocorrido, a Ilustre Mandatária da então ré, ligou de imediato para a secretaria judicial do Tribunal de 1ª Instância.

k. Perentoriamente foi lhe transmitido que - “não seria possível emitir e/ou renovar a referida guia de pagamento, pelo que deveria emitir DUC no valor de € 204,00 (duzentos e quatro euros) remetendo comprovativo de pagamento aos autos.”

l. Mais lhe foi referido que - “quanto ao valor de € 204,00 (duzentos e quatro euros), correspondente ao montante de multa se deveria aguardar pelo despacho da Sra. Dra. Juiz.”

m. Por considerar sérias e exatas as instruções da secretaria judicial quanto ao entendimento daquela secção, em 12.01.2024 por requerimento com a Ref.ª Citius n.º 47641745, juntou aos autos comprovativo de pagamento do valor de € 204,00 (duzentos e quatro euros).

n. Julgava, assim, a ora recorrente que teria sanado o lapso verificado, até que, no próprio dia agendado para audiência de julgamento, contrariamente ao anteriormente dito, o Sr. Oficial de Justiça informou a ora recorrente que estava em falta quanto ao pagamento da quantia de € 204,00 (duzentos e quatro euros), sendo que de imediato a Recorrente solicitou a respetiva guia de pagamento, pedido que lhe foi NEGADO!

o. Mais uma vez, perante a Meritíssima Juiz do Tribunal de 1ª Instância, a Recorrente manifestou propósito de pagar de imediato o valor de € 204,00 em falta, cujo pedido foi desconsiderado, tendo o referido Tribunal, de imediato, de forma absolutista, e sem audição da Recorrente, proferido o despacho aqui sindicado.

p. O objeto do presente recurso consubstancia-se, pois, a final, em uniformizar interpretação do n.º 4, do artigo 14.º do RCP.

q. O elemento literal da lei é expresso e claro - marca como momento útil para a demonstração do pagamento da taxa de justiça e da multa aquele em que a prova vai ser produzida, sendo certo que é na audiência final que a prova é produzida, era, pois, ademais possível, e direito da Recorrente, que a secretaria procedesse à emissão de nova guia e facultasse à então Ré a possibilidade de pagar os valores em falta.

r. Pois a emissão de guias para pagamento de qualquer multa, a todo o tempo, constitui um dever legal que não pode ser denegado.

s. Tal não ocorreu, e após a ré ter pagado a quantia de € 1224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros) de taxa de justiça, ficou absolutamente vedada de produzir todo e qualquer meio de prova, porque (pasme-se) não lhe foi conferida a possibilidade de regularizar ali mesmo, em momento anterior à audiência o pagamento da quantia de € 204,00, corresponde ao valor da multa até então não paga.

t. É entendimento da recorrente que o n.º 4 do artigo 14 do Regulamento das Custas Processuais deve ser interpretado no sentido de que, até ao início da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória, ainda se pode efetuar o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da correspondente multa - definindo-se assim como momento último para a demonstração daquele pagamento precisamente aquele em que a prova irá ser produzida.

u. A aplicação do segmento do nº 4 do artigo 14 do RCP que prevê a impossibilidade de diligências de prova em julgamento, como sanção acessória para a parte que omitiu o cumprimento do dever de pagamento da taxa de justiça subsequente e da multa respetiva, ao contrário do defendido por ambos os Tribunais recorridos nestes autos é inconstitucional, se a parte o pretendeu fazer e foi disso impedida pelo próprio Tribunal.

v. Não colhe a decisão recorria ao afirmar que não se verifica nenhuma inconstitucionalidade atendível, pois a interpretação que o Tribunal Recorrido faz do n.º 4 do artigo 14.º do RCP, não é, na perspetiva da recorrente, conforme ao texto constitucional, constante dos artigos 18.º n.º 2 e 20.º, n.º 1 e 4 da CRP, motivo pelo qual deverá julgar-se e decidir-se, nos termos e para os efeitos do artigo 280.º da CRP e artigo 70.º da LOTC a inconstitucionalidade da norma do n.º 4 do artigo 14.º do RCP quando interpretada no sentido de não ser concedida e admitida às partes processuais a faculdade de efetuarem o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e multa em igual montante até ao início da audiência final.

