Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3292/13.1TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
ENFERMEIRA
Data do Acordão: 09/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
Doutrina:
- Bernardo Lobo Xavier, citado por Abílio Neto, “Código do Trabalho”, em anotação ao actual art. 12º do CT., p. 93.
- Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, 2.ª Ed., Coimbra, 2009, p. 211.
- Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2013, 6.ª Ed., p. 292 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º1, 1152.º, 1153.º, 1154.º.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO (LCT), DECRETO-LEI Nº 49.408, DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969: - ARTIGOS 1.º, 5.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-PROCESSOS N.ºS 577/08.2TTVNG.P1.S1, 460/11.4TTBCL.P1.S1 E 56/12.3T4AVR.C1.S1, DATADOS, RESPECTIVAMENTE, DE 4 DE JUNHO DE 2014, 2 DE DEZEMBRO DE 2013 E 5 DE JUNHO DE 2013, COM SUMÁRIOS ACESSÍVEIS EM WWW.STJ.PT .
-DE 14/11/1986, IN BMJ, Nº 361º, PÁG. 410.
-DE 17/04/1996, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 18/01/2006, PROCESSO N.º 3487/05, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 20/09/2006, PROC. Nº 06S694, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 16/01/2008, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 10/11/2010, PROCESSO N.º 3074/07, WWW.DGSI.PT
-DE 9/02/2012, PROCESSO N.º 2178/07, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 21/05/2014, PROCESSO N.º 517/10, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I –   Estando em causa a qualificação substantiva de uma relação jurídica estabelecida entre Setembro de 2002 e o ano de 2013, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 1 de Dezembro de 2003, os termos essenciais dessa relação, é aplicável a esta o regime jurídico do contrato individual de trabalho anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro (LCT), não sendo de atender à presunção estabelecida no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, na redacção conferida pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, nem à presunção estabelecida no mesmo artigo 12.º, do Código do Trabalho de 2009.

II – No contrato de trabalho, o factor da subordinação jurídica do trabalhador, a par de um vínculo de subordinação económica (enquanto actividade remunerada), traduz-se no poder de autoridade e direcção do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou, ditando as suas regras, dentro dos limites do contrato celebrado e das normas que o regem.

III – No contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à prestação de um certo resultado do seu trabalho, que efectuará por si, com autonomia e da forma que considerar mais adequada, sendo, pois, a sua obrigação a do resultado, num quadro de ausência de subordinação jurídica.

IV – Em situações de dificuldade de distinção entre os dois modelos contratuais e por forma a aferir se entre as partes vigora um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviço, torna-se necessário proceder à análise do comportamento declarativo expresso nas estipulações contratuais e ainda à conduta dos contraentes na execução do contrato, recolhendo do circunstancialismo que o envolveu elementos do modelo típico do trabalhador subordinado ou do modelo da prestação de serviços, por modo a poder concluir-se, ou não, pela coexistência no caso concreto dos elementos definidores do contrato de trabalho.

V – Não logrando a Autora provar que estivesse sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, que estivesse sujeita ao exercício do respectivo poder disciplinar, e resultando provado que exercia a sua actividade com plena autonomia e sem exclusividade, resulta indemonstrada a possibilidade de concluir que, entre as partes, vigorou um contrato de trabalho.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – 1. AA
Instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra:
BB – …, S.A.

Pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência, deve o Tribunal:
a) Reconhecer a existência de um contrato de trabalho subordinado entre a Autora e a Ré, com início em 09 de Setembro de 2002;
b) Declarar a ilicitude do despedimento da Autora por ter sido abusivo, com os seguintes efeitos jurídicos:
- A condenação da Ré a:
c) Reintegrar a Autora no seu estabelecimento, com respeito pela sua categoria profissional e antiguidade ou, se vier a optar por esta    última, no pagamento de indemnização de montante a fixar pelo Tribunal, dentro dos limites estabelecidos no artigo 392º, n.º 3 do CT;
- Bem como a pagar à Autora:
d) O valor da retribuição devida no período compreendido entre o dia 19 de Agosto e a data de entrada da presente acção, no montante de € 1.144,74;
e) As férias e os subsídios de férias vencidos e as férias não gozadas no período compreendido entre os anos de 2003 (constava 2012, tendo esta data sido rectificada para 2003, em audiência – fls. 574) e 2013, no valor de € 34.137,58;
f) O subsídio de Natal correspondente aos anos de 2002 a 2012, no valor de € 15.742,32;
g) A quantia de € 4.498,22, a título de indemnização pelo prejuízo que lhe causou ao obrigá-la a inscrever-se no regime dos trabalhadores independentes da Segurança Social, traduzida na diferença entre o valor das contribuições que pagou e o valor das quotizações que deveria ter pago se estivesse no regime dos trabalhadores por conta de outrem;
h) A quantia de € 4.258,75, a título de indemnização pelo prejuízo que lhe causou ao obrigá-la a inscrever-se no regime dos trabalhadores independentes da Segurança Social, traduzida na diferença entre o valor do subsídio diário que recebeu na situação de baixa e o valor que deveria ter recebido se estivesse inserida no regime dos trabalhadores por conta de outrem;
i) A quantia de € 4.089,20, a título de indemnização pelo prejuízo que lhe causou ao obrigá-la a inscrever-se no regime de trabalhadores independentes da Segurança Social, traduzida na diferença entre o valor do subsídio diário que recebeu durante a licença parental e o valor que deveria ter recebido se estivesse inserida no regime de trabalhadores por conta de outrem;
j) Os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, exigíveis pela cessação do contrato de trabalho, no caso de optar pela indemnização por antiguidade em substituição da reintegração;
k) A quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais;
l) Os juros de mora à Autora, liquidados à taxa supletiva legal, desde a data da citação até integral pagamento, tudo com as legais consequências em termos de custas e procuradoria.

Para fundamentar estes pedidos alegou, em síntese, que:
A Autora é enfermeira e foi admitida ao serviço da R., em 09.09.2002, para exercer as suas funções, que consistem na triagem clínica das situações apresentadas por telefone, no âmbito da organização da R. e sob a sua autoridade e fiscalização, mediante o pagamento de um determinado valor por hora de trabalho prestado, com os montantes que, em cada ano, discriminou.
Acontece que no período compreendido entre 2 de Outubro e 12 de Novembro de 2012, e a partir de 4 de Janeiro de 2013, a A. esteve incapacitada para o trabalho, por motivo de gravidez de alto risco, tendo iniciado o período de licença de maternidade em 22 de Março de 2013, que cessou a 18 de Agosto de 2013.
No dia 02.04.2013, a enfermeira responsável pelo call center, informou-a de que a R. tinha intenção de a dispensar e, no dia 19.08.2013, acompanhada de duas pessoas, apresentou-se nas instalações da R. onde prestava o seu trabalho, tendo-lhe sido dito para sair do edifício, o que sucedeu.
No dia 29.08.2013, a A. enviou um fax à R, que o recepcionou, solicitando-lhe esclarecimentos sobre a manutenção ou cessação da relação contratual entre ambas e referindo que consideraria ter sido despedida na falta de resposta, contudo, a R. nunca lhe respondeu nem lhe pagou a retribuição correspondente ao gozo de férias, nem os respectivos subsídios de férias e de Natal.
   
        2. A R. apresentou contestação, alegando, em síntese, que o Tribunal do Trabalho não era o materialmente competente para conhecer da causa, porquanto o vínculo que ligou a A. à R. não assume natureza laboral, tratando-se, antes, de um contrato de prestação de serviço como as próprias partes o denominaram.
         Concluiu pedindo que fosse julgada a incompetência do Tribunal e, se assim não se entendesse, totalmente improcedente a acção, com a sua absolvição dos pedidos e a condenação da A. como litigante de má-fé.

        3. A A. apresentou resposta à matéria da excepção da competência do Tribunal e ao pedido de condenação como litigante de má-fé, formulando, também, pedido de condenação da Ré como litigante de má-fé.

        4. Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a excepção da incompetência do Tribunal em razão da matéria.
        5. Realizada a audiência de julgamento, na primeira sessão a A. optou pela indemnização por antiguidade em substituição da reintegração, conforme declaração exarada a fls. 574.
       Proferida sentença, a 1ª instância julgou a acção improcedente e absolveu a R. dos pedidos.

         6. Inconformada, a A. Apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu acórdão nos seguintes termos.
«Acordam em julgar:
1. Improcedente o recurso do despacho que indeferiu parcialmente o requerimento de prova da A.;
2. Procedente o recurso da sentença, revogando-a e decidindo, em sua substituição, reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre A. e R., com início em 9/9/2002, e declarar ilícito o despedimento da A.;
3. Condenar a R. a pagar à A.:
  a) A indemnização, em substituição da reintegração, correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade contada até à data do trânsito em julgado deste acórdão, cujo apuramento se relega para incidente de liquidação prévio à execução de sentença (se for caso disso);
b) A quantia de € 898,28, a título de retribuição do período compreendido entre o dia 19 de Agosto e a data de entrada da presente acção, bem como as retribuições vencidas desde a data da propositura da acção até à data do trânsito deste acórdão, a que serão deduzidas as importâncias que a A. tiver auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, cujo apuramento se relega para o incidente de liquidação prévio à execução (se necessário), consignando-se ainda que, caso haja sido pago à A. subsídio de desemprego, deve o respectivo valor ser entregue pela R. à Segurança Social;
c) A retribuição das férias, subsídio de férias e de Natal proporcionais ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato, cujo valor (passível de actualização em conformidade com a data do trânsito em julgado deste acórdão) se fixa, por ora, em € 739,20;
d) A quantia de € 33.936,98, a título de retribuição de férias e subsídio de férias do período de 2002 a 2013 e € 15.534,87, a título de subsídio de Natal do período de 2002 a 2012;
e) A quantia de € 4.498,22, a título de indemnização pelo prejuízo resultante de se ver obrigada a inscrever-se no regime dos trabalhadores independentes da Segurança Social, traduzida na diferença entre o valor das contribuições que pagou e o valor das quotizações que deveria ter pago se estivesse no regime dos trabalhadores por conta de outrem;
4. Absolver a R. do demais peticionado.
5. Custas do 1º recurso pela Recorrente e do 2º recurso por ambas as partes, na proporção do decaimento.».

