Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02S2670
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO TORRES
Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
TRANSMISSÃO DE DÍVIDA
TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
Nº do Documento: SJ200211200026704
Data do Acordão: 11/20/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 11321/01
Data: 02/27/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: LCCT89 ARTIGO 13 ARTIGO 41 N1 ARTIGO 42.
DL 104/97 DE 1997/04/29 ARTIGO 14 N1 N2.
REG DE CONCESSÕES DE VIAGENS DA CP ARTIGO 2 N1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1995/01/18 IN BMJ N443 PAG257.
ACÓRDÃO STJ PROC962/02 DE 2002/10/03.
Sumário : 1) - O Decreto lei nº 104/97, de 29 de Abril, não transferiu para a REFER, EP, a responsabilidade da CP pelos créditos dos seus trabalhadores vencidos antes da data em que se concretizou a transferência para a REFER dos trabalhadores da CP afectos à actividade de gestão da infra-estrutura integrante da rede ferroviária nacional, em termos de exonerar completamente a CP dessa responsabilidade.
2) - O carácter taxativo da enumeração dos casos em que é admissível a celebração de contratos de trabalho a termo, não impede que se proceda a uma interpretação extensiva de cada previsão constante da respectiva disciplina legal.
3) - É reconduzível à previsão legal de "acréscimo temporário de actividade da empresa" encarada esta globalmente e numa perspectiva de gestão previsional, uma situação em que comprovadamente se preveja a desocupação a breve prazo de vários trabalhadores permanentes da empregadora (ré) os quais executavam as mesmas funções para as quais os autores (trabalhadores) foram contratados, casos estes em que ocorre, de forma manifesta e objectiva, uma necessidade temporária de mão de obra que justifica a contratação a termo, não sendo justo impor ao empregador uma vinculação de carácter permanente face a situações em que a capacidade ou a necessidade de manter o posto de trabalho surge como provisória.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
1. Relatório

A, B, C, D, E, F, intentaram, em 2 de Novembro de 1999, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção de impugnação de despedimento, com processo ordinário, contra G e H, pedindo que seja:

(i) declarada a nulidade da estipulação do termo, declarando-se a existência de contrato sem termo, com o restante clausulado, entre os autores e a H, declarando-se ainda a ilicitude do despedimento efectuado em 5 de Maio de 1999;

(ii) a H condenada a reintegrar todos os autores na categoria, retribuição e posto de trabalho que tinham em 4 de Maio de 1999, a pagar todas as retribuições vencidas a contar de um mês antes da interposição da presente acção e as vincendas contadas a partir da citação, acrescidas dos juros legais vencidos e vincendos sobre as mesmas, com o acréscimo da taxa de 5% por se tratar de retribuições, bem como na multa, a reverter a favor de cada autor, de 30000$00, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia em que, por qualquer forma, a H se abstenha de convocar os autores para prestarem serviço, bem como em custas e condigna procuradoria;

(iii) a G e a H solidariamente condenadas a conceder viagens a todos os autores e respectivos familiares, nos termos do Regulamento de Concessões de Viagem em vigor na G em 5 de Maio de 1998 ou, supletivamente, a pagarem a quantia mensal, a cada autor, de 60000$00, acrescida dos aumentos da taxa de inflação em substituição das concessões de viagem; e

(iv) concedido aos autores o benefício de apoio judiciário na modalidade de isenção do pagamento de quaisquer preparos, custas ou multas, por beneficiarem da presunção de insuficiência económica atenta a sua situação de desempregados.

Aduziram, para tanto, em suma, o seguinte: (i) entraram ao serviço da G em 6 de Maio de 1998 mediante contratos a termo certo de 12 meses; (ii) exerciam as funções de manobradores de estação, mediante o salário mensal de 88042$00; (iii) a aposição de termo certo nos contratos é nula, já que a razão apresentada é falsa, pois a ré vai continuar a precisar de manobradores, até porque esta é uma actividade corrente na G; (iv) a partir de 1 de Janeiro de 1999, os autores passaram a trabalhar para a H, que lhes pagava a retribuição, mas não assinaram com essa empresa qualquer contrato de trabalho; (v) em 6 de Maio de 1999, todos os autores foram despedidos sem que lhes hajam sido instaurados processos disciplinares; (vi) por força do Regulamento de Concessões de Viagens, todos os autores, mulheres e filhos tinham direito a viajar gratuitamente em comboios da G em toda a linha ferroviária nacional, mas as rés não concederam tais regalias.

A G contestou (fls. 40 a 45), excepcionando a sua ilegitimidade, por desde 1 de Janeiro de 1999 já não ser titular da relação material controvertida, e, por impugnação, sustentando a legalidade da aposição de termo nos contratos celebrados com os autores, cuja contratação visou fazer face a necessidades de mão-de-obra de duração limitada, e negando que os contratados a termo tivessem direito a viagens gratuitas para si e para os seus familiares.

A H também contestou (fls. 110 a 118), sustentando igualmente a legalidade da aposição do termo nos contratos e a inexistência do direito a viagens gratuitas nos termos reclamados.

Os autores responderam à excepção de ilegitimidade deduzida pela G (fls. 123 e 124).

