Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2015/13.0TVLSB-D.L1.S1-A
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
ACORDÃO FUNDAMENTO
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: IMPROCEDENTE A RECLMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / PENHORA / PENHORA DE BENS IMÓVEIS.
DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / VIGÊNCIA, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 688.º, N.º 1 E 692.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 20.º E 203.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 10-01-2013, PROCESSO N.º 2363/09.5TBPRD.P1.S1-A, ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA;
- DE 20-03-2014, PROCESSO N.º 1937/08.4TBOAZ.P3.S1-A;
- DE 20-03-2014, PROCESSO N.º 1933/09.4TBPFR.P1.S1;
- DE 20-03-2014, PROCESSO N.º 293/09.8TBTND.C1.S1-A, ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA;
- DE 02-10-2014, PROCESSO N.º 268/03.0TBVPA.P2.S1-A, ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-01-2015, PROCESSO N.º 20580/11.4T2SNT-L1.S1-A, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-09-2016, PROCESSO N.º 155/11.9TBPVZ.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- DE 08-10-2013, ACÓRDÃO N.º 657/2013, IN DR, II SÉRIE, DE 24.02.2014.
Sumário :
I - A lei processual civil faz depender a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência da existência de determinados pressupostos, sendo uns de natureza formal e outros de natureza substancial.

II - Entre os requisitos de natureza formal contam-se: interposição de recurso no prazo de 30 dias a partir do trânsito em julgado do acórdão recorrido proferido pelo STJ; identificação do acórdão do STJ que está em oposição com o acórdão recorrido; trânsito em julgado de ambos os acórdãos do STJ, presumindo-se o trânsito quanto ao acórdão fundamento.

III - São requisitos de ordem substancial: a existência de contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão anterior do STJ, relativamente à mesma questão de direito: o caráter essencial da questão de direito em que se manifesta a contradição; e a identidade substantiva do quadro normativo (identidade normativa) em que se insere a questão.

IV - Constatando-se que, no requerimento de interposição do recurso para uniformização de jurisprudência, a recorrente indicou, como acórdão fundamento um acórdão da Relação, quando é certo constituir condição necessária, nos termos do n.º 1 do art. 688.º do CPC, que o acórdão fundamento seja sempre um acórdão proferido pelo STJ, evidente se torna que tal menção conduz à rejeição do recurso, por inverificação de um dos respetivos pressupostos de admissibilidade, nos termos do art. 692.º, n.º 1, do CPC.

Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório


1. AA, S.A.., veio interpor recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no art. 688º do CPC, afirmando a oposição entre o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo nº 2015/13.0TVLSB-D.L1.S1, proferido em 17.05.2017 e transitado em julgado em 05.06.2017 e o acórdão do  Tribunal da Relação de …, proferido no processo nº 1330/14.0FAR.E1, em 16.12.2014.

Alegou, para tanto e em síntese, que a questão jurídica a decidir consiste em saber se, com a entrada em vigor em 1 de Setembro de 2013, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, e designadamente com a introdução do regime jurídico previsto nos artigos 362º e seguintes, foi tacitamente revogado o regime jurídico previsto no nº 7, do artigo 21º do Decreto-lei 145/95, de 24 de junho, na redação que tinha sido introduzida pelo Decreto-Lei nº 30/2008, de 25 de fevereiro.

Mais alegou que, relativamente a esta mesma questão, o acórdão fundamento, proferido pelo Tribunal da Relação de …, no âmbito do processo 1330/14.0FAR.E.1, transitado em julgado e relativo a uma providência cautelar de entrega judicial prevista no art. 21º do DL nº 145/95, já autuada após a entrada em vigor do chamado novo Código de Processo Civil, aplicou o nº 7 do citado art. 21º por entender que o mesmo encontra-se em vigor, enquanto o acórdão recorrido, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo nº 2015/13.0TVLSB-D.L1.S1, perfilhou o entendimento de que o nº 7 do referido artigo 21º foi tacitamente revogado.


2. O recorrido Banco BB, S.A.. respondeu, defendendo, nas suas contra-alegações, o indeferimento liminar do recurso, porquanto o mesmo não cumpre os fundamentos, ónus e requisitos plasmados nas disposições conjugadas dos arts. 688º e 690º, ambos do CPC.


3. Em sede de apreciação liminar foi proferida decisão de não admissão do recurso para uniformização de jurispudência com o seguinte teor:


«(…)

2.1. Sobre o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, dispõe o artigo 688º, nº 1 do Código de Processo Civil que «as partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito», estabelecendo o seu nº 2 que «como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito».

