Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO PINTO OLIVEIRA | ||
Descritores: | RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO ACORDÃO FUNDAMENTO ACÓRDÃO RECORRIDO REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
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Data do Acordão: | 12/15/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (CÍVEL) | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA | ||
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Sumário : | O art. 688.º do Código de Processo Civil exige que os dois acórdãos alegadamente em contradição se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. | ||
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Decisão Texto Integral: |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1. AA e BB vêm interpor recurso para uniformização de jurisprudência, invocando como fundamento a contradição entre o acórdão de 14 de Janeiro de 2021 e o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 1 de Outubro de 2015, proferido no processo n.º 824/11..... 2. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões: 1 - O Recurso interposto para este STJ, nos termos do disposto no artigo 672.º, al. a), do C.P.C., fundamentou-se em questões que pela sua relevância jurídica, necessitavam de uma melhor aplicação do direito, relativas: a) validade e suficiência do título executivo dado à execução, nos termos do artigo 53.º, do C.P.C.; b) do dever de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e 608.º, n.º 2 do C.P.C; c) legitimidade activa e da sub-rogação; d) limitação do objecto do recurso e reapreciação da matéria de facto; 2 - Os Recorrentes, invocaram a violação do art.º. 352.º, art.º 364.º, art.º 405.º e art.º 589.º a 594.º, todos do C.C.; art.º 146.º e art.º151, ambos, do C.S.C.; art.º 53.º, art.º 574.º, n.º 1, art.º607.º, n.º 4 e 5, 615.º, n.º 1, al. d), 640.º, 703.º e 724.º, n.º 4, 729.º, al. g), todos do C.P.C.; 3 - O Ac. recorrido apenas apreciou o ponto relativo “à limitação do objecto do recurso e reapreciação da matéria de facto”; 4 - Os Recorrentes cumpriram com o ónus que sobre os mesmos impende, uma vez que, ao contrário do invocado, não se limitaram a arguir as nulidades da sentença, outrossim impugnaram a matéria de facto, designadamente, nas conclusões I, II, X; d. conclusão IV, IX; d. conclusão VI, VIII; e d. conclusão XI, XII, respectivamente, invocaram erros na fixação da matéria de facto provada, em função das provasproduzidas, e o sentido em que deveria ter sido fixada a respetiva matéria; invocaram a violação do princípio da livre apreciação da prova e erro notório na apreciação da prova; invocaram erros na qualificação jurídica dos factos; invocaram erro na apreciação da prova e nas concordantes consequências e invocaram a violação do princípio da livre apreciação da prova e erro notório na apreciação da prova; 5 - O Ac. em crise, é redutor plasmando que a questão a decidir consistia em apurar se a Sentença é nula, ainda que diversas nulidades tenham sido invocadas. 6 - O Ac. em cotejo encontra-se em manifesta oposição com o supra referido Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça de 01-10-2015, Relator: Ana Luísa Geraldes, in www.dgsi.pt; 7 - Nas situações em a modificabilidade da matéria de facto não depende da iniciativa do Tribunal da Relação (que pode fazê-la oficiosamente nos termos do nº 2 do art. 662º), cabe ao Recorrente que pretende ver alterada a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1ª instância impugná-la nos termos previstos no art. 640º do CPC, o que os Recorrentes de facto concretizaram, como resulta da conclusão supra 4; 8 - O Ac., não aplicou adequadamente o estatuído nos artigos 639.º e 640.º do C.P.C., uma vez que tal como no Ac. fundamento deverá considerar-se cumprido o referido ónus quando se invocam erros na fixação da matéria de facto provada, em função das provas produzidas, e o sentido em que deveria ter sido fixada a respetiva matéria; quando se invocam erros na qualificação jurídica dos factos; quando se invocam erros na apreciação da prova e nas concordantes consequências; quando se invoca a violação do princípio da livre apreciação da prova e erro notório na apreciação da prova; 9 - A Sentença proferida não procedeu à fixação e julgamento da matéria de facto de forma especificada; 10 - Na esteira do invocado Ac. fundamento, com total aplicabilidade aos presentes“Por conseguinte, e sem necessidade de mais considerações, procede a revista na parte em que a Recorrente se insurge contra o modo como a Relação decidiu a impugnação da decisão da matéria de facto, importando a remessa dos autos à Relação para que seja efectivamente apreciada a apelação nessa parte e, uma vez fixada a matéria de facto provada e não provada, sejam apreciadas as demais questões suscitadas nas alegações do recurso de apelação”. 