Foi proferido despacho saneador (fls. 127), que julgou improcedente essa excepção (entendendo-se que, sendo dirigido um dos pedidos dos autores contra a G, com base na alegada transmissão do estabelecimento, é desde logo a mesma parte legítima, nos termos do n.º 3 do artigo 26.º do Código de Processo Civil, não tendo a questão de saber se é ou não responsável a ver com a legitimidade enquanto pressuposto processual, mas sim com a procedência do pedido), e foi consignada a matéria de facto tida por assente e a base instrutória (fls. 127 a 129), contra a qual a H reclamou (fls. 141 e 142), sem sucesso (despacho de fls. 146).

A G agravou (fls. 133 a 138) do despacho saneador, na parte em que a considerou parte legítima, recurso que foi admitido com subida diferida (despacho de fls. 149).

Realizou-se audiência de julgamento, no decurso da qual foi proferido despacho (fls. 169) a condenar em multa os Presidentes dos Conselhos de Gerência da G e da H e três testemunhas, caso não justificassem as faltas a essa audiência no prazo legal, tendo deste despacho, na parte relativa aos Presidentes dos Conselhos de Gerência, agravado as rés (fls. 176 a 179), recurso que viria a ser admitido, por despacho de fls. 239, para subir com o recurso que depois dele interposto houvesse de subir imediatamente.

Dadas aos quesitos as respostas constantes de fls. 220 e 221, que não suscitaram reclamações, foi, em 5 de Junho de 2001, proferida a sentença de fls. 223 a 228, que julgou a acção improcedente e absolveu as rés dos pedidos, considerando, para tanto, que: (i) foi válida a aposição do termo nos contratos, (ii) os contratos transferiram-se como contratos com termo para a H, sendo lícita a atitude desta de não os renovar quando caducaram; e (iii) o invocado Regulamento não confere as regalias reclamadas (concessão de viagens) aos contratados a termo.

Contra esta sentença interpuseram os autores recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 230 a 234), que, por acórdão de 27 de Fevereiro de 2002 (fls. 242 a 258): (i) concedeu provimento ao recurso de agravo interposto pela ré G, considerando-a parte ilegítima e, em consequência, absolvendo-a da instância; (ii) concedeu provimento aos recursos de agravo interpostos pelas rés G e H, determinando a substituição do despacho recorrido, de fls. 169, por outro que dê sem efeito as multas aplicadas; e (iii) julgou parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos autores e, em consequência: (1) declarou a nulidade da estipulação do termo nos contratos a termo celebrados pelos autores; (2) declarou a ilicitude dos despedimentos dos autores; (3) condenou a ré H: a) no pagamento aos autores das retribuições que deixaram de auferir desde 30 dias antes da entrada da acção em juízo (ou seja, desde 4 de Outubro de 1999) até à data da sentença da 1.ª instância, a que acrescerão juros de mora legais a contabilizar desde os respectivos vencimentos, no final de cada um dos meses a que respeitam aquelas retribuições, e até integral pagamento, a liquidar, se necessário, em execução de sentença; b) a reintegrar os autores nos seus postos de trabalho, sem prejuízo das suas categorias e antiguidades; c) a pagar aos autores a sanção pecuniária que fixou em 10000$00, em relação a cada autor, por cada dia que a H não os reintegre ao serviço, nos seus locais de trabalho, após a sua apresentação, depois do trânsito em julgado deste acórdão; e d) a conceder aos autores viagens na G (para eles e familiares: pai, mãe, cônjuge e filhos), nos termos previstos no "Regulamento de Concessões", junto, por fotocópia, a fls. 93 a 104.

Contra este acórdão, na parte em que deu provimento ao agravo da G, considerando-a parte ilegítima e absolvendo-a da instância, e na parte em que julgou parcialmente procedente a apelação dos autores, interpôs a H, para este Supremo Tribunal de Justiça, o presente recurso de revista (cfr. requerimento de fls. 261), terminando as respectivas alegações (fls. 268 a 284) com a formulação das seguintes conclusões:

"A) O douto acórdão recorrido, ao decidir pela ilegitimidade da 1.ª ré G, contrariou as disposições legais aplicáveis à situação sub judice.

B) O n.º 4 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 104/97 - disposição que estabelece a sucessão universal de posições jurídicas entre a G e a H - exclui expressamente do seu âmbito de aplicação as relações jurídicas com o pessoal, as quais são exclusivamente reguladas pelos artigos 15.º e 16.º do mesmo diploma.

C) Assim, se o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 104/97 estabelece, efectivamente, uma sucessão legal de posições jurídicas da G para a H, já o artigo 16.º, com a epígrafe de «Pessoal da G», designadamente nos seus n.ºs 4 e 5, traduz uma sucessão, mas cujos efeitos são mitigados, limitando-se à manutenção dos direitos e regalias - como é o caso da sua antiguidade de serviço, dos níveis salariais, subsídios e abonos previstos na contratação colectiva - inerentes ao estatuto laboral de cada trabalhador transferido e que este poderá reclamar da H a partir do momento em que é integrado no quadro de pessoal desta empresa, e só para o futuro.