7. Insurgiu-se a Ré mediante o presente recurso de revista, no qual formulou, em síntese, as seguintes conclusões:
É entendimento da Recorrente que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal, foram mais os indícios de laboralidade não apurados, do que aqueles que se apuraram, razão pela qual a decisão recorrida não poderá manter-se.
II. Quanto ao facto de a prestação ter lugar em local pertencente à Recorrente e com utilização de instrumentos e equipamentos propriedade da mesma, entendemos que, tendo em conta o tipo de prestação de serviços desempenhada pela Recorrida – prestação de triagem clínica por telefone através da utilização de um software adequado para o efeito – não se vislumbra que esta actividade pudesse ser prestada em outro local.
III. Resultou provado que as chamadas que a Recorrida atendia eram efectuadas para um sistema central e depois distribuídas para diversos telefones para serem atendidas pelos enfermeiros, que o software auxiliar do atendimento encontrava-se instalado em computadores pertencentes à Recorrente, os quais necessitam de estar ligados em rede, para que todos os prestadores tenham acesso às mesmas informações.
IV. Por outro lado, não resultou provado que a realização da prestação de serviços pudesse ser executada fora das instalações da Recorrente e sem os equipamentos disponibilizados por esta.
V. Da análise e conjugação destes factos, parece resultar evidente que a prestação de serviços da Recorrida apenas seria exequível se todos os enfermeiros se encontrassem a prestar serviços nas instalações da Recorrente e com os instrumentos disponibilizados por esta, e não se vislumbra que esta situação seja incompatível com uma prestação de serviços, atendendo à necessidade de os serviços serem prestados desta forma.
VI. Não podendo, pois, tal facto constituir um indício da existência de um contrato de trabalho.
VII. Quanto à organização de horários e à existência de um controlo da Recorrente pelo cumprimento dos mesmos, importa ter em atenção o que resultou provado no ponto 2.1.11.
VIII. E aí resultou provado que as trocas deveriam, em princípio, observar determinadas regras, mas nada se provou quanto à existência de consequências pelo facto de essas regras não serem cumpridas.
IX. Estas regras estabelecidas para as trocas têm que ser interpretadas como meras indicações da Recorrente para um melhor funcionamento do serviço que prestava aos seus utentes, por ex., a necessidade de, em princípio, o enfermeiro substituto ter mais ou menos a mesma experiência que o substituído; a necessidade de representação de determinadas especialidades em cada turno; a observância de intervalos mínimos entre os turnos, são tudo factores que se destinam a estabelecer um elevado padrão de cuidado e segurança no serviço que se presta ao cliente.
X. Acresce que, não resulta provado que a Recorrente sancionasse, por que forma fosse, quem não cumprisse essas directivas na troca de turnos.
XI. Não se provou, pois, que a Recorrida estivesse sujeita a um controlo de assiduidade ou de presenças, à semelhança do que acontece num contrato de trabalho em que a ausência injustificada pode dar azo a um despedimento com justa causa, veja-se a este respeito o que resultou provado nos pontos 2.1.1, 2.1.13 e 2.1.14 e nos factos não provados nos números 3 e 4.
XII. Entendemos, assim, que, para além da necessidade de verificação das horas de serviços prestadas para efeitos de contabilização dos valores de honorários a pagar, nada mais se provou que permita concluir que a Recorrente controlava o cumprimento dos horários por parte da Recorrida.
XIII. É forçoso concluir, relativamente a este indícios, que a organização do horário de trabalho por parte da Recorrente resulta, apenas e tão só, da necessidade de organizar o call center com o intuito de assegurar um bom serviço aos utentes, sendo certo que o registo que era feito pela Recorrida e o controlo que sobre ele a Recorrente fazia, destinava-se apenas a apurar o número de horas prestadas para efeito de pagamento da remuneração acordada.
XIV. Quanto à existência de uma retribuição estabelecida por valor hora, resulta claramente dos factos provados que a Recorrida sempre auferiu quantias variáveis, apuradas de acordo com o número de horas de serviços efectivamente prestados, sendo certo que não se provou que a Recorrida auferisse qualquer retribuição nas férias, quando trocava de turno e não prestava serviços, etc.
XV. Não se apurou, pois, quanto à retribuição, qualquer indício da existência de um contrato de trabalho.
XVI. Quanto à sujeição ao cumprimento de directivas operacionais veiculadas pela Recorrente, resulta dos factos provados que a Recorrida deveria proceder à triagem, portanto, à realização da sua actividade, através da interpretação e aplicação de normas e procedimentos definidos pela Recorrente e utilizando o software disponibilizado pela mesma. Não obstante, entendemos que tais normas e procedimentos não afectam a autonomia da Recorrida, nem derivam de um qualquer exercício de poder de direcção.
XVII. Com efeito, ainda que devesse seguir as orientações e procedimentos estabelecidos pela Recorrente, era sempre a Recorrida que, no exercício da sua actividade, acabava por decidir o aconselhamento clínico mais adequado a dar ao utente, podendo concluir de forma diversa da que lhe era indicada pelo software.
XVIII. E ainda que fosse obrigada a uma dupla validação nos casos em que decidia de forma diversa, tal necessidade ocorria por uma questão de segurança e diminuição do risco para o utente e não propriamente de qualquer intuito de controlo da Recorrida.
XIX. Acresce que, uma prestação de serviços pode perfeitamente ser executada com observância de regras e orientações estabelecidas relativamente à forma como o serviço deve executado, o que, aliás, no caso concreto, está em conformidade com o que expressamente foi contratado entre as partes.
XX. A observância destes procedimentos e normas tem, assim, necessariamente que ser interpretado e entendido numa óptica de harmonização de tarefas e do respeito por regras técnicas e específicas que uma actividade de risco, como a saúde, tem.
XXI. Pelo que, a existência de normas e procedimentos não é revelador de um verdadeiro poder de direcção sobre a actividade da Recorrida, mas apenas de uma preocupação da Recorrente pelo controlo dos padrões de qualidade exigidos e verificação da uniformidade de procedimentos adoptada.
XXII. Quanto à sujeição à monitorização de chamadas importa ter em conta o que resulta no ponto 2.1.24, pois decorre claramente deste facto que a monitorização das chamadas tinha como objectivo primordial a verificação da qualidade do serviço prestado.
XXIII. Ainda que se possa considerar que, tal como resulta do facto provado, essa análise da qualidade de serviços prestados recaía sobretudo na verificação do cumprimento dos procedimentos instituídos, cremos que, mesmo assim, não é suficiente para considerarmos a existência de um contrato de trabalho, pois este indício terá sempre que ser analisado em conjunto com as consequências que a Recorrente retirava da análise que fazia ao cumprimento dos procedimentos.
XXIV. Nada se apurou que possa demonstrar a existência de consequências para a Recorrida, ou para qualquer um dos prestadores, que decorressem da monitorização de chamadas por parte da Recorrente.
XXV. Logo, resulta claro, que apesar de um aparente controlo sobre o cumprimento dos procedimentos, nenhuma consequência se retirava desse controlo, não se podendo, assim, considerar que a Recorrente estava a fiscalizar a actividade da Recorrida.
XXVI. Caso a Recorrida e os restantes enfermeiros do call center estivessem vinculados à Recorrente por contrato de trabalho, certamente ter-se-iam apurado comportamentos da Recorrente indiciadores dessa fiscalização, tais como, repreensões pela forma como as chamadas eram atendidas, sanções disciplinares por atrasos ou faltas, despedimentos, etc.
XXVII. Depois desta análise dos escassos – dizemos nós – indícios de laboralidade apurados, importa ainda verificar aquilo que se provou no sentido de afastar a existência de uma subordinação, por forma a que, no final, se possa fazer uma análise global da prestação da actividade da Recorrida e concluir da caracterização a dar ao vínculo existente entre as partes.
XXVIII. Ficou, indiscutivelmente, demonstrado que: i) A Recorrida não exercia as suas funções com exclusividade para a Recorrente; ii) A Recorrida não prestava sempre serviços à Recorrente no mesmo horário, nos mesmos dias da semana ou o mesmo número de horas por semana ou por mês, o que indicia que a sua disponibilidade para a Recorrente era apenas residual; iii) Quando não podia comparecer nos horários que lhe estavam destinados a Recorrida podia fazer trocas com outros colegas e ainda que tivesse que respeitar alguns critérios internos da Recorrente, as trocas não careciam de autorização, o que demonstra claramente que não estava sujeita ao dever de assiduidade, característico da subordinação jurídica, bem como a um poder de direcção e de disciplina do empregador; iv) A contrapartida monetária pelos serviços prestados pela Recorrida, apesar de estabelecida à hora, apenas era paga quando a Recorrida efectivamente prestava serviços, o que se afasta do regime da retribuição própria do contrato de trabalho; v) A Recorrida nunca recebeu subsídio de férias e subsídio de Natal, nem outro tipo de prestações complementares retributivas próprias do contrato de trabalho, tal como, subsídio de turno, subsídio por trabalho nocturno, subsídio de alimentação, etc.; vi) A Recorrida emitia recibos verdes e estava inscrita na Segurança Social como trabalhadora independente, suportando os seus próprios descontos, enquanto que num contrato de trabalho é a entidade patronal que faz os descontos para a Segurança Social.
XXIX. Acresce que a Recorrida é uma pessoa esclarecida, pelo que tinha perfeito conhecimento do tipo de vínculo que a ligava à Recorrente e demonstrativo disso é o facto de ter prestado serviços para a Recorrente durante cerca de 10 anos e nunca ter reclamado pelas condições em que se encontrava, sendo certo que as partes assinaram e submeteram-se a um contrato, que designaram de prestação de serviços, e que a Recorrida, pelo nível cultural que detém, inerente à sua profissão, tinha perfeito conhecimento do que estava a assinar.
XXX. Verifica-se, assim, no nosso entender, que os eventuais sinais de cariz laboral são meramente aparentes quando os contextualizamos com a natureza e a especificidade da actividade prestada pela Recorrida.
XXXI. Apesar de a Recorrente ter demonstrado a verificação de alguns possíveis indícios de laboralidade previstos no art. 12.º do CT, a verdade é que os mesmos não são suficientes para se concluir pela existência de uma subordinação jurídica, nem resultou provado qualquer indício da existência, por parte da Recorrente em relação à Recorrida, de um poder de direcção, de fiscalização da sua actividade (e não mera fiscalização da qualidade do serviço prestado ao utente) e disciplinar.
XXXII. Mais do que analisarmos os indícios que existem num contrato de trabalho, temos que analisar aqueles que seriam totalmente incompatíveis com a prestação de trabalho subordinado.
XXXIII. A prestação de actividade sem exclusividade, a troca de horários sem necessidade de autorização prévia, o não pagamento das férias, subsídio de férias e de Natal, o conformismo durante 10 anos de actividade por essa falta de pagamento, o pagamento de uma retribuição totalmente variável, são tudo indícios impossíveis de serem verificados numa relação em que existe uma subordinação jurídica e, portanto, incompatíveis com a existência de um contrato de trabalho.
XXXIV. Já a existência de um horário destinado à organização do serviço, a prestação de actividade nas instalações do beneficiário da prestação e com os instrumentos deste, a existência de normas e procedimentos meramente organizacionais, apesar de serem indícios de laboralidade, são perfeitamente compatíveis com a existência de um contrato de prestação de serviços.
XXXV. Citamos, a título de exemplo, alguma da jurisprudência que tem vindo ao encontro do que aqui se procura demonstrar (in www.dgsi.pt.): - Acórdão da Relação do Porto de 17-12-2014; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.01.2014; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.02.2012; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2010; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.01.08; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.01.2006.
XXXVI. Por tudo quanto fica exposto, é nosso entendimento que a Autora não logrou provar indícios suficientes que permitissem concluir pela existência de um contrato de trabalho.
XXXVII. A forma como a mesma exercia a sua actividade e a inexistência de indícios de subordinação jurídica têm, forçosamente, que levar à conclusão que a mesma estava vinculada à Recorrente por um contrato de prestação de serviços.
XXXVIII. Sem prescindir, caso venha efectivamente a considerar-se que a Recorrida estava vinculada à Recorrente por contrato de trabalho, o que nem por mera hipótese de raciocínio se admite, sempre haverá que ter em conta, para o cálculo da indemnização a atribuir, o grau de ilicitude da conduta da Recorrente.
XXXIX. Não pode ser alheio ao Tribunal que as partes celebraram um contrato que designaram de prestação de serviços, que a Recorrida sempre emitiu recibos verdes à Ré, que nunca reclamou da sua situação e que a relação foi executada nestes moldes durante mais de 10 anos.
XL. Foi convencida do tipo de contrato que existia entre as partes que a Recorrente, por força de uma situação em que a Recorrida violou os mais elementares princípios da boa-fé, pôs fim ao contrato existente, não tendo recorrido a qualquer um dos meios previstos no Código do Trabalho para a cessação do contrato por entender, como ainda hoje entende, que a Recorrida não tinha um vínculo laboral.
XLI. Com base nestes factos não se pode, pois, considerar que a Recorrente tenha actuado de forma ilícita ou, pelo menos, com um grau de i1icitude tal que leve ao pagamento de uma indemnização calculada com base em 30 dias de retribuição por cada ano trabalhado, pelo que a mesma, deverá ser reduzida ao mínimo legal de 15 dias (conforme o disposto no art. 391º do Código do Trabalho).
XLII. Por tudo quanto fica exposto, o douto Acórdão recorrido violou a norma do art. 12º do CT, razão pela qual o mesmo não poderá manter-se, devendo ser revogado e substituído por outro que julgue totalmente improcedente o pedido da Recorrida.