E estatui o nº 3 deste mesmo artigo que «o recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça».

Por sua vez, estipula o nº 1 do artigo 689º, do CPC, que «O recurso para uniformização de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido», estabelecendo o nº 2 deste mesmo artigo que «Com o requerimento previsto no número anterior, o recorrente junta cópia do acórdão anteriormente proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.»

Decorre, assim, da conjugação destes dois artigos, que a lei processual civil faz depender a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência da existência de determinados pressupostos, sendo uns de natureza formal e outros de natureza substancial.

Entre os requisitos de ordem formal contam-se: interposição de recurso no prazo de 30 dias a partir do trânsito em julgado do acórdão recorrido proferido pelo STJ; identificação do acórdão do STJ que está em oposição com o acórdão recorrido; trânsito em julgado de ambos os acórdãos do STJ, presumindo-se o trânsito quanto ao acórdão fundamento.

São requisitos de ordem substancial: existência de contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão anterior do STJ, relativamente à mesma questão de direito; carácter essencial da questão de direito em que se manifesta a contradição; identidade substantiva do quadro normativo (identidade normativa) em que se insere a questão[1].

A contradição de julgados que denuncia o conflito de jurisprudência e justifica o recurso para uniformização de jurisprudência, tem que reportar-se a soluções de direito[2], tem que referir-se à própria decisão e não aos seus fundamentos e tem que ser direta, ou seja, tem de emergir de decisões expressas, não podendo basear-se em decisões indirectas ou implícitas[3].

Por outro lado, é indispensável que as soluções jurídicas, acolhidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, assentem numa mesma base normativa, correspondendo a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito.

E, no dizer dos Acórdãos do STJ, de 02.10.2014 (Recurso Para uniformização de jurisprudência nº 268/03.0TBVPA.P2.S1-A-7ª Secção) e de 29.01.2015 (proc. nº 20580/11.4T2SNT-L1.S1-A)[4], «o preenchimento deste requisito supõe que as soluções alegadamente em conflito:

a) correspondem a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo, situando-se ou movendo-se no âmbito do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental: implica isto, não apenas que não hajam ocorrido, no espaço temporal situado entre os dois arestos, modificações legislativas relevantes, mas também que as soluções encontradas num e noutro acórdão se situem no âmbito da interpretação e aplicação de um mesmo instituto ou figura jurídica - não integrando contradição ou oposição de acórdãos o ter-se alcançado soluções práticas diferentes para os litígios através da respectiva subsunção ou enquadramento em regimes normativos materialmente diferenciados;

b) têm na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo – tendo em consideração a natureza e teleologia dos específicos interesses das partes em conflito – sejam análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto;

c) a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, que integre a verdadeira ratio decidendi dos acórdãos em confronto não relevando os casos em que se traduza em mero obter dictum ou num simples argumento lateral ou coadjuvante de uma solução já alcançada por outra via jurídica».

De realçar, no que respeita aos pressupostos formais, por um lado, que a exigência de confrontar apenas dois acórdãos - o recorrido e o fundamento - assenta numa lógica de delimitação precisa da questão ou questões a decidir, o que nem sempre constituindo tarefa linear quando são apenas dois os arestos em confronto, decerto aportaria complicações expandidas quando fossem vários os arestos em presença.

E, por outro lado, que não basta identificar e mencionar um qualquer acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que trate de uma questão de direito semelhante ou no qual, independentemente do contexto e do seu relevo, esta questão seja aflorada, sendo necessário que se identifique uma duplicidade de respostas à mesma questão de direito.

De salientar ainda que, nos recursos para uniformização de jurisprudência, os requisitos legais, quer a nível da génese fáctico-jurídica do recurso, quer a nível da tramitação processual, integram especificidade ou excepcionalidade dos meios procedimentais, o que implica que sejam de rigorosa aplicação.

É que, como se escreveu no Acórdão do STJ, de 15.09.2016 (proc. nº 155/11.9TBPVZ.P1.S1- 2ª Secção)[5], «não pode ignorar-se que tal recurso extraordinário, além de poder implicar a alteração do resultado expresso no acórdão recorrido, se projectará ainda na resolução de outros casos pendentes em que a mesma questão ou questões sejam suscitadas.

Por isso, só razões muito ponderosas e em que se evidencie, sem qualquer espécie de dúvida, uma contradição relativamente ao cerne de cada um dos litígios justificarão que se coloque em crise um acórdão transitado em julgado, mediante um novo juízo decisório emitido por um órgão jurisdicional mais alargado».