D) Ou seja, os créditos que os trabalhadores tenham a reclamar em virtude do respectivo contrato de trabalho, desde que constituídos e vencidos anteriormente à alteração de entidades patronais ou em resultado de comportamentos ilícitos levados a cabo pela G, são de exclusiva responsabilidade desta última, devendo entender-se que não estão abrangidos pela disposição legal que prevê a sucessão de posições jurídicas, ou seja, pelo artigo 14.º do diploma legal que criou a H.

E) Deverá assim considerar-se que, estando em causa a reclamação de créditos laborais que se constituíram e venceram em resultado da cessação de uma relação laboral a termo iniciada pela G, cujos termos e prazo de duração foram fixados por esta última, é esta também, e não apenas a ora recorrente, sujeito da relação material controvertida, o que implicará a qualificação da 1.ª ré G como parte legítima e, pelo menos, responsável solidária pelo cumprimento das obrigações alegadas pelos autores.

F) Deste modo, o douto acórdão recorrido, ao decidir pela ilegitimidade da G, deu igual tratamento a relações jurídicas a que o legislador quis inequivocamente conferir regimes distintos, procedendo assim a uma análise e interpretação erradas do diploma legal em causa.

G) Por outro lado, com todo o respeito que merece a posição adoptada pela Relação de Lisboa, não pode a ora recorrente concordar com o entendimento que no acórdão se perfilha quanto ao não preenchimento in casu da previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89.

H) Numa visão mais aberta e conforme à intenção pressuposta pelo legislador, o conceito de «actividade» constante dessa previsão legal significa não só a actividade da empresa no seu sentido genérico mas também a sua vertente humana, concretizada em todas e cada uma das prestações de trabalho individuais que, no seu conjunto, contribuem para o esforço de produtividade global da empresa, em termos tais que as noções de «mão-de-obra» ou de «recursos humanos» se confundem e assimilam ao próprio conceito de «actividade».

I) Só esta acepção vem ao encontro da ratio subjacente à contratação a termo, que é a de assegurar o preenchimento, em condições distintas das estabelecidas no regime geral, de postos de trabalho que, dadas especiais circunstâncias, são de natureza precária.

J) Nesta acepção, para se dar por verificada a validade da justificação utilizada para a contratação a termo, bastaria demonstrar que se verificou uma necessidade transitória de mão-de-obra nos postos de trabalho que vieram a ser preenchidos pelos autores - o que foi plenamente conseguido, como decorre dos pontos 12 e 14 da matéria de facto dada como assente no acórdão recorrido.

K) Por um lado, as «necessidades de pessoal» nela invocadas estariam pressupostas pela contratação dos autores, ficando preenchido o requisito «aumento de actividade» ou de «mão-de-obra».

L) Por outro lado, para a verificação da condição da «transitoriedade» da contratação bastaria remeter, sem mais, para a circunstância - dada como assente - de o início de actividade do Metro do Porto se vir a traduzir na disponibilização dos manobradores da Linha da Póvoa e sua distribuição por outros locais, nomeadamente os correspondentes aos locais de trabalho dos autores.

M) Com a demonstração das duas asserções acabadas de H ir teria necessariamente de se concluir que, de facto, se verificaram necessidades de acréscimo de mão-de-obra - ou seja, de acréscimo de «actividade humana» da empresa - que, independentemente do carácter duradouro das tarefas a que visavam acorrer, teriam natureza precária ou transitória, uma vez que essas necessidades, a breve prazo - num prazo que se previa de um ano -, iriam ser preenchidas por mão-de-obra já existente na empresa, que seria libertada ou disponibilizada em virtude do início de funcionamento do Metro do Porto e consequente encerramento da Linha da Póvoa (também previstos para o período indicado).

N) Deve esclarecer-se que a tese da recorrente é válida ainda que se limite à motivação constante dos contratos a termo dos autos, sendo certo que, no artigo 14.º da sua contestação, já afirmava que era essa motivação «que contribuía decisivamente» para a legalidade da aposição dos termos e que as justificações avançadas nos artigos 11.º e 12.º do mesmo articulado eram simples complementos dessa mesma motivação.

O) E o Tribunal de 1.ª instância, ao considerar que «da matéria provada resulta evidente que a necessidade que a ré tinha do trabalho dos autores era temporária, dependendo do início de funcionamento do Metro do Porto» e que «a razão invocada é verdadeira, embora dependente da celeridade ou morosidade de tal início», não está a afastar-se da motivação utilizada na celebração dos contratos a termo.

P) Não se descortinam pois razões para retirar pleno cabimento aos casos dos autos à argumentação do Tribunal de 1.ª instância.

Q) E por isto se concorda e subscreve na íntegra a posição adoptada pela 1.ª instância e se discorda em absoluto da que veio a ser perfilhada pela Relação de Lisboa.

R) Pelas razões que foram invocadas, considera pois a ora recorrente que o Tribunal da Relação de Lisboa interpretou e aplicou incorrectamente ao caso dos autos - nomeadamente ao não ter em consideração a sua ratio - a previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

S) Deve assim o Supremo Tribunal de Justiça revogar o acórdão recorrido nessa parte e decidir no sentido já adoptado pela 1.ª instância, reconhecendo a validade da estipulação do termo nos contratos em apreciação e, em consequência, a legalidade das respectivas cessações."