11 - Neste sentido, do Ac. fundamento, também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/02/2019, P. 1316/14.4TBVNG-A-P1-S2, Relator: Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt; Nestes termos, deve o presente Recurso ter provimento e, em consequência, ser integralmente revogado o Acórdão Recorrido, com fundamento na violação das normas supra referidas, com o que se fará JUSTIÇA! 3. Os Recorridos CC e DD responderam, pugnando pela improcedência do recurso. 4. Em 22 de Abril de 2021, foi proferida a decisão singular prevista no art. 692.º do Código de Processo Civil [1], no sentido da não admissão do recurso para uniformização de jurisprudência. 5. Inconformado, o Recorrente AA veio apresentar, ao abrigo do art. 643.º, n.º 4, e 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, reclamação para a conferência da decisão singular de 22 de Abril de 2021. 6. Fê-lo nos seguintes termos: 1.º O Recorrente, por questões de economia processual, dá aqui por integralmente reproduzidas as Alegações de fls.. 2.º O mesmo não se conforma com a não admissão do impetrado Recurso, uma vez que, s.d.r. considera que se encontram verificados os referentes pressupostos legais. 3.º Com efeito, e ao contrário do explanado na decisão ora proferida, o objecto do presente recurso não se limita à invocação de “um problema de interpretação do termo de transacção”, 4.º Uma vez que, a questão de fundo se prende com o facto de o digno Tribunal “a quo” ter considerado que o recurso ali apresentado se limitava à arguição de nulidades, quando tal não verificou. 5.º Assim, este Supremo Tribunal de Justiça entendeu negar provimento ao recurso, confirmando o Ac. recorrido, sumariando: “Quando os recorrentes não tenham impugnado nenhum dos concretos pontos de facto dados como provados, não há que averiguar se o Tribunal da Relação aplicou correctamente o art. 662.º do Código de Processo Civil, actuando ou exercendo os poderes de reapreciação da decisão de factos.”. 6.º Sucede que e conforme foi amplamente invocado, o aqui Recorrente considera que cumpriu o ónus que sobre si impendia, nos termos previstos no artigo 640.º, do C.P.C., tendo invocado: - Erros na fixação da matéria de facto provada, em função das provas produzidas, e o sentido em que deveria ter sido fixada a respetiva matéria (assim, designadamente, nas conclusões I, II, X); - Erros na qualificação jurídica dos factos (conclusão IV, IX); - Erro na apreciação da prova e nas concordantes consequências (conclusão VI, VIII); - Violação do princípio da livre apreciação da prova e erro notório na apreciação da prova (conclusão XI, XII). 7.º Mais impugnou diversos pontos da matéria de facto, designadamente: - Que os Executados não subscreveram a título pessoal qualquer transacção com a representada dos Recorridos; - Que não se obrigaram pessoalmente; - Que a quantia em dívida não é a apurada pelos Exequentes; - Que não ocorreu a sub-rogação de créditos.8.º E ainda indicou os diversos meios de prova existentes no processo que, de per si, implicariam decisão diversa, designadamente: - A confissão judicial e - Os doc. de fls. 204 a 234 e 258 a 275, 9.º Entende, assim, o Recorrente que o Acórdão proferido se encontra em manifesta oposição com o referenciado acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 01-10-2015, uma vez que tal como considera o aqui Recorrente “Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados, nas conclusões, os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação, nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação.”, 10.º O que inclusive não sucede in casu, uma vez que foram indicados os meios probatórios passíveis de sustentar decisão diversa. 11.