w. Diga-se ainda, por fim, que o Tribunal Recorrido incorreu em erro de julgamento ao não imputar ao Tribunal de 1.ª instância qualquer violação do princípio do contraditório, estatuído no artigo n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil.

x. No caso vertente, a Recorrente foi confrontada com uma decisão surpresa, que jamais poderia antecipar face ao conjunto de factos já alegados, decisão que ocorreu, sem qualquer razoabilidade e cooperação processual, em especial - sem audição específica da ora recorrente.

y. Acresce que a inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual, nos termos e para os efeitos do artigo 195.º do CPC, a qual deveria ter sido reconhecida no Acórdão recorrido.

z. Ao realizar uma errónea interpretação e aplicação, fora do âmbito dos pressupostos de aplicação do n.º 4 do artigo 14.º do RCP, o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento, violando, além da referida norma, o artigo 9.º do Código Civil, o artigo 3.º n.º 4 e o artigo 4.º ambos do CPC e ainda os artigos 2.º, 18.º n.º 2 e 20.º n.º 1 e 4, todos da CRP.

A recorrida não respondeu.


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Apesar de a recorrente ter indicado, para fundamentar a admissão do recurso, mais de um acórdão em contradição com o acórdão recorrido e de ser ao recorrente que cabe indicar o acórdão fundamento (artigo 637.º n.º 2 do CPC), o ora relator não convidou a recorrente a especificar o acórdão fundamento pela seguinte razão. A recorrente juntou aos autos certidão de dois dos acórdãos por si invocados (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 14-09-2023, no processo n.º 14284/21.7T8LSB-A e acórdão proferido em 15-10-2020, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no processo n.º 2568/18.6T8VRL-C) e verificava-se que ambos estavam em contradição com acórdão recorrido sobre a mesma questão fundamental de direito. Nestas circunstâncias, o convite seria inútil, visto que qualquer que fosse a indicação da recorrente, o recurso sempre seria admitido ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC.

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Síntese das questões suscitadas pelo recurso:

• Saber se o acórdão recorrido interpretou e aplicou erradamente o n.º 4 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais;

• Saber se o n.º 4 do artigo 14.º do RCP, interpretado no sentido que lhe foi dado pelo acórdão recorrido, é inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 20.º, n.ºs 1 e 4, ambos da Constituição da República Portuguesa;

• Saber se o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao não imputar à decisão recorrida a violação do princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.


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Factos provados relevantes para a decisão do recurso:

Os narrados no relatório deste acórdão.


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Questão prévia:

Apesar de o recurso suscitar 3 questões, este tribunal não irá conhecer da enunciada em 3.º lugar. A razão é a seguinte. Quando a revista é admitida com algum dos fundamentos específicos de recorribilidade previstos nas alíneas a) a d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, o tribunal conhece apenas da questão que determinou a admissibilidade da revista. Cita-se em abono desta interpretação o acórdão do STJ proferido em 13-07-2017, no processo n.º 669/10.8TBGRD-B.C1.S1, publicado em www.dgsi.pt. e ainda, na doutrina, Abrantes Geraldes, que escreve a este propósito: “Tal como ocorre com as demais situações em que é assegurada uma via especial de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, a admissão do recurso com fundamento em contradição jurisdicional tem como único objectivo o de reapreciar o acórdão recorrido a partir da resposta que seja dada á questão essencial de direito, ficando afastadas as demais questões que se sujeitam à regra geral” (Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição Atualizada, Almedina, página 75).

Visto que, no caso, a revista foi admitida ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC – contradição do acórdão recorrido com o acórdão da Relação de Guimarães proferido em 15-10-2020 no processo n.º 2568/18.6T8VRL-C, sobre a questão de saber se o n.º 4 do artigo 14.º do RCP permitia o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça até ao dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória - é esta a questão que irá ser objecto de pronúncia por parte deste tribunal. De fora, fica, pois, o fundamento de recurso constituído pela aelgação de que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao não imputar à decisão recorrida a violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC.

Posto isto, passemos à resolução das restantes questões.

Primeira: saber se o acórdão recorrido interpretou e aplicou erradamente o n.º 4 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais.

