Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA OLINDA GARCIA | ||
Descritores: | AÇÃO DECLARATIVA DEVEDOR COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DEFESA POR EXCEÇÃO RECONVENÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 04/13/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA, ANULADO O JULGAMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : | I - O réu que alega ter invocado a compensação de créditos, por via extrajudicial (6 anos antes de ser demandado), e que pretende demonstrar esse facto na sua defesa, não tem de formular pedido reconvencional. II - A compensação de créditos, eficazmente invocada pelo devedor-credor, produz os mesmos efeitos do cumprimento. Se na defesa apenas se pretende demonstrar que, à data da propositura da ação, autor e réu já não eram devedores e credores recíprocos (por se encontrarem compensados os créditos), trata-se de um modo de defesa por exceção. III - O réu que alega a operatividade extintiva da compensação extrajudicial de créditos tem como objetivo (demonstrado esse facto) vir a ser absolvido do pedido, nos termos do art. 576.º, n.º 3, do CPC. IV - Do teor do art. 266.º, n.º 2, alínea c) do CPC não se pode concluir que o legislador tenha imposto ao réu, que já tinha invocado a compensação por via extrajudicial, o ónus de formular pedido reconvencional. V - A certeza e a segurança das relações contratuais devem permitir, a quem invoca eficazmente a compensação de um crédito, confiar que o efeito extintivo inerente ao exercício desse direito potestativo se produziu definitivamente na ordem jurídica. Tendo presente que o direito processual serve a correta ordenação das situações de direito substantivo, dificilmente se compreenderia a imposição de formular pedido reconvencional a quem não se sente credor da contraparte. O que o réu pretenderá demonstrar é que já não era devedor, quando foi demandado, porque o pagamento havia sido realizado por meio de compensação. Não pretende demonstrar que é credor da contraparte. VI - Não admitir o réu a fazer prova da exceção respeitante à invocada compensação extrajudicial, por se entender que só podia ser feita valer em reconvenção, mas, ao mesmo tempo, entender que a reconvenção nunca seria admitida no caso concreto, porque, sendo a autora uma massa insolvente, tal estaria excluído pelas regras do art. 90.º e ss. do CIRE, sendo o réu condenado no pedido, traduz-se numa significativa afetação dos direitos de defesa do réu. VII - A insolvência superveniente da contraparte não deve afetar o efeito extintivo da obrigação que já se tenha produzido com a eficaz invocação da compensação de créditos, por via extrajudicial, nos termos dos arts. 848.º e 854.º do CC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.69310/19.0YIPRT.G1.S1 [Revista excecional]
Recorrente: Limonta Sport, Spa Recorrida: Massa Insolvente de Retanguleixo – Instalações Desportivas, Unipessoal, Ldª
I. RELATÓRIO
1. Massa Insolvente de “Retanguleixo - Instalações Desportivas, Unip, Lda.”, representada pelo seu Administrador de Insolvência, requereu procedimento de injunção contra “Limonta Sport, Spa”, com sede em Itália, alegando, em síntese, que a insolvente se dedicava ao fornecimento e instalação de relva sintética e que, no exercício dessa atividade, forneceu bens e prestou vários serviços à ré, a solicitação desta, de cujo preço permanece em dívida a quantia de € 61.730,76. Terminou peticionando a condenação da ré no pagamento dessa quantia, acrescida dos respetivos juros e taxa de justiça, tudo perfazendo € 89.313,68.
2. A requerida deduziu oposição, excecionando a incompetência internacional dos Tribunais portugueses para conhecer do pedido relativamente ao serviço prestado na Nigéria, no valor faturado de € 7.000,00. Alegou no tocante à fatura n. ..., no valor de € 2.664,00, que o mesmo não é devido, porquanto nunca foi emitida e enviada à requerida tal fatura e não corresponde a qualquer serviço prestado. Quanto às demais, alegou que era consensual autora e ré emitirem faturas por serviços prestados, compensando-se mutuamente e apenas exigindo o saldo final. Assim, por e-mail datado de 25.02.2013, pelas 15:56, enviado pela requerida, na pessoa de AA, à requerente, na pessoa de BB, e-mail ...@sapo.pt, foi comunicada a compensação da fatura n. ...002, de 22.02.2013, no valor de €51.676,70. Por e-mail datado de 31.07.2013, pelas 11:28, enviado pela requerida, na pessoa de AA, à requerente, na pessoa de BB, e-mail ...@sapo.pt, foi comunicada a compensação da fatura n....004, de 24.07.2013, no valor de € 7.000,00. Relativamente à fatura n. ...003, de e com vencimento 01.05.2012, a mesma foi compensada por acordo entre as partes. Assim, as compensações tornaram-se efetivas e extinta a obrigação da Requerida.
3. Os autos foram remetidos ao Tribunal competente, distribuindo-se como ação declarativa com processo comum, nos termos do art.10º n. 2 do DL n. 62/2013, de 10 de maio.
4. A autora respondeu à matéria da exceção, impugnando a factualidade alegada pela ré, e defendendo que a compensação em causa só por reconvenção poderia ser invocada.
5. Foi proferido despacho a julgar o Tribunal internacionalmente competente. Na audiência prévia, por se ter entendido que os autos continham já todos os elementos necessários ao conhecimento parcial do mérito da causa, proferiu-se sentença com o seguinte teor: «(…) julgo a acção procedente na parte em apreciação e, em consequência, condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 59.106,76 (cinquenta e nove mil, cento e seis euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados desde a data de vencimento de cada uma das facturas referidas em 1.4 e sobre as quantias nelas constantes, às taxas sucessivamente emergentes do disposto no art.º 102º/§3 do Código Comercial.»
6. A ré interpôs recurso de apelação, vindo o TRG a confirmar integralmente a decisão da primeira instância.
7. Face à existência de dupla conformidade decisória, a ré interpôs recurso de revista excecional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães que confirmou o despacho saneador-sentença proferido pela Mmo. Juiz a quo, que julgou inadmissível a invocação da compensação (verificada prévia e extrajudicialmente à presente acção) por via de excepção, condenando a Ré a pagar à A. a quantia de € 59.106,76 (cinquenta e nove mil, cento e seis euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados desde a data de vencimento de cada uma das facturas referidas e sobre as quantias nelas constantes, às taxas sucessivamente emergentes.
2. O recurso é admissível como revista excepcional, nos seguintes termos das alienas a), b) e c) do art. 672.º do CPC, por a) estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, que foi violado, b) estão em causa interesses de particular relevância social, bem como c) a contradição do Acórdão recorrido com um outro (acórdão-fundamento), já transitado em julgado, proferido – no caso, por outro Tribunal da Relação – no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que não foi proferido qualquer Acórdão de Uniformização de Jurisprudência.
3. O Acórdão-fundamento, que contradiz o recorrido, é o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. 78428/17.2YIPRT-A.C1, de 10.12.2019, no qual foi relator o Desembargador Vitor Amaral.
4. No caso sub judice, pretende obter-se decisão que regule a desnecessidade de obrigatoriedade de invocação de compensação operada extrajudicialmente e em momento anterior à entrada da acção por via de reconvenção, pois tratando-se a compensação de uma forma de extinção das obrigações, extinção essa ocorrida em momento anterior à propositura da acção, a mesma pode ser invocada enquanto excepção.