Os autores contra-alegaram (fls. 294 e 295), concluindo:

"A) A justificação da estipulação do termo nos contratos celebrados com os autores não contempla a previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 ou de qualquer das demais alíneas do mesmo número.

B) Os autores foram contratados para dar satisfação a necessidades permanentes e regulares da empresa, essenciais à finalidade da mesma.

C) Nos termos do n.º 2 do artigo alegado em A), a estipulação do termo é nula e, por conseguinte, sendo ilícito o despedimento dos autores ocorrido em 6 de Maio de 1999.

D) Assiste aos autores o direito de serem reintegrados, de lhes serem pagas todas as retribuições vencidas e vincendas e de lhes serem concedidos todos os benefícios, incluindo os constantes do Regulamento de Concessões de Viagens junto aos autos, tanto mais porque, sendo trabalhadores com contrato por tempo indeterminado, nada possibilita a não concessão dos peticionados benefícios."

A ré G não apresentou alegação.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público emitiu o parecer de fls. 299 a 302, no sentido da negação da revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

Distribuídas aos Juízes Adjuntos, em substituição dos vistos, cópias do projecto de acórdão e das peças processuais relevantes, cumpre apreciar e decidir.
2. Matéria de facto

As instâncias deram como assente a seguinte matéria de facto:

1) Os autores entraram ao serviço da G em 6 de Maio de 1998, mediante contratos a termo certo de doze meses, juntos a fls. 19 a 36;

2) Desempenhando as funções de manobradores de estação, a que correspondem as tarefas constantes da cláusula 1.ª dos referidos contratos;

3) Auferiam o salário base mensal de 88042$00, acrescido de subsídio de escala no montante de 15628$00 mensais;

4) Ficando acordado que os autores prestariam as suas funções em Aveiro (A), Oliveira de Azeméis (B), Porto-Campanhã (C), Esmoriz (D), Ermesinde Cimpor (E) e Leixões (F);

5) Em todos os contratos a justificação de aposição de termo foi a de "ocorrerem neste momento necessidades de pessoal da categoria de Manobrador de Estação/Pessoal Auxiliar que têm carácter meramente transitório e temporário na medida em que, por virtude do início de actividade do Metro do Porto, serão a breve trecho disponibilizados trabalhadores da mesma categoria/área profissional, actualmente colocados na Linha da Póvoa, que satisfarão definitivamente tais necessidades, facto que redunda num acréscimo temporário de actividade da 1.ª outorgante ...";

6) A partir de 1 de Janeiro de 1999, todos os autores passaram a integrar os quadros da H, mantendo os direitos e regalias "decorrentes da lei, dos instrumentos de regulamentação colectiva e dos contratos de trabalho, contando-se o tempo de serviço prestado na G";

7) A H não renovou os contratos com os autores, que, assim, cessaram em 6 de Maio de 1999;

8) Com a criação da H, passou a caber a esta a gestão da infraestrutura integrante da rede ferroviária nacional;

9) Passando a H, a partir de 1 de Janeiro de 1999, a assumir o comando e controlo da circulação em toda a rede ferroviária nacional;

10) A G forneceu a cada um dos autores um passe, para ser usado exclusivamente entre a residência e o local de trabalho;

11) Os autores estão filiados no Sindicato Nacional dos Ferroviários Braçais e isso desde 6 de Maio de 1998;

12) Com a cessação de exploração da Linha da Póvoa em virtude do início de actividade do Metro do Porto, os diversos manobradores da H que aí prestam serviço ficarão inactivos, tendo a ré de os distribuir por outros locais, nomeadamente Ermesinde, Aveiro ou Oliveira de Azeméis;

13) Enquanto não modernizar na totalidade a rede ferroviária nacional, a H continuará a precisar das tarefas exercidas pelos manobradores;

14) Em virtude do início de actividade do Metro do Porto, serão brevemente disponibilizados trabalhadores da mesma categoria ou área profissional dos autores, actualmente colocados na Linha da Póvoa;

15) Os autores não gozavam, tal como os seus familiares, do direito a viagens gratuitas nos comboios das rés no território nacional, por terem sido contratados a termo certo.

3. Fundamentação

3.1. Quanto à questão da legitimidade da G, o acórdão recorrido concedeu provimento ao agravo desta ré contra a decisão contida no despacho saneador que a julgara dotada de legitimidade passiva. Nesse acórdão argumentou-se que, embora, à primeira vista, face ao pedido formulado pelos autores de condenação solidária das rés G e H, poderia parecer resultar a legitimidade de ambas as rés atento o prejuízo que para elas poderia advir da procedência da acção, o certo é que tal pedido de condenação solidária não tem qualquer suporte legal, uma vez que, segundo o entendimento do mesmo acórdão, do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 104/97, de 29 de Abril, resulta que os direitos dos trabalhadores da G transferidos para a H só perante esta empresa poderão ser exercidos, quer se trate de direitos constituídos posteriormente, quer anteriormente à data da transferência.