8. A A. apresentou contra-alegações sustentando a confirmação da decisão recorrida.
9. A Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal formulou parecer sustentando que deve ser concedida revista à Ré, com a repristinação da sentença da 1ª instância, com base, em síntese, no seguinte entendimento:
* A Autora não logrou provar que as funções que exerceu, ao longo de vários anos, no âmbito da sua profissão de enfermeira se possam qualificar como de contrato de trabalho;
* A relação que a Autora manteve com a Ré era desprovida dos índices da subordinação jurídica conforme ressalta claramente da matéria de facto provada;
* O que a decisão recorrida valorizou e integrou na noção de contrato de trabalho não passam de meros procedimentos da Ré, a que esta teve que lançar mão, para organizar e controlar a qualidade da sua unidade de atendimento na área especializada de prestação de cuidados de saúde, e não chegam para se concluir pela existência do contrato de trabalho;
* A própria Autora celebrou com a Ré – conforme documento junto – um contrato de prestação de serviços e da análise da relação que manteve com a Ré conclui-se ter sido esse o contrato que vigorava entre as partes.

10. O mencionado parecer, notificado às partes, obteve resposta da Autora nos termos que os autos documentam, a fls. 1389 e segts., e onde se discorda do entendimento defendido pelo MP, tendo reiterado a posição assumida nos autos, pugnando pela confirmação integral do acórdão recorrido.

11. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação da Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do CPC.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

        - Está em causa, em sede recursória, saber:
1. Qual a natureza jurídica do vínculo que uniu A. e R.:
   - Contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviço?
2. E caso se conclua no sentido de que se trata de contrato de trabalho, decidir se a indemnização a fixar à A., em substituição da reintegração, não deve exceder os 15 dias por cada ano de trabalho.
Analisando e Decidindo.

III – FUNDAMENTAÇÃO

A) DE FACTO

- As instâncias deram como provados os seguintes factos:

2.1.1. A Autora é enfermeira, inscrita na Ordem dos Enfermeiros e titular da cédula profissional ….
2.1.2. A Ré é uma seguradora que exerce a sua actividade no ramo de seguros de acidentes, doença e assistência, e que gere um sistema integrado de cuidados de saúde acessíveis no âmbito de uma rede convencionada de prestadores e através de um serviço de triagem, aconselhamento e encaminhamento que funciona através de centros de atendimento telefónico e especializados.
2.1.3. A Autora iniciou as funções na Ré no dia 09 de Setembro de 2002.
2.1.4. No dia 14 de Fevereiro de 2003, a BB, S.A. e Autora subscreveram o escrito designado por “contrato prestação de serviços/enfermeiros de triagem clínica”, junto por cópia a fls. 28 e segts. e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:
“(…).
b) o serviço de triagem, aconselhamento e encaminhamento, acima referido baseia-se no licenciamento contratado de um programa informático (doravante denominado Software de Triagem) que permite a gestão do acesso e da utilização de cuidados e serviços de saúde, por interpretação e gestão aplicada de sistemas decisionais e algoritmos clínicos, operado exclusivamente por profissionais de saúde;
c) no âmbito das diversas actividades de triagem, aconselhamento e encaminhamento, a BB tem de contratar a prestação de serviços por parte de enfermeiros qualificados, entendendo-se como qualificados aqueles que tenham esse título profissional atribuído pela Ordem dos Enfermeiros e que exerçam a respectiva prática profissional há pelo menos 3 anos;
d) para o bom desempenho da sua actividade, os critérios de selecção e de contratação têm de se mostrar flexíveis no sentido de obter a quantidade e qualidade de meios humanos necessários ao serviço a prestar, de modo a demonstrar a capacidade necessária para a prestação desses serviços a outras entidades, além dos seus próprios clientes segurados, nomeadamente ao Serviço Nacional de Saúde, a subsistemas de saúde ou ainda a outras organizações que realizem planos de saúde organizados com gestão autónoma ou derivada;
e) a necessidade de provimento adequado de meios humanos para tais serviços revela-se por vezes oscilante, devendo ainda atender a diferenciação flexível de horários e de disponibilidade para turnos com capacidade de resposta a fases de maior procura de cuidados de saúde, seja ao longo das horas do dia seja ao longo dos meses do ano, por motivos conjunturais, epidemiológicos ou de comportamento, da população abrangida; é ajustado e reciprocamente aceite o presente contrato de prestação de serviços que se regerá pelos termos e condições constantes das cláusulas seguintes:
Cláusula 1ª – A BB contrata o 2º contratante para que este lhe preste serviços no âmbito da interpretação e aplicação de meios de triagem e aconselhamento, bem como a gestão de encaminhamento das pessoas seguras ao abrigo das apólices de seguro emitidas pelas seguradoras do Grupo CC, bem como beneficiários de sistema de saúde ou de prestações contratualizadas com entidades externas, nos termos de funcionamento de serviços de triagem, conforme recrutamento por contacto a estabelecer oportunamente e à medida das necessidades, bem como em função da disponibilidade do 2º contraente.
Cláusula 2ª – 1. Com vista à boa execução do presente contrato, a BB disponibilizará ao 2º contraente os meios adequados a efectuar que, por razões logísticas e atendendo à especificidade dos meios técnicos envolvidos, ficarão localizados nas suas instalações da BB, fornecendo-lhe igualmente todo o material de formação e informação necessário à adequada prestação de serviços ora contratada, devendo ainda ser observada a terminologia essencial do serviço, tal como constante do Anexo III.
(…).
Cláusula 3ª – O 2º contraente prestará os seus serviços com autonomia e independência e sem dever de obediência hierárquica a qualquer funcionário da BB, devendo no entanto exercer a sua actividade com respeito pelas normas de organização e funcionamento, higiene e segurança, em vigor em cada momento nas instalações em que se encontre, acatando as recomendações e orientações que ficarem estipuladas no âmbito de funcionamento de software de triagem e Manual de Procedimentos para o período em que preste serviços.
Cláusula 4ª – A título de remuneração pelos serviços prestados no âmbito deste contrato, a BB pagará ao 2º contraente um determinado valor hora de trabalho prestado, nos termos do Anexo I, do qual constam as condições de remuneração em concreto aplicáveis à prestação de serviços ora contratada, documento que faz parte integrante do presente contrato para todos os efeitos legais e contratuais.
Cláusula 5ª – No início de cada período contratual em que o 2º contraente pretenda participar, ficarão acordadas as condições de remuneração em concreto aplicáveis, devendo a BB dotar o 2º contraente de todos os meios técnicos, documentação e informação de apoio necessária à prestação de serviços contratada.
(…).
Cláusula 7ª – O 2º contraente assume a responsabilidade das consequências dos seus actos como enfermeiro que decorram do não cumprimento das orientações técnicas de triagem, encontrando-se para tal coberto por seguro de responsabilidade civil profissional, de cuja Apólice será a BB a tomadora e cujas condições contratuais fazem parte integrante do presente instrumento para todos os efeitos legais e contratuais.
Cláusula 8ª – 1. O presente contrato reporta os seus efeitos ao início da prestação de serviços por parte do 2º contraente, o qual tem sido remunerado nos termos previstos no presente instrumento.
2. O presente contrato vigorará por tempo indeterminado, podendo contudo ser denunciado por qualquer das partes contraentes, sem prévio aviso e sem que por qualquer das partes seja devida qualquer indemnização.
(…).”
2.1.5. A Autora sempre prestou funções nas instalações da Ré, as quais se situam, actualmente, na Avenida … (…), ….
2.1.6. O local para a Autora prestar a sua actividade determinado pela Ré era no Edifício …, do Edifício ..., nos dias úteis, no período compreendido entre as 08h00 e as 20h00 e, no Edifício …, nos outros períodos.
2.1.7. A Autora prestava a sua actividade com equipamentos como telefones, computadores, programas informáticos (software), auriculares e outros materiais como papéis e lápis cedidos pela Ré.
2.1.8. A Ré organizava os horários de trabalho dos enfermeiros por turno, com a duração de 6, 8 ou 9 horas, sendo que a Autora estava disponível para fazer, em média, dois períodos por semana (uma manhã e uma noite).
2.1.9. As escalas de turno eram afixadas com a antecedência de pelo menos um mês para conhecimento dos enfermeiros que prestavam funções à Ré, incluindo a Autora.
2.1.10. A Ré organizava os períodos de pausa em cada turno, com o esclarecimento que o início e fim das mesmas eram flexíveis, sendo necessário para o efeito informar o enfermeiro supervisor.
2.1.11. A Autora trocava os turnos que lhe estavam fixados, de acordo com as suas conveniências pessoais e profissionais, devendo observar determinadas regras – em princípio, o enfermeiro substituto deveria ter mais ou menos a mesma experiência ou antiguidade na profissão que o substituído; tinha que estar assegurado que em cada turno estivessem sempre representadas determinadas especialidades, como por exemplo pediatria; não podiam ser cumpridos por cada enfermeiro mais de cinco turnos por semana, nem turnos seguidos, tendo de ser observados intervalos mínimos entre os turnos (quem saísse à 1h não podia fazer o turno da manhã seguinte) – desse facto dando conhecimento à Ré, embora a troca não dependesse de autorização desta – (Facto com a redacção fixada pelo Tribunal da Relação).
2.1.12. Até 2007 a Ré tinha instituído um registo manual no qual cada enfermeiro, incluindo a Autora, apontava os dias e horas em que prestava actividade.
2.1.13. Posteriormente, o próprio sistema informático passou a ter uma funcionalidade que regista a hora de entrada no mesmo com o login atribuído a cada enfermeiro, incluindo a Autora, e consequentemente a hora de fecho e respectivas pausas.
2.1.14. As informações referidas nos números anteriores destinavam-se a apurar o número de horas para pagamento.
2.1.15. Mensalmente podia ser acrescido às quantias pagas à Autora um valor variável até um máximo de 10% nos termos que constam do Anexo I ao acordo referido em 2.1.4, junto a fls. 34, e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
2.1.16. Os valores hora referidos em eram:
- € 14,85/hora de trabalho prestado entre as 00:00 e as 08h00 em dias de semana/úteis;
- € 9,90/hora de trabalho prestado entre as 08h00 e as 20h00 em dias da semana/úteis;
- € 12,38/hora de trabalho prestado entre as 20h00 e as 24h00 em dias da semana/úteis;
- € 19,80/hora de trabalho prestado entre as 00h00 e as 08h00 ao fim de semana ou feriado;
- € 12,38/hora de trabalho prestado entre 08h00 e as 20h00 ao fim de semana ou feriado;
- € 14,85/hora de trabalho prestado entre as 20h00 e as 24h00 ao fim de semana ou feriado.
2.1.17. A Ré pagou à Autora as seguintes quantias a título de honorários:
- Entre Setembro e Dezembro de 2002 – € 1.853,30;
- No ano de 2003 – € 12.097,36;
- No ano de 2004 – € 16.425,16;
- No ano de 2005 – € 19.177,89;
- No ano de 2006 – € 22.528,67;
- No ano de 2007 – € 20.035,06;
- No ano de 2008 – € 16.256,31;
- No ano de 2009 – € 16.424,08;
- No ano de 2010 – € 16.362,59;
- No ano de 2011 – € 17.816,87;
- No ano de 2012 – € 15.535,82.
  2.1.18. A Autora emitiu os respectivos recibos verdes.
  2.1.19. Competia à Autora realizar a triagem clínica das situações que lhe são apresentadas pelo telefone, através da utilização obrigatória de um software de triagem disponibilizado pela Ré.
  2.1.20. A A. procedia a essa triagem através da interpretação e aplicação de normas e procedimentos definidos pela R., implementados no referido software de triagem, que constam dum manual de procedimentos e de memorando como, por exemplo, os juntos a fls. 190 a 200 (que constituem os doc. 135 a 137 da p.i.) – (Facto com a redacção atribuída pelo Tribunal da Relação).
2.1.21. Competia à A. aconselhar os utentes do serviço de triagem e encaminhá-los para os serviços de saúde que a R. lhes assegura ou para o 112, aplicando as normas e procedimentos operativos definidos pela R. – (Facto com a redacção atribuída pela Relação).
2.1.22. Com carácter permanente, desempenham funções na linha de atendimento da R. enfermeiros com funções de supervisão, dependentes da responsável de call center, cargo desempenhado ultimamente pela Enf. DD – (Facto com a redacção atribuída pela Relação).
2.1.23. O próprio sistema informático de triagem exige, por razões de segurança, em determinadas situações clínicas graves, uma dupla validação que, em princípio, é dada pela enfermeira supervisora. Na ausência desta (que só trabalha em dias úteis e horário diurno) a 2ª validação deve ser solicitada a um outro enfermeiro (de preferência, sénior). A A. intervinha assim, nessas situações, na 2ª validação de casos de colegas e, tratando-se de um caso seu, fazia intervir outro colega – (Facto com a redacção atribuída pela Relação).
2.1.24. Os enfermeiros supervisores procediam, aleatoriamente, à monitorização de chamadas efectuadas pela Autora através da sua audição a posteriori, com o objectivo principal de aferir a qualidade de serviço prestado, mormente o cumprimento dos procedimentos instituídos. Até 2010 era possível os supervisores ouvirem as chamadas em simultâneo, embora, em princípio, apenas interferissem, interrompendo a chamada, para colmatar informação relativa a questões relacionadas com os contratos de seguro – (Facto com a redacção atribuída pela Relação).
2.1.25. A triagem, aconselhamento e encaminhamento era feito pela Autora mediante uma ferramenta informática/software, fornecida pela Ré (algoritmo), que, mediante a introdução das informações veiculadas pelos utentes do serviço da linha BB (pessoas seguras ao abrigo das apólices de seguro emitidas pelas seguradoras do grupo CC e beneficiários de sistemas de saúde ou prestações contratualizadas com entidade externas), depois de percorrida a “árvore decisional”, lhes indicava a atitude que deviam adoptar – (Facto com a redacção atribuída pela Relação).
2.1.26. Nas situações em que, percorrido o algoritmo, a Autora concluísse que a disposição final pré-determinada pelo sistema não era a mais adequada à situação, era obrigada a fundamentar a sua decisão divergente, com a respectiva informação clínica, e registá-la na ficha do cliente.
2.1.27. Até 2007, em face do elevado número de enfermeiros em serviço, em cada turno era designado “chefe de turno”, um dos enfermeiros mais experientes para que, na ausência do supervisor (o que se verificava sobretudo aos fins de semana e à noite), ajudasse na organização e gestão das saídas e entradas e no esclarecimento de dúvidas aos elementos mais novos, bem como na 2ª validação. Isso foi solicitado à Autora em número de vezes não concretamente apurado. Após 2007, apesar do desaparecimento da figura do chefe de turno, as duas últimas funções referidas continuam a poder ser exercidas em cada turno pelos enfermeiros mais experientes em serviço, designadamente a A. – (Facto com a redacção atribuída pela Relação).
2.1.28. A Ré proporcionou à Autora formação específica em sistemas informáticos, comunicação e triagem, no total de 125 horas, até ao dia 03 de Setembro de 2008.
2.1.29. A Ré nunca pagou à Autora qualquer retribuição relativa a cada um dos períodos de férias que a Autora gozou em cada ano civil, nem o respectivo subsídio.
2.1.30. Desde 2002, a Ré não pagou à Autora qualquer quantia a título de subsídio de Natal, pago no mês de Dezembro de cada ano.
2.1.31. No período compreendido entre 02 de Outubro e 12 de Novembro de 2012 e a partir de 04 de Janeiro de 2013, a Autora esteve incapacitada temporariamente para o trabalho.
2.1.32. O filho da Autora nasceu no dia … de … de 2013.
2.1.33. Em 27 de Março de 2013, a Autora requereu à Segurança Social subsídio de parentalidade.
2.1.34. Por mensagens de correio electrónico de 2 e 24 de Julho de 2014, a Autora informou a senhora enfermeira DD que o gozo de licença parental terminaria a 18 de Agosto e que a partir dessa data se encontrava inteiramente disponível para retomar o serviço.
2.1.39. No dia 19 de Agosto de 2013, a Autora apresentou-se nas instalações da Ré onde exercia a sua actividade, sitas na Avenida ... (...), Edifício …, em …, no ..., acompanhada por duas pessoas.
2.1.40. A Autora dirigiu-se à senhora Enfermeira DD e informou-a que se estava a apresentar ao serviço depois de terminada a licença parental.
2.1.41. No dia 29 de Agosto de 2013, a Autora remeteu à Ré, por meio de fax e carta registada, com aviso de recepção, comunicação a solicitar esclarecimentos acerca da manutenção ou cessação da relação contratual entre ambas.
2.1.42. A Autora solicitou à Ré resposta no prazo de 24 horas, na falta da qual consideraria ter sido despedida.
2.1.43. A Ré recebeu o referido fax no mesmo dia 29 de Agosto e a referida carta no dia seguinte.
2.1.44. A Autora estava inscrita na Segurança Social, no regime dos trabalhadores independentes, com efeitos a Junho de 2009.
2.1.45. A Autora pagou de contribuições pela aplicação da taxa de 29,6% o valor de € 7.247,20.
2.1.46. No local de trabalho da Autora as chamadas são efectuadas para um sistema central e depois distribuídas para diversos telefones para serem atendidas pelos enfermeiros, como a Autora.
2.1.47. O software encontra-se instalado em computadores pertencentes à Ré, pois necessita de estar ligado em rede para que todos os prestadores tenham acesso às mesmas informações.
2.1.48. A Ré necessitava de saber as horas de início e termo da prestação de actividade da Autora e das pausas para que o encaminhamento das chamadas fosse assegurado.
2.1.49. À data da cessação da relação profissional, o valor hora pago à Autora era calculado pelo escalão V.
2.1.50. A Ré tinha instituído, pelo menos até 2009, um pagamento adicional de € 100,00 que premiava a qualidade de atendimento.
2.1.51. A Autora recebeu o prémio referido no número anterior uma vez em Janeiro de 2009.
2.1.52. Quando a enfermeira supervisora estava ausente, por vezes a Ré solicitava à Autora ou outro enfermeiro mais experiente que estivesse presente nesse momento, que fizesse um acompanhamento aos prestadores de serviços menos experientes para orientar e esclarecer dúvidas.
2.1.53. Em data não concretamente apurada, a Autora distribuiu cartões-de-visita às restantes pessoas que com ela trabalhavam em que se apresentava como consultora imobiliária.
2.1.54. Em data e período não concretamente apurado, a Autora manifestou a sua indisponibilidade para prestar funções na Ré por se encontrar a frequentar um curso de piloto de aviação.
2.1.55. A Autora foi admitida para trabalhar no Centro …, … – Hospital …, em 17.08.1998, mediante a celebração de um contrato a termo tendo sido posteriormente nomeada com vínculo definitivo.
2.1.56. Desde 13 de Maio de 2009, a Autora encontra-se na situação de licença sem vencimento de longa duração, que determinou a abertura da vaga, a qual, por não ter sido ocupada, se extinguiu.
2.1.57. A Autora comunicou verbalmente à Ré, através da Enfermeira Supervisora DD, a sua indisponibilidade para prestar actividade no período compreendido ente 02 de Outubro e 12 de Novembro de 2012 e posteriormente a partir de 03 de Janeiro de 2013.
2.1.58. A Autora nunca comunicou à Ré o nascimento do filho. A Enfermeira DD soube por sms que foram enviados a outros enfermeiros.
2.1.59. No mês de Abril de 2013, a Enfermeira DD telefonou à Autora.
2.1.60. A Ré não colocou a Autora na escala de turnos elaborada para o mês de Agosto de 2013. Essa escala foi elaborada antes da recepção dos e-mails referidos em 2.1.38.
2.1.61. No dia 19 de Agosto de 2013, a Autora utilizou o cartão de uma outra enfermeira – EE, que deixou de prestar serviços à Ré desde o mês de Abril de 2013 – para entrar nas instalações da Ré, acompanhada de mais duas pessoas.
2.1.62. Quando chegou às instalações da Ré dirigiu-se à Enfermeira DD e em circunstâncias não concretamente apuradas começou a gritar que vinha apresentar-se ao serviço.
2.1.63. A Enfermeira DD pediu para ser chamado o segurança do edifício, pedindo que identificasse as duas pessoas que estavam com a Autora, por serem estranhas à empresa e terem entrado sem autorização.
2.1.64. A Enfermeira DD transmitiu à Autora que não teria naquele dia qualquer reunião com a Autora e pediu-lhe que saísse das instalações da Ré sendo contactada mais tarde.
2.1.65. Como a Autora não abandonou as instalações voluntariamente, foi-lhe pedido pelo segurança que abandonasse as instalações da Ré com as duas pessoas que a acompanhavam, o que veio a acontecer.
2.1.66. Em resposta ao fax remetido pela Autora à Ré, referido em 2.1.41., a Ré respondeu por escrito datado de 13 de Setembro de 2013, remetido por carta registada e AR, e junto por cópia a fls. 318 e segts. dizendo:
«De acordo com o contrato de prestação de serviços celebrado, em 14.02.2003, com esta sociedade, V. Ex.ª comprometeu-se a prestar serviços à “BB”, entre outros, no âmbito de interpretação e aplicação de meios de triagem e aconselhamento, tendo sido estipulado pelas partes que o contrato poderia ser denunciado por qualquer das mesmas, a qualquer momento, sem necessidade de aviso prévio e sem qualquer das partes seja devida qualquer indemnização. (…). Sucede que, sem que nada o fizesse prever, V. Ex.ª. decidiu entrar nas instalações da “BB” no passado dia 19 de Agosto, acompanhada de duas pessoas estranhas ao serviço e servindo-se do cartão pessoal e intransmissível de um terceiro, sem estar autorizada para tal. A sua entrada no edifício foi, assim, efectuada de forma totalmente ilegítima e contrária às regras internas desta empresa, razão pela qual lhe foi pedido que se ausentasse do mesmo. Em face da sua atitude, entende esta empresa que não existem as condições necessárias para receber os seus serviços, pelo que não temos qualquer interesse em reiniciar a prestação dos serviços que V. Ex.ª, por sua iniciativa, terminou em Janeiro de 2013».
2.1.67. Entre 2002 e 2007, a Autora também fez atendimento telefónico em benefício dos utentes da denominada “...”.
2.1.68. A responsável (de) call center é responsável pela gestão (do) call center, (incumbindo-lhe) fazer mapas, pagamento das horas prestadas e assegurar (o) funcionamento (do) sistema para que esteja operacional, tendo vínculo jurídico-‑laboral à Ré.
2.1.69. A enfermeira supervisora é responsável pelo serviço prestado, fazendo articulação com os enfermeiros que estão a fazer o atendimento, articulando com outras áreas da companhia. Está presente na sala para esclarecer dúvidas, tendo vínculo jurídico-laboral à Ré.
2.1.70. No âmbito da concessão de subsídio de risco clínico durante a gravidez e licença (de) paternidade a Segurança Social atribuiu (à A.) um subsídio diário de € 20,96.