º Sem prejuízo, o cumprimento do ónus a cargo do Recorrente, quando esteja em causa a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não pode redundar na adopção de entendimentos formais por parte dos Tribunais, centrados numa visão formalista do processo e que, na prática, se traduzam na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica. 12. Tal como no Acórdão fundamento, deverá considerar-se cumprido o referido ónus quando se invocam erros na fixação da matéria de facto provada, em função das provas produzidas, e o sentido em que deveria ter sido fixada a respetiva matéria; quando se invocam erros na qualificação jurídica dos factos; quando se invocam erros na apreciação da prova e nas concordantes consequências; quando se invoca a violação do princípio da livre apreciação da prova e erro notório na apreciação da prova. Pelo exposto, nos termos do estatuído no artigo 692.º, n.º 2, do C.P.C., Requer-se de Vª.s Exas, que seja apreciada a presente reclamação, devendo o Recurso interposto ser admitido, seguindo os seus termos até final. 7. Os Reclamados CC e DD responderam à reclamação, pugnando pela confirmação da decisão singular reclamada. II. — FUNDAMENTAÇÃO 8. O art. 688.º do Código de Processo Civil determina que 1. — As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. 2. — Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito. 3. — O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça. 9. O art. 688.º, n.º 1, deve analisar-se, distinguindo os três requisitos essenciais do recurso para uniformização de jurisprudência: que o acórdão recorrido esteja em contradição com algum acórdão anteriormente proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, denominado de acórdão fundamento; que os dois acórdãos tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação; e que os dois acórdãos tenham sido proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito. 10. Interpretando o art. 688.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça tem exigido constantemente que “as soluções alegadamente em conflito […] [tenham] na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo — tendo em consideração a natureza e teleologia dos específicos interesses das partes em conflito — sejam análogas ou equiparáveis” [2]. 11. Ora, as situações materiais litigiosas subjacentes ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 2015 — processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1 — e ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2021, agora recorrido, são em tudo distintas. 12. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 2015 pronunciou-se sobre uma situação em que os Recorrentes impugnaram a decisão sobre a matéria de facto. 13. A fundamentação do acórdão de 1 de Outubro de 2015 diz, designadamente que “… a Recorrente, nas conclusões das suas alegações, em sede de recurso de apelação, de acordo com o Tribunal da Relação de Lisboa, verteu os seguintes fundamentos circunstanciados e especificados:
‘Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação da referida sentença, tendo sintetizado a sua alegação, nas seguintes conclusões: 1ª) - No caso em apreciação foi feita, aquando da celebração do contrato, uma identificação muito concreta, completa e pormenorizada de todos os elementos da actividade a desenvolver pela autora que limitou o poder directivo da Ré, o que deve levar a caracterizar o contrato celebrado entre ambas, em Janeiro de 2006, como um contrato de prestação de serviços. 2ª) - Pelas razões aduzidas no ponto 6 destas alegações, a resposta ao quesito 1° deve ser alterada do seguinte modo: “A relação contratual entre a Autora e a Ré teve início em Janeiro de 2006”. 3ª) - O Meritíssimo Juiz a quo indeferiu a reclamação da ré da não inclusão, na base instrutória, dos factos alegados nos artigos 9° a 12°, 14°, 18°, 19°, 21°, 22°, 24°, 25º, 28°, 29° 30°, 71°, 72° e 74° da contestação, negando à R. o direito a provar factos que, opondo-se aos alegados pela A., anulariam as conclusões e interpretações que o Tribunal destes retirou. Ao indeferir a reclamação da R., o Meritíssimo Juiz violou o disposto no art. 511º, n.º 1 do CPC aplicável à data do despacho. 4ª) - Reapreciada a prova, deve este Tribunal de recurso alterar as respostas à matéria de facto da seguinte forma: a) Factos dos artigos 3º, 4º, 5º, 20º e 21º da base instrutória: não provados, sendo eliminado o facto provado n.