O artigo 14.º dispõe sobre a oportunidade do pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça e da segunda prestação da taxa de justiça.

Para o caso interessam-nos as disposições relativas ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça nas causas que importem a constituição de advogado e em que há lugar a audiência final. Tais disposições são as dos números 2, 3 e 4.

Elas foram introduzidas no Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Decreto-lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro. A alteração foi ditada pelo seguinte. O Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril – que também alterara o RCP – estabeleceu o pagamento da taxa de justiça em duas prestações (antes o pagamento fazia-se num único momento), com a justificação de permitir uma maior facilidade de acesso à justiça por parte dos seus utentes. Não definiu, no entanto, o momento do pagamento da segunda prestação. A Lei n.º 7/2012 colmatou essa lacuna, definindo esses momentos e estabelecendo as consequências do não pagamento.

O resultado da alteração foi o seguinte:

A segunda prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar a realização desse pagamento no mesmo prazo (n.º 2);

• Se, no momento definido no número anterior, o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça não tiver sido junto ao processo, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, a secretaria, nos termos prescritos no n.º 3, notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC, nem superior a 10 UC (n.º 3);

Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior, se, no dia da audiência final, não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, o tribunal, nos termos do n.º 4 do art.º 14.º em apreço, determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta” (n.º 4).

O acórdão recorrido interpretou o n.º 3 no sentido de que aí se estabelece o prazo limite para o interessado pagar a segunda prestação da taxa de justiça, acrescida de multa; quanto ao sentido do n.º 4 é o de permitir até ao dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória a junção ao processo do documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa.

Citou em abono desta interpretação os seguintes acórdãos do Tribunal da Relação, todos publicados em www.dgsi.pt:

• O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7-03-2024, proferido no processo n.º 15768/19.2T8LSB-A;

• O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-01-2022, proferido no processo n.º 4480/20.0T8MTS-A.P1;

• O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-02-2020, proferido no processo n.º 9761/18.0T8LSB.L1;

• O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-04-2017, processo n.º 1391/16.7T8AVR.

E citou ainda, em abono da interpretação acima exposta, Salvador da Costa, que escreveu a este propósito: “O n.º 3 estabelece a consequência jurídica da omissão da junção, no decêndio previsto no número anterior, do documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário ou da sua não comprovação por via electrónica.

Essa consequência jurídica imediata, por força deste normativo, é a de a secretaria notificar a parte em falta para, no prazo de 10 dias, contado nos termos supracitados efectuar o pagamento da taxa de justiça em falta e da multa reportada.

Mas isso não significa que a parte tenha a faculdade alternativa de pagar a taxa de justiça e a multa objecto da notificação da secretaria até à audiência final, salvo se eventualmente, ainda não tiver decorrido o prazo a que este normativo se reporta”

(…) o n.º 4, depois de salvaguardar o decurso do prazo adicional de 10 dias, previsto no n.º 3, reporta-se à verificação, no dia da audiência final ou de qualquer outra diligência probatória, da falta de comprovação pela parte do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão do apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária.

Nesse caso, o juiz determina a não realização de diligências probatórias, de qualquer natureza, que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta, ou seja, declara a sua inadmissibilidade. Proferido o referido despacho, consumada fica a sanção relativa ao incumprimento pela parte em causa da sua obrigação de pagamento pontual da segunda prestação da taxa de justiça e da multa associada (As Custas Processuais, Análise e Comentário, 2022, 9.ª Edição, página 135).

A recorrente contrapõe que o n.º 4 é de interpretar no sentido de que o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescida de multa, pode fazer-se até ao início da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória (hipótese que não se verifica no caso dos autos).

A sua linha argumentativa assenta no seguinte:

• O elemento literal da lei é expresso e claro - marca como momento útil para a demonstração do pagamento da taxa de justiça e da multa aquele em que a prova vai ser produzida, sendo certo que é na audiência final que a prova é produzida, era, pois, ademais possível, e direito da Recorrente, que a secretaria procedesse à emissão de nova guia e facultasse à então Ré a possibilidade de pagar os valores em falta.