B) DE DIREITO

Consigna-se que para a decisão do presente pleito são convocadas as normas da Lei do Contrato de Trabalho – arts. 1º e 5º do Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969.

Com efeito, estando em causa a qualificação substantiva de uma relação jurídica estabelecida entre Setembro de 2002 e Janeiro de 2013 (posto que os factos provados não denotam que, a partir desta data, a Autora tenha prestado qualquer actividade para a Ré, sem prejuízo, naturalmente, do juízo jurídico que, porventura, seja necessário extrair dos factos provados sob os pontos 2.1.34, 2.1.39 a 2.1.41, 2.1.59, 2.1.61 e 2.1.66) e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 1 de Dezembro de 2003, os termos essenciais dessa relação, é aplicável o regime jurídico do contrato individual de trabalho, LCT (DL n.º 49.408, de 24 de Novembro).

Destarte, não será de atender à presunção estabelecida no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, na redacção conferida pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, nem à presunção estabelecida no mesmo artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009.[1]

1. A primeira questão comporta o cerne da resolução deste dissídio, porquanto a partir do momento em que se decida se o contrato celebrado entre as partes possui a natureza jurídica de um contrato de trabalho ou se se assume como um contrato de prestação de serviço, tudo o mais será mera consequência dos efeitos jurídicos decorrentes de qualquer um dos contratos referidos.
Os autos dão-nos conta que a Autora, enfermeira de profissão, celebrou com a entidade identificada no acervo fáctico provado um contrato que ambas apelidaram de “contrato de prestação de serviços”, e que vigorou desde a data da sua celebração – 14.Fevereiro.2003 – até à data em que a A. terá prestado serviço para a Ré no ano de 2013 (segundo a Ré a A. terá cessado o contrato em Janeiro de 2013, segundo a A. a cessação terá ocorrido em Agosto de 2013).
Estando igualmente provado que anteriormente à data da celebração desse contrato (14/2/2003) já “a Autora iniciara funções na Ré no dia 9/09/2002” – facto provado e inserido supra no ponto 2.1.3.
Defende porém a Autora, que tal contrato se trata de um verdadeiro contrato de trabalho, entendimento contrário ao da Ré e que também não mereceu o acolhimento da 1ª instância, que julgou a acção improcedente.
Em sede de recurso de apelação veio o Tribunal da Relação de Lisboa dar razão à Autora e defender a qualificação jurídica do contrato em causa como contrato de trabalho, dando origem à presente revista interposta pela Ré, que se mostra inconformada.
E, nessa medida, fundamenta extensamente as razões da sua discordância, pedindo o reconhecimento, pela presente via, de que o vínculo jurídico que uniu a A. e a Ré deve ser qualificado como contrato de prestação de serviço e não de trabalho, com a consequente revogação do acórdão recorrido.
Vejamos se tal entendimento pode ser sufragado.

2. É sabido que a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço tem sido objecto de análise, desde há muito, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, que nessa difícil tarefa de qualificação foi coligindo elementos e índices interpretativos tendentes a caracterizar ambos os contratos e que, simultaneamente, permitam e ajudem o intérprete e julgador a estabelecer as diferenças entre estas duas modalidades de contrato.
Não obstante o estudo da doutrina e o contributo da jurisprudência nestas últimas décadas sobre tal matéria, certo é que ainda hoje a distinção não se faz isenta de dificuldades.
Conscientes do trilhar desse espinhoso caminho, expressaremos nos pontos subsequentes o nosso entendimento que é igualmente fruto de uma representação ponderada de tais institutos, assente numa incursão expressiva da doutrina e jurisprudência do STJ.
Assim sendo, temos que:
3. A noção de contrato de trabalho é-nos dada, in casu, pelo art. 1º da Lei do Contrato de Trabalho (LCT) já que o início da relação jurídica entre ambas as partes remonta a Setembro de 2002, tendo sido celebrado, meses depois, o contrato a que aludem os autos (em Fev. de 2003), por conseguinte, em data anterior à entrada em vigor do Código de Trabalho de 2003.
De acordo com o normativo citado da LCT, o contrato de trabalho aparece definido como aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou a outras pessoas sob a autoridade destas.
Definição que o Código Civil acompanha, nos seus traços essenciais, no art. 1152º, no âmbito dos contratos em especial, e que remonta à mesma época da aprovação do regime jurídico do contrato de trabalho – este incorporado no Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969, e o Código Civil foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 47.344, de 25/11/1966 – e que assim se manteve até às alterações introduzidas na legislação laboral pelos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009.

Por sua vez a noção legal de contrato de prestação de serviço mostra-se consagrada no art. 1154º do CC, que o densifica como sendo aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Conceito que se mostra destituído de qualquer referência legal a elocuções que possam assumir qualquer significância ou valor, ou se reconduzir ou projectar nas vertentes sociais, económicas e jurídicas em que se decompõem as expressões ”organização”, “autoridade”, “direcção” ou “subordinação”, entendidas como vínculos definidores de uma relação, como a laboral, que pressupõe a integração e a dependência de uma parte – a que se obriga a proporcionar o resultado do seu trabalho – à outra parte.
O que bem se compreende, porquanto no âmbito do contrato de prestação de serviço a relação que se estabelece entre as partes decorre de forma mais livre e autónoma, importando tão só o resultado do trabalho prestado intelectual ou manual.

Não obstante o que antecede, que não se pense que, por tal facto, o prestador de serviço(s) está completamente à margem e liberto da recepção e seguimento de instruções dadas por aquele que lhe solicita e encomenda o trabalho a efectuar.
A própria lei – no art. 1153º do CC – explicita que o prestador de serviços “obriga-se a proporcionar a outra” (a outra pessoa/entidade) “o resultado” do seu trabalho, impondo-lhe, pois, a obrigação de apresentar esse resultado.
E naturalmente que quem encomenda o serviço, quem contrata, não pode ficar desonerado ou impedido de dar instruções ao prestador de serviços sobre o que quer e de que modo pretende ver realizado esse trabalho.