Nenhuma destas proposições do acórdão recorrido é de manter, em conformidade com recentes decisões deste Supremo Tribunal de Justiça em casos similares, com intervenção dos mesmos Juízes que subscrevem o presente acórdão.

Assim, no acórdão de 24 de Outubro de 2002, processo n.º 347/02 (texto integral disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf, documento n.º SJ200210240003474), reconhecendo-se que constituiu deliberado propósito do legislador da reforma do processo civil de 1995/1996 consagrar, como critério definidor da legitimidade, a titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor, decidiu-se que, em acção proposta contra a G e a H, por ex-trabalhadores da G transferidos para a H em 1 de Janeiro de 1999 por força do Decreto-Lei n.º 104/97, de 29 de Abril, a G detém legitimidade passiva se os autores reclamam a sua condenação por créditos vencidos no período de tempo em que eram seus trabalhadores e em indemnização por danos não patrimoniais por tratamento discriminatório imputado à G nesse mesmo período de tempo, sustentando que a transmissão parcial do estabelecimento da G para a H não a exonerou de responsabilidade, nos termos do artigo 37.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n. 49408, de 24 de Novembro de 1969, por falta de afixação do aviso para reclamação de créditos, sublinhando-se que a questão de saber se a responsabilidade imputada pelos autores à G deixou de ser exigível pelo facto de, segundo certa leitura do regime instituído pelo Decreto-Lei n. 104/97, ter ocorrido uma sucessão universal de dívidas, mesmo emergentes das relações laborais, para a H, em termos de excluir qualquer responsabilidade da G, respeita já ao mérito da acção.

Por outro lado, no acórdão de 30 de Outubro de 2002, processo n.º 962/02 (texto integral disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf, documento n.º SJ200210300009624), concluiu-se que o Decreto-Lei n.º 104/97, de 29 de Abril, não transferiu para a H, a responsabilidade da G, pelos créditos dos seus trabalhadores, vencidos antes da data em que se concretizou a transferência para a H dos trabalhadores da G afectos à actividade de gestão da infra-estrutura integrante da rede ferroviária nacional, em termos de exonerar completamente a G dessa responsabilidade, pelo que, apurado, no caso então em apreço, que o autor, ex-trabalhador da G transferido para a H em 1 de Janeiro de 1998, era credor de diferenças salariais relativas ao período de 1 de Fevereiro de 1993 a 31 de Janeiro de 1999, é a G responsável pelo pagamento das diferenças salariais relativas ao período de 1 de Fevereiro de 1993 a 31 de Dezembro de 1997 e a H responsável pelas diferenças salariais relativas ao período de 1 de Janeiro de 1998 a 31 de Janeiro de 1999.

Aplicando a doutrina desses acórdãos ao caso dos presentes autos, não pode ser mantida a decisão do acórdão recorrido que julgou a G parte ilegítima e a absolveu da instância.

Isto assente, saber se a mesma G poderá ser condenada no pedido formulado pelos autores, relativamente ao período de 6 de Maio a 31 de Dezembro de 1998, no pagamento da quantia mensal de 60000$00, que eles estimam como correspondente à não concessão de viagens gratuitas para eles e seus familiares, regalia a que passariam a ter direito pela conversão dos contratos em contratos sem prazo, decorrente da nulidade dos termos neles apostos, respeita já ao mérito da acção.

3.2. Relativamente à legalidade da aposição de termo nos contratos celebrados pelos autores, o acórdão recorrido, divergindo do entendimento sustentado na sentença da 1.ª instância, concluiu que o motivo invocado para a celebração desse tipo de contratos era juridicamente inadmissível, com a seguinte argumentação:

"Como vem provado, a justificação do termo aposto nos contratos foi a seguinte: «ocorrerem neste momento necessidades de pessoal da categoria de Manobrador de Estação/Pessoal Auxiliar que têm carácter meramente transitório e temporário na medida em que, por virtude do início de actividade do Metro do Porto, serão a breve trecho disponibilizados trabalhadores da mesma categoria/área profissional, actualmente colocados na Linha da Póvoa, que satisfarão definitivamente tais necessidade, facto que redunda num acréscimo temporário de actividade da 1.ª outorgante ...».

Será que tal justificação é suficiente para validar aqueles contratos?

O artigo 41, n. 1, alínea b), da LCCT, dispõe o seguinte: «Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, a celebração de contratos de trabalho a termo só é admitida nos casos seguintes: (...) b) Acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa.»

Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 42 do mesmo diploma, o contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita, com inclusão, nomeadamente, do prazo estipulado, com indicação do motivo justificativo, sendo tal formalidade ad substantiam ou ad essentiam, como tem sido jurisprudência que julgamos pacífica (cfr., entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Janeiro de 1995, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 443, pág. 257), pelo que a sua omissão não pode ser suprida por qualquer outro meio de prova.

Quer isto significar, desde logo, que, no que respeita à justificação do termo, só podem levar-se em consideração os motivos que constem do documento escrito que titula o contrato e não outros que sejam alegados pela entidade patronal nos articulados e que venham eventualmente a ser dados como provados. Isto para afastar os motivos de justificação dos contratos a termo celebrados com os autores e que constam dos artigos 11 e 12 da contestação da ré H (cfr. fls. 113), ou seja, as obras de modernização da Linha do Norte ou as alterações significativas na quantidade e qualidade do trabalho aí executado, em resultado de a actividade de comando e controlo de circulação ter transitado da G para a H.