5. Acontece que o acórdão recorrido além da escassez de fundamentação, não tem em consideração os factos concretos, fazendo uma aplicação restritiva da lei, não permitindo a concreta realização do direito, pois que, conforme se verá, veta de todas as formas os mecanismos de defesa da Ré, não lhe permitindo agir enquanto sujeito processual, sujeito com direitos constitucionalmente garantidos, tais como o acesso ao direito e aos tribunais.
6. Ademais, o acórdão recorrido assenta num pressuposto deturpado da matéria de facto que devia ter em conta, nomeadamente pela confirmação da recepção da comunicação da compensação por parte da empresa Rectanguleixo.
7. De resto, a presente tema tem sido a matéria de grande divergência doutrinal e jurisprudencial, carecendo, assim, de uma melhor aplicação do direito, havendo absoluta necessidade de esclarecer a regra processual aplicável à compensação e daí a necessidade de sobre este tema o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciar e sobre ele recair acórdão.
8. A alteração legislativa de 2012 veio criar confusão entre a comunidade jurídica. Actualmente, resultando do art. 266.º n.º 2 al. c) que pode o réu deduzir reconvenção quando “pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor” veio instalar-se a incerteza, confusão e disparidade de decisões nas situações em que o procedimento, pela sua natureza, não permite a dedução de reconvenção tais como as injunções, – situações como a dos autos no momento da propositura da acção – e quando a compensação já terá ocorrido em momento anterior, tendo sido efectuada a comunicação da mesma (pressuposto essencial para a sua efectivação), - sendo também o caso dos autos.
9. Temos actualmente autores e decisões que admitem que a compensação seja invocada a titulo de excepção, tal como o acórdão-fundamento Ac. TRC de 10.12.2019, proc. 78428/17.2YIPRT-A.C1 ou Ac. TRC de 26.02.2019, proc. 2128/18.1YIPRT.C1, outras que a admitem em certas circunstâncias, tal como Ac. TRC proc. 12373/17.1YIPRT-A.C1, Ac. TRP de 23.02.2015, proc. 95961/13.8YIPRT.P1, e outras ainda que a recusam completamente, tal como Ac. TRG de 23.03.2017, proc. 37447/15.0YIPRT, remetendo sempre a sua invocação para o instituto da reconvenção, mesmo não sendo processualmente admissível e obrigando a parte a propor nova acção judicial para fazer valer a sua pretensão, posição que, salvo melhor opinião contraria alguns dos princípios de direitos mais sedimentados no Estado-de-direito, tais como o de celeridade e economia processual e mesmo de os princípios constitucionais de acesso ao direito e aos tribunais.
10. É, assim, imperioso que sobre o tema recaia acórdão do Supremo Tribunal de Justiça tomando posição sobre o mesmo por forma a orientar os tribunais das Relações nas suas tomadas de decisão.
11. Ademais, assim tratada, porque a jurisprudência vem divergindo nas decisões que vem proferindo, para além de carecida de uma melhor configuração de direito, mostra que a questão é relevante e refere-se a interesses de particular relevância social, desde logo porque a não admissibilidade de invocação da compensação a título de excepção comporta uma limitação na defesa do réu em determinadas acções, tais como nas Injunções.
12. Por último, a solução adoptada pelo acórdão recorrido – que se pode resumir na imposição da dedução de reconvenção com vista ao reconhecimento da compensação de créditos que ocorreu extrajudicialmente e em momento anterior à propositura da acção – contraria uma outra decisão, produzida no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, decisão esta constante no citado acórdão da Relação de Coimbra, proc. 78428/17.2YIPRT-A.C1, de 10.12.2019, em que foi relator Vitor Amaral, e que, aliás se integra no que, pelo menos, de deve considerar uma corrente jurisprudencial.
13. Ambos os acórdãos aplicam a mesma legislação e dizem respeito aos mesmos temas/problemáticas jurídicos, como são o regime da compensação e a possibilidade de invocação da mesma enquanto excepção peremptória, extintiva do direito, e não exclusivamente por reconvenção, pela conjugação do disposto nos artigos 571.º n.º 2 do Código Civil e art. 266.º n.º 2 al. c) do CPC.
14. É igualmente tratada a questão da admissibilidade de dedução de reconvenção em ações que dão entrada como injunções, procedimento previsto e aprovado pelo DL 269/98, de 1 de Setembro, as quais, pela sua natureza não admitem a apresentação de tal pedido ao tempo do oferecimento do articulado de oposição.
15.Quanto ao quadro-fáctico no que à questão da compensação diz respeito, a envolver ambos os casos, este é essencialmente idêntico. Em ambas as situações a A. peticiona um crédito a favor da Ré, sendo que esta na sua oposição invoca que, em momento anterior aos autos, extrajudicialmente, por acordo entre as partes o crédito a A. foi extinto em virtude da existência de um contra-crédito da Ré sobre a A., tendo as partes acordado na sua compensação, invocando-se, assim, a extinção do crédito peticionado pela A. por via de execepção. Tal como no caso dos autos estamos perante acções que deram entrada como Injunções e somente após distribuição lhes foi atribuída a forma de processo comum.
16. A contradição entre os acórdãos é evidente quanto à interpretação jurídica a dar ao disposto no art. 266.º n.º 2 al. c) do CPC, pois no acórdão fundamento a compensação é admitido a título de excepção e no acórdão recorrido tal possibilidade é vedada à Recorrente.
17. Como se referiu acima, a resolução a dar ao presente caso (e a casos idênticos) poderá vir apenas a retirar-se da interpretação que seja dada a tal norma. A interpretação dada àquela norma processual trata-se da mesma fundamental questão de direito que, assim, é levantada nos dois processos: pode uma compensação que ocorreu anterior e extrajudicialmente ser deduzida a título de excepção peremptória, extintiva do direito?
18. A evidente contradição entre os acórdãos em causa, surge, assim, em relação à interpretação dada à mesma legislação. Interpretação essa que, inevitavelmente, se terá de retirar do Direito e dos seus princípios e normas orientadores. Interpretação essa que, em último caso, só poderá ser ministrada pela mais alta instância judicial. Não se poderá deixar de ter esta questão interpretativa – que se afigura, nos dois acórdãos, claramente contraditória – como uma relevante questão de direito para efeitos de recepção e apreciação do presente recurso.
19. Entendemos, portanto, que estão verificados todos os pressupostos de que depende o recurso de revista excepcional previsto no artigo 672º, nº 1, alínea a), b) e c) do CPC. Vemos o presente caso como um caso que vai precisamente ao encontro da ratio deste recurso: dar resposta a questões relevantes a que as instâncias inferiores têm dado respostas contraditórias; e, assim, estabilizar e uniformizar o Direito, assegurando a essencial e necessária segurança jurídica.
20. Não receber a presente revista excepcional seria permitir e perpetuar a contradição das decisões de tribunais judiciais e da Relação, em claro prejuízo de todos os intervenientes em causa, pelo que o presente recurso deverá ser recebido e apreciado.