*



2.2. Traçadas as linhas gerais da admissibilidade do recurso para fixação de jurisprudência, importa, agora, apreciar o caso em apreço, tendo em conta que a recorrente AA, S.A.., veio interpor recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, afirmando a oposição entre o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo nº 2015/13.0TVLSB-D.L1.S1, proferido em 17.05.2017 e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo nº 1330/14.0FAR.E1, em 16.12.2014.

Assim e começando pela apreciação dos pressupostos formais, importa, desde logo, afirmar a tempestividade do recurso por ela interposto ( o acórdão recorrido transitou em julgado em 05.06.2017 e o recurso para fixação de jurisprudência foi interposto  em 05.07.2017).

Todavia, constatando-se que, no requerimento de interposição do recurso de fixação de jurisprudência, a recorrente indicou, como acórdão fundamento, o acórdão do Tribunal da Relação de …, proferido no processo nº 1330/14.0FAR.E1, em 16.12.2014, quando é certo constituir condição necessária, nos termos  do nº 1 do art. 688º do CPC, que o acórdão fundamento seja sempre um acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, evidente se torna que a menção de um acórdão do Tribunal da Relação, como acórdão  fundamento, conduz  à rejeição do recurso, por inverificação de um dos respectivos pressupostos de admissibilidade, nos termos do disposto no art. 692º, nº 1 do CPP.

Custas pela recorrente».

4. Vem, agora, a recorrente, através do articulado de fls. 62 a 64, reclamar deste despacho para a conferência, ao abrigo do disposto no art. 692º, nº 2 do CPC, com os seguintes fundamentos:


«1) A decisão singular que não admitiu o recurso para uniformização de jurisprudência interposto pela recorrente assenta no seguinte fundamento: assentando a contradição entre julgados, designadamente o acórdão fundamento, em um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de …, não há lugar à aplicação do disposto no art. 688º, nº1 do CPC.


2) Determina o nº1 do artigo 688º do CPC, que as partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”.


3) No âmbito dos processos de insolvência e no âmbito das providências cautelares, não há, em regra, recurso de revista para esse Supremo Tribunal de Justiça, tudo nos termos do disposto nos artigos 14º e 42º do CIRE, relativamente às insolvências 370º, nº 2 do CPC.


4) Este facto – limitação dos recursos interpostos das decisões proferidas pelos Tribunais de primeira instância, para os Tribunais da Relação – determina o que se entende ser uma violação dos artigos 13º, nº1, 204º e 205º, nº1, todos da CRP.


5) Senão vejamos, o artigo 688º do NCPC, corresponde ao anterior artigo 763º do ACPC, cuja redacção foi mantida integralmente.


6) Sucede, porém, que tal disposição legal – artigo 763º do ACPC- estava integrada num sistema jurídico bastante diferente, daquele que agora se encontra em vigor, no nosso ordenamento jurídico, pois que a regra era, à data, a do recurso das decisões proferidas pelos Tribunas da Relação, para esse Supremo Tribuna de Justiça, e actualmente, a regra é a da dupla conforme, o que impede, na maioria dos casos, o recurso da decisão pelo Tribunal da Relação, para esse Supremo Tribunal de Justiça.

 

7) Quer isto dizer, no entendimento da aqui Apelante, que a médio prazo, o nº1 do artigo 688º do CPC será, também ele, aplicado apenas com carácter residual, porquanto as decisões preladas por esse Supremo Tribunal de Justiça, sejam cada vez mais raras, por inadmissibilidade legal.


8) Ora, se analisarmos o contexto e elemento histórico do artigo 688º do CPC, designadamente o seu nº 1, bem sabemos, que a intenção do legislador não foi, ou poderia ter sido, a de coartar um direito , mas contrariamente, o de permitir, face a decisões antagónicas sobre a mesma questão jurídica, um último recurso, uma última via, para reposição da justiça do seu caso concreto, ou pelo menos, a justiça uniforme, para todos os cidadãos, designadamente pela garantia da segurança jurídica, pilar do Estado de Direito Democrático.


9) Esvaziar o sentido que o legislador atribuiu à previsão do nº1 do art. 688º do CPC ( no âmbito do seu enquadramento jurídico anterior – artigo 763º) , aplicação deste artigo, sem o recurso às regras da interpretação contidas no artigo 9º do Código Civil, implica necessariamente a violação dos artigos 12º, 13º, nº1 e 20º da CRP, e consequentemente, a violação da decisão proferida por esse Supremo Tribunal de Justiça, dos artigos 204º e 205º, igualmente da CRP, o que se invoca.


10) Isto é, no actual enquadramento jurídico, o artigo 688º, nº1 do CPC deve ser interpretado no sentido de que tal recurso é admissível por contradição entre acórdãos proferidos no âmbito da mesma legislação e questão fundamental de direito, bastando, para isso, a contradição entre dois acórdãos proferidos por um qualquer Tribunal superior, desde que transitado em julgado.


11) Sob pena, de ocorrer, com uma evidência manifesta, a impossibilidade e o esvaziamento do sentido da norma.


12) De facto, se após 1 de Setembro de 2013, for introduzida no ordenamento jurídico português, uma legislação, que ofereça diversas interpretações jurídicas, mas que não permita, senão numa situação concreta, o recurso para esse Supremo Tribunal de Justiça, facilmente concluímos pelo manifesto esvaziamento do sentido e alcance do nº1 do artigo 688º do CPC, que visa, antes de mais, o respeito pela igualdade entre todos os cidadãos na relação que estabelecem com a legislação em vigor no país – princípios constantes nos artigos 12º e 13º da CRP».


Termos em que requer seja admitida a interposição de recurso para uniformização de jurisprudência ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 688º do CPC.


5. Cumpre, pois, apreciar e decidir.



***



II - Fundamentação


O objeto da presente reclamação consiste em saber se, no quadro atual dos recursos cíveis, o artigo 688º, nº 1 do CPC deve ser interpretado no sentido de que para o recurso para uniformização de jurisprudência, não é de exigir a contradição entre dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, bastando a contradição entre dois acórdãos proferidos por um qualquer Tribunal superior, desde que transitado em julgado, sob pena de violação dos artigos 13º, nº1 e 20º da CRP.

A este respeito, sustenta a reclamante que o despacho ora sob censura não interpretou o art. 688º, nº1 do CPC, de acordo com as regras contidas no art. 9º do C. Civil, na medida em que esvaziou o sentido que o legislador atribuiu à previsão daquela norma, quando é certo, mesmo no âmbito do anterior artigo 763º do CPC, ter sido intenção do legislador permitir, face a decisões antagónicas sobre a mesma questão jurídica, um último recurso para alcançar a justiça uniforme, para todos os cidadãos, designadamente pela garantia da segurança jurídica, pilar do Estado de Direito Democrático.


Vejamos, então, se lhe assiste razão.


De realçar que a questão não é nova, tendo já sido colocada no âmbito da vigência do art. 763º do anterior Código de Processo Civil, cuja redação foi mantida integralmente pelo art. 688º, nº1 do NCPC, porquanto, como expressamente se consigna na Proposta de Lei nº 113/XII « no âmbito dos  recursos, entendeu-se que a recente intervenção legislativa, operada  pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de agosto, desaconselhava uma remodelação do quadro legal instituído».

Por sua vez, afirma-se no Preâmbulo do citado DL nº 303/2007, que a reforma dos recursos cíveis, foi norteada por três objetivos fundamentais: «simplificação, celeridade processual e racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, acentuando-se as suas funções de orientação e uniformização da Jurisprudência» e que «Servem especificamente o propósito de uma maior uniformização da jurisprudência: ... a introdução de um recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência para o pleno das secções cíveis do Supremo quando este Tribunal, em secção, proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito».

E, em conformidade com este último objectivo, foi aditado, em conformidade, o art. 763.º, anteriormente revogado, a cujo n.º 1, que aqui importa, foi dada a  seguinte redacção:

« As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça quando o Supremo proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito».

Ora, porque esta redacção foi mantida integralmente pelo nº 1 do art. 688º do NCPC, não restam dúvidas, que esta norma reflete também a ratio legis anunciada nos propósitos constantes dos considerandos do Decreto-Lei nº 303/2007, pelo que o despacho de que, agora, se reclama ao interpretar esta norma no sentido de que é fundamento da interposição do recurso extraordinário para uniformização de Jurisprudência que, além do mais, o Supremo Tribunal tenha proferido Acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo Tribunal, mais não fez do que respeitar todos os fatores hermenêuticos que devem presidir à interpretação  da lei nos termos do art. 9.º do Cód. Civil, concretamente o gramatical e o lógico, neste considerados os elementos racional/teleológico, sistemático e histórico.


Deste modo, assente que o despacho reclamado limitou-se a eleger o sentido que o texto do citado art. 688º, nº1, direta, clara e expressamente comporta, por ser o que corresponde ao pensamento legislativo, resta, agora, indagar se o mesmo constitui violação dos princípios e direitos consagrados nos artigos 13º (princípio da igualdade) e 20º (direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos), ambos da Constituição da República Portuguesa. 


E a este respeito, diremos que, como se dá conta no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 657/2013, de 8 de outubro[6], a jurisprudência constitucional, para além de abundante, tem entendido de forma unânime, que « o direito ao recurso  em processo civil e, em concreto, o direito ao recurso para uniformização de jurisprudência  não encontram expressa previsão no artigo 20º da CRP, no sentido de se poderem considerar uma imposição constitucional ao legislador em matéria processual. Tem sido, ao invés, nesta sede, reconhecido dispor o legislador infraconstitucional de uma ampla margem de conformação na escolha e configuração dos meios processuais (civis) adequados à garantia do direito de acesso ao direito e aos tribunais pelos cidadãos».

E, por outro lado, que « a igualdade dos cidadãos perante a lei não é posta em causa pela possibilidade de divergência de julgados não suscetíveis de revisão para uniformização de jurisprudência».

Desde logo, porque «se o princípio da igualdade (e também da certeza e segurança jurídicas) subjaz ao instituto da uniformização de jurisprudência, enquanto valor que especialmente informa este tipo de recursos dirigidos à revisão de decisões divergentes no mesmo quadro legal e quanto à mesma questão de direito, o valor da uniformidade do direito aplicado não é um valor absoluto de que decorra sempre e necessariamente a eliminação da inelutável diferença que possa resultar da jurisprudência produzida pelos vários tribunais e a sua própria evolução, cabendo, em qualquer caso, aos tribunais a liberdade - e a consequente responsabilidade - de realizar a justiça em cada caso concreto em aplicação da lei (artigo 203.º, CRP). Depois aquele valor traz em si essencialmente uma preocupação sistémica - de harmonização e coerência do próprio sistema judicial - elemento que avulta em face da invocação de um direito subjetivo das partes à revisão das decisões judiciais no âmbito de um recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência».


Daí que, mostrando-se respeitado o pensamento legislativo e afastada qualquer violação aos princípios Constitucionais programáticos plasmados nos arts. 13.º e 20.º da C.R.P, seja de  confirmar a decisão da relatora de não admissão do recurso para uniformização de jurisprudência com o argumento de que a  menção  de um acórdão do Tribunal da Relação, como acórdão fundamento, conduz à rejeição do recurso, por inverificação de um dos respectivos pressupostos de admissibilidade, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 688º, nº1 e 692º, nº 1, ambos do CPP.


III - Decisão

   

Pelo exposto, julga-se improcedente a presente reclamação, confirmando-se a decisão da relatora de não admissão do recurso.

Custas pela reclamante.


***



Supremo Tribunal de Justiça, 23 de novembro de 2017

(Texto elaborado e revisto pela Juíza relatora).

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

João Luís Marques Bernardo

__________


[1] Neste sentido e entre muitos outros, cfr. Acórdãos do STJ de 20.03.2014 ( Revista  nº 1937/08.4TBOAZ.P3.S1-A- 2ª Secção); de 20.03.2014 ( Recurso para Uniformização de Jurisprudência nº 293/09.8TBTND.C1.S1-A-2ª Secção)
[2] Que, tal como refere o Acórdão do STJ, de 10.01.2013 ( Recurso para Uniformização de Jurisprudência nº 2363/09.5TBPRD.P1.S1-A-2ª Secção),  tem pressuposta a identidade   dos respectivos pressupostos de facto.
Ou seja, será também de exigir uma identidade fundamental, na medida não pode desligar-se totalmente a solução jurídica dada por cada um dos acórdãos da matéria de facto subjacente a cada um deles.
[3] Neste sentido e entre outros, cfr. Acórdãos do STJ, de 10.01.2013 (Recurso para Uniformização de Jurisprudência nº 2363/09.5TBPRD.P1.S1-A-2ª Secção) e de 20.03.2014 (revista nº 1933/09.4TBPFR.P1.S1-1ª Secção).
[4] In www.dgsi.pt
[5] In www.dgsi.pt
[6] Publicado no DR, II Série, de 24.02.2014 e que, não obstante versar sobre o artigo 673º, nº1 do ACPC tem,  pelos motivos expostos, plena aplicação ao art. 688º, nº1 do NCPC.