• A emissão de guias para pagamento de qualquer multa, a todo o tempo, constitui um dever legal que não pode ser denegado.

Cita em abono da sua interpretação os seguintes acórdãos da Relação, todos publicados em www.dgsi.pt:

• O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-09-2022, proferido no processo n.º 142884/21.7T8LSB-A;

• O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-11-2022, proferido no processo n.º 10624/19.7T8LRS-C.L1;

• Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-10-2020, proferido no processo n.º 2568/18.6T8VRL-C.G1.

No entender deste tribunal, a interpretação do acórdão recorrido não merece censura, pois tem apoio nos critérios de interpretação da lei enunciados no artigo 9.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código Civil. Vejamos.

De acordo com o n.º 2 do artigo 14.º acima transcrito, a segunda prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar a realização desse pagamento no mesmo prazo.

Decorre deste preceito que o interessado tem um duplo ónus no mencionado prazo: o de pagar a segunda prestação da taxa de justiça e o de comprovar no processo o pagamento.

O n.º 3 diz o que sucede na hipótese de o interessado não juntar ao processo, no prazo previsto no n.º 2, prova do pagamento da taxa de justiça ou da concessão do benefício de apoio judiciário: a secretaria notifica-o para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.

Com a notificação deverá ser enviada a respectiva guia acompanhada do DUC, nos termos do artigo 21.º, n.º 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17-04-2009.

Os termos do número 3 mostram que a notificação da secretaria é levada a cabo com base na simples falta de junção de algum dos mencionados documentos, sem se cuidar de saber das razões de tal omissão. E tal acontece porque o legislador labora no seguinte pressuposto: se o interessado não juntou ao processo documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da concessão do apoio judiciário no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final, é porque não a pagou ou porque não beneficia de apoio judiciário.

Dada, no entanto, a consequência gravosa que está associada à falta de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça (impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas), o legislador concede ao interessado um prazo adicional de 10 dias para a pagar, mas agora já com multa de igual montante, embora nunca inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.

Esta concessão de um prazo adicional à parte depois de não pagar, num prazo inicial, a taxa de justiça, não é exclusiva da segunda prestação da taxa de justiça. Acontece também com a omissão do pagamento prévio da taxa de justiça devida pela apresentação de contestação (n.ºs 2 e 3 do artigo 570.º do CPC) e pela interposição de recursos (n.ºs 1 e 2 do artigo 642.º do mesmo diploma.

O n.º 4 estabelece a consequência, para o interessado, da falta de pagamento da taxa de justiça: impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas.

Não se ficou, no entanto, por aqui o n.º 4. Previu e regulou ainda as seguintes situações.

Com o segmento “sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior” previu e regulou as seguintes hipóteses:

• A de, no dia da audiência final ou da realização de qualquer diligência probatória, estar em curso o prazo adicional concedido pela secretaria;

• A de, no dia da audiência final ou no da realização de qualquer diligência probatória, a secretaria estar em falta quanto à notificação do interessado para pagar a 2.ª prestação da taxa de justiça acrescida de multa, no prazo adicional.

Na 1.ª, o interessado mantém a faculdade de efectuar o pagamento acrescido de multa dentro de tal prazo adicional; na segunda, mantém o direito à notificação da secretaria.

O n.º 4 previu e regulou ainda outra situação: a de o interessado ter pagado a segunda prestação da taxa de justiça no prazo inicial (n.º 2) ou ter pagado tal prestação, acrescida de multa, no prazo adicional que lhe foi assinalado ou ainda ter obtido a concessão do benefício de apoio judiciário, mas não ter juntado ao processo documento comprovativo dos pagamentos ou da concessão do referido benefícios.

Nestas situações, o n.º 4 admite a junção de qualquer dos mencionados documentos no próprio dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória. Se o fizer, não ficará impedido de realizar as diligências probatórias que tiver requerido.

O sentido do n.º 4 do artigo 14.º do RCP é, pois, o de consentir ao interessado a faculdade de provar, até ao dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória, o pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça, com ou sem multa, ou a concessão do benefício do apoio judiciário

E diz-se “com ou sem multa” porque o documento que o interessado pode juntar até ao dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória não é apenas o que comprova o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa no prazo adicional; pode juntar também o pagamento da taxa de justiça no prazo inicial, como o atestam o seguinte passo do n.º 4 “ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça”.