21. A Recorrida apresentou Requerimento de Injunção contra a Recorrente, tendo a recorrente apresentado, no Balcão Nacional de Injunções, a sua oposição invocando que o crédito da Recorrida não existia uma vez que em 2013, antes da declaração de insolvência da empresa, as partes haviam concordado em efectuar a sua compensação, pois que naquela data era também a Recorrida devedora da Recorrente, o que se efectivou por comunicações enviadas pela Recorrente à Recorrida de 25 de fev. de 2013 e 31 de julho de 2013, comunicações que se juntaram como doc. n.º 3 e 4 da Oposição.
22. Tratando-se de um crédito extinto, desde 2013, a Recorrente não apresentou reclamação de créditos aquando da declaração de insolvência da Recorrida (ocorrida em Setembro 2013), nem requereu o reconhecimento do seu crédito no âmbito dos presentes autos uma vez que para si já estava extinto, alegando, por sua vez – até porque considerando estarmos perante um procedimento de injunção no momento de apresentação do articulado de oposição, tal não era possível.
23. Em sede de audiência prévia, e sem mais, o Mmo. Juiz de primeira instância proferiu decisão não aceitando a compensação extrajudicial invocada – ocorrida em 2013 – enquanto excepção peremptória.
24. De forma bem mais parca do ponto de vista argumentativo, confirmou tal parecer o Tribunal a quo, dispondo no que ao aqui releva que “Efectivamente, salvo existindo contrato de conta corrente – que não é o caso, pois o que vem alegado, quando muito, subsumir-se-ia à chamada “conta corrente contabilística” mantida por cada uma das partes, o que não dispensa a alegação e prova dos factos correspondentes a cada uma das transacções nelas registadas pelas partes e formulação do correspondente pedido – é na presente acção que ao réu compete alegar e pedir o reconhecimento do contra crédito, deduzindo reconvenção com vista a obter a compensação. Apenas condescendemos que não o seria na hipótese de ter sido emitido documento de quitação das dívidas, com base na alegada compensação anteriormente operada, o que não sucede, nem sequer vem alegado.
25. Assim sendo, teria a ré de deduzir reconvenção, à qual não obstava a forma de processo, pois, atento o valor, após a distribuição seguiria aforma de processo declarativo comum. (…).
26. Mais referindo que: “Acresce que o apelante não deduziu pedido reconvencional nem o poderia deduzir, pois, como resulta do disposto no art.º 90.º do CIRE, só pode ser considerado titular de créditos sobre a insolvência, designadamente para efeitos de compensação de créditos com a massa insolvente, quem tenha sido reconhecido no processo de insolvência como credor”.
27. Ora, salvo o devido respeito, além de não se concordar com a decisão proferida isoladamente quanto à admissibilidade de dedução de compensação a título de excepção, o Tribunal a quo entra em contradição em dois pontos distintos: 1. Quanto à conclusão relativa à obrigatoriedade de dedução de reconvenção para arguir a compensação, vedando, contudo, tal possibilidade à Ré, Recorrente, porquanto diz que deveria ter reclamado créditos na insolvência e o não fez… Ora, como poderia a Recorrente reclamar um crédito que considerava inexistir porque havia sido compensado?! Poderíamos, eventualmente, estar perante uma situação de abuso de direito caso o tivesse feito;
2. O Tribunal a quo não admite o documento cuja junção se requereu por considerar não ter “qualquer interesse para a apreciação das questões que se colocam no presente recurso”, contudo depois admite a importância de um documento de quitação. Tal como resulta das alegações, o documento cuja junção se requereu é precisamente a confirmação da recepção da comunicação de compensação pela A., em 2013, mais não sendo do que uma “quitação”.
28. Assim, entende a Recorrente que a posição tomada pela Mma. Juiz de primeira instância e pelo Tribunal a quo não considera o caso concreto e as suas inúmeras particularidades, fazendo uma aplicação meramente e exageradamente formal da lei processual civil sem olhar ao caso concreto, que não se aceita, nomeadamente o facto de estarmos perante uma compensação que já operou extrajudicialmente e foi aceite pela A., Recorrida, e o facto da Requerente ser uma massa insolvente, ou seja, impossibilidade da Ré fazer valer o seu crédito em acção.
29. A decisão proferida nesta fase do processo tinha necessariamente de ser outra, impondo-se, assim, a modificação do acórdão recorrido.
30. No que tange à compensação invocada, somente após tal alegação veio a A. a negar tal compensação, alegando a não recepção de tais comunicações. Atenta a posição da A., a Ré tentou obter todas as comunicações trocadas entre as partes em 2013, contudo, considerando a antiguidade das comunicações em causa e a carência de meios técnicos para o efeito, somente após a audiência prévia conseguiu recuperar os e-mails trocados entre as partes em 2013, conseguindo encontrar o e-mail de confirmação de recepção dos seus e-mails enviados pelo representante da A., à data, cuja junção se requereu com as alegações. Contudo o tribunal a quo considerou o documento irrelevante.
31. Contudo, posteriormente é expresso que “Apenas condescendemos que não o seria na hipótese de ter sido emitido documento de quitação das dívidas, com base na alegada compensação anteriormente operada, o que não sucede, nem sequer vem alegado.” Contudo, analisando-se o mencionado documento e o seu conteúdo, que se trata da confirmação da compensação por parte da A., Recorrida, subsumindo-se a um verdadeiro documento de quitação, pois que se trata de um documento emitido pela A., que confirma a compensação e como tal a extinção do seu crédito naquele montante.
32. Deste modo, entende a Recorrente que deveria o Tribunal a quo, além de ter admitido a junção aos autos do referido documento, ter ordenado a modificabilidade da decisão de facto, nos termos do disposto no art. 662.º n.º 1 do CPC.
33. Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 662.º do CPC, a Relação, mesmo oficiosamente deve ordenar a produção de novos meios de prova (al.b), ou mesmo anular a decisão quando não constando do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto repute deficiente, obscura e contraditória a decisão sobre determinados pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta.
34. Atendendo à posição das partes, à própria decisão proferida pela Relação de Guimarães e à importância do documento com vista à boa apreciação da causa e aplicação do direito, deverá o mesmo ser admitido e tido em conta para a análise da questão de direito que se pretende ver resolvida.
35. A compensação consiste na extinção recíproca de duas obrigações (extinção que ocorre até ao limite da de menor valor), sendo que o credor de uma delas é simultaneamente o devedor da outra. Representa, assim, a realização de um encontro de contas.
36. Entre a Recorrida e a Recorrente havia uma relação comercial mútua de fornecedor-cliente, sendo a Recorrente cliente da Recorrida. Mas também fornecedora e no âmbito da relação comercial existente entre elas, ambas emitiam as suas facturas e muitas delas, eram compensadas entre si, nos termos do disposto no art. 847.º do Código Civil Português. Na eventualidade e quando o montante em divida pela outra parte era superior ao valor do seu crédito, procedia ao seu pagamento, normalmente por meio de transferência bancária, o que também ocorreu no caso dos autos conforme extracto junto.
37. Os pagamento se fectuados pela Ré, ora Recorrente, e as compensações operadas pelas partes eram sempre comunicadas e posteriormente introduzidas no sistema contabilístico, conforme se pode ver pelo extracto conjunto junto com a oposição como Doc. n.º 2 a 4.