4. Classicamente a dissemelhança entre ambos os contratos é apontada como residindo nos seguintes elementos distintivos:
1º - No objecto do contrato: no contrato de trabalho será a prestação da actividade do trabalhador e, no caso da prestação de serviço, a obtenção de um resultado, que aquele efectiva por si, com autonomia;
2º - No relacionamento entre as partes: aqui, a distinção radica, no contrato de trabalho, na subordinação jurídica, traduzida na conformação com as ordens e directrizes emanadas do empregador, e a que o trabalhador se obrigou, e no caso do contrato de prestação de serviço assenta na autonomia destituída dessa subordinação, nos termos jurídicos em que é conceptualmente entendida.

A este propósito salienta-se que o Supremo Tribunal de Justiça já em 1986, por conseguinte em data bastante anterior às alterações introduzidas no âmbito da noção do contrato de trabalho pela legislação laboral de 2003 e 2009, defendia que eram dois os elementos fundamentais que caracterizavam o contrato de trabalho à luz da definição do art. 1º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969), diploma com aplicação, conforme se disse, ao caso dos presentes autos:
1. Um vínculo de subordinação económica – actividade remunerada;
2. Um vínculo de subordinação jurídica – autoridade e direcção da pessoa a quem a actividade é prestada.
E explicitava a coexistência desses vínculos nos seguintes termos:
“Os dois vínculos encontram-se numa inter-relação, em termos de a prestação de trabalho dar ao trabalhador o direito à remuneração, e à entidade patronal o referido poder de autoridade e direcção que, não preexistindo à prestação de trabalho, é condição natural e necessária desta”.[2]
Quer isto dizer que há muito que vem sendo reconhecido pelo STJ que a subordinação económica e a subordinação jurídica constituem a pedra angular, a essência, em que se estriba o critério diferenciador entre um contrato de trabalho e um contrato de prestação de serviço.  
Decompondo-se o critério diferenciador, classicamente apontado, como revestindo o seguinte alcance:
- No contrato de trabalho, esse factor de subordinação jurídica do trabalhador, a par de um vínculo de subordinação económica (enquanto actividade remunerada), traduz-se no poder de autoridade e direcção do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou, ditando as suas regras, dentro dos limites do contrato celebrado e das normas que o regem.
Por sua vez a outra parte obriga-se a prestar a sua actividade intelectual ou manual – trata-se aqui de uma obrigação de meios.
- No contrato de prestação de serviço, o prestador do serviço obriga-se à prestação de um certo resultado do seu trabalho, que efectuará por si, com autonomia e da forma que considerar mais adequada.[3]
Aqui, a obrigação é de resultado. E sem a subordinação jurídica que só no contrato de trabalho existe.

Porém, conforme se deixou antever, a inexistência dessa subordinação jurídica não exclui a possibilidade de o prestador de serviço, no âmbito de um contrato desta natureza, poder receber instruções e directivas por parte daquele que contratou o serviço, directivas e instruções dirigidas à obtenção do resultado do serviço a prestar e cuja qualidade se pretende assegurar.
É o que acontece, por exemplo, com as situações em que estão em causa profissões liberais ou realidades de organização do trabalho que propiciam formas de subordinação atenuada, sendo esta a razão principal pela qual nem sempre é fácil estabelecer essa distinção, dada a autonomia que caracteriza o exercício dessas profissões ou o modo como essas tendem a desenvolver-se nos dias de hoje.
Dificuldades que a doutrina não se cansa de retractar fazendo apelo constante, na senda do entendimento jurisprudencial dominante, à interpretação de diversos elementos existentes na relação estabelecida entre as partes, com recurso, se necessário, ao método indiciário, que assenta nesses elementos ou factos indiciários.[4]

Método que permite estabelecer a diferença entre tais contratos em função da prevalência de uns elementos (de indícios) em relação a outros, e a cujo recurso se refere Bernardo Lobo Xavier, no seguinte excerto:
A autonomia do trabalho – no contrato de prestação de serviço – não é incompatível com a execução de certas directivas da pessoa que contrata o serviço ou a actividade, nem de algum controlo externo sobre o modo como esse serviço é prestado. Para essas zonas cinzentas, é corrente aplicar-se o método de índices para testar a existência de uma situação de autonomia ou de subordinação”.[5]

Sendo certo que a própria multiplicidade de prestações de serviço, muitas delas atípicas, aumenta essa dificuldade, conforme alerta também Pais de Vasconcelos[6], quando aborda a questão das várias situações de prestação de serviços por parte de profissionais liberais ou similares.
E que é exponenciada sempre que o prestador do serviço se apresenta “inserido numa organização empresarial”. [7]
5. Em situações dessa natureza em que é patente a dificuldade de qualificação, como factor contributivo para a fixação da distinção do contrato, assume particular relevância apurar qual foi a vontade real das partes no momento da celebração do contrato, impondo-se, assim, aferir como se concretizou a exteriorização dessa vontade.
Sendo a manifestação da vontade das partes o primado e a essência do negócio celebrado, essa vontade ser-nos-á revelada pelo conteúdo do clausulado do contrato e/ou pelos factos provados e relativos ao modo como se desenvolveu e se executou o exercício da actividade e a prestação do serviço, que valorizados no seu conjunto serão determinantes para a qualificação jurídica do contrato.

Efectivamente, vigorando no nosso ordenamento jurídico o primado da liberdade contratual e da autonomia da vontade, a sua expressão manifesta-se, no âmbito da celebração dos contratos, no poder de que gozam as partes, enquanto sujeitos de uma relação jurídica de natureza contratual, de livre e voluntariamente celebrarem o contrato numa das alegadas modalidades.
E na declaração negocial firmada estará vertida, no respectivo clausulado, a vontade negocial de quem a subscreveu, com o sentido jurídico que lhe é emprestado pelo nº 1 do art. 236º do CC, e que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.
Com ressalva, naturalmente, das situações em que se alegue, e prove, que a parte que o subscreveu tenha sido induzida em erro ou coagida a aceitar o contrato a que se vinculou.

Quer isto dizer que a vontade negocial das partes – livre, voluntária, lícita e de boa-fé – é soberana e decisiva na qualificação do respectivo contrato.

É a denominada essencialia negotii do contrato[8] que irá estabelecer a destrinça.

Igualmente realçada em inúmeros Acórdãos do STJ, onde se consagra a importância de, in concreto, se aferir essa vontade.[9]

Podendo ler-se, a este propósito, que:
“Em situações de dificuldade de distinção, para alcançar a identificação da relação laboral e aferir se se trata de um contrato de trabalho ou de prestação de serviços torna-se necessário proceder à análise do comportamento declarativo expresso nas estipulações contratuais e ainda à conduta dos contraentes na execução do contrato, recolhendo do circunstancialismo que o envolveu elementos do modelo típico do trabalhador subordinado ou do modelo da prestação de serviços, por modo a poder concluir-se, ou não, pela coexistência no caso concreto dos elementos definidores do contrato de trabalho”.[10]

Reitera-se, porém, que a qualificação do contrato celebrado entre as partes não dispensa a análise da situação concreta e a conjugação, entre si, dos elementos factuais provados, porquanto, como é sabido, o nomen iuris que as partes possam dar ao contrato não pode, de per se, alicerçar a conclusão, com a razoável certeza que o direito erige, de que se está perante um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviço.
Só o conjunto do acervo fáctico provado, aferido caso a caso, conjugado com os factores referidos, permitirá concluir, com rigor, no sentido da qualificação do contrato como contrato de trabalho ou de prestação de serviço.
Tanto mais que com a evolução tecnológica e o desenvolvimento social e económico das sociedades modernas, surgiram novos modelos de organização do trabalho e do mercado de trabalho que postergaram os tradicionais modos de efectivação da prestação laboral e enveredaram por novos caminhos mais compatíveis com a sociedade actual.
E o caso em análise – aconselhamento de enfermagem “via call center” por força de um contrato celebrado com uma seguradora – inscreve-se nesses novos modelos.

6. É extensa a doutrina que elenca os indícios negociais e acentua a sua importância para a qualificação do contrato, enquanto método facilitador e decisivo dessa qualificação, bem como a jurisprudência que os acolhe.
Nesta matéria são apontados diversos indícios negociais internos e externos. Os primeiros com a nobre função de caracterizar o elemento fulcral do contrato de trabalho – a subordinação jurídica – e os segundos, de natureza externa, dão o seu contributo para caracterizar o contrato, já não como de trabalho, mas sim como de prestação de serviço.[11]

Entre os indícios negociais internos a ponderar importa, nomeadamente[12]:
·  Determinar o local onde é exercida a actividade – embora no contrato de trabalho a actividade seja desenvolvida no local de trabalho que, regra geral, se situa na empresa, há contratos, conforme alerta o Autor citado, em que a determinação do local de trabalho depende da actividade a desenvolver, o que não significa que, em tais circunstâncias, não se esteja perante um contrato de prestação de serviço;
·  Verificar se existe um horário de trabalho fixo, caso em que poderá ser um contrato de trabalho. Contudo, a fixação de um horário para a realização da actividade a prestar pode ser fruto do período do funcionamento da empresa ou das horas de funcionamento das máquinas ou da prestação do serviço, pelo que se poderá estar face a um contrato de prestação de serviço;
·  A utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo empregador ou destinatário da actividade pode indiciar que o contrato é de trabalho. Mas não lhe assegura essa exclusividade qualificativa, porquanto, é frequente, o prestador de serviços utilizar também equipamentos daquele para quem presta certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual;
·  O tipo de remuneração é bastante elucidativo. Se a retribuição for determinada por tempo de trabalho, em função do período de tempo durante o qual se exerce e desempenha a actividade, será de pressupor que se está perante um contrato de trabalho; porém, se o pagamento for feito em função da tarefa, do resultado, e fixado à hora ou em função do tempo utilizado na execução da tarefa, será um contrato de prestação de serviço;
·  E como reforço do critério que antecede temos que quando são pagos os subsídios de férias e de Natal normalmente o contrato é de trabalho e não de prestação de serviço;
·  Se o prestador de actividade recorre a colaboradores, a terceiros, é de concluir pela existência de um contrato de prestação de serviço, pois no contrato de trabalho a actividade tem de ser exercida pelo próprio trabalhador, por si, e não por intermédio de outras pessoas.
O que bem se compreende dada a natureza intuitu personae do contrato de trabalho, pois tendo sido escolhido certo trabalhador, em função de características e conhecimentos determinados, não pode, sem mais, ser substituído por qualquer outro;
·  Importa ainda aferir como é feita a repartição do risco – no contrato de trabalho o risco corre por conta do empregador, e o trabalhador tem sempre direito – se cumprir – à remuneração acordada, quer haja muito ou pouco trabalho, quer o empregador tenha lucros ou não. No contrato de prestação de serviço aquele que presta o serviço corre o risco da actividade por si desenvolvida, por isso, inviabilizando-se o resultado, a retribuição é necessariamente atingida;
·  O modo de execução do contrato também releva – será um contrato de trabalho se o prestador da actividade tiver direito a férias ou cumpra as obrigações específicas do contrato de trabalho. Será contrato de prestação de serviço no caso contrário;
·  É ainda indicado como indício negocial interno característico de um contrato de trabalho o facto de o trabalhador se encontrar inserido numa organização produtiva, na estrutura empresarial do empregador.
Indício com actual consagração legal, porquanto a legislação laboral passou a integrar no conceito de contrato de trabalho esse elemento, na nova redacção introduzida no art. 11º do Código do Trabalho, aprovado em 2009.
                 
Por sua vez os índices externos do contrato, que ajudam a estabelecer a distinção entre o prestador de serviço e o trabalhador vinculado por um contrato de trabalho, dão-se por verificados e apontam para o contrato de prestação de serviço quando:
a) A actividade é desenvolvida para diferentes beneficiários – o que indicia logo uma independência que não se coaduna, grosso modo, com a subordinação inerente à relação laboral; pelo que, nestas circunstâncias, será um contrato de prestação de serviço;
b) A forma de remuneração – o seu cálculo e modo de pagamento, no caso da prestação de serviço assenta, regra geral, na fixação do preço em função da hora ou do dia de trabalho;
c) O tipo de imposto pago que, no caso da prestação de serviço, resulta da inscrição na Repartição de Finanças como trabalhador independente (ainda que não se possa descurar a hipótese de, por vezes, a coberto desse factor, se pretender, eventualmente, dissimular um verdadeiro contrato de trabalho, v.g., com pagamentos efectuados mediante «recibos verdes»);
d) A inscrição do prestador da actividade na segurança social – que, nos contratos de prestação de serviço, faz-se como sendo trabalhador independente.   

Convém ter presente que os indicadores que antecedem e integram o denominado método indiciário – como indícios negociais que são – só se assumem como determinantes em função do seu conjunto e se, em conexão, uma vez provados, permitirem concluir que se está perante um contrato de trabalho ou de prestação de serviço.
Isto porque, conforme ressalta claramente do que se expos no seu elencar, situações existirão que, em abstracto, tanto poderão apontar num sentido como noutro. 
Por conseguinte, só a análise ponderada de todo o circunstancialismo fáctico provado tendo em conta os termos em que decorreu a execução do contrato, a forma como a actividade e/ou a prestação de serviços foi desenvolvida, o comportamento assumido por ambas as partes e o sopesar de outros indícios relevantes, poderá determinar com rigor se, no caso concreto, as partes celebraram um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviço, concluindo, a final, pelo tipo de relação jurídica e vínculo que se estabeleceu entre ambas as partes envolvidas nessa relação: in casu, a Autora e o Réu.

De qualquer forma, enquanto proponente da acção, caberá à Autora provar que a relação contratual que vigorou entre as partes revestiu a natureza de contrato de trabalho, porquanto quem invoca – como é o caso – um contrato de trabalho, como fundamento da sua pretensão, tem o ónus de prova dos elementos que o integram.[13]
Para tanto, e em situações de fronteira ou de dificuldade acrescida como constitui o caso sub judice, terá a Autora não só de alegar, mas também de provar, factos que, uma vez firmados, permitam concluir que a prestação da sua actividade foi exercida sob a égide e no âmbito de um contrato de trabalho, em regime de subordinação económica e jurídica.[14]

7. Posto isto e reportando-nos ao caso em análise verifica-se que resultou provado nos autos, com relevo para a decisão a proferir, nomeadamente que[15]:
- A Autora é enfermeira, inscrita na Ordem dos Enfermeiros e titular da cédula profissional … (factos provados e inseridos no ponto 2.1.1).
- A Ré é uma seguradora que exerce a sua actividade no ramo de seguros de acidentes, doença e assistência, e que gere um sistema integrado de cuidados de saúde acessíveis no âmbito de uma rede convencionada de prestadores e através de um serviço de triagem, aconselhamento e encaminhamento que funciona através de centros de atendimento telefónico e especializados (2.1.2.).
- A Autora iniciou as funções na Ré no dia 09 de Setembro de 2002 (2.1.3).
- No dia 14 de Fevereiro de 2003, a BB, S.A. e Autora subscreveram o escrito designado por “contrato prestação de serviços/enfermeiros de triagem clínica”, junto por cópia a fls. 28 e segts. e cujo conteúdo se mostra reproduzido, e provado, nomeadamente o seguinte (2.1.4.):
(…).
“Cláusula 3ª – O 2º contraente prestará os seus serviços com autonomia e independência e sem dever de obediência hierárquica a qualquer funcionário da BB [16], devendo no entanto exercer a sua actividade com respeito pelas normas de organização e funcionamento, higiene e segurança, em vigor em cada momento nas instalações em que se encontre, acatando as recomendações e orientações que ficarem estipuladas no âmbito de funcionamento de software de triagem e Manual de Procedimentos para o período em que preste serviços”.
- A Ré organizava os horários de trabalho dos enfermeiros por turno, com a duração de 6, 8 ou 9 horas, sendo que a Autora estava disponível para fazer, em média, dois períodos por semana (uma manhã e uma noite) – (factos provados e inseridos no ponto 2.1.8.).
- A Autora trocava os turnos que lhe estavam fixados, de acordo com as suas conveniências pessoais e profissionais, devendo observar determinadas regras – em princípio, o enfermeiro substituto deveria ter mais ou menos a mesma experiência ou antiguidade na profissão que o substituído; tinha que estar assegurado que em cada turno estivessem sempre representadas determinadas especialidades, como por exemplo pediatria; não podiam ser cumpridos por cada enfermeiro mais de cinco turnos por semana, nem turnos seguidos, tendo de ser observados intervalos mínimos entre os turnos (quem saísse à 1h não podia fazer o turno da manhã seguinte) – desse facto dando conhecimento à Ré, embora a troca não dependesse de autorização desta – (2.1.11. Facto com a redacção fixada pelo Tribunal da Relação).
- Até 2007 a Ré tinha instituído um registo manual no qual cada enfermeiro, incluindo a Autora, apontava os dias e horas em que prestava actividade (2.1.12.).
- Posteriormente, o próprio sistema informático passou a ter uma funcionalidade que regista a hora de entrada no mesmo com o login atribuído a cada enfermeiro, incluindo a Autora, e consequentemente a hora de fecho e respectivas pausas (2.1.13.).
- As informações referidas nos números anteriores destinavam-se a apurar o número de horas para pagamento (2.1.14.).
- A Ré pagou à Autora as quantias que constam da matéria de facto provada nos pontos 2.1.17, a título de honorários, e a Autora emitiu os respectivos recibos verdes (factos provados nos pontos 2.1.17. e 2.1.18.).
- A Ré nunca pagou à Autora qualquer retribuição relativa a cada um dos períodos de férias que a Autora gozou em cada ano civil, nem o respectivo subsídio (2.1.29.).
- Desde 2002 a Ré não pagou à Autora qualquer quantia a título de subsídio de Natal, pago no mês de Dezembro de cada ano (2.1.30.).
- No período compreendido entre 02 de Outubro e 12 de Novembro de 2012 e a partir de 04 de Janeiro de 2013 a Autora esteve incapacitada temporariamente para o trabalho (2.1.31.).
- O filho da Autora nasceu no dia … de … de 2013 (2.1.32.).
- Em 27 de Março de 2013 a Autora requereu à Segurança Social subsídio de parentalidade (2.1.33.).
- A Autora estava inscrita na Segurança Social, no regime dos trabalhadores independentes, com efeitos a Junho de 2009 (2.1.44.).
- Em data não concretamente apurada a Autora distribuiu cartões-de-visita às restantes pessoas que com ela trabalhavam em que se apresentava como consultora imobiliária (2.1.53.).
- Em data e período não concretamente apurado a Autora manifestou a sua indisponibilidade para prestar funções na Ré por se encontrar a frequentar um curso de piloto de aviação (2.1.54.).
- A Autora foi admitida para trabalhar no Centro … – …, em 17.08.1998, mediante a celebração de um contrato a termo tendo sido posteriormente nomeada com vínculo definitivo (2.1.55.).
- Desde 13 de Maio de 2009 a Autora encontra-se na situação de licença sem vencimento de longa duração, que determinou a abertura da vaga, a qual, por não ter sido ocupada, se extinguiu (2.1.56.).
- A Autora nunca comunicou à Ré o nascimento do filho. A Enfermeira DD soube por SMS que foram enviados a outros enfermeiros – factos provados e inseridos supra no ponto (2.1.58.).
- Entre 2002 e 2007 a Autora também fez atendimento telefónico em benefício dos utentes da denominada “...” (2.1.67).
- A responsável (de) call center é responsável pela gestão (do) call center, (incumbindo-lhe) fazer mapas, pagamento das horas prestadas e assegurar (o) funcionamento (do) sistema para que esteja operacional, tendo vínculo jurídico-laboral à Ré (2.1.68.).
- A enfermeira supervisora é responsável pelo serviço prestado, fazendo articulação com os enfermeiros que estão a fazer o atendimento, articulando com outras áreas da companhia. Está presente na sala para esclarecer dúvidas, tendo vínculo jurídico-laboral à Ré (2.1.69.).
- No âmbito da concessão de subsídio de risco clínico durante a gravidez e licença (de) paternidade a Segurança Social atribuiu (à A.) um subsídio diário de € 20,96 (2.1.70.).

  Ora, como é sabido, a actividade de enfermagem, tal como a médica, implica por natureza uma autonomia técnica e científica que é perfeitamente compatível com a sua submissão ao regime jurídico ínsito ao contrato de prestação de serviço, resultando aliás dos autos que, no caso sub judice, a vontade real expressa no contrato celebrado confirma que foi essa a vontade das partes.

Não só porque o denominaram como tal, livre e voluntariamente, mas também porquanto verteram no seu clausulado elementos que revelam a inexistência de subordinação económica e jurídica da Autora à Ré.

Igualmente se provou que não existia:
- Controlo de assiduidade, salvo para efeitos de preenchimento das necessidades de funcionamento do call center;
- Marcação de férias ou de ausências que fossem estabelecidas de acordo com um típico contrato de trabalho;
- Pagamento de subsídios de férias e de Natal;
- Poder disciplinar por parte da Ré.

Por outro lado, o poder que a A. detinha de poder exercer outras actividades para outras entidades – de enfermagem ou não – com total e plena liberdade, e conforme mais lhe conviesse, é revelador de que não carecia da prévia autorização da Ré ou conhecimento desta, sendo ainda de salientar que a A. até se podia fazer substituir, na sua ausência, por outro colega à sua escolha.
Circunstâncias que colidem frontalmente com uma das características essenciais inerentes a qualquer contrato de trabalho, e que reside na sua celebração intuitu personae. Tudo elementos que revelam, em nosso entender, clara e inequivocamente, que o contrato celebrado e que ligou a A. à Ré não é compatível com a existência de um contrato de trabalho.

Acresce que, seja pelo nomen iuris atribuído ao contrato celebrado entre as partes, seja pelas cláusulas ali apostas, seja, por fim, por apelo aos indícios recolhidos, nada nos permite concluir que a vontade real das partes não coincidiu, justamente, com a que foi exarada no contrato escrito, designado de “contrato escrito de prestação de serviços”.
Só assim não seria se a matéria de facto provada permitisse concluir, com razoável certeza, que outra foi realmente a vontade negocial que esteve subjacente à execução do contrato.
O que a Autora não logrou provar.
Sendo a Autora uma pessoa culta e instruída não é defensável que desconhecesse o conteúdo e a natureza do contrato que celebrou e a que as partes atribuíram a referida designação. Os conhecimentos que detém nesta matéria são superiores aos do cidadão normal, ao cidadão médio. Compreende, por isso, o sentido e alcance das declarações prestadas e inseridas no contrato a que se vinculou.
A própria actividade de cuidados de saúde, através da enfermagem, tal como a actividade médica, implica, como é sabido, a salvaguarda da necessária autonomia técnica e científica, pelo que pode ser perfeitamente exercida mediante contrato de prestação de serviços, conforme, aliás, entendimento exarado em diversos arestos, deste STJ.[17]
E ambas as partes, conhecedoras do alcance e sentido das declarações produzidas, que correspondiam à sua vontade, só podem ter celebrado o contrato que queriam. Tanto mais que o seu conteúdo não se mostra infirmado pela actuação e prestação de serviços desenvolvida pela Autora ao longo de todos estes anos, nem tão pouco pela Ré que tem a actividade centrada no ramo de seguros de saúde e não de propriedade de clínicas ou hospitais.
Conclusão reforçada por todo o circunstancialismo fáctico provado, porquanto resulta dos autos que a Autora actuou sempre como estando “de passagem” naquele lugar. Não só porque acumulou com outras actividades – provou-se que a Autora apenas “estava disponível para fazer, em média, dois períodos por semana (uma manhã e uma noite)” – como também porque se dedicava a actividades que nada tinham a ver com o próprio contrato de prestação de serviços de enfermagem – apresentava-se como consultora imobiliária (factos provados e inseridos no ponto 2.1.53), frequentava um curso de piloto de aviação (factos provados e inseridos no ponto 2.1.54), e comunicou à Ré, por diversas vezes, a sua indisponibilidade para prestar actividade em períodos longos (cf. factos provados e inseridos no ponto 2.1.57).
Por conseguinte, resulta indemonstrada, perante o acervo fáctico provado, que a relação jurídica que vigorou entre Autora e a Ré possa enquadrar-se ou subsumir-se no modelo típico do contrato de trabalho.

8. É certo que se provou que a Autora desempenhava a sua actividade nas instalações da Ré, com os materiais desta.
Mas este elemento só por si nada determina. Acresce que, no presente caso, nem podia ser de outra forma, já que a Autora foi contratada para prestar esses serviços de aconselhamento de enfermagem aos segurados da Ré, através de um atendimento que tinha lugar por via telefónica, procedendo ao encaminhamento da prestação de cuidados de saúde.
Ora, assim sendo, só a Ré lhe podia proporcionar esses instrumentos de trabalho, traduzidos na colocação, e à sua disposição, de um sistema complexo de linhas/central telefónica de atendimento, facto que exige um software adequado ligado à rede de comunicações e aos respectivos computadores.
Quanto à triagem, aconselhamento e encaminhamento dos segurados, sendo esse o serviço que a Autora se comprometeu a prestar, era normal que, para tal, tivesse que observar certos procedimentos. Sem que se possa dizer que, só por isso, ficou limitada no exercício da sua prestação de serviços ou que não a podia exercer com plena liberdade e autonomia.
A verdade é que a sujeição ao poder de direcção, fiscalização e autoridade da Ré não existia, conforme resulta dos factos provados. Não podendo entender-‑se como tal a mera monotorização das chamadas telefónicas que visa tão só dotar a Ré de um mecanismo de aferição da qualidade de trabalho prestado e de desenvolvimento futuro da sua actividade seguradora neste ramo. E não o controlo, imposição ou subordinação da Autora na execução da sua prestação de serviços.
Os indícios, a que a Autora faz referência, para concluir no sentido da verificação do pressuposto de subordinação jurídica, constituem tão só os procedimentos que a Ré teve que implementar para organizar e controlar a qualidade do serviço de atendimento, aconselhamento e encaminhamento telefónico especializado de prestação de cuidados de saúde.

E em nada alteram a qualificação do contrato celebrado que, repete-se, não é compatível no caso concreto com uma relação jurídica de trabalho subordinado, sendo certo que o contrato celebrado terá sido o querido e o firmado entre a Autora e a Ré, que o subscreveram livre, consciente e voluntariamente, em pleno gozo, manifestação e exercício da sua vontade negocial esclarecida.

E sem qualquer coacção, condicionamentos, divergências ou erros que viciassem ou afectassem essa vontade real declarada.
 
9. Em suma: dir-se-á que não tendo a Autora logrado provar que estivesse:
1. Sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, através do exercício do respectivo poder disciplinar da entidade que a contratou;
2. Sob conta e risco da Ré, mas sim com plena autonomia;
3. Em exclusividade no exercício dessa actividade, porquanto exercia outras,
Não estão reunidos os pressupostos legais que subjazem ao conceito de contrato de trabalho.
Por conseguinte, a conclusão a extrair não pode ser outra: a da inexistência de um contrato de trabalho que vincule a Autora à Ré, ao contrário da pretensão deduzida e que a Autora pretendia ver reconhecida.
E denegada tal pretensão, prejudicadas ficam todas as restantes questões suscitadas.

Razão pela qual não pode ser sufragado o entendimento da Relação de Lisboa que culminou na procedência da acção e, por consequência, revoga-se a decisão proferida.
Nessa medida, repristina-se a sentença da 1ª instância que julgou improcedente a presente acção.

IV – DECISÃO:

- Face ao exposto acorda-se em julgar procedente o recurso de revista e em revogar o acórdão recorrido, com a repristinação da sentença proferida pela 1ª instância, julgando-se improcedente a presente acção e absolvendo-se a Ré de todos os pedidos formulados pela Autora.

- Custas da revista e nas instâncias a cargo da Autora, parte vencida.

- Anexa-se sumário do presente Acórdão.


         Lisboa, 9 de Setembro de 2015


         Ana Luísa Geraldes (Relatora)


         Pinto Hespanhol


         Fernandes da Silva

 ____________________________
[1] Cf.., entre muitos outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça proferidos nas Revistas nºs. 577/08.2TTVNG.P1.S1, 460/11.4TTBCL.P1.S1 e 56/12.3T4AVR.C1.S1, datados, respectivamente, de 4 de Junho de 2014, 2 de Dezembro de 2013 e 5 de Junho de 2013, com sumários acessíveis em www.stj.pt.
[2] Neste sentido, cf. pontos I e II do sumário do Acórdão do STJ, datado de 14/11/1986, in BMJ, nº 361º, pág. 410. Sublinhado nosso.
[3] É o que acontece normalmente com certas profissões liberais, v.g., o médico ou o advogado, em que não se obrigam à obtenção de um resultado, mas sim a uma prestação de meios, através da celebração dos respectivos contratos de prestação de serviços.
O que não significa que não possam celebrar contratos de trabalho, tudo dependendo do que as partes acordaram, conforme alerta Pedro Romano Martinez, in “Direito do Trabalho”, 2013, 6ª Ed., págs. 292 e segts, e a própria experiência comprova.
[4] Que fizeram escola nesta matéria, como se pode ver pela profusão de acórdãos em que tal método é referenciado e reconhecido, v.g., o Ac. do STJ, datado de 16/1/2008, in www.dgsi.pt.
[5] Citado por Abílio Neto, ibidem, em anotação ao actual art. 12º do CT., pág. 93.
[6] In, “Contratos Atípicos”, 2ª Ed., Coimbra, 2009, pág. 211.
[7] Cf. Pedro Romano Martinez, Ibidem, págs. 299 e segts.
[8] Referência que pode ser recolhida em Pedro Romano Martinez, ibidem, pág. 301.
[9] Cf., neste sentido, o Acórdão do STJ (ponto VI), datado de 10/11/2010, proferido no âmbito da Revista nº 3074/07, in www.dgsi.pt.
[10] Neste sentido – e na parte que aqui releva – cf. Ac. do STJ, de 20/09/2006, Proc. Nº 06S694, in www.dgsi.pt. Sublinhado nosso.
[11] Inscrevem-se nos denominados indícios negociais internos todos aqueles que são enunciados por Pedro Martinez e que se mostram acolhidos nos Acórdãos do STJ datados de 21/5/2014, recurso nº 517/10, in www.dgsi.pt, para os quais remetemos.
[12] Acompanhamos, nesta parte, a argumentação magistral expendida por Pedro Romano Martinez, in Ibidem, págs. 301 e segts, e que pode ser igualmente recolhida no Acórdão do STJ, de 9/2/2012, no âmbito da Revista nº 2178/07, in www.dgsi.pt.
[13] Neste sentido, cf. o Acórdão do STJ, datado de 17/4/1996, in www.dgsi.pt.
[14] Neste sentido cf. o Acórdão do STJ, datado de 10/11/2010, in Recurso nº 3074/07. www.dgsi.pt.
[15] As referências inseridas reportam-se aos números dos pontos de facto provados.
[16] Sublinhado nosso.
[17] Cf., nomeadamente, o Acórdão do STJ, datado de 18/1/2006, no âmbito da Revista nº 3487/05, in www.dgsi.pt