Não pode deixar de atribuir-se significado à circunstância de o legislador ter mencionado no n.º 4 apenas a junção dos mencionados documentos e já não o pagamento, pois, segundo o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, na fixação do sentido da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

A interpretação do n.º 4 que vem sendo exposta é a que tem a seu favor a unidade do sistema jurídico. Vejamos.

Se, como entende a recorrente, o n.º 4 fosse interpretado no sentido de que permitia ao interessado o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescida de multa, depois de esgotado o prazo adicional previsto no n.º 3, então teríamos de admitir que tal prazo não era peremptório.

Sucede que este entendimento teria contra si o n.º 1 do artigo 139.º do CPC. Com efeito, de acordo com este preceito, o prazo é dilatório ou peremptório. Visto que o dilatório é o que difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo e que o prazo adicional do n.º 3 do artigo 14.º do RCP não se ajusta a nenhuma destas hipóteses, a conclusão que se impõe é a de que se trata de prazo peremptório.

E, assim, por aplicação do n.º 3 do artigo 139.º, o decurso dele extingue o direito de praticar o acto. Por outras palavras, se o interessado não pagar a segunda prestação da taxa de justiça acrescido de multa no prazo adicional de 10 dias, extingue-se o direito de o fazer.

Não se ignora que, no caso da contestação, o réu, depois de ser notificado pela secretaria para pagar a taxa de justiça omitida, com o acréscimo da multa, no prazo adicional de 10 dias, ainda dispõe de novo prazo de 10 dias para proceder ao pagamento da taxa de justiça em falta, acrescida de multa de igual valor (n.º 5 do artigo 570.º do CPC).

Trata-se, no entanto, de uma solução excepcional que já não vale, por exemplo, para a falta de pagamento de taxa de justiça no caso de recurso. Neste caso, se o recorrente não juntar documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça no momento definido para o efeito, a secretaria notifica-o para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa (n.º 1 do artigo 642.º do CPC). E quando no termo do prazo de 10 dias, não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação.

Por todo o exposto é de interpretar os números 3 e 4 no sentido com que foram interpretados pelo acórdão recorrido, ou seja:

• O prazo adicional previsto no n.º 3 é o prazo limite para o interessado efectuar a 2.ª prestação da taxa de justiça, acrescida de multa;

• O n.º 4 consente ao interessado tão só a faculdade de demonstrar, até ao dia da audiência final ou o da realização de qualquer outra diligência probatória uma das seguintes realidades: 1) pagamento da taxa de justiça no prazo inicial; 2) pagamento da taxa de justiça acrescida de multa, no prazo adicional; 3) a concessão do benefício do apoio judiciário.

A segunda questão suscitada pelo recurso é a de saber se o n.º 4 do artigo 14.º do RCP, interpretado no sentido que lhe foi dado pelo acórdão recorrido, é inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 20.º, n.ºs 1 e 4, ambos da Constituição da República Portuguesa.

A resposta a esta questão é negativa.

O acórdão recorrido pronunciou-se sobre esta questão, julgando não inconstitucional o artigo 14.º, n.ºs 3 e 4, do RCP no sentido com que os interpretou. Apreciou a questão, tendo como parâmetros o direito à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) e o princípio da proporcionalidade (artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).

Afastou a violação do direito à tutela jurisdicional efectiva com base em síntese na seguinte fundamentação

• O que se tratava aqui era do cumprimento de uma obrigação (o pagamento da taxa de justiça) que, na sua essência, constitui a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte de um utente, sujeito passivo daquela contrapartida;

• Por outro lado, estava em causa o cumprimento de uma obrigação com um prazo fixado de antemão pelo legislador e que, se não observado, não só não acarretava a produção de efeitos preclusivos imediatos, como, pelo contrário, era proporcionada à parte faltosa a possibilidade do cumprimento da obrigação, ainda que com sujeição a multa, no quadro de uma segunda oportunidade;