Vamos, pois, ater-nos somente na análise da justificação constante dos documentos que titulam os contratos de trabalho de trabalho a termo celebrados com os autores e já acima transcrita.

Escreve, a propósito, Abílio Neto (Contrato de Trabalho - Notas Práticas, 16.ª edição), em anotação 4 ao artigo 41.º da LCCT: «Quer o acréscimo temporário, quer o acréscimo excepcional são susceptíveis de justificar a contratação a termo. Embora se trate de conceitos relativamente imprecisos, ao acréscimo temporário de actividade está ligada a ideia de um aumento ocasional da procura de bens ou serviços, a cuja prestação a empresa habitualmente se dedica, ao passo que o acréscimo excepcional da actividade está conotado com a produção de um bem ou a prestação de um serviço que só por razões acidentais e sem carácter de continuidade caiam no âmbito da actividade da empresa. Aqui releva o carácter excepcional da actividade; ali o volume transitório dos negócios.»

Ora, da justificação constante de cada um daqueles contratos celebrados não resulta que os mesmos tenham sido celebrados por motivo de qualquer aumento ocasional de procura de bens ou serviços ou por qualquer acréscimo excepcional de actividade da empresa, nos termos que se deixaram delineados, pois o seu carácter meramente transitório e temporário apenas vem justificado por virtude de com o início de actividade do Metro do Porto ficarem disponibilizados trabalhadores da mesma categoria / área profissional, actualmente colocados na Linha da Póvoa, que satisfarão definitivamente tais necessidades, o que, segundo o constante dos próprios documentos, «redunda num acréscimo temporário de actividade».

Os autores foram, pois, admitidos por contrato a termo certo, com base numa mera previsão de, futuramente, estarem disponíveis outros trabalhadores da empresa com a mesma categoria profissional (os colocados nesse momento como manobradores na Linha da Póvoa), após o início de actividade do Metro do Porto, e não por motivo de qualquer acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa, podendo daqui concluir-se que os autores, quando foram contratados, o foram por necessidades permanentes e regulares da empresa.

Na verdade, a estipulação do termo não visou mais do que evitar, com base numa previsão futura, que os trabalhadores da Linha da Póvoa que ficassem disponibilizados, após o início de actividade do Metro do Porto, não viessem a ficar sem trabalho por virtude da admissão dos autores, apesar de contratados para trabalhos permanentes e regulares da empresa.

E, desde que os autores foram contratados para o exercício de funções de carácter permanente, as justificações dos termos apostas nos respectivos contratos não se enquadram na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 41 da LCCT, nem em qualquer outra das suas alíneas, pelo que estes contratos terão de considerar-se como celebrados por tempo indeterminado, dado que a celebração de contratos a termo fora dos casos previstos naquelas mesmas alíneas importa a nulidade da estipulação do termo, face ao disposto no n. 2 desta mesma disposição legal."

Alcançada esta conclusão de que os autores se devem considerar contratados por tempo indeterminado, o acórdão recorrido considerou que a não renovação dos contratos pela H configura despedimentos ilícitos, ocorridos em 6 de Maio de 1999, com todas as consequências previstas no artigo 13 da LCCT, e que, por outro lado, face ao disposto no n.º 4 do artigo 16 do Decreto-Lei n.º 104/97, têm os autores direito a que a ré H lhes conceda viagens na G (para eles e familiares: pai, mãe, cônjuge e filhos), nos termos previstos no Regulamento de Concessões, cujo artigo 2, n. 1, determina que «para efeitos do presente Regulamento, consideram-se beneficiários de concessões de viagens (...) todo o pessoal ao serviço da empresa com excepção ... dos trabalhadores contratados a prazo».

Entendimento diverso foi sustentado na sentença da 1.ª instância e é defendido pela ora recorrente e, antecipando a decisão, desde já sefere que é essa a tese que se tem por mais ajustada, pelo que se passa a reproduzir a pertinente fundamentação daquela decisão:

"A invocação do acréscimo temporário de actividade pode definir-se como «o aumento ocasional da procura de bens ou serviços, a cuja produção ou prestação a empresa habitualmente se dedica».

Analisadas as funções que os autores foram desempenhar, é fácil de constatar que se trata de actividades normais da ré: assegurar o serviço de agulhas de manobra local, assegurar a execução do serviço de manobras, nomeadamente a engatagem e desengatagem do material, etc.

O problema põe-se na questão de saber se tal acréscimo é temporário.

Por outras palavras, a ré precisa de manobradores por um período delimitado, não porque o acréscimo de trabalho vá diminuir - mesmo tomando em conta a cessação de funcionamento da Linha de Póvoa, não se vê em que medida, como salientam os autores, isso se repercuta no trabalho ferroviário em Aveiro -, mas porque, quando o Metro do Porto entrar em funcionamento, vai ficar com manobradores - os que exercem funções na Linha da Póvoa - em excesso e desocupados. Daí que a ré tenha, no futuro, de os distribuir por novos locais de trabalho, como aqueles ocupados pelos autores.