º 5; b) Resposta ao artigo 11º da base instrutória (dada no facto provado n.º 10): “Cabendo-lhe coordenar o trabalho da funcionária administrativa FF dando-lhe instruções sobre o lançamento contabilístico (resposta ao artigo 11° da base instrutória)” c) Resposta ao artigo 12º da base instrutória (dada no facto n.º 11); “A Autora entrevistou esta funcionária no âmbito do respectivo recrutamento, tendo em vista apurar da sua aptidão para a função que viria, desempenhar” (resposta ao artigo 12° da base instrutória). d) Resposta ao artigo 14º da base instrutória (dada no facto provado n.º 12): não provado; e) Resposta aos artigos 22° e 50° da base instrutória (dada nos factos provados n.ºs 13 e 27): não provado; f) Resposta aos artigos 23° e 24° da base instrutória (dada nos factos provados n.°s 14 e 15): não provado; g) Resposta ao artigo 26° da base instrutória (dada no facto provado n.° 17): “E, com excepção das funções de TOC, a Autora manteve o exercício das restantes funções indicadas no facto n.° 4, passando ainda a ser responsável pelo funcionamento de toda a rede informática da Ré (resposta ao artigo 26° da base instrutória)”. h) Resposta ao artigo 29º da base instrutória (dada no facto provado n.° 19): não provado; i) Resposta aos artigos 30° e 31° da base instrutória (dada no facto provado n.º 20): “A Ré procedia ao registo da entrada e saída da A. na portaria”; j) Respostas aos artigos 48° e 49° da base instrutória (dada nos factos n.°s 25 e 26): não provado; 5ª) - Reapreciada a prova e corrigidas, como requerido, as respostas à base instrutória, há que concluir que a autora não foi contratada pela ré para lhe prestar a sua actividade sob a sua autoridade e direcção: A A. não respeitava um horário previamente definido; a autora não estava à disposição da ré, submetendo-se a desempenhar as actividades ordenadas por esta, mas apenas as referenciadas no artigo 1º da petição inicial, não existindo, assim, uma relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato; a autora não auferia uma retribuição certa mas em função dos serviços prestados; a autora não estava sujeita à disciplina da empresa; não se verificava subordinação jurídica da Autora perante a Ré. 6ª) - Por isso se tem de concluir que o contrato que existiu entre autora e a ré deve ser qualificado como um contrato de prestação de serviços e não como um contrato de trabalho. 7ª) - A sentença recorrida violou, assim, o disposto no artigo 10° do Código do Trabalho de 2003, que o Meritíssimo Juiz a quo considerou aplicável ao caso. Terminou pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue a acção improcedente e absolva a ré dos pedidos’. Do que antecede é de realçar o conteúdo das conclusões apresentadas pela Recorrente quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto e que se mostra inserida nas 2ª, 4ª e 5ª conclusões”.
14. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2021, agora recorrido, pronunciou-se sobre uma situação em que os Recorrentes não impugnaram a decisão sobre a matéria de facto.
15. Entre as conclusões da sua alegação no recurso para uniformização de jurisprudência, está a seguinte: 4 - Os Recorrentes cumpriram com o ónus que sobre os mesmos impende, uma vez que, ao contrário do invocado, não se limitaram a arguir as nulidades da sentença, outrossim impugnaram a matéria de facto, designadamente, nas conclusões I, II, X; d. conclusão IV, IX; d. conclusão VI, VIII; e d. conclusão XI, XII, respectivamente, invocaram erros na fixação da matéria de facto provada, em função das provasproduzidas, e o sentido em que deveria ter sido fixada a respetiva matéria; invocaram a violação do princípio da livre apreciação da prova e erro notório na apreciação da prova; invocaram erros na qualificação jurídica dos factos; invocaram erro na apreciação da prova e nas concordantes consequências e invocaram a violação do princípio da livre apreciação da prova e erro notório na apreciação da prova.
16. Em todo o caso, o teor da conclusão 4.ª do recurso para uniformização de jurisprudência, em que se afirma que os Recorrentes impugnaram a decisão sobre a matéria de facto no recurso de apelação, deve confrontar-se com as conclusões apresentadas no recurso de apelação, para que se averigue se a afirmação é ou não correcta.