• Finalmente, ainda que se reconhecesse severidade à consequência decorrente do incumprimento da obrigação naquela segunda oportunidade, consubstanciada na impossibilidade de produzir prova dos factos que servem de fundamento à ação e/ou à defesa, certo é que tal consequência, como referido num acórdão (acórdão da Relação de Lisboa proferido em 18-02-20 , proferido no processo n.º 9761/18.0T8LSB.L1-7) surgia apenas na sequência de duas oportunidades concedidas para efectuar o pagamento devido e, portanto, num quadro de puro e ostensivo incumprimento da parte faltosa;

• Havia, pois, justificação para a exigência de que o pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça devida e da multa fosse feita no prazo perentório previsto no n.º 3 do art.º 14.º do RCP; não havia excessiva onerosidade no seu cumprimento por parte do responsável pelo pagamento; e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento, apesar de severa, não é desproporcional em face das oportunidades de cumprimento que são dadas ao devedor.

• De resto, o juízo de inconstitucionalidade que a Ré/Recorrente sustentava no recurso tinha subjacente, não a imposição do pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça, nem o seu valor ou mesmo as consequências do seu definitivo incumprimento, mas tão somente a exigência de que tal pagamento fosse feito no prazo previsto no n.º 3 do art.º 14.º do RCP e não numa fase subsequente do processo (na audiência de julgamento), não se vendo, assim, em que medida é que o momento temporal do pagamento numa fase ou noutra possa gerar a inconstitucionalidade da primeira solução, mas já não da segunda.

E afastou a violação do princípio da proporcionalidade dizendo em síntese:

• Desde logo, a Ré/Recorrente não foi impedida pelo tribunal a quo de pagar a 2.ª prestação da taxa de justiça devida e a multa correspondente; o que se passou foi que o tribunal a quo, reputando extemporâneo o pagamento que a Ré/Recorrente efetuara da taxa de justiça e o que pretendia efetuar da multa, não admitiu, com esse fundamento, que fosse feito o pagamento da multa;

• Depois, e em segundo lugar, o valor pecuniário em falta e que não foi devidamente pago pela Ré/Recorrente ascendia, não a € 204,00, mas a € 408,00, já que o pagamento que a mesma efetuou referente à 2.ª prestação da taxa de justiça foi extemporâneo (além do prazo previsto no n.º 3 do art.º 14.º do RCP), não produzindo, assim, qualquer efeito;

• Finalmente, e em terceiro lugar, do que se tratava aqui era do cumprimento de uma obrigação legalmente prevista na lei como contrapartida da prestação de um serviço que a Ré/Recorrente pretendia usufruir, obrigação esta que a mesma pura e simplesmente não cumpriu.

Perante esta desenvolvida e cuidada argumentação, a recorrente sustenta a inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 14.º do RCP, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrida com base na seguinte alegação:

• Que a interpretação do artigo 14.º, n.º 4 do RCP feita pelo acórdão recorrido revela-se intoleravelmente desproporcionada entre a irregularidade cometida pela recorrente, de natureza meramente processual, e a sanção que se lhe aplicou;

• Que o uso do princípio da proporcionalidade em sentido estrito implica que se verifique se o sacrifício dos direitos individuais sujeitos á sua aplicação consagra uma relação razoável ou proporcional com a importância do objectivo que se pretende atingir;

• Que, em última análise, o princípio da proporcionalidade tem implícito uma equação “meio-fim” na qual se aborda a idoneidade e a adequação de uma norma em relação com a finalidade que se pretende lograr, que após cuidada ponderação não poderá resultar numa clara inadequação pelo seu carácter manifestamente excessivo e desproporcionado em relação às vantagens que apresenta.

Pese embora o respeito que nos merece a alegação da recorrente, ela não colhe contra o acórdão recorrido.

A alegação da recorrente remete-nos para a constitucionalidade das normas processuais que impõem ónus processuais (no caso: ónus de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça no prazo limite previsto no n.º 3 do artigo 14.º do RCP) e estabelecem as consequências do incumprimento de tais ónus (no caso: impossibilidade de realização das diligências de prova).

A propósito desta questão, o Tribunal Constitucional tem afirmado em várias decisões – como se escreveu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 151/2020, de 4 de Março de 2020 (citando outros acórdãos, designadamente os Acórdãos números 277/2016, 486/2016, 527/2016, 270/2018, 604/2018 e 440/2019) que o “respeito das exigências decorrentes da garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça, quando estejam em causa normas que impõem ónus processuais, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, não sendo incompatível com a imposição de ónus processuais às partes (cfr., neste sentido, entre outros, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 122/02 e 46/05)”.

Pode, pois, afirmar-se que a imposição de ónus às partes e o estabelecimento de sanções para o incumprimento deles cabe dentro da liberdade de conformação do processo por parte do legislador, não sendo só por si incompatíveis com a garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça.

Mas se isto é certo, também é certo, como se afirma no acórdão supra referido, que … “a ampla liberdade do legislador no que respeita ao estabelecimento de ónus que incidem sobre as partes e à definição das cominações e preclusões que resultam do seu incumprimento está sujeita a limites, uma vez que os regimes processuais em causa não podem revelar-se funcionalmente inadequados aos fins do processo (isto é, traduzindo-se numa exigência puramente formal e arbitrária, destituída de qualquer sentido útil e razoável) e têm de se mostrar conformes com o princípio da proporcionalidade. Ou seja, os ónus impostos não poderão, por força dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, impossibilitar ou dificultar, de forma arbitrária ou excessiva, a atuação procedimental das partes, nem as cominações ou preclusões previstas, por irremediáveis ou insupríveis, poderão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida, colocando assim em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva”.

Ora - como assinala o referido acórdão - “o Tribunal Constitucional, procurando densificar, na sua jurisprudência, o juízo de proporcionalidade a ter em conta quando esteja em questão a imposição de ónus às partes, tem reconduzido tal juízo à consideração de três vetores essenciais:

A justificação da exigência processual em causa;

A maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado;

A gravidade das consequências ligadas ao incumprimento dos ónus”.

A recorrente não põe em causa, na sua alegação, a exigência da segunda prestação da taxa de justiça, nem sequer o pagamento da segunda prestação acrescida de multa, no caso de não cumprir a sua obrigação no prazo inicialmente previsto no n.º 2 do artigo 14.º do RCP. Também não alega falta de capacidade para pagamento de tal prestação, mesmo acrescida de multa.

Na sua lógica argumentativa o que é desproporcionado não é a consequência devida pelo não pagamento da taxa de justiça acrescida de multa – a impossibilidade de realização das diligências de prova; o que é desproporcionado é a aplicação desta consequência imediatamente após o decurso do prazo adicional previsto no n.º 3 do artigo 14.º do RCP. Segundo ela, a proporcionalidade já seria alcançada se a consequência valesse apenas na hipótese de falta de pagamento até ao dia da audiência final ou do da realização de prova.

Contra esta alegação, socorremo-nos das seguintes palavras do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 332/2007, de 29 de Maio de 2007, numa situação que pode considerar-se semelhante à dos autos - desentranhamento das alegações do recurso por o recorrente “devidamente noti­ficada (…) para proceder ao pagamento omitido da taxa de justiça e multa com a cominação inserta no n.º 2 do artigo 690.º‑B do CPC”, ter apenas pago a multa devida, omitindo o pagamento da taxa de justiça em falta:

“… num contexto de reiterado incumprimento, ou cumprimento defeituoso, pela parte, dos seus ónus processuais, a consequência do desentranhamento da peça processual, que a recorrente não podia desconhecer que tinha a sua validade dependente desse cumpri­mento, cuja satisfação não representava para ela excessiva onerosidade, não constitui restrição excessiva ou intolerável ao direito de acesso aos tribunais nem viola os restantes princípios constitucionais invocados pela recorrente”.

Pelo exposto, improcede a alegação de que a interpretação do artigo 14.º, n.º 3 e 4, do RCP feita pelo acórdão recorrido viola os artigos 18.º, n.º 2 e 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.


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Decisão:

Julga-se o recurso improcedente e, em consequência, mantém-se o acórdão recorrido.

Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de a recorrente ter ficado vencido no recurso, condena-se a mesma nas respectivas custas.

Lisboa, 14 de Novembro de 2024

Relator: Emídio Santos

1.º Adjunto: Orlando Nascimento

2.ª Adjunta: Catarina Serra