Na sua contestação, a ré invocou ainda outros factos, como o da progressiva desnecessidade de manobradores à medida que se forem modernizando as linhas ferroviárias e estações.

No julgamento, diversas testemunhas, nomeadamente manobradores, fizeram sentir a sua preocupação por aquilo que inevitavelmente acontecerá daqui a poucos anos: o fim da sua profissão, com a automatização total do sistema de agulhas.

Tudo isto é indiscutível. Contudo, os contratos dos autores tiveram início em 6 de Maio de 1998 e termo em 6 de Maio de 1999. Quando este ocorreu, ainda não estava em funcionamento o Metro do Porto - no momento em que escrevemos prevê-se a inauguração só em 2002 - e os trabalhadores manobradores da linha da Póvoa não haviam sido disponibilizados.

Perante isto, serão válidos os contratos a termo certo?

Pensamos que sim.

Da matéria provada resulta evidente que a necessidade que a ré tinha do trabalho dos autores era temporária, dependendo do início do funcionamento do Metro do Porto. A razão invocada é verdadeira, embora dependente da celeridade ou morosidade de tal início.

A razão de ser de um contrato a termo é, quase sempre, o ser temporária, transitória, a necessidade da mão-de-obra contratada. Mesmo que a actividade a ser desempenhada pelo trabalhador contratado a termo seja de natureza duradoura, nada impede que a natureza da contratação seja precária. Serão os casos do trabalhador que vai substituir outro, temporariamente impossibilitado, e o do acréscimo temporário de actividade.

A actividade em si, no caso as funções de manobrador, mantém-se necessária na ré até que esta modernize toda a rede ferroviária nacional. Mas a contratação de um manobrador, em concreto, pode decorrer de uma necessidade momentânea que desaconselhe um vínculo sem termo.

Se os autores estivessem ligados à ré por contratos sem termo, em breve - no ano que vem - iriam competir com outros manobradores, mais antigos na ré, pelos postos de trabalho disponíveis. E possivelmente uns ou outros teriam de ser incumbidos de outras funções completamente diferentes, apenas para lhes ser assegurado o posto de trabalho.

Em nosso entender, tal situação forçada é exactamente o que se quis evitar com a figura legal da contratação a termo. Ou seja, assegurar o preenchimento de postos de trabalho que são precários, dadas as circunstâncias.

Num tribunal onde são incontáveis os processos em que a contratação a termo não passa de um expediente das entidades patronais para evitarem as acrescidas responsabilidades - e custos - de um contrato sem termo, assim mostrando a visão mesquinha que têm do seu papel na sociedade - mostrando-se nomeadamente cegas à necessidade de valorização e aperfeiçoamento profissionais, indispensáveis para um aumento da produtividade - o caso dos presentes autos é um dos poucos em que existe, efectivamente, uma justificação comprovada para a precariedade contratual.

Assim, pesem embora as muito doutas considerações dos autores no seu articulado, entendemos os contratos a termo como válidos.

Invocam ainda os autores que a partir de 1 de Janeiro de 1999 passaram a trabalhar para a H, sem que tenham celebrado novo contrato com esta. Pretendem assim que se trata de nova relação laboral titulada por contrato por tempo indeterminado.

Mas aqui não têm qualquer razão. Mesmo que tivesse ocorrido, como os autores pretendem, transmissão de estabelecimento nos termos do artigo 37, n.º 1, da LCT, nem por isso se estabeleceria um novo contrato. Pelo contrário, mudaria um dos sujeitos da relação contratual, mas esta permaneceria incólume.

No caso dos autos, nos termos do artigo 14, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 104/97, a H sucedeu à G, mantendo os trabalhadores os direitos e garantias mencionados no ponto 6 da matéria de facto.

Isso, contudo, em nada afecta a subsistência dos contratos de trabalho a termo, enquanto tais, até porque a H passou, nos termos da focada sucessão, a deter a responsabilidade pela circulação ferroviária em todo o país, valendo para esta ré as considerações atrás feitas quanto à licitude do termo aposto nos contratos.

Alcançado o termo dos mesmos, a H não os renovou, nos termos do artigo 46, n. 1, do Decreto-Lei n. 64-A/89.

Sendo, pois, lícita, igualmente, a cessação contratual.

Finalmente, temos a questão das viagens, de que os autores e familiares não gozaram.

A partir do momento em que se aceite - como nós aceitamos - a validade dos contratos a termo certo, torna-se evidente que os autores não têm direito às regalias pretendidas.

Com efeito, o artigo 2, n. 1, do Regulamento de Concessões (junto aos autos) refere que «para efeitos do presente Regulamento, consideram-se beneficiários de concessões de viagens (...) todo o pessoal ao serviço da empresa com excepção (...) dos trabalhadores contratados a prazo».

Assim, é o próprio Regulamento de Concessões invocado pelos autores - artigo 43 da petição inicial - a rejeitar tais regalias aos contratados a termo.

Logo, improcede manifestamente o pedido."