38. Com efeito, o modo de extinção da obrigação da Recorrente, por via da compensação, foi à data, comunicada pela Recorrente à Recorrida, como era habitual (conforme doc, n.º 3 e 4 juntos com a oposição) e por esta confirmada quanto ao valor de € 51.676,70 – conforme documento cuja junção se requer e somente nesta sede uma vez que a Recorrente só na agora logrou encontrar tal comunicação, atenta a antiguidade da comunicação e dificuldade de obtenção dos meios por carência de meios informáticos.
39. No caso dos presentes autos foi a compensação declarada pela Recorrente, conforme resulta do junto com a contestação, documento de comunicação da compensação e a compensação posteriormente confirmada pela Recorrida., conforme documento que acompanha as presentes alegações. Assim, no momento em que a compensação foi comunicada e, confirmando-se que chegou ao poder do destinatário, tornou-se efectiva e, por conseguinte, o crédito da Recorrida extinto.
40. Assim, duvidas não há de que foi operada a compensação dos créditos entre a A. e Ré em 2013, pois que a compensação foi comunicada pela Ré à A., e por esta recebida e confirmada, e, por conseguinte, o crédito peticionado – na medida da condenação – foi extinto!
41. Contudo, independentemente dessa alegação – de inexistência de crédito da A. em virtude da compensação operada em 2013 – e junção de documentos quanto à existência de tal compensação, o Mmo. Juiz de primeira instância entendeu que, como formalmente não foi apresentado pedido reconvencional, proferiu sentença julgando integralmente improcedente a oposição apresentada. Decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação.
42. Contudo, a compensação, no caso dos presentes autos tratando-se de compensação extrajudicial, pode ser invocada a titulo de excepção, não se aplicando a nova redação do art. 266.º n.º 2 al. c) do CPC.
43. Conforme PAULO PIMENTA assume “não estão cobertos pela previsão do art. 266.º 2. c) os casos em que a compensação já tenha sido operada extrajudicialmente em momento anterior, pois aí o crédito do autor já está extinto quando a acção é proposta, sendo então de invocar facto extintivo em sede de defesa.”
44. Assim, de acordo com Paulo Pimenta – autor citado na Sentença Proferida – nos casos como o dos autos, em que a compensação já operou extrajudicialmente em momento anterior, e uma vez que o crédito já estava extinto quando a acção foi proposta, o Réu deve inovar esse facto extintivo em sede de defesa, enquanto excepção peremptória extintiva do direito invocado pelo A.
45. LEBRE DE FREITAS, admite o caracter facultativo da reconvenção, referindo que “não é seguro que a lei estenda o ónus de reconvir aos casos em que a vontade de compensar já tenha sido declarada pelo réu, extraprocessualmente, visto que o efeito extintivo mútuo se produz, automaticamente com a receção, por uma parte, da declaração da outra de querer compensar crédito e débito (art. 848-1 CC). O novo preceito fala de pretensão de reconhecimento do crédito para obter a compensação, o que literalmente inculca a ideia de que ela ainda não foi obtida. Quando o tenha sido, estaremos perante uma objeção, como tal oficiosamente cognoscível pelo tribunal desde que os factos que a constituem hajam sido alegados pelas partes e não carecendo, por isso, de nova manifestação da vontade de compensar”.
46. No âmbito dos presentes autos não se invocou e requereu em sede de oposição injunção o reconhecimento de um crédito da Ré e a compensação do mesmo com o crédito peticionado pela A Pelo contrário, o que se invocou em sede de oposição à injunção apresentada foi que o crédito peticionado já se encontrava extinto, o qual havia sido “pago” por compensação, ou seja, foi invocada uma causa extintiva da obrigação da Ré, alegada a titulo de excepção.
47.Tratando-se de um procedimento que deu entrada como injunção, nem podia, naquele momento, ser deduzida reconvenção, de acordo com determinada jurisprudência, o que a Recorrente não fez.
48. A reconvenção visa o reconhecimento judicial de um crédito novo do Réu na esfera jurídica do A., o qual, no caso da compensação irá extinguir o direito de crédito do A. em relação ao Réu e no caso dos presentes autos o que se pretende é, precisamente, a improcedência do pedido formulado pelo A. porquanto o crédito por este peticionado já se encontra totalmente extinto uma vez que foi compensado há 6 anos.
49. Pois bem, ao contrário do que faz crer o Mmo. Juiz a quo, é admissível a invocação da compensação extrajudicial a titulo de excepção peremptória, como causa extintiva da obrigação peticionada, vide Ac. TRC de 26.02.2019, proc. 2128/18.1YIPRT (Relator: Carlos Moreira), TRC de 16.01.2018, proc. 12373/17.1YIPRT-A.C1, (Relatora: Maria João Areais) resultando claro que a mesma – sendo extrajudicial – deve ser feita por via da compensação, estabelecendo o Douto Acórdão que “o teor de tal norma [art. 266º nº. 2 al.c)] acaba por não encerrar a questão, uma vez que, em rigor, aí apenas se dispõe sobre os casos em que a reconvenção é admissível. Não versa sobre a possibilidade, ou não, de utilização de diferente meio processual para o obter idêntico efeito, no caso, meramente extintivo do autor (art. 576º, nº 3).
50. Impedindo a invocação da compensação por excepção num caso como o dos presentes autos é, de resto, lhe ver ser coartado um importante meio de defesa, a qual arrepia a finalidade do direito em si, ademais a entender-se que a compensação só pode ser invocada em reconvenção, é admitir que viria renascer contra a A. um crédito já extrajudicialmente extinto, o que seria absurdo por destruir um efeito substantivo já adquirido.
51. O Tribunal a quo limita-se a fazer uma aplicação meramente e exageradamente formalista e restritiva da lei, vetando a realização material do direito e impedindo a análise da extinção do crédito peticionado em momento anterior à acção, indo contra o próprio espírito da lei.
52. A solução sufragada no acórdão recorrida, dá prevalência ao formal e ao formalista, em detrimento do substantivo, do material, sendo certo que uma decisão que assenta num tal fundamentalismo formal em prejuízo do fundo ou do material, se pode ser legal, não é seguramente uma decisão justa!
53. É na esteira desta linha de raciocínio que vai a Jurisprudência mais recente, que, na verdade, começa a dar-se conta dos resultados perversos resultantes dos termos como o legislador de 2013 moldou a alínea c) do nº 2 do artº 266º do CPC, e decide atalhar no sentido de proteger a verdade material e a Justiça.
54. Resulta do Ac. TRC de 26.02.2019 que “A lei – art. 266º n.2 al. c) do CPC - não expressa que a compensação só pode ser feita valer em reconvenção, mas sim que esta é admissível quando se pretenda invocar a compensação - (…). Nem tal entendimento extremo se alcança como o mais conveniente para operar a justa composição do litígio de modo mais célere e com o menor dispêndio de meios. Sendo que, como ressuma das hodiernas alterações adjectivas, devendo constituir este fito a pedra angular de qualquer exegese legal. Não contribuindo para tal interpretações de índole e finalidade meramente formal e algo rebuscadas. Repete-se: a interpretação da lei não deve constituir, autisticamente, um fim em si mesmo, mas antes uma alavanca para se alcançar a justiça material (…).
55. Nos termos do disposto no artigo 729.º al. h) é fundamento de oposição à execução baseada em sentença a existência de “Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos”. Assim, nos termos do mesmo Código de Processo Civil – mormente no seio da acção executiva e dos fundamentos de oposição à mesma fundada em sentença – é permitido ao executado invocar um contracrédito para obter a compensação, configurando tal defesa uma excepção peremptória extintiva do crédito do exequente.
56. Ora, não admitindo o Mmo.Juiz a quo a invocação da compensação nos termos em que foi formulado pelo Réu é contribuir para a eventual existência – escusada – de uma contenda executiva no âmbito da qual a compensação já poderá ser invocada a título de excepção. Não faz sentido que ao Réu seja vedado, por um motivo meramente formal – e não unanime doutrina e jurisprudencialmente – invocar a compensação por excepção, podendo fazê-lo mais tarde.
57. Vetar pretensões como a do réu é permitir e contribuir para a proliferações de processos judiciais nos nossos tribunais – quer se tenha em vista o reconhecimento da compensação através de acção movida pelo réu, quer mediante a cobrança coerciva do crédito do A. perante o qual o réu – executado naquela acção – já poderá invocar a compensação (que neste caso, repita-se, já operou em 2013).
58. É Autora nos presentes autos a Massa Insolvente da Sociedade Retanguleixo – Instalações Desportivas, Unip., Lda., contudo o crédito Ré sobre sempre seria um crédito sobre a insolvente, pois que se trata de um crédito que se formou em momento anterior à data de declaração de insolvência, e não um crédito sobre a massa insolvente, que é parte da presente acção.
59. Por conseguinte, atenta a declaração de insolvência da Recorrida., a Recorrente, caso não tivesse operado a compensação – o que fez –, querendo ver o seu crédito reconhecido e compensado deveria ter reclamado seus créditos no âmbito da Insolvência e pedir a compensação. Contudo, repita-se, não o fez uma vez que para a Ré aquando da data de declaração de insolvência já não era credora da Recorrida, pois ambas haviam extinguido os seus créditos por via da compensação.
60. Ora, não reconhecendo a compensação operada em 2013 – e não o crédito, pois a Ré não pretende ver reconhecido o crédito e operar a compensação, mas sim somente ver reconhecida a compensação já operada em 2013 – o Mmo. Juiz a quo “obriga” a Ré a propor acção contra a insolvente, acção essa impossível.
61. Na hipótese de total procedência do pedido da A. e não reconhecimento da extinção do seu crédito em virtude da compensação operada, a Ré jamais poderá reclamar o seu pagamento de forma autónoma, já que a personalidade jurídica da A. está extinta e a massa insolvente não tem capacidade passiva para ser parte em eventual acção.
62. Além de que, conforme já exposto, a entender-se que a compensação só pode ser invocada em reconvenção, e por conseguinte, não tendo sido invocado, apenas mediante a propositura de nova acção, viria renascer contra a A. um crédito já extrajudicialmente extinto, o que seria absurdo por destruir um efeito substantivo já adquirido.
63. Além da vasta jurisprudência já citada que sufraga a posição adoptada pela Recorrente, também o acórdão recorrido está em directa e frontal contradição com o acórdão-fundamento do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. 78428/17.2YIPRT-A.C1, de 10.12.2019, no qual foi relator o Desembargador Vitor Amaral que, conforme se expôs, se trata do acórdão que se apresenta como fundamento de revista nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 672.º CPC.
64. Conforme resulta das presentes alegações, a interpretação dada pelo acórdão recorrido na decisão proferida à alínea c) do n.º 2 do art. 266.º do CPC, no sentido da obrigatoriedade e exigibilidade de dedução de pedido de reconvenção para efeitos de alegação de compensação extrajudicial (compensação operada e aceita em momento anterior ao processo judicial) e, não o fazendo, comportando a improcedência do pedido do Réu é inconstitucional pois viola o disposto no art. 20.º do Constituição da Republica Portuguesa (CRP), pois obstaculiza o cumprimento do princípio constitucionalmente garantido de acesso ao direito e aos tribunais.
65. Assim, por tudo quanto se expôs, deverá o presente recurso de revista excepcional ser recebido, apreciado e julgado procedente, revogando-se, assim, o Acórdão recorrido e, consequentemente, ser admitida a defesa da Ré no qual alega a compensação do crédito peticionado, compensação operada extrajudicialmente e antes da entrada da acção por via de excepção peremptória, extintiva do direito.
Nestes termos, deverá o presente recurso de revista ser admitido e julgado provado e procedente revogando-se o acórdão recorrido e prosseguindo os presentes autos seus tramites.»
8. A recorrida contra-alegou, sustentando a inadmissibilidade da revista.
9. O recurso veio a ser admitido, como revista excecional, pela Formação a que alude o art.672º, n.3 do CPC, atendendo ao relevo jurídico da matéria.
Cabe apreciar.
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II. ANÁLISE E FUNDAMENTOS DECISÓRIOS
1. Admissibilidade e objeto do recurso: Face à existência de dupla conformidade decisória, o presente recurso foi admitido como revista excecional, dada a relevância jurídica das questões suscitadas. O objeto do recurso é, assim, integrado pela questão de saber se a compensação de créditos, que a autora alega ter invocado extrajudicialmente pode ser considerada como meio de defesa por exceção ou se terá, necessariamente, de ser invocada em reconvenção; bem como pela questão de saber se o facto de a contraparte se encontrar insolvente afeta o conhecimento dos factos alegados pela ré na sua defesa.
2) A factualidade provada: A primeira instância deu como provada a seguinte factualidade, que não sofreu alteração na segunda instância: «1º- A sociedade Retânguleixo - Instalações Desportivas, Unipessoal, Ldª foi declarada insolvente por sentença proferida no âmbito do processo que corre termos sob o n.º 3647/… no Juízo Local Cível de ... - Juiz ..., da Comarca de ..., transitada em julgado em 7/10/2013, tendo sido nomeado Administrador de Insolvência o Senhor Dr. DD.
2º- A sociedade Retânguleixo - Instalações Desportivas, Unipessoal, Lda. dedicava-se, para além do mais, ao exercício, com escopo lucrativo, da atividade de fornecimento e instalação de relva sintética.
3.º- A Requerida [Limonta Sport] dedica-se, para além do mais, à atividade de promoção e construção de instalações desportivas.
4.º- No exercício das respetivas atividades, a referida sociedade, a solicitação da Requerida, forneceu e prestou os serviços melhor identificados nas seguintes faturas: a) fatura n.º ..., de e com vencimento em 01/05/2012, no valor de 9.830,78€, referente a comissão decorrente de venda de relva sintética para o ..., em …; c) fatura n.º ..., de e com vencimento em 22/02/2013, no valor de 51.676,70€, referente a instalação de relva sintética em ... e fornecimento de cola bicomponente, banda de união, areia sílica e granulado de borracha; d) fatura n.º ..., de e com vencimento em 24/07/2013, no valor de 7.000,00€, referente a instalação de campo sintético na Nigéria.
5.º- A Requerida aceitou os mencionadas fornecimento e serviços sem qualquer reclamação.
6.º- A Requerida não pagou as mencionadas faturas, nem na respetiva data de vencimento, nem posteriormente, tendo apenas liquidado, parcialmente a fatura n.º ..., em relação à qual apenas se encontra em dívida o valor de 390,06€. A prova destes factos resulta do teor dos documentos juntos aos autos a fls.30 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e, bem assim, em resultado da posição assumida pela Ré na douta oposição, da qual se extrai que a mesma confessa terem tais serviços sido prestados, pois que pretende compensar o respetivo custo com crédito que diz deter sobre a Autora.»
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3. O direito aplicável:
3.1. Como supra referido, a questão a decidir é a de saber se o acórdão recorrido fez a correta aplicação da lei quando entendeu que o réu não podia fazer valer os efeitos da compensação por via de exceção, mas apenas através reconvenção; e que, além disso, a reconvenção também não seria admissível pelo facto de a contra-parte se ter tornado insolvente.
Nos presentes autos, a primeira instância, decidindo no saneador, entendeu, consequentemente, não ser de produzir prova sobre a alegada existência de compensação de créditos, porque a ré tinha invocado essa figura por via de exceção e o tribunal entendeu que a compensação só podia ser feita valer através de reconvenção, nos termos do art.266º, n.2, al. c) do CPC. Assim, condenou a ré no pagamento parcial do montante pedido pela autora. A segunda instância confirmou esse entendimento, sustentando também que, de todo o modo, a reconvenção não seria admissível no caso dos presentes autos, dado que a autora é uma massa insolvente, pelo que, nos termos do art.90º do CIRE, a invocação da compensação ficaria submetida às regras da insolvência.
3.2. Vejamos como o acórdão recorrido justificou a sua decisão. «(…) salvo existindo contrato de conta corrente – que não é o caso, pois o que vem alegado, quando muito, subsumir-se-ia à chamada “conta corrente contabilística” mantida por cada uma das partes, o que não dispensa a alegação e prova dos factos correspondentes a cada uma das transacções nelas registadas pelas partes e formulação do correspondente pedido – é na presente acção que ao réu compete alegar e pedir o reconhecimento do contra crédito, deduzindo reconvenção com vista a obter a compensação. Apenas condescendemos que não o seria na hipótese de ter sido emitido documento de quitação das dívidas, com base na alegada compensação anteriormente operada, o que não sucede, nem sequer vem alegado. Assim sendo, teria a ré de deduzir reconvenção, à qual não obstava a forma de processo, pois, atento o valor, após a distribuição seguiria a forma de processo declarativo comum. Os poderes deveres do juiz no âmbito da gestão inicial do processo, prevista no art.º 590º do CPC, não comportam a possibilidade de convidar o réu a formular pedido reconvencional. Efectivamente tal é matéria da exclusiva responsabilidade das partes (princípio do dispositivo), pois “podendo as partes dispor de direitos de natureza privada, sobre as mesmas recai o ónus de promover e impulsionar os instrumentos de natureza processual destinados a assegurar a respectiva tutela” (princípio da autoresponsabilidade das partes). Aliás, a leitura do nº 2 al. b) e do nº 4 do citado artigo é elucidativa quanto aos limites da intervenção do juiz nesse plano, contemplando-se apenas o convite “ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada”. E o nº 3 visa a falta de requisitos legais, não cabendo na sua previsão a situação vertente (…) Acresce que o apelante não deduziu pedido reconvencional nem o poderia deduzir, pois, como resulta do disposto no art.º 90.º do CIRE, só pode ser considerado titular de créditos sobre a insolvência, designadamente para efeitos de compensação de créditos com a massa insolvente, quem tenha sido reconhecido no processo de insolvência como credor. (…) Não tendo a ré, ora recorrente, como a própria admite nas suas alegações, reclamado no processo de insolvência os créditos com que pretende compensar a sua dívida à massa insolvente, não poderia, agora, na presente acção, vir invocar a compensação, ainda que deduzindo o pertinente pedido reconvencional.» E acrescenta-se: «No tocante às (…) facturas n.ºs ...003, ...002 e ...004, alega a ré, aqui recorrente apenas que “não são devidas porque o montante delas constante já foi compensado pelo montante devido pela requerente à requerida, conforme extracto conta que se junta como doc. n.º 2” (cfr. artºs. 14º a 26º da contestação). (…) A menção do pagamento por transferência consta apenas do art.º 26º, de forma genérica, nunca se concretizando os serviços ou a factura a que se reportava, em contradição com o expressamente alegado nos artºs 21º, 22º e 23º da contestação. Significa isto que a recorrente aceitou que a autora lhe forneceu os bens e prestou os serviços discriminados nas referidas facturas e que os montantes nelas inscritos eram devidos. A única questão controvertida era a extinção da obrigação de pagamento dos respectivos montantes por ter operado a compensação dessa dívida com créditos de que a ré era titular e a autora devedora. Ora, decidido que a ré só poderia obter compensação deduzindo pedido reconvencional, o que não fez e que, de qualquer forma, não tendo reclamado os seus alegados créditos no processo de insolvência nunca poderia operar tal compensação, estava o Mmº juiz “a quo” habilitado a conhecer do mérito da causa, por assente a factualidade necessária à procedência da pretensão da autora quanto a essa parte do pedido. Consequentemente, na improcedência total das conclusões da apelante, resta-nos confirmar a sentença recorrida.»
3.3. A questão de saber qual o tratamento processual a dar à invocação da compensação de créditos tem suscitado divisões doutrinais e jurisprudenciais, tanto antes como depois da entrada em vigor no novo CPC[1]. Na jurisprudência, tem-se discutido, em síntese, se a compensação tem de ser feita valer sempre em reconvenção, mesmo que já tenha sido invocada extrajudicialmente, ou se, em determinadas hipóteses, pode ser tratada como uma exceção perentória; bem como se tem discutido qual o caminho processual a seguir nos processos cuja estrutura não admitiria reconvenção[2]. Ao nível doutrinal, para além do tratamento teórico dessas diversas opções processuais[3], têm sido formuladas soluções de iure constituendo, que visam superar as insuficiências ou fragilidades daquelas opções interpretativas[4]. Não cabe no âmbito desta análise discorrer sobre a pluralidade de problemas processuais que, em termos gerais, podem ser suscitados pela invocação da compensação[5]. Sendo o critério de recorte temático do objeto do presente recurso aquele que emerge das conclusões das alegações da recorrente, filtradas na admissão da revista excecional, a questão a decidir é apenas a de saber como deve ser feita valer a compensação de créditos que o réu alega já ter invocado extrajudicialmente: cabe na defesa por exceção? Ou devia ter sido apresentada reconvenção?
Como afirma Miguel Teixeira de Sousa: «(…) quando se fala da compensação em processo pode estar a falar-se de uma de duas situações: Da alegação pelo réu de que já antes da propositura da acção o crédito que o agora autor invoca se tinha extinguido por uma declaração de compensação que aquela parte tinha dirigido a esta última (art. 848.º, n.º 1, CC); Da alegação pelo réu de um crédito contra o autor com a finalidade de obter em juízo a extinção do crédito desta parte. Não há dúvida de que estas situações implicam, segundo o regime actualmente vigente, soluções processuais distintas: -A alegação de que o crédito do autor se extinguiu por compensação é a invocação de um facto extintivo, o que deve ser realizado por via de excepção (art. 576.º, n.º 3, CPC); -A alegação pelo réu de um contracrédito com a finalidade de provocar a extinção do crédito do autor deve ser realizada por via de reconvenção (art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC).»
3.4. A possibilidade de o réu invocar a compensação em reconvenção encontra-se prevista no art.266º do CPC. Estabelece esta norma: «1- O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. 2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos: (…) c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor»
Do teor desta norma não se pode extrair que em toda e qualquer hipótese em que o réu pretenda invocar a compensação tenha de o fazer através de reconvenção. Antes, deverá concluir-se que aí não está contemplada, de forma expressa, a hipótese de o réu já ter invocado a compensação antes de ser demandado, estando a norma pensada para as hipóteses em que a compensação é invocada (pela primeira vez) em reação ao pedido do autor[6]. E mesmo nesta última hipótese, é ainda discutível o caráter facultativo do uso da reconvenção[7]. Não entraremos na discussão deste último ponto porque, no caso dos autos, a ré não invoca a compensação por via judicial[8].
3.5. O tratamento processual a dar à compensação invocada extrajudicialmente, não poderá deixar de ter em conta a natureza desta figura, ou seja, a de constituir um modo de extinção das obrigações além do cumprimento. Tal como as demais figuras que, com ela, integram o Livro II, Título I, Capítulo VIII do Código Civil, a compensação, quando eficazmente invocada, tem como efeito normativo a extinção da obrigação. Como afirmou Antunes Varela: «Ao mesmo tempo que meio normal de satisfação do interesse do credor e forma regular de libertação do devedor, o cumprimento é uma causa extintiva da obrigação. Mas uma apenas, visto que outras formas de extinção da relação creditícia existem, além do cumprimento. Figuram entre elas a dação em cumprimento, a consignação em depósito, a compensação, a novação, a remissão e a confusão (…)». E acrescentou: «(…) todas se irmanam no efeito comum de porem termo à relação de crédito (…)[9]»
Os requisitos da compensação encontram-se definidos no art.847º do CC, nos seguintes termos: «1- Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade. 2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente. 3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.»
Quanto ao modo de exercício do direito de invocar a compensação, estabelece o art. 848º, n.1 do CC: «A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra.»
E no art. 854º do CC consagra-se o caráter retroativo da compensação, nos seguintes termos: «Feita a declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis.»
A compensação de créditos é, assim, um “encontro de contas”, para “evitar às partes um duplo acto de cumprimento perfeitamente dispensável”, nas palavras de Antunes Varela[10].
Nota também este autor que a extinção simultânea dos créditos recíprocos por meio de compensação pode evitar uma situação injusta para uma das partes face ao risco de insolvência da contraparte, dando o seguinte exemplo: «Se (…) B estiver em risco sério de insolvência, o sistema normal do cumprimento de duas obrigações poderá dar como resultado que A pague integralmente a sua dívida (…) e nada ou pouco venha a receber da cobrança do seu crédito. Tendo A, porém, a faculdade de considerar a sua dívida extinta por compensação com o crédito de que dispõe sobre o seu credor, fácil lhe será evitar a consumação desse resultado injusto.[11]»
3.6. No plano processual, quando o réu alega que a compensação já tinha sido invocada e, por isso, produzido os seus efeitos antes de ser demandado, o réu está a alegar um facto que tem em vista extinguir o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, ou seja, está a invocar uma exceção perentória, visando a absolvição do pedido, nos termos do art. 576º, n. 3 do CPC.
No caso concreto, se a ré, na sua defesa, apenas pretende demonstrar que, à data da propositura da ação, autora e ré já não eram devedoras e credoras uma da outra, por se encontrarem compensados os créditos (há cerca de 6 anos), trata-se de um modo de defesa por exceção. A certeza e a segurança das relações contratuais devem permitir, a quem invoca eficazmente a compensação de um crédito, confiar que o efeito extintivo inerente ao exercício desse direito potestativo se produziu definitivamente na ordem jurídica. Tendo presente que o direito processual serve a correta ordenação das situações de direito substantivo, dificilmente se compreenderia a imposição de formular pedido reconvencional a quem não se sente credor da contraparte. O que o réu pretenderá demonstrar é que já não era devedor quando foi demandado, porque o pagamento havia sido realizado por meio de compensação. Não pretende demonstrar que é credor da contraparte.
No acórdão recorrido apesar de se ter entendido que a compensação deve ser sempre invocada em reconvenção, acaba-se por admitir que a apresentação de um documento de quitação poderia conduzir a um entendimento contrário. Afirma-se na decisão recorrida: «(…) é na presente acção que ao réu compete alegar e pedir o reconhecimento do contra crédito, deduzindo reconvenção com vista a obter a compensação. Apenas condescendemos que não o seria na hipótese de ter sido emitido documento de quitação das dívidas, com base na alegada compensação anteriormente operada, o que não sucede, nem sequer vem alegado.» Tal afirmação, revelando alguma incoerência quanto ao entendimento sobre o regime de invocação da compensação, acaba por admitir que, sendo apresentado um documento de quitação da dívida, a reconvenção já não seria necessária. Ora, o documento de quitação não é o único meio de prova de que a compensação de créditos foi eficazmente operada. A comunicação da compensação à contraparte (como decorre do art. 848º do CC) não tem de ser realizada com observância de qualquer formalidade específica. Logo, também a prova da sua existência não pode ser limitada à apresentação de um recibo de quitação. Trata-se, portanto, de um facto, cuja prova não está limitada ao uso de um específico mecanismo probatório.
3.6. A ideia (defendida por alguma doutrina e jurisprudência) de que a compensação teria de ser sempre apreciada em reconvenção, mesmo que já tivesse sido invocada extrajudicialmente, porque esse modo de extinção das obrigações emerge de uma relação jurídica diferente daquela que o réu invoca para sustentar o seu pedido não se afigura ser argumento decisivo a favor da tese sustentada no acórdão recorrido. Não o sendo, sobretudo, no tipo de casos como o dos presentes autos, no qual se alega estarem em causa obrigações pecuniárias líquidas, emergentes de contratos de prestação de serviços. Também na invocação de outros modos de extinção das obrigações além do cumprimento, como a dação em cumprimento ou a novação, a extinção da obrigação do demandado emerge de direitos exercidos no âmbito de outras relações jurídicas estabelecidas entre os mesmos sujeitos, quer se traduza no exercício de direitos potestativos, quer respeite a poderes que implicam a aceitação da contraparte quanto ao efeito extintivo. Cabe ao réu alegar e provar a eficácia extintiva dos direitos exercidos nessas outras relações, sujeitando-se, naturalmente, ao contraditório e às regras sobre o ónus da prova, no que releva para a sua posição, no processo onde pretende defender-se. Mesmo na hipótese de um réu apenas invocar a existência de prévio pagamento da obrigação cujo cumprimento lhe é judicialmente exigido, a sua defesa poderá implicar a alegação e prova da existência de convenções entre as partes que tenham alterado o programa contratual inicialmente estabelecido, por exemplo, quanto ao modo, ao tempo ou ao local do cumprimento, que, nessa medida, se distinguem já da relação inicial na qual o autor sustenta o seu pedido. Podem, ainda, considerar-se, neste contexto problemático, as hipóteses em que o réu invoca a existência de formas mistas de extinção da obrigação. Imagine-se que, demandado para o pagamento de uma obrigação pecuniária de determinado montante, o réu alega que pagou 50% em dinheiro, 25% através de dação em cumprimento e 25% através de compensação de um contra-crédito. Não deixaria de ser estranho que a prova do efeito extintivo global destes comportamentos não pudesse ser feita de modo unitário, tendo o réu de se socorrer da reconvenção na parte respeitante à compensação já invocada extrajudicialmente.
3.7. Não se ignora que a opção por tratar a invocação da compensação extrajudicial como uma exceção (em vez de se exigir a reconvenção) pode, em determinados tipos de hipóteses, comportar algumas dificuldades técnicas, como, por exemplo, a questão de saber se existirá litispendência caso o réu (que invocou a compensação como exceção) decida avançar para uma autónoma ação contra a sua contraparte (pedindo a condenação no pagamento desse crédito), ou ainda quanto ao âmbito do caso julgado (face ao disposto no art.91º, n.2 do CPC). Todavia, na ausência de soluções processuais perfeitas, deve ter-se presente que o sistema jurídico fornece válvulas de segurança, como sejam o abuso de direito ou a litigância de má-fé, que poderão neutralizar a dedução de pretensões infundadas.
A função primordial da jurisprudência não é a de formular construções dogmaticamente perfeitas, mas sim a de encontrar soluções justas para cada realidade singular que é chamada a conhecer e decidir, tendo, todavia, presente que a solução de cada caso concreto revela uma opção ao nível da realização judicativa do direito que não deixa de se projetar para além do caso singular.
3.8. Entendeu-se, no acórdão recorrido, que a ré não podia invocar a existência de compensação por via de exceção, devendo fazê-lo através de reconvenção, mas, ao mesmo tempo, entendeu-se que, no caso concreto, nunca o pedido reconvencional seria admissível, dado que, sendo a autora uma massa insolvente, se aplicariam as regras da insolvência, como decorreria do art.90º do CIRE. Dispõe esta norma: «Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência»
Concretamente sobre a possibilidade de invocação da compensação de créditos em processo de insolvência, dispõe o art.99º do CIRE: «1- Sem prejuízo do estabelecido noutras disposições deste Código, a partir da declaração de insolvência os titulares de créditos sobre a insolvência só podem compensá-los com dívidas à massa desde que se verifique pelo menos um dos seguintes requisitos: a) Ser o preenchimento dos pressupostos legais da compensação anterior à data da declaração da insolvência; b) Ter o crédito sobre a insolvência preenchido antes do contra-crédito da massa os requisitos estabelecidos no artigo 847.º do Código Civil. (…)»
A hipótese prevista nesta norma é a de o credor invocar a compensação de créditos depois de declarada a insolvência, portanto, face à massa insolvente. Não está aí expressamente prevista a hipótese de a compensação já ter sido invocada antes da declaração de insolvência.
Os requisitos de anterioridade, previstos no n.1 do art.99º, referem-se à verificação dos pressupostos para invocação da compensação, e não à invocação desse meio de extinção das obrigações em si mesmo.
Aplicar as regras da insolvência a casos em que a compensação já tinha sido invocada extrajudicialmente face a uma contra-parte que ainda não era insolvente (e, eventualmente, vários anos antes de vir a ser declarada insolvente) será colocar o devedor-credor, muito provavelmente, na situação de ter de pagar um crédito que julgava extinto e de não poder cobrar o seu contra-crédito porque o devedor se tornou insolvente (dado que a massa insolvente é, com frequência, insuficiente para a satisfação de todos os credores).
O STJ já se pronunciou num caso (parcialmente distinto do dos presentes autos[12]) no qual foi abordada a questão do interesse do réu em fazer valer a compensação face ao posterior risco de insolvência da contraparte. Trata-se do acórdão de 06.06.2017 (relator Júlio Gomes)[13], no proc. n. 147667/15.5YIPRT.P1.S2, em cujo sumário se lê: «Pretendendo a ré exercer o direito à compensação de créditos (e assim deixar de suportar, pelo menos em parte, o risco de insolvência da contraparte), a rejeição da reconvenção perfila-se como um prejuízo não menosprezável para aquela, cabendo, por outro lado, que não esquecer que o legislador civil facilita a invocação daquela forma de extinção das obrigações e que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da Justiça.»
Afirma-se na fundamentação dessa decisão: «Muito embora a compensação seja fundamentalmente uma causa de extinção das obrigações, a verdade é que ela permite a quem a invoca com sucesso não suportar (total ou parcialmente consoante o seu âmbito) o risco de insolvência da contraparte. Se a compensação não for admitida neste caso a Recorrente terá que pagar neste momento a quantia que porventura deve (…) para depois exigir em outra ação o pagamento (…), mas se a compensação for admitida não se expõe (ou não se expõe na mesma medida) a esse risco de insolvência, ficando satisfeita imediatamente na parte em que houver compensação.»
Em sintonia com este entendimento, deverá concluir-se que a superveniência da insolvência da contraparte não deve projetar-se retroativamente na eficácia da compensação que havia sido exercida antes da declaração de insolvência, tendo presente que o art.854º do CC consagra o efeito retroativo da invocação da compensação ao momento em que os créditos se tornam compensáveis.
3.9. Deverá concluir-se que o acórdão recorrido não fez a correta aplicação da lei. Ao entender que a ré não se podia defender por exceção, porque a compensação só podia ser invocada em reconvenção (mesmo tendo a ré alegado que se tratava de compensação já invocada extrajudicialmente), mas sustentando que, no caso concreto, a reconvenção nunca seria admissível porque a contraparte se encontrava insolvente, o acórdão recorrido confirmou a decisão da primeira instância (que condenou imediatamente a ré a pagar parte do montante pedido pela autora), sem que a ré tivesse podido fazer prova cabal dos factos por si alegados, sendo, assim, colocada num labirinto processual, com clara limitação dos seus direitos de defesa.
Nestes termos, o acórdão terá de ser revogado, por (ao confirmar a decisão da primeira instância) ter feito errada aplicação da lei de processo, nos termos do art.674º, n.1, alínea b) do CPC, revogando-se, portanto, a condenação da ré, devendo-se, após a prévia apreciação/fixação dos respetivos factos, conhecer da exceção invocada.
*
DECISÃO: Pelo exposto, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro que tome conhecimento da exceção invocada
Custas na revista pela recorrida.
Lisboa, 13 de abril de 2021
Maria Olinda Garcia (Relatora) Ricardo Costa António Barateiro Martins
*A relatora declara que, nos termos do art. 15.º-A do DL n. 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo DL n. 20/2020, de 1 de maio, o presente acórdão tem voto de conformidade dos Conselheiros adjuntos.
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).
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[12] Tratava-se de um caso que, tal como o dos presentes autos, se havia iniciado por um processo de injunção, no qual se discutia, centralmente, o problema do valor da causa e a sua relação com a admissibilidade da reconvenção, que a ré tinha deduzido para fazer valer a compensação de créditos. [13] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4a10f461894a769680258137004d63e9?OpenDocument |