17. As conclusões I, II e X do recurso de apelação são do seguinte teor: I. - Os Recorridos confessaram que o termo de transação que serve de título dado à execução foi assinado pelos Recorrentes enquanto legais representantes da devedora, e posteriormente, homologada por sentença.” (artº.12 da Contestação de fls.), e a confissão judicial expressamente aceite pelos Recorrentes, no Requerimento sob a referência ...04 e em qualquer momento contestada pelos Recorridos tanto mais que, não foram objeto de impugnação os factos correspondentes, devendo assim ser dado como assente e provado que Recorrentes não subscreveram a titulo pessoal qualquer transação com a representada dos Recorridos, (art.º 352.º, do C.C.); II - Mostra-se erradamente dado como assente e provado que os Recorrentes se obrigaram pessoalmente para com a Representada dos Recorridos e assim os Recorridos são titulares de um direito de crédito sobre os Recorrentes, violando-se o disposto nos artº.s 615 nº.1 al.b) e al.d), artº.607 nº. 4º., 574 nº.1, 53.º, 703º. e 724.º,n.º 4, todos do CPC, contrariando os factos alegados no Requerimento sob a referência ...04 bem como todos os documentos carreados, os quais não foram objeto de impugnação por parte dos Recorridos; X - O Tribunal “a quo” deu erradamente por assente que os Recorridos possuíam legitimidade ativa, uma vez que a mesma, a existir, o que se hipotisa por mero dever de oficio, resultaria não da dissolução, mas sim, de acordo com o propalado termo, colocado em crise, por via de sub-rogação que os Recorrentes expressamente refutaram, não fazendo os Recorridos prova da mesma, e que inclusivamente resulta da conta corrente junta aos autos e dos cheques emitidos à ordem da representada dos Recorridos, o último deles, datado de 31 de Maio de 2012, data posterior à extinção da sociedade, cujo registo de encerramento de liquidação se verificou em 29 de outubro de 2009;
18. As conclusões IV e IX do recurso de apelação são do seguinte teor: IV - A Sentença “a quo” não apenas não se pronunciou sobre os factos e acervo documental carreado para os autos, bem como, não tendo os mesmos sido objeto de qualquer impugnação, extraiu consequências jurídicas distintas e opostas daquelas que teriam que resultar da tal falta de impugnação, violando assim o disposto no artº.615 nº.1 al.b) e d), artº. 574, artº.607 nº.4 do CC, e o disposto no artº.341 do CC.; IX - Dissolvida a sociedade, a representada dos Recorridos era obrigatoriamente, por estes, substituída, que teriam legitimidade como liquidatários, ex vi artº.146º. e 151º. do CSC, o que sempre omitiram, de tal sorte que não outorgaram o Termo de Transação nessa qualidade, nem sequer a procuração junta aos autos o foi nessa qualidade e menção;
19. As conclusões VI e VIII do recurso de apelação são do seguinte teor: VI - Igualmente, (considerando o que resulta da confrontação do 4º. e 5ª. parágrafo da 3ª. página do Despacho sob o nº....87, notificado às partes em 04.07.201, e dos requerimentos e documentos que lhe foram subjacentes, não tendo sido os impugnados os factos e documentos destinados a afastar tal assumir de obrigação solidária), extraiu de factos alegados pelos Recorrentes e não impugnados pelos Recorridos a consequência jurídica diametralmente oposta- correspondendo a verdadeira Sentença surpresa - ou seja, quando não poderia dar como assente e provada a obrigação solidaria dos Recorrentes, a Sentença cotejada verte precisamente o inverso, sendo notório o erro na apreciação da prova e nas concordantes consequências jurídicas, violando dessa forma o disposto no artigo 607.º, n.º 5 e 615.º, n.º 1, al. c), do C.P.C. VIII - A providência cautelar que deu origem a Transação de fls., teve inicio em 18 de Março de 2008, os Recorridos e a sua representada, não podiam em 24 de Março de 2007, ratificar um processo inexistente, facto alegado pelos Recorrentes, não impugnado pelos Recorridos e que o Tribunal “a quo” ignorou por completo, na apreciação da prova e desfecho dos autos, violando assim os art.º 607.º, n.º 4 e 5 e 615.º, n.º 1, al. b), do C.P.C., (não são pois titulares de qualquer crédito).
20. Finalmente, as conclusões XI e XII do recurso de apelação são do seguinte teor: XI - O Tribunal “a quo” uma vez mais ignorou a pronúncia sobre os factos alegados pelos Recorrentes e documentos que carreou, e em particular que ignorou as consequências de não terem sido objeto de impugnação os factos e documentos anexos aos Requerimentos sob a referencia ...04 e sob a referencia ...33, pelo que atento o âmbito do principio da valoração da prova (de acordo com o critério da livre apreciação da prova, o tribunal tem de formar uma prudente convicção sobre a verdade ou a plausibilidade do facto probando (cf. art. 607.º, n.o 5 1.ª parte, CPC) e das regras de experiencia devia ter ponderado que das regras de experiencia não resultaria normal que um devedor- L... Lda. – tivesse conhecimento de uma sub-rogação, e três anos depois ainda continuasse a pagar- L... Lda. - a uma sociedade extinta e não aos sub-rogantes, violando assim a Sentença “ a quo” o disposto nos art.º 574.º, n.º 2, 607.º, n.º 4 e 5, 615.º, n.º 1, al b), do C.P.C., configurando, assim, erro notório na apreciação da prova. XII - Os Recorrentes promoveram a junção da prova documental através do Requerimento sob a referência ...33, não tendo sido os requerimentos e o acervo documental objeto de impugnação por parte dos Requeridos, e o Tribunal “a quo”, não poderia na Sentença cotejada, admitindo por hipótese de raciocínio que o antecedente improcede, manter como quantia exequenda o valor peticionado pelos Recorridos, uma vez que se fez a prova do pagamento, pelo menos da quantia de €43.000.00 (quarenta e três mil euros), violando assim a Sentença recorrida o disposto no artº 574.º, n.º 1, 607.º, n.º 4 e 5 e 615.º, n.º 1, al. d), do C.P.C.
21. Ora, como decorre com absoluta clareza do teor das conclusões transcritas, os Recorrentes não impugnaram nenhum dos factos dados como provados — em lugar de impugnarem factos, os Recorrentes impugnaram, tão-só, que o termo de transacção tivesse sido assinado pelos Recorrentes a título pessoal; que os Recorrentes se tivessem obrigado pessoalmente para com a representada dos Recorridos; que os Recorrentes tivessem qualquer responsabilidade pessoal, ou tivessem assumido qualquer responsabilidade solidária.
22. O problema estava, por conseguinte, na interpretação do termo de transacção. 23. O acórdão de 14 de Janeiro de 2021, agora recorrido, pronunciou-se sobre a interpretação do termo de transacção em causa de forma que deveria ter esclarecido todas as dúvidas dos agora Recorrentes — dizendo, em especial, que “[27.] … o teor dos §§ 4 e 5 do termo de transacção é tão claro que as alegações de que o termo de transacção não foi assinado pelos Recorrentes a título pessoal, de que os Recorrentes não se obrigaram pessoalmente nos termos do § 5, ou de que os Recorrentes não tivessem conhecimento da sub-rogação nos termos do § 4 são, em absoluto, improcedentes.
[28.] O § 5 do termo de transacção, em que se diz que “[o] pagamento da quantia supra referida é… assumido solidariamente por AA […] e mulher, BB […] que reconhecem a referida dívida nos termos supra exarado”, só faz sentido desde que os Executados, agora Recorrentes, se tenham obrigado pessoal e solidariamente e a citação dos Executados, agora Recorrentes, para a acção executiva sempre seria suficiente para que lhes fosse comunicada a sub-rogação”.
24. Em todo o caso, o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que a interpretação das declarações negociais de acordo com os critérios dos arts. 236.º e ss. do Código Civil é matéria de direito [3].
25. Como se diz, p. ex., acórdão do STJ de 13 de Setembro de 2018 — processo n.º 1937/13.2TBPVZ.P1.S1 — “[d]esde há muito a doutrina vem sustentando que a interpretação das declarações negociais constitui matéria de direito, sendo também nesse sentido o entendimento da jurisprudência do STJ a qual vem defendendo que a aplicação dos critérios consagrados nos arts. 236.º, n.º 1, a 238.º do CC, enquanto parâmetros estabelecidos para a pertinente actividade interpretativa, constitui matéria de direito (apenas constituindo matéria de facto o apuramento da vontade real dos declarantes)”. 26. Ora o problema de interpretação do termo de transacção relaciona-se com a aplicação dos critérios legais dos arts. 236.º ss. do Código Civil — logo, é matéria de direito. 27. Existindo uma tão grande diferença entre as situações materiais litigiosas subjacentes ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 2015, deduzido como acórdão fundamento, e ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2021, agora recorrido, deve concluir-se que os dois acórdãos não se pronunciaram sobre a mesma questão fundamental de direito e que, ainda que se tivessem pronunciado sobre a mesma questão fundamental, nunca estariam em contradição. 28. O resultado só pode ser reforçado pela constatação de que Supremo Tribunal de Justiça tem exigido, constantemente, que haja uma contradição entre decisões e que a contradição entre decisões seja explícita [4]. 29. Exigindo uma contradição entre decisões, exclui a relevância da contradição entre os fundamentos de duas decisões [5] e exigindo uma contradição explícita, exclui a relevância de uma contradição implícita ou pressuposta [6]. 30. Ora, em concreto, não há nenhuma contradição entre decisões — e, ainda que alguma contradição conseguisse excogitar-se, nunca seria uma contradição explícita. III. — DECISÃO Face ao exposto, indefere-se a presente reclamação e confirma-se a decisão singular reclamada. Custas pelo Reclamante AA. Lisboa, 15 de Dezembro de 2022 Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator) José Maria Ferreira Lopes Manuel Pires Capelo _______ [1] Cujo teor é o seguinte. “Recebidas as contra-alegações ou expirado o prazo para a sua apresentação, é o processo concluso ao relator para exame preliminar, sendo o recurso rejeitado, além dos casos previstos no n.º 2 do artigo 641.º, sempre que o recorrente não haja cumprido os ónus estabelecidos no artigo 690.º, não exista a oposição que lhe serve de fundamento ou ocorra a situação prevista no n.o 3 do artigo 688.º. [2] Cf. acórdão do STJ de 2 de Outubro de 2014 — processo n.º 268/03.0TBVPA.P2.S1-A — cujo critério é retomado, designadamente, nos acórdãos de 29 de Janeiro de 2015 — processo n.º 20580/11.4T2SNT.L1.S1-A —, de 5 de Julho de 2016 — processo n.º 752-F/1992.E1-A.S1 -A — ou de 29 de Junho de 2017 — processo n.º 366/13.2TNLSB.L1.S1-A. [3] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 4 de Junho de 2002 — processo n.º 02A1442 —, de 21 de Janeiro de 2003 — processo n.º 02A3448 —, de 18 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 02B4564 —, de 29 de Junho de 2004 — processo n.º 04A1459 —, de 9 de Maio de 2006 — processo n.º 06A1003 —, de 19 de Maio de 2009 — processo n.º 2684/04.1TBTVD.S1 —, de 6 de Março de 2010 — processo n.º 1687/03.8TBFAR-A.E1.S1 —, de 25 de Março de 2010 — processo n.º 297-B/1993.P1 —, de 7 de Outubro de 2010 — processo n.º 4738.05.8TBAMD.L1.S1 —, de 31 de Março de 2011 — processo n.º 4004/03.3TJVNF.P1.S1 —, de 12 de Julho de 2011 — processo n.º 2901/05.0TBOVR.P1.S1 —, de 20 de Junho de 2013 — processo n.º 178/07.2TVPRT.P1.S1 —, de 10 de Outubro de 2013 — processo n.º 1303/11.4TBGRD.C1.S1 —, de 5 de Junho de 2016 — processo n.º 8013/10.8TBBRG.G2.S1 —, de 26 de Junho de 2016 — processo n.º 703/12.7TVPRT.E1.S1 —, de 13 de Setembro de 2018 — processo n.º 1937/13.2TBPVZ.P1.S1 — ou de de 4 de Julho de 2019 — processo n.º 190/16.0T8BCL.G1.S2. [4] Vide, p. ex., os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Novembro de 2018 — processo n.º 529/15.6T8BGG.G1.S1 — e ou de 10 de Maio de 2018 — processo n.º 2643/12.0TBPVZ.P1.S1-A. [5] Contra aquilo que preconizavam, p. ex., José Alberto dos Reis, anotação ao art. 763.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. VI — Artigos 721.º a 800.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1985 (reimpressão), págs. 233-286 (esp. na pág. 257); João de Castro Mendes, Direito processual civil, vol. III — Recursos e acção executiva, AAFDL, Lisboa, 2012 (reimpressão), pág.85; ou Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em processo civil. Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs. 187-188. [6] Contra aquilo que preconizava, p. ex., José Alberto dos Reis, anotação ao art. 763.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. VI — Artigos 721.º a 800.º, cit., págs. 246-247. |