Como já se referiu, considera-se ser de subscrever este entendimento.

É certo que a enumeração dos casos em que é admitida a contratação a termo, constante do n.º 1 do artigo 41 da LCCT, tem carácter taxativo e que o caso dos autos não cabe na estrita literalidade da previsão da sua alínea b). Porém, há que interpretar esta disposição atendendo ao seu espírito e razão de ser, dentro do rigoroso respeito da intenção do legislador de limitar a contratação precária aos casos em que seja efectivamente justificável, combatendo o abuso da contratação precária para necessidades permanentes da empresa.

Acontece, porém, que, na ponderação destas necessidades, há que atender à empresa vista na sua globalidade e em termos de gestão previsional. Se é seguro que, dentro de prazo que se estima curto, a empresa virá a ter excesso de trabalhadores (com o estatuto de trabalhadores permanentes) de determinada categoria profissional (no caso, manobradores de estação), devido à inevitável cessação de um sector de actividade (a exploração da Linha da Póvoa), é perfeitamente justificado que a contratação de novos trabalhadores dessa categoria, embora para locais onde a sua necessidade se manterá, seja feita a título precário, pois, dentro de uma gestão eficiente da empresa, impõe-se que esses locais de trabalho fiquem "reservados" para os trabalhadores permanentes que se sabe em breve irão ficar desocupados pela extinção dos postos de trabalho onde actualmente exercem a sua actividade.

Isto é: encarada globalmente a situação, como cumpre, ocorre uma situação de "acréscimo [no sentido de «maior volume»] temporário de actividade", não em relação ao passado (à situação existente à data da contratação dos autores), mas em relação a um futuro próximo e perfeitamente previsível.

Ora, como adverte Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, Coimbra, 2002, pág. 621), "não obstante a indicação legal ser taxativa, nada impede que se proceda a uma interpretação extensiva de cada previsão constante das mencionadas alíneas: sem pôr em causa a tipicidade, pode entender-se que determinadas hipóteses, não directamente referidas, enquadram-se na interpretação sistemática das várias previsões do artigo 41, n. 1, da LCCT".

É certo que o princípio constitucional da estabilidade e da segurança do emprego implica a restrição da contratação precária às situações em que objectivamente se encontra justificada pela natureza temporária do trabalho a ser prestado, mas ele não fundamenta que se imponha "ao empregador uma vinculação de carácter permanente face a situações em que a capacidade ou a necessidade de manter o posto de trabalho surge como provisória ou incerta" (José João Abrantes - Direito do Trabalho - Ensaios, Lisboa, 1995, pág. 99). O recurso ao trabalho precário só é legítimo nos casos em que razões objectivas justificam a cláusula de termo resolutivo; quer dizer, "a cláusula do termo resolutivo, precisamente porque precariza o emprego correspondente, só não viola a norma do artigo 53.º da Constituição nos casos em que o respectivo contrato se destine à satisfação de necessidades transitórias de mão-de-obra" (Jorge Leite, Direito do Trabalho, vol. II, Coimbra, 1999, pág. 74).

No presente caso, face à comprovada previsão da desocupação a breve prazo (desocupação que, como é óbvio, coincide com a desactivação da Linha da Póvoa, não estando dependente da efectiva entrada em funcionamento do serviço do Metro do Porto) de vários trabalhadores permanentes da ré, que executavam as mesmas funções para as quais os autores foram contratados, ocorre, de forma manifesta e objectiva, uma "necessidade transitória de mão-de-obra", que justifica a contratação a termo, não sendo justo impor "ao empregador uma vinculação de carácter permanente face a situações em que a capacidade ou a necessidade de manter o posto de trabalho surge como provisória". Ora, lendo o vocábulo "acréscimo" usado na alínea b) do n.º 1 do artigo 41 da LCCT como querendo significar "maior volume", e admitindo que essa diferença de actividade da empresa (e correspondente diferença de necessidade de mão-de-obra) pode ter como termo de comparação não apenas o passado imediato mas também o futuro próximo, mas certo, estamos perante uma situação em que a contratação a termo é não apenas materialmente justificada, mas encontra mesmo o necessário suporte na letra da lei.

Conclui-se, assim, pela validade da aposição dos termos nos contratos de trabalho celebrados entre os autores e a G, que transitaram nesses mesmos termos para a H, pelo que esta validamente os considerou caducos quando expiraram os respectivos prazos. Não ocorreram, consequentemente, os alegados despedimentos ilícitos, pelo que soçobram os pedidos formulados com base nessa construção. E, por outro lado, não sendo os autores considerados trabalhadores permanentes das rés, não lhes assistia o direito a reclamarem, para si e seus familiares, as impetradas concessões de viagens ou quantias reparadoras da negação dessas concessões.

3. Decisão

Em face do exposto, acordam em conceder provimento ao presente recurso, revogando o acórdão recorrido, para ficar a subsistir a decisão da 1.ª instância.

Custas pelos autores, ora recorridos, que beneficiam de apoio judiciário (cfr. fls. 127).

Lisboa, 20 de Novembro de 2002.

Mário José de Araújo Torres,

Vítor Manuel Pinto Ferreira Mesquita,

Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares.