Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
180/05.9JACBR.C1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: CORRUPÇÃO
ABUSO DO PODER
ACORDÃO DA RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO À CAUSA
ARGUIDO
LEGITIMIDADE
RECURSO PENAL
PERDA DE BENS A FAVOR DO ESTADO
REPETIÇÃO DA MOTIVAÇÃO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
FALTA
MOTIVAÇÃO
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
PROIBIÇÃO DE PROVA
MATÉRIA DE DIREITO
DEPOIMENTO
TESTEMUNHA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PARECERES
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DIREITOS DE DEFESA
DIREITO AO RECURSO
CRIME CONTINUADO
CULPA
ESCOLHA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
PENA DE PRISÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
PLURIOCASIONALIDADE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 04/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO - FACTO / FORMAS DO CRIME - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CRIME CONTINUADO - CRIMES CONTRA O ESTADO / CRIMES COMETIDOS NO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SUJEITOS DO PROCESSO / ARGUIDO E SEU DEFENSOR - PROVA - JULGAMENTO / AUDIÊNCIA - SENTENÇA - RECURSOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, Coimbra Editora, LIm. 1981, p.143.
- António Manuel de Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, pp. 655, 656, 661, 662, 665, 667, 671, 672, 673; Sobre o Crime de Corrupção, Coimbra 1987, pp. 123, nota 318, 124, nota 323.
- Cláudia Santos, «A Corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de alguns (distintos) entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador]», Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora 2003, pp. 970, 984, 985, 986, 987; «Notas breves sobre os crimes de corrupção de agentes públicos», Julgar, n.º 11, pp. 52 e ss., 107.
- Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Reimpressão, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1983, p. 251; Direito Criminal, II, Livraria Almedina, Coimbra, 1968, p. 209.
- Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, pp. 129, 228, 241, 244, 296; Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, pp. 1027, 1030, 1041; «Sobre o Estado Actual da Doutrina do Crime» Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 2, Fasc.1, Janeiro-Março de 1992, Aequitas, Editorial Notícias,p. 14.
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 2000, p. 335.
- Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pp. 88 e ss., 105, 108, 109
- Maia Gonçalves, citando Jordão, Comentário, 3.º, pág. 249, e L. Osório, Notas, II, pág. 707, Código Penal Português na Doutrina e na Jurisprudência, 3.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra 1977, p. 518.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, pp. 974, 977; Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, Universidade Católica Editora, anotação 5 ao artigo 420.º, pp. 1162-1163.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 61.°, N.º 1, ALS. A) E D), 126.º, N.ºS 1 E 2, 323.°, AL. E), 343.°, N.º 1,379.º, N.º1 AL. C), 400.º, N.º1, AL. C), 401.°, N.º 1, AL. B), 407.º, N.º3, 410.º, N.º2, 412.º, N.º1, 414.º N.º 2, 417.º, N.º3, 420.°, N.º 1, AL. B), 432.º, N.º1, AL. B), 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 2.º, N.º4, 30.º, N.º2, 40.º, N.ºS 1 E 2, 50.º, 51.º, N.º1, AL. C), 70.º, 71.º, N.º2, 77.º, N.ºS 1 E 2, 79.º, N.º1, 372.º, N.ºS1 E 2, 373.º, 382.º, 386.°, N.º 1, AL. C).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º1.
LEI N.º 108/2001, DE 28-11.
LEI N.º 32/2010, DE 2-9: - ARTIGO 4.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22/09/2004, PROCESSO N.º 2813/04, PUBLICADO NA COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA, ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, TOMO III, 2004, PP. 158-159;
-DE 13/02/2008, PROCESSO N.º 2696/07 – 5.ª SECÇÃO;
-DE 07/04/2010, PROCESSO N.º 2792/05.1TDLSB.L1.S1 – 3.ª SECÇÃO;
-DE 06/05/2010, NO PROCESSO N.º 156/00.2IDBRG.S1-5.ª SECÇÃO.
Sumário :
I  -   Tendo a Relação apreciado e decidido um recurso intercalar, esse recurso está definitivamente decidido, não sendo admissível recurso para o STJ da decisão da Relação que dele conheceu. O objecto desse recurso era constituído por questões interlocutórias, intermédias, sendo sobre essas questões que recaiu o acórdão da Relação, na parte em que dele conheceu. Isto é, ao conhecer desse recurso, a Relação não conheceu, a final, do objecto do processo, não julgou o mérito da causa.
II -  Embora a decisão do recurso intercalar esteja integrada na mesma peça processual em que foram conhecidos os recursos da decisão final – como não poderia deixar de ser, por o recurso interlocutório ter sido retido (admitido a subir a final, nos próprios autos, para ser julgado conjuntamente com os recursos interpostos da decisão que viesse a pôr termo à causa – art. 407.°, n.º 3, do CPP) – , não perde, por isso, a sua natureza de decisão que não conhece, a final, do objecto do processo.
III - Ora, a al. c) do n.º 1 do art. 400.° do CPP estatui que não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que não conheçam, a final, do objecto do processo. E, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 432.° do CPP recorre-se para o STJ de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do art. 400.°. Consequentemente, não é admissível o recurso nesse particular.
IV - No caso em que a decisão relativa à perda de vantagens não foi decretada contra o arguido (o agente do crime) mas contra um terceiro (na medida em que foi esse terceiro o beneficiado com a prática do crime, o beneficiário das vantagens), essa decisão não afecta o arguido, em si mesmo, em termos de se poder considerar que a decisão foi contra ele proferida (art. 401.°, n.º 1, al. b), do CPP). A legitimidade para recorrer, quanto à decisão de perda de vantagens auferidas com a prática do crime, tem de ser reconhecida à entidade que “sofre” a decisão da perda de vantagens e, no caso, foi condenada a pagar ao Estado o montante de € 200 000, e não ao arguido.
V -  O arguido foi condenado, na 1.ª instância, além do mais, pela prática de um crime de abuso de poder, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts. 382.° e 386.°, n.º 1, al. c), do CP, na pena de 6 meses de prisão. A Relação, quanto a esse crime, apenas alterou a medida da pena, fixando-a em 8 meses de prisão.
VI - Na conclusão do recurso interposto para o STJ em que se refere a essa parte da condenação, limita-se o arguido a alegar que «pelas razões já adiantadas no recurso anterior, deve o suplicante ser absolvido». Temos, assim, que no recurso para o STJ, do acórdão da Relação, quanto ao mencionado crime de abuso de poder, o arguido não leva propriamente às conclusões uma questão de direito porque se abstém de conferir qualquer substrato útil à alegação de que deve ser absolvido. Com efeito, a mera remissão para a alegação constante de outro recurso (o recurso para a Relação) não é modo processualmente adequado de cumprir a exigência contida no n.º 1 do art. 412.° do CPP.
VII - No recurso interposto para o STJ, nem a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso, quanto ao crime em questão, nem as conclusões contemplam qualquer resumo das razões do pedido de absolvição do arguido do crime de abuso de poder. Por isso, não é caso de convite ao arguido para completar ou esclarecer as conclusões formuladas (art. 417.°, n.º 3, do CPP), mas, verdadeiramente, de falta de motivação, a impor, nessa parte, a não admissão do recurso (art. 414.°, n.º 2, do CPP) e, consequentemente, a sua rejeição (art. 420.°, n.º 1, al. b), do CPP).
VIII - Ao longo do recurso, vai o arguido aludindo ao pré-juízo que, na sua perspectiva, contaminou a apreciação da prova, a fixação dos factos dados por provados e, se bem entendemos a sua argumentação, até, as soluções jurídicas deles tiradas. Quanto a determinadas referências tecidas no acórdão da 1.ª instância a respeito das suas declarações, reagiu o arguido, no recurso que interpôs para a Relação, vendo nelas uma depreciação da sua estratégia processual, violadora do direito que lhe assiste, face ao disposto no art. 61.°, n.º 1, al. a), do CPP, e uma verdadeira presunção de culpa, com reflexo e consequências em toda a assunção probatória, violadora das normas dos arts. 61.°, n.º 1, al. d), e 343.°, n.º 1, do CPP, e 32.°, n.º 1, da CRP.
IX - O acórdão recorrido trata especificamente este aspecto do recurso do arguido, integrando-o no âmbito da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, no qual ele, evidentemente, se integra. Ora, a apreciação da valoração das declarações prestadas pelo arguido, em audiência, é matéria subtraída à apreciação do STJ, não se enxergando a utilidade da matéria que o recorrente levou às conclusões, no âmbito do recurso para o STJ, ainda que nelas se queira ver, o que não é imediatamente acessível, a impugnação do acórdão recorrido (o da Relação), nesse aspecto.
X -  Nas suas conclusões, o arguido suscita, também, a questão de ter sido valorada prova proibida. A valoração do depoimento das testemunhas, afectadas por temor, conformaria uma violação do art. 126.°, n.º 2, do CPP.
XI - Não obstante a limitação dos poderes de cognição do STJ, tem-se entendido que a fiscalização sobre o eventual uso de um método proibido de prova é uma questão de direito de que deve tomar conhecimento, ainda que, em última análise, se reporte à matéria de facto, já que podem estar em causa direitos, liberdades e garantias essenciais para o cidadão, desde que seja recorrível a decisão final do processo onde se verificou a situação. E a lei (art. 126.°, n.º 1, do CPP) proíbe as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou mental das pessoas, e especifica (no n.º 2 do mesmo artigo) os meios de obtenção de prova ofensivos da integridade física ou mental das pessoas.
XII - Contudo, na tese que ensaia, o arguido desconsidera, manifestamente, o regime legal dos métodos proibidos de prova. A invocação do “ambiente de temor” (passivamente suportado pelas instâncias) que subjugava certas testemunhas, e que inquinaria os seus depoimentos, de modo a que não devessem ter sido admitidos, é sugerido ao recorrente por determinadas afirmações feitas, pela 1.ª instância, ao longo da motivação da decisão de facto.
XIII - A questão do “clima de temor” em que foram prestados alguns depoimentos foi levada pelo arguido ao conhecimento da Relação, então, servindo-lhe apenas para censurar o tribunal por violação do art. 323.°, al. e), do CPP. O acórdão recorrido trata especificamente este aspecto do recurso do arguido, integrando-o no âmbito da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, no qual ele se integra. Agora, “o constrangimento” com que alguns depoimentos terão sido prestados ou que se reflectiu na actuação das testemunhas perante o arguido aquando dos acontecimentos sobre que recaíram os respectivos depoimentos já lhe serve para, num grau superior de crítica, convocar a nulidade da prova proibida.
XIV - É evidente que o “constrangimento” das testemunhas, tal como é referenciado na motivação da decisão de facto da 1.ª instância, não suporta a alegação de que os respectivos depoimentos foram obtidos mediante os meios especificados nas als. do n.º 2 do art. 126.°; esses depoimentos não foram obtidos mediante ofensas à integridade física ou mental infligidas às testemunhas. Do que se tratou, como a motivação da decisão de facto esclarece, foi de uma atitude subjectiva de certas testemunhas, de “reverência”, “temor” ou “medo” perante a pessoa do arguido, evidenciada nos seus depoimentos, tanto na forma como foram prestados como nos acontecimentos sobre que prestaram os respectivos depoimentos. No entanto, a possível afectação das testemunhas pelos “sentimentos” demonstrados para com o arguido cabe, exclusivamente, no plano da livre valoração da prova (permitida), e, diga-se, não há poderes de disciplina e direcção da audiência susceptíveis de “resolver” sentimentos difusos de constrangimento.
XV - Ao convocar igualmente a violação do princípio in dubio pro reo, desconsidera o arguido, mais uma vez, que o recurso da Relação para o STJ – puramente, de revista – terá de visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais «erro(s)» das instâncias «na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa». Tendo o recorrente podido dispor do seu recurso de apelação para discutir a decisão de facto do tribunal colectivo, vedado lhe ficou pedir depois ao STJ, em revista, a reapreciação da decisão de facto tomada pela Relação. E isso porque a competência das Relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o eventual mau uso do poder de fazer actuar aquela competência, reeeditando-se no STJ pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a tal decisão invocadas perante a Relação, bem como as que poderiam ter sido.
XVI - Convoca o arguido os vícios do n.º 2 do art. 410.° do CPP: contradição insanável da fundamentação – al. b) do n.º 2 do art. 410.° do CPP – e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – al. a) do n.º 2 do art. 410.° do CPP. Na perfunctória perspectiva de que ele se situa, efectivamente, no quadro dos vícios que expressamente invoca, por via deles pretendendo obter a anulação do julgamento, o recurso, nessa vertente, não é admissível. O STJ, como tribunal de revista, apenas conhece de tais vícios oficiosamente, se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, uma vez que o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 434.º do CPP).
XVII - A nulidade da 1.ª parte da al. c) do n.º 1 do art. 379.° do CPP ocorre quando o tribunal deixe de apreciar questão de que devia conhecer. Mas uma coisa é o tribunal omitir pronúncia sobre questão que devia apreciar, outra é o tribunal, conhecendo da questão, deixar de apreciar qualquer argumento, razão ou consideração produzida, a propósito. O que importa é que o tribunal decida a questão.
XVIII - O arguido, no recurso para a Relação, e quanto à decisão da 1.ª instância que conheceu, a final, do objecto do processo, suscitou duas questões nucleares: a do erro de julgamento em matéria de facto e a do erro de julgamento em matéria de direito. Dessas duas questões tratou o acórdão recorrido, fundamentando, quer por que julgou improcedente a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto quer as razões da subsunção jurídica dos factos provados, nos termos em que a ela procedeu. Ora, só seria fundado arguir a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, quanto ao recurso em matéria de facto ou em matéria de direito se a Relação tivesse deixado de exercer os seus poderes de cognição, nessas matérias, o que, evidentemente, não foi o caso.
XIX - A circunstância de a fundamentação de direito do acórdão não aderir à tese sustentada no parecer junto aos autos na fase de recurso junto do Tribunal da Relação, em nada prejudica o contraditório e o direito de defesa do arguido, nomeadamente, na dimensão do direito ao recurso porque são, justamente, as razões explicitadas na fundamentação de direito do acórdão as que devem ser discutidas no recurso, no sentido de que são elas as que conformam o substrato da “questão de direito”, cuja apreciação é levada ao 3.º grau de jurisdição. E são elas, afinal, que o arguido impugna e traz à discussão, no STJ, continuando servir-se do parecer para efeitos da sua argumentação jurídica.
XX - A dita sonegação do direito de exercer o contraditório, concretamente quanto ao aspecto de o acórdão recorrido não esclarecer quais os factos que o parecer pressupõe e que não foram dados por provados, não tem razão de ser porque o que releva e interessa à defesa do arguido são os factos que o acórdão da Relação considerou para efeitos de subsunção jurídica da conduta nas diversas situações, e não a compreensão (certa ou errada) que a Relação demonstra ter alcançado da fundamentação do parecer.
XXI - No regime em vigor à data dos factos, distinguem-se três modalidades de corrupção passiva:
       - a corrupção para acto ilícito ou corrupção própria, em que se faz prova do acto ilícito com o qual o agente público pretende mercadejar com o cargo;
       - a corrupção passiva para acto lícito em que se faz prova do acto lícito com que o agente público pretende mercadejar com o cargo;
       - a corrupção sem demonstração do acto concreto com que o agente público pretende mercadejar com o cargo.
XXII - As modalidades previstas nos n.ºs 1 dos arts. 372.º e 373.° do CP não prescindem de um certo grau de prova quanto ao acto concreto pretendido, um certo grau de prova do acto concreto, lícito ou ilícito, que a vantagem visaria compensar. Na falta dessa prova, sempre se preencherá a modalidade do n.º 2 do art. 372.° do CP quando a vantagem só lograr compreensão no plano da funcionalidade. Aqui, do que se trata é de uma vantagem solicitada ou aceite sem conexão com a prática de uma concreta acção ou omissão pelo funcionário.
XXIII - Nas modalidades da corrupção passiva para acto ilícito e para acto lícito, o acto ou actividade em causa deve encontrar-se numa relação funcional imediata com o desempenho do cargo, isto é, terá de caber no âmbito fáctico das possibilidades de intervenção do funcionário, nos “poderes de facto” inerentes ao exercício das correspondentes funções, no sentido de aqueles que são propiciados pelo cumprimento “normal” das suas atribuições legais. É pelo conteúdo do acto subornado que se estabelece a distinção entre as duas modalidades de corrupção. O art. 372.°, n.º 1, do CP, reporta-se aos casos em que o acto do funcionário é inválido por razões “substanciais” ou de “fundo”: só se verifica um salto qualitativo, capaz de fundamentar a agravação da pena inerente à corrupção própria, quando a actividade subornada se revelar ilegal no tocante ao seu fundo ou substância.
XXIV - No que respeita ao tipo subjectivo, o dolo esgota-se no conhecimento e vontade de obtenção de uma vantagem conexionada com um comportamento violador dos deveres do cargo. Em conformidade, desde que o agente solicite ou aceite um tal suborno (ou a sua promessa), verifica-se o preenchimento do tipo subjectivo, mesmo que não esteja nas suas intenções praticar o “acto de serviço” que se visa remunerar, pois a consumação não requer nem o efectivo recebimento do suborno nem, muito menos, a realização do acto.
XXV - A corrupção passiva, como crime material ou de resultado, consuma-se logo que a “solicitação” ou “aceitação” do suborno (ou da sua promessa) cheguem ao conhecimento do destinatário. Consistindo o bem jurídico na autonomia intencional do Estado, a correspondente violação ocorre logo que se depare com uma declaração de vontade do empregado público que evidencie a inequívoca intenção de mercadejar com o cargo, i. e., de “vender” o exercício de uma actividade (lícita ou ilícita, passada ou futura) compreendida nas suas funções ou, pelo menos, nos seus “poderes de facto”.
XXVI - A vantagem pode ser para o próprio funcionário (vantagem directa) ou para um “terceiro”, seja uma pessoa física ou colectiva, pública ou privada (vantagem indirecta). A vantagem ganha relevância típica desde que motive ou seja idónea a motivar a actuação do funcionário; o que conta é que o funcionário, motivado por essa vantagem, ponha à disposição de um concreto particular as atribuições que lhe foram conferidas para servir os interesses gerais. Em vez de actuar com uma substancial neutralidade e objectividade na prestação do serviço público o funcionário, motivado pela vantagem, fomenta os fins privados.
XXVII - No período abrangido pelas situações a que foi reconhecida relevância típica, o arguido desempenhou simultaneamente as funções públicas de Director Municipal da Administração do Território na Câmara Municipal A e as funções privadas de dirigente do clube desportivo B. Decorre, pois, dos factos provados, que as vantagens, ainda que indirectas (como o foram predominantemente), só ganham justificação no plano da funcionalidade ou, dito de outro modo, resulta demonstrado que o recebimento ou solicitação das vantagens não têm uma qualquer outra justificação ou explicação que não seja o mercadejar com o cargo, por parte do arguido. Por ser assim, a relevância típica da vantagem não pode ser questionada.
XXVIII - De acordo com os requisitos do n.º 2 do art. 30.º do CP, no plano da conexão objectiva dos vários actos, exige-se que a realização continuada viole de forma plural o mesmo ou fundamentalmente o mesmo bem jurídico, de maneira a que se possa afirmar uma relação de estreita afinidade entre os bens jurídicos violados, e que seja executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma solicitação exterior, dando-se, aqui, relevo a uma “unidade de contexto situacional” em que ocorram as várias violações, isto é, “que elas se relacionem contextualmente umas com as outras”.
XXIX - Toda a construção do crime continuado se apoia na diminuição considerável da intensidade da culpa que resulta de uma conformação especial do momento exterior da conduta que concorre para determinar o agente à resolução de renovar a prática do mesmo crime. A reiteração é devida mais a uma disposição das coisas do que a uma tendência da personalidade do agente.
XXX - Ora, no caso, as ocasiões favoráveis à prática do crime foram-se repetindo, sem que o arguido tenha activamente contribuído para essa repetição, isto é, não foi o arguido quem provocou as ocasiões, ao arguido proporcionaram-se as ocasiões. Por outro lado, a motivação do agente permanece a mesma ao longo da prática criminosa repetida, conferindo uma certa unidade de sentido ao comportamento global. Afirmando-se nos factos dados por provados a identidade dos bens jurídicos violados (o que confere ao comportamento global a unidade do desvalor de resultado), a homogeneidade das formas de execução (assegurando a unidade do desvalor objectivo da acção) e a presença do mesmo condicionalismo exógeno, susceptível de exercer a continuada solicitação para a repetição da infracção, conforma-se uma situação em que se mostra fundado um juízo de diminuição da culpa em nome de uma exigibilidade sensivelmente diminuída.
XXXI - Integrando as condutas respeitantes a parte das situações provadas um crime continuado de corrupção da previsão dos arts. 373.° e 30.°, n.º 2, do CP, a pena deve ser determinada no quadro da moldura penal abstracta desse crime de corrupção do art. 373.° (pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias), como decorre do n.º 1 do art. 79.° do CP, o que, imediatamente, coloca o problema da opção por uma das penas principais (a pena de prisão ou a pena de multa). Face ao disposto no art. 70.º do CP é em função da articulação entre as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial que o caso suscite que a escolha entre as penas alternativas se coloca.
XXXII - O crime de corrupção adquiriu uma fortíssima ressonância negativa na consciência comunitária. A necessidade de salvaguardar a confiança dos cidadãos numa administração pública que sirva com neutralidade, objectividade e eficácia os interesses gerais reclama que a sanção penal dê um sinal claro de “intransigência” perante a corrupção e a venalidade, desta forma acompanhando os sentimentos de repúdio da comunidade pelo fenómeno da corrupção.
XXXIII - No caso, considerando, ainda, o número de condutas que integram o crime continuado e tendo-se presente que a medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos é um «acto de valoração in concreto, de conformação social da valoração legislativa, a levar a cabo pelo aplicador à luz das circunstâncias do caso» entende-se, não obstante o arguido não se mostrar carente de socialização, que a pena de multa não é adequada a acautelar a manutenção da confiança da comunidade no direito e na administração da justiça. Será, pois, no quadro da pena de prisão de 30 dias a 2 anos que a medida concreta da pena deve ser determinada.
XXXIV - Nos crimes de corrupção a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada reclama algum rigor punitivo, em razão, por um lado, dos “sentimentos difusos” do domínio da corrupção na vida pública que se instalaram na comunidade e, por outro lado, da acrescida “consciência” e exigência, por parte da comunidade, de que as funções públicas estejam ao serviço do “bem comum”. O arguido é pessoa bem integrada socialmente e sem antecedentes criminais, não se demonstrando, não obstante a prática do crime, uma verdadeira carência de socialização pelo que, em termos de prevenção especial, tudo se resumirá em conferir à pena uma função de suficiente advertência.
XXXV - No plano da culpa, há a ponderar que a menor exigibilidade e a consequente diminuição da culpa que caracterizam o crime continuado já foram tomadas em conta, justamente, quando a punição foi subtraída às regras da pena conjunta pelo concurso, pelo que nada impede, agora, que a pluralidade de actos (concretamente 8) e a intensidade com que foram praticados sejam valoradas como factor de agravação da culpa. Todavia, não será descabido, para a caracterização da medida da culpa, mais uma vez destacar os fins e motivos da actuação do arguido, não directamente ligados ao seu enriquecimento pessoal, uma vez que todas as vantagens, com excepção de uma única situação (o cheque de € 5000 entregue por JA e destinado a financiar a campanha do arguido para a direcção do clube desportivo B), se destinaram ao clube desportivo referido, num contexto de dificuldades económicas e financeiras do clube.
XXXVI - Nesta ponderação, temos por ajustada à satisfação das importantes exigências de prevenção geral que o caso suscita, mas consentida pela culpa do arguido a pena de 1 ano de prisão pelo crime continuado de corrupção, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts. 30.°, n.º 2, e 373.°, do CP.
XXXVII - Quanto à determinação da pena conjunta, pelo concurso de crimes, do crime continuado de corrupção e do crime de abuso de poder, temos que a moldura abstracta do concurso tem como limite mínimo 1 ano de prisão e como limite máximo 20 meses de prisão (dada a decisão da Relação de condenar o arguido pelo crime de abuso de poder na pena de 8 meses de prisão, aspecto não impugnado da decisão).
XXXVIII - Na avaliação conjunta dos factos e da personalidade do arguido sobressai, imediatamente, tratar-se de uma mera pluriocasionalidade, indissociável, como não pode deixar de ser, pela natureza dos crimes, do exercício de funções públicas, num período limitado de tempo. A actividade criminosa do arguido circunscreveu-se a esse período e foi muito concretamente motivada, no caso do crime continuado de corrupção, e sempre proporcionado pelo exercício de funções públicas, não se divisando, fora do exercício dessas funções, ou seja, exclusivamente radicada em qualidades desvaliosas da personalidade do arguido, qualquer “tendência criminosa”. Relevando, neste sentido, os factos de o arguido não ter antecedentes criminais e de ser pessoa com comportamento social adequado. Nesta ponderação, temos por adequada a pena conjunta de 15 meses de prisão.
XXXIX - Não obstante a elevada dimensão em que se projectam as exigências de prevenção geral quanto ao crime de corrupção e mesmo quanto ao crime de abuso de poder, há especiais contornos do crime de corrupção (aquele que assume, em função da pena parcelar por ele aplicada indiscutível preponderância no concurso) que o afastam dos casos típicos ou normais em que a ganância do agente dirigida ao seu enriquecimento pessoal é o principal factor do crime. No caso, salvo uma única excepção, as vantagens destinaram-se a um clube desportivo e mesmo a única vantagem directa recebida pelo arguido não se dissocia da “vida” do clube porque foi destinada à campanha do arguido para a direcção do mesmo.
XL - Os fins e motivos da actuação do arguido no quadro das «constantes dificuldades económicas e financeiras do clube», não podem deixar de interferir na percepção comunitária do crime, atenuando as exigências de defesa do ordenamento jurídico que são, por regra e em abstracto, reclamadas pelo crime de corrupção. Por isso, no caso, a suspensão da execução da pena, se subordinada ao cumprimento de deveres destinados a reparar o mal do crime, não deixará de ser compreensível para o sentimento jurídico da comunidade e para a manutenção da sua confiança no direito e na administração da justiça.
XLI - Com a suspensão da execução da pena, acompanhada do dever de o arguido entregar a instituições de solidariedade social uma contribuição monetária adequada a reparar o mal do crime (art. 51.°, n.º 1, al. c), do CP), será assegurado, de forma adequada e suficiente, o efeito essencial de prevenção geral. Tendo em conta a situação económica e financeira do arguido, pessoa que vive muito desafogadamente de rendimentos prediais, na ordem dos € 10 000 mensais, sem necessidade de exercer qualquer actividade profissional remunerada, temos por ajustado fixar em € 100 000 a contribuição monetária que o arguido deverá entregar, no prazo de 6 meses, como dever a que fica subordinada a suspensão da execução da pena, pelo período legal de 15 meses (n.º 5 do art. 50.° do CP).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I

            1. No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, n.º 180/05.9JACBR, da vara de competência mista de Coimbra, por acórdão de 17/03/2011, foi decidido, além do mais:
            1.1. Absolver o arguido AA da prática de dois crimes de corrupção passiva [situação fáctica descrita no acórdão sob os pontos 2. e 8.] e de um crime de corrupção passiva para acto ilícito [situação fáctica descrita no acórdão sob o ponto 9.];
1.2. Condenar o mesmo arguido, AA pela prática, na forma consumada e em concurso real, de um crime, na forma continuada, de corrupção passiva para acto ilícito [o qual abrange as situações descritas em 1., 3., 4., 5., 6., 7.,10. da matéria de facto provada], p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 372.º, n.º 1, 386.º, n.º 1, alínea c), 30.º, n.º 2, e 79.º, todos do Código Penal, na pena de 4 anos e 5 meses de prisão, e pela prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 382.º e 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão [situação descrita sob o ponto 11. da matéria provada].
            E, em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, condenar o arguido AA, na pena única de 4 anos e 7 meses de prisão, com execução suspensa por igual período, acompanhada de regime de prova.
            1.3. Condenar a BB à perda das vantagens obtidas, nos termos dos artigos 111.º, n.os 1 e 4, e 112.º, n.º 2, do Código Penal, no pagamento ao Estado do montante equitativo de € 200.000,00, após trânsito em julgado da decisão.
            2. Tinham sido interpostos recursos interlocutórios pelo Ministério Público e pelo arguido, admitidos a subir a final, e foram interpostos recursos do acórdão pelo Ministério Público e pelo arguido.
3. Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30 de Maio de 2012, foi decidido, no que, agora, interessa considerar:
3.1. Negar provimento ao recurso interlocutório interposto pelo arguido.
3.2. Conceder parcial provimento ao recurso da decisão final interposto pelo Ministério Público, alterando a decisão recorrida na parte relativa à(s) pena(s) aplicada(s), e  condenar o arguido AA pela prática, na forma consumada e em concurso real, de um crime, na forma continuada, de corrupção passiva para acto ilícito [relativo às situações descritas nos pontos 1., 3., 4., 5., 6., 7. e 10. da matéria provada], p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 372.º, n.º 1, 386.º, n.º 1, alínea c), 30.º, n.º 2, e 79.º, todos do Código Penal, na pena de cinco 5 anos e 10 meses de prisão, e, pela prática de um crime de abuso de poder [relativo à matéria de facto descrita sob o ponto 11. da matéria provada], p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 382.º e 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão.
E, em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, condenar o arguido AA, na pena única conjunta de 6 anos de prisão.
3.3. Negar provimento ao recurso da decisão final interposto pelo arguido.
3.4. Manter, em tudo o mais, a decisão final recorrida.
            4. Do acórdão da relação interpuseram recursos para o Supremo Tribunal de Justiça o Ministério Público e o arguido AA.
4.1. O Ministério Público, no recurso interposto para este Tribunal, formulou as seguintes conclusões:
«1.º Na esteira do Professor Eduardo Correia é pressuposto do crime continuado a existência de uma relação que, de "fora" e de uma maneira considerável, facilite a repetição da atividade criminosa, tomando menos exigível ao agente que se comporte de acordo com o direito.
«2.º Não é, pois, qualquer solicitação que serve para dar apoio ao conceito de crime continuado, sendo necessário que ela seja tal que facilite de maneira apreciável a reiteração criminosa.
«3.º No caso em análise, não vislumbramos quaisquer circunstâncias exógenas que tenham facilitado a repetição das atividades criminosas levadas a cabo pelo arguido AA e que diminuam consideravelmente a sua culpa.
«4.º Não houve nomeadamente o aproveitamento da mesma oportunidade susceptível de atenuar a culpa, sendo certo que circunstâncias exteriores conscientemente procuradas e criadas para concretizar a intenção criminosa não poderão ser consideradas como facilitadoras da reiteração criminosa.
«5.º Mesmo o facto de em certo período de tempo, designadamente entre o início do ano de 2004 e o final de 2005, o arguido ter acumulado, em simultâneo, as funções de D… M… da A… do T… na C… M… de C… e de P… da A… (AA...-OAF) não tem, a nosso ver, a virtualidade de ter precipitado e facilitado a repetição da atividade criminosa.
«6.º Muito pelo contrário, pois estando em causa, no âmbito do primeiro daqueles cargos, o exercício de funções públicas, das quais são apanágio requisitos como a isenção, a imparcialidade, a probidade e a integridade, incumbia ao arguido um especial dever de se abster da prática dos factos que foram dados como provados e se, porventura, o exercício dessas funções podia servir-lhe de tentação, então tinha a obrigação de ser firme e resistir, com tenacidade, a essa tentação.
«7.º Aliás, na nossa ótica, longe de uma menor exigibilidade, só encontramos razões para censurar ainda mais a conduta do arguido.
«8.º Nesta perspectiva, revemo-nos, no essencial, na declaração de voto do Exmo. Senhor Desembargador Adjunto, constante de fls. 8090, que perfilha a tese do concurso efetivo de crimes de corrupção para ato ilícito e o consequente agravamento da pena unitária.
«9.º As circunstâncias em que os valores foram encontrados e apreendidos ao arguido, associadas ao facto de este haver recebido montantes até ao final de 2005, altura em que cessou as funções públicas, é lícito intuir, na ausência de outros elementos de sentido diverso ou contrário, que ilidam a presunção do art. 7º da Lei n.º 5/2002, de 11/1, que aqueles valores eram provenientes de dádivas ilegais semelhantes àquelas em que se funda a condenação.
«10.º Por outro lado, para além de se não haver obtido prova acerca da situação de insuficiência patrimonial ou financeira do beneficiário dos produtos dos crimes, também não se justifica a redução da devolução se tais vantagens foram utilizadas para fazer face às obrigações decorrentes da atividade normal de um clube de futebol profissional.
«11.º Violou, assim, em nosso entendimento, o acórdão do Tribunal da Relação por incorrecta interpretação, entre outras, as normas, dos arts. 30º, 40.º, 71.º, 77.º, 78º e 79º e 112º, todos do Cód. Penal, e 7º da Lei n.º 5/2002, de 11/1.
«12.º Deverá, por conseguinte ser revogado, na parte em que qualificou a conduta do arguido AA como um crime continuado de corrupção passiva para ato ilícito e ser o mesmo condenado pela prática, em concurso efetivo, de cinco crimes de corrupção passiva para ato ilícito e de um crime de abuso de poderes, na pena única, em resultado de um novo cúmulo jurídico a efetuar, não inferior a 8 anos de prisão, e não se proceder à redução do valor das vantagens do crime, com a perda dos montantes apreendidos, ao abrigo do art. 7º da citada Lei n.º 5/2002.»
            4.2. O arguido AA formulou, no recurso para este Tribunal, as seguintes conclusões:
«B1: É indúbio que ao regime especial da prova por declarações e, bem assim, ao das declarações das partes civis, não se aplica o artigo 145°- 3, no que toca a estes meios de prova produzidos em audiência. Ora,
«B2: embora sem adscrição legal expressa ou implícita, o arguido, aquando da apresentação da contestação (artigo 315° CPP), optou pela formulação de quesitos, relativos à produção da prova pericial
«B3: a qual, sem que se antolhe qualquer razão para tanto, à semelhança da documental, viram as respetivas produções indeferidas, quando se afigura que seria mister, no mínimo, a Mmª presidente e, posteriormente, o tribunal da relação de Coimbra, a prolação de um despacho convidando à retificação, se fosse justificadamente caso disso, sendo pois certo que a omissão de tal despacho inconstitucionalizou o artigo 315° do CPP, por violação do artigo 32°-1 da CRP. Ora,
«B4: verifica-se mais uma omissão de jaez semelhante ao precedente, por as instâncias, "agarrando-se" acriticamente ao conteúdo do chamado "princípio da suficiência"— o qual bem vistas as coisas face às atuais exigências constitucionais e a legalização da suficiência da "insuficiência (art. 7º do CPP, por um lado e 32º-1 da CRP por outro) —, omitiram pronúncia acerca do princípio da "ordem jurisdicional administrativa", suscitado no recurso da decisão da 1ª instância é agora renovado, com a consequente violação do artigo 213º-3 da CRP e seus reflexos no citado artigo 7º e a já referida decorrente violação do artigo 32º-1 da CRP. Incorreu, destarte, o acórdão na nulidade do artigo 379º-2- c) do diploma penal adjetivo.
«B5: Escreveu-se no acórdão recorrido — conf. motivação supra A3.1.1. — a propósito do "timing" escolhido pelo agora suplicante para a prestação das declarações de arguido — no caso, finda a produção da demais prova em 1ª instância — que disso não retirou a instância qualquer "efeito probatório relevante" (mas adequou as declarações à demais produção de prova...). A despeito disso, a 1ª instância (pág. 79 do acórdão) dando o dito por não dito, sempre valorou as declarações do recorrente (pelo menos) no que tange os pontos 1.4. a 1.9., como expressamente reconhece.
«B6: Esta pretensa "adequação" das declarações do arguido em audiência e seu encarecimento, violadora na essência que é do disposto no artigo 61º-1-d) do CPP — norma que mais não é do que uma exemplificativa concretização do art. 32º-1 da CRP, no que toca o catálogo de direitos do arguido (conf. ainda artº 343º, em especial nº 1, norma violada), é defraudatória dos artigos 9º, al. b) e 2º da CRP.
«B7: O referido posicionamento jurisdicional é claramente demonstrativo do "pré-juízo" que ab ovo se apoderara dos senhores juízes e sob cujos contornos se discreteia largamente na motivação supra, sob A4 Apesar deste circunstancialismo ter materializado, na motivação anterior, uma autónoma conclusão, aquela 13a, a cuja ostracização procedeu o acórdão, uma vez mais, fez com que este incorresse na já falada nulidade por omissão de pronúncia [( artº 379º-1- c)].
«B8: Circunstância exasperada pela ignorância a que a 2ª instância votou as conclusões B15 e B16 do primeiro recurso da decisão final, o que fez com que o acórdão, de novo, incorresse em nulidade por omissão de pronúncia.
«B9: O mesmo devendo dizer-se a propósito das conclusões 16ª a 20ª, não tendo o tribunal emitido pronúncia acerca da luminosa afirmação segundo a qual a "entrega de donativos à AA.../OAF não é em si algo de indevido, apenas passando a sê-lo, da perspetiva de quem os concede, quando determinada apenas pela obtenção de benefícios pessoais".
«B10: o que constitui afirmação segura em favor do recorrente, que não se viu posta em causa.
«B11: Quanto ao ambiente de temor, o facto de as instâncias, sobretudo a 1ª não o combatendo in loco e a 2ª não o esconjurando juridicamente, o terem placidamente suportado, faz com que não possam ser admitidas as testemunhas que dele se deixaram apoderar, o que conduz à nulidade e, como tal, inutilizibilidade dos depoimentos eivados dele, conduziram à violação do disposto no art. 323º, al. e), convertendo o processo num lide inequitativa (art. 20º- 4, in fine da CRP) e, em especial, por violação do art. 126º-2, do processo relativo aos J… do M….
«B12: Quanto ao F… e adiantando argumentos, a despeito da matéria ter merecido, na 1ª instância, por parte do postulante, alguma atenção, o disposto nos artigos 230º-2, 2º e 13º do Código Comercial foram objeto do absoluto menosprezo por banda do tribunal, embora a sua consideração fosse decisiva, uma vez que se sabe não era é ele agora comerciante ou empresário - e para o futuro: como adivinhar?— para a dilucidação da questão jurídico-penal.
«B13: No que toca ao Parecer da autoria de FIGUEIREDO DIAS/COSTA ANDRADE o acórdão, reconhecendo a insuperabilidade da argumentação, saúda-o efusivamente para logo de seguida, permita-se a expressão, deitá-lo pela "borda fora" com a "justificação" de que o mesmo pressuporia factos não provados, e é co- subscrito por um amigo do recorrente, em nada enodoando o outro. Todavia, é claro, não elencados tais factos, (não provados) o que fez com que a sua irrelevância prática prejudicasse o direito de defesa do recorrente — art. 32º-1 CRP — inibindo-o de exercer o contraditório — art. 32º-5, segunda parte da CRP.
«B14: No que concerne as conclusões B17 a B20 da anterior motivação a apreciação do tribunal recorrido traduz-se no silêncio em que é contumaz.
«B15: No tocante ao escrito na conclusão B19 do recurso anterior — conf. motivação supra sob A8.3.1. — o acórdão reconheceu a inexecução da "qualquer ato ilícito nulo ou substancialmente inválido" da parte do suplicante sem daí retirar as legais ilações que terão de ser a afirmação da irrecorrência do tipo. Por conseguinte, foi violado o princípio da tipicidade das infrações criminais decorrente do artigo 1º-1 do C P e 32º-3 da CRP, pelo que a conclusão, desde já, salta aos olhos: procedência do presente recurso, com declaração de absolvição do arguido.
«B16: Quanto à anteriormente assinalada conclusão B20 o acórdão padece do mesmo mal que se refere às anteriormente apontadas, ao omitir a indispensável explicação — motivação — da respetiva ratio decidendum, assim vencendo pela "razão" da força que a lei lhe atribui, mas obliterando a "força da razão" que é a pedra de toque de uma verdadeira decisão judicial, ao serviço da imparcialidade, matéria a (des)propósito da qual o acórdão claudica, o que não nobilitou a aplicação da JUSTIÇA entre nós.
«B17: Acórdão no que atine as conclusões 30º e 31º— conf. agora ponto A9 da motivação supra — como vai explicado e é de mais do que suficiente clareza, o tribunal "safou-se" de tomar posição, treslendo, salvo o devido respeito, a prosa em questão, pelo que, um(a) vez mais incorreu, desta feita dolosamente, em omissão de pronúncia, se não mesmo em denegação de justiça,
«B18: Mais especificamente no que concerne a conclusão B31 não se descortina o vício ou irritude de a mesma versar sobre matéria de direito. Erro (nulidade), isso sim, radica no facto da recusa de conhecimento, com a consequente emissão de pronúncia, pelo que se está perante nova nulidade daquelas em que o "ensaio" de acórdão — afirmação que se faz sem quebra do devido e já de longa data nutrido respeito — é pródigo: omissão de pronúncia, nos aqui referidos termos legais.
«B19: E mais: como o PARECER que irá junto com a presente minuta demonstra sem mácula e sem possibilidade de contraditório acertado como, de resto, se afigura evidente, as instâncias — tem-se agora especialmente em vista a conclusão B31 do primeiro recurso — ignoraram, pura e simplesmente, as realidades jurídicas atinentes ao direito do urbanismo, de que lhes cumpria curar, pelo que os erros eram inevitáveis e, sabendo-se ser este ramo de direito uma especialização do direito administrativo geral, que o recorrente estupefacto ante a circunstância de nunca se fazer referência a qualquer norma do Código do Procedimento Administrativo, designadamente ao disposto nos artigos 44º, 56º, 86º a 89º, 120º, 121º, 129º, 132.º, 140º e 141º, os quais, por conseguinte resultaram violados.
«B20: lacuna que, como o demonstram F… P… O…/D… L…se mostrou decisiva quanto a muitas das decisões erradas assumidas e que contribuiu para o descalabro decisional.
«B21: O mesmo se diga no que concerne as conclusões B36 e B37 — aquela de teor crucial no que toca a matéria de direito — o que integrou mais um vício do acórdão que deverá conduzir à respetiva anulação.
            «B22: No tangente às conclusões B45, B46, B47 e B48 - respeitantes ao caso J…P… - a despeito da essencialidade das mesmas na economia da matéria dos autos, uma vez mais o obstinado mutismo apenas truncado através de uma longa citação dos dizeres do acórdão recorrido — págs. 39 a 43 — o que em nada refuta o argumentário do recorrente, nem sequer lhe respondendo, à laia de quem quer fugir a uma questão com a consequente nulidade legalmente cominada na norma acima amiúde referida — art. 379º-1-c).
«B23: À afirmação constante da conclusão B51 de fs. 393, do anterior recurso, a qual reproduz uma "confissão" da 1ª instância de ausência de prova de determinado facto e, bem assim aquela nº 52, foram objeto de um mero jogo de palavras em termos, de resto, já dilucidado, não se mostrando qualquer das demais bordadas a propósito do "caso GG " credoras da reflexão e resposta da banda da instância, o que nos reconduz à nulidade por omissão de pronúncia, que expressamente se invoca. Aliás,
«B24: enquanto se esperou pela apreciação crítica do tribunal a propósito da conclusão B52, este também a tal propósito se remeteu a obstinado mutismo, o qual, como já pode concluir-se constituiu a linha de rumo traçada e entretecida pelos senhores desembargadores, com a consequente nulidade "do costume".
«B25: No que toca o "affair" DD - conclusões 54 a 62, respeitantes à matéria de facto — por se tratar de questões de contornos jurídicos complicados, uma vez mais o tribunal arrumou a questão de forma sumaríssima, per suma capita, não dedicando à grande maioria das conclusões e a outras apenas as verbalizando sem discutir do respetivo mérito, pelo que, de novo, o tribunal "prevaricou", assim incorrendo em mais uma ostensiva e gritante nulidade por omissão de pronúncia.
«B26: No atinente ao caso EE também o tribunal pouco ou nada adiantou, dedicando à problemática quatro páginas, das quais duas e meia são a mera reprodução ipsis verbis de trecho do acórdão recorrido. Com efeito
«B27: faleceu, além do mais, a concretização dos "significativos e importantes pareceres" aludidos na motivação e objeto da conclusão B66 anterior, dos quais apenas se tem conhecimento com base na declaração genérica da 1ª instância, cuja identificação o postulante ignora, cerceando-lhe destarte a possibilidade de apreciá-los e explicar, sendo caso disso, a respetiva razão de ser e o demais também constante da conclusão B66, pelo que há que concluir da mesma forma do costume: nulidade por omissão de pronúncia (art. 379º-2-c) do CPP).
«B28: Quanto ao caso FF, dele se ocupou o recorrente, além do mais, nas conclusões B72 a B84, tendo-lhe o tribunal respondido com a invocação da conclusão 75ª, de todo alheia à problemática de que nesse passo se curava, sendo certo que, contrariamente ao aflorado no acórdão, o recorrente não retirou, em qualquer momento, conclusões probatórias previamente assumidas, sendo certo que a conclusão probatória em questão, consta expressamente do acórdão,
«B29: sendo ainda certo que como demonstram as duas ilustres Parceristas e Jurisconsultas, não se verificou, da parte do recorrente, a prática de qualquer ato ilícito ou contrário aos deveres do seu cargo.
«B30: A conclusão respeitante ao caso GG (matéria de facto) terá necessariamente de ser constituída pelas palavras expendidas a tal propósito no ponto A16 da motivação.
«Finalmente (quanto ao que tem sido objeto de consideração),
«B31: o caso Dr. "HH": para além do que, a propósito, ficou escrito sob A12.7. do primeiro recurso, que se dá por aqui reproduzido, uma vez que não se enxerga qualquer motivo válido para que assim não seja — aí motivação pág. 353 —, é motivo de estranheza e de erro de direito na apreciação da prova, o (não) valor conferido às declarações do suplicante quando a este propósito, apesar de o tribunal ter admitido a concordância entre estas e as da testemunha Eng° II.
«B32: No que se refere à "célebre" questão do prazo mal contado, embora se trate de matéria com significado na condenação aplicada ao recorrente, a relação descurou-a em absoluto, embora esteja implícito na conclusão B88 e, bem assim, não curou do demais do despacho, quando se lhe impunha considerar que utile per inutile non vitiatur e o resto do despacho se manteve com pleno vigor e eficácia. Por assim não ter sido considerado, redundaram violadas as conclusões B88 e B89.
«B33: A primeira frase do acórdão de fs. 93, foi claramente eivada do pré-juízo a que tem vindo a fazer-se referência acima no decurso da motivação.
«B34: Item A15.2. do 1º recurso: o tribunal não entrou em linha de conta com o aí referido de espaço, sendo ainda de realçar agora, na sequência da récita que, como aí se refere, a extensa transcrição de parte do acórdão (ponto quinto) não se mostra ilustrada com a alusão de qualquer situação da vida real inter processual validamente adquirida, o que consubstancia uma situação de ausência de motivação, violadora do disposto no art. 374º-2 do CPP e, dessarte, inconstitucionalizadora do genérico dever de motivação, ex vi art. 205º da CRP.
«B35: E, sem embargo da desconsideração das declarações legal e validamente prestadas pelo arguido, no momento em que entendeu fazê-lo — como não é ignorado pelo comum dos juristas, nada o obrigava a tanto — apesar de considerá-las "batoteadas", abriu aqui uma exceção (pontos 1.4 a 1.9) o que constitui uma contradição insanável na fundamentação, exprobrada pelo art. 410º-2-b) do CPP.
«B36: É ainda credor de censura o erro consistente na afirmação "podendo contrapor-se desde logo qual o fundamento para aceitar a prática de pagamentos..., como contrapartida de despacho prioritário, sublinhado agora: interpolação — quando não se sabe qual a demora do comum dos despachos..., interpolação — e a contento na câmara", o que pressupõe um "pagamento", i. é, uma forma de extinção das obrigações, sendo que as entregas a favor da AA.../OAF são sempre consideradas donativos e, por conseguinte, insuscetíveis de contrapartida da parte do beneficiário.
«B37: Cumpre assinalar, porquanto algumas vezes o tribunal parece compreender a apelação como se de uma revista se tratasse, que só se cumprirá o direito à defesa se o tribunal de recurso avaliar também, a matéria de direito, incluindo o Parecer, sobre o qual proferiu alguns desabafos (ora de irrestrito aplauso, ora encarecendo a isenção, logo a honestidade de um dos seus doutos subscritores, ou referindo a respetiva inaplicabilidade à hipótese dos processos em vista, o que significa considerá-lo parte integrante do inter processual). Porém,
«B38: no intuito claro de fugir às questões jurídicas controversas, o acórdão, como se tivesse sete pés, desconsiderou tudo o que fosse "desagradável" para a acusação e pronúncia e, já decidida aprioristicamente julgada a condenação, partiu do erro que só muito dificilmente poderá considerar-se, salvo o devido respeito, ingénuo, de que não estaria provado que o recebimento fosse devido e os atos não ilícitos, quando o Parecer nunca infirmou o recebimento de vantagens e a prática de atos; salienta-se, isso sim, é que a despeito de uma e outra dás referidas circunstâncias, não se verificou a consumação de qualquer corrupção passiva própria.
«B39: Repousando na perspetiva de que não se provou nem o recebimento indevido, nem a prática de qualquer ato ilícito formalmente válido e definitivo por parte do recorrente, não se enxerga a que outra solução poderia chegar o Parecer e, digamo-lo francamente, qualquer jurista com "espírito de tábua rasa". Aliás, por sua banda,
«B40: o acórdão, estrenuamente agarrado ao pré-juízo no qual ele repousa, como lhe fosse possível dormir o sono dos justos, sem conceder relativamente a ele, não demonstra como pôde considerar a existência de pagamentos — sem prejuízo para as considerações acima bordadas a propósito do referido nomen iuris — alegadamente destinados a suscitar as boas graças dos serviços camarários
«B41: pré-juízo esse que se radicou logo à partida no facto do JJ ter feito ao recorrente um mútuo gratuito — que, como é do conhecimento generalizado das pessoas com a cabeça limpa — nada tem a ver com uma doação ou um donativo, que foi o benefício que a AA.../OAF auferiu, sem que tal possa ser-lhe reprovado, como o acórdão amiúde acentua e a justo título.
«B42: Não se tratou pois, hoc sensu, de qualquer vantagem, para mais, de cariz indevido ou ilícito mas, mais concretamente, de mero incremento patrimonial da autoria benemérita de um terceiro. Por outro lado,
            «B43: o recorrente não pode aceitar sem total acrimónia o infeliz asserto segundo o qual, enquanto DMAT "solicitou e aceitou quantias monetárias...pelas quais se deixou motivar no exercício das mesmas, recebendo para o efeito vantagem patrimonial indevida", deparando-nos aqui além de uma circunstância inexata, com um inciso várias vezes contrariado na récita do acórdão, pelo que no mínimo pode e deve falar-se em contradição insanável — art. 410°-2-b) do CPP — com a inelutável consequência da anulação dos acórdãos ou, no mínimo do da 2ª instância.
«B44: E mais: a afirmação da decisão que vem de escalpelizar-se - à semelhança de resto de outras que inçam a mesma — não concretiza minimamente quais as quantias monetárias que aceitou para si, nem a respetiva proveniência, o que coloca o recorrente na medonha situação de não poder exercer o contraditório, com violação do art. 374º-2 do CPP e 32º- 5 da CRP,
«B45: Pelo que se tornou evidente a irritude dos acórdãos ao condenarem o recorrente pela sua relação com o JJ (J… do M…) e assim V. Ex.ªs devem revogar o acórdão recorrido, considerando que o recorrente deve ser absolvido desde logo a este respeito e determinando que a relação de Coimbra julgue nessa conformidade.
«B46: Ainda mais uma reflexão, esta concretamente versando o art. 372º- 2 e o caso LL, para melhor esclarecimento de raciocínios já expendidos. Como visto, este não assumia as condições legais para ser considerado empresário da construção civil ou outro ramo da atividade económica, nos termos do art. 230º do Código Comercial e, atenta a sua idade, é inverosímil a inferência segundo a qual viesse a ter, para futuro, pretensões perante a CM. A consideração contrária — afinal a assumida pelas instâncias — feriu de morte o princípio da tipicidade das reações criminais, tornando o referido comando do art. 372º- 2, no caso, materialmente inconstitucional, nos termos já acima concluídos — conclusão B12 — consagrado no art. 11º, do CP, preceito de direito legislado de natureza análoga aos constitucionais e 29º- 3 da CRP, normas que resultaram violadas.
«B47: Nos termos do art. 372º-1 do C.P. para que a hipótese legal resulte preenchida é mister a verificação de um duplo condicionalismo: por um lado que o agente público manifeste uma intenção que seja do efetivo conhecimento do destinatário e, por outro que ela se traduza na prática de um ato concreto e ilícito. Ora,
«B48: ante a não comprovação, por improvada, do elemento subjetivo — que o arguido tivesse agido com intenção de beneficiar algum dos doadores, a conclusão torna-se recípua: a falta do referido elemento acarreta inelutavelmente a atipicidade do comportamento, razão pela qual o referido normativo redundou violado. E ainda mais: só mediante a compreensão da decisão por banda de um leitor de inteligência normal, se cumpre a função endo processual da sentença, razão em homenagem à qual a lei exige a fundamentação, como decorre dos artigos 97º e 374º-2 do CPP e 205º da CRP. Normas as quais redundaram outrossim violadas face às reiteradas omissões de pronúncia, por um lado e a não especificação ou concretização de quais os atos contrários aos deveres do cargo, por outro.
«B49: E ainda: o tribunal limita a referência a uma tal ou qual dificuldade de compreensão — motivação supra, A21.14.2. — sem que tivesse feito algum esforço para superá-la. O que significa que o pretório não conseguiu ultrapassar toda a dúvida razoável, pelo que a aplicação do princípio do in dubio pro reo, com assento no art. 22º-2 da CRP se lhe impunha. Por conseguinte foi violado o assinalado comando constitucional, nos termos da lei (art. 18º-1 da CRP), no caso, de aplicação direta.
«B50: E mais: a afirmação do acórdão transcrita do ponto A21.14.1. da motivação e constante de fls. 108 daquela peça segundo a qual a utilização do donativo lhe iria acarretar na gestão do clube, na qualidade ambivalente da sua vida profissional, futuros constrangimentos, sem a menor referência ao âmbito da respetiva "atuação", é mais uma demonstração de que os doutos julgadores de ambas as instâncias, tinham os seus espíritos diabolizados pela ideia fixa em que se traduz o pré-juízo, pois as instâncias não referem um ato concreto que julguem demonstrativo dessa circunstância, não valendo as meras afirmações conclusivas, destituídas de âncoras factuais.
«B51: A mera referência aos "pareceres técnicos" não contribui para vencer a aporia pois, desde logo refere-se a eles de forma genérica, obliterando que esse era um dos aspetos fulcrais da atuação do DMAT, por um lado e, por outro quais deles foram efetivamente inquinados por peita ou peitas que as instâncias consideraram não provadas, encarecendo que os donativos foram feitos a exclusivo favor da AA.../OAF. Com efeito,
«B52: para dilucidar com completude esta matéria, haviam os senhores juízes, que não adregaram fazê-lo, como se lhes impõe no termos da primeira parte do art. 32º- 5 da CRP, lançar mão do disposto no art. 340º do CPP, norma que constitui a densificação da vertente inquisitória da estrutura acusatória. Por não o terem feito, não se procedeu à investigação esgotante, em julgamento, de matéria de importância decisiva para a definição da sorte dos autos, o que originou a insuficiência da matéria de facto — art. 410º- 2-a) CPP. O julgamento deve, pois, ser anulado.
«B53: A questão do Parecer F. DIAS/C.ANDRADE: atenta a posição assumida pelo acórdão, denegatória — vá lá saber-se porquê!...ou talvez não...— da atenção da qual o mesmo é assumidamente credor, com base em razões que não explicita, a verdade é que mesmo com a factualidade que está não haveria crime de corrupção para ato ilícito e só se cumpriria o direito à defesa se o tribunal tivesse dedicado ao argumentário jurídico o mesmo ou, no mínimo, idêntico esplendor quantitativo que dedicou à matéria de facto tão da sua simpatia, O facto, acompanhado da forma pouco elegante, salvo o devido respeito, como o tribunal se desenvencilhou da matéria que juridicamente afasta, sem remissão, a tese delituosa, quando esta estava plenamente assumida e na verdade desde o princípio pode explicar muitas coisas que seria melhor terem ficado desnudas e não terem coartado ao recorrente um grau na matéria de direito, como sucedeu e assim o espoliou do direito ao recurso — art. 32º- 1, in fine da CRP.
«B54: Quanto à situação atinente a JJ deverá começar por acentuar-se que da perspetiva legal e da dogmática, nada torna impossível a existência de um mútuo gratuito, isto é, sem contrapartida para o mutuário que não seja a mera restituição do capital mutuado, como sucedeu na hipótese dos autos, sendo, por conseguinte indiscutível que um empréstimo, nestas condições, nada tem de ilícito ou censurável, isto é que tal contrato não cabe no conceito de "vantagem indevida", razão pela qual, a fortiori, redundam indiscutíveis as consequências já acima preconizadas na conclusão B45.
«B55: DD: é o próprio acórdão que transporta os germes da sua autodestruição, ao afirmar. “O arguido aceitou praticar atos compreendidos nas suas funções de DMAT, visando dar acolhimento às pretensões de DD que de outra forma não teria praticado, contra as normas destinadas a regular às concretas solicitações dirigidas aos serviços camarários". "Atos"? Quais atos?
«"Pretensões"? Quais?
«"Normas destinadas a regular, etc."? Que normas? Razões a apontarem no mesmo sentido do preconizado, como solução correta, acima na conclusão B45.
«B56: No que toca o EE referir-se-á, por desnecessidade de demais, o erro de julgamento adveniente do desconhecimento, por parte do pretório, de conceitos elementares do direito do urbanismo, ao que parece substituídos por noções correntes do contrato de empreitada. É que a decisão principal do presente procedimento, o licenciamento das alterações, não foi da responsabilidade de AA: a decisão principal de deferimento da pretensão foi, isso sim, da autoria da Câmara Municipal, tendo-se o então Diretor Municipal limitado a intervir na correspetiva fase de instrução, isto é, na fase destinada à recolha dos elementos indispensáveis para a determinação do conteúdo do ato administrativo a praticar. Quanto a este caso, pois, deverão V. Exas, outrossim, julgar da forma preconizada nos casos JJ e LL.
«B57: Agora o MM: a atuação do arguido, no caso dos ascensores, integrou a mera fase (preparatória) da instrução de um procedimento. Relativamente à conduta do agente deve considerar-se que a solução adotada neste processo era a postulada pelo princípio da proporcionalidade, afigurando-se que esta (um elevador para seis pessoas antes que dois para oito enquadrada toda a situação e suas decorrências) solução que veio a ser adotada revela-se a mais equilibrada, apresentando-se como a que melhor serve os interesses dos utentes.
«B58: No que concerne o prédio da rua J… M… — ainda MM — (matéria de direito), como ficou demonstrado na motivação conf. A23 a relação não se dignou prejudicar os argumentos expendidos pelo ora recorrente razão pela qual incorreu em mais uma situação de omissão de pronúncia — art.º 379º, nº 2, al. c) do CPP, o que traz consigo inexoravelmente a anulação do acórdão agora posto em crise. A conclusão é, pois, à semelhança das hipóteses alegadamente delituosas anteriormente examinadas, a do provimento do presente recurso com absolvição do recorrente também no que toca ao que tem vindo a ser examinado ou, a não concordar-se com tal solução anulando V. Exas o acórdão recorrido para que a relação profira novo acórdão compaginado com a solução que v. exas. tiverem por boa.
«B59: GG: a relação honrando o que dissera anteriormente acerca da especialização das jurisdições prova essa necessidade pela dificuldade que mostra em lidar com conceitos que extrapolem o direito penal em sentido estrito (direito penal geral e especial). E assim, fez apelo à figura jurídica da compensação não para configurar a extinção de duas obrigações recíprocas mas para aludir à prática de um ato ilegal motivo pelo qual o acórdão - e "nesta matéria", em verdade, o mesmo não se mostra peco como a argumentação anterior demonstra - uma vez mais incorreu em erro de direito, pois desconhece-se no âmbito dos nutridos presentes autos qualquer situação recoberta pela figura jurídico-privada da compensação. Em suma: também quanto a esta situação o recorrente não pode deixar de preconizar da mesma forma que o fez no atinente à solução final, isto é, absolvição do arguido ou não se decidindo assim, a anulação do acórdão recorrido para que este prolacione consonante com o que acima se defendeu.
            «B60: NN: a este propósito o acórdão, uma vez mais, confunde conceitos do direito civil - nos tempos em que se estudava está visto, qualquer aluno do 1º ano de direito tinha de ser conhecedor sob pena de, não o sendo, reprovar. Com efeito, para além de não mostrar ideias claras acerca dos atos de comércio objetivos e, em especial, das operações de banco, tem para si, à maneira dos usurários, que todos os mútuos civis são onerosos, razão pela qual, para além das de facto, o recorrente deve ser absolvido ou não se entendendo assim, anulado o acórdão recorrido com as mesmas consequências anteriormente preconizadas nos casos examinados.
«B61: Quanto, por fim, o caso HH, pelas razões, já adiantadas no recurso anterior, deve o suplicante ser absolvido.
«B62: Da pena aplicada em sede de recurso: o tribunal a quo, dando, em parte provimento ao recurso do Mº Pº agravou a pena (suspensa) que fora aplicada ao postulante em 1ª instância, para agora, pelos crimes que mereceram (da irrita perspetiva do acórdão), proceder à respetiva agravação, em medida efetiva. Porém,
«B63: cumpre não esquecer que, como demonstrado, o acórdão terá de soçobrar na condenação, pois face ao referido apenas três hipóteses se antolham como conformes à lei: a absolvição do arguido, a anulação dos acórdãos ou a repetição do julgamento. Porém,
«B64: ainda que assim não se entendesse, o acórdão deveria ser revogado a este propósito, admitindo-se como hipótese de raciocínio e só nessa medida, a condenação do arguido (art. 372º) por um crime continuado (art. 30º) de corrupção na pena de três anos de prisão e pelo delito de abuso de poder (art. 382º) na pena de seis meses de prisão e, em cúmulo jurídico destas penas na de 3 anos e 4 meses de prisão, pena esta, suspensa na sua execução por igual período, caso em que poderia afirmar-se ter o acórdão recorrido violado, os artigos 372º-1, 382ºem referência ao art.ºs 386º, 71ºe 79º, todos do CP. E ainda,
«B65: revogado o acórdão no que respeita a condenação da AA.../OAF, a pagar ao Estado a quantia de € 200 000 (duzentos mil euro), não só porque a AA.../OAF nunca foi arguida, o que constitui a nulidade insanável cominada no art. 118º, als b) e c) do CPP e a inexistência processual subjacente, pois além do referido nunca prestou declarações ou foi ouvida no decurso do processo, o que constitui a violação do art. 2º do CPP e 32º-1 da CRP, normas que foram violadas.»
            5. Aos recursos foram apresentadas respostas.
            5.1. O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido, pronunciando-se no sentido da respectiva improcedência.
            5.2. Respondendo ao recurso do Ministério Público, sustentou o arguido a respectiva improcedência.
            6. Proferido despacho a admitir os recursos, foram os autos remetidos a este Tribunal.
            7. Na oportunidade conferida pelo artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal[1], o Ministério Público emitiu parecer:  
            7.1. Quanto ao recurso do Ministério Público, acompanhando-o no que respeita à questão do crime continuado e no sentido da confirmação da decisão recorrida, no que se refere à liquidação 
            7.2. Quanto ao recurso do arguido, remetendo para a resposta apresentada pelo Ministério Público na 2.ª instância.
            8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido veio aos autos elencar as razões da sua discordância relativamente ao parecer, para concluir como na motivação do recurso dirigido a este Tribunal.
            9. Não tendo sido requerida a realização da audiência (artigo 411.º, n.º 5, do CPP), e sem prejuízo da inviabilidade do recurso do arguido, nalguns dos aspectos nele compreendidos, e da manifesta improcedência do recuso do Ministério Público, quanto à questão da liquidação, foram os autos remetidos à conferência para julgamento do recurso (artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP).
            Previamente, porém, observou-se o disposto no artigo 424.º, n.º 3, do CPP, prevenindo o arguido da possibilidade de alteração da qualificação jurídica das condutas que a relação considerou integradoras do crime de corrupção do artigo 372.º, n.º 1, do Código Penal.
            Pronunciando-se ele, em súmula, para o caso de este Tribunal manter todas as “condenações”, embora no quadro da anunciada possibilidade de alteração da qualificação jurídica, pela aplicação de pena de multa ou, no caso de aplicação de pena de prisão, pela suspensão da respectiva execução.     
            Colhidos os vistos, com projecto de acórdão, realizou-se a conferência.
            Dos trabalhos da mesma procedendo o presente acórdão.  


II

            1. Para que se ganhe em clareza de exposição e até de mais fácil compreensão das questões colocadas nos recursos, particularmente no recurso interposto pelo arguido, começaremos por analisar o acórdão recorrido nos aspectos que relevam para a decisão dos recursos
***
            1.1. O acórdão recorrido conheceu de dois recursos interlocutórios, um interposto pelo Ministério Público, outro interposto pelo arguido, e de dois recursos da decisão final, um interposto pelo Ministério Público e outro interposto pelo arguido.
            Como resulta do acórdão recorrido, o recurso interlocutório interposto pelo arguido tinha por objecto o despacho judicial subsequente à apresentação da contestação pelo arguido, pelo qual foi indeferida a produção de prova pericial e de prova documental.
***
             1.2. Conhecendo dos recursos interpostos da decisão final, o acórdão da relação apreciou:
– a nulidade da falta ou insuficiência da fundamentação, suscitada pelo arguido,
– a ocorrência dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP e o erro de julgamento da matéria de facto, questões suscitadas nos recursos do Ministério Público e do arguido,
– as questões relativas aos erros de subsunção (erros de qualificação jurídica dos factos), suscitadas pelo arguido,
– a questão da subsunção das condutas qualificadas como crime de corrupção para acto ilícito à figura do crime continuado, suscitada pelo Ministério Público,    
            – a questão das medidas das penas, parcelares e conjunta, suscitadas pelo Ministério Público,
            – a questão da improcedência da liquidação, suscitada pelo Ministério Público, e a questão relativa à decisão de perda de vantagens, suscitada pelo arguido.
            E, como já referido, o acórdão da relação, apenas concedeu parcial provimento ao recurso do Ministério Público, no aspecto das medidas das penas, parcelares e conjunta, no mais negando-lhe provimento, e julgando totalmente improcedente o recurso do arguido.
***
            1.3. Assim, a relação manteve inalterada a decisão proferida na 1.ª instância sobre matéria de facto e a qualificação jurídica dos factos dados por provados, decidindo, como se extrai da fundamentação de direito do acórdão recorrido, quanto à subsunção jurídica dos factos provados, o seguinte:
:           1.3.1. Preencher os pressupostos do crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo artigo 372.º, n.º 1, do Código Penal[2], conforme método de referência à matéria de facto dada por provada, seguido no acórdão recorrido:
a situação descrita no ponto 1 da matéria provada – empreendimento “J…do M…”, do empresário JJ, sob a titularidade da sociedade “Q… do J…, Gestão e Empreendimentos Turísticos, SA”;
            – a situação descrita no ponto 3 da matéria provada – relativa ao empresário LL;
            – a situação descrita no ponto 6 da matéria provada – relativa ao empresário DD, sócio e presidente do Conselho de Administração da empresa “DD Construções SA”;
            – a situação descrita no ponto 7 da matéria provada – relativa ao empresário EE, sócio da “F…M… S…, Ld.ª”;
            – uma das situações descritas no ponto 10 da matéria provada – relativa ao empresário MM (prédio da Rua V… de C…).
               1.3.2. Preencher os pressupostos do crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artigo 373.º, n.º 2, do CP, conforme método de referência à matéria de facto dada por provada, seguido no acórdão recorrido:
a situação descrita no ponto 4 da matéria provada – relativa ao empresário NN, sócio da sociedade “NN & NN, Construções, Ld.ª”;
            – a situação descrita no ponto 5 da matéria provada – relativa ao empresário GG, sócio da empresa “C… e M…, Ld.ª”;
uma das situações descritas no ponto 10 da matéria provada – relativa ao empresário MM (prédio da Rua J… M…).
               1.3.3. Preencher os pressupostos do crime abuso de poderes, p. e p. pelo artigo 382.º, com referência ao artigo 386.º, n.º 1, alínea c), do CP, conforme método de referência à matéria de facto dada por provada, seguido no acórdão recorrido:
            – a situação referida no ponto 11 da matéria provada, relativa a HH / sociedade “V…, Ld.ª
***
            1.4. A matéria de facto provada que, no acórdão da relação, foi considerada para a decisão de direito é a que passamos a transcrever (expurgada, portanto, da matéria de facto provada anódina, na perspectiva da solução condenatória, e da matéria de facto dada por não provada), introduzindo-lhe nós títulos, no Ponto II, para destaque das “situações” identificadas na fundamentação e na decisão, conforme método de explanação seguido no acórdão recorrido.
«I
«1.1. O arguido AA foi convidado a superintender a D… M… de A… do T… na C…M…de C…, com a estrutura evidenciada no cronograma de fls. 19 – do processo originário 180/05.9 JACBR – que aqui se dá por reproduzido, tendo sido nomeado em comissão de serviço pelo período de 3 anos por despacho de 30 de Dezembro de 2002, n.º 70/02-PR, de fls. 3555, cujo teor se dá por reproduzido, sendo empossado a 25 de Março de 2003.
«1.2. Enquanto D… M… da A… do T… (DMAT) cabia-lhe coordenar os diversos departamentos integrados nos serviços camarários respectivos.
«1.3. No uso da competência que lhe foi subdelegada pelo Vereador competente, Eng. OO, pelo Edital n.º XX/XXXX, entre outros actos relativos ao funcionamento interno daquela direcção municipal exigidos pela sua administração ordinária, como os referentes à gestão de recursos humanos a ela afectos ou a substituição do pessoal dirigente e de chefia, competia-lhe decidir da modificação ou revogação de actos praticados por funcionários e agentes da D.M.A.T. e praticar os actos necessários no âmbito do regime jurídico do licenciamento das operações de loteamento, de obras de urbanização e de obras particulares e bem assim dar execução às deliberações da Câmara Municipal e aos despachos do Presidente e do Vereador em todas as matérias relativas às atribuições da D... M... de A... do T....
«1.4. À data da assunção de funções públicas já o mesmo arguido desempenhava funções de dirigente da A… A… de C… – O… A… de F… (AA...-OAF), como Vice-presidente Administrativo e Financeiro, cargo que assumiu a partir de 17 de Março de 2003 na sequência de eleições ocorridas a 27 de Fevereiro daquele ano.
«1.5. Por força da impossibilidade de exercício do cargo de Presidente da Direcção por parte do então eleito, Dr. PP, e enquanto se mantivesse essa incapacidade, o arguido veio a ser por ele nomeado Presidente Adjunto a partir de 19 de Janeiro de 2004, assumindo todas as funções inerentes ao cargo de Presidente da Direcção.
«1.6. Na sequência do decesso do referido Dr. PP, o arguido disputou eleições para os corpos sociais da agremiação desportiva, que ganhou, vindo a tomar posse no cargo de Presidente da Direcção da AA...-OAF a 14 de Janeiro de 2005.»
«II
Situação 1 (empreendimento J… do M…, do empresário JJ, sob a titularidade da sociedade “Q… do J…, Gestão e Empreendimentos Turísticos, S.A.)
«1.1. O arguido AA conheceu o empresário JJ, identificado a fls. 845, no ano 2002, numa altura em que já pertencia aos quadros dirigentes da AA...-OAF, como membro da comissão de gestão, tendo-se entre ambos desenvolvido um relacionamento amistoso a partir do ano 2003, que se aprofundou nos anos seguintes, chegando a privar as famílias de um e outro.
«1.2. No evento em que se conheceram, o referido empresário efectuou um donativo ao referido clube desportivo no valor de 20.000,00€ em nome de uma empresa de que é administrador, a referida “Q… do J…, S.A.”.
«1.3. No ano 2003, pouco tempo antes de 28 de Maio, na altura em que era presidente do referido clube de futebol, Dr. PP e perante as dificuldades financeiras do clube, o JJ entregou ao Clube a quantia de 37.500€ a título de donativo, tendo adquirido a totalidade dos bilhetes para um jogo de futebol que iria ter lugar no estádio “S… C…”, facturado a uma outra empresa de que igualmente é administrador, a “M… Hotelaria, S.A.”. Ainda nesse mesmo ano, em meados de Dezembro, o JJ efectuou novo donativo, no valor de 50.000€, de novo em nome de “Q… do J..., S.A.”.
«1.4. Desde que acedeu à Direcção da AA...-OAF, o arguido AA continuou a contar com o auxílio financeiro do referido JJ para a AA...-OAF nos períodos que se seguiram, em face da continuação da precária situação financeira do clube que dirigia.
«1.5. Assim, dadas as dificuldades, ou mesmo a impossibilidade, de acesso ao circuito institucional do crédito por parte do clube, JJ começou a conceder empréstimos ao arguido AA a título pessoal sempre que este lho solicitava, aprovisionando-lhe uma conta que o mesmo contratou em nome pessoal no balcão do T... Park, Oeiras, do “M… B…” expressamente para o efeito, valores que o mesmo depois transferia para uma conta titulada pela AA...-OAF.
«1.6. Assim, por si ou através de empresas de que detinha o controlo, a “M… S.A.”, a “Q… do J… S.A.” e “B… I… C….”, o referido JJ concedeu ao arguido AA empréstimos num valor global de, pelo menos, 3.589.000,00€, sendo que, em pouco mais de um ano, atingiram os valores discriminados no seguinte quadro:

DataMovimentoValorOrigemDestinoLocalização
23/06/2004Dep.

Cheque estrangeiro

300.000,00€Conta BCP XXXXXXXXXXXXXX

BCP

856

38/39 Ap. 1

04/07/2004Dep. Cheque

estrangeiro

215.000,00€Conta BCP Suiça 00202XXXXXX

BCP

857

21/22 Ap. 1

26/07/2004Depósito188.750,00€-XXXXXXX

BCP

857

19/20 Ap. 1

30/08/2004Depósito251.400,00€-XXXXXXXX

BCP

858
13/09/2004Transferência89.000,00€JJXXXXXXXX

BCP

3664, 3752
19/11/2004Ordem de pagamento do estrangeiro65.500,00€B…. I… C...XXXXXXX

BCP

860
24/11/2004Ordem de pagamento do estrangeiro157.500,00€B…. I… C...XXXXXXXX

BCP

860
04/12/2004Transferência430.000,00€JJXXXXXXXX

BCP

3669, 3690-3692, 3755
04/02/2005Ordem de pagamento do estrangeiro382.058,53B…. I… C...XXXXXXXX

BCP

861
03/03/2005Transferência351.000,00€JJXXXXXXXX

BCP

863, 3672, 3757
05/03/2005Transferência220.000,00€JJXXXXXXXX

BCP

863, 3672, 3758
06/05/2005Transferência450.000,00€JJXXXXXXXX

BCP

3674, 3751, 3759
01/07/2005Transferência19.000,00€JJXXXXXXXX

BCP

870, 3631, 3678
TOTAL3.119.208,53€


«1.7. Pelas quantias mutuadas o referido JJ nunca cobrou, ao arguido AA ou ao clube por ele representado, qualquer importância a título de juro.
«1.8. Do valor mutuado, o arguido AA, no interesse do clube, reembolsou 2.650.000€ através de uma operação bancária garantida por uma livrança, e efectuou outros pagamentos, encontrando-se a responsabilidade do clube praticamente saldada nesta data.
«1.9. Para além disso, o referido empresário passou a publicitar empresas de que detém o controlo, a “Q... do J..., S.A.” e a “M…, S.A.”, através da AA...-OAF, em termos não concretamente determinados, pois não foram formalizadas contratualmente as prestações de ambas as partes, contribuindo por essa forma para o orçamento do clube com importantes quantias, que só no ano 2004 atingiram um valor global não inferior a 354.900,00 Euros, correspondente a duas tranches de igual montante - 124.950,00€ - suportado por cada uma das empresas, acrescido de 105.000,00€ transferido directamente da conta da “M…, S.A.” para a conta da AA...-OAF relevado na cópia do extracto a fls. 33vº do Apenso 9.
«1.10. JJ teve conhecimento da assunção de funções como D... M... da A... do T... por parte do arguido AA, pelo menos, logo após a posse deste. Estabeleceu-se e aprofundou-se, a partir de então, uma relação de amizade a que não é alheio o facto de o JJ ser interessado, entre outros, no projecto de loteamento, e depois de edificação, do empreendimento imobiliário conhecido por “J… do M…”, situado na A…da L…, neste cidade e comarca, adiante referido.
«1.11. Por este motivo, o JJ era directamente interessado na manutenção do arguido AA à frente do destino da referida agremiação desportiva enquanto se mantivesse como DMAT, tendo-se empenhado para que o mesmo tivesse sucesso nas eleições para os cargos dirigentes do referido clube, que veio efectivamente a ganhar no ano 2005.
«1.12. Também por isso, e para mais facilmente assegurar uma cada vez maior dependência daquele clube do seu auxílio financeiro, dessa forma garantindo o constante reconhecimento por parte do arguido AA, o JJ financiava total ou parcialmente através da forma descrita em 1.5. a contratação de jogadores para a AA...-OAF, em cuja negociação por vezes intervinha, salvaguardando também interesses próprios não concretamente determinados, em condições vantajosas para este clube de futebol que, dessa forma, via facilitados os encargos imediatamente decorrentes da respectiva negociação.
«1.13. Pela deliberação da Câmara Municipal de ... n.º 2630/95, de 10/07/1995, foi aprovada a minuta de acordo e emissão de parecer favorável ao pedido de informação prévia considerando viável a divisão em lotes e respectivas obras de urbanização dos terrenos situados na Ladeira do Batista, a nascente do caminho de ferro, com uma área bruta de construção máxima total de 31.796m2, majorada já de 20%, atenta a qualidade do projecto apresentado. Previu-se a cedência da parte da propriedade a poente do caminho-de-ferro, com uma área total de 72.150m2, situada no Porto ... e na já referida ladeira, para a construção do que ficou conhecido por ..., deliberação essa aprovada em reunião de Assembleia Municipal de 19/09/1995, conforme fls. 23 a 40, aqui dada por integralmente reproduzida para todos os efeitos.
«1.14. Pela deliberação n.º 4204/96, de 06/05/1996, foi rectificada a área de construção, que passou a ser de 32.614m2 e, nos termos da deliberação n.º 1084/98, de 26/10, foi aprovada a operação de loteamento e realização de obras de urbanização, a que se fez corresponder o Alvará n.º 438, de 08/11/1999, emitido a favor de “Q… do J…, G… e Empreendimentos Turísticos S.A.”, a cujo Conselho de Administração o referido JJ preside desde 1992.
«1.15. Este alvará veio a ser objecto de quatro aditamentos, correspondentes a outras tantas deliberações da C.M...., a saber:
«Deliberação n.º 338/2000, de 21/08: ratificou o despacho do Presidente da Câmara Municipal de ... de 02/08/2000, que aprovou o agrupamento dos lotes n.os 3 e 4, 5 e 6, 7 e 8, 9 e 10 e 11 e 12, passando a considerar-se apenas um lote para cada par;
«Deliberação n.º 4877/2001, de 21/12: aprovou alterações às obras de urbanização, designadamente quanto à solução técnica respeitante a fundações especiais e a construção das caves dos edifícios em sede de obras de infra-estruturas, simultaneamente com os muros de suporte (fls. 44-45);
«Deliberação n.º 1112/2002, de 23/09: aprovou o pedido de alteração da licença relativa às obras de urbanização, em especial quanto ao prazo de conclusão (fls. 46-47);
«Deliberação n.º 4982/2004, de 31/08: aprovou alterações, designadamente com a criação de um lote em cave - a que foi atribuído o n.º 18 -, exclusivamente destinado a estacionamento público, com 137 lugares, bem como a correcção aos lotes anteriores, com a criação de mais 215 lugares de estacionamento privado, e ainda a diminuição do número de fogos – que passa dos 256 iniciais para 253, diminuindo igualmente a área bruta a autorizar em 25,5m2 quanto ao lote 1 (fls. 48-52) passando a configuração dos lotes a apresentar-se do seguinte modo:

LotesÁrea total

(m2)

Área de implanta

ção

(m2)

Ab de construção

(m2)

Pisos acima do soloPisos

abaixo do solo

Fogos

Lojas

Estacionamento

11087,5611,23509,96243443
21714,679747486236-46
3 /42168,2531,53170,26224-49
5/62121,9531,526375220-53
7/81914,1531,526375220-54
9/101656,7531,5263752           20-54
11/121668,8531,526375220-52
1310123002062,57214-28
141227,93002062,57214-38
151188,33002062,57214-41
161244,73002062,57214-39
171241,63002062,57214-34
185362,4---1--137


«1.16. Os projectos de arquitectura foram aprovados e objecto da correspondente licença de autorização administrativa de edificação nos momentos seguintes:

Lotes

Data do deferimento

Emissão do título

(Alvará de Autorização de construção)

LOTE 118/01/200501/03/2005
LOTE 210/01/200501/03/2005
LOTE ¾10/01/200501/03/2005
LOTE 5/623/02/200501/03/2005
LOTE 7/823/02/200501/03/2005
LOTE 9/1014/03/200516/03/2005
LOTE 11/1214/03/200516/03/2005
LOTE 1314/03/200516/03/2005
LOTE 1414/03/200516/03/2005
LOTE 1523/02/200501/03/2005
LOTE 1623/02/200501/03/2005
LOTE 1718/01/200501/03/2005


«1.17. Por despacho de 28/03/2005, o Vereador competente, Eng. OO, determinou o embargo parcial dos lotes 1, 2, 5/6, 7/8, 9/10, 11/12, 13, 14, 15, 16 e 17, sendo que o referente ao lote 3 /4, o foi, por despacho de 06/04/2005, na sequência de informação elaborada pela Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização (DLDF), que, em acção que decorreu entre os dias 11 e 16 de Março de 2005, detectou que todos, à excepção do 18, apresentavam a construção de pisos acima da cota de soleira não constante do projecto aprovado, nos termos seguintes:

Lote(s)Pisos aprovadosExecutadoPisos não aprovados
16Estrutura metálica colocada na cobertura1
26Estrutura metálica colocada na cobertura1
¾6Estrutura metálica colocada na cobertura1
5/65Estrutura de betão armado + Estrutura metálica colocada em cima do piso anterior2
7/85Estrutura de betão armado + Estrutura metálica colocada em cima do piso anterior em execução (colocados pilares)2
95Estrutura de betão armado concluída1
105Estrutura de betão armado em execução (cofragem na lage de cobertura)
11/125Estrutura de betão armado em execução (pilares com cofragem, armadura e betonagem) 1
137Estrutura de betão armado em execução (pilares com cofragem, armadura e betonagem)1
147Estrutura de betão armado em execução (pilares com cofragem, armadura e betonagem)1
157Estrutura de betão armado concluída1
166Estrutura de betão armado concluída1
176Estrutura de betão armado concluída1


«1.18. Por determinação do JJ, tendo em vista o aumento do número de pisos para além daqueles que se encontravam licenciados, aos lotes 1 a 4 foi oportunamente acrescentada uma estrutura metálica para suportar apenas um piso em cada um, uma vez que não fora possível reforçar a estrutura para aquele piso, assim aligeirando o peso sobre a última laje, nos lotes 5 a 8 foram acrescentados, em cada um, um piso em betão armado e um outro de semelhante estrutura metálica, e aos lotes 9 a 17 foi acrescentado um piso recuado em laje aligeirada, isto é, em vigota e abobadilha, tudo constatado pela equipa fiscalizadora. Em vista destas alterações, as caixas de escadas e de elevador foram executadas em conformidade e, assim, acima do previsto como último piso nas peças desenhadas do projecto aprovado, nos lotes 1 a 8.
«1.19. Mais tarde, veio a ser igualmente detectado que as varandas dos lotes contíguos à Avenida ... apresentavam uma área superior à constante do projecto aprovado – meio metro no sentido do alçado lateral – decorrente de alteração posterior.
«1.20. A execução dos pisos não previstos no projecto aprovado foi levada a cabo sem a intervenção do gabinete de arquitectura que o havia elaborado que, após ter conhecimento de tal intenção, recusou a elaboração de alterações ao mesmo, continuando apenas com o lote n.º 1.
«1.21. O JJ ainda apresentou, em 18.03.2005 e, portanto, já após a referida acção de fiscalização, um pedido de informação prévia com vista à extensão do loteamento por aquisição de terrenos anexos ao loteamento, manifestando também a intenção de compra da área do Parque Verde, propondo 4 novos lotes e a alteração do número de pisos previstos no alvará, mas acabou por ser determinada a demolição do piso não licenciado por despacho do Presidente da Câmara Municipal de ... de 27 de Setembro de 2005.
«1.22. O arguido AA, acompanhou a evolução deste empreendimento desde que passou a desempenhar as referidas funções de D… M…da A… do T…, designadamente deslocando-se ao local onde estava a ser erigido, recebendo dos serviços que supervisionava as informações que recolhiam quando os funcionários competentes ali igualmente se deslocavam, reunindo com regularidade com os responsáveis técnicos da obra, tendo mesmo analisado, entre outros, o pedido de alvará de autorização de construção que veio a tomar o nº 25/05 de 01/03/2005, que deferiu, e elaborando, quando para tal foi chamado, informação técnica, em 22/07/2004. E, sabendo da intenção do JJ na construção de mais pisos para além daqueles que se encontravam licenciados, manifestava-se-lhe favorável à possibilidade de edificação de mais área no empreendimento e licenciamento da construção dos pisos não previstos inicialmente no projecto.
«1.23. Pois, para mais facilmente conseguir o pretendido resultado, o JJ pretendia beneficiar de uma transferência da correspondente área de construção de parcelas de terreno adjacentes ao empreendimento que adquirira, e tinha também a seu favor um crédito perante a autarquia resultante da implantação da Avenida ..., contígua ao referido empreendimento, em parcelas por si também tituladas.
«1.24. Por forma a auxiliar as pretensões do JJ, o arguido AA usava do prestígio adveniente das suas reconhecidas capacidades técnicas e profissionais manifestando-se favoravelmente, ainda que informalmente, às soluções que mais interessavam ao referido empresário quanto ao empreendimento em causa.
«1.25. O arguido AA, pela sua formação académica, experiência profissional e vasto conhecimento das matérias em causa e sua tramitação, tinha consciência de que a deliberação camarária havia aprovado a área bruta de construção máxima para o local, correspondente ao pedido e à referida majoração de 20%, fixada pelo PDM e seu Regulamento, e estava ciente da pretensão do arguido JJ e, bem assim, da evolução verificada na edificação do empreendimento, pelo menos desde data não apurada do último trimestre de 2004, com o necessário reforço das fundações de alguns lotes e edificação de outros já com estrutura adequada a suportar os pisos, o que havia sido iniciado em meados do ano de 2004. Por isso, procurou evitar que as equipas camarárias competentes, dependentes directamente da sua direcção, procedessem a acções de fiscalização no local, desde logo mantendo no seu gabinete todo o dossier respeitante ao projecto, impedindo que fosse facultado sem ordem sua ou, pelo menos, sem o seu conhecimento, assim dificultando o agendamento de acção inspectiva por parte da divisão de fiscalização.
«1.26. Sem êxito porém, já que a Engenheira QQ, a quem havia sido ordenado pela Chefe de Divisão, Engenheira II, que procedesse à fiscalização do empreendimento em causa pois esta havia constatado que a edificação estava a ser edificada eventualmente acima da cota autorizada e licenciada, acompanhada da Engenheira RR, da mesma divisão, acabou por efectuar a acção fiscalizadora a 3 de Fevereiro de 2005, constatando que a obra estava a ser edificada para além da cota licenciada e autorizada tendo elaborado relatório em conformidade, que tomou o n.º 372/2005, de que o arguido AA teve conhecimento, onde era proposto o embargo da obra. Já antes dessa data, sabendo que àquela engenheira estava atribuída a fiscalização do empreendimento em causa, em data situada no final de 2004 e início de 2005, o arguido havia-a convocado para uma reunião no seu gabinete, seguida de uma deslocação ao local.
«1.27. Já no dia 2 de Fevereiro de 2005, a desconformidade entre a obra já executada até então e o projecto havia sido constatada por SS, fiscal municipal da mesma divisão camarária, o que fez consignar em auto de notícia de contra-ordenação, cuja cópia consta a fls. 960, que aqui se considera integralmente reproduzida.
«1.28. Ultrapassados os obstáculos que impediram a concretização do embargo ali proposto, com a emissão dos títulos administrativos, no dia 11 de Março de 2005 a Engenheira RR, a quem havia sido distribuída a tarefa de acompanhamento da fase de edificação do mesmo empreendimento, iniciou a tramitação para nova acção de fiscalização.
«1.29. Tomando conhecimento do início de execução dessa acção inspectiva, pretendendo desmotivar a referida funcionária de a levar até final, na parte da tarde do dia 11 de Março de 2005, quando a mesma, acompanhada do Engenheiro TT e do motorista da C.M.... UU, se preparava para abandonar o edifício onde funcionam os serviços camarários a que pertencem com destino ao referido empreendimento, o arguido AA dirigiu-se-lhes e, após confirmar as suas intenções, instou-os a deslocarem-se ao seu gabinete, ordenando ao referido motorista que trouxesse as pastas que então transportava.
«1.30. Já no seu gabinete, o arguido começou a fazer-lhes referência a outras obras que se encontravam previstas para a cidade, até se referir ao empreendimento “J… do M…”, manifestando estar inteirado das intenções do promotor quanto à aquisição de terrenos contíguos cuja capacidade edificativa seria transferida para o local do empreendimento, circunstância que deveria ser, por isso, considerada pelas equipas de fiscalização.
«1.31. Solicitou-lhes, em consequência, que adiassem a acção de fiscalização.
«1.32. Apercebendo-se que os referidos funcionários camarários se preparavam para executar a acção fiscalizadora já iniciada, contrariando o pedido que então lhes dirigiu, o arguido AA determinou à Engenheira RR que recolhesse ao seu gabinete. Perante a persistência da mesma na concretização da sua intenção, o mesmo continuou a procurar demovê-la a isso, criando-lhe um ambiente de constrangimento, referindo-lhe que iria falar com a sua, dela, superiora hierárquica, Engenheira II, acabando todos, pouco depois, por se dirigirem ao gabinete desta. No entanto, após cumprimentar esta última, ali permaneceu alguns instantes sem nada referir quanto aos motivos de tal deslocação, saindo, acabando por ser adiada a fiscalização que a aludida funcionária, Engenheira RR, se propusera realizar naquele dia.
«1.33. O arguido AA solicitou e aceitou para o clube de futebol a cuja Direcção presidia, as aludidas vantagens patrimoniais, consubstanciadas em valores a título de publicidade desinteressada, empréstimos sucessivos e imediatamente disponibilizados através de contas da sua titularidade que depois transferia para aquele clube de futebol, sem a cobrança de juros pelos montantes mutuados, que permitiam, para além do mais, a aquisição de jogadores sem dispêndio significativo para o clube a que presidia, concedidas pelo referido JJ, por si ou por via das empresas de que detinha o controlo, sabendo que dessa forma se criava uma situação importante de dependência desse auxílio financeiro, o qual contribuía para que a AA...-OAF se tenha conseguido manter na principal competição de futebol em Portugal.
«1.34. Pelo constrangimento dali resultante, actuou o arguido AA, no exercício das suas funções públicas, com a intenção de dar protecção aos interesses e pretensões daquele empresário, designadamente aos que não estavam compreendidos no licenciamento que havia sido concedido relativamente ao referido empreendimento e que naquelas circunstâncias, se mostravam contrários a disposições urbanísticas vigentes, a que devia obediência, designadamente, ao procurar nas circunstâncias atrás descritas, evitar as acções inspectivas àquele empreendimento, sabendo que praticava actos contra os deveres a que estava vinculado enquanto D... M... da A... do T....
«1.35. Em data não concretamente apurada, entre 2003 e 2004, o empreendimento “J... do M...” passou formalmente para a titularidade do Fundo de Investimento Imobiliário, P…, cujas unidades de participação são detidas pelo JJ e família, sendo tal fundo gerido pela “F…-S… G... de F... de I... I...,SA., integrada no Grupo Caixa Geral de Depósitos, mantendo-se a sociedade Q… do J…-G... I..., SA, à frente da gestão técnica do empreendimento “J... do M...”, e o JJ a tratar e a decidir dos assuntos atinentes ao mesmo.
«1.36. Em data não concretamente apurada, anterior ao ano de 2005, o engenheiro OO reuniu-se com proprietários de terrenos confinantes ao empreendimento “J... do M...” tendo sido determinado ao Departamento de Planeamento da C.M.... um estudo sobre a capacidade construtiva de tais terrenos, por causa do Programa POLIS.
«1.37. Os projectos de arquitectura e especialidades relativamente aos lotes abaixo referidos do empreendimento “J... do M...”, deram entrada na C.M.... nas seguintes datas:
«- Lote 1 - em 15.12.2004,
«- Lotes 2 e 3/4 – em 14.12.2004,
«- Lote 17 – em 13.01.2005, 
«tendo sido objecto de deferimento nas datas indicadas no ponto 1.16.»
Situação 3 (relativa ao empresário LL)
«3.1. Nas circunstâncias e local referidos nos pontos 2.4. e 2.5.[3], o arguido AA pediu directamente a LL, um dos promotores do referido empreendimento, que efectuasse donativos à agremiação desportiva que liderava, como presidente da Direcção. À escassa disponibilidade financeira que o LL lhe demonstrava no momento para aquele efeito, o arguido AA obtemperou pela necessidade de ajuda relevante, face aos encargos imediatos que teria que suportar, assim o sensibilizando para a necessidade de efectuar um donativo com alguma relevância económica, fazendo com que aquele subisse o valor das suas possibilidades para o efeito, acabando por ficar acordado que aquele contribuiria com uma quantia monetária para a AA...-OAF, a entregar fraccionadamente.
«3.2. Assim, em concretização do acordado, dias mais tarde, a 24/06/2005, de modo não concretamente apurado, o LL entregou a título de donativo para a AA...-OAF o cheque n.º XXXXXXXX, de uma conta particular de que é titular no Montepio Geral, balcão de ...-Portagem, no valor de 10.000 Euros, cuja cópia consta de fls. 35 do Apenso 21-C, vindo a entregar em Agosto seguinte, outro título semelhante, com o n.º XXXXXXXXX, do mesmo valor, datado de 31/08/2005, e de que igualmente consta cópia a fls. 33 do mesmo apenso, ambos à ordem da AA...-OAF, tendo sido emitidos, para efeitos de contabilização e dedução fiscal, os correspondentes recibos, cujas cópias constam de fls. 34 e 32, respectivamente, do Apenso 21-C.
«3.3. Poucos dias antes da emissão daquele primeiro cheque, a 1 de Junho de 2005, o referido LL havia sido pessoalmente notificado pelo arguido AA para, em nome de uma das suas filhas, M… I… B… F… G…, a quem havia doado o lote A11 da Q… de S. J…, onde construíra uma moradia, nos termos do procedimento aplicável, se pronunciar sobre uma informação de 11.04.2005, que se pronunciava pelo indeferimento do pedido de emissão de autorização de utilização a ela referente, proposta essa elaborada por TT, engenheiro na Divisão de Estruturação e Renovação Urbana do Departamento de Gestão Urbanística e Renovação Urbana da C.M.....
«Dias antes, a outra sua filha, A… F… B… F…, a quem igualmente havia feito semelhante liberalidade, a da moradia edificada no lote A10, tinha recebido idêntica notificação, por via postal.
«3.4. Tal informação, que havia sido emitida pelos serviços técnicos dependentes do seu departamento, continha os motivos que obstavam ao deferimento do pedido e propunha igualmente as possibilidades de serem ultrapassados, a saber: a reposição das obras em conformidade com o projecto ou, em alternativa, a apresentação das alterações verificadas e telas finais das obras executadas.
«3.5. Assim, em representação das suas filhas, a 6 do mesmo mês de Junho de 2005, o referido LL fez apresentar as alterações e telas finais do projecto de arquitectura referentes ao lote A11 – Processo n.º 1/1999/1500 - e a 9 seguinte as referentes ao lote A10 – Processo n.º 1/1999/1499.
«3.6. O arguido AA, face à disponibilidade manifestada pelo referido LL em contribuir para os cofres da AA...-OAF, chamou a si o processo de decisão e, sem solicitar previamente ao departamento camarário competente que havia anteriormente analisado os respectivos processos, nova informação respeitante a essas obras, por despachos de 09/06/2005 e 20/06/2005, respectivamente, deferiu-as, sem condições, designadamente sem que fossem apreciadas as alterações operadas nos muros do logradouro e anexo construído, que não figuravam no projecto aprovado e licenciado e sem que fosse efectuada, como era exigível, nova medição da área bruta de construção, condições sem as quais não deveria ser emitida a respectiva licença de autorização de utilização das moradias que, não obstante, o arguido AA determinou que fosse passada pela divisão competente, o que veio a acontecer.
«3.7. Os livros de obra vieram a ser encerrados, no caso do lote A11, a 15 de Junho de 2005 e, no caso do lote A10, no dia 23 de Junho de 2005.
«3.8. Não fora a circunstância de o arguido AA ser, simultaneamente, Director Municipal e Presidente do referido clube de futebol, LL não teria efectuado aqueles donativos ou não os teria efectuado naqueles montantes e circunstâncias, só o tendo feito temendo que a sua recusa pudesse prejudicar projectos na cidade, presentes ou futuros, que titulasse.
«3.9. Solicitando e aceitando para a AA...-OAF as aludidas vantagens patrimoniais, agiu o arguido AA, livre, deliberada e conscientemente com a intenção de, já enquanto DMAT, praticar actos no âmbito de processos em que interviesse e respeitassem a interesses do referido LL, que o favorecessem, beneficiando-o em pretensões que viesse a requerer ao departamento que dirigia ainda que sem observar os procedimentos adequados, como efectivamente veio a acontecer, nas situações supra descritas.
«Da contestação:
«3.10. Os projectos de arquitectura com as alterações verificadas na obra mostravam-se subscritos pelo arquitecto responsável e acompanhados dos respectivos termos de responsabilidade do autor do projecto.  
«3.11. Em 14.07.2005 deram entrada na Câmara Municipal os requerimentos para emissão de Alvará de Licença de Autorização de Utilização, relativamente aos Lotes 10 e 11.
«3.12. Em 2.09.2005 foram emitidos os Alvará de Licença de Autorização de Utilização relativamente a ambos os Lotes.»
Situação 4 (relativa ao empresário NN, sócio da sociedade “NN & NN, Construções Ld.ª”)
«4.1. Em Maio de 2004, o NN, outro empresário da construção civil com interesses imobiliários nesta cidade de ..., sócio e gerente das empresas de construção civil “NN & NN, Construções Lda.” e “L…, C…do C…, Lda”, ambas com sede em ..., numa ocasião em que se deslocou à C.M...., entregou ao arguido AA dois cheques, cada um no valor de 5.000 Euros, emitidos sobre contas tituladas por aquelas empresas, ambos destinados ao clube a que o segundo presidia, o que este aceitou.
«4.2. Nesta ocasião, o referido NN tinha em execução, entre outros, um projecto de loteamento na P..., a propósito do qual, algum tempos antes, se havia reunido na Câmara Municipal com o arguido AA, altura em que travou com este conhecimento.
«4.3. Ao aceitar do NN os aludidos valores, cuja actividade profissional conhecia perfeitamente, o arguido AA tinha perfeita consciência de que o mesmo tinha interesses em empreendimentos que eram tramitados no organismo público que transitoriamente dirigia, sendo por esse motivo também que o mesmo lhos havia atribuído, isto é, atenta a qualidade de decisor em organismo público onde eram praticados os actos processuais e acessórios relativos aos processos de obras que promovia ou poderia vir a promover.»
Situação 5 (relativa ao empresário GG, sócio da empresa “C…e M…, Ld.ª”)
«5.1. O GG, é outro empresário da construção civil com actividade em ..., sócio da empresa do mesmo ramo denominada “C… e M…, Lda”, empresa que tem por objecto social a construção civil, com sede em R…de V…, concelho de ..., mas centrando a sua actividade predominantemente na região de ..., de que VV é também sócio.
«5.2. O GG, com o conhecimento e anuência do seu sócio VV, no dia 2 de Dezembro de 2004, veio a entregar à AA...-OAF, em circunstâncias não apuradas a quantia de 15.000 Euros, tendo sido emitido o recibo n.º 5849, cuja cópia consta de fls. 245 do Apenso 21B, com a menção de donativo.
«5.3. No final do ano 2005, a empresa “C… e M…, Lda”, tinha empreendimentos em execução nesta cidade junto à Avenida F... N... e no C... do A..., ....
«5.4. De encontro havido entre o arguido e o GG, verificado no decurso do ano de 2005, mas em data anterior a 14.11.2005, resultou acordo entre ambos no sentido de que a empresa contribuiria para AA...-OAF com a quantia de 400.000,00 Euros, titulados por cheques, sendo o primeiro datado de 14/11/2005 e o último de 28/07/2006, num total de 44 cheques.
«5.5. O GG deu conhecimento ao seu sócio, o referido VV, dos termos do acordo estabelecido com o arguido AA, tendo ambos assinado os cheques, posteriormente entregues a este último.
«5.6. O arguido AA, em informação que elaborou, datada de 6 de Dezembro de 2005, que tomou o número 36/2005, no Processo n.º 01/2005/6450, viria a pronunciar-se favoravelmente quanto ao pedido de aprovação do projecto de arquitectura relativo ao Estudo de Conjunto da S.../V... da C... B... apresentado pela empresa “C… &M…, Lda”, informação que mereceu despacho favorável do Vereador OO.
«5.7. Por determinação dos dirigentes do clube desportivo beneficiário dos cheques, estes foram sendo apresentados a pagamento até Fevereiro de 2006, num total de nove, permitindo um encaixe do total de 90.000 Euros, sendo emitidos recibos referentes a donativos num valor de 58.000,00 Euros.
«5.8. Ao acordar e aceitar os aludidos valores dos referidos GG e VV, cuja actividade profissional conhecia perfeitamente, o arguido AA tinha perfeita consciência de que a empresa por eles detida tinha interesses em empreendimentos e projectos que eram tramitados no organismo público que dirigia. Foi por esse motivo também que os mesmos lhos entregaram, isto é, atenta a qualidade de decisor em organismo público onde eram praticados os actos processuais e acessórios relativos aos processos de obras que promoviam ou poderiam vir a promover.»
Situação 6 (relativa ao empresário DD, sócio e presidente do conselho de administração da empresa “DD , S.A.”)  
«6.1. DD, sócio e presidente do Conselho de Administração da empresa “DD Construções, S.A.”, travou conhecimento com o arguido AA já após este desempenhar as aludidas funções públicas como DMAT, em data anterior a Maio de 2004, numa reunião ocorrida nas instalações da C.M...., no âmbito das relações entre a empresa e a autarquia.
«6.2. A referida empresa era promotora de empreendimentos nesta cidade de ..., designadamente as urbanizações denominadas “Q… das L…”, em S... C..., e “C… da E…”.
«6.3. A partir daquela data, DD, em nome pessoal ou da empresa, passou a entregar regularmente ao arguido AA, quantias monetárias a título de donativos à associação desportiva de que este é presidente, devidamente descriminadas nos recibos entregues ao DD, alguns dos quais assinados pelo arguido, para efeitos de contabilização.
«6.4. Assim, entre Maio de 2004 e Outubro do ano seguinte, entregou-lhe os seguintes valores:

EmitenteOrigemDataValorNº do reciboFls.
DD  SACheque n/ identificadoRecibo de

27.05.2004

75.000,00€5827130 Ap. 21B
DD  SACheque n/ identificadoRecibo de

20.09.2004

25.000,00€5844202 Ap. 21B
DD SACH XXXXXCheque de

08.12.2004

25.000,00€8560252-253 Ap. 21B
Total 2004125.000,00€

DD SACH XXXXXXRecibo de

23.03.2005

12.500,00€9251303 Ap. 21B
DDCH

Cheque de

07.07.2005

20.000,00€9443

9444

9445

9446

41 a 43 Ap. 21C
DDCH XXXXXXRecibo de

01.08.2005

12.500,00€955848 Ap. 21C
DD NumerárioRecibo de

11.10.2005

10.000,00€958245 Ap. 21C
DDNumerárioRecibo de

19.10.2005

5.000,00€958346 Ap. 21C
DDNumerárioRecibo de

22.10.2005

5.000,00€958447 Ap. 21C
Total 200565.000,00€

TOTAL

190.000,00€


«6.5. Para além destes cheques, DD emitiu ainda um outro cheque, com o n.º XXXXXXXXX, no valor de 5.000,00€, da conta pessoal n.º 5760004 no BES, datado de 08/12/2004, cuja cópia consta a fls. 54 do Apenso 1 relativo à conta n.º XXXXXX, titulada pelo arguido AA e familiares no “M... B...”, balcão 301-..., cheque que este enviou acompanhado da missiva de fls. 717, datada de 7 de Dezembro de 2004, para, como era do seu interesse, financiar a campanha eleitoral para a direcção da AA...-OAF em que este último viria a participar, e que veio a depositar naquela conta pessoal.
«6.6. DD pretendia beneficiar o arguido AA e o clube por este dirigido por forma a criar-lhe constrangimento e, assim, levá-lo a retribuir-lhe aquele auxílio material enquanto se mantivesse como DMAT, através de actos compreendidos em tais funções públicas referentes aos empreendimentos em que tivesse interesses, promovendo e decidindo o que fosse necessário à protecção das suas pretensões, ainda que legalmente indevidas ou contra quaisquer normas destinadas a regular as situações concretas que, no âmbito de actividade que desenvolvia, apresentava aos serviços camarários competentes.
«6.7. A referida urbanização “Q… das L…” vem sendo executada por fases, tendo o loteamento correspondente à 2ª fase – sector C sido aprovado por deliberação camarária a que se fez corresponder o alvará n.º 418, objecto de 4 aditamentos, sendo o último de 30/07/2004.
«6.8. Nos termos desse alvará de loteamento, na redacção do aludido aditamento, ainda vigente, era autorizada a seguinte área bruta de construção nos referidos lotes:
«Lote 2: 2237,60 m2;
«Lote 3: 1937,60 m2;
«Lote 4: 1900,10 m2; e
«Lote 5: 2462,60 m2.
«6.9. Com data de 21/05/2004, foram emitidos os alvarás de autorização de construção relativos aos lotes 2, 3 e 4, que tomaram os n.os 44/04, 45/04 e 46/04, respectivamente, e, com data de 11/08/2004, foi emitido o alvará de autorização de construção n.º 86/04, relativo ao lote 5, autorizando a construção nas seguintes áreas:
«Lote 2: 2212,50 m2;
«Lote 3: 1912,50 m2;
«Lote 4: 1875 m2; e
«Lote 5: 2437,50 m2.
«6.10. Em requerimentos datados de 09/12/2004 e 21/01/2005, a empresa fez dar entrada na C.M.... quatro requerimentos solicitando o deferimento de pedidos de autorização de obras de edificação nos lotes 2 a 5 e que fossem considerados prejudicados os alvarás já emitidos.
«6.11. O arguido AA, visando retribuir o auxílio financeiro até então recebido, com que pretendia continuar a contar, como veio a acontecer, sem que se tivesse operado pela via competente e legítima qualquer alteração ao alvará de loteamento n.º 418, assumiu a apreciação daqueles requerimentos e, por despachos datados de 07/01/2005, relativo ao lote 2, e de 14/02/2005, relativos aos demais lotes, anulou todos os alvarás já emitidos e deferiu a consequente emissão de outros contra o permitido na deliberação que havia licenciado o loteamento no que aos lotes 2 a 4 respeita, autorizando a edificação nas seguintes áreas:
«Lote 2: 2510,34 m2;
«Lote 3: 2162,60 m2;
«Lote 4: 2174,12 m2; e
«Lote 5: 2340 m2.
«6.12. Por forma a justificar formalmente a indevida autorização de construção em área superior à aprovada para o loteamento relativamente aos lotes 2, 3 e 4, nos despachos respectivos, o arguido deixou exarado que o requerente devia “apresentar no prazo de 120 dias as telas finais do alvará n.º 418, no âmbito das disposições previstas no n.º 7 do art. 27º do RJUE”, o que não veio, contudo, a suceder.
«6.13. Na sequência de tais despachos, proferidos pelo arguido AA, vieram a ser emitidos os alvarás de autorização de construção com os n.os 48/05, 49/05, 50/05 e 51/05.
«6.14. O arguido AA aceitou praticar actos compreendidos nas suas funções de DMAT visando dar acolhimento às pretensões de DD, ainda que sem apoio legal, ou mesmo contra as normas vigentes destinadas a regular as concretas solicitações que este dirigia aos serviços camarários competentes, como aconteceu na situação descrita, em especial os que estivessem na sua dependência, contra o recebimento das aludidas vantagens patrimoniais, para si e para o clube desportivo de que era o presidente da Direcção.
«6.15. Já anteriormente às situações descritas, no tempo de anterior presidente da AA.../OAF, o DD havia adquirido, por cerca de oitenta mil contos, um edifício de que a AA.../OAF era proprietária, numa situação de grande aflição para o clube, por causa de uma penhora.  
«6.16. XX, passou a fazer parte da Direcção da AA.../OAF a partir de 2005.
«6.17.A área total de construção de 36.000m2 não foi objecto de modificações nas alterações ocorridas em 30.07.2004, a que aludem os pontos 6.7. e 6.8.
«6.18. Por o prazo de conclusão das obras de urbanização ter terminado sem que estas estivessem totalmente concluídas, foi decidido pela Câmara em meados de 2006, declarar a caducidade da licença de obra.
«6.19. Na sequência de acção de fiscalização e proposta de embargo, em meados de 2006, o promotor veio requerer alteração ao alvará de loteamento nº 418, juntando as telas finais, tendo sido sujeita a deliberação camarária e discussão pública, vindo a ser aprovada em reunião de câmara de 22.10.2007.
«6.20. Após estas deliberações, veio a ser emitido o aditamento /alteração ao alvará de loteamento nº 418, em 17.01.2008.»
Situação 7 (relativa ao empresário EE, sócio da “F. M. S…, Ld.ª”)
«7.1. Na sequência de reuniões havidas no gabinete do arguido AA na C.M.... entre este e EE, empresário da construção civil identificado a fls. 2209, que tiveram lugar por volta do mês de Outubro de 2004, mas em data anterior ao dia 21 desse mesmo mês, para abordagem de questões relacionadas com empreendimentos imobiliários em que este era interessado, por si e enquanto sócio da “F. M. S… Lda”, com sede em ..., designadamente os que tinha já em fase de execução na Rua de A… e em Sto. A… dos O…, nesta cidade, o EE veio a contribuir com um donativo para a AA...-OAF, tendo emitido o cheque sobre a Caixa Geral de Depósitos, cuja cópia consta a fls. 208 do Apenso 21-B, no valor de 25.000 Euros, de 20 de Outubro de 2004, que foi entregue nesse dia ao arguido AA, e que este aceitou, sabendo de quem provinha, tendo sido emitido o correspondente recibo da AA.../OAF, com a assinatura do arguido, datado do mesmo dia.
«7.2. No dia seguinte ao da emissão do cheque, 21.10.2004, o arguido AA lavrou uma informação, que tomou o n.º 49/2004, a apresentar ao vereador competente, pronunciando-se favoravelmente sobre um pedido de alteração do projecto relativo ao imóvel em edificação na Rua de A…, a que se aludiu.
«7.3. O pedido de deferimento de alterações ao projecto aprovado, a que correspondia o alvará n.º 43/2003, havia sido apresentado em 5 de Dezembro de 2003 reportando-se ao aproveitamento da área respeitante à cave para um aumento do número de garagens, num total de 551.33 m2, aumentando de 16 para 25 o número de garagens, bem como um acréscimo sensível na área dos fogos nos pisos superiores.
«7.4. Sem esperar pela sua análise e decisão, o promotor executou as alterações, o que até motivou o levantamento de um auto de notícia a 19 de Fevereiro de 2004, convicto que as mesmas mereceriam aprovação incondicional por parte da C.M.... para o efeito contando, pelo menos a partir da data da entrega de tal cheque, referida em 7.1., com a intervenção nesse sentido do arguido AA.
            «7.5. Submetido o pedido a deliberação, após o arguido AA lavrar a referida informação, a questão foi debatida e objecto de análise quanto à possibilidade de aquele acréscimo de área em cave ser transferido para o domínio da C.M....
«7.6. A deliberação que definitivamente estabilizou a situação de facto na ordem jurídica veio a ser tomada na sessão camarária de 17 de Janeiro de 2005, após nova discussão ocorrida a 3 daquele mesmo mês e ano, no sentido de serem aprovadas, por maioria, as alterações requeridas.
«7.7. Para o efeito, o arguido AA subscrevera nova informação, a n.º 55/2004, de 15/12/2004, sobre o mesmo pedido, manifestando-se favorável à aprovação, adiantando que o promotor estaria disponível para apoiar financeiramente obras de recuperação urbana de envolvente, no valor de 35.000,00 Euros, o que veio efectivamente a acontecer em consequência do deferimento do pedido.
«7.8. O arguido AA aceitou o valor monetário disponibilizado pelo referido EE, com o propósito de o utilizar na gestão do clube que dirigia sabendo, como se propunha, que isso implicaria a prática, como DMAT, de actos destinados a defender ou a dar protecção a interesses relativos aos empreendimentos em que aquele era interessado e que estavam na sua dependência funcional, acabando efectivamente, motivado por tal liberalidade que por tal razão lhe fora concedida, por, nos termos descritos, proferir significativos pareceres técnicos, que foram determinantes do deferimento da aludida pretensão.
«7.9. Em algumas das reuniões a que alude o ponto 7.1. esteve também presente o arquitecto V… C…, arquitecto responsável pelo projecto da edificação na Rua de A…, acima referido.»
Situações 10 (relativas ao empresário MM – prédio da R… V… de C… e prédio da R… J… M…)
«10.1. YY, melhor identificado a fls. 641, é um cidadão português que, embora com domicílio permanente no Brasil, desenvolve actividade em Portugal na área da construção civil, nomeadamente nesta cidade e comarca de ....
«10.2. Com data de 15 de Dezembro de 1997 o mesmo apresentou na Câmara Municipal de ... (CM...) a Memória Descritiva e Justificativa – Estudo Prévio com duas soluções diferentes para a construção de um edifício para uso misto – habitacional e comércio e serviços – na Rua J…M…, n.os 21-23, nesta cidade de ..., proposta que viria a ser sucessivamente reformulada a partir de Julho do ano seguinte na sequência de diversos pareceres técnicos, e correspondentes decisões e deliberações, acabando o pedido de aprovação do projecto por obter deferimento, vindo a ser emitido o alvará de licença para demolição com o n.° 01/2001, de 12/04/2001, para a 19/10/2001, ser emitido o alvará de licença de construção, a que coube o n.° 948/2001, com validade até 18/10/2003.
«10.3. Face às alterações do mercado, em especial, do arrendamento, entretanto ocorridas desde a apresentação dos aludidos estudo e projecto e apercebendo-se da necessidade de estacionamento nas imediações, designadamente do prédio contíguo onde se encontrava instalada uma agência do banco “F….”, o referido YY, após se certificar junto do projectista de que nenhum obstáculo técnico a isso se opunha, não obstante o projecto aprovado apenas compreender a execução de dois pisos abaixo da quota de soleira – duas caves -, deu instruções ao responsável técnico da obra para que projectasse a execução de uma 3ª cave. Todavia, não requereu, como devia, a aprovação imediata da alteração preconizada à entidade legalmente competente para a sua apreciação, dando início à construção do edifício.
«10.4. Em Maio de 2002 encontrava-se concluída a aludida 3ª cave com a betonagem da laje do respectivo tecto.
«10.5. A construção não licenciada de tal piso, por razões não completamente esclarecidas, acabou por não ser detectada pela fiscalização da CM..., quer antes da sua execução, não obstante ser o primeiro piso a construir, quer após exposições apresentadas por A… C…, proprietário de imóvel vizinho, em pleno período de execução da obra, acabando por só o ser quando o imóvel já se encontrava praticamente concluído.
«10.6. Com efeito, tal alteração só veio a ser referenciada em acção de fiscalização levada a cabo por C… S… em 17/11/2003, sendo na sequência da informação n.° 319/2003, que então elaborou, que veio a propor o embargo da obra.
«10.7. Porém, logo no dia seguinte, ainda antes, pois, da notificação para se pronunciar sobre a aludida proposta de decisão de suspensão da construção, o YY apresentou aditamento ao projecto de arquitectura/telas finais contemplando as diversas alterações realizadas em obra ao projecto oportunamente aprovado, nomeadamente a aludida 3ª cave, pedido que, após parecer n.° 8/2004, de 23/01/2004, da autoria do arguido AA, favorável às pretensões peticionadas, veio a obter deferimento por deliberação n.° 3921, de 25/02/2004.
«10.8. Posteriormente à apresentação do projecto de alterações, em data não concretamente determinada, mas anterior a 23/01/2004, em deslocação à CM... a fim de se inteirar da situação do processo referente à obra, o YY solicitou ser recebido pelo arguido AA, o que veio a acontecer.
«10.9. Nesse encontro foi falada a questão da aludida cave.
«10.10. Visando compensar a intervenção do arguido, com data do dia seguinte à referida deliberação, 26/02/2004, o referido YY emitiu o cheque de fls. 666, aqui dado por inteiramente reproduzido, no valor de 25.000,00€, que entregou ao arguido AA, e foi por este aceite, tendo-o feito apresentar a pagamento mais tarde por funcionário do clube a que presidia e a quem confiou o valor nele inscrito.
«10.11. Durante a execução da obra, em requerimento datado de 23/12/2003, o YY solicitou a alteração do uso dos pisos destinados a habitação, para o efeito anexando uma missiva em papel timbrado com o logótipo “F…” nos termos do qual, alegadamente, esta entidade pretenderia que lhe fosse reconhecida preferência no arrendamento de um espaço com uma área de 750m2 no prédio do requerente.
«10.12. Sobre este pedido o arguido AA, na aludida informação n.° 8/2004, de 23/01, pronunciou-se favoravelmente à alteração peticionada, propondo a supressão total do uso residencial ou, em alternativa, a manutenção da habitação num só piso, acabando esta última proposta por ser acolhida e aprovada, por maioria.
«10.13. Já anteriormente, ainda antes do início da construção, e em conjugação com a decisão de construir a aludida 3ª cave, o mesmo havia requerido tal alteração, que viu indeferida por despacho do Presidente da Câmara, na sequência de parecer do então director do DAU cuja cópia consta a fls. 76-77.
«10.14. Em 16.07.2003 o YY dirigira novamente à CM... um pedido de alteração da afectação dos dois pisos destinados a habitação, conforme o projecto aprovado, exclusivamente para comércio e serviços, indicando que as exigências legais referentes a estacionamento poderiam ser satisfeitas com a introdução de mais uma cave, o que veio a merecer o parecer favorável do arguido nos termos da informação acima referida em 10.12. na sequência de novo requerimento a solicitar tal alteração, conforme acima referido em 10.11. 
«10.15. Ambos os intervenientes tinham perfeita consciência de que a autorização para a alteração do destino aprovado para os pisos facilitaria a legalização da 3ª cave, não incluída e descrita no projecto que a CM... licenciou, na medida em que a diferente destinação – comércio e serviços – determinaria a necessidade de mais lugares de estacionamento.
«10.16. Por outro lado, o arguido YY mantinha pendente de resolução na CM... a questão respeitante à colocação dos ascensores num prédio que havia construído ainda na década de noventa na Rua V… de C…, n.° 15-27, nesta cidade, problema que se vinha arrastando sem fim à vista, pelo menos, desde 1995.
«10.17. Na sequência de contactos com o arguido AA, que tiveram lugar antes de 19/12/2005, este, prevendo poder vir a retirar benefícios para o clube a que presidia, à semelhança do que acontecera nas circunstancias anteriormente descritas, encetou diligências no sentido de criar condições para, sob seu parecer favorável, o referido YY obter a solução que para a questão preconizava, que era a de obter autorização camarária para a instalação de apenas um elevador, ao invés dos dois a que, nos termos de determinação camarária anterior, estava obrigado.
«10.18. Assim, substituindo-se àquele na obrigação de documentar o procedimento – n.° 1/1974/6739 -, o arguido AA solicitou aos serviços competentes da própria autarquia informação relativa à questão para mais facilmente sustentar parecer favorável à pretensão do YY, da sua autoria, que veio a apresentar em informação datada de 19/12/2005, nos termos da qual propunha que o mesmo fosse autorizado a colocar apenas um ascensor, como aquele pretendia, proposta que veio a ser sufragada por despacho do vereador competente de 20/12/2005.
«10.19. Em virtude do acolhimento dado à sua pretensão, e à forma diligente com que o arguido AA criou condições para uma solução favorável aos seus interesses, com data de 20/12/2005, o referido YY emitiu o cheque de fls. 414, no valor de 4.000,00€, que entregou ao arguido AA no gabinete deste na CM... e este fez depositar numa conta titulada pela AA.../OAF.
«10.20. O arguido AA tinha perfeita consciência de que o referido YY, cuja actividade profissional bem conhecia, titulava interesses em empreendimentos imobiliários que eram tramitados no organismo público que transitoriamente dirigia, como os mencionados, sendo por causa desses interesses que o mesmo lhe atribuiu a vantagem patrimonial correspondente à entrega do montante inscrito no cheque aludido em 10.10., atenta a sua competência para tomar decisões no organismo público onde eram praticados os actos processuais e acessórios relativos aos processos de obras que promovia ou poderia vir a promover ou preparar tecnicamente a sua assunção por outra entidade ou titular competentes.
«10.21. Agiu ainda o arguido AA, por outro lado, com o propósito de aceitar do mesmo YY o valor pecuniário referido em 10.19., que não lhe era devido, para o integrar no património da AA.../OAF, e que visava compensá-lo materialmente pela intervenção, no exercício das aludidas funções públicas de D... M... da A... do T..., favorável à pretensão daquele na resolução da aludida questão favorável aos seus interesses, para o que o arguido só diligenciou motivado pela expectativa criada pelo descrito comportamento anterior de recebimento de vantagem patrimonial, intervenção essa decisiva para tal pretensão ser acolhida favoravelmente.
«10.22. Na mesma zona da cidade onde se encontra implantado o edifício da Rua J… M…, acima referido, existem outros edifícios, com edificação anterior à daquele, que contemplam apenas exclusivo uso de escritório, comércio e serviços.
«10.23. Cumprindo instruções do Vereador OO, com vista a procurar definir um critério objectivo de uso quanto à zona da cidade, onde se encontrava implantado o edifício da Rua J… M…, o arguido procedeu a um estudo, assessorado por técnicos da autarquia, sobre o grau de urbanidade (ou seja, de condições de vivência urbana) dos quarteirões da Baixa de ... o qual mereceu despacho favorável do Vereador Eng. OO e veio a ser aprovado pela Câmara, a 25 de Fevereiro de 2004, com base na informação nº 9 do DMAT, de 13/02/04. 
«10.24. O projecto do edifício sito na Rua P… V… de C… foi deferido em 23.10.1974, sem elevador.
«10.25. Foram efectuados requerimentos à Câmara por moradores desse prédio, alertando para o facto de que tendo o edifício 5 pisos não dispunha, no entanto, de elevador como exigido por lei.
«10.26. O processo foi novamente deferido em 24.05.1990, já com uma caixa para 2 elevadores.
«10.27. Numa acção de fiscalização em 08.04.1994 foi detectado que os trabalhos relativos à caixa de elevadores estavam parados.»
            Situação 11 (relativa a HH / sociedade “V…, Ld.ª”)
«11.1.Em 08/02/2002, a sociedade “V…, I… I… e Turísticos, Lda” (V…, Lda”), requereu à Câmara Municipal de ... a aprovação do pedido de autorização de obras de edificação (projecto de arquitectura) da obra de reconstrução e ampliação de uma moradia unifamiliar sita em ..., destinada a um dos seus sócios,  HH, com quem o arguido AA vem mantendo relacionamento essencialmente decorrente de relações comerciais entre o clube a que preside e o banco “F…”, a que aquele está ligado por ser administrador da holding que gere as participações do grupo.
«11.2. Não obstante se verificar uma dissensão, desde o início do procedimento administrativo, entre o referido HH e os serviços técnicos camarários competentes relativamente à delimitação do lote onde a referida moradia estava implantada, o que condicionou o andamento do processo, a que foi atribuído o n.° 410/02, acabou por ser emitida a licença de construção, que tomou o n.° 252/04, com validade entre 03/05/2004 e 03/07/2005.
«11.3. A requerente indicou como data provável do início dos trabalhos o dia 19/07/2004.
«11.4. A “V…, Lda” é uma sociedade comercial por quotas que desenvolve o seu escopo social no domínio da indústria da construção civil, empreitadas de obras publicas e particulares, urbanizações e concepção, edificação e exploração de empreendimentos turísticos imobiliários, a compra e venda de prédios rústicos e urbanos e a revenda dos adquiridos para esse fim.
«11.5. Com outras, designadamente com “C… – C… do C…, Lda”, onde o referido HH detém igualmente uma participação financeira, é interessada no loteamento conhecido por “V…M…”, nesta cidade, pendente de decisão da CM... desde o ano de 1996.
«11.6. Logo em 22/07/2004 a “... Administradora”, em representação de condomínios de que era administradora, localizados nas imediações do lote onde a aludida obra se desenvolve, comunicou à autarquia a abertura de um arruamento, a construção de um muro e o corte de árvores de espécies raras em prédio adjacente aos imóveis que administrava, referindo-se ao prédio onde a aludida sociedade levada a efeito os trabalhos de construção da moradia, solicitando intervenção.
«11.7. E em 31 de Agosto seguinte, os representantes dos lotes 1, 2, 3 e 4 da P… P… A… HH, igualmente se referindo às mesmas obras, cujas condições de execução, na avaliação feita, comprometiam a segurança do local, requereram informação sobre o licenciamento da obra, que não apresentava placa identificativa da mesma, ao mesmo tempo que davam conta da realização de movimentos de terras que se lhes afiguravam de duvidosa legitimidade, exposição que reafirmaram em 2 de Setembro seguinte.
«11.8. Nesta mesma data, compareceram na Direcção de Gestão Urbana e Renovação Urbana (DGURU) da CM... duas outras moradoras em prédios situados perto do local das obras em questão fornecendo semelhantes informações.
«11.9. Na sequência da primeira das exposições, a Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização (DLDF) fez deslocar ao local o engenheiro técnico TT, o qual, na sequência da observação feita, veio a elaborar a informação n.° 30/2004, de 02/09, constante de fls. 39-40 do Apenso I, aqui dada por inteiramente reproduzida, nos termos da qual era proposto o seguinte:
«“1. Dar conhecimento do andamento do processo à queixosa;
«2. Remeter o processo para a divisão de informação geográfica e de solos a fim de verificar os limites do lote e da estabilidade de um talude…;
«3. Ser instaurado processo de contra-ordenacão…;
«4. Dar conhecimento do atrás proposto ao técnico responsável pela direcção da obra;
«5. Solicitar à Junta de Freguesia de ... informação sobre a existência de serventias na zona dos movimentos de terra que agora possam estar destruídas.”
«11.10. Com data do dia 03/09/2004, o arguido AA proferiu despacho em tal informação no sentido de ser enviada à DMAT, não concretizando qualquer determinação imediata aos serviços que superintendia, antes tecendo sobre a mesma as seguintes considerações:
«“(…) não cabe ao signatário da presente informação tecer considerações/entendimentos como referido e sublinhado em 1.1.3, nem é da sua competência o referido em 2.1.2 (estabilidade de taludes ser verificada pela DIGS), que carece de outro tipo de intervenção técnica”.
«11.11. Na sequência da apresentação do expediente, o arguido chamou o referido engenheiro técnico ao seu gabinete para lhe afirmar que todos os assuntos relacionados com aquele processo deveriam ser-lhe colocados directamente a si, DMAT.
«11.12. De seguida, após deslocação ao local acompanhando o vereador competente, Eng. OO, em 11/09/2004, o arguido elaborou a informação n.º 41/2004, de 13/09, para àquele ser presente, referindo, além do mais, o seguinte:
«“1. Aparentemente, não se está a erguer qualquer muro em espaço cedido à Câmara Municipal de ..., ou seja, de domínio público (tendo em atenção as estacas colocadas para assinalar os limites de propriedade). Não se identifica que árvores terão sido cortadas (de espécimes raras ou outros) nesse mesmo espaço, sendo certo que o projectista e a empresa que está a executar as obras no lote correspondente ao processo em epígrafe tem, manifestamente, grande cuidado na conservação de espécies locais que fazem porte do flora primitiva mediterrânica (loureiros, medronheiros, oliveiras, sobreiros) e os está o integrar no própria envolvente da edificação. Não está a ser executado qualquer arruamento em espaço cedido á Câmara Municipal de ..., para além do acesso aprovado à propriedade correspondente ao processo em epígrafe. O proprietário realizou uma operação de desmatação (mas não arruamento) de forma a permitir uma melhor acessibilidade pedonal ás edificações localizadas a meio da encosta, a partir da zona de acesso ás garagens em cave que servem os prédios do Praceta J…de A…a. Esta operação de desmatacão, parte feita em terreno cedido ao município, foi mandada parar, já antes da 1ª visita ao local, sendo que o eventual acesso ás edificações atrás referidas tem que ser devidamente estudado e projectado pela autarquia.
«2. À data da reunião (02/09) o aviso não estava presente. Foi colocado posteriormente e já o estava aquando da visita. Dado que à data indicada para inicio dos trabalhos é 19/07, é proposta a aplicação da coima mínima (294,40€)
«3. A vedação de protecção está efectivamente fora dos limites da propriedade. Verificou-se a localização das estacas para o futuro muro de vedação, que estão aparentemente (a confirmar pelo Sector de Topografia da DIGS) correctos. Esta vedação de protecção é provisória e destina-se a garantir a segurança para a abertura das valas necessárias à vedação/muro final. Será retirada logo que possível, de modo a que o espaço entre o futuro muro/vedação e o limite do arruamento que dá acesso ás garagens seja devidamente utilizado e tratado.
«4. (…). Propõe-se que a Junta de Freguesia de ... e a Divisão de Informação Geográfica e Solos (com o apoio dos ante proprietários da urbanização da Praceta J... A... e da propriedade objecto de licença de construção n.° 252/04) procurem determinar se existia (ou não) alguma serventia.
«5. (…)
«6. Extremamente vago, não tendo sido possível detectar quais os terrenos adjacentes com eventuais fissuras. Em próxima visita ao local, espera-se que os moradores da Praceta J… de A… coloquem essa questão.
«7. (…)
«8.(…).
«(…). Tanto a fiscalização própria da DLDF já foi ao local, como a DMAT e o próprio Senhor Vereador, no sentido de tratar as questões de maneira mais adequada. A empresa construtora APl, entregou na Câmara Municipal de ... o manual de segurança relativo a esta empreitada.
«10. Parte já referida em 1. Deve auscultar-se a Junta de Freguesia de ... para saber se procedeu (e quando e em que termos) a algum tratamento de eventuais serventias de habitações existentes na Encosta.
«11. (…).
«12. (…).
«13. (…).
«14. (…)
«15. Os grandes movimentos de terras correspondem ao acesso à moradia e à implantação desta, e não na zona posterior á bateria de garagens citada. Pode propor-se, para diminuir qualquer margem de risco, a intervenção técnica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de ..., no sentido de avaliar a questão de estabilidade colocada.
«16. (…)
«17. (…) A deposição de terra em terrenos do requerente que possa ter sido confundida com abertura de caminho até à Circular ... foi mandada parar. Eventual ligação de emergência/alternativa entre a Praceta J… de A…/rua M... de C... e a Circular citada carece de análise e estudo aprofundado, a realizar oportunamente.
«18. (…)
«19. Desconhece-se que caminho ligava à ..., sendo certo que continua a ser possível aceder, a pé, da Praceta J... de A... às edificações da meia encosta e, destas, até ao vale e voltar a subir na direcção da ....
«20. (…).
«21. Os caminhos que podem ser executados são apenas os que foram aprovados com o projecto.
«22. Foi realizada uma reunião com 2 requerentes no dia 02/09, na DLDF, foram feitas acções de fiscalização e visitas ao local. (…)”.
«Para concluir:
«“a) A edificação prevista está legalmente licenciada;
«b) Se existe alguma questão com os limites das propriedades, esta envolve exclusivamente a Autarquia e o titular do processo 001/2002/410;
«c) Cabe apenas ao Município, e só a este, estudar e desenvolver as soluções viárias e/ou pedonais de acessibilidade às edificações de meia encosta ou de eventual ligação à Circular, pelo que quaisquer movimentos de terra, para além dos licenciados, não poderão ser executados;
«d) Havendo dúvidas sobre as questões de segurança, deve contactar-se a FCTUC para elaborar pareceres técnicos de apoio que permitam concretizar obras ou acções, para além das licenciadas, que possam ser previstas ou se revelem necessárias;
«e) (…);
«f) (…)”.
«11.13. Sobre tal informação, o vereador competente proferiu despacho no sentido de ser conferido ao processo em causa, textualmente, “a melhor atenção dos serviços, no sentido de garantir que as obras executadas correspondam efectivamente ao que foi aprovado e que decorram de acordo com as normas contidas no manual de segurança relativa à empreitada (…)”.
«11.14. No entanto, não obstante as funções que detinha e a assunção pessoal do acompanhamento do processo referente à obra, quer por iniciativa própria quer por determinação do vereador competente, a mesma decorreu sem qualquer acto de fiscalização durante o primeiro período de vigência da licença de construção, entre 19/07/2004 e 03/07/2005, exceptuada a aludida deslocação ao local, em 02/09/2004, do Eng. TT, determinada sem intervenção do arguido.
«11.15. Não obstante os continuados pedidos de intervenção da CM... por parte dos condomínios e moradores em prédios contíguos ao prédio onde eram levados a cabo os trabalhos por parte da “V…, Lda”, moradores esses que chegaram a intervir em sessão da CM... no próprio dia em que o arguido lavrava a referida informação de 13/09/2004.
«11.16. Com efeito, com data de 08/09/2004, o referido vereador determinou o envio ao arguido de um memorando entregue nos serviços da autarquia no qual se dava nota, entre outros factos, da realização de grandes movimentos de terras na zona posterior da bateria de garagens, que podia por em causa a estabilidade dessas construções, o abate indiscriminado de árvores e execução de caminhos em zona verde de protecção, a abertura de um caminho até à circular interna, sem acautelar a estabilidade dos terrenos, abertura de entrada em zona pertencente ao loteamento e na área cedida à CM..., com movimentação de terras desajustados e colocação de vedações e a supressão de um caminho público de ligação à ....
«11.17. Com data do dia seguinte, 09/09/2004, os representantes dos lotes 6, 7, 8, 9, 10 e 11 situados nas imediações da construção, apresentaram novo requerimento onde, uma vez mais, se dava nota da existência de grandes movimentos de terras, acompanhados do derrube de árvores, destruição do solo vivo e coberto vegetal, descarga de entulho, de que resultaria alteração da topografia, tudo realizado em zona verde de protecção, e de forma de poder colocar em perigo a estabilidade dos edifícios e infra-estruturas adjacentes, documento que veio a ser anexado ao procedimento respectivo.
«11.18. Estas exposições foram remetidas também à Provedoria do Ambiente e Qualidade de Vida Urbana que, por ofícios de 10/09/2004, solicitou ao vereador competente e ao DMAT, o arguido AA, informação relativa à mencionada movimentação de terras. O primeiro remeteu o pedido à DLDF, enquanto o arguido determinou a sua junção ao processo, nenhuma informação prestando então.
«11.19. Apenas mediante insistência do mesmo organismo de 08/10/2004, com data de 09/11/2004, enquanto o referido vereador despachava no sentido do seu envio à mesma divisão da DMAT, o arguido prestou àquela provedoria a seguinte informação:
«“(…) o processo em questão se refere ao licenciamento de uma moradia com área de construção de 1.073,78 m2, com 2 pisos acima da cota de soleira e 1 abaixo da mesma cota, destinado a habitação, edificada num terreno com 69.220,00 m2 (no mesmo local existia, á data, uma edificação com 2 pisos e 386 m de superfície coberta total).
«Esta moradia corresponde ao processo 410/02, cujo registo data de 08/02/2002, que foi objecto de informações técnicas por parte da Divisão de Estruturação e Renovação Urbana (DERU) (706, de 24/04/2002: 376. de 4/02/2003, com despacho de deferimento por parte do Ex. Sr. Vereador Eng. OO com data de 06/06/2003, em relação ao projecto de arquitectura). Após a apresentação dos projectos de especialidades e sua apreciação por parte das entidades licenciadoras e pela DERU, foi emitido o alvará de licença de construção n. ° 254/04, levantado pelo requerente em 19/07/2004.
«Esta obra tem sido acompanhada por parte da Fiscalização (DLDF), tendo-se verificado, a 03/09/2004 que não estava afixado o aviso com indicação da licença de construção (entre outros elementos obrigatórios), e que estavam o realizar-se alguns movimentos de terra não compagináveis na Licença de Construção n. 254/04, os quais foram mandados parar, o que foi imediatamente acatado pelo requerente.
«Desde então o processo tem sido seguido quase em permanência, tendo sido realizadas duas visitas ao local pelo Sr. Vereador Eng. OO e  DMAT. A obra tem prosseguido respeitando integralmente a licença.
«Assim, verifica-se que as obras em curso respeitam integralmente o Regulamento do PDM, estando a moradia em causa inserida em Zona Residencial R. 3.7 (onde é possível a edificação até 7 pisos para além das caves”.
«11.20. Sucede que, por razoes técnicas, que se prendiam com o facto de o terreno firme se situar a uma cota inferior à prevista no projecto aprovado, foram realizadas alterações nas zonas do patamar de acesso à habitação, da cave do corpo habitacional situado a norte e na zona habitacional localizada a sul, tudo conforme projecto de alterações que apenas em Maio de 2005 viria a ser apresentado aos serviços competentes da autarquia, referidas na memória descritiva de fls. 50-51 do Apenso I, aqui dadas por inteiramente reproduzidas, alterações essas que determinaram um aumento da área de construção, o que, por se tratar de moradia uni-familiar, nos termos do Regulamento do PDM e do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação, carecia de justificação adequada e da apresentação de estudo de integração.
«11.21. Continuaram os representantes dos referidos condomínios apresentar pedidos de informação dirigidos à CM... relativamente à obra em questão, o que fizeram a 06/01/2005, 13/04/2005, 31/05/2005 e 06/12/2005, nenhuma iniciativa tendo o arguido tomado ou determinado a qualquer dos serviços a que superintendia.
«11.22. Por outro lado, sob proposta da Senhora Eng. M… A… A… contida na Informação n.° 1222, de 01/09/2005, constante de fls. 52-53 do Apenso 1, aqui igualmente dada por reproduzido, o vereador competente determinou, para além do mais, a notificação do requerente para sobre ela ser ouvido relativamente ao indeferimento do pedido de prorrogação do alvará de licença n.° 252/04, por haver dado entrada fora do prazo. No entanto, o arguido AA, assumindo a condução posterior de tal pedido de prorrogação, com data de 27/09/2005, proferiu despacho no sentido de o mesmo ser deferido, considerando o pedido em tempo, prorrogando a licença como pretendido, tendo sido essa a única questão relativamente à qual se pronunciou em tal despacho, não se pronunciando quanto às demais questões que constavam de tal informação, designadamente quanto à realização de uma acção de fiscalização à obra, acabando a referida informação nº 1222 que veio a ser reformulada em função do seu despacho, tomando o nº 1346, constante de fls. 55-56 do Apenso I, cujo teor se dá por reproduzido, por não subsistir, nenhum efeito produzindo quanto ao aí proposto relativamente à fiscalização da obra.
«11.23. Com efeito, essa informação n.º 1346, contemporânea ao despacho do arguido acabado de referir, de 27/09/2005, que, noutro segmento, propunha a notificação da requerente “V…, Lda” para apresentar as peças desenhadas nela referidas a fim de que o projecto de alterações pudesse ser analisado, notificação essa que fora entretanto efectuada concomitantemente com a notificação ao requerente para se pronunciar sobre a proposta de indeferimento do pedido de prorrogação da licença de obras, foi cumprida apenas na parte em que, na sequência daquele despacho, deferia a prorrogação do prazo da licença.
«11.24. O arguido AA, por determinação do vereador do pelouro, no sentido de ao processo em apreço ser conferido um acompanhamento mais incisivo, assumiu a sua direcção, tendo o respectivo processo estado na DMAT desde 03/09/2004 até 23/03/2005, data em que transitou para o arquivo activo.
«11.25. A obra em causa acabaria por ser embargada por despacho do vereador competente de 01/02/2006, concretizado no respectivo auto, datado de 08/02/2006, na sequência de deslocação do engenheiro técnico TT em 27/01/2006, tudo, pois, após a cessação da comissão de serviço por parte do arguido AA como DMAT.
«11.26. Em tal acção de fiscalização, o referido técnico verificou terem sido executadas sem licença obras exteriores em área definida pelo Plano Director Municipal como zona verde (V2), com destruição ao coberto vegetal, tendo igualmente sido levados a cabo escavações, aterros e muros de suporte em contravenção ao disposto nos artigos 39° e 40° do Regulamento do PDM entre outras alterações ao projecto licenciado, umas já constantes do projecto de alterações apresentado em Maio do ano anterior mas ainda não deferido, outras não, e sem a apresentação de estudos geológicos e geotécnicos que suportassem a sua construção e garantissem a segurança das zonas envolventes quanto à estabilidade das construções e dos solos, tudo descrito na participação e informação n. 327/2006, a fls. 15 e 16 do Apenso II, respectivamente, aqui dadas por inteiramente reproduzidas.
«11.27. Relativamente ao projecto inicial, aprovado pela CML, o projecto de alterações apresentado em Maio de 2005 compreendia:
«a) Construção de um piso interior ao piso térreo aprovado (resultante da escavação do talude);
«b) Criação de piso destinado a estacionamento e ampliação da área aprovada a este nível para sul;
«c) Redimensionamento dos espaços anteriormente aprovados aos níveis do 3° e 4° pisos;
«d) Aumento da volumetria e cêrcea prevista para os blocos entre aproximadamente 1,5 m e 2,0 m;
«e) Criação de muros de pedra para suportar os patamares criados;
«f) Criação de um arruamento com 3,0 m de largura que atravessa toda a zona verde de protecção com acesso através da circular interna.
«11.28. Tal aditamento ao projecto mereceu dos serviços técnicos da CM... – DGURU – proposta de indeferimento, sancionada pelo vereador competente em despacho de 27/01/2006, de que veio a ser dado conhecimento ao interessado para sobre ela se pronunciar nos termos do procedimento administrativo aplicável.
«11.29. No dia 16 de Dezembro de 2006 viria a ocorrer um deslizamento de terras entre a Rua ... e a Avenida ... (Cl) iniciado numa zona de aterro correspondente a movimentos de terra para execução de caminhos de acesso à referida moradia.
«11.30. Agiu o arguido AA da forma supra descrita, para conferir protecção aos interesses do referido HH não promovendo, como lhe competia, a fiscalização efectiva da obra, com o propósito de obviar à suspensão dos trabalhos de construção da referida moradia e das obras na envolvente, permitindo ao dono da obra a sua execução sem prévia aprovação e satisfação das exigências legais e regulamentares referenciadas, assim inviabilizando a responsabilização contra-ordenacional atempada da titular do alvará de licença por execução de obras não licenciadas, benefício que esta não alcançaria de outra forma, incumprindo, assim, os seus deveres de zelo, isenção e de Imparcialidade da Administração.
«Da contestação apresentada pelo arguido, com interesse à decisão da causa, provou-se:
«11.31. O registo nº 41899 relativo ao pedido de prorrogação da licença de construção válida até 3 de Julho de 2005, a que alude o ponto 11.22., deu entrada na Câmara Municipal em 5.07.2005, sendo o dia 4.07.2005 uma segunda-feira e feriado municipal em ....
«11.32. O arguido detinha competência em matéria de licenças e suas prorrogações.
«11.33. Tendo tomado conhecimento da informação e do despacho que sobre a mesma havia recaído relativamente ao indeferimento do pedido de prorrogação do alvará de licença com o fundamento de ter sido apresentado fora de prazo, o HH falou com o arguido expondo-lhe a situação, pelo que o arguido proferiu o despacho aludido em 11.22.
«11.34. O Vereador OO na sequência da informação do arguido nº41/2004 de 13.09, a que alude o ponto 11.12., solicitou em 11.10.2004 a um professor da Universidade de ..., Professor L… J… L… L… um estudo técnico/parecer quanto à avaliação e diminuição de riscos geotécnicos na zona em referência.     
«11.35. O arguido e o Vereador OO deslocaram-se à obra, pelo menos por duas vezes, até Novembro de 2004, tendo ainda o arguido visitado a obra em 2005, em datas não apuradas.
«11.37[4]. Antes e depois do período referido no ponto 11.24. o processo transitou entre as diversas divisões da Câmara Municipal, designadamente a DLDF e a DERU em diversos períodos.»
«III
«- Nas situações que acima vêm descritas nos pontos 1., 3. a 7., 10. e 11., o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, ciente da ilicitude da sua conduta.
«- Ao actuar na forma descrita nas situações e período referidas em 1., 3. a 7. e 10., o arguido viu facilitada a sua actividade ilícita pela amplitude dos poderes que lhe eram conferidos como Director Municipal e pelo sucesso que foi tendo na realização de tais actos, sem que a sua actuação fosse colocada em causa, norteado e motivado pelas constantes dificuldades económicas e financeiras do clube por si presidido e dos compromissos que a este cabia assegurar ao longo de tal período.»
«IV
«1. Enquanto exerceu o cargo de DMAT o arguido procurou desenhar e implementar algumas regras de eficácia e produtividade na análise de processos e procedimentos, abrangendo os serviços camarários dele dependentes.
«2. O arguido é bem considerado pelas pessoas que com ele privam, tido como profissional e técnico altamente competente e dedicado ao exercício profissional. É, ainda, considerado uma pessoa de personalidade vincada, afável, determinada e exigente.
«3. Enquanto Presidente da Direcção da AA...-OAF é tido, por quem com ele priva, como muito dedicado aos interesses daquela associação desportiva, no sucesso da qual se empenha de forma rigorosa, exigente e eficaz.
«4. O arguido, neste momento, mantém-se como Presidente da Direcção da AA...-OAF e não exerce qualquer actividade profissional remunerada, vivendo, juntamente com a família, mulher e duas filhas estudantes, dos rendimentos prediais que recebe mensalmente, na ordem dos 10.000,00€.
«5. O arguido não tem antecedentes criminais.
«V
«1. Na sequência de busca efectuada à residência do arguido em 7.02.2006, foram apreendidas ao arguido AA diversas quantias monetárias, no valor total 103.600,00 € (cento e três mil e seiscentos Euros), que o mesmo tinha acondicionadas no interior do veículo de matrícula xx-xx-xx., que se encontrava estacionado na garagem da sua residência, sita à Q… de S. M…, n.° xx, nesta cidade, da forma como se passa a descrever:
«- Num envelope com as inscrições “25.000” e “50x500”, a quantia total de 25.000,00€ (vinte e cinco mil Euros) em 50 notas do Banco Central Europeu de 500€;
«- Num envelope com as inscrições “10.000” e “30x500”, a quantia total de 15.000,00€ (quinze mil Euros) em 30 notas do Banco Central Europeu de 500€;
«- Num envelope com as inscrições “50 40 > 200 18.000”, “20 x 100 = 2.000” “20.000€, a quantia total de 20.000,00€ (vinte mil Euros) em 90 notas do Banco Central Europeu de 200€ e 20 notas de 100€ do mesmo banco;
«- Num envelope com a inscrição “20.000” e outras referências riscadas, a quantia total de 20.000,00€ (vinte mil Euros) em 200 notas do Banco Central Europeu de 100€;
«- Num envelope sem referências, a quantia total de 10.100,00€ (dez mil e cem Euros) em 101 notas do Banco Central Europeu de 100€;
«- Num envelope timbrado com o logótipo do clube (AA...-OAF) com as inscrições “35x100” e “Dr. A…”, a quantia total de 3.500,00€ (três mil e quinhentos Euros) em 35 notas do Banco Central Europeu de 100€;
«- Num envelope timbrado com o logótipo da empresa “NN & NN, Construções, Lda” com as inscrições “5.000” e “100x50”, a quantia total de 5.000,00€ (cinco mil euros) em 100 notas do Banco Central Europeu de 50,00€ e,
«- Num envelope com as inscrições “5.000€” e “(100x50)”, a quantia total de “5.000,00€” (cinco mil Euros) em 100 notas do Banco Central Europeu de 50,00€.
«2- Na sequência da prestação de garantia bancária pelo arguido, junta a fls. 45 do apenso H, relativamente à quantia apreendida de 90.000,00€, foi determinado o levantamento da apreensão relativamente a esse valor.»
***
            1.5. A relação foi chamada a conhecer de facto, no quadro dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, e, em termos amplos, por erro de julgamento.
            Neste ponto, o acórdão da relação, após a produção de subsídios teoréticos, a propósito, no que respeita concretamente ao recurso do arguido, mostra-se fundamentado como segue:
«3.3.3. Recurso interposto pelo arguido
«Como já foi referido, se o tribunal recorrido não tiver apreciado a prova, na forma motivada prevista no art. 374º n.º2 do CPP, a sentença è nula, nos termos do art. 379º.
«Daí que, como foi equacionado nas considerações preliminares sobre a natureza do recurso e ónus de especificação, compete ao recorrente que impugne a sentença – devidamente fundamentada – rebater os seus fundamentos, demonstrando o erro in judicando.
«Competindo ao recorrente especificar não só os factos concretos impugnados, como ainda os meios de prova e conteúdos probatórios susceptíveis de imporem decisão diversa da recorrida, nos precisos termos do art. 412º, n.º3 e 4 do CPP.
«Sendo certo que, sob pena de total subversão do instituto do recurso, eventual despacho de aperfeiçoamento apenas pode abranger as conclusões, que não a motivação que lhe serve de suporte.
«Na impugnação da decisão recorrida, o recorrente invoca indistintamente questões de facto (vícios do art. 410º, n.º2 e questões relativas aos meios de prova e sua reapreciação) e questões de direito, imbricando-as.
«Seguindo a ordem de precedência lógica indicada nos artigos 368º/369º do CPP, por remissão do art. 424º, n.º2 do mesmo diploma procede-se à apreciação separada das questões de facto e de direito.
«*
«As considerações tecidas nas conclusões 1 a 6 são relativas à prova pericial.
«Tendo sido apreciadas em sede de apreciação do recurso interlocutório nos termos que aqui se dão por reproduzidos.
«*
«As conclusões 7 a 12 referem-se à violação do direito de defesa
«Alega o recorrente a utilização de uma inconstitucional “presunção de culpa”.
«O fundamento alegado pelo recorrente para a presunção de culpa invocada é um “lamentável erro de direito” (cfr. conclusão 7) que radicaria na valoração, contra o arguido, do direito ao silêncio e à não auto-incriminação.
«Como o próprio reconhece, o arguido quis prestar – e prestou, efectivamente - declarações em audiência, de forma voluntária, no momento que entendeu por oportuno, sem que o tribunal tenha levantado qualquer obstáculo.
«Assim, se quis prestar declarações, como prestou efectivamente – estando fora de questão qualquer forma de coacção - nada impede que o tribunal proceda à sua apreciação valoração desde que o faça em conformidade com os critérios legais, de forma crítica e objectiva, no confronto com os restantes meios de prova.
«Ora, o tribunal não retirou qualquer efeito probatório relevante, do “timing” das declarações – nem o recorrente o alega, em verdade, apenas o insinuando através da alegada violação do direito ao silêncio (não exercido).
«O tribunal limitou-se a constatar o “timing”, efectivo, no contexto da apreciação crítica da negação dos factos típicos, pelo arguido, no confronto com o teor dos restantes meios de prova sobre que o recorrente se pronunciou após a respectiva produção.
«Não existindo, pois, qualquer aplicação de presunção de culpa.
«O mesmo se diga no que toca à afirmação relativa à “confusão” de actividades imputada à decisão recorrida. Pois que o tribunal não retira qualquer presunção (nem o recorrente a identifica), em abstracto, da mera circunstância de o arguido exercer, simultaneamente, funções na Câmara e no O... A... do F... da AA...
«Pelo contrário os factos – concretos - são estabelecidos, como resulta da respectiva motivação probatória supra reproduzida, com base na apreciação de meios de prova objectivos, a partir do pressuposto nuclear da prova documental, nos termos a que se fará melhor referência em sede própria. 
«No que concerne à afirmação de que o tribunal se demitiu de criar condições para afastar o ambiente de “temor” das testemunhas (conclusão 8), cumpre salientar que o recorrente não especifica em que é que o alegado temor pudesse relevar em termos probatórios, designadamente em termos de prejudicar a sua posição. E o alegado temor (que o tribunal recorrido refere entre aspas) nunca seria inibitório no sentido de “prejudicar” a posição do arguido. Pelo contrário a referida inibição, no contexto em que é referido apenas favoreceu o arguido, pois que se no sentido de que não terão sido relatados factos da acusação com a assertividade que poderia em função da razão de ciência das testemunhas (por ex. o depoimento em audiência da testemunha cuja leitura do depoimento prestado na fase de inquérito constituía objecto do recurso interlocutório do MºPº). Favorecendo assim a falada inibição a posição negatória do arguido, na motivação da decisão recorrida que não é rebatida materialmente.
«Assim também nesta perspectiva não houve qualquer violação do direito de defesa do arguido que pode contraditar os depoimentos em toda a amplitude.
«*
«Na conclusão 13 inicia o recorrente a crítica à decisão recorrida com base nos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art. 412º[5] do CPP. Indicando na conclusão 13 os pontos tidos por incorrectamente julgados e desenvolvendo nas conclusões seguintes os fundamentos materiais para tal.
«O critério dos vícios foi equacionado supra em motivação que aqui se renova, dando-a por reproduzida. Constituindo vícios lógicos da decisão em si, que hão-de emergir do texto da própria decisão e/ou do mero confronto dos termos da decisão com as regras da experiência comum. Distinguindo-se da impugnação da decisão de facto com base na reapreciação da prova gravada, nos termos supra equacionados.
«Ora o recorrente arrola os aludidos vícios sem curar de especificar em que possa consistir cada um deles - insuficiência de investigação de matéria de facto (qual?) notoriedade do erro de apreciação de concretos conteúdos probatórios sobre concretos pontos da matéria de facto; de onde emerge ou em que possa radicar uma contradição insanável de concretos pontos da matéria de facto e/ou desta com a fundamentação que lhe serve de suporte, numa perspectiva dirigida à economia, supra traçada, dos aludidos vícios – de natureza lógica, a emergir da sentença por si ou no mero confronto com as regras da experiência.
«Com efeito, depois de reproduzir os pontos da matéria de facto que “considera incorrectamente julgados” – com base nos aludidos vícios – o recorrente invoca, como fundamento desses mesmos vícios (da matéria de facto) o “pré-juízo” e uma “confusão” em que, alega, repousa a decisão recorrida.
«Por sua vez os aludidos “pré-juízo” e “confusão” radicam, nuclearmente, nos fundamentos (de direito) previamente invocados nas conclusões 9 a 12. Ou seja, na asserção de que “a entrega de donativos à AA...-OAF não é em si algo de indevido, apenas passando a sê-lo, da perspectiva de quem os concede, quando determinada apenas pela obtenção de benefícios pessoais”.
«Os argumentos invocados não são, pois, de natureza probatória ou factual, mas antes de enquadramento jurídico (tendente a demonstrar a não verificação dos pressupostos do tipo subjectivo do crime), como tal estranha á economia fáctica supra traçada, dos vícios do art. 410º, n.º2 - o brilho do exercício de retórica não supre a insipiência de caracterização dos aludidos vícios, de natureza aparente, ostensiva, além de reportados a pontos concretos da decisão da matéria de facto.
«As conclusões 14-15-16 radicam apenas no “pré-juízo” e na “confusão” relativa à acumulação de cargos a que já se fez referência, tendente a demonstrar, com base naquilo que o tribunal recorrido ponderou expressamente (fls. 276-277) que “o recorrente não procurou auferir vantagem ou benefício para si próprio mas sim para a AA...”. O que o tribunal deu como assente, não podendo, por isso, ser censurado por não o ter feito. Apenas importando daí retirar, em sede própria, as consequências de direito, quanto ao preenchimento dos pressupostos do tipo objectivo e subjectivo do crime.
«Na mesma senda as conclusões 16 a 20 criticam a decisão recorrida pela “confusão” entre um contrato gratuito e um contrato unilateral e por não apontar ao recorrente a prática de qualquer acto ilícito nulo ou substancialmente inválido ou não apontar “as realidades vividas tradutoras de tal malfeitoria”. Critério, jurídico, estranho à economia dos apontados vícios.
«Na conclusão 21 alega-se que o tribunal não fez qualquer referência à consciência da ilicitude.
«Tal afirmação evidencia que o recorrente critica a decisão fáctica recorrida alheado da mesma. Na verdade, em matéria fáctica, tal é claramente contrariado pela matéria descrita sob o ponto III da descrição da matéria provada: “III- Nas situações que acima vêm descritas nos pontos 1., 3. a 7., 10. e 11., o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, ciente da ilicitude da sua conduta. - Ao actuar na forma descrita nas situações e período referidas em 1., 3. a 7. e 10., o arguido viu facilitada a sua actividade ilícita pela amplitude dos poderes que lhe eram conferidos como Director Municipal e pelo sucesso que foi tendo na realização de tais actos, sem que a sua actuação fosse colocada em causa, norteado e motivado pelas constantes dificuldades económicas e financeiras do clube por si presidido e dos compromissos que a este cabia assegurar ao longo de tal período”.
«A asserção com que inicia a conclusão 22 (“Destarte”) demonstra que a mesma repousa nas premissas enunciadas nas anteriores.
«Ora a referência ao depoimento da testemunha OO não adianta nada de relevante. Quer porque nem se alega que a testemunha tenha dito, seja o que for, diferente daquilo que a decisão recorrida lhe atribui. Quer porque – et pour cause – não se especifica qualquer passagem que contrarie o conteúdo probatório que o tribunal recorrido retira do depoimento da aludida testemunha. Assentando, pelo contrário, na perspectiva abstracta/conclusiva de que a decisão outorga ao recorrente poderes funcionais que não lhe cabiam.
«A conclusão 23 constitui mera consequência das anteriores, nada adiantando em termos de motivação.
«Alega o recorrente (conclusão 24) que o ponto 2.25 deve passar a ter apenas a seguinte redacção: “o arguido AA (…) com o necessário reforço das fundações de alguns lotes e edificação de outros já com estrutura adequada a suportar os pisos, o que havia sido iniciado em meados do ano de 2004” porquanto a redacção dada no acórdão recorrido “viola as mais elementares regras do pensamento lógico como se pode assacar do depoimento da testemunha OO”.
«Para além de não se ver como poderia a testemunha testemunhar sobre regras do pensamento lógico, não se dá o recorrente ao trabalho de as demonstrar, probatoriamente, remetendo genericamente para o depoimento.
«Dando como demonstrado (a invocada lógica dispensa provas provadas), por efeito do seu alto critério, aquilo que competia demonstrar – não especificando nem o vício lógico assacado nem qualquer passagem do depoimento que contrarie qualquer ponto concreto da decisão.
«O mesmo se diga das conclusões 25 e 26 onde, amontoando referências a depoimentos, na sua indiscriminada globalidade (desnecessariamente na economia dos vícios do art. 410º invocados) não é feito o mínimo esforço de especificação de passagens dos mesmos, não só que contrariem a sua valoração subjacente à decisão, como, por maioria de razão, capazes de impor decisão diversa.
«O que acaba de ser referido aplica-se à consequência (“Destarte”) extraída em 27 e 28 das conclusões anteriores. Bem como á conclusão 29 (“Em consequência”). Pois que qualquer conclusão pressupõe a demonstração das premissas em que é ancorada. Decorrendo inexoravelmente da falta das premissas a improcedência das conclusões que lhe servem de suporte.
«*
«Conclusões 30 a 40, relativas ao “caso LL”.
«Merece aplauso incondicional a invocada necessidade de especialização dos tribunais. No entanto, constituindo matéria de reserva da Assembleia da República, surge como estranha ao âmbito do recurso.
«A falada inexistência de qualquer ilegalidade e falta de consideração de “dados legais” reportada na conclusão 31 constitui matéria de direito. E a justificação apresentada para a afirmação seguinte (“como tal”) evidencia o vazio, em termos probatórios, da premissa em que repousa.
«Daí que – face à apontada petição de princípio das conclusões anteriores - logo de seguida o recorrente sinta necessidade de fazer apelo a “elementos probatórios do apenso XXV e diversos depoimentos”. Fazendo-o porém dentro do quadro conclusivo previamente traçado.
«Assim o recorrente dá como demonstrado aquilo que lhe competia demonstrar em termos probatórios. Não especificando pontos da decisão ou da motivação que integrem os pressupostos dos vícios do art. 410º, 2 nem meios probatórios produzidos em audiência (porque nem invoca nem existem concretas afirmações ou fundamentos probatórios que contrariem a motivação da decisão recorrida) capazes de imporem a decisão que pretende.
«Tão pouco especificando o conteúdo dos falados elementos probatórios do apenso nem dos depoimentos, muito menos curando de justificar, em termos de produção e valoração da prova, que sejam capazes de impor decisão diversa da recorrida, ou por conterem afirmação diversas das atribuídas ela decisão, ou por valorados em desconformidade com critérios legais.
«O mesmo se diga em relação à conclusão 32 que tem como único fundamento a já apreciada “récita acabada de referir”.
«No que toca à asserção relativa à “inadmissível afirmação constante do segundo § de fls. 108” (cfr. conclusão 33), além de truncar o sentido da decisão, não configura, manifestamente, qualquer dos vícios do art. 412º[6], n.º2 do CPP.
«Por outro lado, visto o aludido parágrafo da decisão, verifica-se que o mesmo se limita a constatar que as declarações do arguido são infirmadas, além do mais, pela prova documental referenciada no § imediatamente anterior: documentos de fls. 33-35 do apenso 21-C e fotocópia do cheques confirmados pela testemunha (…) e documentos de fls. 3952 e 3953)”.
«Acresce que se trata de afirmação conclusiva relativa à verificação, in casu, dos elementos do delito de corrupção. Pois que tende a demonstrar a alegação de que “não é possível sacar elementos nos quais se estribe uma condenação pelo delito de corrupção”.
«A afirmação contida na conclusão 34 de que “não é expectável assacar ao LL, de acordo com os conhecimentos do comum das pessoas, numa perspectiva de normalidade e razoabilidade (…) que não é nem nunca fora anteriormente construtor civil, qualquer pretensão perante a Câmara Municipal”, além de não justificada, minimamente, em termos probatórios, é ostensivamente contrariada pelas circunstâncias descritas em 3.3., a saber:
«– notificações pessoais efectuadas pela Câmara ao dito LL, relativas aos dois Lotes de terreno que o mesmo dito LL fez doação a suas duas filhas, com implantações construtivas em apreciação na câmara em curso.
«Na conclusão 38, com incidência em matéria de facto, é invocada a violação do princípio in dubio pro reo.
«O invocado princípio significa, como equacionado supra que em caso de dúvida probatória/fáctica razoável, devidamente fundamentada na análise exaustiva dos supostos conteúdos probatórios, o tribunal deva aceitar a versão que favorece o arguido.
«No caso, o fundamento invocado pelo recorrente é o da “dificuldade de compreensão do tribunal”
«Ora, a “dificuldade de compreensão” invocada como fundamento da violação do princípio é retirada do contexto em que se insere no acórdão recorrido. Sendo certo que dessa “dificuldade” não é retirada qualquer consequência em termos probatórios relativamente a qualquer ponto de facto concreto. Muito menos tendo a decisão acolhido, de entre perspectivas probatórias ambivalentes, aquela que pudesse prejudicar o arguido.
«Não resulta assim qualquer situação de dúvida probatória razoável que o tribunal tivesse decidido contra o arguido em violação do invocado princípio.
«Também nas conclusões 39 e 40 o recorrente não identifica qualquer passagem concreta dos dois depoimentos invocados que dê suporte probatório à não verificação ou à negação frontal dos factos descritos sob ponto 3.9. que se pretende ver dados como não provados. Não resultando tão-pouco da gravação dos depoimentos efectuada, minimamente, qualquer passagem que contrária ao conteúdo que deles extrai a decisão recorrida, muito menos susceptível de impor a decisão proposta pelo recorrente.
«O aditamento do facto oposto (a testemunha nunca deu ou prometeu vantagem… o arguido não praticou qualquer ilícito – negação do facto que se pretende não provado), além da não especificação de conteúdo probatório que o afirme, é de natureza conclusiva. E trata-se de facto(?)/afirmação  negativa, cuja prova constituiria a chamada probatio diabólica, de cariz impossível, uma vez que se é difícil a prova do facto positivo, concreto, situado no tempo, histórico (que, por força do princípio in dubio, em caso de dúvida razoável tem que ser dado como não provado, sem mais, sem necessidade de prova do contrário) é impossível a prova de que “jamais, em tempo algum, alguém não fez”.
«Por último, as asserções do recorrente são infirmadas, objectivamente, pela emissão e desconto dos cheques sem outra causa aparente, muito menos lógica ou razoável, que não fosse a apontada na decisão recorrida.
«*
«Conclusões 41 a 50 – “Caso NN”
«Ao longo das aludidas conclusões o recorrente referencia excertos da motivação do acórdão recorrido, dos quais vai concluindo que o tribunal recorrido: “- se desinteressou da motivação do Sr. NN; - fez “confusão” entre duas áreas “aborrecidas entre si”, a “desportivo-financeira” e “a dos homens sérios”; - fez “confusão daquilo que deveria ser o circunstancialismo típico”; - confundiu a “nuda cogitatio” com acto ilícito; - confundiu a acumulação entre uma “profissão” da esfera pública e uma ocupação privada “à boa maneira autoritária e ideologicamente retrógrada”.
«Concluindo (48) que «esta fati species criminosa só pode afirmar-se quando o agente pede ou aceita uma vantagem que lhe não seja devida, o que circunscreve a relevância típica dos “pedidos” ou “aceitações” para as quais não existe uma vantagem razoável»
«Tudo para chegar ao remate final (49-50) de que “Resulta assim das considerações tecidas sobre este caso que a fatualidade encerrada no ponto 4.3. resulta de uma mera inferência ou presunção fáctica a que o tribunal acriticamente aderiu por força de tal prejuízo”.
«Assim, embora expendendo, douta e proficuamente, sobre os elementos típicos do crime, conclui – sem qualquer esforço de demonstração de especificação fáctica ou probatória, como exige o art. 412º, n.ºs  3 e 4 – em termos probatórios, salvo a invocada “mera inferência” que aponta para a (re)apreciação da prova.
«Ora, em termos materiais, resulta da síntese da motivação arrolada como suporte da invocada “mera inferência” que o recorrente faz tábua rasa da motivação exaustiva da decisão recorrida.
«A qual (decisão recorrida), neste ponto, repousa na apreciação conjugada e complementar de um vasto manancial probatório apreciado criticamente ao longo de 7 páginas (125 a 131, ambas inclusive).
«Com efeito, ali se refere, além do mais (reprodução): ««« declarações prestadas por NN, na parte em que tais declarações se mostraram consonantes e credíveis face aos demais elementos de prova produzidos, designadamente, quanto à entrega efectuada, na Câmara Municipal de ..., directa e pessoalmente ao arguido AA, que sabia ser D... M..., de dois cheques, cada um no montante de 5.000,00€, de duas empresas de que era proprietário (as indicadas na pronúncia), como donativos para a A..., atentas as dificuldades financeiras que aquela atravessava, pese embora refira que o seu clube de preferência é o Benfica, não ter qualquer ligação à A... e não ser natural de ..., cidade onde, todavia, constrói há vários anos. (…) Inquirido sobre a existência de um envelope da “NN & NN”, apreendido na busca efectuada à residência, garagem e interior da viatura do arguido AA, contendo no seu interior a quantia de 5.000,00€ (cfr. fls. 940/941 e 694) (…) o arguido AA admitiu terem-lhe sido entregues na Câmara Municipal, os cheques, donativos em questão, pelo NN, referindo, também, ter estado numa reunião com aquele empreiteiro, juntamente com outros promotores, onde foram apreciadas questões relativamente a um loteamento na Pedrulha, processo relativamente ao qual, afirma, não ter tido qualquer intervenção, tendo apenas expressado a sua opinião, sobre algumas questões de acessibilidades e cedências que se suscitavam e que pese embora houvesse expediente que lhe foi remetido – vide fls.5513 a 5517 – este era da competência do Engenheiro OO, intervindo quando tal lhe era solicitado. A testemunha P… M… M… da C.., arquitecto a exercer funções na Câmara Municipal de ..., referiu-nos sobre a intervenção do arguido neste processo, relativamente a uma questão técnica/gráfica do projecto para ser sujeita a deliberação, explicando a situação do processo de loteamento. Também a testemunha L… A… M… R…, arquitecto responsável pelo acompanhamento do loteamento da Pedrulha, esclareceu as dificuldades que o mesmo apresentava, referindo-nos sobre várias reuniões na Câmara, algumas das quais com o DMAT e ora arguido AA, no gabinete deste, o que sucedeu, pelo menos, por duas vezes, tendo sido acompanhado pelo NN. Explicou a intervenção de diversos técnicos da câmara neste processo e as questões que estavam pendentes relativamente ao loteamento em apreço e bem assim a intervenção do arguido AA nas reuniões finais, em 2004, nas quais este comunicou estarem supridas as questões levantadas. Nas palavras da testemunha, o arguido AA era o “técnico máximo da câmara que analisava os projectos”. A testemunha L… M…C… e A… M… G…, engenheiro civil e chefe de divisão de gestão urbanística, referiram sobre o loteamento da Pedrulha e sobre uma das reuniões relativas a esse loteamento, em que estiveram presentes o Eng. OO, juntamente com o DMAT, e os promotores daquele empreendimento, entre os quais o arguido NN, para discussão de questões técnicas relativas ao mesmo. Por seu turno, a testemunha L… F… da C… N…, engenheiro civil, que presta serviços ao arguido NN, referiu o modo próximo como este faz o acompanhamento das obras, participando nas reuniões a estas atinentes, mormente na Câmara Municipal.
«Foram ainda valorados os documentos de fls. 4530 a 4531 (recibos das quantias entregues), e bem assim o teor de fls. 4532 a 4537, referentes a várias licenças de construção concedidas ao arguido NN, relativamente a edificações que as suas empresas tinham em curso nesta cidade entre 2000 e 2004. Também do teor de fls. 26 a 180 do separador 2, do apenso 25, se extrai a existência de diversos processos relativos a loteamentos e construção de empresas do arguido NN, na cidade de ..., pendentes na Câmara Municipal de ..., quer no período que antecedeu a presença do arguido AA, como DMAT, quer no período em que este exerceu essas funções e em alguns dos quais teve intervenção nessa qualidade, conforme se extrai mormente do teor de fls. 108 a 111, 122/123, 127,133, desse apenso 25, e viria naturalmente a ter no futuro, por força das suas funções, no processamento dos mesmos. Do teor dos documentos de fls. 4538 a 4545, referentes a reuniões ocorridas na Câmara Municipal, relativamente ao loteamento na P..., designadamente, a 18 de Maio de 2004 – vide acta de fls. 4539, ponto 5., extrai-se ter sido realizada reunião de trabalho com os promotores. Conforme se extrai dessa documentação e mesmo dos depoimentos das testemunhas/técnicos acima referidos (vide depoimento de L… M… R…), a aprovação do pedido de licenciamento da operação de loteamento em questão só se dá em 2005, após período de discussão pública sobre a proposta de deferimento. Da conjugação da prova produzida, parece-nos clara a percepção de que o relacionamento /conhecimento entre os arguidos não era tão distante ou superficial como aquele que pretenderam fazer transparecer ao tribunal e que se intui, quer da circunstância, de no ano de 2005 o arguido NN ter a atitude de enviar um cartão e uma lembrança de boas festas ao arguido AA, quer das próprias anotações encontradas em documentos existentes na residência do arguido AA – vide apenso G fls. 14 – nos quais consta, juntamente com a indicação de outros empresários, a menção do nome manuscrito de NN, com o nº de telemóvel), quer das próprias idas à Câmara que nos vêm referidas pelo NN. É neste contexto de pendência de processos camarários que surge o donativo efectuado à A..., entregue directamente ao arguido AA, na Câmara Municipal. A tal propósito, surgem desfasadas as explicações dadas pelo NN para tal entrega, pois pese embora refira ter sido a testemunha F… M… S… A… –o qual colabora no departamento médico da OAF e fez parte da Assembleia Geral- que lhe fez tal solicitação, e esta testemunha, num depoimento “apaixonado” e pouco objectivo, claramente evidenciador da sua envolvência e íntima ligação àquele clube de futebol, o tenha confirmado, ficam-nos, todavia, dúvidas, se os donativos em apreço foram decorrentes dessa solicitação ou de outra.Facto não despiciendo é, por um lado, a circunstância de o NN referir que já há muito lhe eram solicitados donativos por aquele médico, e só naquele momento e circunstâncias descritas, o ter efectuado, e por outro lado, tê-lo feito directamente ao arguido AA na CM..., sem que lograsse apresentar qualquer razão coerente para o efeito. Mostra-se assim evidenciado, o interesse e vontade daquele promotor em entregar directamente o donativo em questão ao arguido AA. Não despiciendo é também o facto de o NN não ter afinidades particulares a ... ou à A..., para além das resultantes dos interesse imobiliários que tinha em curso nesta cidade, como sejam o loteamento da M…; na Rua C… L… G…, em ...; o projecto da P…; a Urbanização do C... da E..., C…. A conjugação de todos esses factores com o interesse manifesto que aquele detinha nos processos pendentes no município, fazem-nos claramente percepcionar em termos da lógica das coisas o escopo visado com tal entrega (de valor relevante) directamente ao arguido AA, naquele momento e concretas circunstâncias. Será importante questionar qual a razão, pela qual, só naquele momento, em que surge o contacto com o arguido AA por causa das questões atinentes ao loteamento, o NN decide fazer contribuições para a A... e que já lhe eram solicitadas, há largos meses. Como caberá perguntar, qual a razão lógica e coerente que levou aquele a entregar tais donativos na Câmara Municipal, directamente ao arguido AA, quando “alegadamente” estes lhe teriam sido solicitados por outras pessoas? E qual a razão, pela qual, não tendo possibilidade de os entregar directamente àquelas, não tivesse ido efectuar a sua entrega no local adequado, ou seja, à secretaria da A... A...? Nenhuma razão lógica ou coerente nos foi dada para estas questões, a não ser aquilo que coerentemente com os demais factos apurados nos leva a concluir que o fim visado naquela entrega foi a de dar a conhecer ao arguido AA, atenta a qualidade funcional que este detinha, de donativos consideráveis para o clube a cuja direcção presidia. Assim, pese embora o NN negue qualquer relação da entrega dos cheques ao arguido AA com o facto de ter em curso processos naquele município, não logrou apresentar qualquer justificação credível e consistente para a entrega daqueles valores, no momento e circunstâncias em que o fez, e que, em termos de normalidade e razoabilidade, face ao contexto que nos é apresentado, pudesse justificar razoavelmente a sua atribuição, que não a criação de um estado de simpatia e permeabilidade relativamente à actuação do arguido nos processos camarários que estavam pendentes de decisões dos órgãos camarários, e em relação aos quais o arguido, face às suas funções camarárias, tinha ou viria a ter necessariamente intervenção, facto que o arguido AA sabia e claramente tinha de percepcionar, já que era do seu conhecimento a pendência dos processos camarários em curso do interesse directo do NN, relativamente aos quais teria, no presente ou futuro, que praticar actos no exercício das suas funções, naquele organismo público, o que tudo conjugado nos permite também concluir pela consciência e voluntariedade da conduta do arguido AA relativamente aos factos em apreço, com a clara noção da sua ilicitude, atenta a forma e motivação daquela entrega e sua aceitação por parte deste, nas circunstâncias que ficaram descrita»»» (fim de reprodução).
«Fundamentos probatórios - prova documental apenas complementada/esclarecida pelos depoimentos prestados em audiência - não rebatidos.
«Assim, para além da inexistente especificação de fundamentos probatórios que infirmem a decisão recorrida, relativamente a concretos pontos de matéria de facto, a motivação probatória acabada de reproduzir afasta, manifestamente, alegação do recorrente de que se trata de mera prova por inferência, repousando, antes, numa análise crítica e objectiva da prova documental apenas complementada pela prova por declarações sujos conteúdos não são postos em causa.
«*
«Matéria de facto relativa ao “Caso GG”
«Também aqui a decisão recorrida se mostra devidamente fundamentada, como emana da reprodução já efectuada. Pelo que competia ao recorrente rebater os fundamentos.
«A conclusão n.º 53 em que se pede o aditamento de matéria não provada (“não se provou que o arguido tenha praticado qualquer acto ilícito contrário aos deveres do cargo”), tem como suporte (“face ao exposto”) as conclusões precedentes – 51 e 52.
«Ora tais conclusões, seguindo o padrão das anteriores, são relativas “à velha motivação do doador” e ao “cerrado mutismo acerca do acto ilícito que teria determinado a peita”. Não contendo, pois, qualquer identificação ou especificação de suporte probatório capaz de impor decisão diversa da recorrida. Muito menos a abrangente/conclusiva matéria negativa – probatio diabólica – proposta pelo recorrente.
«Trata-se de considerações de natureza legal/conclusiva quanto à motivação do agente que não constitui elemento do tipo – idênticas aquelas já apreciadas no “caso NN” que por isso nova reprodução.
            «*
«Conclusões 54 a 62 – relativas à matéria de facto do “Caso DD”
«Também aqui, perante a motivação exaustiva da decisão recorrida, competia ao recorrente especificar os fundamentos probatórios da impugnação, nos termos já aludidos.
«Competindo-lhe especificar factos concretos ou conjunto de factos dotados de sentido bem como os conteúdos probatórios não valorados, adulterados no conteúdo ou valorados em desconformidade dos critérios legais. Propondo conteúdos alternativos adequados, numa perspectiva minimamente estruturada e persuasiva, nos termos supra referidos, a obrigar uma decisão diferente ou à decisão proposta/pretendida pelo recorrente.
«Ora, invoca o recorrente como fundamentos materiais: - o “erro de perspectiva” relativo à motivação do agente; - o “ostracismo a que votou toda a questão de índole administrativa … acerca da natureza condicionada ou não do despacho exarado pelo arguido”; - “os actos administrativos podem ser sujeitos a condição, termo e modo”.
«Tudo considerações manifestamente conclusivas e de direito, sem especificação fáctica/incidência probatória.
«A motivação do recurso segue o padrão conclusivo/de direito dos casos anteriores. Para daí retirar conclusões probatórias. Dando como modificada matéria de facto sem preocupações de especificação probatória mas antes pela via, subsequente, do não preenchimento, pelos mesmos dos elementos do tipo.
«Alega que “apenas interveio na fase constitutiva do procedimento - praticando actos administrativos condicionados - e não na fase integrativa de eficácia do mesmo – emissão de alvarás – não sendo por isso, possível assacar-lhe qualquer responsabilidade”.
«Asserção esta também despida de base probatória - daí que aqui o recorrente acrescente, dando assim aparência de questionar a valoração da prova, referências aos depoimentos das testemunhas F… de O… e E….
«No entanto não só não identifica passagens/afirmações dos aludidos testemunhos que pudessem ter sido adulterados, ignorados ou valorados contra legem pela decisão recorrida e que, por isso, a pudessem ter inquinado, como, pelo contrário, o suporte material da afirmação fica-se pela asserção, pré-concebida, da “não emissão de alvarás não sendo por isso, possível assacar-lhe qualquer responsabilidade”.
«Ora, a emissão de alvará nem a decisão recorrida o dá como provado. Questionando assim o recorrente, de tanto porfiar, matéria que o tribunal nem deu como provada.
«Nas conclusões 58-59, é invocado o depoimento de F… O…, “voltas 00.40.02 as 00.48.19” no sentido de demonstrar que o art. 27º, 2 do RJUE não se basta com deliberação camarária, exigindo “consulta pública”. Concluindo que “a consideração como ilegal da actuação do arguido não se baseia na violação de preceito legal”.
«No entanto também aqui, além de não especificado facto concreto impugnado que a testemunha tivesse afirmado e que pudesse ser dado como provado com base nele (não identificando tão-pouco passagem/afirmação do depoimento erradamente “ouvido” pelo tribunal) o fundamento não é probatório mas antes de mera interpretação do preceito legal invocado, a apreciar em matéria de direito.
«Alega o recorrente (C.60) que devem ser dados como não provados os pontos 6.9 e 6.12 da matéria dada como provada pelo tribunal recorrido.
«Invoca para tanto, como fundamento, que “Destarte, atenta a récita aduzida coadjuvada pelos meios de prova invocados (depoimentos de F… de O… e E… P…)”.
«Ora também aqui nem o recorrente alega, nem resulta da audição da gravação, que os depoimentos das aludidas testemunhas ponham em causa ou contrariem o expendido na decisão, muito menos com razão de ciência, os aludidos factos.
«O mesmo sucede no que toca à asserção – relativa à prova da negativa - assumida nas conclusões 61 e 62 de que dos aludidos dois depoimentos “conjugados com as afirmações da autoria dos senhores juízes não permitem afirmar-se como provados os pontos 6.6. e 6.14” devendo aditar-se o facto – negativo – de que “não se provou que o arguido tenha praticado, em concreto, qualquer acto ilícito contrário aos seus deveres”. 
«*
«“Caso EE”
«Neste âmbito, com incidência em matéria de facto (conclusão 70 in fine e 71) conclui o recorrente:
«(…) ao postulante afigura-se-lhe elementar a modificação do ponto 7.8., ao qual deverá passar a ser conferida a seguinte redação: "7.8.: O arguido AA aceitou, no interesse da AA...-OAF o valor monetário disponibilizado pelo referido EE com o propósito de utilizá-lo na gestão do referido clube."
«Deve, por outro lado, ser aditado à matéria de fato dada como provada o seguinte ponto: "Não se provou que o arguido AA nunca aceitou praticar atas compreendidos nas suas funções de DMA T visando dar acolhimento a quaisquer pretensões ilegais da parte de EE, sendo certo que recebeu deste donativos destinados ao clube desportivo de que era o presidente da direção ", com base nos meios de prova invocados no ponto precedente, para os quais se remete».
«Por outro lado, para fundamentar tal pretensão, alega (cfr. conclusões 63 a 70) que: -
«resultam directamente do depoimento da testemunha arq. A… da C… (…) relativamente a questões que o acórdão referiu a fls. 46 serem “controversas e dubitativas” (…) estarem em confronto duas interpretações diferentes da mesma situação jurídica, referiu “parecer-lhe que sim” mas salientando que no cotejo entre a sua conceção e a do DMA, devia prevalecer esta»; - «este cariz controverso foi reafirmado em depoimentos como o do próprio EE (…) voltas 00:05:56 as 00:08:07, A… C… (…) voltas 00.03.15 as 00.05.15, da Dr.a F… O… (..) voltas 01:01:09 as 01:06:07, Dra. E… P… (…) voltas 00:28:44 as 00:32:58, e arq. V… C… (…) voltas 00:12:39 as 00:13:19. Porém a despeito da “confissão” do arq. A… da C… (…) voltas 00:36:22 as 00:37:48, a opinião do arguido - tecnicamente sem dúvida ao menos da perspectiva teórica mais abalizada – ou não estivesse a mesma a priori pré-judicada (…) essa opinião, da perspectiva do acórdão soçobrou;
«-cumpre ainda referir que a afirmação de fs. 154, nos termos da qual "a associação do donativo..., a uma pretensão de retorno..., tem necessariamente de ser percebida e querida pelo arguido,.. " não só não tem nada de "necessário" ou inelutável, a não ser que se parta dos equivocados pré-juízos abusiva e precipitadamente assumidos e, para mais, sem qualquer respaldo em qualquer circunstância ou meio de prova sindicáveis a uma visão não meramente subjetiva, como aquela que prevaleceu. Aliás, na sequência do referido e continuando a apreciar o inciso verbal de fs. 154, há que referir ter sido aí também encarecido, sempre da perspetiva "contra reo", ter o arguido emitido “..., significativos e importantes pareceres", sem que, todavia, tenha sido feita qualquer alusão a qualquer eventual ilegalidade dos mesmos e, mais e pior do que isso, sem que o tribunal se tenha dado ao trabalho de identificá-los, para demonstrar, se fosse caso disso, relevarem da tal situação de "vulnerabilidade e fragilizada" em que putativamente o recorrente se teria deixado, de forma dolosa, consciente ou inconscientemente, enredar ­conf., no mesmo sentido, a habitual afirmação do acórdão, esta formulada em termos mais genéricos, constante de fs. 43. Pareceres estes, diga-se em abono da verdade, que sempre foram coonestados pela hierarquia: nem de uma, nem de outra das afirmações judiciais em questão, ressuma a mais evanescente referente à circunstância decisiva de o recorrente, através de qualquer conduta por ele assumida também neste âmbito, tenha mercadejado com o seu cargo, através de qualquer ato ou omissão ilícito, ilicitude esta que o areópago anteriormente, como visto, havia genericamente descartado.
«-Tudo o que vem de referir-se resulta reforçado, se possível, pelo teor do trecho tabelar do acórdão, de fs. 257, parte final, o qual, uma vez mais, a despeito da respetiva grandiloquência, oblitera, como sempre, qualquer afirmação "comprometida" com a concretização do que estava em questão, no caso a mínima identificação de qualquer dos pareceres técnicos emitidos, aos quais possa assacar-se a "qualidade" de ato indevido e/ou ilícito, o que revela que o tribunal não conseguiu levar até ao fim uma "liberdade de convicção probatória" apenas pontilhada por um espírito de neutro rigor e imparcialidade, ao contrário do que seria de esperar e lhe é legalmente imposto
«-:Cumpre ainda salientar que nesta sub-hipótese de objeto processual que a solução preconizada pelo arguido (conf. pág. 42) foi expressamente acolhida pela deliberação camarária.
«-:Por conseguinte, do que vem de referir-se e das evidências recolhidas dos meios de prova (depoimentos das testemunhas J… M… B… DA C… DE A… DA C…, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 20-05-2010, às 15:23:43 e constantes do Ficheiro 20100520152342, EE, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 01-06-2010, às 10:04:01 e constantes do Ficheiro 20100601100400, "voltas" 00:05:56 as 00:08:07 A… J… DE M…C…, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 29-06-2010, às 12:21:28 e constantes do Ficheiro 20100629122127, "voltas" 00:03:15 as 00:05:15, F… P… M… DE O…, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 23-06-2010, às 17: 1 O: 15 e constantes do Ficheiro 20100623171014, "voltas" 01:01:09 as 01:06:07, E… C… DE A… P…, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 29-06-2010, às 15:54:00 e constantes do Ficheiro 20100629155359, "voltas" 00:28:44 as 00:32:58 ª- "voltas" 00:28:44 as 00:41:36, V… J… A… DA C…, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 29-06-2010, às 10:26:23 e constantes do Ficheiro 20100609102623, "voltas" 00:01:46 as 00:04:25 ª- "voltas" 00:12:39 as 00:13:19, M… DA C… T… P…, gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 08-09­2010, às 16:33:17 e constantes do Ficheiro 20100908163316, "voltas" 00:17:11 as 00:26:55»
«A pretensão formulada é assim a modificação da redacção do ponto 7.8. da matéria dada como provada pelo tribunal recorrido. E a prova do facto (negativo) oposto – que “o arguido nunca aceitou praticar atas compreendidos nas suas funções de DMAT visando dar acolhimento a quaisquer pretensões ilegais da parte de EE”.
«Ora também aqui a decisão recorrida se mostra motivada exaustiva e especificadamente, como emerge da reprodução supra efectuada (cfr. ponto 7 correspondente). Competindo ao recorrente rebater o iter valorativo em que repousa.
«A matéria proposta pelo recorrente para o questionado ponto 7.8. foi dada como provada pelo tribunal recorrido, salvo a expressão “no interesse da AA...-OAF” – resulta já provado que “o arguido aceitou o valor monetário disponibilizado com o propósito de utilizá-lo na gestão do referido clube”. 
«Estando pois em causa a relação entre a emissão e recebimento, pelo arguido, do cheque titulando a quantia de € 25.000,00 (facto descrito sob o ponto 7.1. assente em prova documental) e o “labor” desenvolvido pelo arguido nos processos urbanísticos do “donatário” pendentes na Câmara Municipal.
«Ora, ao contrário do que pretende fazer crer o recorrente, este praticou, efectivamente, no âmbito do processo de aprovação do Loteamento, actos causais relevantes para o resultado final do mesmo.
«Veja-se, além do mais, a informação lavrada em 21.10.2004 referida no ponto 7.2. resultante de prova documental.
«Bem como a “nova informação”, também lavrada pelo arguido, referenciada no ponto 7.7., também comprovada documentalmente.
«A que soma a relação temporal entre a entrega do cheque e o lavrar da primeira informação (dia imediato), além do relacionamento do cheque com as conversas anteriores entre o arguido e o emitente do cheque sobre as questões pendentes na Câmara.
«Trata-se actos praticados pelo arguido, comprovados documentalmente, ignorados, de todo, na motivação do recurso e que se mostraram essenciais para o resultado final alcançado.
«Acresce que não resultou da discussão da causa qualquer outra possibilidade razoável para a liberalidade que não fosse a assumida no acórdão recorrido, em fundamentação exaustiva que o recorrente não rebate minimamente em termos probatórios, apenas compensada com o deslumbramento dos argumentos de natureza jurídica previamente assumidos.
«Tudo perspectivado para as enunciadas questões jurídicas controversas mas daí retirando, a final, sem especificação probatória, alterações da matéria de facto, conclusiva, de que o arguido nunca aceitou praticar actos no âmbito das suas funções dando acolhimento a pretensões ilegais.
«Assim não existe, tão-pouco, qualquer fundamento probatório razoável para alterar a matéria de facto neste âmbito.
«*
«Caso FF (-10- na decisão recorrida)
«Formula o recorrente a seguinte pretensão em termos fácticos:
«79: Na senda do que vem de referir-se, por manifesta falta de prova, deve alterar-se a redação do ponto 10.10 dos fatos provados, nos seguintes termos: "10.10. O YY emitiu o cheque de fls 666, aqui dado por inteiramente reproduzido no valor de 25.000,00€ que entregou ao arguido AA, para benefício da entidade desportiva de que este era presidente e, nesse âmbito e destinação por ele aceite, tendo-o feito apresentar a pagamento mais tarde por funcionário do clube a que presidia.".
«80: Deve, ainda, o ponto 10.15 dos fatos provados ser, pura e simplesmente eliminado por o respetivo teor resultar apenas de uma abusiva e indemonstrável inferência de natureza "presuntive", da exclusiva responsabilidade do tribunal.
«81: Do exposto e tendo em conta, uma vez mais, a inexistência de qualquer meio de prova que permita escorá-la objetivamente, devem os pontos 10.18. e 10.19. passar a ter a seguinte redação: "10.18.: O arguido AA solicitou aos serviços competentes da própria autarquia informação relativa à questão e, por via dela, emitiu o parecer favorável que veio a apresentar em informação datada de 19.12.2005, nos termos da qual propunha que o YY fosse autorizado a colocar apenas um ascensor, única solução possível, proposta que veio a ser sufragada pelo vereador competente de 20.12.2005.", "10.19: O YY com a data de 20.12.2005 emitiu o cheque de fls. 414, no valor de € 4.000,00 que entregou ao arguido e este fez depositar numa conta titulada pela AA...-OAF".
«82: Destarte, e tendo em vista a orientação no sentido da objetividade e do escrúpulo de que deu nota no respetivo depoimento a testemunha L… M… S… C… (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 18-10-2010, às 10:42:13 e constantes do Ficheiro 201010181042120) impõe-se que o tribunal de recurso altere o entendimento de que o ponto 10.20. é tributário, de jeito a que o teor do mesmo passe a ser o seguinte: "10.20.: O arguido AA tinha perfeita consciência que o referido YY, cuja actividade profissional bem conhecia, titulava interesses em empreendimentos imobiliários que eram tramitados no organismo público que transitoriamente dirigia".
«83: E ainda, pelas mesmas razões, o ponto 10.21. deverá ser dado como não provado.
«84: Com os mesmos fundamentos probatórios (L… M… S… C… [declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido. no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 18-10-2010, às 10:42:13 e constantes do Ficheiro 201010181042120), ao qual deve acrescer o depoimento da testemunha V… J… A… DA C… (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 29-06-2010, às 10:26:23 e constantes do Ficheiro 20100609102623, "voltas" 00:01:46 as 00:04:25 e "voltas" 00:33:43 as 00:36:53) entende o recorrente ser de aditar o seguinte ponto à matéria de fato dada como não provada: "O arguido AA nunca aceitou praticar atos compreendidos nas suas funções de DMA T visando dar acolhimento a quaisquer pretensões ilegais da parte de YY, sendo certo que recebeu deste donativos destinados ao clube desportivo de que era o presidente da direção.»»»
«Resulta da reprodução efectuada (“79: Na senda do que vem de referir-se…”) que os fundamentos probatórios de tal pretensão em matéria de facto são recenseados nas conclusões precedentes - “na senda do que vem de referir-se”.
«As quais conclusões rezam da seguinte forma:
«72: Outra questão, no caso, aliás dúplice, agora referente a YY - processo apenso nº 94/07.8JACBR. Começar-se-á, neste conspeto, por referir iniciar o arguido o seu esforço sintetizador no que se refere aos pontos da matéria de fato 10.1 a 10.15. o que fará a partir da análise da verbalização que consta daquele 10.10., onde se refere que os donativos do MM visaram "compensar" a intervenção do arguido - tenha-se em conta, a este respeito o retomar deste conceito, nos termos do terceiro parágrafo de fs. 266. Ora,
«73: o apelo ao referido nomen iuris é bem uma clara emanação do equívoco que perpassou todo o processo, por demonstrativo de que os doutos julgadores entenderam que foi propósito do doador extinguir uma situação debitória que consideraria ter perante o recorrente, decorrente das atuações riscosas por este assumidas - vale por dizer, nesse sentido, por contrárias aos deveres do cargo e, por conseguinte, incursas na malha legal - tendo em vista constituir uma verdadeira "contraprestação" (conf., reforçando esta asserção, o ponto 10.21., de fs. 57), em especial no concernente à célebre" terceira cave".
«74: Adiantando razões, vejamos mais especificamente, por agora, a questão do "elevador", pontos 10.16. e ss, a propósito do que se refere (pág. 267, segundo parágrafo) ter a atuação do recorrente sido motivada por "fatores estranhos", justamente o apelo coadjutório suscitado a outros serviços da autarquia, aliás os competente e especializados no que toca a matéria em apreço. Mas o acórdão, a este respeito, lamentavelmente, oblitera que a solução que nem por compromissória é assacada de qualquer vício, foi coonestada pelo ex.mo vereador, eng. OO. Por outro lado
«75: em parte alguma se refere declaração emitida, ainda que informalmente, pelo recorrente, no sentido de "vender" atos próprios da suas funções, em troca de financiamentos para a AA...-OAF, limitando-se a presumir, da perspetiva fática, que não técnico-jurídica, que as vantagens em questão apenas encontrariam justificação na viciação do sentido da decisão do funcionário. E a irritude dessa presunção ou inferência, uma vez que é sabido que o arguido nunca atuou ilicitamente, decorre da desconsideração do fato, igualmente dado por provado de que o seu recebimento ficou a dever-se à circunstância de também ser presidente da AA...-OAF. Com efeito
«76: a uma correta perspetivação jurídico-penal e a uma compreensão teleológica do tipo, no caso do art. 373°-2, o recebimento de vantagens só é indevido, na irrecorrência de uma "explicação razoável" para esse comportamento a qual, no caso, até aos olhos rigoristas à outrance do tribunal, é de afirmar, pois na opinião do mesmo os donativos não foram feitos para "compensar" o donatário, mas financiar uma entidade diferente, a qual, em certo sentido, pode dizer-se encarnada por ele: a AA...-OAF, o que coenvolve a irrelevância jurídico-penal das condutas pretensamente cabidas no art. 373°-2 do CP. Porém,
«77: ainda neste conspeto, o tribunal, a terminar a longa récita com que brindou o leitor, afirmou: "na verdade, decorre claramente do exposto a existência de uma vantagem ilegítima - a qual, de resto, na linha do entendimento adotado, não é, uma vez mais, à semelhança do sucedido nas outras situações, minimamente concretizada, interpolação ..., oriunda de alguém, no caso o YY, que esteve, estava e previsivelmente viria a estar numa relação de índole profissional consigo, ... ". Porém, a lei não se basta com esta redução - por muito que a mesma, há que reconhecê-lo, se imponha a um intérprete razoável e não eivado de qualquer preconceito inadmissivelmente radical - não refere a tal "previsibilidade", antes a presumindo iuris et iure, por mais esdrúxula que a mesma possa apresentar-se a um espírito não desdotado para além do razoável. Ora,
«78: a despeito de tudo quanto vem de referir-se, a questão da "previsibilidade" com que o acórdão brindou o art. 373°-2, mostra o erro em que incorreu, por tão inadvertido quanto inadmissível afastamento do juízo de valor legal, democraticamente legitimado e, no caso, por força de opção parlamentar, pelo que a "lei" aplicada não existindo - esta é que é a verdade - como tal na ordem jurídica nacional e, mesmo que assim não fosse ter entretanto sido revogada e, por isso, a todas as luzes, inaplicável.»
«Também aqui, encontrando-se a decisão recorrida devidamente motivada (cfr. ponto 10 correspondente), não enfermando da correspondente nulidade, competia ao recorrente rebater o iter valorativo em que repousa.
«Em contrapartida, na enunciação dos fundamentos daquela pretensão, como resulta da reprodução e efectuada, o recorrente não só passa em claro a contextualização com a restante matéria de facto dada como provada neste âmbito como omite, também, a motivação exaustiva dessa decisão. Além de não especificar conteúdos probatórios concretos direccionados aqueles factos concretos.
«Invoca premissas relativas ao preenchimento dos elementos típicos do crime (cfr. 76 a 78) para daí retirar, a posteriori, conclusões probatórias previamente assumidas. A este propósito é paradigmática a conclusão 75, na qual, depois de ter discorrido em termos de direito, conclui: “(…) E a irritude dessa presunção ou inferência, uma vez que é sabido que o arguido nunca actuou ilicitamente”.
«Ou seja, a causa (“uma vez que”) é a actuação lícita previamente assumida com base em argumentos meramente jurídicos, sem suporte probatório.
«Dando previamente como adquirido com base em argumentos jurídicos relativos ao preenchimento, pela matéria de facto, dos elementos do tipo, aquilo que importava demonstrar, previamente, em termos de produção e valoração da prova.
«Reportando depoimentos prestados em audiência, na sua globalidade sem especificação de qualquer suposta passagens/afirmação de qualquer depoimento que contrarie o expendido na decisão, bem como excertos, sincopados e descontextualizados, da motivação da decisão recorrida. Tudo perspectivado para as enunciadas questões jurídicas controversas mas daí retirando, a final, sem especificação probatória, alterações da matéria de facto, pretendendo não só que se dê como não provada matéria da acusação como, pelo contrário, que se dê como provado, de forma conclusiva que o arguido nunca aceitou praticar qualquer acto ilegal.
«Perspectiva viciosa que leva à improcedência.
«*
«Caso HH (ponto 11 na economia da decisão recorrida)
«Conclui o recorrente, em matéria de facto que:
«90: O ponto 11.14. dos fatos provados que deve ser alterado nos seguintes termos:
«"11.14. No entanto, não obstante as funções que detinha e a assunção pessoal do acompanhamento do processo referente à obra, quer por iniciativa própria quer por determinação do vereador competente, a mesma decorreu sem qualquer ato de fiscalização como tal formalmente considerado, durante o primeiro período de vigência da licença de construção, entre 19/07/2004 e 03/07/2005, excetuada a aludida deslocação ao local, em 02/09/2004. do Eng. TT, determinada sem intervenção do arguido." Com efeito, é o que resulta do teor do próprio acórdão recorrido (tis. 194, 195 e ponto 11.35 dos fatos provados).
«91: Dos depoimentos das testemunhas M… DE F… L… M… R… (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 07-09-2010, às 12:43:29 e constantes do Ficheiro 20100907124328, "voltas" 00:58:22 as 01:00:04, e às 13:56:02 Ficheiro 20100907135601, "voltas" 00:13:21 as 00:15:18) e M… DA C… T… P… (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 08-09­2010, às 16:33:17 e constantes do Ficheiro 20100908163316, "voltas" 00:32:27 as 00:33:27), extrai-se que o SPO nem sempre era corretamente utilizado pelo que não pode asseverar-se, como o faz o acórdão recorrido, que o processo administrativo relativo à matéria ora em apreço esteve na DMAT desde 0310912004 até 2310312005. Nesta confluência, o ponto 11.24 dos fatos provados deve ser alterado em conformidade passando a ter a seguinte redação: "11.24. O arguido AA, por determinação do vereador do pelouro, no sentido de ao processo em apreço ser conferido um acompanhamento mais incisivo, assumiu a sua direção."
«92.: Inexoravelmente, pelos mesmos motivos, o ponto 11.30. dos fatos provados deve ser dado como não provado.
«93.: Por fim, face à prova indicada, deve acrescentar-se à materialidade dada como provada o seguinte: "Que não se provou que o arguido tenha praticado, em concreto, qualquer ato ilícito ou contrário aos deveres do seu cargo no intuito de obter vantagens indevidas que lhe fossem prestadas por HH."»»»
«Pretende assim o recorrente, em suma, a modificação/alteração dos pontos 11.14; 11.24 e 11.30, além da prova, pela positiva, do facto oposto - negativo – que “não se provou que o arguido tenha praticado, em concreto, qualquer ato ilícito ou contrário aos deveres”.
«Por outro lado os fundamentos materiais aduzidos, para demonstrar tal pretensão, são os seguintes:
«85: A terminar, quanto a estas referências sinóticas caso a caso, a referência à situação do Dr. HH, relativamente ao qual, há cerca de 30 anos, o ministério público não se tem cansado de persegui-­lo, sempre, até ao momento, debalde o fazendo. Salvo o devido respeito, são "crenças". Interessa começar por encarecer em que se materializa a acusação ou acusações de que o mesmo foi alvo, o que desde logo resulta do decorrente de fs 207, parte final e 208, primeiras linhas: "falta de atuação e zelo na condução do processo", da perspetiva da omissão das ordens necessária a uma eficaz fiscalização da obra. Ora,
«86: sabe-se, dos documentos e declarações testemunhais (M… DE F… L… M… R…, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 05-05-2010, às 18:22:12 e constantes do Ficheiro 20100505182211, "voltas" 00:01:18 as 00:04:54, P… M… M… G… declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 09-09-2010, às 17:12:15 e constantes do Ficheiro 20100909171215. "voltas" 00:01:02 as 00:03:30, A… M… DA S… L…. M… (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 05-05-2010, às 14:35:52 e constantes do Ficheiro 20100505143551, "voltas" 00:17:12 as 00:18:21) que o poder de determinar tais ações inspetivas não cabia, em exclusivo ao arguido, mas também à ex.ma chefe de divisão da DLDF, o que o acórdão, reconhecendo-o embora, ainda assim tenta contornar, com base no argumento da especial responsabilização do arguido relativamente àquela obra, o que resulta totalmente relativizado por força do depoimento do eng. OO. Ademais,
«87: o acórdão errou ao reconhecer que amiúde o arguido, lui ­même, se deslocou ao local, não considerando ou compreendendo que nada permite excluir que tais deslocações, embora não prioritariamente determinadas pelo escopo inspetivo, também dele poderiam ter relevado, pois não há distinção, contrariamente ao que subjaz ao entendimento sufragado na peça recorrida, de cariz material, entre deslocações "fiscalizadoras" e "não-fiscalizadoras" como, de resto, sempre seria igualmente postulado por qualquer consideração norteada ainda que por reduzida dose de bom-senso. Por outro lado
«88: ao corrigir, como se lhe impunha, atentas as respetivas competências funcionais, um despacho errado de uma subordinada, despacho este polimórfico, e deixando intocado o sobrante do mesmo, qualquer pessoa de boa-fé, maxime tratando-se de um jurista ou de alguém habituado a ler despachos relevando, ainda que formalmente, de considerações jurídicas, compreenderia que o remanescente, não corrigido, era por não carecer disso e, nessa medida, continuando subsistente nos respetivos precisos termos. Ora,
«89: tendo tudo isto em atenção e não esquecendo a lição de P... R... de F..., não pode deixar de concluir-se que, também a este aspeto residual - mal pareceria, para o M P" que o Dr. HH, ainda desta, ficasse de fora .. , - o sentido da decisão do tribunal ad quem não pode ser outro, também a este respeito, que a revogação do acórdão da primeira instância, de jeito a ficar a subsistir aquele a proferir pelo tribunal da relação, na senda deste recurso»»».
«A crítica do recorrente à actuação do MºPº “debalde o fazendo”, reportando-se a processos ignotos, relativos a terceiros não vistos nem achados nos autos, além de evidenciar presunção censória, transcende claramente o objecto do processo e, como tal, do recurso, não competindo, pois, apreciá-la.
«No que toca a uma impugnação material dos fundamentos probatórios/fácticos da decisão recorrida, também aqui o recorrente não estabelece uma conexão directa e ou causal entre concretos factos impugnados e meios de prova que lhe tenham servido ou devessem ter servido de suporte e pudessem impor decisão diversa. Muito menos põe em causa o teor de qualquer afirmação relevante dos depoimentos prestados em audiência que serviram de suporte á decisão. Muito menos que o tribunal recorrido tenha “posto na boca” de algum depoente afirmações, reveladas pela respectiva gravação, que aquele não tenha produzido ou contrárias ao consignado/valorado pela decisão sob escrutínio.
«Por outro lado, também aqui a decisão recorrida se mostra ancorada em minuciosa análise crítica da prova. Aliás dá como não provados múltiplos factos imputados ao recorrente quando não têm correspondência rigorosa na prova produzida, apreciada à luz dos preceitos legais em vigor. Num apertado arrimo na prova documental na prova, nuclear, documental, apenas complementada em pormenores marginais pelos depoimentos prestados oralmente em audiência, dos quais nem o recorrente identifica seja que afirmação seja, que contrarie (e por isso pudesse levar à sua modificação) o expendido na decisão sindicada.
«Tão-pouco da referência generalizante a depoimentos prestados em audiência resulta qualquer excerto identificado a que o tribunal tivesse atribuído conteúdo diverso do real, diversidade susceptível de evidenciar pela respectiva gravação. Não especificando conteúdos probatórios capazes de, numa apreciação conforme aos preceitos legais em vigor, impor a decisão proposta.
«A argumenta, doutissimamente, em termos de direito, para dar como adquiridos os factos, prévios a qualquer enquadramento jurídico. Dando como adquirida matéria de facto sem fundamentos probatórios que o brilho da retórica não pode suprir.
«Para confirmar o que acaba de ser referido na linha do que vem sendo expendido, destacando a objectividade da motivação probatória da decisão, no ponto em questão, em contraste com a ausência de rebatimento probatório da motivação do recurso, reproduz-se da decisão sob censura:
«A factualidade descrita no ponto 11. dos factos provados assentou na análise e conjugação critica e ponderada da prova produzida em audiência, tendo por base, no que se refere ao ponto 11.1., a documentação junta aos autos do apenso I, designadamente o teor de fls. 20 a 29, de que se extrai o interesse da empresa “V...-I... I... e T..., Ldª” relativamente à construção de uma edificação de uma moradia unifamiliar em V... de M....
            «A fls. 29, mostra-se junto o requerimento de autorização de edificação, datado de 08.02.02.
«(…)
«No que se refere ao ponto 11.2, foi valorado o teor dos documentos de fls. 32 a 37 do apenso I e que se mostram repetidos a fls. 141 a 146 do apenso V, dos quais se extrai o deferimento do projecto de arquitectura e de especialidades, em 04.02.2003 e 23.04.2004, respectivamente, depreendendo-se do teor de fls. 25/26 e 32 do apenso I, a existência de questões que se suscitavam desde o início do licenciamento relativa a questões ligadas à delimitação do lote onde iria ser implantada a moradia. Essa questão vem-nos também relatada pela testemunha OO, Vereador da C.M...., no depoimento por si prestado e nas inúmeras reclamações dos moradores dos prédios vizinhos que foram sendo expostas à C.M.... (…)
«Constata-se, ademais, a fls. 138 a 140 do apenso V, a emissão do alvará de licença de construção em 3 de Maio de 2004, com validade até 3.07.2005, tendo sido indicada pelo dono de obra o início dos trabalhos para 19.07.2004.
«A análise probatória dos elementos acima referidos permitiu, assim, formar a convicção da realidade da factualidade descrita nos pontos 11.2 a 11.3.
«No que se refere aos pontos 11.4. e 11.5. a sua consignação como provados resulta, para alem do que se extrai do teor do depoimento de HH, da análise dos documentos de fls. 846 a 854 e 864 a 867 e documentos juntos ao apenso IV.
«Extrai-se, outrossim, do teor de fls. 115 a 137 do apenso V, que logo em 22.07.2004, começaram a surgir reclamações e comunicações à C.M.... dos responsáveis e moradores dos prédios vizinhos à edificação, conforme se verifica do requerimento apresentado pela Lusa Administradora a fls. 137, na qual a Câmara Municipal era alertada para a ocupação de espaço cedido à C.M.... onde estariam a ser levadas a cabo intervenções, designadamente um arruamento, muro e corte de árvores.
«A análise dos documentos indicados permite-nos perceber as inúmeras questões que desde o início da obra foram suscitadas pelos representantes dos condóminos dos Lotes da Praceta A… J… A… relativamente ao início das obras e à execução dos trabalhos que estava a ser levada a cabo no lote de V… M…. Facto que também se extrai quer do depoimento de HH, como das demais testemunhas ouvidas, entre as quais, A… A… I… de P…, engenheiro civil e técnico responsável desta construção que estava a ser levada a cabo pela “A… Construções, Ldª” e do engenheiro OO, Vereador da Câmara Municipal. 
«A análise probatória dos elementos acima referidos permitiu-nos a firmar a convicção da realidade da factualidade descrita em 11.6. a 11.8.
«Na sequência das exposições e requerimentos dos prédios vizinhos, extrai-se dos autos, que foi efectuada acção de fiscalização pelo serviço de fiscalização da Câmara Municipal (DLDF - Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização), pelo engenheiro TT, cujo resultado consta da informação n. 30/2004, de 2.09.2004, junta a fls. 109 a 110 do apenso V (também a fls. 39/40 do apenso I), que então lavrou.
«Tal acção de fiscalização foi, conforme transmitido por aquela testemunha, determinada pela sua superiora, engenheira II (chefe dessa divisão).
«Constata-se da análise de tal informação, ter sido aposto despacho do DMAT, após este ter chamado a si a sua apreciação, conforme resulta do teor do manuscrito no canto superior esquerdo “Enviar para DMAT”, e cuja análise permite comprovar a factualidade descrita nos pontos 11.9. e 11.10. dos factos provados.
«O engenheiro TT da D.L.D.F., já identificado, prestou depoimento em audiência explicando, de forma que julgamos consistente e credível, que na sequência da sua ida à obra em acção de fiscalização e da informação que prestou, foi chamado ao gabinete do DMAT tendo-lhe sido referido por este, que qualquer assunto relacionado com este projecto deveria ser tratado com ele, DMAT, dizendo-lhe que a câmara tinha interesse na realização do projecto de um loteamento no Vale Meão do mesmo requerente, entendendo a testemunha, face àquilo que lhe foi transmitido pelo arguido, que qualquer questão relacionada com o processo deveria ser tratada com o DMAT, que a mesma estava fora da sua alçada, pelo que se afastou da obra. Explicou, ainda, que esta acção de fiscalização foi motivada por reclamações existentes e determinada pela sua chefe II, facto que aliás, se extrai do teor do documento de fls. 137 do apenso V.
«A avaliação crítica do depoimento prestado, onde se surpreende algum temor e reverência da testemunha relativamente à pessoa do arguido e relativamente ao qual não se vislumbra qualquer fundamento para que se questione a sua veracidade, permitiu concluir pela consonância do que nos vem relatado, merecendo a credibilidade do tribunal naquilo que se mostra consignado como provado, permitindo formar a convicção segura da realidade dos factos descritos em 11.11. e que é reveladora do que infra se dirá quanto à assunção do processo pelo DMAT e das questões a ele atinentes.
«Já no que se refere à factualidade consignada na alínea a) dos factos não provados, a sua consignação como tal resulta da ausência de prova que a sustente, pois aquilo que nos foi transmitido pela testemunha TT foi exactamente o que se mostra consignado supra e foi levado aos factos provados.
«A factualidade vertida nos pontos 11.12. e 11.13., vem-nos evidenciada pela análise objectiva do teor do documento de fls. 41 a 46 do apenso I –informação nº 41/2004 de 13/09.2004, elaborada pelo DMAT e ora arguido, da qual consta a factualidade vertida nos citados pontos, quer o teor dessa mesma informação, quer do despacho proferido pelo Engenheiro OO em 27.09.2004 ( manuscrito na mesma), e do qual se extrai, para além do mais, o acento na atenção que os serviços deveriam ter relativamente ao processo em apreço.
«No que tange à factualidade vertida nos pontos 11.14. a 11.19., e para além do que infra também se irá referir, a convicção da sua realidade resulta, por um lado, da análise crítica e conjugada do teor da documentação junta aos autos a fls. 103 e 107 e 116, do apenso V, relativos a reclamações de moradores dirigidas à C.M...., relativamente à forma como prosseguiam os trabalhos na citada obra, designadamente, de 2.09.2004, 08.09.2004 (memorando, onde entre outras coisas, se dava conta da abertura de caminho até à Circular dos Hospitais sem os cuidados necessários à estabilidade dos terrenos), 9.09.2004, algumas das quais já referidas na informação nº 41/2004, elaborada pelo arguido, a que acima se fez referência.
«Por seu turno, extrai-se do teor de fls. 87 a 94, do Apenso V, a presença de alguns moradores na Reunião de Câmara de 13.09.2004, para discussão pública do problema da obra, de cuja análise se extraem as insistências dos moradores pelo facto de, pese embora as reclamações e exposições feitas à Câmara, não terem sido tomadas medidas relativamente à situação.
«A análise de tal documentação permitiu assim a consignação da factualidade dada como provada nos pontos 11.15 a 11.17.
«Extrai-se, outrossim, de fls. 101 e 102 do apenso V, o pedido de informação da Provedoria do Ambiente de 10.09.2004, dirigido ao Vereador OO e ao DMAT, na sequência de reclamações dos moradores dos prédios vizinhos, relativamente à qual foi dada resposta diversa por cada um dos destinatários. O engenheiro OO determinou a remessa do requerimento à DLDF para informar e o arguido mandou anexar ao processo, conforme se extrai da menção manuscrita aposta no canto superior direito de tais requerimentos ( o que veio a ser feito, conforme se verifica da análise do registo informático da tramitação do processo-SPO- a fls. 284)  e de cuja análise resulta a comprovação da factualidade descrita em 11.18., verificando-se que na ausência de qualquer resposta, a Provedoria do Ambiente veio reiterar, em 8.10.2004 –vide fls. 84 e 86, o pedido de informação relativa à situação exposta, vindo o DMAT e ora arguido, após ter mandado anexar aquele requerimento ao processo, a responder à Provedoria em 9.11.2004, prestando a informação a que alude o documento de fls. 48/49 do apenso I.
«A análise da citada documentação, naquilo que objectivamente da mesma resulta, permite a consignação como provada da factualidade descrita no ponto 11.19.
«Já relativamente à alínea b) dos factos não provados, haverá que ter em conta, que segundo a pronúncia deduzida a não correspondência da informação prestada pelo arguido à Provedoria não poderá deixar de se reportar às alterações realizadas na edificação, conforme se extrai da concretização fáctica do segmento conclusivo primeiramente enunciado em tal peça.
«Ora, no que atine a esta concreta questão, relativa à evolução da edificação, haverá que salientar inexistirem elementos seguros e consistentes que resultem da prova produzida, que nos permitam afirmar de forma isenta de dúvidas, que à data da informação prestada o arguido era conhecedor das alterações relativas à edificação ou das intenções do promotor quanto ao que nesta visava implantar. Na verdade, não nos podemos esquecer que a informação é prestada numa fase embrionária da obra, em que segundo resulta da análise do respectivo livro ( a fls. 482 do processo principal) ainda estavam apenas em curso, nessa altura, os trabalhos de betonagem das fundações – veja-se que a obra se iniciou em Agosto de 2004 com escavações e desmatação- e que pese embora a resolução de aproveitamento da subcave pudesse já estar tomada pelo proprietário da obra, inexistem elementos probatórios que nos permitam afirmar que esta era cognoscível ou conhecida pelo então DMAT, ou mesmo perceptível aos serviços da fiscalização (veja-se que a referência a alterações ao projecto apenas surge em 18.02.2005-vide fls. 482 do processo-).
«Veja-se a propósito, que a testemunha F… M…, arquitecto responsável da obra, refere no depoimento que prestou, que a ideia da ampliação surge cerca de 3/ 4 meses após o início da obra, numa altura em que o “tosco” estava montado - o que nos remete para Novembro/Dezembro de 2004. Por outro lado, não será despiciendo salientar, que, nesta altura, as exposições dos moradores vizinhos, não alertavam ainda para qualquer situação de desconformidade ao projecto (centrando-se antes nas movimentações de terra e intervenções fora do terreno do licenciamento), situação que apenas veio a ser referenciada mais tarde (vide fls. 78 do apenso V).
«Também o engenheiro OO refere no depoimento prestado, que quando foram à obra (ao que tudo indica face ao teor de fls. 83 e 88 do apenso V, em 14.10.2004), apenas se encontrava o fosso aberto, não sendo perceptível então a existência de qualquer piso a mais, referindo que tal situação apenas veio a ser conhecida mais tarde.
«O que vem exposto e na ausência de qualquer outro elemento probatório consistente que a sustente, mais não pode que conduzir á consignação da factualidade descrita em b), como não provada.
«No que tange à factualidade vertida no ponto 11.20. ela vem-nos claramente referida em vários dos depoimentos prestados em audiência, entre os quais, cumpre assinalar,  no que se refere às alterações efectuadas e sua motivação, o do próprio HH, bem como do arquitecto responsável pelo projecto da moradia F…. M… e do engenheiro técnico responsável pela obra, A… A…I… de P…, sócio da A… Construções, Ldª.
«Por outro lado, tais alterações foram-nos também referidas pelas técnicas da Câmara, M…da C… T…P…, chefe de divisão da DGURU (divisão de gestão urbanística e renovação urbana) e pela engenheira civil M… A… M… de A…, a quem coube a apreciação das alterações ao projecto apresentadas pelo requerente em Maio de 2005, e que explicitando o seu âmbito, referiram o necessário licenciamento que as alterações efectuadas no decurso da obra e não contidas no projecto de licenciamento aprovado impunham, não se consubstanciando em meras alterações, sem relevância, que pudessem ser apresentadas nas telas finais. Referiram que tal sucedia não só com as alterações efectuadas na moradia, com, para além do mais, o acrescento da subcave, mas também com todas aquelas que se consubstanciaram nas intervenções exteriores, mormente abertura de caminhos, escavações, aterros, que no entender das mesmas, violavam o PDM, aliás conforme veio a ser posteriormente expresso na informação e proposta que incidiram sobre as referidas alterações, sendo objecto de concordância do vereador OO, conforme se extrai do teor de fls. 65 a 70 do apenso I.
«Estas testemunhas explicaram ainda que as alterações verificadas na edificação com a construção, para além do mais, ao nível do subsolo com mais um piso, implicaram um aumento de área bruta de construção, e que toda essa situação pese embora contida na área máxima de construção permitida para o local, embora não licenciada, sempre imporia conveniente justificação e estudo de integração a apreciar pela câmara. A questão do necessário licenciamento das obras e intervenções levadas a cabo pelo requerente e que foram apresentadas no projecto de alterações em Maio de 2005- vide fls. 50/51 do apenso I-, foi-nos também referido pelo engenheiro OO.
«Efectivamente, extrai-se da prova produzida e designadamente dos depoimentos prestados por A… A… I… de P…, engenheiro técnico responsável pela obra e pelo arquitecto F… M…, que após o início da execução da obra e logo numa fase inicial, após as escavações, o proprietário resolveu proceder a algumas alterações à edificação, o que pelo menos em finais de 2004 estaria já em execução, não tendo sido logo apresentados os projectos de alterações (o que foi explicado pelas testemunhas) vindo a ser apresentado em Maio de 2005. Aliás, a menção a alterações ao projecto é já expressamente referenciada no livro de obra a fls. 482 do processo, em Fevereiro de 2005. Explicaram ainda que a obra nunca parou, pese embora as alterações verificadas, até ao seu embargo.
«Extrai-se do teor de fls. 50/51 do apenso I e fls. 72 do Apenso V, que efectivamente em 9.05.2005, o requerente “V…” apresenta um projecto de alterações de arquitectura, o qual veio a ser objecto de indeferimento e a obra a ser embargada (vide fls. 9 a 17 do apenso II).
«Verifica-se da análise do teor de fls. 50 a 61, 73, 77, 78, 80 e 81 do apenso V, que os condóminos dos prédios vizinhos continuaram a apresentar reclamações e a solicitar elementos à C.M...., relativamente à obra, em 6.01.2005, 13.04.2005, 31.05.2005 e 6.12.2005, mostrando-se da análise de tal documentação, na qual em pelo menos algumas reclamações foram apostos despachos do arguido (vide fls. 78/80) por lhe terem sido remetidos para dar resposta ao solicitado, não ter este tenha tomado qualquer medida concreta e eficaz no que se refere a uma acção de fiscalização à obra, pese embora o teor de tais reclamações e pedidos de informação.
«Também a testemunha L… F… P… C… H…, residente na Praceta J… A…, explicou as diversas exposições e intervenções efectuadas designadamente em sessões de câmara e as suas preocupações relativamente ao decurso da obra e intervenções na circundante, que estavam a ser realizadas sem que nenhuma acção eficaz por parte da câmara tivesse tido lugar. 
«Com efeito, basta atentar na leitura do teor dos documentos de fls. 78/80, entrados na câmara municipal em 06.01.2005 e 10.01.2005, nos quais são pedidos esclarecimentos e diversos elementos referentes à obra e onde são mencionadas situações relativas è eventual desconformidade da obra em relação ao que estava licenciado (a nível dos pisos), os quais foram levados a despacho do ora arguido, na sua qualidade de DMAT (designadamente, por determinação do vereador OO, para satisfação do solicitado), para percebermos, por um lado, que o arguido, senão antes, pelo menos desde Janeiro de 2005 estava já a ser alertado para eventual desconformidade da obra que estava a ser construída ao nível da edificação face àquilo que estava licenciado, pois relativamente a intervenções no exterior (com abertura de caminhos e movimentação de terras em zona não licenciada), já havia inúmeras reclamações anteriores, e por outro, que perante estas, o arguido se limitou a consignar que fosse calculado o custo das fotocópias da arquitectura do processo solicitado pelos requerentes, sem que nada determinasse aos serviços que superintendia, designadamente para que fosse possível aferir em sede de fiscalização, sobre o que estava a suceder efectivamente na obra.
«Com efeito, extrai-se da análise e conjugação da globalidade da prova produzida em audiência de julgamento, quer testemunhal quer documental, que para além da acção de fiscalização realizada em 2.09.2004, pelo engenheiro TT, nenhuma outra foi realizada pelos serviços de fiscalização (no que se refere à edificação e intervenções levadas a cabo na parte exterior desta), quer no primeiro pedido da licença (terminado em Julho de 2005), quer até à fiscalização ocorrida em Janeiro de 2006, numa altura em que o arguido já havia cessado funções como DMAT.
«Na verdade, nenhuma das testemunhas ouvidas refere qualquer acção de fiscalização efectuada à obra nesse período, tendo o engenheiro TT explicado, que para além da acção de fiscalização que efectuou em Janeiro de 2006 /fls. 16 e 17 do apenso II, apenas efectuou uma ida ao local, em 2004/2005, mas apenas por causa de um poste situado perto do local. Havendo referência nos autos a uma ida da fiscalização às proximidades da obra, por causa de danos ocasionados nos lancis de um passeio e arruamentos da área envolvente em Agosto de 2005, conforme se extrai de fls. 71 do apenso V, por determinação da chefe de divisão II, na sequência de uma reclamação da L... Administradora.
            «Saliente-se a tal propósito, que esta situação é consentânea com aquilo que nos vem transmitido pela testemunha TT quanto àquilo que lhe foi transmitido pelo arguido relativamente ao “domínio do processo” e à percepção com que ficou das palavras daquele, de que não era uma obra para ser tratada por si, mas pelo arguido.
«Esta testemunha refere que a partir dessa conversa e por causa dela, afastou-se da obra, não tendo tido qualquer outro contacto com o processo, até à fiscalização realizada em Janeiro de 2006.
«A constatação da inexistência de qualquer acção de fiscalização no período em análise por parte dos serviços próprios da C.M...., à excepção do que acima se referiu (fiscalização do TT em 2.09.2004), resulta também evidenciada do inquérito aberto na C.M...., decorrente de determinação do Presidente da Câmara, na sequência das diversas reclamações dos vizinhos daquela edificação em relação à inacção dos serviços do município, mais uma vez exposta na reunião de Câmara de 06.02.2006 –fls. 31 a 33 fls. 31 a 33 do processo- , o qual se mostra junto ao apenso V. e do qual se extrai essa conclusão- vide fls. 9 do apenso V.
«Efectivamente, nenhuma outra testemunha ou documento comprovam qualquer outra acção de fiscalização efectiva a esta obra, em tal período (aliás, o próprio engenheiro responsável pela obra, A… A… I… de P…, refere não se lembrar de haver qualquer acção de fiscalização). Aliás a ter existido, e face à desconformidade que apresentava face ao licenciado, ela deveria estar registada, com a informação respectiva, que contudo inexiste (para além das fiscalizações de Setembro/2004 e Janeiro/2006).
«Tal situação surge-nos sem qualquer explicação consistente, lógica ou razoável, sobretudo se atentarmos que estamos perante um processo que surge de raiz eivado de enorme controvérsia, com alertas sucessivos, notórios e públicos, sobre as diversas alegadas “irregularidades” que estariam a ser cometidas e para o qual foi expressamente solicitada aos serviços e concretamente ao arguido, pelo Vereador competente, um seguimento próximo e cuidado.
«As explicações apresentadas pelo arguido para a falta de fiscalização neste período, surgem-nos inusitadas e até contraditórias entre si e com aquilo que nos vem ressaltado da demais prova que se mostra produzida sobre tal conspecto.
«Na verdade, se acaba por admitir que em Setembro/Outubro tomou o processo a seu cargo, acaba por tentar disseminar no discurso que verbaliza, a responsabilidade que pessoalmente detinha, quer pelas funções do cargo em que estava investido e que compreendiam a direcção da divisão de fiscalização das obras [vide, para além do que resulta de fls. 716, relativamente aos departamentos que estavam sob a alçada e direcção do DMAT, entre os quais a DLDF, a  subdelegação de competências que lhe foi efectuada a fls. 51 do apenso VI (Edital 51/2003) –ponto 11[7], que a tal faz expressa referência, face ao normativo indicado], quer pela expressa solicitação da condução pessoal deste processo, que lhe foi solicitada pelo vereador competente e que este evidenciadamente assumiu.
«Nesse contexto, surgem desfasadas as referências feitas pelo arguido à possibilidade de a chefe de divisão da fiscalização ter poderes para determinar a fiscalização da obra, ou mesmo sobre o alegado desconhecimento do que era feito por aquela, pois pese embora a referida chefe de divisão da DLDF também tivesse competência para determinar essas acções (conforme resulta de fls. 74/75 do apenso VI) era o arguido que também as detendo, como dirigente máximo daqueles serviços, nos termos já referidos e como condutor daquele processo, que as devia ponderar, controlar e determinar, sendo o caso.
«Inexplicáveis se apresentam também as suas referências à inconsistência das reclamações dos vizinhos (sendo infeliz a expressão “algum prédio caiu?”), face ao que se veio posteriormente a constatar com a fiscalização da obra em Janeiro de 2006, conforme se extrai do ulterior processamento daquele processo em sede camarária, designadamente com o deslizamento de terras ocorrido em Dezembro de 2006.
«Também a justificação apresentada pelo arguido de que aquilo que era importante foi feito e o que não era importante não se fez, referindo também várias idas pessoais ao local da obra, acompanhado pelo vereador, não surtem o efeito pretendido, já que tais idas, ao que resulta dos autos, não eram acções fiscalizadoras (no sentido de aferir a conformidade da execução da obra com o licenciado) mas reuniões quer com moradores, quer com o proprietário da obra.
«Aliás não se deixa de considerar incongruente, que com tais idas à obra e sendo o arguido um técnico competente e experiente (facto que lhe é amplamente reconhecido), designadamente, como refere, em Janeiro/Fevereiro de 2005, não tivesse a percepção das desconformidades que já então ocorriam e que eram relatadas nas queixas apresentadas, sem que, contudo, tivesse tomado qualquer diligência para obviar à sua continuação.
«A acentuar o que se vem de expor, não poderá deixar de se fazer referência àquilo que nos foi referido no depoimento prestado pelo engenheiro OO, o qual claramente refere que transmitiu aos serviços, e concretamente ao DMAT, instruções para um acompanhamento próximo daquela situação, acompanhamento esse que pessoalmente entendesse como adequado, especificando caber ao DMAT as determinações a dar aos serviços em conformidade, já que, como referiu, a gestão dos meios compete ao director municipal. A tal propósito, vide ainda o teor do despacho do vereador OO a fls. 95 do apenso V.
«A incontornável constatação da assunção pessoal do acompanhamento do processo referente à obra pelo DMAT e ora arguido, é-nos evidenciada pela prova produzida e mesmo pela actuação do próprio arguido, mostrando-se incongruente a referência por si efectuada nas declarações que prestou de que não foi incumbido de fiscalizar, mas de acompanhar o vereador! Aliás, a assunção particular do processo, designadamente ao nível da questão da fiscalização vislumbra-se logo no momento em que após a primeira acção inspectiva pelo engenheiro TT, o arguido chama a si, DMAT [8], a apreciação da informação prestada pelo fiscal, quando em termos de normalidade de procedimentos, conforme nos foi referido pela Engª II, quem usualmente faz essa apreciação é a chefe de divisão da DLDF, a quem aliás a informação era dirigida – cfr. fls. 109 do apenso V-.
«A assunção do processo por parte do DMAT mostra-se ainda evidenciada, para além das deslocações que este efectuou ao local da obra, na informação prestada à Provedora do Ambiente e Qualidade de Vida, a fls. 82 do apenso V, e bem assim na circunstância de que várias reclamações e outros pedidos de informação que foram apresentados foram, pelos serviços, a si dirigidas para apreciação- conforme se extrai de fls. 78 a 80, 84, 86. 
«A propósito da falta de fiscalização daquela obra, atentas as reclamações existentes, a resposta que nos foi dada pela engenheira II, chefe da divisão da DLDF, de que as reclamações iam aos fiscais da zona, não sendo necessário por isso determinar a fiscalização, surge-nos sem coerência ou explicação, porquanto advinda da técnica superior da divisão em questão e sobretudo quando se sabe que a fiscalização não estava a ser efectuada!, a não ser que outras determinações ou justificação pudessem existir que expliquem a sua resposta, mas que por esta não nos foram dadas.
«Ainda a tal propósito, cumprirá salientar que o engenheiro OO, também questionado sobre a inexistência de fiscalização no período em apreço, acabou por referir não lhe caber a si em termos dos procedimentos habituais determinar a fiscalização, já que isso caberia ao DMAT.
«Da conjugação lógica e congruente de tudo o que vem exposto, resulta que efectivamente cabia ao arguido, quer pelas funções que desempenhava, quer pela concreta atribuição do cuidado que lhe foi solicitado no processo em questão, gerir e fazer as determinações aos serviços que superintendia de forma a garantir a fiscalização da conformidade da obra ao projecto licenciado, permitindo que a Câmara Municipal agisse atempadamente, o que não veio a suceder, vindo apenas a ser efectuada uma acção de fiscalização, já após a saída do arguido, quando a edificação estava praticamente concluída e as intervenções na área circundante efectivadas[9], quer no que tange à edificação quer no que se refere à movimentação de terras, desmatação e abertura de caminho de acesso à circular, questão para a qual os serviços camarários e concretamente o arguido estavam alertados desde Setembro de 2004[10].
«A tal propósito, vide ainda o relato de diligência externa de fls. 8 a 15, do qual se extrai o estado da obra e caminho aberto até à circular em Fevereiro de 2006 (alguns dias após o embargo).
«De todo o exposto, resulta evidenciada a factualidade descrita nos pontos 1.14 e 1.21.
«A factualidade constante do ponto 11.22. e 11.33. resulta da análise objectiva do documento de fls. 52/53/54 do apenso I, informação nº 1222, de 01.09.2005, na qual, a Eng.ª A… A… analisa os registos 29650 (relativo à apresentação do projecto de alterações de arquitectura) e o registo 41899 (relativo ao pedido de prorrogação de licença de obras), propondo para o primeiro registo a notificação do requerente para apresentar peças desenhadas e, para o segundo registo, o indeferimento do pedido de prorrogação por caducidade, tal como, o envio do processo à DLDF a fim de se averiguar a evolução da obra para adopção dos procedimentos adequados, vindo o Vereador OO a despachar no sentido de o requerente ser notificado conforme proposto naquela informação, o que veio a ser feito conforme se extrai de fls. 68, da qual resulta a notificação do promotor relativamente aos dois registos nos termos propostos.
«Verifica-se, todavia, do teor de fls. 66 do apenso V, que na sequência desta notificação atinente ao indeferimento do pedido de prorrogação da licença, o arguido veio a proferir despacho de 27.09.2005, no qual referindo que o terminus do prazo para apresentação do pedido de prorrogação terminava em dia de feriado municipal, considerou que tal pedido havia sido tempestivo, pelo que determinou a reformulação da inf. 1222 da DERU, neste ponto, determinando que a DAAA viesse a emitir licença, com a prorrogação requerida pelo requerente, decisão que veio a ser notificada ao requerente em 3.10.2005 e levantada a licença em 17/10/05, conforme documentos de fls. 62 e 66 do apenso V e fls. 6 do apenso II. 
«Na sequência da determinação do DMAT, extrai-se ter sido reformulada a informação 1222, nos termos constantes de fls. 55 e 56 do apenso I. –informação que tomou o nº 1346, de 27.09.2005-, a qual veio a ser cumprida na parte respeitante ao despacho do arguido.
«Sobre esta questão foi-nos referido no depoimento prestado por HH, ter telefonado ao arguido chamando a atenção para o lapso existente na contagem do prazo, uma vez que o último dia era feriado municipal, ao que o arguido respondeu que aquele não precisava de fazer nada, pois trataria do assunto, o que, conforme se extrai dos autos, fez, lavrando a decisão que determinou a reformulação da informação técnica da engenharia M… A…, que propôs o envio do processo à DAAA onde foi emitida a prorrogação do alvará de licença por mais seis meses (cfr. fls. 63 a 65 do apenso V.)
«Cumprirá salientar, todavia, duas questões. Por um lado extrai-se do teor do despacho proferido pelo arguido, que o mesmo se cingiu apenas à apreciação da questão da contagem do prazo constante da informação nº 1222 da Engenheira M… A…, pois não se afigura legítimo extrair qualquer outro sentido à expressão consignada naquele despacho do arguido ao referir “neste preciso ponto”, que não seja essa mesma. Por outro, que o arguido, avocando o processo, acaba por proferir uma decisão contrária àquela que fora proferida por um superior hierárquico, o engenheiro OO, corrigindo-a.
«A propósito desta questão, o arguido referiu nas declarações prestadas que as demais questões atinentes à alteração do projecto não eram da sua competência, pelo que se limitou a corrigir o que designou de “erro” da contagem do prazo numa esfera de competência que lhe estava subdelegada.
«Vejamos:
«A engenheira M… A… L… M… de A… C… explicitou-nos, no depoimento por si prestado, que uma das razões que estaria na base da sua proposta de indeferimento da prorrogação do prazo era a existência de um projecto de alterações e não se saber o que estava construído na obra por falta de fiscalização desta, razão pela qual propôs (o que fez no âmbito da apreciação do pedido de prorrogação do prazo - conforme se vê de fls. 53 - ) que o processo fosse à DLDF para ser efectuada uma acção de fiscalização à obra. Pese embora esta testemunha afirme que se tem necessariamente de ligar essa situação (o facto de não haver condições para serem aprovadas as alterações à obra) à apreciação do pedido de prorrogação do prazo e esse entendimento ser controvertido, face ao que nos foi referido pelo Eng. OO no depoimento que prestou, embora a tal propósito não possa deixar de se considerar expressivo aquilo que é referido na conversa telefónica mantida entre o arguido e HH -em 6.02.06-, cuja transcrição se mostra junta a fls. 359, 369 e 371/372, onde ambos falam de um deferimento tácito das alterações ao projecto em virtude da renovação da licença e da falta de inspecção prévia ao deferimento da prorrogação!! , a verdade é que a questão essencial, a nosso ver, se circunscreve à razão, pela qual, pese embora resulte líquido que efectivamente o prazo relativo à prorrogação do prazo estaria incorrectamente contado, o arguido nada refere quanto à questão da fiscalização que no âmbito de apreciação desse pedido era também proposta pela engenheira M… A…. E não se diga que essa questão já havia sido apreciada no âmbito da informação 1222, pela chefe de divisão que a apreciou, porquanto, conforme se extrai do teor do manuscrito aposto a fls. 52, esta técnica entendeu remeter o processo à DLDF, mas, apenas, para apreciação de um requerimento (nº 502175/05, o qual consta a fls. 73 do apenso V e que nada tinha a ver com a questão suscitada pela Eng.ª M… A…, já que se tratava de mais um pedido de informação feito pela L... A...), sem que fosse concretamente apreciada a proposta da Eng.ª A… no sentido de ser feita uma fiscalização à obra.
«Pelo que, mais uma vez, tendo o arguido a supervisão daquela obra e a competência para determinar, se o entendesse, e face ao que vinha explicitado na informação da Eng.ª M…A…, sobre a fiscalização da obra, nada entendeu dizer ou fazer sobre essa questão (numa altura em que estava já apresentado projecto de alterações ainda não apreciado).
«Por outro lado, não poderá deixar de se considerar desconforme a forma algo inusitada como é corrigida a decisão de um superior (vereador OO), pois pese embora a testemunha OO procurasse desvalorizar essa situação, não deixa de transmitir alguma estranheza por o arguido não lhe ter mandado dar conhecimento de tal despacho, referindo que apenas veio a dele ter conhecimento muito mais tarde.
«É a conjugação de tudo o que acima fica exposto, na sua valoração e conjugação crítica e ponderada, nos termos que ficaram expressos, que permitiu a convicção do tribunal no que se refere à factualidade que vem provada no ponto 11.22 e 11.23. em apreciação.
«Relativamente à factualidade provada no ponto 11.24. a sua consignação como tal e para além de tudo o já referido, resultou da análise objectiva dos elementos documentais juntos aos autos, mormente de fls. 266 a 291 (SPO) do processo principal, conjugada esta com o teor do inquérito da câmara, mandado elaborar na sequência de despacho do Presidente da Câmara Municipal de ..., junto ao apenso V e dos quais se extrai que, efectivamente, o processo em questão esteve na DMAT desde o período que mediou entre 3.09.2004 e 23.03.2005, altura em que transita para o designado arquivo activo.
«A leitura do SPO foi-nos ainda elucidada pela engenheira II, no depoimento prestado.
«Feita a análise de tal documentação, mormente dos registos no SPO, extrai-se, que efectivamente no período em análise o processo esteve na DMAT e que havendo registos de requerimentos entrados nesse período, estes registos entre os quais o nº 56900 - pedido de informação da Provedoria do Ambiente, dirigido ao Vereador OO- de 12-10-2004 ( fls. 84) e o requerimento de fls. 80 (registo nº1160) tiveram uma tramitação autónoma, vindo a ser juntos posteriormente ao processo, conforme se extrai do respectivo teor (veja-se o aí manuscrito e carimbos) e do teor do próprio SPO.
«Refira-se a tal propósito, que nos parece algo desprovida de sentido a indicação feita no depoimento prestado por L… J… l… L…, que exerceu as funções de DMAT após a saída do arguido de que a informação do SPO poderá não ser fidedigna, pois foi o próprio que elaborou e assinou o inquérito junto aos autos de apenso V, no qual se conclui expressamente no ponto A-4 a fls. 5 que o processo teve o acompanhamento do DMAT, tendo ficado na sua posse até ao dia 23 de Março de 2005, data em que foi enviado para o arquivo activo onde ficou até 3.05.2005, conforme aliás ressalta da análise do SPO.
            «Já a prova produzida não permite firmar a convicção segura e consistente da realidade da factualidade vertida na alínea c) dos factos não provados, porquanto escalpelizados os depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas quanto a essa concreta questão, mormente as testemunhas II e C… T…, chefes de divisão, respectivamente da DLDF e da DGURU, referiram não ter recordação de ter havido indisponibilidade do processo ou de dificuldade ao seu acesso. Também a testemunha OO refere que tal situação não lhe foi transmitida pelos serviços.
«Extrai-se, assim, da análise dos depoimentos prestados pelos funcionários da câmara que foram ouvidos, não ter sido confirmada por qualquer um deles a factualidade descrita no ponto em análise, a qual não se mostrando comprovada por qualquer outro meio de prova, mereceu a sua consignação como não provada pela ausência de prova segura e consistente que confirmasse a sua verificação.
«Relativamente à factualidade descrita em 11.27. e 11.28. resultou a mesma da análise da documentação junta aos autos a fls. 64 do apenso I (informação da Eng.ª M… A… de 4.01.2006, na sequência da resposta dada pelo promotor à notificação que lhe foi efectuada na sequência da informação 1222, para anexar peças desenhadas) e de fls. 39 a 42 do apenso V (informação de 10.01.2006, sobre o projecto de alteração ao projecto de arquitectura onde é proposto o indeferimento do mesmo), da qual se extrai a análise então efectuada ao projecto de alterações apresentado pelo requerente em Maio de 2005- veja-se também o teor de fls. 50 e 51 do apenso I (relativos à entrada do projecto de alterações em Maio de 2005), e que, na sequência de proposta da chefe de divisão da DERU de 20.01.2006 que concordando com a informação, propôs a audiência prévia quanto ao indeferimento do projecto de alterações e bem assim o indeferimento do pedido de renovação de licença, o que veio a merecer despacho de concordância do vereador do pelouro OO, em 27.01.2006, conforme acima referido.
«A obra veio a ser embargada em 1/02/2006, conforme se extrai do teor da documentação junta aos autos a fls. 34 do apenso V, vindo a ser proferido despacho de embargo da obra pelo Vereador OO, na sequência de acção de fiscalização realizada em 27.01.2006, por determinação da chefe de divisão, já após a saída do arguido da Câmara Municipal.
«A tal propósito, vide ainda fls. 14 a 17 e 23 do apenso II, fls. 99 do Vol.I e 82 a 87., designadamente a participação e informação nº 372/2006 relativa a acção de fiscalização pelo Engenheiro TT. Tal despacho de embargo foi efectivado em 08.02.2006, conforme auto de embargo de fls. 30 do apenso II.
«A análise de tal documentação na conjugação com a análise dos depoimentos prestados pela engenheira C… T…, pela engenheira M… A… L… M… A… C…, engenheiro P… M…M…G… e engenheiro OO, que referiram sobre o contexto das análises efectuadas e embargo decretado, permitiram a consignação da factualidade descrita em 11.25 e 11.26, como provada.
«O teor relativo ao ponto 11.29. resulta dos relatórios de ocorrência junto a fls. 517 a 536 dos autos (V.III) dos quais se extrai que em 16.12.2006 ocorreu um aluimento de terras nas imediações da edificação. Tal questão vem ainda evidenciada no relato de diligência externa de fls. 510 a 513.
«Relativamente ao ponto 11.30. a sua consignação como provado resulta da conjugação crítica e analítica de todos os elementos probatórios acima referidos, na conjugação com as regras da experiência e normalidade das coisas na indução lógica que dos factos objectivos resultantes de toda a prova produzida permite extrair a ilação dos factos em apreciação, de forma consistente e segura.
«Com efeito, na concatenação de tudo o que se vem de expor, aferido no contexto situacional e relacional em que toda a conduta do arguido decorre, extrai-se não poder ser outra a conclusão sobre a sua actuação, intenção e consciência no âmbito de tal processo, que não a de conferir protecção aos interesses de J… A…senão vejamos:
«O relacionamento do arguido com o referido HH aparece-nos desde logo evidenciado na relação de maior proximidade que entre ambos se estabeleceu a partir do seu conhecimento ocorrido no ano de 2003, em decorrência de assuntos relacionados com a AA...-OAF e do patrocínio que o F…, então deu àquele clube de futebol no valor total e anual de 125.000,00€, relacionamento que se manteve durante alguns anos. Note-se que o HH era o administrador da holding que gere as participações do grupo em questão. Vide a tal propósito relatório das finanças a fls. 194 a 207 do qual se extrai a entrega de diversas quantias pelo F... à AA...-OAF, no decurso dos anos de 2003 a 2005, a título de publicidade e donativos e ainda o teor de fls. 416 a 419–contrato de patrocínio desportivo pelo período de 1.06.2004 a 30.05.2005. 
«Este relacionamento entre o arguido e HH surge-nos, por outro lado, evidenciado do teor das escutas telefónicas, cuja transcrição se mostra junta a fls. 356 a 374 dos autos, as quais são claramente indiciadoras do relacionamento, proximidade e contactos existentes entre ambos, bem como da abertura e facilidade com que o HH falava com o arguido relativamente aos assuntos relacionados com a obra em apreço e conhecimento que destas tinha o arguido, bem como da “pressão” que sobre este era exercida, por aquele, para a resolução das questões emergentes da mesma.
«Na verdade e pese embora estas conversações tenham tido lugar numa fase subsequente à saída do arguido da Câmara Municipal, e portanto, quando o mesmo já não era DMAT, a verdade é que o respectivo teor permite-nos intuir e perceber que os assuntos relacionados com aquela obra sempre foram abertamente alvo de conversação e apreciação entre ambos. A tal propósito não é despiciendo trazer à colação o episódio relativo ao primeiro indeferimento de prorrogação do alvará de licença, do qual se extrai que o relacionamento existente permitiu ao HH, com um telefonema pessoal feito ao arguido, ver resolvida de forma eficaz e imediata a questão relativa a tal indeferimento, situação inacessível a qualquer outro munícipe em idênticas condições e que só por si é representativo de tudo o que se passou no âmbito deste processo.
«São expressivas as conversações, com transcrição junta a fls. 356 a 374 dos autos, tidas entre o arguido e HH, em 6.02.2006 e 8.02.2006, na altura em que a obra estava para ser embargada, das quais se reproduz um excerto para melhor compreensão do que acima referimos (de fls. 373/374):
«“ (…) TA: Eu penso que aquilo que é (…) o que é possível, é eventualmente eu tenho lá um pedido de alteração ao projecto inicial, nas condições que o senhor engenheiro conhece, isso sempre conheceu. O senhor Eng.° é que me devia ter despachado esta …antes de ter saído dali, não é?!
«JE- Mas aquilo era dele! Aquilo eram competências do Vereador. Não é minha. O licenciamento é competência dele.
«VM- E a…mas ele o licenciamento sei eu, mas a aprovação das alterações também é da competência dele.
«JE- É. Só ele é que pode deferir.
«(…)
            «TA: E o senhor Eng.° não conhece essa gente lá da fiscalização?
«JES: Conheço muito bem!
«TA: Então veja lá se eles não levantam grandes problemas a isso, senhor engenheiro!
«JES: Senhor doutor, eles vão levantar os problemas que o OO quiser! Aquilo é assim: ele diz o que eles devem diz… fazer e eles fazem. São assim, mas eu… eu falo com eles, tá bem!
«TA: Veja é se consegue falar com o OO, para saber o que é que ele quer afinal!
            «JES: Okay. Certo.
            «TA: …qualquer rebuçado para satisfazer aquela gente. Qualquer coisa p’ra ninguém se chatear ali. Tá a ver?
«E do dia 8.02.2006, a fls. 357:
«“VM – Sabe que eu percebi…. Sabe que eu… eu ontem, depois isto foi andando, eu percebi queee… aaa… portanto, o processo em que eu estou a apanhar e a satisfação que resolveram agora dar àquelas pessoas, cedendo à pressão popular, tem um objectivo também dirigido a si! Não tenho nenhuma dúvida!
«JE – Pode ser que tenha, mas eu aí num…
«VM – Não. Não. Não tenho nenhuma dúvida por isso. Euu…
            «JE – Só se for via muito indirecta…
«(…)
«VM – O Sr. Engenheiro terminou a trinta de Dezembro, não?
            «JE – Trinta e um de Dezembro, sim.
«VM – Trinta e um de Dezembro. No dia seguinte, começaram a preparar o processo de embargos. E se reparar na notícia que saiu ontem no Diário de ..., o C… E…., mandou levantar um inquérito com o objectivo de saber como é que foi possível, durante este ano e meio, que Havia ilegalidades, que eu não sei a que ilegalidades é que ele se refere, as ilegalidades que se tivessem… tivessem… tivessem… se tivessem verificado  sem que ele, pelos vistos como Presidente, tivesse conhecimento, porque i alguém terá estado a servir de… de digamos, de páraque … páraque…
«JE - …(imperceptível) e tenho a impressão que quem se vai lixar é o vereador, porque ele é que é… ele… isso num… isso não é uma competência delegada em mim, é uma competência exclusiva dele… aaa… eu fiz o que meee competia … perguntei aos técnicos da fiscalização…
«VM-…Ó…Ó…Ó
«JE - …como é que andavam as obras e as coisas todas, e portanto quem… (imperceptível)…
«VM - …Ó…ó Z. E… eu…eu….eu reparo… eu…eu… eu da minha parte, terá certamente, problema de natureza absolutamente nenhuma, porque nem sequer há razão para ter. Eu penso que o Dr., o Engenheiro OO, aaa… não terá medido as consequências do seu próprio procedimento, porque ele não estava em condições de poder tomar esta atitude.
«JE- Hum… hum…
«VM – Aaa… como o Sr. Engenheiro sabe e muito bem, o senhor… o Sr. Engenheiro OO esteve comigo e consigo na obra, muito depois de estar Jeito o caminho, e muito depois de estar feita a excesso de construção que é hoje o fundamento do embargo da parte dele.
«(…)
«VM – Oooo… o Sr. Engenheiro sabe perfeitamente que, por exemplo, o muro que está hoje objecto de discussão, que lá está, fo… houve acordo entre nós, o Sr. Engenheiro, eu e o Sr. Engenheiro OO, para o localizar naquele sítio.
«JE – Sim senhor! É verdade!
«VM – Porque nós sabíamos que a propriedade estava ali e que estava tratada, ò pá, vamos deixar uma área de estacionamento…
«JE - ..Foi o …o … foi o Eng. OO que pediu…
«(…)
«E se tal relacionamento resulta claro do que acima se expôs, por outro lado, todo o encadeamento de factos que se surpreende na análise da factualidade provada desde o início da obra até à saída do arguido da Câmara Municipal, quando cessada a comissão de serviço como DMAT, outra justificação não colhe para a ineficácia de actuação da câmara, senão uma deliberada intenção de favorecimento do HH.
«Na verdade e conforme ficou anteriormente explicado, a obra decorreu sem qualquer acção de fiscalização que permitisse identificar as irregularidades construtivas que estavam a ser levadas a cabo, não permitindo outrossim impedir as intervenções na área circundante com movimentação de terras, construção de muros e abertura de caminhos, mais concretamente caminho desde a vivenda até à circular, sem licenciamento da câmara, em área definida pelo PDM como zona verde (V2), as quais para além de não licenciadas contrariam o PDM, atenta a destruição parcial do coberto vegetal[11].
«Ora, tal construção e intervenções não licenciadas vieram a verificar-se gravemente danosas para a encosta onde se procedeu à intervenção, com o desabamento de terras ocorrido em Dezembro de 2006, extraindo-se do Relatório de Ocorrência, constante de fls.517 a 531 do Vol. III, que a causa daquele se deveu a desmatação, movimentos de terra (depósitos e escavações), a abertura de caminhos e construção de muros em pedra, executados deficientemente e sem licenciamento: depósitos de terras não compactadas e drenadas; assentamento de “muros de pedra” sobre terrenos de depósito, sem execução de fundações, o que é visível nos locais em que se verificou o deslizamento/desmoronamento; a existência de águas acumuladas a montante da(s) zona(s) onde ocorreram os deslizamentos/desmoronamentos, não se garantindo condições de drenagem adequadas.
«A realização de movimentos de terra para execução daquele caminho de acesso à moradia, associados à alteração da cobertura vegetal, em área instável e em solos que apresentavam um elevado teor de água, permitiu a formação de um fluxo de lamas que se movimentou e arrastou os muros de suporte, preocupação que os vizinhos da obra largamente expuseram à autarquia, tendo, nomeadamente, dado conta das possíveis consequências.
«Com efeito, torna-se incompreensível a actuação dos serviços camarários quando olhamos à imensidão de alertas, queixas, reclamações, intervenções públicas feitas pelos munícipes residentes nas imediações, não se vislumbrando qualquer justificação em termos de normalidade das coisas para a omissão evidenciada na condução deste processo pelo arguido na sua qualidade de DMAT, dirigente camarário responsável máximo pela fiscalização e a quem tinha sido atribuída e por ele assumida, a condução e acompanhamento do processo, e que portanto, para além da função de direcção que já lhe cabia a nível da fiscalização, em função da subdelegação de competências que lhe havia sido conferida, tinha sobre si o especial ónus da condução atenta daquele processo, que não o de conferir protecção aos interesses do proprietário daquela obra.
«A actuação em questão ou melhor a falta de actuação e zelo na condução deste processo, sem que pelo arguido como responsável dos serviços, tivesse eficazmente determinado as acções necessárias à fiscalização e percepção atempada do estado da obra, visou e permitiu que a obra decorresse ao sabor do interesse do proprietário, sem qualquer paragem até ao seu embargo, ocorrido já após a saída do arguido, e que se consolidassem situações que verificadas atempadamente poderiam ter sido evitadas, bem como evitados todos os procedimentos legais, intervenções camarárias e de instâncias judiciais, que se suscitaram em decorrência de tal procedimento e que ainda hoje decorrem – vide ainda fls.131 a 176, 994 a 1037.
«É a conjugação de tudo aquilo que vem exposto que permite de forma consistente a formação da convicção quanto à realidade dos factos que se consignaram como provados.
«Por último cumprirá referir no que tange ao facto descrito em 11.31 que o mesmo decorre da análise objectiva do teor do documento de fls. 280 dos autos-SPO, quanto à data da apresentação do requerimento e bem assim do teor do despacho do arguido de fls. 66 do apenso V.
«Quanto à factualidade consignada no ponto 11.32. decorre a mesma das atribuições conferidas ao arguido e designadamente aquelas que lhe foram subdelegadas e que constam do edital 51/2003 a fls. 48/49, sendo ainda tal situação referida pelo engenheiro OO no depoimento que prestou.
«Relativamente à factualidade descrita no ponto 11.34. vem-nos a mesma evidenciada do teor objectivo do documento junto aos autos a fls. 47 do apenso I, vindo a mesma a ser relatada quer nas declarações do arguido, quer no depoimento prestado pelo Eng. OO.
«Relativamente ao ponto 11.35. a matéria factual aí descrita quanto às idas à obra, resulta evidenciada de toda a motivação que deixámos acima expressa, aliás conforme referido, resulta da documentação junta aos autos a existência de duas visitas à obra no período de Setembro e Outubro de 2004, do arguido com o Eng. OO, admitindo o arguido ter também visitado a obra pelo menos nos primeiros meses de 2005, havendo referências a tais visitas também no depoimento de HH.
«Já quanto a deslocações do Engº OO à obra no decurso do ano de 2005 se verifica serem estas negadas pela testemunha não resultando de forma segura e consistente da prova produzida a possibilidade da afirmação da sua veracidade, razão pela qual se consignou como não provada a matéria factual da alínea e) dos factos não provados.
«Quanto ao ponto 11.36. extrai-se do SPO e dos vários documentos juntos aos autos os movimentos do processo pelos diversos serviços camarários, sendo que muitos deles era para apreciação de requerimentos avulsos entrados na câmara, conforme referimos supra, sendo tal movimentação aliás consentânea, com um processo desta natureza»»».
«Assim, vista natureza do recurso e ónus que incidem sobre o recorrente, os critérios de apreciação motivada da prova, vista a motivação exaustiva da decisão e o contraponto com a insipiência dos fundamentos que lhe são opostos em termos de especificação de concretos fundamentos probatórios que a contrariem, não estabelecendo o recorrente qualquer conexão directa e ou causal entre concretos factos impugnados e meios de prova que lhe tenham servido ou devessem ter servido de suporte e pudessem impor decisão diversa, muito menos pondo em causa o teor de qualquer afirmação relevante dos depoimentos prestados em audiência que serviram de suporte á decisão, não alegando, muito menos ainda, que o tribunal recorrido tenha atribuído a algum depoente afirmações que não tenha produzido ou contrárias ao consignado/valorado, ponderando tudo o exposto, impõe-se a improcedência do recurso também quanto a este ponto.»
***
1.6. No plano da subsunção jurídica dos factos provados, a fundamentação do acórdão recorrido é como segue:
«Na reapreciação da decisão recorrida em matéria de facto foram sendo efectuadas referências a razões de direito que na motivação do recurso interposto pelo arguido enovelam a impugnação da matéria de facto, atenta a forma imbricada da motivação do recurso.
«Ficando claro, além do mais que, em matéria de facto, ao contrário do suposto pela motivação do recurso interposto pelo arguido, o tribunal recorrido deu como provada matéria relativa à previsão/representação e vontade de realização dos factos objectivos, à consciência da ilicitude da sua conduta, enfim, ao móbil do crime.
«Veja-se o ponto III da descrição da matéria provada: “III- Nas situações que acima vêm descritas nos pontos 1., 3. a 7., 10. e 11., o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, ciente da ilicitude da sua conduta. - Ao actuar na forma descrita nas situações e período referidas em 1., 3. a 7. e 10., o arguido (…) norteado e motivado pelas constantes dificuldades económicas e financeiras do clube por si presidido e dos compromissos que a este cabia assegurar ao longo de tal período”.
«Importando agora enfrentar as estritas razões de direito – preenchimento, pela matéria provada dos elementos típicos do crime.
«A decisão recorrida teve por verificada a prática dos seguintes crimes:
«- um crime de abuso de poderes p e p pelo art. 382º, com referência ao art. 386º do C. Penal [situação descrita sob o ponto 11. da matéria provada]; e 
            «- um crime de corrupção para acto ilícito na forma continuada no qual foram integrados: - cinco crimes subsumidos individualmente no art. 372º, n.º 1 do C. Penal, sob a epígrafe “corrupção para acto ilícito” [correspondentes aos 5 “casos”/“situações” descritos em 1., 3., 6., 7. 10 (parte relativa ao prédio da Rua V... de C...) da matéria provada]; e três crimes previstos no art. 373º n.º 2 do mesmo diploma, sob a epígrafe “corrupção para acto lícito” [3 situações descritas em 4., 5., e 10 – parte relativa ao prédio da Rua ... M...].
«Nos tipos legais de crime em questão o bem jurídico protegido centra-se na autoridade e credibilidade dos Serviços da Administração do Estado, tendo em vista os princípios superiores da imparcialidade, da salvaguarda da igualdade do cidadão (todos os cidadãos), contribuinte, que paga e a quem de destinam os serviços da administração.
«Tal exigência corresponde a princípios fundamentais da organização do Estado, constitucionalmente consagrados e, em particular, o nº 2 do artigo 266º, da CRP que proclama: “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.”
«Princípios consagrados na lei ordinária e regulamentar como sucede, com o Estatuto dos Eleitos Locais, o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central Regional e Local – cfr. art. 3º n. 3 do Dec. Lei 24/84 de 16.01 que afirma a obrigação dos agentes públicos actuarem no sentido de criar no público confiança na acção da administração Pública, em especial no que à imparcialidade diz respeito.
«No mesmo sentido o artigo 4º da Lei n.° 2/2004 de 15.01, que Aprova o Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Central, Regional e Local do Estado, estabelece: “ Os titulares dos cargos dirigentes estão exclusivamente ao serviço do interesse público, devendo observar, no desempenho das suas funções, os valores fundamentais e princípios da actividade administrativa consagrados na Constituição e na lei, designadamente os da legalidade, justiça e imparcialidade, competência, responsabilidade, proporcionalidade, transparência e boa fé, por forma a assegurar o respeito e confiança dos funcionários e da sociedade na Administração Pública.”
«O agente, deve assim actuar no exercício das suas funções, sujeito ao respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, mostrando-se particularmente relevante, neste âmbito, pela ameaça que apresenta para o bem jurídico protegido, a violação por parte do funcionário do dever de isenção.
«Dever de isenção definido no art. 5º do Dec. Lei 24/84 de 16/01 da seguinte forma: “0 dever de isenção consiste em não retirar vantagens directas ou indirectas, pecuniárias ou outras, das funções que exerce, actuando com independência em relação aos interesses e pressões particulares de qualquer índole, na perspectiva do respeito pela igualdade cidadãos”.
«*
«No que toca ao crime de corrupção, sob a epígrafe “Corrupção passiva para acto ilícito”, postula o artigo 372º do Código Penal, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 108/2001, de 28.11, aplicável ao caso atenta a data dos factos:
«1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”
«Por seu turno, sob a epígrafe “Corrupção para acto lícito”, dispõe o artigo 373º do mesmo diploma, na redacção dada pela Lei 108/2001, de 28.11
«1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão não contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

«2 - Na mesma pena incorre o funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial de pessoa que perante ele tenha tido, tenha ou venha a ter qualquer pretensão dependente do exercício das suas funções públicas. 
«A letra/leitura dos dois tipos de crime evidencia que a respectiva epígrafe não condiz com o enunciado. Sendo cero que do enunciado material dos elementos do tipo, não resulta qualquer referência à prática de “acto lícito” ou “acto ilícito”.
«A descrição dos elementos do tipo reporta-se, antes, a acto/omissão “contrário aos deveres do cargo”- art. 372º. Ou acto/omissão “não contrário aos deveres do cargo” – art. 373.
«A apontada falta de sincronia entre o título e o enunciado da acção ilícita típica, atenta a rigorosa tipicidade do ilícito penal, coloca, genericamente, de sobreaviso para duas distintas perspectivas sobre o preenchimento do elemento nuclear do tipo:
            «– de um lado a perspectiva subjacente à motivação do recurso para a qual a verificação do tipo de ilícito exigiria a prática de um (outro) perfeito/válido/redondo “acto ilícito” prévio ao ilícito criminal definido no tipo, em si;
«– de outro a perspectiva subjacente à decisão recorrida, fazendo incidir o núcleo da ilicitude típica na “violação dos deveres do cargo” que não na prática de um acto ilícito prévio formalmente válido enquanto tal.
«Como refere A. Almeida Costa (Comentário Coninbricense, a p. 655, em anotação ao crime em apreciação) o fenómeno da corrupção pode reconduzir-se às situações em que um funcionário (na acepção do art. 386° do C.P.) solicita ou aceita uma vantagem patrimonial ou não patrimonial (ou a sua promessa) como contrapartida de um acto (lícito ou ilícito, passado ou futuro) que traduz o exercício efectivo do cargo em que se encontra investido.
«É em função do carácter ilícito ou lícito da conduta do funcionário visada pelo suborno que se estabelece a contraposição entre corrupção própria e imprópria.
«O bem jurídico objecto de protecção reconduz-se ao prestígio e à dignidade do Estado, como pressupostos da sua eficácia ou operacionalidade na prossecução legítima dos interesses que lhe estão adstritos.
«Ou, como refere Cláudia Cruz Santos [in A corrupção de agentes públicos em Portugal: reflexões sobre o seu regime jurídico-criminal em expansão no Brasil e em Portugal, p. 100], “a interdição da corrupção visa defender a legalidade da actuação dos agentes públicos, a quem está vedada qualquer negociação relacionada com as suas funções, pois só assim se garante a objectividade decisional do Estado.”
«Ao transaccionar com o cargo, o empregado público corrupto coloca os poderes funcionais ao serviço dos seus interesses privados, a corrupção (própria e imprópria) traduz-se, por isso, numa manipulação do aparelho de Estado pelo funcionário que, assim, viola a autonomia intencional do último. Ou seja, em sentido material, infringe as exigências de legalidade, objectividade e independência que, num Estado de Direito, sempre têm de presidir ao desempenho das funções públicas.
«Consistindo o bem jurídico na autonomia intencional do Estado e não no valor ou interesse porventura afectado pela conduta do funcionário a quem se dirige a peita, a correspondente violação (e consumação do ilícito) ocorre logo que se depare com uma declaração de vontade do empregado público que evidencie a inequívoca intenção de mercadejar com o cargo, “vender” o exercício de uma actividade (lícita ou ilícita) compreendida nas suas atribuições ou, pelo menos, nos seus “poderes de facto”. O mercadejar com o cargo assume-se, pois, como o vector essencial e o verdadeiro cerne dos crimes de corrupção. 
«Apresenta-se assim como um crime material ou de resultado, cuja consumação ocorre no momento em que a “solicitação” ou “aceitação” do suborno, ou da sua promessa, cheguem ao conhecimento do destinatário.
«Por outro lado, a corrupção passiva reveste a natureza de delito específico, uma vez que o agente tem de se revestir de uma especial qualidade, a de funcionário ou titular de cargo político.
«Na relação entre a conduta do corrupto e a prestação do corruptor afigura-se inteiramente fundada, em função da teleologia do crime, a posição expendida por Cláudia Santos (ob. Cit, fls. 129 e segs.) quando salienta que a interdependência entre os dois vectores assinalados deve ser perspectivada de uma forma flexível.
«Na verdade, a propósito da exigência de um verdadeiro sinalagma entre as prestações do corruptor e do funcionário corrupto, certo é que a corrupção supõe uma negociação ilegítima com os poderes associados a determinado cargo e, por isso, uma conexão entre o “contributo” do agente da corrupção activa e a eventual prática de um acto do agente da corrupção passiva e portanto uma correspondência entre as prestações do corruptor e do funcionário.
«Como refere de forma elucidativa Cláudia Cruz Santos (ob. cit., p. 109 e segs.) “ … a consideração dos delitos de corrupção como crimes de resultado de dano, que visam tutelar um bem jurídico definido como a legalidade da actuação dos agentes públicos impeditiva do recebimento de vantagens e preordenada à defesa da sua objectividade decisional permite-nos que consideremos inequivocamente típicas várias condutas, porque lesivas daquele bem jurídico e não excluídas do âmbito de aplicação da norma pela letra da lei. Extraiam-se daqui, portanto, as conclusões devidas e exemplifique-se com algumas das hipóteses que mais duvidas tem suscitado aos aplicadores: 1) pode haver crime de corrupção passiva e activa ainda que o valor da peita não seja proporcional ao valor ou importância do acto a praticar; 2); pode haver crime de corrupção passiva e activa sem que o acto acordado ou almejado venha a ter lugar; 3) pode haver crime de corrupção passiva e activa sem que fique demonstrado que a solicitação, aceitação ou oferta da peita têm por objectivo a prática de um acto concreto e determinado; 4) por maioria de razões, pode haver crime de corrupção passiva e activa quer a oferta/recebimento sejam anteriores à prática do acto, quer sejam posteriores; 5) pode haver crime consumado de corrupção, quer activa, quer passiva, mesmo que o agente público não chegue efectivamente a receber a vantagem prometida ou solicitada.”
«A ilicitude e ilegalidade de actuação do agente público que aceita ou solicita vantagens provindas de quem tenha pretensão dependente das suas atribuições/funções é assim independente da demonstração de qualquer acto que a vantagem visasse retribuir.
«No que toca ao âmbito das funções do agente as condutas subsumíveis ao ilícito não são apenas aquelas que correspondem às específicas competências ou atribuições legais do funcionário, mas sim todas aquelas que decorrem da posição “funcional do agente”, ainda que com meros poderes de facto; sendo assim suficiente para preencher a tipicidade do crime a simples circunstância de a actividade em causa se encontrar numa relação funcional imediata com o desempenho do respectivo cargo.
«Assim acontecerá sempre que a realização do acto subornado caiba no âmbito “fáctico” das suas possibilidades de intervenção, i. e., dos “poderes de facto” inerentes ao exercício das correspondentes funções, ou seja das possibilidades fácticas que apesar de o exorbitarem, são propiciadas pelo cumprimento normal das suas atribuições legais.
«Na verdade, como refere A. Almeida e Costa (Comentário Coninbricense, em anotação ao preceito correspondente) a “autonomia intencional do Estado” resulta ofendida com igual intensidade, quer o acto subornado tenha sido realizado pelo próprio funcionário “competente”, quer provenha de outro que, possuindo uma relação funcional directa com o serviço, apenas o levou a cabo na actuação de meros “poderes de facto”. Na medida em que estes decorrem de uma relação funcional do agente, i.e., do posto que ocupa, o recebimento da “peita” pelo (ou para o) seu exercício constitui, ainda, uma transacção com o seu cargo e, por isso, uma situação de corrupção passiva.
«Distingue-se ainda neste âmbito entre a corrupção antecedente e subsequente, distinção que assenta essencialmente no momento do oferecimento ou solicitação da peita face ao momento do acto pretendido e ou propiciado pelo corrupto. Assim, quando a oferta da peita ou o seu pedido ocorrem antes do acto, estamos perante corrupção antecedente, quando o acto é praticado pelo agente público e só depois se dá a solicitação ou oferta da peita, fala-se de corrupção subsequente.
«Em termos legais e de gravidade as duas situações são equiparadas. Conforme refere Cláudia Santos (ob. Cit., fls. 112) o desligamento dos crimes de corrupção da efectiva existência e mesmo da possibilidade de determinação em concreto do acto pretendido retiram, também, relevo ao conceito.
«De qualquer forma, a própria previsão explícita da corrupção subsequente acaba por acentuar a ideia de que a lesão da autonomia intencional do Estado, no mercadejar com o cargo, acontece mesmo quando o acto é praticado antes do “acordo” entre corruptor e corrupto.
«Constituindo um argumento relevante no sentido de afastar a ideia do já designado “pseudo-sinalagma” entre a conduta do corrupto e a prestação do corruptor. Afastamento esse que encontra um outro suporte muito relevante na alteração da lei (Código Penal), mormente na substituição operada no segmento típico “como contrapartida de” pela expressão “para um qualquer acto ou omissão”.
«Na corrupção passiva distingue-se entre corrupção própria e imprópria.
«A corrupção imprópria, ou para acto lícito (artigos 373º do C. Penal e 17º da Lei 34/87 redacção da Lei 108/2001) constitui o crime-base, em que o elemento do tipo é um acto conforme às funções do agente público, quer tal acto tenha ocorrido, quer seja pretendido e se logre fazer prova dessa intenção.
«Em contrapartida, na corrupção própria, ou corrupção para acto ilícito (artigos 372º do C. Penal e 16º da Lei 34/87 redacção da Lei 108/2001 – para os titulares de cargos políticos), surge como elemento típico nuclear o acto contrário às funções do agente público. Assumindo esta corrupção para acto ilícito a natureza qualificada do ilícito - cfr. Almeida Costa in “Sobre o crime de Corrupção”, p. 54.
«A distinção da licitude/ ilicitude do acto apresenta-se como uma das questões basilares, mas que tem vindo a ser objecto de diversas interpretações na sua apreciação casuística e conceptual. 
«Temos assim a corrupção imprópria ou para acto lícito de que é elemento típico o acto conforme às funções do agente público e a corrupção própria ou para acto ilícito, de que é elemento típico o acto contrário às funções do agente público.
«É em função da conduta licita ou ilícita do funcionário visada pelo suborno, ou mais precisamente, de acordo com a natureza do acto praticado ou omitido como contrapartida da solicitação ou aceitação do dinheiro ou vantagem que se distingue a corrupção própria da corrupção imprópria.
«Como decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.04.2010 in www.dgsi.pt. (acórdão que confirmou a decisão deste Tribunal da Relação de ... proferida no âmbito do processo n.º 169/03.2JACBR.C1) “a lei não se refere a acto ilícito, “tout court”, mas antes à prática de “acto que implique violação dos deveres do cargo” o mesmo é dizer quando existe desvio dos poderes inerentes ao cargo ou aos “poderes de facto” de tal exercício. Do mesmo modo, na corrupção para acto lícito, a letra da lei refere-se à prática de “acto não contrário aos deveres do cargo”, portanto, quando não existe desvio dos poderes inerentes ao exercício do cargo.
«Tónica da distinção referida que se mostra mais evidente quando atentamos no núcleo do ilícito típico - a actividade de mercadejar com o cargo. O núcleo do ilícito situa-se no “mercadejar” com os “deveres do cargo”. Que não da definição de um (outro!) ilícito prévio, anterior ao ilícito definido no tipo.
«Estamos assim perante um critério de distinção substancial ou de fundo ligado a uma perspectiva teleológica, no sentido de que a nota distintiva está na actuação do funcionário e na conformação do uso dos seus poderes (de facto ou de direito) ou competências segundo o padrão de objectividade, isenção, legalidade requeridos pelos deveres do cargo.
«Citando A. A. Costa (ob. cit. p. 667 e segs.) refere o citado Ac. do STJ que “’A destrinça entre corrupção própria e imprópria não suscita dificuldades quando, devido à gratificação, o funcionário exorbita o âmbito da discricionariedade que a lei lhe confere. Nessa hipótese o acto apresenta-se como ilícito no tocante ao fundo ou substância, pelo que se está na órbita da corrupção própria. Que dizer, porém, se apesar de não ultrapassar a esfera de discricionariedade, o agente se deixa influenciar pelo suborno, tomando uma decisão diversa da que tomaria se a gratificação (ou promessa) não tivesse ocorrido? Ainda aqui se depara com um acto ilegal, ferido de uma invalidade que contende com o seu conteúdo ou substância que, segundo a terminologia tradicional, se designa de desvio de poder (Marcelo Caetano, Manuel de Direito Administrativo, 1980, 506-12, Afonso Queiró, o Poder Discricionário da Administração, 1944 e BFDC XLI (1996)) …., só se estará em face de uma corrupção imprópria quando o suborno em nada influiu na conduta do funcionário, i. e., não interferiu no uso dos seus poderes discricionários”. 
«A lei prevê ainda uma terceira modalidade do ilícito, o que a doutrina designa de “corrupção sem acto” ou corrupção sem demonstração do acto pretendido, prevista no n. 2 do artigo 373º do Código Penal.
«Corresponde a uma situação em que a prática ou a demonstração da intenção de um acto concreto são irrelevantes. Bastando a promessa ou o pedido de vantagens que não tenham explicação plausível outra que não a relacionada com um mercadejar com o cargo. Em tal situação não se exige a previsão ou o desejo da concretização de um determinado acto, bastando a demonstração de que um funcionário (ou titular de cargo político) solicitou ou recebeu uma vantagem oriunda de quem esteve, está ou previsivelmente virá a estar em uma relação de índole profissional com ele. Não se exige prova de que com o pedido ou aceitação se pretenda compensar um qualquer determinado acto, praticado ou a praticar pelo funcionário. O que está em causa é uma determinada conduta que não pode deixar de ser compreendida por não ser explicável razoavelmente de outro modo (quer à luz de critérios de experiência comum, quer de critérios de razoabilidade) a não ser no contexto da criação de um clima de viciação da objectividade decisional do funcionário, não se mostrando justificável a não ser como um modo de criar um clima de “simpatia” ou permeabilidade para posteriores diligências (cfr. Manuel Almeida Costa, Comentário Conimbricense, pág. 671), quando tais vantagens não possam ser razoavelmente explicadas a não ser no contexto das competências funcionais do agente, sendo para todos os efeitos equiparado para efeitos de sancionamento, ao tipo previsto no n.1 do art. 373º.
«A este propósito é pertinente mais uma vez a observação de Cláudia Santos (ob. cit. p. 132): “se não se criminalizou a aceitação por funcionário ou político de presente oferecido por familiar ou amigo no seu aniversário ou no Natal, já se pretendeu incriminar o pedido ou recebimento de oferta por agente público quando essa oferta — tendo em conta quem a outorga, as pretensões que tal pessoa tem ou teve, e o valor não insignificante da dádiva — não pode ser concebida no contexto da pura pessoalidade, mas apenas no âmbito da funcionalidade.” 
«Aliás das alterações legislativas introduzidas pela Lei 108/2001 de 28.11, resulta uma alteração aparentemente subtil - a substituição, no tipo, da expressão “como contrapartida de” pela referência “para um qualquer acto ou omissão”. O que não pode deixar de ter visado ultrapassar as dificuldades inerentes à prova daquilo a que se chamou “sinalagma” entre a conduta do corrupto e a prestação do corruptor.
«Também a previsão explícita da corrupção subsequente clarifica a ideia de que se pode lesar a autonomia intencional do Estado, mercadejando com o cargo, mesmo quando o acto é praticado antes do “acordo” entre corruptor e corrupto.
«Trata-se de um crime de realização instantânea, que conforme salienta o Ac. do T. R.C. de 01.10.2008: “’a consumação do crime de corrupção passiva ocorre no momento do conhecimento da solicitação da vantagem (ou promessa) pelo agente integrado no conceito jurídico-penal relevante pelo destinatário ou da sua aceitação, quando a iniciativa pertence a terceiro. Isto, independentemente da concretização de vantagem patrimonial ou não patrimonial ou da realização da conduta ilícita mercadejada, circunstâncias que não constituem elementos essenciais do crime de corrupção. 
«*
«No que diz respeito aos elementos do tipo subjectivo importa salientar que – ao contrário do que subjaz ao entendimento sufragado na motivação do recurso, numa refundação que o transformaria em crime de verificação impossível – a lei não faz referência a qualquer exigência especial para além dos elementos gerais do dolo previstos no art. 14º do C. Penal.
«Ora, para verificação dos elementos do tipo subjectivo, o dolo desdobra-se nos chamados elementos intelectual (representação, previsão ou consciência dos elementos do tipo de crime) e volitivo (vontade dirigida à realização daqueles elementos do tipo - intenção de realizar o facto típico, aceitação como consequência necessária da conduta, conformação ou indiferença pela realização do resultado previsto como possível, nas 3 modalidades previstas no art. 14º do C. Penal - directo, necessário e eventual). A que acresce um elemento emocional que é dado, em princípio, pela consciência da ilicitude – cfr. Figueiredo Dias, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, ed. do Centro de Estudos Judiciários, 1983, p. 71-72 e Rev. Port. de Ciência Criminal, ANO 2, 1º, p. 18-19. “Elemento emocional que se adiciona aos elementos intelectual e volitivo; uma qualquer posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas (…) quando o agente revela no facto uma posição ou uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal” – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 333.
«Não constando do tipo objectivo a descrição de qualquer elemento subjectivo adicional (do género do impropriamente chamado dolo específico ou uma especial direcção da vontade) para o preenchimento dos elementos do tipo subjectivo basta a previsão e vontade de realização dos elementos do tipo objectivo em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal.
«*
«No caso dos autos não sofre dúvida, nem é questionado, que as actuações imputadas se situam no âmbito dos poderes funcionais do arguido, dentro dos actos que aquele exerceu no desempenho das suas concretas competências públicas, dentro do conceito amplo de funcionário previsto no art. 386º do C. Penal. Encontrando-se os factos da acusação/pronúncia dentro da esfera de poderes do cargo que ocupava à data.
«É indiferente a circunstância da actuação do agente ter ocorrido no âmbito de deliberações de um órgão colegial ou de a posição tomada ou a tomar pelo arguido em tais deliberações poder não ser suficiente (por si só), a uma deliberação favorável aos interesses do corruptor.
«Atenta a falada incidência do ilícito típico na violação dos deveres do cargo a realização do tipo não exige a prática de um acto administrativo final e definitivo a natureza formalmente válida e ou perfeita – aliás em tal circunstância, verdadeiramente, carecia de sentido, pois que bastaria a anulação do acto administrativo para a reposição da ordem jurídica.
«A motivação do recurso bem como, salvo o muito devido respeito pelo douto parecer junto com aquela motivação dando-lhe guarida, dá como subliminarmente eclipsados determinados pontos da matéria facto. Fazendo-o com base em premissas de direito previamente assumidas. E retira consequências de direito das previamente assumidas imposições de facto.
«Repousando na perspectiva – não verificada, como foi referenciado na apreciação das críticas à decisão da matéria de facto - de que não se provou nem o recebimento indevido nem a prática de qualquer acto ilícito formalmente válido e definitivo por parte do recorrente nem que o arguido tivesse presente a ilicitude da sua conduta.
«Tal construção, não podendo estar afectada pela relação de amizade (testemunha abonatória) do eminentíssimo primeiro subscritor do douto parecer, passa em claro matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido que não foi modificada em sede própria, como melhor se verá infra, caso a caso.
«Desde logo o ponto III da descrição da matéria provada: “III- Nas situações que acima vêm descritas nos pontos 1., 3. a 7., 10. e 11., o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, ciente da ilicitude da sua conduta. - Ao actuar na forma descrita nas situações e período referidas em 1., 3. a 7. e 10., o arguido agiu (…) norteado e motivado pelas constantes dificuldades económicas e financeiras do clube por si presidido e dos compromissos que a este cabia assegurar ao longo de tal período”.
«Por outro lado, embora sedutora, tal construção não pode sobrepor-se a uma interpretação da lei orientada, teleologicamente, para a protecção do bem jurídico tutelado pelo crime. Podendo contrapor-se desde logo qual o fundamento para aceitar a prática de pagamentos de empresários da construção civil ao Futebol como contrapartida de despacho prioritário e a contento na Câmara? Tal legitimaria o mesmo procedimento a favor de outros clubes, até de instituições de solidariedade social, de socorro, de saúde, das veneráveis Repúblicas que têm servido gerações de estudantes ávidos de conhecimento, da vetusta universidade, farol da cidade, enfim do ansiado Metro do .... Tudo instituições não menos meritórias, nos fins e benefícios trazidos à cidade quanto o futebol, profissional. A perspectiva do recorrente levaria a que bastasse a interposição de um clube, fundação perpetuadora do nome do augusto fundador, sociedade comercial in ou ofshore, sem directos fins lucrativos, interposta entre a troca de despacho (não concedido ao vulgar cidadão mero pagador de impostos) por dinheiro (de outra forma não concedido) para qualquer instituição fosse indiferente do ponto de vista do preenchimento do recorte típico do crime.
«Os bens/interesses transaccionáveis nem se resumem ao encaixe directo de dinheiro. Existindo outros, relevantes, susceptíveis de transacção com os deveres do cargo, como poder, (re)nome, votos, estatuto social, favores etc., etc..
«O que caracteriza o crime de corrupção nem é a natureza, muito menos o fim último do acto praticado. Nem a validade ou nulidade formal do acto ou negócio – aliás a corrupção pressupõe, matricialmente, actos formalmente válidos mas corrompidos. Mas antes a violação dos deveres da função. O que o densifica é, como reconhece aliás o eminente parecer, o desvio dos deveres da função em troco de benefício não devido. Benefício que, no caso de funcionário ou agente da administração é suposto ser constituído, pela justa remuneração, ordenado, vencimento estipulado como contrapartida do exercício do cargo. E não com contrapartidas, ainda que com finalidades futebolísticas, ou porventura outras mais respeitáveis, onde o agente pontifica como mannager com os interesses inerentes á chefia do Clube.
«Alega o recorrente que a decisão recorrida confunde um contrato gratuito com um contrato unilateral e não aponta ao recorrente a prática de qualquer acto ilícito nulo ou substancialmente inválido. Mas, como se viu, não consta dos elementos do tipo de crime a existência ou não de contratos formal ou até materialmente válidos. Estando centrado, antes, na prática de actos em violação dos deveres do cargo.
«Especificando um pouco mais, caso a caso
«*
«Situação descrita sob o ponto 1 da matéria provada – empreendimento “J... do M...”, do empresário JJ, sob a titularidade da sociedade “Q… do J…, G… e E…T…, SA”.
«Resulta da matéria provada em suma que JJ contribuiu com avultadas quantias para a AA...-OAF, quer directamente, conforme se extrai do ponto 1.9., quer através de empréstimos feitos ao arguido AA e que este posteriormente canalizava para aquele clube de futebol a cuja direcção presidia e que ascenderam pelo menos a 3.589.000,00€, sendo que, em pouco mais de um ano (entre Junho de 2004 e Julho de 2005), atingiram os valores discriminados no quadro descrito no ponto 1.6. dos factos provados - 3.119.208,50€ - valores esses, que o JJ lhe concedia sem a cobrança de qualquer importância a título de juros. JJ detinha perfeito conhecimento do exercício de funções por parte do arguido na Câmara Municipal de ..., como D... M... da A... do T..., estreitando-se o relacionamento entre ambos pelo facto de JJ ser interessado, no projecto de loteamento e edificação do empreendimento imobiliário “J... do M...”.
«O processo relativo a esse empreendimento, conforme resulta dos pontos 1.13 a 1.16., encontrava-se pendente na Câmara Municipal de ... desde 1995, tendo sido emitido o respectivo alvará de loteamento com o nº 438, em 08.11.1999, objecto de quatro aditamentos, sendo o último resultante da Deliberação da Câmara n. 4982/2004, de 31.08. O empreendimento foi aprovado com o benefício da majoração máxima permitida no que se refere à área bruta de construção, face à qualidade do projecto apresentado.
«No entanto resulta dos pontos 1.26. e 1.27., que logo em 02 de Fevereiro de 2005 foi constatado pela equipa fiscalizadora da Câmara Municipal de ..., que a obra estava a ser edificada para além da cota licenciada e autorizada tendo sido elaborado relatório em conformidade, com o nº. 372/2005, e só não levou ao embargo da obra, porque entretanto foram emitidos os títulos administrativos, conforme resulta dos factos descritos em 1.28 e 1.16.
«Já no âmbito da fiscalização da fase da edificação, ocorrida alguns dias após aquela primeira acção de fiscalização (designadamente entre os dias 11 e 16 de Março de 2005), veio a ser detectado que todos os lotes, à excepção do 18, apresentavam a construção de pisos acima da cota de soleira não constante do projecto aprovado, conforme se evidencia no ponto 1.17. e no quadro descritivo aí indicado, do qual resulta aquilo que foi constatado pela equipa fiscalizadora, quanto ao que se mostrava executado relativamente aos pisos não aprovados e licenciados. Também as varandas dos lotes contíguos à Avenida da L… apresentavam uma área superior à constante do projecto aprovado – meio metro no sentido do alçado lateral – decorrente de alteração posterior.    
«A situação relativa à edificação de pisos a mais veio a conduzir ao embargo parcial da obra, nos termos referidos em 1.17, por despachos do Vereador competente, Engº OO.
«Foi JJ quem determinou o reforço da estrutura dos lotes com vista a possibilitar o acrescento dos pisos por ele visada, conforme resulta dos pontos 1.18. e 1.25.
«Por sua vez o arguido/recorrente acompanhou a evolução do empreendimento desde que passou a desempenhar as funções da D... M... da A... do T..., designadamente deslocando-se ao local onde estava a ser erigido, recebendo dos serviços que supervisionava as informações que recolhiam quando os respectivos funcionários ali se deslocavam, reunindo com regularidade com os responsáveis técnicos da obra, tendo mesmo analisado os pedidos de alvará de autorização de construção e elaborando, quando para tal foi chamado, informações técnicas.
«O arguido/recorrente estava ciente da pretensão do empresário JJ quanto ao acréscimo de pisos então não licenciados e, bem assim, da evolução verificada na edificação do empreendimento no terreno, pelo menos desde data não apurada do último trimestre de 2004, com o reforço das fundações e estrutura dos lotes, adequada a suportar os pisos não aprovados, iniciado em meados de 2004. Mas procurou evitar que as equipas camarárias competentes, dependentes directamente da sua direcção, procedessem a acções de fiscalização no local – cfr. pontos 1.25 a 1.32. dos factos provados que identificam as dificuldades que visou criar à realização da fiscalização, numa altura em que eram visíveis as desconformidades da obra executada com aquilo que fora licenciado. Tais actuações tiveram em vista retardar e evitar as acções de fiscalização iminentes bem como as consequências previsíveis – em face da obra executada - que apenas acabaram por ocorrer por circunstâncias que escaparam ao seu controlo, a que não foi alheio o conhecimento público da situação através dos meios de comunicação social.
«É elucidativa a matéria de facto descrita nos pontos 1.25. (parte final) e 1.26., quanto à acção de fiscalização ainda da fase do loteamento, e 1.29. a 1.32. estes já relativos a acção de fiscalização da obra edificada, relativamente à qual tendo o arguido tomado conhecimento do início e pretendendo desmotivar os funcionários competentes de a levar até final, nas circunstâncias inusitadas descritas nos factos provados lhes solicitou que adiassem tal acção de fiscalização.
«Dos factos sumariamente descritos resulta que o arguido solicitou e aceitou para o clube de futebol, a cuja Direcção presidia, as vantagens patrimoniais concedidas pelo referido JJ, sem a cobrança de juros, sabendo que dessa forma se criava uma situação importante de dependência desse auxílio financeiro e para além do mais uma situação de constrangimento que conduziu a que actuasse no exercício das suas funções públicas, com a intenção de dar protecção aos interesses e pretensões daquele empresário, que não estavam compreendidos no licenciamento concedido relativamente ao referido empreendimento, e que naquelas circunstâncias concretas se mostravam contrários a disposições urbanísticas vigentes, a que devia obediência, designadamente quando procurou evitar as acções inspectivas àquele empreendimento, sabendo que praticava actos contra os deveres a que estava vinculado enquanto D... M... da A... do T....
«O recebimento das aludidas vantagens não pode deixar de se considerar indevidas, atenta a relação causal, estabelecida entre o pagamento de dinheiro para o Futebol como condição, indevida, da prática de actos que de outra forma não seriam concedidos, como DMAT.
«Para o preenchimento do crime de corrupção passiva, basta tanto a solicitação como a aceitação da vantagem patrimonial indevida por parte do funcionário - no caso, o arguido/recorrente na sua qualidade de D... M... da A... do T... da Câmara Municipal de .... Mostrando-se provado que solicitou e aceitou quantias monetárias de elevado valor, as quais não podem deixar de se considerar vantagens patrimoniais, pois ainda que algumas delas consubstanciem empréstimos, estes foram disponibilizados ao arguido sem o pagamento de quaisquer juros, ainda que para benefício de terceiro, a AA...-OAF, situação expressamente prevista no tipo.
«Por outro lado o arguido solicitou e aceitou as ditas vantagens de pessoa que detinha claras e evidentes pretensões dependentes do cargo que exercia, facto por este conhecido e aceite e que apenas lhe foram concedidas em função do cargo desempenhado. Efectivamente o arguido no exercício funcional que detinha apenas poderia auferir o seu vencimento/remuneração/ordenado e não outros benefícios. Pelo que ao solicitar os elevados contributos financeiros por parte do promotor que detinha claros e importantes interesses sob a alçada do exercício funcional do arguido, com consciência dessa situação e de que só por isso lhe foram atribuídas, recebeu vantagens indevidas ainda que depois transferidas para terceiro (AA...-OAF). Torna-se na verdade incontornável, a inexistência de qualquer outra justificação crível para que um empresário como o é o JJ, atribuísse os valores relevantíssimos ao arguido e para a AA...-OAF, sem qualquer contrapartida designadamente a título de juros, que não os especiais e importantes interesses que detinha no empreendimento dos “J... do M...”, para além do mais face às pretensões que para este gizava e que pressupunham a simpatia e permeabilidade de quem funcionalmente pudesse nos mesmos influir.
«Temos assim que o arguido actuou no exercício das suas funções públicas motivado por aquela atribuição, no sentido de conferir protecção aos interesses e pretensões daquele empresário que de outra forma não faria. Obstaculizando – contra os seus deveres - as acções de fiscalização à edificação em curso, numa altura em que as desconformidades da mesma seriam alvo de sancionamento e poderiam conduzir à sua inviabilização.
«Aliás, resulta do ponto 1.21. que após a acção de fiscalização levada a cabo malgré tout, o promotor ainda tentou a viabilização das alterações efectuadas, através do pedido de informação prévia, mas que no contexto em que tudo ocorreu já não surtiram efeito, acabando por ser determinada a demolição dos pisos não licenciados.
«A evidenciada actuação do arguido, ainda que não expressa em qualquer acto ilícito nulo ou substancialmente inválido, não pode deixar de se considerar uma actuação motivada e determinada como contrapartida das vantagens patrimoniais concedidas para o Futebol da A..., através da acção do recorrente, condicionada na imparcialidade que lhe era exigida no exercício do cargo, actuando de modo diverso daquele que lhe era exigível e daquele que actuaria não fosse a aludida prestação futebolisticamente orientada.
«Impõe-se a conclusão de que actuou com desvio dos poderes inerentes ao cargo, ainda que no âmbito da discricionariedade dos poderes que lhe eram conferidos como DMAT, influenciado pelas vantagens indevidas recebidas para o clube, agindo de modo diverso daquele que lhe era exigido funcionalmente na qualidade funcional que detinha, uma vez que não só não podia receber dinheiro como contrapartida do exercício das funções que lhe competiam, contrariando o dever de fiscalização atempada e eficaz sobretudo de um empreendimento daquela dimensão e com notória visibilidade e relevância para a cidade.
«Ao tomar decisão diversa daquela que lhe era exigível e que tomaria não fora a benesse, indevida, obtida, o arguido actuou violando os deveres da isenção, imparcialidade, objectividade, legalidade e igualdade de todos os munícipes perante a administração.
«Daí, que não possa deixar de se considerar, que não sendo a sua actuação ilícita “tout court”, ela não deixa, ainda assim, de ser violadora dos deveres do cargo, que contende com o seu conteúdo e substância.
«A actuação de mercadejar com o cargo situa-se no âmbito dos seus poderes funcionais, já que no desempenho das suas concretas competências públicas, encontrando-se dentro da esfera de poderes do cargo que o recorrente ocupava.
«Aliás nem se pode considerar que existisse, no caso, qualquer deferimento tácito da pretensão do empresário que lhe permitisse prosseguir a execução dos trabalhos para a fase de edificação, como parece fazer crer o recorrente, ainda que se considerasse decorrido o prazo para a emissão do alvará de autorização, no que se refere aos lotes 1,2 e ¾, sempre existiam outras condições não verificadas no caso, para que a obra pudesse prosseguir sem a devida autorização, designadamente as previstas no artigo 113º do RJUE, como seja o pagamento prévio das taxas que se mostrem devidas (cfr. para a emissão do alvará, o artigo 74° n.º 2 RJUE).
«O que resulta da matéria provada é que quando foi efectuada a acção de fiscalização de 3.02.2005 (cfr. facto 1.26. e relatório de fls. 4144 e 4145, na qual foi detectada em todos os lotes execução de obras de urbanização para além do licenciado na fase do loteamento, não existia qualquer deferimento tácito que justificasse a sua realização pelo promotor, conforme se evidencia das datas relativas ao deferimento dos projectos de arquitectura de todos os lotes) a que alude o quadro descritivo do ponto 1.16., sendo certo que relativamente a alguns dos lotes o deferimento do projecto de arquitectura só ocorreu após a acção de fiscalização.
«Conclui-se assim, relativamente à situação em apreço (descrita em 1 da matéria provada), que o arguido, no exercício das funções públicas que exercia, solicitou e aceitou quantias monetárias provindas de quem tinha pretensão dependente do exercício das suas funções, a que não tinha direito, pelas quais se deixou motivar no exercício das mesmas, recebendo para o efeito, vantagem patrimonial indevida.
«Mostrando-se preenchidos os pressupostos do crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo artigo 372º 1 do C. Penal.
«*
«Situação descrita em 3 – relativa ao empresário LL.
«Resulta provado que num encontro entre o recorrente e o promotor imobiliário LL, na qualidade de Director Municipal, o arguido instou aquele LL a auxiliar financeiramente a AA...-OAF, face à grave crise que a instituição atravessava, acabando por ficar acordado entre ambos que aquele contribuiria com uma quantia monetária para a AA...-OAF, a entregar fraccionadamente. Na concretização desse acordado, dias mais tarde, em 24/06/2005, LL entregou a título de donativo para a AA...-OAF um cheque no valor de 10.000 Euros, vindo a entregar em Agosto seguinte, outro cheque, do mesmo valor, datado de 31/08/2005, ambos à ordem da AA...-OAF.
«Mais resulta dos pontos 3.3. a 3.6., que LL tinha, na altura, interesses pendentes de resolução na CM..., relativamente aos lotes A10 e A11, que havia doado a suas filhas e onde estas construíram duas moradias, que haviam sido objecto de uma proposta de indeferimento do pedido de emissão de autorização de utilização que foi notificada a LL dias antes da concessão daquelas atribuições patrimoniais (3.3.). Bem como que este tinha interesse na aprovação dos novos projectos de alterações e telas finais que teve de apresentar na Câmara Municipal, na sequência de tal proposta (3.4. e 3.5.), o que fez a 06 e 09 de Junho de 2005.
«Face à disponibilidade manifestada pelo referido LL em contribuir para os cofres da AA...-OAF - ponto 3.6. - o arguido  chamou a si o processo de decisão desses processos, sem solicitar previamente ao departamento camarário competente que os havia anteriormente analisado, nova informação respeitante a essas obras, e por despachos de 09/06/2005 e 20/06/2005, respectivamente, deferiu-as, sem quaisquer condições, designadamente as referidas em 3.6..
«Com tal avocação do processo evitou que os serviços que habitualmente o fariam apreciassem as alterações operadas e que não figuravam no projecto aprovado e licenciado. Alterações omitidas pelo arguido, conforme resulta do ponto 3.6., que impediam que fosse emitida a respectiva licença de autorização de utilização das moradias mas que, não obstante, o arguido recorrente AA determinou que fosse passada pela divisão competente, como aconteceu.
«Por outro lado, não fora a circunstância de o arguido AA ser D... M... com poderes de decisão em matéria urbanística, LL nunca teria efectuado aqueles “donativos”, apenas o tendo feito para evitar que a recusa pudesse prejudicar a apreciação, dos seus projectos imobiliários na cidade pelo também director do F...da A....
«Solicitando e aceitando para a AA...-OAF as aludidas vantagens patrimoniais, agiu o arguido/recorrente deliberada, livre e conscientemente com a intenção de, já enquanto DMAT, praticar actos no âmbito de processos que respeitassem a interesses do referido LL que o favorecessem, beneficiando-o.
«Contextualizada quer a atribuição pecuniária a favor do arguido/AA...-OAF quer a concreta actuação do arguido no âmbito dos procedimentos de deferimento e autorização que lhe foram sujeitos, face às competências funcionais que detinha nesse âmbito, torna-se incontornável a constatação de que a solicitação de tal atribuição patrimonial não pode deixar de se considerar uma vantagem indevida, porque não permitida no contexto em que foi solicitada pelo arguido e concedida pelo donatário, assim mercadejando com o cargo ao solicitar tal vantagem, no contexto em que o fez.
«Mostrando-se a actuação violou os deveres do cargo, extrapolando os procedimentos exigíveis em sede de tramitação dos procedimentos em que interveio e que seriam tomados numa situação de normal apreciação da situação, em benefício daquele promotor, motivado pela peita solicitada e recebida em violação dos deveres de isenção, igualdade e imparcialidade, que lhe eram exigidos no exercício da sua função.
            «Preenchendo assim a situação descrita em 3. todos os pressupostos  do tipo objectivo, bem como do tipo subjectivo do crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo artigo 372º n.1 do Código Penal.
«*
«Situações descritas em 4 e 5 - relativas ao empresário NN, sócio da sociedade “NN & NN, C.., Ldª” e ao empresário GG, sócio da empresa “C… e M…, Ldª”.
«Resulta dos pontos 4.1 e 4.2. que, em Maio de 2004, NN, empresário da construção civil com interesses imobiliários na cidade de ..., entregou na C.M...., ao arguido/recorrente, AA, dois cheques - cada um deles no valor de 5.000,00 Euros -emitidos sobre contas tituladas por empresas que dirigia, ambos destinados ao clube a que o arguido presidia, cheques que este aceitou bem sabendo que aquele empresário tinha interesses em empreendimentos que eram tramitados no organismo público que dirigia. Aliás foi por esse motivo que o dito empresário passou os cheques, atenta a qualidade de decisor em organismo público onde eram praticados os actos relativos aos processos de obras que promovia na cidade.
«Resulta ainda dos pontos 4.1 a 4.3. que, independentemente da alegação e prova de qualquer acto pretendido pelo “doador”, o arguido, funcionário dirigente da C.M...., recebeu dinheiro, indevido, para a AA...-OAF que apenas lhe foi atribuído por efeito das funções de DMAT que exercia. Aliás foi-lhe entregue pessoalmente nas instalações da Câmara Municipal de ..., provindo de alguém que ali tinha processos de licenciamento em curso, que lho entregou por esse único motivo, facto que o arguido conhecia e que qualquer cidadão, por mais limitado que fosse, não podia ignorar. O exercício de funções públicas não é pago pelo cidadão, apenas sendo devido ao funcionário a retribuição devida pelo exercício do cargo.
«Como refere a decisão recorrida, a entrega de um donativo a favor da AA...-OAF, não é em si algo de indevido. Mas torna-se indevido quando é feito por efeito e tendo em vista obter benefícios pessoais decorrentes do exercício da actividade de funcionário com poderes de decisão em projectos imobiliários onde o contribuinte era interessado sobre os quais o arguido tinha poderes de decisão. Tal atribuição e aceitação nas circunstâncias em que foi efectuada, melhor explanado em sede de motivação de facto, não tem outra justificação plausível, atento o seu valor e circunstâncias da sua entrega, que não o mercadejar com o exercício do cargo público que o arguido desenvolvia.
«Na situação referida em 5. resulta provado que de um encontro entre o arguido e GG, outro empresário da construção civil com actividade em ..., sócio da empresa do mesmo ramo denominada “C… e M…, Lda”, com empreendimentos imobiliários em execução na cidade, no decurso do ano de 2005, foi estabelecido um acordo no sentido de que a empresa contribuiria para AA...-OAF com a quantia de 400.000,00 Euros, titulados por cheques, sendo o primeiro datado de 14/11/2005 e o último de 28/07/2006, num total de 44 cheques, que depois de preenchidos e assinados, foram entregues ao arguido, nove dos quais foram apresentados a pagamento até Fevereiro de 2006, permitindo um encaixe do total de 90.000 Euros, sendo emitidos recibos referentes a donativos num valor de 58.000,00 Euros.
«Alega o recorrente que «esta fati species criminosa só pode afirmar-se quando o agente pede ou aceita uma vantagem que lhe não seja devida, o que circunscreve a relevância típica dos “pedidos” ou “aceitações” para as quais não existe uma vantagem razoável».
«Asserção que se tem por inteiramente criteriosa.
«No entanto, no que toca à “obtenção de vantagem” a alegação do recorrente pressupõe que os “meros empréstimos” não constituem vantagem alguma.
«O que, além de ignorar o “donativo” de € 58.000,00, repousa ainda, salvo o devido respeito, num equívoco. Qual seja o de que a mera fruição, gratuita, de financiamentos, bem fungível por excelência, motor da vida económica, não seja, já de si, um bem/vantagem de grande relevo - os Bancos e outras Instituições Financeiras de referência, vivem essencialmente da disponibilização de meios financeiros.
«Confundindo ainda o móbil do crime com a representação e intenção de realização dos elementos do tipo objectivo.
«Ao acordar e aceitar os aludidos valores daquele empresário, cuja actividade profissional conhecia perfeitamente, tendo perfeita consciência de que a empresa detida tinha interesses em empreendimentos e projectos que eram tramitados no organismo público que o recorrente dirigia, motivo pelo qual lhe foram entregues, atenta a qualidade de decisor em organismo público onde eram praticados os actos processuais e acessórios relativos aos processos de obras que promoviam ou poderiam vir a promover, que o arguido de forma livre e consciente, incorreu na prática do ilícito que lhe vem imputado.
«Em cada uma das situações descritas, ao acordar (sit.5) e ao aceitar (4. e 5.) a entrega das quantias referidas, que atentas as funções que exercia e contexto em que foi efectuada a entrega não poderão deixar de considerar ilegítimas, mercadejou com o cargo em que se encontrava investido.
«Não merecendo, pois, censura a decisão recorrida ao integrar as actuações descritas nos pontos 4. e 5. em dois crimes de corrupção passiva para acto lícito, previstos e punidos no artigo 373º n.2 do Código Penal.
«*
«Pontos 6. e 7. - situações relativas aos donativos efectuados à AA...-OAF por parte dos empresários DD, sócio e presidente do Conselho de Administração da empresa “DD Construções, SA e EE, sócio da “F. M. S… Lda”.
«Aqui, resulta dos factos provados em 6.1., o relacionamento estabelecido entre o promotor imobiliário DD e o arguido na sua qualidade de DMAT e presidente da AA...-OAF, no âmbito das relações entre a empresa daquele promotor e a autarquia, pois aquela era promotora de empreendimentos na cidade de ..., designadamente as urbanizações denominadas “Q... das L...” e “C... da E...”.
«A partir de então, DD, em nome pessoal ou da sua empresa, passou a entregar regularmente ao arguido AA quantias monetárias, tituladas por cheques, a título de donativos à associação desportiva de que o arguido era Presidente, os quais, entre Maio de 2004 e Outubro do ano seguinte, ascenderam à quantia global de 190.000,00€, através de várias entregas fraccionadas no tempo, conforme resulta do quadro descrito no ponto 6.4. dos factos provados.
«DD emitiu ainda um outro cheque, no valor de 5.000,00€, datado de 08/12/2004, para, como era do interesse do arguido, financiar a campanha eleitoral para a direcção da AA...-OAF em que o arguido viria a participar e que este veio a depositar numa sua conta pessoal.
«Mais resulta provado que DD pretendia beneficiar o arguido AA e o clube por este dirigido por forma a levá-lo a retribuir-lhe aquele auxílio material na qualidade de DMAT, através de actos compreendidos em tais funções públicas referentes aos empreendimentos em que tinha interesses, promovendo e decidindo o que fosse necessário à protecção das suas pretensões ainda que legalmente indevidas ou contra quaisquer normas destinadas a regular as situações concretas que, no âmbito de actividade que desenvolvia, apresentava aos serviços camarários competentes.
«Na verdade, a referida urbanização “Q... das L...” vinha sendo executada por fases, tendo o loteamento correspondente à 2ª fase – sector C sido aprovado por deliberação camarária a que se fez corresponder o alvará n.º 418, objecto de 4 aditamentos, sendo o último de 30/07/2004, nos termos do qual haviam sido autorizadas as áreas de construção a que alude o ponto 6.8.
«Com data de 21/05/2004, foram emitidos os alvarás de autorização de construção relativos aos lotes 2, 3 e 4, que tomaram os n.ºs 44/04, 45/04 e 46/04, respectivamente, e, com data de 11/08/2004, foi emitido o alvará de autorização de construção n.º 86/04, relativo ao lote 5, autorizando a construção nas áreas indicadas no ponto 6.9., relativamente a cada um dos lotes, tendo a empresa em requerimentos datados de 09/12/2004 e 21/01/2005, dado entrada na C.M..., de quatro requerimentos solicitando o deferimento de pedidos de autorização de obras de edificação nos lotes 2 a 5 e que fossem considerados prejudicados os alvarás já emitidos.
«Provou-se que o arguido AA, visando retribuir o auxílio financeiro até então recebido, sem que se tivesse operado pela via competente e legítima qualquer alteração ao alvará de loteamento n.º 418, assumiu a apreciação daqueles requerimentos e, por despachos datados de 07/01/2005, relativo ao lote 2, e de 14/02/2005, relativos aos demais lotes, anulou todos os alvarás já emitidos e deferiu a consequente emissão de outros e, contra o permitido na deliberação que havia licenciado o loteamento no que aos lotes 2 a 4 respeita, autorizando a edificação nas seguintes áreas: -Lote 2: 2510,34 m2; -Lote 3: 2162,60 m”; - Lote 4: 2174,12 ms; e – Lote 5: 2340 m2. Tendo, por forma a justificar formalmente a indevida autorização de construção em área superior à aprovada para o loteamento relativamente aos lotes 2, 3 e 4, nos despachos respectivos, deixado exarado que o requerente devia “apresentar no prazo de 120 dias as telas finais do alvará n.º 418, no âmbito das disposições previstas no n.º 7 do artigo 27º do RJUE” o que não veio, contudo, a suceder.
«Na sequência de tais despachos, proferidos pelo arguido AA, vieram a ser emitidos os alvarás de autorização de construção com os n.ºs 48/05, 49/05, 50/05 e 51/05.
«Só depois de acção de fiscalização e proposta de embargo, em meados do ano de 2006, o promotor veio requerer alteração ao alvará de loteamento nº 418, juntando as telas finais, tendo sido sujeita a deliberação camarária e discussão pública, vindo a ser aprovada em reunião de câmara de 22.10.2007 e a ser emitido o aditamento /alteração ao alvará de loteamento n° 418 em 17.01.2008.
«Houve aceitação para o clube desportivo a que presidia de relevantes quantias monetárias recebidas de pessoa que, claramente, detinha perante o recorrente pretensões dependentes do exercício das suas funções públicas. Face ao contexto e motivação que estiveram subjacentes a tal atribuição patrimonial, ao arguido para a sua presidida AA...-OAF, teremos de concluir que este, sabendo o escopo de tais donativos, quis, com a sua conduta, receber vantagem patrimonial indevida.
«O arguido aceitou praticar actos compreendidos nas suas funções de DMAT visando dar acolhimento às pretensões de DD que de outra forma não teria praticado, contra as normas destinadas a regular as concretas solicitações dirigidas aos serviços camarários. O arguido deixou-se influenciar pelo recebimento daquelas quantias, para o Futebol a que presidia, praticando actos na Câmara que exorbitam os poderes discricionários que detinha no exercício da sua função, violando o dever objectividade, isenção, legalidade, igualdade de tratamento exigidos no exercício do cargo.
«Alega o recorrente que “apenas interveio na fase constitutiva do procedimento - praticando actos administrativos condicionados - e não na fase integrativa de eficácia do mesmo – emissão de alvarás – não sendo por isso, possível assacar-lhe qualquer responsabilidade”. No entanto, por este entendimento, o exercício de qualquer função de assessoria nunca seria susceptível de integrar o crime de corrupção. Aliás no crime de corrupção o acto mercadejado raramente será constituído por um acto/contrato isolado, enquanto tal, válido ou escorreito. Precisamente porque quer a prestação quer o acto correspectivo violam os deveres do funcionário, apresentando-se como tal de alguma forma disfarçados e/ou adulterados na sua economia – daí “corrompidos”.
«A actuação evidenciada nos despachos proferidos pelo recorrente – melhor descritos nos pontos 6.11.e 6.12. – prolatados na sequência dos requerimentos dirigidos à Câmara Municipal pelo promotor imobiliário (a que alude o ponto 6.11.), sem que pela via legalmente estabelecida tivesse sido concedida a necessária alteração ao alvará de loteamento nº 418 (pois que as alterações em causa ao loteamento pressupunham um aditamento ao alvará e a sua sujeição a deliberação camarária e mesmo a eventual discussão pública nos termos dos artigos 21º , 27º e 33º do RJEU - o que veio a suceder em momento posterior, com vista à regularização da situação criada), assumindo o recorrente a apreciação de tais requerimentos passando por sobre os alvarás já emitidos e deferindo a consequente emissão de outros, autorizando a edificação com áreas diferenciadas daquelas que se mostravam licenciadas nos anteriores alvarás, conforme descrito nos aludidos pontos de facto, exorbitou os poderes e competências que lhe estavam atribuídas bem como o âmbito do poder discricionário permitido por aqueles, praticando actos contrários aos deveres que lhe competiam quais sejam o indeferimento do requerimento do promotor até que fosse efectuada pelos meios previstos na lei a alteração do alvará.
«Assim, não pode deixar de se concluir que o recorrente agiu violando os deveres do cargo, praticando actos em violação dos deveres do cargo que contendem com conteúdo e substância das suas funções. Afigurando-se assim clara a verificação dos pressupostos do crime de corrupção para acto ilícito, previsto no artigo 372º n.1, do Código Penal.
«O mesmo se diga no que se reporta à situação factual descrita no ponto 7.
«Com efeito resulta provado que na sequência de reuniões realizadas no gabinete do arguido na Câmara Municipal de ... entre o arguido/recorrente e EE, empresário da construção civil, que tiveram lugar por Outubro de 2004, em data anterior ao dia 21 daquele mês, para abordagem de questões relacionadas com empreendimentos imobiliários em que EE era interessado, por si e enquanto sócio da “F. M. S… Lda”, nomeadamente os que tinha já em fase de execução na Rua de A…, na cidade de ..., EE veio a contribuir para a AA...-OAF com um cheque datado de 20 de Outubro de 2004, sobre a Caixa Geral de Depósitos, no valor de 25.000,00 Euros, que foi entregue ao arguido AA na mesma data, e que este aceitou, sabendo de quem provinha.
«Mais se apurou que logo no dia a seguir ao da emissão do cheque, ou seja, 21.10.2004, o arguido AA lavrou uma informação, que tomou o n.º 49/2004, a apresentar ao vereador competente, pronunciando-se favoravelmente sobre o pedido de alteração do projecto relativo ao imóvel em edificação na Rua de A….
«Tal pedido de deferimento de alterações ao projecto aprovado, a que correspondia o alvará n.º 43/2003, havia sido apresentado em 5 de Dezembro de 2003, reportando-se ao aproveitamento da área respeitante à cave para um aumento do número de garagens, num total de 551.33 m2, aumentando de 16 para 25 o número de garagens, bem como um acréscimo sensível na área dos fogos nos pisos superiores.
«Sucede porém que, sem esperar pela análise e decisão de tal pedido, o promotor executou as alterações (o que até motivou o levantamento de um auto de notícia a 19 de Fevereiro de 2004) convicto que as mesmas mereceriam aprovação incondicional por parte da C.M.... por efeito, pelo menos a partir da data da entrega do cheque, da intervenção nesse sentido do arguido AA.
«Submetido o pedido a deliberação, após o arguido AA lavrar a referida informação, a questão foi debatida e objecto de análise quanto à possibilidade de aquele acréscimo de área em cave ser transferido para o domínio da C.M...., nos termos que amplamente expostos na motivação fáctica. A deliberação que definitivamente estabilizou a situação de facto na ordem jurídica veio a ser tomada na sessão camarária de 17 de Janeiro de 2005, após nova discussão ocorrida a 3 daquele mesmo mês e ano, no sentido de serem aprovadas, por maioria, as alterações requeridas. Para o efeito o arguido/recorrente subscreveu nova informação (n.º 55/2004, de 15/12/2004) sobre o mesmo pedido, manifestando-se favorável à aprovação, adiantando que o promotor estaria disponível para apoiar financeiramente obras de recuperação urbana de envolvente, no valor de 35.000,00 Euros, o que veio efectivamente a acontecer em consequência do deferimento do pedido.
«Resulta outrossim dos factos provados que o arguido AA aceitou o valor monetário disponibilizado por EE, com o propósito de o utilizar na gestão do clube que dirigia sabendo, como se propunha, que isso implicaria a prática, como DMAT, de actos destinados a defender ou a dar protecção a interesses relativos aos empreendimentos em que aquele era interessado e que estavam na sua dependência funcional. Acabando efectivamente, motivado por aquela liberalidade, que só essa razão e finalidade lhe foi concedida, por proferir pareceres técnicos que de outra forma não daria, que foram determinantes para o deferimento da aludida pretensão.
«Ainda na situação em apreço o arguido aceitou a quantia monetária de 25.000,00€ que o empresário de construção civil, EE lhe entregou a título de donativo para a AA...-OAF, bem sabendo que este detinha interesses em processo camarário relativo a edificação levada a cabo pelo empresário, com questões pendentes no âmbito da sua actividade funcional (o cheque é emitido um dia antes da informação prestada pelo arguido no citado processo), constituindo a atribuição monetária factor determinante para a actuação do arguido, que motivado pela mesma, veio a praticar actos destinados a defender os interesses do empresário através dos pareceres técnicos que se mostraram determinantes ao deferimento da aludida pretensão, alvo de ampla discussão em sede camarária, conforme explanado na motivação de facto.
«É assim, através de uma actuação motivada e determinada pela entrega do cheque que o arguido praticou actos contrários aos deveres de isenção do cargo, pois, pese embora, contidos no âmbito do poder discricionário que lhe é conferido pelas competências que detinha (cfr. os referidos em 7.2 e 7.7.), que foram determinados por factores alheios (de protecção de interesses individuais, contra entrega de cheque para o Futebol que dirigia) aos deveres da isenção, legalidade, imparcialidade e objectividade, a que estava sujeita a sua actuação.
«Mostram-se assim também em relação a esta situação preenchidos os requisitos da prática de um crime de corrupção para acto ilícito p. e p. pelo artigo 372º n.1 do Código Penal.
«*
«Ponto 10 da matéria de facto provada – duas situações em que intervém o empresário MM, qualificadas na pronúncia como preenchendo um crime de corrupção passiva para acto lícito p. e p. pelo artigo 373º n.2 do C. Penal (prédio da Rua J… M…) em concurso real com um crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo artigo 372º n.1 do mesmo diploma legal (prédio da Rua V… de C…).
«Resulta da matéria de facto provada em 10.2 a 10.6. que o empresário MM tinha em curso na cidade de ... a construção de um edifício para uso misto, habitacional, comércio e serviços, na Rua J… M… n.s 21/23, relativamente ao qual foi emitido alvará de licença de construção a que coube o nº 948/2001, com validade até 18/10/2003. Apercebendo-se da necessidade de estacionamento nas imediações, não obstante o projecto aprovado apenas compreender a execução de dois pisos abaixo da quota de soleira – duas caves -, deu instruções ao responsável técnico da obra para que projectasse a execução de uma 3ª cave, não requerendo todavia, como devia, a aprovação imediata da alteração preconizada à entidade legalmente competente para a sua apreciação, mostrando-se em Maio de 2002 concluída a aludida 3ª cave, com a betonagem da laje do respectivo tecto. Alteração que apenas veio a ser referenciada pela Câmara, em acção de fiscalização realizada em 17/11/2003, na qual foi proposto o embargo da obra.
«Da matéria descrita em 10.7. a 10.9 e 1.11 a 10.13, resulta ainda que, logo no dia seguinte, YY apresentou na Câmara um aditamento ao projecto de arquitectura/telas finais contemplando as diversas alterações realizadas em obra ao projecto oportunamente aprovado, nomeadamente a aludida 3ª cave.
«Ainda durante a execução da obra, em requerimento datado de 23/12/2003, YY solicitou ainda a alteração do uso dos pisos destinados a habitação (situação que já anteriormente havia solicitado e que fora objecto de indeferimento).
«Após parecer (n°8/2004, de 23/01/2004), da autoria do arguido/recorrente, favorável às pretensões peticionadas, veio o promotor a obter deferimento pela deliberação n°3921, de 25/02/2004, relativamente ao projecto/telas finais. Também nessa informação, pronunciou-se favoravelmente à alteração de uso peticionada, propondo a supressão total do uso residencial ou, em alternativa, a manutenção da habitação num só piso, acabando esta última proposta por ser acolhida e aprovada, por maioria (conforme factos descritos em 10.11. a 10.14.). No entanto de salientar não resultar da prova produzida com a necessária suficiência e consistência, que sem essa intervenção do arguido o citado pedido não viesse do mesmo modo a ser deferido (conforme se extrai da alínea b) dos factos não provados).
«YY conhecia o arguido das deslocações que efectuava à Câmara Municipal para se inteirar da situação do processo referente à obra na Rua J… M…, onde foi falada a questão da cave, conforme resulta dos pontos 10.8 e 10.9 dos factos provados (não se logrando no entanto provar que tenha sido assegurado pelo arguido ao referido YY qualquer parecer favorável à legalização da aludida cave - conforme alínea a) dos factos não provados).
«Provou-se sim, que visando compensar a intervenção do arguido, com data do dia seguinte à deliberação de 25.02.2004, o referido YY em 26.02.2004 emitiu o cheque no valor de 25.000,00€, que entregou ao arguido AA, e foi por este aceite, tendo-o feito apresentar a pagamento mais tarde por funcionário do clube a que presidia e a quem confiou o valor nele inscrito. Bem como que o arguido AA tinha perfeita consciência de que o referido YY, cuja actividade profissional bem conhecia, titulava interesses em empreendimentos imobiliários que eram tramitados no organismo público que transitoriamente dirigia, como os mencionados, sendo por causa desses interesses que o mesmo lhe atribuiu a vantagem patrimonial correspondente à entrega do montante inscrito no cheque acima referido de 25.000,00€, atenta a sua competência para tomar decisões no organismo público onde eram praticados os actos processuais e acessórios relativos aos processos de obras que promovia ou pudesse vir a promover ou preparar tecnicamente a sua assunção por outra entidade ou titular competentes.
«Resulta assim claro que o arguido aceitou a quantia de 25.000,00€ a favor da AA...-OAF, clube de futebol a que presidia, a qual lhe foi entregue por MM, pessoa que sabia ser detentor, perante ele, na sua qualidade de funcionário dirigente da C.M...., de pretensões imobiliárias dependentes do exercício das suas funções públicas, o que era evidente naquele processo. E que só por essa razão o empresário lhe entregou o cheque, vantagem patrimonial que não pode deixar de se considerar indevida atenta a motivação que esteve subjacente à entrega do cheque e à consciência da sua finalidade.
«O arguido, na sua qualidade de funcionário, para os efeitos previstos no artigo 386º n.1 al. c) do Código Penal, recebeu e aceitou, no exercício das suas funções na Câmara, dinheiro para a AA...-OAF, de que era Presidente, indevido, que apenas logra justificação no contexto das pretensões que aquele empresário detinha dependentes da actividade funcional do arguido.
«Por outro lado, a interdependência causal entre a conduta do funcionário e a entrega do cheque para finalidade contrária aos deveres do cargo mostra-se diluída, no caso, já que não tem de se reportar a uma concreta actuação, mas essencialmente ao contexto funcional da sua atribuição, que não tem outra justificação que não seja o aludido mercadejar com o cargo.
«É, assim, que, reportando-nos aos factos provados nos pontos 10.20 e 10.10, designadamente quanto à consciência e vontade do arguido, que tendo perfeita consciência da actividade profissional do A… L… e bem assim dos interesses que este detinha em empreendimentos imobiliários, como o da Rua J… M…, em apreciação no organismo público que dirigia, consciente de que apenas por esses interesses o mesmo lhe atribuiu a referida vantagem patrimonial de 25.000,00€ por efeito da sua actividade e competência funcional para tomar decisões no organismo público onde eram praticados os actos relativos aos empreendimentos urbanísticos que promovia, ciente da ilicitude de tal conduta.
«Decorre claramente do exposto a existência de vantagem ilegítima, atenta a motivação que esteve subjacente àquela dotação para a AA...-OAF, como se verifica a pendência de processos do interesse daquele promotor, no âmbito dos quais o arguido desenvolveu e desenvolveria actos ligados à sua actividade funcional, tornando-se indubitável que o arguido na sua qualidade de funcionário recebeu vantagem para a AA...-OAF, a que presidia, oriunda de alguém, no caso o YY que esteve, estava e previsivelmente viria a estar numa relação de índole profissional consigo, não se depreendendo da sua atribuição outra justificação que não seja a da criação de um clima de viciação da sua objectividade decisional, motivação da qual o arguido tinha plena consciência ao aceitar a referida vantagem.
«Mostra-se assim o arguido incurso na prática de um crime de corrupção passiva para acto lícito previsto no artigo 373º n.2 do Código Penal, no que se refere a esta situação.
«*
«No que toca à segunda situação referida no ponto 10. (prédio da Rua V… de C…)
«Resulta provado que YY mantinha pendente de resolução na CM..., uma questão respeitante à colocação dos elevadores no prédio que tina construído na Rua V… de C…, n.° 1527, ..., que se vinha arrastando pelo menos desde 1995.
«Na sequência de contactos estabelecidos antes de 19/12/2005, o arguido/recorrente, prevendo poder vir a obter benefícios para o clube a que presidia, à semelhança do que acontecera nas circunstancias anteriormente descritas, encetou diligências no sentido de criar condições para, sob seu parecer favorável no exercício das funções de DMAT, obter para YY a solução que este preconizava - autorização camarária para a instalação de apenas um elevador, ao invés dos dois a que, nos termos de determinação camarária anterior, estava obrigado.
«É assim que, conforme resulta do ponto 10.18., o arguido assumindo a direcção para a resolução da questão suscitada pelo YY, se substitui àquele na obrigação de documentar o procedimento – n.º 1/1974/6739 - fazendo-o através dos serviços competentes da autarquia, aos quais pediu informação relativa ao procedimento para mais facilmente sustentar o parecer favorável à pretensão daquele promotor.
«Resulta da factualidade provada, conforme explicitado na motivação de facto, que o arguido veio a apresentar uma informação datada de 19/12/2005, nos termos da qual propunha que o Adriano Lucas fosse autorizado a colocar apenas um ascensor, como aquele pretendia, proposta que veio a ser sufragada por despacho do vereador competente de 20/12/2005.
            «Em virtude do acolhimento dado à sua pretensão por efeito da actuação do arguido AA, com data de 20/12/2005 (dia imediatamente a seguir àquela informação), o referido YY emitiu um cheque no valor de 4.000,00€, que entregou ao arguido AA no gabinete deste na CM... e que este fez depositar numa conta titulada pela AA.../OAF.
«Provou-se, assim, que na situação descrita, agiu o arguido AA, com o propósito de aceitar de YY o valor pecuniário atrás referido de 4.000,00€, que não lhe era devido, para o integrar no património da AA.../OAF, e que aquela quantia apenas foi concedida para o compensar materialmente pela sua intervenção no exercício das aludidas funções públicas de D... M... da A... do T..., para o que o arguido só diligenciou motivado pela expectativa criada pelo acima descrito comportamento anterior de recebimento de vantagem patrimonial quanto ao Prédio da Rua J… M….
«Por outro lado temos que, sendo a actuação do arguido motivada por factores estranhos àqueles que deveriam nortear a sua actuação, foi também decisiva para que tal pretensão fosse acolhida favoravelmente. O arguido aceitou o recebimento daquela quantia que integrou no património da AA...-OAF, no âmbito e por causa do exercício funcional que desenvolvia como Director Municipal, de pessoa que tinha pretensões no âmbito daquele exercício e que por via disso lha havia atribuído. O arguido ao diligenciar da forma supra descrita, pela resolução da aludida questão favorável aos interesses daquele doador, fê-lo motivado pela expectativa criada pelo descrito comportamento anterior de recebimento de vantagem patrimonial, de forma que se tornou decisiva para tal pretensão ser acolhida favoravelmente, violou os deveres do cargo a que estava sujeito.
«A violação dos deveres do cargo assenta na actuação, venal, motivada por fins estranhos àqueles que deveriam presidir à actuação do agente público que, nessa medida, afronta os princípios da legalidade, imparcialidade, isenção e igualdade de todos os munícipes perante a actuação da administração pública.
«Violadora dos princípios da igualdade, isenção e imparcialidade, ao substituir-se àquele concreto particular, por efeito da benesse para o clube que dirigia, na obrigação de documentar o procedimento – n.º 1/1974/6739 - como seria exigível a qualquer outro particular anónimo em idênticas circunstâncias. E, ao diligenciar no modo descrito, solicitando aos serviços competentes da própria autarquia informação relativa à questão para mais facilmente sustentar parecer favorável à pretensão do YY, em função da aludida motivação, estranha àquela que deveria presidir à sua actuação, que interferiu no uso dos seus poderes discricionários (que no caso era a expectativa de recebimento de uma vantagem patrimonial, atenta a compensação já anteriormente alcançada), violou os deveres do cargo a que estava obrigado, concedendo um tratamento de favor, privilegiado àquele particular, que claramente põe em causa os aludidos valores.
«Não é seguramente o facto de tentar resolver as questões dos particulares de forma diligente, célere e cooperativa que tipifica o crime. É antes a diferenciação de tratamento do corruptor em relação aos demais cidadãos “meros pagadores de impostos” o privilegiamento de um, em detrimento dos outros, em função de compensações não devidas pelo exercício da actuação pública e por esta motivadas.
«Entende-se assim que estão verificados os requisitos do crime de corrupção passiva para acto ilícito - modalidade de corrupção subsequente, porquanto se extrai dos factos expostos, que o acto funcional se dá antes da aceitação da peita
«*
«Ponto 11 da matéria provada – caso HH / sociedade “V…, Lda.” – qualificado pela decisão recorrida como crime de abuso de poder
«Estabelece o artigo 382º do C.P.: “O funcionário que, fora dos casos previstos no artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com a intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
«O agente deve actuar, no exercício das suas funções, sujeito ao respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
«Sendo da maior relevância a vinculação, pelo funcionário, ao dever de isenção, definido no supra reproduzido art. 5º Dec. Lei 24/84 de 16/01.
«O crime de abuso de poderes pressupõe a verificação de um abuso dos poderes conferidos ao agente ou da violação dos respectivos deveres face às funções em que está investido, configurando-se o abuso de poderes, conforme salienta Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense, págs. 774 e segs, “como uma instrumentalização de poderes (inerentes à função) para finalidades estranhas ou contrárias às permitidas pelo direito administrativo (ou melhor dizendo, ilegítimas)”, de que é exemplo o agente que excede os limites da sua competência (quanto à natureza dos assuntos, grau hierárquico, lugar ou tempo), o funcionário que desrespeita formalidades impostas por lei ou actua fora dos casos estabelecidos na lei (violação da lei) e também o funcionário que usa os poderes para um fim diverso daquele para o qual lhe foram conferidos (desvio de poderes). Já no que se refere à violação de deveres, os deveres que estão em causa são os deveres funcionais, que lhe advêm do exercício funcional em que se encontra investido e que por regra só subsistem enquanto está em actividade.
«Dentro daqueles encontramos os deveres funcionais específicos (impostos por normas jurídicas e regras de serviço e ligados a uma função em particular) e deveres funcionais genéricos (que se referem a toda a actividade desenvolvida no âmbito da administração do Estado) entre os quais, o dever de obediência (tendo em conta o grau hierárquico), de zelo, sigilo, isenção, lealdade, entre outros.
«Conforme salienta Paula Ribeiro de Faria (ob. cit., p. 776) “não se exige que o abuso de poderes ou a violação de deveres venham referidos a um acto administrativo, apenas que os poderes ou deveres em causa sejam inerentes às funções exercidas pelo agente. Assim sendo, poderá ter lugar o preenchimento do tipo legal sempre que esteja em causa um acto idóneo a produzir efeitos jurídicos enquanto manifestação de vontade do Estado, ou por outras palavras, acto que se manifeste exteriormente através da lesão do bom andamento e imparcialidade da administração.
«Para efeitos de consumação do crime mostra-se irrelevante a efectiva verificação do dano ou da vantagem prosseguida, bastando a prática do acto ou do facto abusivo por parte do agente.
«Aliás “o funcionário que abusou das suas funções, ou que violou deveres, pode no limite, até ter actuado com fins caritativos ou altruístas” – cfr. Paula de Faria, ob.cit., p.778.
«Exigindo-se ainda para o preenchimento do tipo objectivo que o agente actue com a intenção de obter para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa.
«O tipo legal em apreciação pode ser preenchido por acção ou omissão.
«A propósito da sua comissão por omissão refere aquela autora, a fls. 777: “… parece mais consentâneo com a intenção do legislador ao pretender proteger com este tipo legal a imparcialidade e o bom andamento da administração, a aceitação da tipicidade da omissão do agente que assim pretende obter uma vantagem para si, ou para terceiro, ou causar prejuízo a outra pessoa …. Poder-se-á dizer que nestes casos tem lugar a violação de deveres impostos ao agente, uma vez que este recusa indevidamente, ou atrasa, a prática de um acto que por razões de justiça, saúde pública, ordem, ou segurança públicas, deve ser praticado pontualmente (tendo lugar a recusa ou o atraso em nome de finalidades ilegítimas).
«A ilegitimidade do benefício vai além do abuso de funções ou violação de deveres, exigindo-se que um tal abuso de poder se manifeste exteriormente através da lesão do bom andamento e imparcialidade da administração (não se esgotando ou encerrando em si mesmo).
«O dolo supõe a consciência e vontade por parte do agente de, exercendo uma função pública, abusar dos poderes que lhe competem ou violar os deveres a ela inerentes, além do conhecimento do carácter ilícito da vantagem ou do prejuízo pretendidos. A intenção do agente tem assim de predeterminar finalisticamente a acção típica, o agente viola os deveres gerais a que está sujeito no exercício da função pública em que se encontra investido com a finalidade concreta de alcançar proveitos ou prejudicar alguém.
«No caso, resulta da matéria provada que o arguido/recorrente superintendia a D... M... de A... do T... na Câmara Municipal de ..., com a estrutura evidenciada no cronograma de fls. 19, tendo sido nomeado em comissão de serviço pelo período de 3 anos por despacho de 30 de Dezembro de 2002, n.º 70/02-PR, sendo empossado a 25 de Março de 2003.
«Enquanto D... M... da A... do T... (DMAT) cabia-lhe coordenar os diversos departamentos integrados nos serviços camarários respectivos.
«No uso da competência que lhe foi subdelegada pelo Vereador competente -  pelo Edital n.º 51/2003 - entre outros actos relativos ao funcionamento interno daquela direcção municipal como os referentes à gestão de recursos humanos a ela afectos ou a substituição do pessoal dirigente e de chefia, competia-lhe decidir da modificação ou revogação de actos praticados por funcionários e agentes da D.M.A.T. e praticar os actos necessários no âmbito do regime jurídico do licenciamento das operações de loteamento, de obras de urbanização e de obras particulares e bem assim dar execução às deliberações da Câmara Municipal e aos despachos do Presidente e do Vereador em todas as matérias relativas às atribuições da D... M... de A... do T....
«O D.L. nº 93/2004 de 20.04, que procedeu à adaptação do regime previsto pela Lei nº 2/2004 de 15.01 às especificidades da administração local autárquica, prescreve, no seu artigo 2º:
«1 — Os cargos dirigentes das câmaras municipais são os seguintes: a) Director municipal, que corresponde a cargo de direcção superior do 1.° grau; (…)
«2 — Compete, para além do mais consignado na referida lei, aos titulares de cargos de direcção: a) Definir os objectivos de actuação da unidade orgânica que dirigem, tendo em conta os objectivos gerais estabelecidos; b) Orientar controlar e avaliar o desempenho e a eficiência dos serviços dependentes à execução dos planos de actividades e à prossecução dos resultados obtidos e a alcançar; c) Garantir a coordenação das actividades e a qualidade técnica da prestação de serviços na sua dependência, d) Gerir com rigor e eficiência os recursos humanos, patrimoniais e tecnológicos afectos à sua unidade orgânica, optimizando os meios e adoptando medidas que permitam simplificar e acelerar procedimentos e promover a aproximação à sociedade e a outros serviços públicos; e) Assegurar a qualidade técnica do trabalho produzido na sua unidade orgânica e garantir o de cumprimento dos prazos adequados à eficaz satisfação do serviço, tendo em conta a satisfação do interesse dos destinatários; …”
«Decorre claramente das funções e cargo que o arguido exercia, e deveres do mesmo, especificamente pela atribuição cometida por parte do vereador do pelouro respectivo, uma particular atenção e seguimento do processo em causa.
«A ineficácia dos serviços dirigidos pelo arguido nesta situação ainda que se pudesse também imputar a outros funcionários, não exime o arguido da respectiva responsabilidade, face aos concretos deveres de actuação que se lhe impunham funcionalmente e às concretas omissões verificadas na sua concreta actuação.
«Ora, face à incontornável (a) qualificação do arguido como funcionário verifica-se que a sua actuação – melhor dizendo a omissão de actuação - se mostrou, em concreto, violadora dos princípios da imparcialidade, objectividade, isenção e igualdade, a que se encontrava sujeito no exercício da sua actividade directiva municipal.
«Efectivamente, refere a decisão recorrida, que sufragando-se, se reproduz:
«“resulta dos pontos 11.6 a 11.28, que a obra em questão edificação em Vale de Meão de uma moradia unifamiliar, da sociedade requerente “V…, I… I… e T…, Ldª”, destinada ao sócio HH, desde o início da sua implantação que suscitou alargada e pública controvérsia, sendo inúmeras as reclamações, exposições, alertas, pedidos de informação à câmara e intervenções públicas que foram efectuadas desde o primeiro momento em que se iniciaram os trabalhos, aliás com questões atinentes também à própria definição do lote da moradia com terrenos públicos, (cfr. factos descritos nos pontos 11.2, 11.3., 11.6 a 11.8, 11.15. a 11.18., 11.21), sem que o arguido, não obstante as funções e competências que detinha[12] e a assunção pessoal do acompanhamento do processo referente à obra, quer por iniciativa sua (vide pontos 11.9 a 11.12., 11.14.,11.21, 11.22), quer por determinação do vereador competente (vide pontos11.12, 11.14., 11.24., tivesse diligenciado no sentido de a obra ser fiscalizada eficaz e atempadamente, conforme se impunha e seria procedimento normal e adequado, face, quer aos inúmeros alertas das desconformidades e irregularidades praticadas na sua execução, quer aos procedimentos impostos para uma obra desta natureza, com as vicissitudes que apresentou.
«Com efeito, extrai-se da factualidade provada que na sequência do início da execução das obras e na sequência de exposição efectuada por uma representante dos moradores, veio a ser determinada uma e única acção de fiscalização à obra no primeiro período de vigência da licença, não por determinação do arguido, mas da chefe de divisão, que alertou para questões irregulares que se processavam na sua execução e que o funcionário que a efectuou descreveu na informação que lavrou (11.9), tendo o arguido na sequência da mesma, chamando a si a sua apreciação, tido como acção efectiva apenas aquela que vem explanada nos pontos11.10 a 11.12., a qual é expressiva da sua actuação ao longo de todo o processo, mormente o que vem referido no ponto 11.11, quanto à sua avocação, perante o funcionário que efectuou aquela fiscalização, de todos os procedimentos relativos ao processo.  
«Não obstante os sucessivos alertas e exposições efectuadas à câmara, ao longo do final do ano de 2004 e decurso do ano de 2005, claramente evidenciados nos factos provados, que revelavam quer movimentos de terras em zona verde, abertura de caminhos, designadamente aquele que foi aberto até à circular, construção de muros, patamares e obra para além do licenciado, a verdade é que da factualidade que se mostra apurada decorre que pese embora as funções que exercia e assunção que lhe cabia e assumia relativamente àquela obra, a mesma decorreu sem qualquer acto de fiscalização durante o primeiro período de vigência da licença de construção, entre 19.07.2004 e 03/07/2005, exceptuada a aludida deslocação ao local, em 02/09/2004, do Eng. TT, determinada sem intervenção do arguido.
«Como se verifica que nenhuma acção de fiscalização efectiva e eficaz veio a ser efectuada, até àquela que foi realizada em 27.01.2006 (vide pontos 11.14. e 11.21.), já após a cessação da comissão de serviço por parte do arguido como DMAT, e que conduziu ao embargo da obra, já numa fase muito adiantada de execução, face às alterações realizadas sem que estivessem licenciadas, quer na execução da moradia[13], facto evidenciado em 11.27 e 11.28, quer nas intervenções efectuadas na zona circundante, designadamente em zona verde com movimentações de terra, abertura de caminhos, construção de muros de suporte, não licenciados, em violação das disposições legais aplicáveis[14], situações descritas na informação do engenheiro que efectuou a acção de fiscalização e nas informações das técnicas que procederam à apreciação do projecto de alterações que entrou em Maio de 2005, conforme se extrai dos pontos 11.20,11.22., 11.25 a 11.28.
«Factos tais que não eram, nem podiam ser, desconhecidos pelo arguido, quer pelos inúmeras iniciativas populares e reclamações que deles davam conta, quer pela sua notoriedade para qualquer munícipe, quer pelas deslocações efectuadas à obra e intervenções que deteve no processo camarário em apreço. E que pese embora esse conhecimento, não obstante as funções directivas que detinha e que especialmente lhe tinham sido atribuídas naquela situação, face aos contornos que a mesma apresentava desde o início da sua execução, se absteve de intervir de forma a repor um statu quo em conformidade com o ordenamento vigente, situação que apenas tem lugar já num período posterior à cessação de funções do arguido como DMAT.
«É do encadeamento de todos os factos descritos na situação analisanda, dos quais se extrai que na concomitância com omissões não justificadas se surpreendem condutas com aparência de inocuidade, na sua singularidade, mas elucidativas de uma actuação arbitrária, lesiva dos princípios da igualdade de tratamento e paridade dos administrados perante a administração pública, isenção e imparcialidade a que estava sujeito no exercício das suas funções como director municipal, reveladoras de uma tomada de posição em defesa de interesses particulares estranhos ao interesse público que lhe cabia assegurar, de que são exemplo os episódios descritos nos pontos 11.22 e 11.23.e 11.31. a 11.33., relativamente à decisão da prorrogação do alvará de licença de obras nº 252/2004, caducado em 3.07.2005, deferido pelo arguido de moto próprio e inusitado ou pelo menos impróprio, face à decisão anterior em sentido contrário de seu superior hierárquico e isto independentemente da aferição da validade dos argumentos relativos à alegada incorrecção da anterior decisão assumida no processo e já notificada ao requerente.
«É a concatenação de todos os factos descritos que permite de forma clara evidenciar a actuação livre e deliberada do arguido na assunção de protecção aos interesses do referido HH, com quem vinha mantendo um relacionamento essencialmente decorrente de relações comerciais entre o clube a que preside e o banco “F...”, a que aquele está ligado por ser administrador da holding que gere as participações do grupo, não promovendo, como lhe competia, a fiscalização efectiva da obra, com o propósito de obviar à suspensão dos trabalhos de construção da referida moradia e das obras na envolvente, permitindo ao dono da obra a sua execução sem prévia aprovação e satisfação das exigências legais e regulamentares referenciadas, assim inviabilizando a responsabilização contra-ordenacional atempada do titular ao alvará de licença por execução de obras não licenciadas, benefício que não alcançaria de outra forma, o que tudo evidencia a ilegitimidade do benefício.
«Desse modo e como se extrai do ponto 11.30., actuando o arguido como actuou, deliberada e conscientemente, ciente da ilicitude da sua conduta, com desrespeito pelo fim público dos poderes em que estava investido, incumprindo os seus deveres de zelo, isenção e de imparcialidade da Administração, cometeu o arguido o crime de abuso de poderes, p. e p. pelo artigo 382º do Código Penal, com referência ao artigo 386º n.1 alínea c), do mesmo código, que lhe vem imputado”».
***
            1.7. A decisão da relação de confirmar a da 1.ª instância quanto à subsunção de todas as condutas integradoras do crime de corrupção à figura do crime continuado, impugnada pelo Ministério Público, mostra-se fundamentada nos seguintes termos:
«A decisão recorrida condena o arguido pela prática de um crime de corrupção para acto ilícito na forma continuada em cuja unidade de continuação criminosa foram integradas pela decisão recorrida vários “casos” descritos autonomamente na matéria de facto como “situações” dotadas de autonomia da sentido, subsumidas individualmente no art. 372º, n.º1 do C. Penal, sob a epígrafe “corrupção passiva para acto ilícito” [5 situações descritas em 1., 3., 6., 7. 10 (parte relativa ao prédio da Rua V… de C…) da matéria provada] e no art. 373º n.º2 do mesmo diploma, sob a epígrafe “corrupção para acto lícito” [3 situações descritas em 4., 5., e 10 – parte relativa ao prédio da Rua J…M…].
«O digno recorrente questiona a subsunção das várias actuações qualificadas como crime de corrupção à figura do crime continuado. Sustentando que o arguido deve ser condenado por tantos crimes de corrupção quantos os “casos” ou recortes de vida dotados de autonomia que lhe vêm imputados. 
«O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente – cfr. art. 30º, n.º 1 do C. Penal.
«Como ensina CC (Direito Criminal, II vol., 202) quando diversas condutas violam o mesmo tipo de crime, o número de crimes define-se pelo número de resoluções, sendo o critério temporal fundamental para se apurar se existiu uma ou mais resoluções a presidir aos vários actos.
«Tal não se verifica apenas quando a disposição legal violada protege bens jurídicos eminentemente pessoais, como a vida, a honra, a integridade física, que não se podem desligar da personalidade e apenas podem ser violados na pessoa que os cria com o só existir - em tal caso, os tipos legais desdobram-se em tantos outros quantos os possíveis indivíduos aos quais se estende a protecção da lei – cfr. CC, Unidade e Pluralidade de Infracções, Almedina, ed. de 1983, p. 123.
«Por outro lado, postula o nº 2 do citado art. 30º: Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada de forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
«O crime continuado pressupões, precisamente, a existência de diversas (“plúrimas”) resoluções, mas todas tomadas dentro de um quadro exterior que facilita de forma considerável o renovar das sucessivas resoluções.
«Como escreve CC na monografia consagrada ao tema – Teoria do Concurso em Direito Criminal, Colecção Teses, Almedina, 207 - “aquilo que na continuação criminosa arrasta o agente para a reiteração é precisamente o facto de, com a primeira conduta, se amolecerem e relaxarem as reacções morais ou jurídicas que o frenavam e inibiam”.
«Trata-se de uma situação em que existe uma disposição favorável das coisas, na medida em que mais ou menos arrasta e tenta o agente para o delito, diminuindo a liberdade de determinação do agente e, portanto, a intensidade da censura que se lhe pode dirigir, por não ter agido de outra maneira – cfr. ob. cit. 224.
«Na procura de casos/padrão de situações exteriores que facilitam de forma acentuada a tomada de novas resoluções subsequentes, subsumíveis ao crime continuado, situa-se a circunstância em que “o agente é arrastado e solicitado para a prática das actividades sucessivas através de um certo estado de coisas criado pela primeira conduta ou por ele utilizado com sucesso” – cfr. ob. cit., p. 208.
«Ou aquela outra em que “um delinquente se encontra de novo ante uma determinada situação que, convidando à realização de um certo crime, já uma vez foi por ele aproveitada com êxito, há-de, sem dúvida, sentir-se fortemente solicitado a reiterar a sua conduta criminosa e só muito dificilmente se manterá no caminho direito” – cfr. Eduardo Correia, Concurso cit., 246.
«Ou ainda “quando o legislador declara uma conduta criminosa porque através dela é violada uma relação de fidelidade à qual o agente está ligado, todos os actos que alguém praticar depois da primeira violação de um tal dever de fidelidade, aparecerão como consequência desta e portanto como um crime continuado. Assim: ..c) o oficial de justiça que, por causa de um processo recebe várias vezes dinheiro de uma das partes." – cfr. mais uma vez Eduardo Correia, Teoria do Concurso, cit., p. 206.
«No caso dos autos, a motivação do recurso tem como argumento nuclear o de que as diversas resoluções criminosas descritas na matéria de facto dada como provada não foram facilitadas pela existência de uma circunstância/solicitação exterior que tivesse sido aproveitado, facilitando as resoluções subsequentes, assim diminuindo o grau de culpa – cfr. conclusões 21 e 22 parte final..
«No entanto, o fundamento da unificação na figura do crime continuado a que procedeu o tribunal recorrido repousa numa perspectiva distinta: - não a do aproveitamento de uma circunstância exterior criada pela primeira, facilitadora das resoluções subsequentes mas antes no êxito alcançado em actuação anterior do mesmo procedimento – circunstância que o digno recorrente acaba por reconhecer na conclusão n.º 25.
«A circunstância facilitadora pode não radicar numa situação estática (v.g. o caso de escola do ladrão que para entrar na casa abre um buraco e que, depois, sabendo do buraco aberto decide voltar a utiliza-lo para a prática de novo crime) mas numa circunstância objectiva, de natureza funcional/de procedimento mas ainda assim de natureza exterior ao arguido e facilitadora da renovação do processo de decisão - tendo utilizado com sucesso/êxito determinado tipo de procedimento/comportamento, o agente resolve repeti-lo.
«Êxito ligado a um condicionalismo envolvente objectivo/funcional, exógeno ao agente que persiste, além de ter sido utilizado, com êxito (e aplauso, como emerge do coro de personalidades iminentes que abonou, em audiência, a favor do arguido) nos casos precedentes. Envolvimento exógeno que no caso parece manifesto, atenta a reunião na mesma pessoa de dois cargos de tanto relevo, com poder de decisão e de influência em áreas distintas e nobres da vida local - a direcção do clube de futebol da cidade e a de decisor, ao mais alto nível, dos destinos urbanísticos do mesmo burgo. Qualquer deles dotado de poder e influência de elite a nível local - pela horizontalidade do clubismo futebolístico, numa cidade nostálgica da sua ..., onde, por outro lado e ao mesmo tempo, assume tanta importância a actividade de licenciamento/loteamento urbano no modelo económico vigente onde “quand le battiment va bien tout va bien”.
«Sabendo-se que a simples aprovação de um loteamento tem constituído, neste “Jardim à Beira-mar Plantado”, desde a Lei dos Loteamentos de 1965, uma das formas mais céleres de enriquecimento, multiplicando exponencialmente, só por si, o valor patrimonial do terreno loteado (em favor exclusivo do beneficiário, por efeito do alvará, concedido pela administração sem que reverta qualquer mais-valia a favor da comunidade) – cfr. as intervenções do Eng. ... e do Arq. ..., no dia 31.05.2008, na cidade da ..., em jornada de discussão pública sobre o “Loteamento do ...e” onde, no local onde estava previsto um pequeno hotel de 4 andares apareceu um empreendimento multiplicado por muitos – que o “povo meúdo”, na sua sabedoria faceira, logo baptizou de Titanic.
«Conclui-se, pois, que não merece censura a decisão recorrida em submeter as múltiplas actuações dadas como provadas e subsumidas ao crime de corrupção, ainda que dotadas autonomamente de sentido, obedecem a um quadro exterior que facilitou de forma considerável o renovar das sucessivas resoluções.»
***
1.8. A questão da liquidação e a aplicação dos artigos 111.º e 112.º do CP, foi decidida como segue:
«A decisão recorrida julga improcedente a liquidação e decide pelo ar. 111º do C. Penal.
«Alega, o digno recorrente neste âmbito (conclusões 7ª a 14ª) 18 que “se considera haver sido contrariada a norma do art. 7º da Lei n.º 5/2002 de 11/01”.
«Postula o artigo 7º da citada lei:

1 - Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
2 - Para efeitos desta lei, entende-se por património do arguido o conjunto dos bens:
a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente;
b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido;
c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.
3 - Consideram-se sempre como vantagens de actividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.º do Código Penal.

«A decisão recorrida julgou improcedente o incidente de liquidação deduzido na acusação com base no art. 7º da Lei n.º5/2002 de 11/01, relativa à quantia de € 103.600,00 aprendida na posse do arguido numa busca realizada à sua residência.
«No caso, o que estava em causa na liquidação efectuada na acusação eram os “valores que foram apreendidos na posse do arguido, na busca realizada à sua casa, no valor total de 103.600,00€”. Com o fundamento de que seriam destinados a pagamentos da responsabilidade da AA...-OAF, em benefício de quem o arguido os tinha recebido.
«Não a liquidação do “património do arguido”, no sentido previsto no citado art. 7º da Lei 5/2002.
«Ora o escopo visado com a citada lei e presunção não se verifica na situação dos bens “apreendidos” na busca está fora do seu âmbito de previsão. Quer porque o que visa o incidente de liquidação previsto na lei é a aferição do “património global do arguido” - não de outras entidades ou eventuais beneficiados pela actuação do arguido - de molde a apurar a diferença entre o seu rendimento lícito e aquele que presumidamente não o é. Quer porque, como resulta da descrição factual, os benefícios auferidos em função da actividade ilícita desenvolvida pelo arguido não entraram na sua esfera patrimonial propriamente dita, mas antes na da AA...-OAF.
«Não estando assim manifestamente verificados os pressupostos de funcionamento da presunção em questão.
«Acresce que a aplicação do preceito em causa exige especiais cautelas, por efeito do necessário convívio com princípios constitucionais como a presunção de inocência e in dubio pro reo que dele decorre em matéria de prova – cfr. por todos Damião da Cunha, Perda de Bens a Favor do Estado, ed do Centro de Estudos Judiciário, 2003, nomeadamente pp 42 a 44.
«Ora, embora tratando-se de presunção legal (no sentido de prevista na lei), não constitui uma presunção de ilicitude ou de culpa. Mas antes uma presunção de natureza fáctica, probatória – uma vez provado o crime “presume-se que a diferença (real, comprovada) entre o rendimento legal e o rendimento apurado tem origem na(quela) actividade criminosa desenvolvida pelo agente.
«O que, materialmente, reconduz esta presunção a uma presunção de natureza fáctica, probatória, de conteúdo semelhante às chamadas presunções judiciais, de meio de prova do facto.
«Com efeito a prova por presunções constitui um meio de prova legalmente previsto no artigo 349º do Código Civil: “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido”. Esclarecendo o artigo 351º do mesmo Diploma que “As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal”.
«As presunções legais ou de direito resultam da própria lei - podendo incidir sobre matéria de facto ou de direito – de uma determinada situação fáctica retirar, sem mais, uma determinada consequência jurídica. Enquanto as presunções judiciárias, também chamadas naturais ou ad hominis – fundam-se nas regras da experiência comum e incidem apenas sobre matéria de facto/apreciação da prova.
«Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (...) ou de uma prova de primeira aparência – cfr. Vaz Serra, Direito Probatório Material, BMJ nº 112, p. 190).
«Na expressão de Antunes Varela (Manuel de Processo Civil, ed. De 1985, p. 502) “é no saber de experiência feito que mergulham as suas raízes as presunções continuamente usadas pelo juiz na apreciação de muitas situações de facto”.
«Por outro lado, não sendo afastada a sua relevância no processo penal, por qualquer disposição legal, constituirá meio(s) de prova permitido, dentro do princípio geral do art. 125º do CPP: São admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei.
«No entanto, a utilização de presunções em direito penal, por efeito da necessidade de convívio com os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo, exige, da parte do tribunal, um particular esforço de fundamentação. Desde logo porque estas apresentam uma estrutura mais complexa que os restantes meios de prova, não incidindo directamente sobre o facto probando, antes (d)[s]e inferindo de outro facto provado.
«Com efeito, numa perspectiva linear, no limite, toda actividade processual de investigação e submissão a julgamento de um inocente parece inconstitucional – porque já de si interfere na esfera jurídica do investigado, afrontando a aludida presunção de inocência com assento na Constituição da República – art. 32º, n.º 2. A produção de qualquer meio de prova seria inconstitucional. A própria prolação da sentença viola a presunção de inocência, que apenas cessa com o trânsito em julgado daquela. O que nos reconduz a um raciocínio em círculo: a presunção apenas cessa com o trânsito em julgado da sentença; mas nunca poderemos chegar ao trânsito em julgado da sentença porque toda a actividade processual afronta, já de si, a presunção de inocência. 
«Daí que autores insignes como Bettiol se manifestem impressionados pela contradição entre a presunção de inocência do arguido e o facto de se estar a proceder criminalmente contra ele.
«Talvez por isso, como observa Carlos Climent Durán (La Prueba Penal, Doctrina e Jurisprudência, ed. Tirant Blanch, Barcelona, p. 575) “Os tribunais sejam avessos a reconhecer expressamente que nas suas valorações e nas suas motivações probatórias utilizam constantemente presunções, como se estivessem impedidos de o fazer, por crer erroneamente que tal maneira de proceder não é propriamente jurídica e que supõe a introdução de alguma dose de arbitrariedade no conteúdo das suas decisões”. Constatação que é evidente, por exemplo, na prova dos factos do foro subjectivo, quando não confessados pelo arguido, dados como provados pela mera constatação de que quem pratica determinado facto, em seu juízo e em liberdade de movimentos, quis praticá-lo e aceitou as consequência normais dele advenientes.
«A convivência entre a presunção de inocência/in dubio pro reo e a possibilidade da prova por presunção em processo penal impõe-se desde logo porque o processo penal não pode existir sem a possibilidade de produção de provas, entre elas as presunções de natureza judiciária. Compatibilizando-se porque se trata de realidades que se situam em níveis diferentes.
«Com efeito como salient(e)[a] o citado autor (Carlos Climent Durán, La Prueba, cit., p. 575): «“As razões que podem ter contribuído para tal crença encontram-se antes de tudo, na lamentável confusão – muito generalizada – entre o conceito vulgar e o conceito jurídico de presunção, e também na razão de que vulgarmente se considera que o uso das presunções incrementa desproporcionadamente o risco de erro judicial”.
«Adiantando a solução o mesmo autor, “a presunção abstracta é constituída por uma norma ou regra de presunção, susceptível da prova em contrário, que pode ter sido estabelecida pela lei ou por decisão judicial, apoiando-se, em ambos os casos, em alguma máxima da experiência. Apresenta uma estrutura em que os factos básicos estão conexionados através de um juízo de probabilidade, que por sua vez se apoia na experiência, de maneira tal que a prova de um envolve a prova de outro. Enquanto a presunção concreta supõe a projecção da presunção abstracta sobre o caso ajuizado ou, se se preferir, a subsunção do caso concreto dentro da presunção abstracta, uma vez que se tenha praticado ou podido praticar a correspondente contraprova e se tenha comprovado judicialmente a existência de uma ligação racional entre os indícios e o facto presumido, com descarte de qualquer outro possível facto presumido. Em rigor já não cabe falar de facto presumido, mas antes de facto provado. O seu fundamento já não assenta no juízo de probabilidade, mas antes no juízo de certeza (certeza moral), como qualquer outro meio probatório ao qual a presunção se parifica. (…) Toda a presunção consiste, dizendo em poucas palavras, em obter a prova de um determinado facto (facto presumido) partindo de um outro ou outros factos básicos (indícios) que se provam através de qualquer meio probatório e que estão estreitamente ligados com o facto presumido, de maneira tal que se pode afirmar que, provado o facto ou factos básicos, também resulta provado o facto consequência ou facto presumido” –  ob. cit. , p. 578-579.
«Nesta perspectiva, na utilização da prova por presunções em processo penal não só há-de resultar provado o ou os factos básicos mas há-de determinar-se, ainda, a existência ou conexão racional entre esses factos e o facto consequência. Além de se permitir, em concreto, a análise de toda a prova produzida em sentido contrário com vista a desvirtuar quer os indícios quer a conexão racional entre esses indícios e o facto consequência.
«Assim, para a valoração de tal meio de prova (também chamada circunstancial ou indiciária), devam exigir-se, os seguintes requisitos:
«- pluralidade de factos-base ou indícios;
«- precisão de tais indícios estejam acreditados por prova de carácter directo;
«- que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto;
«- racionalidade da inferência;
«- expressão, na motivação do tribunal de instância, de como se chegou à inferência.
«Neste sentido, cfr. Francisco Alcoy, Prueba de Indicios, Credibilidad del Acusado y Presuncion de Inocencia, Editora Tirant Blanch, Valencia 2003 ob. cit., p. 39, fazendo a síntese da doutrina e jurisprudência sobre o tema. No mesmo sentido, desenvolvidamente, cfr. Carlos Climent Durán, La Prueba Penal, Doctrina e Jurisprudência, ed. Tirant Blanch, Barcelona, p. 626 e segs., em especial p. 633.
«Por outro lado, neste âmbito, a valoração da prova por presunções também se encontra sujeita em ultima instância, o princípio in dubio pro reo. De onde decorre que, perante a dúvida razoável sobre a possível origem do património liquidado, deve ter-se como não provada a sua origem na actividade criminosa.
«Por último, atenta a natureza da prova por presunções, assente, já de si numa presunção, em termos de valoração da prova afigura-se que, tal como nas presunções judiciais, bastará uma prova mais ténue, de mera aparência, para legitimar a aplicação do princípio in dubio pro reo. De onde resulta que, em caso de dúvida razoável sobre a diferença, na apontada “liquidação”, entre o “valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito” sempre a dúvida razoável deva favorecer o arguido.
«Tudo para dizer que, no caso, materialmente, não se mostra percorrido o exigente caminho apontado para que pudesse ter-se como liquidado o património do arguido no sentido exigido pela norma legal em apreciação.
«Não pode, manifestamente, aceitar-se como liquidação do património do arguido uma mera e isolada apreensão de bens não reportada especificamente à actividade criminosa dada como provada nem avaliada no confronto (no confronto) com os rendimentos de origem lícita.
«Assim, não merece censura a decisão recorrida, neste ponto, quando aprecia o pedido à luz do art. 111º do CP, norma relativa, precisamente à perda a favor do Estado dos valores indicados na acusação relativamente às vantagens auferidas com a prática dos factos ilícitos.
«Por sua vez o arguido questiona a perda de vantagens - arbitrada em 200.000,00 - com o mesmo fundamento que irradia de toda a motivação do recurso de que “não praticou qualquer acto ilícito”.
«Pressuposto que, como se viu na apreciação já efectuada, se não verifica.
«Aliás, de um total apurado de € 364.000,00 efectivamente pago e revertido a favor da OAF da AA... de que o arguido era Presidente, em troca ou por efeito de despacho, privilegiado, no cargo de DMAT que também exercia (soma das parcelas referidas em 3., 4., 5., 6., 7., e 10) o tribunal recorrido, tendo-o por “demasiado severo” à luz do art. 112º do CP, ponderando ainda que a beneficiária constitui uma instituição de utilidade pública futebolística, reduziu, em juízo de equidade, para € 200.000,00.
«Não sendo invocados nem se descortinando fundamentos materiais relevantes para alterar o decidido tão-pouco neste ponto.
«Pelo que se impõe a improcedência de ambos os recursos neste âmbito.»
***
***
***
***
2. O Objecto dos recursos          
2.1. Sobre a motivação do recurso e conclusões, estatui logo o n.º 1 do artigo 412.º do CPP que «a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido».
A motivação compreende, portanto, dois ónus: o de alegar e o de concluir.
O recorrente deve começar por expor todas as razões da impugnação da decisão de que recorre (enunciar especificamente os fundamentos do recurso) e, depois, indicar, de forma sintética, essas mesmas razões (formular conclusões em que resume as razões do pedido).
Dispondo o artigo 412.º, n.º 1, do CPP, que “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”, não restam dúvidas de que as conclusões devem constituir um resumo explícito e claro dos fundamentos do recurso, indicando, com precisão, as razões por que se pede o respectivo provimento.
Aliás, tem sido repetidamente afirmado que são as conclusões da motivação que definem e delimitam o âmbito do recurso, ou seja, as questões que o recorrente quer ver discutidas no tribunal superior. «São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem de apreciar.»[15]
            2.2. Recurso do Ministério Público
            No recurso do Ministério Público são colocadas as seguintes questões:
            – a de não se verificarem os pressupostos da subsunção da conduta do arguido à figura do crime continuado de corrupção passiva para acto ilícito, devendo o mesmo ser condenado pela prática, em concurso efectivo, de cinco crimes de corrupção passiva para acto ilícito e de um crime de abuso de poderes;
            – a da improcedência da liquidação, e
            – a da atenuação do valor do pagamento ao Estado.
            2.3. Recurso do arguido
            Em prolixas conclusões que, nem por isso, ganham em clareza de sentido, o arguido impugna o acórdão da relação, na parte em que julgou improcedente o recurso interlocutório e na parte em que conheceu da decisão final.
            No que respeita ao recurso da decisão final, as questões postas, segundo a ordem da sua precedência lógica – e sem que com isto se esteja a admitir que, tal como as conforma, sejam essas verdadeiramente as questões implicadas –, são as seguintes:
            – o pré-juízo contido na valoração das suas declarações (conclusões B5, B6, B31 e B33);
            – ter sido valorada prova proibida (conclusão B11);
            – ter sido violado o princípio in dubio pro reo (conclusão B49),
– a de o acórdão incorrer nos vícios da contradição insanável da fundamentação (conclusão B35 e conclusão B43) e da insuficiência da matéria de facto para a decisão (conclusão B 52);
– a de o acórdão incorrer em inúmeras omissões de pronúncia, as quais, adiante, procuraremos concretizar (conclusões B7, B8, B9, B12, B14, B15, B16, B17, B18, B21, B22, B23, B24, B25, B26, B27, B28, B58 e B32),
– a de o acórdão incorrer em nulidade por falta de fundamentação (conclusões B34, B44 e B48); 
– ter sido violado o princípio do contraditório (conclusão B13) e o direito ao recurso (conclusões B37 e B53),
– verificarem-se erros de subsunção (conclusões B15, B19, B36, B38, B39, B40, B41, B42, B45, B46, B47, B50, B51, B54, B55, B56, B57, B59, B60);
– a da medida das penas e a da suspensão da execução da pena (conclusões B62 a B64),
– a da indevida condenação da AA.../OAF (conclusão B65).     
***
***
***
            3. A inadmissibilidade do recurso do arguido, na parte em que impugna a decisão da relação relativa ao recurso interlocutório
            Refere-se o arguido, nas conclusões B1 a B4, ao recurso que interpôs, em 20/04/2010, para a relação, do despacho proferido pelo juiz de julgamento, em 05/03/2010, pelo qual foi indeferida a produção de prova pericial, em julgamento, sobre os quesitos formulados, apresentada pelo arguido e indeferida a, por ele, pretendida requisição de prova documental.
            3.1. Na contestação, o arguido requereu a produção de prova pericial, em audiência, apresentando os quesitos que teve por pertinentes, e requereu a junção aos autos de diversa documentação, a requisitar pelo tribunal.
            Pelo referido despacho, foi indeferida a produção de prova pericial, por não se mostrar «necessária e útil a realização da perícia requerida» e, sobre a pretendida junção de documentos, entendeu-se indeferir o requerido, «sem prejuízo de o arguido, se assim o entender, vir a concretizar e especificar a finalidade e relevância da junção dos documentos pretendidos (concretizando-os e identificando-os cabalmente) em função dos pontos concretos da factualidade que pretenda provar ou infirmar, por forma a que o tribunal possa, em sede oportuna, valorar a sua utilidade e necessidade à descoberta da verdade material e boa decisão da causa».
            Desse despacho interpôs o arguido recurso, pretendendo a anulação do despacho e de toda a tramitação que lhe fosse posterior, visando a possibilidade de «produzir em julgamento a prova pericial requerida e tomado em conta o que resultar dos documentos que reputa essenciais para a descoberta da verdade, segundo a sua estratégia de defesa».
            No contexto da impugnação do despacho, começou o recorrente por questionar que, antes da decisão, os autos tivessem ido com vista ao Ministério Público, para se pronunciar sobre o requerido, sustentou, quanto à prova pericial, a possibilidade de formular quesitos, versando matéria de direito e censurou o despacho por violar as normas dos artigos 151.º e 340.º do CPP e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição, avançando que, previamente a ele (ao despacho), deveria ter sido notificado para esclarecer o objecto ou objectivos da prova pericial, e, na mesma linha, quanto à prova documental, censurou o despacho por violação do artigo 164.º, n.º 2, do CPP, e 32.º, n.º 1, da Constituição, pretendendo que o mais que poderia ter sido feito seria mandar notificá-lo para explicitar os pontos da sua contestação para cuja prova se tornava necessário obter os documentos elencados.
            Embora não tivesse levado essa matéria às conclusões, na motivação, o arguido refere-se à problemática do artigo 7.º do CPP, sustentando que, em processo penal, os quesitos não devem, apenas, conter perguntas relevando da questão de facto, e que a extensão da prova pericial a matéria de direito «constitui um meio de fugir à inconstitucionalidade daquele artigo 7.º»
            3.2. Contrariamente ao pretendido pelo recorrente, quanto ao regime de subida do recurso (subida imediata, em separado), o recurso foi admitido a subir a final.
            Subiu ele, pois, com o recurso interposto da decisão final, para ser julgado conjuntamente com os recursos interpostos da decisão final.
            O acórdão recorrido começou por apreciar os recursos interlocutórios por a sua apreciação «poder contender ou até prejudicar a apreciação dos recursos da decisão final», designadamente, o recurso interlocutório, interposto pelo arguido, a que nos estamos a referir, julgando-o improcedente.
            Referindo-se a essa decisão as conclusões B1 a B4 do recurso interposto para este Tribunal, como se extrai do respectivo conteúdo e, inequivocamente, do ponto da motivação que elas sintetizam «A1: Do recurso interlocutório (ponto 3 do acórdão e aí fls. 7 e ss)».
 Seja por erros de direito, neles compreendidos violações de normas e princípios constitucionais, seja por omissão de pronúncia, é sempre à decisão do recurso interlocutório que essas conclusões se referem.
            3.3. Pois bem. Tendo a relação apreciado e decidido tal recurso intercalar, esse recurso está definitivamente decidido, não sendo admissível recurso para este Tribunal da decisão da relação que dele conheceu.
O objecto desse recurso era constituído por questões interlocutórias, intermédias, sendo sobre essas questões que recaiu o acórdão da relação, na parte em que dele conheceu. Isto é, ao conhecer desse recurso, a relação não conheceu, a final, do objecto do processo, não julgou o mérito da causa.
Embora a decisão do recurso intercalar esteja integrada na mesma peça processual em que foram conhecidos os recursos da decisão final – como não poderia deixar de ser, por o recurso interlocutório ter sido retido (admitido a subir a final, nos próprios autos, para ser julgado conjuntamente com os recursos interpostos da decisão que viesse a pôr termo à causa – artigo 407.º, n.º 3, do CPP) –, não perde, por isso, a sua natureza de decisão que não conhece, a final, do objecto do processo. 
Ora, a alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP estatui que [não é admissível recurso] de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo. E, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP [recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça] de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º
Assim, rejeita-se, por inadmissibilidade, o recurso interposto pelo arguido, na parte em que visa a decisão que recaiu sobre o recurso interlocutório, nos termos dos artigos 400.º, n.º 1, alínea c), 432.º, n.º 1, alínea b), e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP.
***
***
***
4. A falta de Legitimidade do arguido para recorrer na parte em que impugna a decisão de condenação da BB à perda de vantagens
Na conclusão B65, o arguido, estritamente nessa qualidade, enuncia a pretensão de revogação da decisão de condenação da AA...-OAF a pagar ao Estado a quantia de € 200.000,00, com diversos fundamentos, nomeadamente, nunca a A... ter sido arguida no processo. 
4.1. Nos termos dos artigos 111.º, n.os 1 e 4, e 112.º, n.º 2, do Código Penal, a BB, enquanto beneficiária das vantagens ilícitas obtidas pelo arguido, por via do crime de corrupção, foi condenada a pagar ao Estado a quantia de € 200.000,00.
Esta foi a decisão da 1.ª instância, integralmente confirmada pela relação.
 Do que se tratou, pois, foi de perda de vantagens obtidas com a prática do crime de corrupção (pagamento ao Estado do valor correspondente, no caso, até, atenuação desse valor), cometido pelo arguido, decretada contra um terceiro (a AA...-OAF), por ter sido esse terceiro o beneficiado com o crime ou, o que é o mesmo, o beneficiário das vantagens.
Ter a AA...-OAF a qualidade de terceiro, no processo, é, aliás, reconhecido pelo arguido quando se insurge contra a decisão de condenação à perda de vantagens por a A... nunca ter sido arguida nem nunca ter sido ouvida no processo.
4.2. Ora, é, justamente, pela qualidade de terceiro da AA...-OAF que não pode ser reconhecida legitimidade ao arguido para impugnar uma decisão decretada contra a AA...-OAF.
Não tendo a decisão relativa à perda de vantagens sido decretada contra o arguido (o agente do crime) mas contra um terceiro (na medida em que foi esse terceiro o beneficiado com a prática do crime, o beneficiário das vantagens), essa decisão não afecta o arguido, em si mesmo, em termos de se poder considerar que a decisão foi contra ele proferida (artigo 401.º, n.º 1, alínea b), do CPP).
A legitimidade para recorrer, quanto à decisão de perda de vantagens auferidas com a prática do crime, tem de ser reconhecida à AA...-OAF, pois é ela quem “sofre” a decisão da perda de vantagens e é condenada a pagar ao Estado o montante de € 200.000,00.
 Ou seja, por ter a defender um direito (seu) afectado pela decisão, a legitimidade para recorrer, quanto a essa decisão, deve ser reconhecido à AA...-OAF, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 401.º do CPP.
4.3. A falta de legitimidade do arguido para, por si, recorrer, quanto ao segmento da decisão em análise, acarreta a rejeição do recurso, nesse âmbito (artigo 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP).
***
***
***
5. A rejeição do recurso do Arguido relativamente à pretensão de absolvição quanto ao crime de abuso de poder
            O arguido foi condenado, na 1.ª instância, pela prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 382.º e 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão [situação descrita sob o ponto 11. Da matéria de facto provada].
            A relação, quanto a esse crime, apenas alterou a medida da pena, fixando-a em 8 meses de prisão.
            5.1. Na conclusão B61 do recurso interposto para este Tribunal, limita-se o arguido, quanto a esse crime, que identifica como “caso HH”, a alegar que «pelas razões já adiantadas no recurso anterior, deve o suplicante ser absolvido».
            Na motivação, refere-se a ele no ponto A26 “Caso HH/V..., Lda.”.
            Começa por transcrever determinado passo do acórdão da 1.ª instância – que se verifica estar integrado na fundamentação de direito, a fls. 224, desse acórdão, no qual se explicitam as razões de facto que conduziram à inferência da “ilegitimidade do benefício” –, para o criticar severamente, designadamente, segundo se consegue depreender, pela credibilidade dada ao depoimento da testemunha TT – vendo-se, pela motivação da decisão de facto da 1.ª instância, quanto a esse “caso”, que «o engenheiro TT, da D.L.D.F.» prestou um depoimento que relevou para a prova dos factos descritos em 11.11. (fls. 185 do acórdão da 1.ª instância) –, já que outro sentido não parece ter o trecho: «A este propósito e sobre todos os outros prevaleceu o depoimento falso do efebo Eng. G… o qual, conhecendo embora os seus deveres funcionais, os mesmos voluntariamente descartou e aproveitando a acrimónia da P. J. de ... e a tolerância do mº pº (…)».
            Remete, ainda, o arguido, para as alegações apresentadas na 1.ª instância em trecho de sentido obscuro: «O signatário sabe perfeitamente as pessoas às quais está a referir-se. Esta questão foi, de espaço, dilucidada nas alegações apresentadas na 1.ª instância, que aqui se dão por reproduzidas, por não ser uma argumentação “popularunha” que tem virtualidades, sequer em termos de mero pensamento especulativo, que tem virtualidades de afastar a priori as realidades do mundo do direito, em regra secularmente estratificadas».        
            5.2. Temos, assim, que no recurso para este Tribunal, do acórdão da relação, quanto ao crime de abuso de poder [caso HH] o arguido não leva propriamente às conclusões uma questão de direito por que se abstém de conferir qualquer substrato útil à alegação de que deve ser absolvido.
            Com efeito, a mera remissão para a alegação constante de outro recurso (o recurso para a relação) não é modo processualmente adequado de cumprir a exigência contida no n.º 1 do artigo 412.º do CPP.
            No recurso interposto para este Tribunal, nem a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso, quanto ao “caso HH”, nem as conclusões contemplam qualquer resumo das razões do pedido de absolvição do arguido do crime de abuso de poder. Por isso, não é caso de convite ao arguido para completar ou esclarecer as conclusões formuladas (artigo 417.º, n.º 3, do CPP), mas, verdadeiramente, de falta de motivação, no âmbito do “caso HH”, a impor, nessa parte, a não admissão do recurso (artigo 414.º, n.º 2, do CPP) e, consequentemente, a sua rejeição (artigo 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP).
            Neste sentido, v. g., o acórdão deste Tribunal, de 22/09/2004 (processo n.º 2813/04)[16], com o seguinte sumário:
            «No recurso interposto do Tribunal da Relação para o STJ devem-se especificar as razões de discordância com o ali decidido, pelo que a renovação da argumentação da impugnação interposta inicialmente para aquele Tribunal, sem qualquer novidade, equivale a falta de motivação, conducente à sua rejeição liminar.»
            Este o entendimento que tem vindo a ser seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça[17]: «Ao recorrer-se para o STJ de acórdão (…) da Relação importa a verificação dos fundamentos da decisão por esta proferida e não os da decisão de 1.ª instância, sob pena de, constante, gradual e perigosamente, se subvalorizar as decisões dos tribunais superiores, desvirtuar a função dos recursos, suas regras e seu natural objecto, ao absoluto arrepio a regras da competência hierárquica e às decisões dos órgãos integrados na sua conduta.»[18]
            A “técnica” seguida pelo arguido, no recurso interposto para este Tribunal, quanto ao “caso HH” implica, pois, a falta de uma verdadeira motivação.
            5.3. Ainda que, assim, não se considerasse, quer dizer, mesmo que se aceitasse o “aproveitamento” do recurso interposto para a relação para definir o âmbito do recurso para este Tribunal seriamos confrontados com a insuperável dificuldade de o objecto do recurso para a relação, se não em integral, pelo menos em substancial medida, não estar compreendido nos poderes de cognição deste Tribunal.
            Com efeito, nas conclusões B85 a B93 do recurso para a relação, o arguido argumenta com vista à alteração da matéria de facto provada (ponto 11.14, conclusão B90; ponto 11.24, conclusão B91), à eliminação de matéria de facto dada por provada (ponto 11.30, conclusão B92) e à inclusão na matéria de facto provada de facto negativo (conclusão B93), sempre com referência à prova produzida, especificando e localizando os depoimentos que, em seu entender, sustentariam essa pretendida alteração da matéria de facto.
            O que, inevitavelmente, acarretaria a rejeição do recurso, nessa parte, por não estar compreendida nos poderes de cognição deste Tribunal a apreciação da decisão proferida sobre matéria de facto.
***
***
***
            6. A rejeição do recurso do Ministério Público quanto à decisão do incidente de liquidação e quanto à questão da atenuação do valor do pagamento ao estado
            6.1. Na conclusão 9.ª do respectivo recurso, o Ministério Público sustenta que «as circunstâncias em que os valores foram encontrados e apreendidos ao arguido, associadas ao facto de este haver recebido montantes até ao final de 2005, altura em que cessou as funções públicas, é lícito intuir, na ausência de outros elementos de sentido diverso ou contrário, que ilidam a presunção do artigo 7.º da Lei n.º 5/2002, de 11/1, que aqueles valores eram provenientes de dádivas ilegais semelhantes àquelas em que se funda a condenação».
            Dirige-se o Ministério Público à impugnação da decisão relativa ao incidente de liquidação que deduziu e que, afinal, visava o perdimento do valor de € 103.600,00 correspondente ao valor das quantias apreendidas ao arguido.
            Se bem se compreende o sentido da alegação contida na conclusão 9.ª, antes transcrita, não dirige o Ministério Público verdadeiramente uma crítica aos fundamentos jurídicos da decisão, no aspecto em causa, situando-se, antes, no plano da censura da decisão sobre matéria de facto.
            Com efeito, as razões da improcedência do incidente de liquidação radicaram, bem vistas as coisas, em no incidente não ter sido efectuada qualquer liquidação, nos termos definidos pela Lei n.º 5/2002 (relativamente ao património global do arguido), vindo a entender-se que a situação dos bens apreendidos está fora do seu âmbito de previsão. Por outro lado, apreciando-se o perdimento ao abrigo do artigo 111.º do Código Penal, entendeu-se que também a mesma não podia ser decretada por não se terem apurado, quanto às quantias apreendidas, no valor global de € 103.600,00, os respectivos pressupostos.
Na verdade, depois de ter sido dado por provado que na busca realizada à residência do arguido, em 07/02/2006, foram apreendidas ao arguido quantias monetárias, no valor total de € 103.000,00 (ponto –V– 1., dos factos provados), foi dado como não provado, relativamente à factualidade alegada quanto ao incidente da liquidação:
            «a) Que o arguido AA destinava a usar tais valores em pagamentos da responsabilidade da AA...-OAF;
            «b) Que tais valores tinham sido recebidos pelo arguido em benefício da AA...-OAF e tinham-no sido contra os deveres do cargo de DMAT que exerceu até ao último dia do ano de 2005;
            «c) Que tais valores provinham de dádivas de interessados em actos dependentes do exercício daquelas funções públicas.»
Parece-nos evidente que só a absoluta desconsideração destes factos dados por não provados poderá explicar que o Ministério Público sustente que seria «lícito intuir (…) que aqueles valores eram provenientes de dádivas ilegais semelhantes àquelas em que se funda a condenação» e, consequentemente, que não foi ilidida a presunção do artigo 7.º da Lei n.º 5/2002.
Ora, se ao darem-se esses factos como não provados foi afastada, precisamente, a presunção de que a quantia apreendida, de € 103.000,00, constituía vantagem da actividade criminosa, a insistência do Ministério Público em que a presunção do referido artigo 7.º não foi ilidida mais não revela do que a sua inconformação com a matéria de facto.
Dados, porém, os poderes de cognição deste Tribunal, restritos a matéria de direito (artigo 434.º do CPP), não apresenta qualquer viabilidade uma eventual pretensão de censura à decisão proferida sobre matéria de facto, a implicar que, neste ponto, o recurso do Ministério Público deva ser rejeitado por manifesta improcedência (artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP).
6.2. A decisão da 1.ª instância foi a de, nos termos das disposições conjugadas dos artigos, 111.º, n.os 1 e 4, e 112.º, n.º 2, do CP, condenar a beneficiária da vantagem ilícita, no caso a BB, a pagar ao Estado a quantia de € 200.000,00.
 Foram tidas em conta as vantagens obtidas com o crime continuado de corrupção, nas situações 3, 4, 5, 6, 7, 10, no montante global de € 364.000,00, o qual, «à luz de regras de equidade», a 1.ª instância entendeu «atenuar» para o montante de € 200.000,00, com a seguinte justificação:
«Contudo, se foi uma situação económico-financeira de “constante dificuldade “ que presidiu e justificou a actuação do arguido, cremos ser curial invocar e afirmar que a mesma se estende e verifica na actualidade, o que conjugado e a acrescer à circunstância de a AA...-OAF ser uma instituição de utilidade pública, prosseguindo nessa medida pública e relevante obra social em diversas áreas, justifica que no quadro do artigo 112.º, n.º 2, do C. Penal o pagamento integral de tal quantia total se configure agora como objectivamente “injusto” ou “demasiado severo”.»
A relação, neste ponto, confirmou integralmente a decisão da 1.ª instância.
Se bem se compreende a alegação do Ministério Público a impugnação desta decisão assenta na falta de prova expressa dos respectivos fundamentos ou pressupostos.
 Com efeito, na motivação do recurso, o Ministério Público alega que «qualquer dos factos que são susceptíveis de justificar uma redução do valor a devolver carece de fundamentação de facto suficiente: não apenas a matéria provada nenhuma referência faz às dificuldades do beneficiário do produto dos crimes como a relevante e pública obra social (não?) se deve reputar provada por notória» e na correspondente conclusão, a 10.ª, retoma a falta de prova dos pressupostos da atenuação do pagamento: «para além de se não haver obtido prova acerca da situação de insuficiência patrimonial ou financeira do beneficiário do produto dos crimes, também não se justifica a redução da devolução se tais vantagens foram utilizadas para fazer face às obrigações decorrentes da actividade normal de um clube de futebol profissional».
Contrariamente ao sustentado, a afirmação de que a AA...-OAF permanece “numa situação económica e financeira de constante dificuldade” como pressuposto da atenuação do pagamento, nos termos do n.º 2 do artigo 112.º do CP, nada tem, em si, de ilegítimo por corresponder a um facto do conhecimento comum adquirido pelo tribunal como “facto notório”. Ou seja, a afirmação desse facto como pressuposto da decisão não reclamava que ele constasse expressamente, e na rigorosa formulação em que é invocado na decisão, dos factos provados.
Quanto à hipótese que o Ministério Público coloca de não se justificar a redução se tais vantagens foram utilizadas para fazer face às obrigações decorrentes da actividade normal de um clube de futebol profissional, trata-se disso mesmo, de uma mera hipótese que não foi considerada na decisão.
A decisão alicerça-se, tal como a lei prevê, na situação económico-financeira da A... e a circunstância de ser uma instituição de utilidade pública, prosseguindo nessa medida pública e relevante obra social em diversas áreas, é invocada a título meramente complementar ou adjuvante.
As razões em que o Ministério Público alicerça a impugnação da decisão de atenuação equitativa do pagamento apresentam-se, por conseguinte, manifestamente inviáveis, levando à rejeição do recurso, neste ponto (artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP).
***
***
***
             7. As questões postas no recurso do arguido imediatamente conexionadas com a decisão proferida sobre matéria de facto
            7.1. Preliminarmente, deve afirmar-se que os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça são restritos ao reexame da matéria de direito (artigo 434.º do CPP), não sendo, por conseguinte, admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça com a finalidade de impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, por erro de julgamento (de facto) ou mesmo em razão de vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP.
             Pois, como se escreveu no acórdão, deste Tribunal, de 21/02/2008 (processo n.º 4805/06-5.ª secção)[19], «a revista alargada ínsita no art. 410.º, n.os 2 e 3, do CPP pressupunha (e era essa a filosofia original, quanto a recursos, do CPP de 1987) um único grau de recurso (do júri e do tribunal colectivo para o STJ e do tribunal singular para a Relação) e destinava-se a suavizar, quando a lei restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito (o recurso dos acórdãos finais do júri ou do colectivo; e o recurso, havendo renúncia ao recurso em matéria de facto, das sentenças do próprio tribunal singular), a não impugnabilidade (directa) da matéria de facto (ou dos aspectos de direito instrumentais desta, designadamente «a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não devesse considerar-se sanada»). Esta revista alargada (do STJ) deixou, porém, de fazer sentido – em caso de prévio recurso para a Relação – quando, a partir da reforma processual de 1998 (Lei 59/98), os acórdãos finais do tribunal colectivo passaram a ser susceptíveis de impugnação, «de facto e de direito», perante a Relação (arts. 427.º e 428.º, n.º 1). Actualmente, com efeito, quem pretenda impugnar um acórdão final do tribunal colectivo, de duas uma: se visar exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 432.º, al. c)) dirige o recurso directamente ao STJ e, se o não visar, dirige-o, «de facto e de direito», à Relação, caso em que da decisão desta, se não for «irrecorrível nos termos do art. 400.º», poderá depois recorrer para o STJ (art. 432.º, al. b)). Só que, nesta hipótese, o recurso – agora, puramente, de revista – terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais «erro(s)» das instâncias «na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa».
            «Não é da competência do Supremo Tribunal de Justiça conhecer dos vícios aludidos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, uma vez que o conhecimento de tais vícios, sendo do âmbito da matéria de facto, é da competência do Tribunal da Relação.
            «O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, apenas conhece de tais vícios oficiosamente, se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, uma vez que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (artigo 434.º do CPP).»[20]
            7.2. As declarações do arguido
Ao longo do recurso, vai o arguido aludindo ao pré-juízo que, na sua perspectiva, contaminou a apreciação da prova, a fixação dos factos dados por provados e, se bem entendemos a sua argumentação, até, as soluções jurídicas deles tiradas.
Destacando-o, especialmente, no que se refere às suas declarações.
As conclusões B5 e B6 ganham em compreensão se se atender a certos passos da motivação da decisão de facto da 1.ª instância, no que se refere às declarações do arguido.
Na apreciação dessas declarações, quanto a especificados pontos da matéria de facto, vai constando da motivação da decisão de facto: «(…) o arguido, prestando declarações na sequência desse depoimento [o depoimento do arquitecto J… M… L… L…]»; «(…) também as declarações prestadas pelo arguido na sequência da audição do depoimento da testemunha RR (…) pois, conforme se pode aquilatar do respectivo registo magnético, o arguido, que apenas optou falar após ouvir a versão da testemunha»; «(…) e que foi afirmada pelo arguido nas declarações que prestou após a audição do depoimento da mesma [testemunha LL], situação que aliás se repetiu ao longo do julgamento, já que tendo optado por não prestar declarações no início da audiência apenas as prestou depois de ouvir a prova produzida, adequando as declarações prestadas ao relato feito pelos demais intervenientes processuais, justificando a sua actuação em função do que concretamente ia sendo transmitido por aqueles».
A estas referências, tecidas a respeito das suas declarações, reagiu o arguido, no recurso que interpôs para a relação, vendo nelas uma depreciação da sua estratégia processual, violadora do direito que lhe assiste, face ao disposto no artigo 61.º, n.º 1, alínea a), do CPP, e uma verdadeira presunção de culpa, com reflexo e consequências em toda a assunção probatória, violadora das normas dos artigos 61.º, n.º 1, d), e 343.º, n.º 1, do CPP, e 32.º, n.º 1, da Constituição.   
 O acórdão recorrido trata especificamente este aspecto do recurso do arguido, integrando-o no âmbito da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, no qual ele, evidentemente, se integra, como a transcrição efectuada demonstra (primeira parte do ponto subordinado ao título «As conclusões 7 a 12 referem-se à violação do direito de defesa»).
Ora, a apreciação da valoração das declarações prestadas pelo arguido, em audiência, é matéria subtraída à apreciação deste Tribunal, não se enxergando a utilidade da matéria que o recorrente levou às conclusões B5 e B6, no âmbito do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ainda que nelas se queira ver, o que não é imediatamente acessível, a impugnação do acórdão recorrido (o da relação), nesse aspecto.
A conclusão B7, aparentemente extrai das anteriores [as conclusões B5 e B6] consequências, no plano de o acórdão incorrer em omissão de pronúncia, mas a expressa referência à “ostracização da conclusão 13.ª da motivação anterior” esclarece, pelo menos, que, na análise do arguido, a omissão de pronúncia não radicará na falta de conhecimento, pela relação, dos vícios que ele apontou à valoração das suas declarações, na medida em que essa conclusão [a B13, do recurso para a relação] é o repositório de todos os pontos da matéria de facto que o arguido impugnou por incorrectamente julgados.
Na conclusão B31 o arguido refere-se, ainda, à valoração das declarações que prestou no caso “HH”, para salientar, afinal, um erro na apreciação da prova (na valoração da suas declarações, ademais concordantes com as da testemunha Eng.ª F… B…), novamente incorrendo na desconsideração dos poderes de cognição deste Tribunal.      
Faz o arguido, novamente, referência ao tal pré-juízo, na conclusão B33, a propósito da “primeira frase do acórdão de fls. 93”. Se parece claro que o arguido censura o tribunal por condicionamento na apreciação da prova, condicionamento esse decorrente de uma convicção formada antes da produção da prova, já não é isenta de dúvidas a referência, ficando-se sem saber a que acórdão quer o recorrente aludir, se ao da 1.ª instância ou se ao recorrido.
Com efeito, a alegação contida na conclusão B33 ganharia em conteúdo se se referisse, não ao acórdão recorrido, mas ao acórdão da 1.ª instância, no qual a primeira frase de fls. 93 (já respeitante à motivação da decisão de facto) é a seguinte: «Também a testemunha M… I…M… da C… F… L…, assistente técnico da D... M... de A... do T... e que prestava apoio à parte administrativa, pese embora, conforme se pode aquilatar do respectivo registo magnético, apresentasse um depoimento tímido e que se via de algum modo constrangido, acabou por referir que relativamente a alguns processos que se encontravam no DMAT a sua saída não era autorizada sem o consentimento ou autorização do arguido expressando a ideia de que alguns processos (que referiu não consegui identificar) não foram logo disponibilizados pelo arguido, quando solicitados, alguns dos quais ficavam algum tempo no gabinete do mesmo.» A reportar-se essa alegação ao acórdão recorrido a mesma escapa à nossa compreensão. Com efeito, a primeira frase da página 93 – a que se inicia nessa página –, e não obstante as deficiências que se detectam na paginação do acórdão e que o recorrente tão veementemente verberou (ponto A2.1. da motivação), inserida na fundamentação de direito é esta: «Alega o recorrente que a decisão recorrida confunde um contrato gratuito com um contrato unilateral e não aponta ao recorrente a prática de qualquer acto ilícito nulo ou substancialmente inválido. Mas, como se viu, não consta dos elementos do tipo de crime a existência ou não de contratos formal ou até materialmente inválidos. Estando centrado, antes, na prática de actos em violação dos deveres do cargo.» Segue-se-lhe a afirmação de que se passará a especificar um pouco mais, caso a caso.
Em que aspecto, neste introito, radicará o pré-juízo é tarefa de que o recorrente se desincumbe.
Mas se a tese do pré-juízo assenta, como parece, em o tribunal não ter iniciado o julgamento «possuído de um infrangível espírito de tábua rasa, o qual deve prolongar-se por toda a produção de prova e ser extensivo, em suma, à sua postura intelectual até ao fim, incluindo as últimas declarações do arguido (artigo 361.º do CPP)» (da motivação), é ao erro na apreciação da prova que, afinal, se reconduz, e, por conseguinte, a matéria subtraída à apreciação deste Tribunal.           
Refere-se o arguido, mais uma vez, à valoração das suas declarações na conclusão B35, censurando o tribunal (embora se fique na dúvida sobre qual o tribunal que visa, se a 1.ª instância, se a relação, ou se ambos, pois a relação, conhecendo de facto, manteve a decisão proferida pela 1.ª instância em matéria de facto) por ter incorrido no vício da alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP (contradição insanável da fundamentação) ao valorar positivamente as suas declarações quanto aos factos 1.4. a 1.9., novamente desconsiderando os poderes de cognição deste Tribunal.
            7.3. Valoração de prova proibida
            7.3.1. Na conclusão B11, o arguido suscita a questão de ter sido valorada prova proibida.
            A valoração do depoimento das testemunhas, afectadas por temor, conformaria uma violação do artigo 126.º, n.º 2, do CPP.
7.3.2. Não obstante a limitação dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça tem-se entendido que a fiscalização sobre o eventual uso de um método proibido de prova é uma questão de direito de que deve tomar conhecimento, ainda que, em última análise, se reporte à matéria de facto, já que podem estar em causa direitos, liberdades e garantias essenciais para o cidadão, desde que seja recorrível a decisão final do processo onde se verificou a situação[21].
            A lei (artigo 126.º, n.º 1, do CPP), proíbe as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou mental das pessoas, e especifica (no n.º 2 do mesmo artigo) os meios de obtenção de prova ofensivos da integridade física ou mental das pessoas.
            7.3.3. Na tese que ensaia, o arguido desconsidera, manifestamente, o regime legal dos métodos proibidos de prova.
            A invocação do “ambiente de temor” (passivamente suportado pelas instâncias) que subjugava certas testemunhas, e que inquinaria os seus depoimentos, de modo a que não devessem ter sido admitidos, é sugerido ao recorrente por determinadas afirmações feitas, pela 1.ª instância, ao longo da motivação da decisão de facto. 
            Assim, por exemplo: quanto ao depoimento da testemunha QQ, «O depoimento desta testemunha que nos pareceu sincero e seguro, no relato efectuado, foi evidenciador da situação de constrangimento e até diremos, algum “temor” perante a pessoa do arguido AA (a testemunha referiu não se sentir à vontade, intimidada perante aquele), o que a levou a não se dirigir directamente ao mesmo para solicitar o processo e a contactar a sua superior hierárquica para saber o modo como agir»; «Os depoimentos testemunhais prestados pelas testemunhas M… P…, RR, TT e mesmo da testemunha M… L…, prestado “quase a medo” e com nítido constrangimento, são reveladores do sentimento de algum “temor” e constrangimento relativamente à pessoa do então DMAT e da forma como o arguido usando do seu prestigio e autoridade actuou procurando defender os interesses do empresário JJ»; relativamente ao depoimento de TT, «A avaliação crítica do depoimento prestado, onde se surpreende algum temor e reverência da testemunha relativamente à pessoa do arguido e relativamente ao qual não se vislumbra qualquer fundamento para que se questione a sua veracidade (…)».
            A questão do “clima de temor” em que foram prestados alguns depoimentos foi levada pelo arguido ao conhecimento da relação (conclusão B8 do recurso interposto para aquela instância), então, servindo-lhe apenas para censurar o tribunal por violação do artigo 323.º, alínea e), do CPP.
O acórdão recorrido trata especificamente este aspecto do recurso do arguido, integrando-o no âmbito da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, no qual ele se integra, como a transcrição efectuada demonstra (no ponto subordinado ao título «As conclusões 7 a 12 referem-se à violação do direito de defesa»).
Agora, “o constrangimento” com que alguns depoimentos terão sido prestados ou que se reflectiu na actuação das testemunhas perante o arguido aquando dos acontecimentos sobre que recaíram os respectivos depoimentos já lhe serve para, num grau superior de crítica, convocar a nulidade da prova proibida, “do processo relativo aos J... do M...”.
É evidente que o “constrangimento” das testemunhas, tal como é referenciado na motivação da decisão de facto da 1.ª instância, não suporta a alegação de que os respectivos depoimentos foram obtidos mediante os meios especificados nas alíneas do n.º 2 do artigo 126.º; esses depoimentos não foram obtidos mediante ofensas à integridade física ou mental infligidas às testemunhas.
Do que se tratou, como a motivação da decisão de facto esclarece, foi de uma atitude subjectiva de certas testemunhas, de “reverência”, “temor” ou “medo” perante a pessoa do arguido, evidenciada nos seus depoimentos, tanto na forma como foram prestados como nos acontecimentos sobre que prestaram os respectivos depoimentos.
A possível afectação das testemunhas pelos “sentimentos” demonstrados para com o arguido cabe, exclusivamente, no plano da livre valoração da prova (permitida), e, diga-se, não há poderes de disciplina e direcção da audiência susceptíveis de “resolver” sentimentos difusos de constrangimento.
7.4. Violação do princípio in dubio pro reo
Na conclusão B49 alude o arguido a uma violação do princípio in dubio pro reo. 
Este princípio, enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova, do princípio político-jurídico da presunção de inocência, traduz-se na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. Opera, exclusivamente, sobre o regime do ónus da prova – a dúvida resolve-se a favor do arguido.
Ao convocar a violação do princípio in dubio pro reo, desconsidera o arguido, mais uma vez, que o recurso da relação para o Supremo Tribunal de Justiça – puramente, de revista – terá de visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais «erro(s)» das instâncias «na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa», como já tivemos ocasião de destacar.
            «Tendo o recorrente podido dispor do seu recurso de apelação para discutir a decisão de facto do tribunal colectivo, vedado lhe ficou pedir depois ao Supremo Tribunal, em revista, a reapreciação da decisão de facto tomada pela relação.
            «E isso porque a competência das relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o eventual mau uso do poder de fazer actuar aquela competência, reeeditando-se no Supremo Tribunal de Justiça pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a tal decisão invocadas perante a relação, bem como as que poderiam ter sido.»[22]
7.5. Os vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP       
            Convoca o arguido os vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, nas conclusões B35 (a que já nos referimos), B43 (contradição insanável da fundamentação – alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º) e B52 (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º). Na perfunctória perspectiva de que ele se situa, efectivamente, no quadro dos vícios que expressamente invoca, por via deles pretendendo obter a anulação do julgamento, o recurso, nessa vertente, não é admissível.
«O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, apenas conhece de tais vícios oficiosamente, se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, uma vez que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (artigo 434.º do CPP).»[23]
***
***
***
8. As nulidades arguidas no recurso do arguido
            8.1. Dedica-se o arguido, preferencialmente, à arguição da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.
Segundo o n.º 1 do artigo 379.º do CPP, é nula a sentença: «c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).»
A nulidade da primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP ocorre quando o tribunal deixe de apreciar questão de que devia conhecer. Mas uma coisa é o tribunal omitir pronúncia sobre questão que devia apreciar, outra é o tribunal, conhecendo da questão, deixar de apreciar qualquer argumento, razão ou consideração produzida, a propósito. O que importa é que o tribunal decida a questão.
Como já ensinava Alberto dos Reis e constitui doutrina e jurisprudência pacificamente adquiridas: «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão»[24].
            8.2. Será de acordo com esse entendimento que se analisará o recurso, quanto às invocadas omissões de pronúncia, podendo, desde já, adiantar-se que outro é, necessariamente, o entendimento do arguido.
            Na sua perspectiva das coisas, cada argumento, cada razão por si aduzida careceria de ser especificada e exaustivamente tratada para que a decisão recorrida não incorresse em omissão de pronúncia.
            O arguido, no recurso para a relação, depois de invocar o pré-juízo que contaminou a apreciação da prova, a violação dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), e 343.º, do CPP, e 32.º, n.º 1, da CRP, a propósito de considerações tecidas a respeito das suas declarações, a violação do artigo 323.º, alínea e), do CPP, quanto ao “clima de temor” que afectou a produção da prova testemunhal, de considerações genéricas, a propósito do tipo de ilícito de corrupção [conclusões B9 a B12], formulou uma conclusão, a B13, na qual, começando por afirmar o cumprimento do n.º 3 do artigo 412.º do CPP mas, simultaneamente, alegando, sem qualquer concretização, que o acórdão da 1.ª instância incorreu em todos os vícios elencados nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, especificou os pontos da matéria de facto que considerava incorrectamente julgados.
            Em seguida, argumentou relativamente às situações descritas nos factos provados e que conduziram à sua condenação.
            Assim:
            – as conclusões B14 a B29 referem-se à situação 1 (caso J... do M... / JJ);
            – as conclusões B30 a B40 referem-se à situação 3 (caso LL);
            – as conclusões B41 a B50 referem-se à situação 4 (caso NN);
            – as conclusões B51 a B53 referem-se à situação 5 (caso GG);
            – as conclusões B54 a  B62 referem-se à situação 6 (caso DD);
             – as conclusões B63 a B71 referem-se à situação 7 (caso EE);
            – as conclusões B72 a B84 referem-se à situação 10 (caso MM);
            – as conclusões B85 a B93 referem-se à situação 11 (caso HH).
            Nessas conclusões, a argumentação do arguido dirige-se tanto à censura da decisão proferida sobre matéria de facto, por vezes convocando prova produzida em audiência e especificando concretas (pretendidas) alterações na decisão sobre matéria de facto, como à suscitação de questões de direito com relevância no quadro da subsunção jurídica dos factos.
            Podendo, pois, concluir-se que o arguido, no recurso para a relação, e quanto à decisão da 1.ª instância que conheceu, a final, do objecto do processo, suscitou duas questões nucleares: a do erro de julgamento em matéria de facto e a do erro de julgamento em matéria de direito.
Dessas duas questões tratou o acórdão recorrido, fundamentando, como a transcrição efectuada evidencia, quer por que julgou improcedente a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto quer as razões da subsunção jurídica dos factos provados, nos termos em que a ela procedeu.
            Concretamente, no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, a relação, não obstante as dificuldades assinaladas, no acórdão, decorrentes da “técnica” usada pelo arguido de invocar «indistintamente questões de facto (vícios do artigo 410.º, n.º 2, e questões relativas aos meios de prova e sua apreciação) e questões de direito, imbricando-as», não deixou de se referir à argumentação do arguido, individualizando o tratamento da argumentação implicada em numerosas conclusões.
            Também no quadro do conhecimento de direito, por erro de subsunção, a relação, fundamentou as razões por que julgou verificados os crimes por que o arguido havia sido condenado na 1.ª instância, ou seja, «o preenchimento, pela matéria provada dos elementos típicos», observando que «na reapreciação da decisão proferida sobre matéria de facto foram sendo efectuadas referências a razões de direito que na motivação do recurso interposto pelo arguido enovelam a impugnação da matéria de facto, atenta a forma imbrincada da motivação de recurso».
             Ora, só seria fundado arguir a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, quanto ao recurso em matéria de facto ou em matéria de direito se a relação tivesse deixado de exercer os seus poderes de cognição, nessas matérias.
            O que, evidentemente, não foi o caso.
8.3. Isto dito, vejamos as apontadas omissões de pronúncia.
A omissão de pronúncia por “ostracização” da conclusão 13.ª do recurso para a relação – a que já aludimos –, a que se refere a conclusão B7.
 Carece de sentido a arguição da nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que, constituindo aquela conclusão 13.ª o repositório dos factos que o recorrente especificou como incorrectamente julgados, pressuporia que a relação tivesse deixado de conhecer do recurso em matéria de facto, realidade que não se verifica.
            A omissão de pronúncia pela ignorância a que a 2.ª instância votou as conclusões B15 a B20 do recurso para a relação, invocada nas conclusões B8, B9, B14, B15, B16 do recurso para este Tribunal.
            Nas conclusões B14 a B29 do recurso para a relação, o arguido impugna a decisão da 1.ª instância quanto ao caso JJ – J... do M..., argumentando com passos da motivação da decisão de facto (fls. 88, 89 e 102) e da fundamentação de direito (fls. 276, 277, 240 e 241) da decisão recorrida, convocando prova testemunhal, quanto a determinados pontos, censurando a decisão, por relevar de “estrénue subjectivismo” e de variadas “confusões”, entre elas, “jurídicas” e destacando erro de direito consubstanciado na violação do princípio da legalidade.
            A impugnação é, pois, uma amálgama de questões, quer de facto, quer de direito.
            A efectuada transcrição do acórdão da relação, mostra que a relação conheceu da impugnação de facto em termos amplos, nomeadamente, pronunciando-se sobre depoimentos convocados pelo arguido, mas, quanto aos “pré-juízos” e “confusões” e, nomeadamente, quanto à matéria levada às conclusões B14, B15, B16 a B20, fundamentou por que a impugnação do arguido não radicava no âmbito da impugnação de facto, nomeadamente, no quadro dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, situando-se, antes, no plano do direito.
            No momento em que fundamentou a qualificação jurídica da conduta do arguido, relativa ao caso JJ – J... do M..., a relação esclareceu longamente por que entendeu preenchidos os pressupostos do crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo artigo 372.º do CP, e, por ser assim, na justificação positiva das razões da confirmação da qualificação jurídica operada na 1.ª instância – não interessa, neste momento, à questão que nos ocupa, saber se bem se mal –, já se contém a análise reclamada, quanto aos erros de direito, pela impugnação a que o arguido procedeu.
            Aliás, mesmo no contexto da omissão de pronúncia, que suscita, no recurso para esta instância, o que o arguido acaba por destacar são os erros de direito da decisão recorrida., como claramente é evidenciado pelas conclusões B10 e B15.
            Nas conclusões B30 a B44 do recurso interposto para a relação, o arguido centra-se na impugnação da decisão da 1.ª instância quanto ao caso LL.
            Pretende, agora, no recurso para este Tribunal que a relação incorreu em omissão de pronúncia, quanto à matéria das conclusões 30 e 31, 36 e 37, como resulta das conclusões B17, B18 e B21. Parecendo que é na mesma linha que formula a conclusão B12.
            Ora, na conclusão 30 do recurso para a relação, o arguido sustenta que “no concreto aspecto das moradias 10 e 11” não incorreu em qualquer ilegalidade, não se verificando, pois, este elemento constitutivo do tipo do artigo 372.º, n.º 1, do CP, na conclusão 31, censura o tribunal por não ter tido em consideração dados decorrentes de diplomas legais, e, nomeadamente, o depoimento da testemunha TT, nas conclusões 36 e 37, refere-se, especialmente, à omissão de qualquer referência ao putativo concreto acto ou omissão de natureza ilícita que pudesse dar respaldo a uma condenação.
            No âmbito do conhecimento em matéria de facto, por erro de julgamento e no quadro dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, a relação ponderou a matéria alegada nas conclusões relativas ao “caso LL”, sem deixar de notar – e bem – que a matéria nelas contida respeitava exclusivamente à questão de direito.
            Por outro lado, na fundamentação de direito da decisão da relação, mostram-se esclarecidas as razões da subsunção da conduta do arguido, no que ao caso LL respeita, ao crime de corrupção passiva para acto ilícito do artigo 372.º, n.º 1, do CP, assim se justificado positivamente a improcedência da alegação do arguido centrada na falta de verificação dos elementos constitutivos do tipo.
            Por ser assim, a questão não seria de omissão de pronúncia, quanto à matéria que levou às conclusões destacadas, mormente as conclusões B36 e B37, mas, antes, de erro de julgamento, decorrente, nomeadamente, da “ignorância” de ramos do direito que a apreciação da matéria reclamava. Aliás, não se vê como poderia, em concreto, ser apreciada a vaguidade contida na conclusão 31 quando nela o arguido afirma que «o tribunal não tomou em consideração os dados legais decorrentes de diplomas tais que os Decretos-Lei n.os 555/99, de 16 de Dezembro (na versão actualizada decorrente do Decreto-Lei n.º 177/2001, de 6 de Junho) – como tal violando os respectivos comandos» (sic).
            Quanto à questão do disposto nos artigos 230.º, n.º 2, 2.º e 13.º do Código Comercial ter sido «objecto do absoluto menosprezo por banda do tribunal» (conclusão B34 do recurso para a relação), agora contida na conclusão B12, a afirmação do arguido não se mostra sustentada na medida em que a relação ponderou a alegação de que “não é expectável assacar ao LL (…) que não é nem nunca fora anteriormente construtor civil, qualquer pretensão perante a Câmara”, para, afinal, sustentar que a demonstração das pretensões do LL perante a Câmara resulta das circunstâncias descritas em 3.3., a saber: «– notificações pessoais efectuadas pela Câmara ao dito LL, relativas aos dois Lotes de terreno que o mesmo dito LL fez doação a suas duas filhas, com implantações construtivas em apreciação na Câmara em curso.»    
            Na conclusão B22 do recurso interposto para este Tribunal, o arguido pretende que a relação incorreu, mais uma vez, em omissão de pronúncia por não ter refutado “o argumentário do recorrente” no tangente às conclusões B45 a B48 do recurso interposto para a relação. Ora, nestas conclusões, respeitantes ao caso NN, o arguido, na conclusão B45, trata de censurar o tribunal (a 1.ª instância) pela referência à entrega dos cheques ter sido efectuada na Câmara Municipal de ... (ponto 4.1. da matéria de facto provada) e, nas restantes, censura a decisão por erro de subsunção porque, afinal, a sua alegação centra-se em o crime do artigo 372.º, n.º 2, do CP, só poder «afirmar-se quando o agente pede ou aceita uma vantagem que lhe não seja devida, o que circunscreve a relevância típica dos “pedidos” ou “aceitações” de vantagens para as quais não exista explicação razoável alheia ao exercício da função pública, o que não é o caso do recorrente».
            Ora, a questão do erro de subsunção foi efectivamente apreciada no acórdão da relação, no momento próprio, ou seja, aquando da fundamentação de direito (pp. 100 e 101, do acórdão recorrido). Bem ou mal, o que em sede da apreciação da nulidade por omissão de pronúncia não releva, a relação concluiu que “a vantagem” era indevida.
            A refutação do argumentário do recorrente não teria, em vista dele, a sua sede própria no âmbito do conhecimento de facto mas, antes, no do conhecimento de direito. De qualquer modo, sempre a relação afirmou a correcção da decisão proferida sobre matéria de facto, dizendo, nomeadamente, «Assim, para além da inexistente especificação de fundamentos probatórios que infirmem a decisão recorrida, relativamente a concretos pontos de matéria de facto, a motivação probatória acabada de reproduzir afasta, manifestamente, (a) alegação do recorrente de que se trata de mera prova por inferência, repousando antes, numa análise crítica e objectiva da prova testemunhal apenas complementada pela prova por declarações cujos conteúdos não são postos em causa». Com efeito, parece que o arguido, na sustentação das “ínvias ilações”, que conduziram às “censuráveis consequências da perspectiva jurídico-criminal”, se limitou, ele sim, a extrapolações do facto de ter sido dado por provado que os donativos foram efectuados na Câmara.
            Nas conclusões B23 e B24 do recurso para este Tribunal, de novo a arguição de uma omissão de pronúncia, por falta de reflexão e resposta por parte da relação quanto à matéria levada às conclusões B51 e B52 do recurso interposto para aquela instância.
            Bem vistas as coisas, nessas conclusões B51 e B52 do recurso para a relação o que o arguido põe em causa é que os factos provados integrem o tipo de ilícito por que, quanto ao caso GG, foi condenado, matéria que a relação apreciou, não incorrendo, pois, nesse aspecto, em omissão de pronúncia. E o “estarrecimento” do arguido sobre como, apesar de não se ter provado que a sua actuação concreta tenha beneficiado ou de qualquer forma consubstanciado qualquer acto ilegal nos procedimentos em curso, foi possível condená-lo (conclusão B52 do recurso para a relação) terá sido afastado pela consideração de que os factos, no caso GG, integravam o tipo do artigo 373.º, n.º 2, do CP.
            Outra “ostensiva e gritante” omissão de pronúncia é arguida na conclusão B25 do recurso para este Tribunal, a propósito do não tratamento da matéria das conclusões B54 a B62 do recurso do arguido para a relação, relativas ao caso DD.
            A alegação produzida nessas conclusões centra-se, em síntese, na censura à consideração da actuação do arguido como ilegal, nesse caso, visando o arguido a alteração da decisão proferia sobre matéria de facto, quanto aos pontos 6.6. e 6.14., e a adição do seguinte: «Que não se provou que o arguido tenha praticado, em concreto, qualquer acto ilícito ou contrário aos deveres do seu cargo no intuito de obter vantagens indevidas que lhe fossem prestadas por DD».                        
            Esta alegação foi, com suficiência, apreciada no âmbito do conhecimento amplo em matéria de facto, não deixando a relação de esclarecer as razões por que a alegação, nesse âmbito, era improcedente. Mas, no quadro da apreciação de direito, a relação também a ponderou e fundamentou por que o arguido praticou actos contrários aos deveres do seu cargo, no caso DD. Tanto basta para que a invocada omissão de pronúncia se mostre desprovida de fundamento.
            Nas conclusões B26 e B27 do recurso para este Tribunal conclui o arguido, “como de costume”, quanto à nulidade por omissão de pronúncia, no caso EE. Sem especial preocupação de concretização do aspecto em que radicaria a nulidade, não deixa o arguido de referir que o tribunal dedicou «à problemática quatro páginas, das quais duas e meia são a mera reprodução do acórdão recorrido». Esta referência – que, embora incorrecta, é, em si mesma, contraditória com a invocação da nulidade – permite localizar a arguida omissão no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão sobre matéria de facto. Tendo a relação, depois de enunciar a alegação do recorrente, fundamentado, com suficiência (e sem transcrição do acórdão recorrido, neste ponto, o que, diga-se, não seria ilegítimo), as razões da improcedência do recurso do arguido, nesse âmbito, quanto ao caso EE, é evidente que não se detecta qualquer omissão de pronúncia.   
            Também é a uma omissão de pronúncia que o arguido se refere, ainda a propósito do caso EE, por falta de concretização dos “significativos e importantes pareceres” objecto da conclusão B66 do recurso para a relação. Nessa conclusão B66 o arguido referiu-se a inciso constante da motivação da decisão de facto da 1.ª instância, “significativos e importantes pareceres”, criticando o tribunal por não os ter identificado. Ora, na conclusão B27 do recurso interposto para este Tribunal, pretende o arguido que desses “significativos e importantes pareceres” «apenas se tem conhecimento com base na declaração genérica da 1.ª instância, cuja (…) identificação ignora, cerceando-lhe destarte a possibilidade de apreciá-los e explicar, sendo cado disso, a respectiva razão de ser (…)».
            Se a motivação da decisão da 1.ª instância, em confronto com os factos provados, não deixava dúvidas sobre os pareceres a que se referia, a decisão da relação é também clara, neste ponto, concretizando-se, na fundamentação de direito, que esses “pareceres técnicos” outra coisa não são do que as informações lavradas pelo arguido, referidas nos pontos 7.2. e 7.7. dos factos provados. O que, aliás, o arguido não poderia desconhecer pois, na clara demonstração de que sabia quais eles eram e de que mais concretização não era requerida, na conclusão B66 do recurso para a relação afirmou «Pareceres estes, diga-se em abono da verdade, que sempre foram coonestados pela hierarquia». Afirmação que só se compreende sabendo o arguido quais eram os “significativos e importantes pareceres” pois, de outro modo, não faria qualquer sentido que o arguido afirmasse que esses pareceres “foram coonestados pela hierarquia”.
            Na conclusão B28, o arguido, embora não a invoque expressamente, parece continuar a referir-se a uma omissão de pronúncia, desta feita por a relação não ter concretamente tratado a argumentação que produziu, quanto ao caso FF, constante das conclusões B72 a B84 do recurso interposto para a relação.
            Ora, no recurso interposto para a relação, no quadro dessas conclusões, o arguido impugna os factos dados por provados, concretamente quanto ao caso do elevador, propondo alterações de redacção para os pontos 10.10., 10.18., 10.19., 10.20. dos factos provados (conclusões B79, B81, B82), a eliminação dos pontos 10.15. e 10.21. dos factos provados (conclusões B80 e B83) e o aditamento de determinada matéria de facto, que concretiza (conclusão B84), especificando prova produzida em abono dessas suas pretensões (testemunhas L… M… S… C… e V… J… A… da C…).
            Claro que, no âmbito da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, o arguido não deixa de tecer considerações sobre os elementos do tipo do artigo 372.º, n.º 1, e a sua não verificação (no caso do elevador).
            A relação apreciou o recurso, quanto ao caso YY, na perspectiva da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto e justificou por que o mesmo era improcedente. Também no plano da fundamentação jurídica, a relação esclareceu as razões por que confirmou a subsunção jurídica dos factos efectuada na 1.ª instância.
            Claro que o arguido pode discordar da apreciação a que a relação procedeu do seu recurso, no aspecto referente ao caso YY, nomeadamente por uma limitada compreensão do seu objecto, mas isso não significa que se verifique uma omissão de pronúncia.
            Na conclusão B58, a propósito, ainda, do caso MM, mas no respeitante ao prédio da Rua J… M…, o arguido invoca «mais uma situação de omissão de pronúncia» por a relação não se ter dignado «prejudicar os argumentos expendidos», por si.
            Claramente se manifesta, pois, a compreensão que o arguido tem da nulidade de omissão de pronúncia. Não a omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal devesse apreciar mas a omissão de ponderação de argumentos aduzidos, quanto a questões efectivamente apreciadas, isto é, questões de que o tribunal tomou conhecimento.
            De todo o modo, o arguido abstém-se de qualquer concretização, ainda que sumária, dos tais argumentos que expendeu e cujo conhecimento a relação omitiu. A aceitar-se que essa concretização pudesse constar da motivação, como a menção «como ficou demonstrado na motivação conf. A23» sugere, em vão se procura, nesse ponto da motivação, substrato adequado a uma arguição de omissão de pronúncia porque, centrando-se esse ponto, na impugnação da decisão de direito, de condenar o arguido pela prática de um crime p. e p. pelo 373.º, n.º 2, a questão aparenta estar mal colocada; não seria de uma omissão de pronúncia de que se trataria mas de um erro de direito, pois que, quanto à relação ter fundamentado a subsunção jurídica dos factos, não há qualquer dúvida.     
            Na conclusão B32 censura o arguido a relação por ter descurado matéria relativa ao caso HH, levada ao conhecimento da relação na conclusão B88 do recurso interposto para aquela instância. Não é claro qual o vício que o arguido imputa, neste ponto, ao acórdão da relação em nada contribuindo a alegação de que «redundaram violadas as conclusões B88 e B89» (do recurso para a relação) para o esclarecer. Antes pelo contrário.
            Admite-se, no entanto, que, ainda neste ponto, o arguido vise arguir uma omissão de pronúncia, o que é sugerido pela alusão ao facto de a relação ter descurado, em absoluto, matéria compreendida, ainda que de forma implícita, na conclusão B88.
            Nessa conclusão do recurso interposto para a relação, o arguido sustenta uma determinada compreensão que deveria merecer a “dimensão” em que procedeu a uma correcção de «um despacho errado de uma subordinada». Reporta-se essa conclusão à matéria de facto dada por provada nos pontos 11.22. e 11.23., matéria sobre a qual a relação se debruçou quando conheceu da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, embora remetendo, de forma extensa para a motivação da decisão de facto da 1.ª instância, e quando conheceu da qualificação jurídica dos factos, também neste ponto assumindo a fundamentação de direito da 1.ª instância, que reproduziu. Procedimentos que, em si mesmos, nada têm de ilegítimo. Pois bem. A fundamentação de direito revela que os factos dados por provados nos pontos 11.22. e 11.23. conformam meramente um dos episódios a que se atribuiu significado exemplificativo de uma conduta que ressalta do «encadeamento de todos os factos descritos na situação [a situação 11]», sendo da compreensão de todos eles que decorre «uma actuação arbitrária, lesiva dos princípios da igualdade de tratamento e paridade dos administrados perante a administração pública, isenção e imparcialidade». Por ser assim, ainda que a relação tivesse deixado de apreciar a concreta argumentação do arguido quanto «à “célebre” questão do prazo mal contado» sempre se trataria de uma omissão anódina.          
            8.4. Nas conclusões B34, B44 e B48 o arguido centra-se na arguição da falta de fundamentação.
Na conclusão B34 alude o arguido a uma nulidade, por ausência de motivação, «violadora do disposto no art. 374.º-2, do CPP e, destarte, inconstitucionalizadora do genérico dever de motivação, ex vi, art. 205.º da CRP», a propósito do «item A15.2 do 1.º recurso».
            Conhecer desta arguida nulidade pressupunha, como antecedente necessário, conhecer aquilo com que o tribunal «não entrou em linha de conta» e que teria sido «referido de espaço» no item A15.2.do 1.º recurso.
            O que veio a mostrar-se tarefa não isenta de dificuldades. A primeira dificuldade prendeu-se, imediatamente, com a identificação de qual seria o primeiro recurso: o recurso interlocutório ou o recurso da decisão final da 1.ª instância. Dificuldade essa que foi suplantada por uma outra: em nenhum desses recursos haver o item A15.2.
            Na hipótese de se tratar de um lapso na identificação do item, querendo o arguido referir-se, afinal, ao item A1.5.2. do recurso interposto do acórdão da 1.ª instância, vê-se que ele se insere «de jeito incidental» no retomar da crítica à não admissão da produção de prova pericial (item A.1.5.1.) e na problemática relativa ao artigo 7.º do CPP, matéria objecto do recurso interlocutório, por cuja inadmissibilidade já nos decidimos (ponto 3.).     
            Na conclusão B44, pretende que «a afirmação da decisão» não concretiza «minimamente quais as quantias monetárias que aceitou para si, nem a respectiva proveniência» o coloca «na medonha situação de não pode exercer o contraditório, com violação do artigo 374.º-2 do CPP e 32.º-5 da CRP».
            Destacar uma “afirmação da decisão”, ademais sem a localizar no texto da decisão, para, por via dela, pretender que há falta de fundamentação que o impossibilita de exercer o contraditório, parece-nos um exercício inconsistente.  
            As quantias monetárias que o arguido aceitou, para a AA...-OAF e para si, estão claramente indicadas nos factos dados por provados, e é aí que releva que o estejam, para que o arguido possa exercer com plenitude a sua defesa.  
            Na conclusão B48, invoca violação dos artigos 97.º e 374.º, n.º 2, do CPP e 205.º da CRP, «face às reiteradas omissões de pronúncia, por um lado e a não especificação ou concretização de quais os actos contrários aos deveres do cargo, por outro».
            O acórdão da relação esclareceu as razões por que confirmou a condenação do arguido, pelos crimes de corrupção, como a transcrição efectuada da fundamentação de direito do acórdão demonstra.
            Aí constam os motivos de direito da decisão, permitindo ao arguido discuti-los, no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, como, efectivamente, o faz, com o que se encarrega de esvaziar de conteúdo a alegação de que foi colocado na situação de não poder exercer o contraditório.
            Tanto mais quanto é clara a posição da relação, coincidente com a da 1.ª instância, quanto às razões por que considerou preenchidos os elementos típicos da corrupção, tanto para acto ilícito (artigo 372.º, n.º1) como sem demonstração do acto concreto pretendido (artigo 373.º, n.º 2), nomeadamente, nos aspectos da concretização das “vantagens indevidas” e dos “actos contrários aos deveres do cargo”.
            Não cabendo, agora, qualquer análise sobre o bem ou o mal fundado da decisão, ou seja, qualquer apreciação de mérito, mas tão só averiguar da suficiência da fundamentação, em sede de qualificação jurídica dos factos, ter-se-á, por conseguinte, de concluir pela insubsistência da arguição da nulidade do acórdão da relação, por falta de fundamentação.
***
***
***
9. A violação do princípio do contraditório e do direito ao recurso (conclusões B13, B37 e B53)
            É a respeito da posição da relação quanto ao parecer da autoria de Figueiredo Dias e Costa Andrade, que deu aos autos na fase de recurso para a relação – e cuja junção aos autos foi admitida – que o arguido vem invocar o prejuízo para o seu direito de defesa, por ter sido inibido de exercer o contraditório e, até, ter sido espoliado do direito ao recurso.
            Tal parecer debruça-se sobre a questão, objecto da consulta, de saber se «se pode considerar juridicamente correcta a decisão do Tribunal na parte em que condenou o arguido por um crime continuado de corrupção passiva para acto ilícito, previsto no artigo 372.º, n.º 1, do CP, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro» e, concretamente, sobre se:
            «a) a solicitação ou a aceitação de vantagens pelo arguido podem considerar-se indevidas. Com efeito, as distintas normas penais que incriminam as diversas modalidades de corrupção passiva exigem, como elemento típico, que a vantagem patrimonial ou não patrimonial “não lhe seja [ao funcionário] devida”. Assim, o cerne desta interrogação prende-se com a possibilidade de considerar indevidas vantagens patrimoniais que eram destinadas ao financiamento da AA...-OAF;
            «b) se pode considerar correcta a condenação do arguido por um crime de corrupção passiva para acto ilícito, na forma continuada, questão que não prescinde da ponderação das várias “situações” (na terminologia usada no Acórdão) inicialmente configuradas na perspectiva da unidade criminosa e só depois consideradas nos quadros do crome continuado.»
            O parecer situa-se, pois, na análise de direito dos factos dados por provados no acórdão da 1.ª instância e mais não consubstancia do que um contributo teorético – seguramente valioso dada a qualidade dos seus subscritores – para a decisão da questão de direito (quanto ao crime continuado de corrupção passiva para acto ilícito, já que o parecer não abarca o crime de abuso de poder).
            Ora, o acórdão, como resulta da transcrição da fundamentação de direito que efectuámos (e também, por isso, a ela procedemos) esclarece as razões por que a relação decidiu manter a qualificação jurídica dos factos já operada na 1.ª instância, justificando por que entendeu, relativamente, às situações 1, 3, 6, 7 e 10 (prédio da Rua V… de C…), que as condutas do arguido eram subsumíveis ao tipo de corrupção passiva para acto ilícito, do artigo 372.º, n.º 1, do Código Penal, e, relativamente às situações 4, 5 e 10 (prédio da Rua J… M…), que as condutas do arguido eram subsumíveis ao tipo de corrupção sem demonstração do acto concreto, do artigo 373.º, n.º 2, do Código Penal.
            É, precisamente, a fundamentação de direito do acórdão que permite ao arguido discuti-la e impugná-la, por via do presente recurso.
            A circunstância de a fundamentação de direito do acórdão não aderir à tese sustentada no parecer, em nada prejudica o contraditório e o direito de defesa do arguido, nomeadamente, na dimensão do direito ao recurso porque são, justamente, as razões explicitadas na fundamentação de direito do acórdão as que devem ser discutidas no recurso, no sentido de que são elas as que conformam o substrato da “questão de direito” cuja reapreciação é levada ao 3.º grau de jurisdição.  
            E são elas, afinal, que o arguido impugna e traz à discussão, neste Tribunal, continuando servir-se do parecer para efeitos da sua argumentação jurídica. E muito bem, aliás, porque assim se cumpre a sua função (a do parecer, claro).
            A dita sonegação do direito de exercer o contraditório, concretamente quanto ao aspecto de o acórdão não esclarecer quais os factos que o parecer pressupõe e que não foram dados por provados (conclusão B13), não tem razão de ser porque o que releva e interessa à defesa do arguido são os factos que o acórdão da relação considerou para efeitos de subsunção jurídica da conduta nas diversas situações. E não a compreensão (certa ou errada) que a relação demonstra ter alcançado da fundamentação do parecer. 
***
***
***
10. A qualificação jurídica dos factos
            Com base nos factos relativos às situações 1, 3, 6, 7 e 10, nesta, quanto ao prédio da Rua V… de C…, entendeu-se ter o arguido incorrido na prática do crime de corrupção passiva para acto ilícito, previsto no artigo 372.º, n.º 1, do Código Penal.
            Já com base nos factos relativos às situações 4, 5 e 10, nesta, quanto ao prédio da Rua J… M…, entendeu-se ter o arguido incorrido na prática do crime de corrupção passiva sem demonstração do acto concreto, previsto no artigo 373.º, n.º 2, do Código Penal.
            É à impugnação dessa subsunção jurídica das condutas que se dirigem, em primeira linha, as conclusões B15, B19, B36, B38, B39, B40, B41, B42, B45, B46, B47, B50, B51, B54, B55, B56, B57, B59, B60.
            10.1. À análise e conhecimento do recurso, no âmbito a qualificação jurídica dos factos, interessarão as considerações teoréticas que passaremos a produzir.
10.1.1. Na versão do Código Penal que resultou da reforma de 1995 (Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março), a corrupção passiva estava contemplada nos artigos 372.º e 373.º, prevendo o n.º 1 do artigo 372.º a corrupção passiva para acto ilícito ou corrupção própria e o n.º 1 do artigo 373.º a corrupção passiva para acto lícito ou corrupção imprópria.
            Dispunha o artigo 372.º, n.º 1:
            «O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa como contrapartida de acto ou de omissão contrários aos deveres do cargo, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.»
            E dispunha o artigo 373.º, n.º 1:
            «O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa como contrapartida de acto ou de omissão não contrários aos deveres do cargo, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.»
            A tutela da corrupção passiva reconduz-se, assim, às situações em que um funcionário, na acepção do artigo 386.º do CP, solicita ou aceita uma vantagem, patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, como contrapartida de um acto, lícito ou ilícito, passado ou futuro, que traduz o exercício efectivo do cargo em que se encontra investido[25], pressupondo sempre uma relação entre a vantagem auferida pelo funcionário e a realização de um acto compreendido na sua competência ou, pelo menos, nos “poderes de facto” dela decorrentes[26].
A corrupção própria e imprópria traduz-se, por isso, numa manipulação do aparelho de Estado pelo funcionário que, assim, viola a autonomia intencional do Estado, ou seja, em sentido material, infringe as exigências de legalidade, objectividade e independência que, num Estado de Direito, sempre têm de presidir ao desempenho de funções públicas[27].
            Como assinala Cláudia Santos[28], «o que o legislador pretende evitar com a incriminação da corrupção é sobretudo a criação da mera possibilidade de actuação, por parte do agente público, de acordo com critérios outros que não os estritamente objectivos».
            É, com efeito, numa ideia de transacção com o cargo, de mercadejar com o cargo, e, assim, na verificação de uma correspondência entre as “prestações” do corruptor (= peita ou suborno) e do funcionário corrupto (=acto de serviço) que radica a matriz dos crimes de corrupção[29]. Com independência, por conseguinte, de a actividade a que se destina a gratificação assumir carácter ilícito (artigo 372.º) ou lícito (artigo 373.º).
            A corrupção, no modelo do Decreto-Lei n.º 48/95, assenta numa situação em que – de modo real ou virtual – se combinam duas “prestações” recíprocas (daí o “pseudo-sinalagma” existente entre o suborno e a actividade do funcionário). O suborno tem de revestir, em concreto, o significado de “contrapartida” por um qualquer acto do funcionário. «Quer dizer, na altura em que se solicita, aceita ou promete, a peita deve actualizar já o sentido de uma “troca” ou “transacção” com o exercício do cargo. A conduta do funcionário pode, aliás, não se encontrar pré-determinada de forma precisa ou até ficar subordinada, quanto ao seu “se” e ao seu “como” à discricionariedade do agente, em razão do circunstancialismo que se observe no momento de a levar a cabo.»[30]
            10.1.2. Então, excluía-se no direito positivo português a hipótese de punir, a título de corrupção passiva, as dádivas realizadas, não com o objectivo imediato de conseguir um acto determinado, mas tão só com a finalidade de criar um clima de “permeabilidade” ou de “simpatia” para eventuais diligências que venham a requerer-se no futuro.
            Contrariamente à solução contemplada no Código Penal de 1886.
Segundo o artigo 322.º do Código Penal de 1886, «Se o empregado público aceitar por si ou por outrem oferecimento ou promessa, ou receber dádiva, ou presente de pessoa que perante ele requeira desembargo ou despacho, ou que tenha negócio ou pretensão dependente do exercício de suas funções públicas, ser-lhe-ão aplicadas as disposições do artigo 318.º e seus parágrafos [as disposições relativas ao crime de “peita, suborno e corrupção de empregado público”]».
A propósito do qual comentava Maia Gonçalves[31] (citando Jordão, Comentário, 3.º, pág. 249, e L. Osório, Notas, II, pág. 707): «A diferença está em que, na hipótese do art. 318.º há o suborno directo, fazendo-se ofertas e dádivas para um certo e determinado fim; enquanto na hipótese deste artigo o suborno é mais propriamente indirecto; porque pode um homem, que tem uma pretensão dependente da decisão de qualquer empregado, mandar-lhe um presente, sem declarar que com isto tem por fim obter decisão favorável. A lei supõe, com razão, que o empregado que, em tais circunstâncias, aceita a oferta, se deixa subornar».
«A letra do art. 322.º, do CP de 1886, abrangia, assim, mesmo as hipóteses em que o particular não tinha pendente qualquer pretensão concreta e apenas visava criar um clima geral de simpatia ou permeabilidade para o futuro. Se esse sentido se pudesse extrair inequivocamente da situação, o funcionário que aceitasse gratificação ou presente estaria a mercadejar com o cargo e, portanto, a invadir o campo da “autonomia intencional” do Estado, cometendo uma corrupção “passiva” consumada.»[32]
 Almeida Costa[33], reconhecendo que o direito positivo português excluía a hipótese de punir, a título de corrupção passiva, as dádivas realizadas com a finalidade de criar o tal clima de “simpatia”, admitia, contudo, excepções àquela regra, atendendo à natureza do bem jurídico protegido e ao carácter velado e indirecto que o processo conducente à corrupção por norma reveste, sustentando:
            «Assim deverá acontecer sempre que, à luz dos critérios da experiência comum, a simples dádiva – considerados de forma cumulativa, o seu exagerado valor e, por outro lado, as circunstâncias em que ocorreu ou a pessoa de que proveio – não se mostre justificável de outro modo, assumindo, inequivocamente, o aludido significado de criar um clima de “permeabilidade” ou “simpatia” para posteriores diligências. Aqui se inscrevem as situações que integravam o campo de aplicação do art.322.º do antigo CP de 1886.
            «Apesar de o direito actual não conter uma disposição idêntica, deve entender-se que tais hipótese se incluem no âmbito da previsão do artigo 372.º e ss., constituindo, por isso, autênticas corrupções passivas consumadas. Na verdade, se os presentes ou dádivas possuem inequivocamente aquele sentido, então, representam a contrapartida “virtual” de eventuais actos do funcionário a realizar no futuro, pelo que a sua aceitação implica, também, uma “transacção” com o cargo. Numa palavra, ainda aí se manifesta o “pseudo-sinalagma” que é apanágio do suborno e consubstancia a lesão efectiva da “autonomia intencional” do Estado, como bem jurídico do delito em apreço. (…)
            «A única dúvida que pode subsistir reconduz-se a saber se as hipóteses em análise se sancionam nos quadros da corrupção própria ou imprópria, uma vez que no momento do suborno, ainda não se definiu o acto do funcionário (lícito ou ilícito) a que ele se destina. Aquelas duas modalidades de corrupção violam o mesmo bem jurídico, apenas divergindo na gravidade de ofensa que envolvem. No presente contexto, conforme se referiu, a segunda constitui o “crime-base” ou “fundamental”, mais não representando a primeira do que uma sua “qualificação” ou “agravação”. Posto isto, dado que, a respeito das situações em causa não se prova, por definição, esse elemento qualificador ou agravante, o respectivo agente só poderá ser punido por corrupção passiva imprópria.»  
            10.1.3. A Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, introduziu mudanças no regime jurídico dos crimes de corrupção.
Se, antes, apenas se distinguia a corrupção para acto ilícito da corrupção para acto lícito, passaram a existir, com previsão legal expressa, três modalidades de corrupção: a corrupção para acto ilícito, no artigo 372.º, n.º 1, a corrupção para acto lícito, no artigo 373.º, n.º 1, e a corrupção sem demonstração do acto concreto pretendido[34], no n.º 2 do artigo 373.º.
Segundo o n.º 2 do artigo 373.º «na mesma pena [a pena de prisão até 2 anos ou a pena de multa até 240 dias, previstas no n.º 1 do artigo 373.º do CP para a corrupção passiva imprópria] incorre o funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial de pessoa que perante ele tenha tido, tenha ou venha a ter qualquer pretensão dependente do exercício das suas funções públicas».
A questão para cuja clarificação terá surgido esta norma prende-se com a possibilidade de considerar como ilícito típico o mero recebimento ou solicitação de uma qualquer vantagem por parte de um agente público, independentemente da demonstração de que essa vantagem visa a compensação de uma qualquer conduta, já adoptada ou a adoptar no futuro. Basta que aquela vantagem não seja compreensível no contexto das relações pessoais mas apenas no das relações funcionais[35].
Quando a vantagem só lograr compreensão no plano da funcionalidade, já constitui, à luz do regime da Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, crime de corrupção sem demonstração do acto concreto pretendido.  
Adverte Cláudia Santos[36] que o n.º 2 do artigo 373.º tem um conteúdo essencialmente clarificador, coincidente, no essencial, com o que a doutrina já considerava, antes da alteração legislativa, passível de enquadramento na corrupção passiva para acto lícito[37].
Não se trata, pois, de incriminar, sem mais, a aceitação de uma oferta por parte do funcionário. A punição continua a não prescindir da demonstração de que o recebimento ou solicitação da vantagem não têm uma qualquer outra justificação que não seja o mercadejar com o cargo (embora não se comprove o acto (determinado ou indeterminado, passado ou futuro) que a atribuição da vantagem visa compensar.
 Por isso, é que este novo n.º 2 parece ser um caso evidente de influência do direito processual penal no direito penal. A solução adoptada pelo legislador penal terá sido condicionada pelas dificuldades probatórias da conexão entre o suborno e o acto.
Relativamente aos “pagamentos de facilitação”, incriminados pelo n.º 2 do artigo 373.º, refere Paulo Pinto de Albuquerque[38] que «a nova incriminação tinha um objectivo político-criminal claro: alargar a tipicidade aos casos de vantagem solicitada ou aceite sem conexão com a prática de um acto concreto pelo funcionário. Tratava-se de situações de facto em que o corruptor visava criar junto do funcionário um “ambiente” favorável às pretensões do corruptor. Dito de modo apodíctico, a lei prescindia em definitivo da exigência de um sinalagma entre a vantagem oferecida pelo corruptor e uma contraprestação (o acto ou omissão) do funcionário (…)».
10.1.4. A Lei n.º 108/2001 introduziu, também, alterações de redacção nos tipos dos artigos 372.º, n.º 1, e 373.º, n.º 1.
Assim, o n.º 1 do artigo 372.º passou a ter a seguinte redacção:
«O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.»
E passou a ser a seguinte a redacção do n.º 1 do artigo 373.º:   
«O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão não contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.»
As alterações consistem na eliminação da referência à “contrapartida” do acto face à vantagem solicitada ou aceite pelo funcionário e pela previsão expressa da incriminação não só da corrupção antecedente mas também da subsequente.
Afinal, a alteração legislativa esclarece o âmbito da incriminação das normas relativas à corrupção passiva com um sentido próximo ao que já era defendido pela doutrina.
              «A substituição do segmento típico “como contrapartida de” pela referência a “para qualquer acto ou omissão” terá visado ultrapassar as dificuldades inerentes à prova daquilo a que se chamou o “sinalagma” entre a conduta do corrupto e a prestação do corruptor. No fundo, apesar de se dever considerar que o cerne da ilicitude continua a radicar na transacção com o cargo [o que supõe sempre «uma correspondência entre as “prestações” do corruptor (= peita ou suborno) e do funcionário corrupto (= acto de serviço) -], o legislador terá pretendido dar um sinal de que tal interdependência deve ser perspectivada de forma muito mais flexível do que a adoptada em várias decisões dos tribunais.
«Em suma: o entendimento de que estamos apenas perante um “pseudo-sinalagma”, com as várias consequências daí decorrentes e já referidas supra (v. g. respeitantes à desnecessidade da prática do acto para a consumação do crime, à desnecessidade de um juízo de proporcionalidade entre o valor do suborno e o valor ou importância do acto, à desnecessidade da prova de um acordo expresso para a adopção de uma conduta já perfeitamente determinada de forma precisa em todos os seus aspectos …) encontrou agora um forte suporte na alteração da lei. E também a previsão explícita da corrupção subsequente clarifica a ideia de que se pode lesar a autonomia intencional do Estado, mercadejando com o cargo, mesmo quando o acto é praticado antes do “acordo” entre corruptor e corrupto.»[39]
Mas, como já se observou, a corrupção, nas modalidades dos n.os 1 dos artigos 372.º e 373.º assenta numa situação em que – de modo real ou virtual – se combinam duas prestações recíprocas, por isso se aludindo ao pseudo-sinalagma; qualquer das prestações que integram a corrupção (a do corruptor e a do funcionário corrupto), isoladamente considerada, pretende ser a contrapartida de uma eventual contraprestação da outra parte. Daí que, em princípio, o simples recebimento de dádivas ou presentes pelo empregado público, sem ligação implícita ou explícita com nenhuma actividade das suas funções, não constitua uma corrupção passiva[40].
10.1.5. Temos, assim, e em resumo, que no regime em vigor à data dos factos, se distinguem três modalidades de corrupção passiva:
            – a corrupção para acto ilícito ou corrupção própria, em que se faz prova do acto ilícito com o qual o agente público pretende mercadejar com o cargo;
            – a corrupção passiva para acto lícito em que se faz prova do acto lícito com que o agente público pretende mercadejar com o cargo;
            – a corrupção sem demonstração do acto concreto com que o agente público pretende mercadejar com o cargo[41].
As modalidades previstas nos n.os 1 dos artigos 372 e 373.º não prescindem de um certo grau de prova quanto ao acto concreto pretendido, um certo grau de prova do acto concreto, lícito ou ilícito, que a vantagem visaria compensar.
            Essas modalidades seguem o modelo clássico da punição da “vantagem pelo acto ou omissão de serviço”, isto é a vantagem solicitada ou aceite em conexão com a prática de uma acção ou omissão pelo funcionário[42].
            Na falta dessa prova, sempre se preencherá a modalidade do n.º 2 do artigo 372.º quando a vantagem só lograr compreensão no plano da funcionalidade. Aqui, do que se trata é de uma vantagem solicitada ou aceite sem conexão com a prática de uma concreta acção ou omissão pelo funcionário.
            10.1.6. Nas modalidades da corrupção passiva para acto ilícito e para acto lícito, o acto ou actividade em causa deve encontrar-se numa relação funcional imediata com o desempenho do cargo, isto é, terá de caber no âmbito fáctico das possibilidades de intervenção do funcionário, nos «”poderes de facto” inerentes ao exercício das correspondentes funções», no sentido de aqueles que «são propiciados pelo cumprimento “normal” das suas atribuições legais»[43].
            É pelo conteúdo do acto subornado que se estabelece a distinção entre as duas modalidades de corrupção. O artigo 372.º, n.º 1, reporta-se aos caos em que o acto do funcionário é inválido por razões “substanciais” ou de “fundo”: «só se verifica um salto qualitativo, capaz de fundamentar a agravação da pena inerente à corrupção própria, quando a actividade subornada se revelar ilegal no tocante ao seu fundo ou substância»[44].
            Para a destrinça daquelas duas espécies de corrupção nas situações em que o acto subornado entra nos poderes discricionários do funcionário, sustenta Almeida Costa[45] que a questão «não suscita dificuldades quando, devido à gratificação, o funcionário exorbita o âmbito da discricionariedade que a lei lhe concede. Em tal hipótese, o acto apresenta-se ilícito no tocante ao fundo ou substância, pelo que se está na órbita da corrupção própria». Quando, «apesar de não ultrapassar a esfera da discricionariedade, o agente se deixou influenciar pelo suborno, tomando uma decisão diversa da que tomaria se a gratificação (ou a respectiva promessa) não tivesse ocorrido», «ainda aqui se depara com um acto ilegal, ferido de uma invalidade que contende com o seu conteúdo ou substância, fundado num vício que, segundo a terminologia tradicional, se designa de “desvio de poder”. Também este caso integra, por isso, uma corrupção própria. «Ao invés, só se estará em face de uma corrupção imprópria quando o suborno em nada influiu na conduta do funcionário, i. e., não interferiu no uso dos seus poderes discricionários». Não deixando de reparar, porém, na grande dificuldade que, no plano processual, este critério enfrenta.
Os deveres do cargo são aqueles que estão fixados na lei e nos usos da profissão[46].
10.1.7. No que respeita ao tipo subjectivo, o dolo esgota-se no conhecimento e vontade de obtenção de uma vantagem conexionada com um comportamento violador dos deveres do cargo. «Em conformidade, desde que o agente solicite ou aceite um tal suborno (ou a sua promessa), verifica-se o preenchimento do tipo subjectivo, mesmo que não esteja nas suas intenções praticar o “acto de serviço” que a peita visa remunerar»[47], pois a consumação não requer nem o efectivo recebimento do suborno nem, muito menos, a realização do acto.
            A corrupção passiva, como crime material ou de resultado, consuma-se logo que a “solicitação” ou “aceitação” do suborno (ou da sua promessa) cheguem ao conhecimento do destinatário. «Consistindo o bem jurídico na autonomia intencional do Estado, a correspondente violação ocorre logo que se depare com uma declaração de vontade do empregado público que evidencie a inequívoca intenção de mercadejar com o cargo, i. e., de “vender” o exercício de uma actividade (lícita ou ilícita, passada ou futura) compreendida nas suas funções ou, pelo menos, nos seus “poderes de facto”.»[48]     
            Paulo Pinto de Albuquerque[49] refere-se, ainda, ao elemento subjectivo adicional contido no tipo subjectivo de realização de um resultado (“para a prática de um qualquer acto ou omissão”) que não integra o tipo subjectivo mas que é provocado por uma acção ulterior a praticar pelo agente. Trata-se, nesta perspectiva de “um crime de acto cortado”.
            Como esclarece[50], os crimes de intenção, nos quais se verifica uma falta de congruência entre o tipo objectivo e o tipo subjectivo, pois o tipo subjectivo exige que o agente actue com uma intenção cuja concretização não é exigida pelo tipo objectivo, podem apresentar duas formas: o crime de resultado cortado e o crime de acto cortado. O crime de resultado cortado, em que o tipo subjectivo contém uma intenção de realização de um resultado que não faz parte do tipo objectivo, mas que é provocado pela acção típica; o crime de acto cortado, em que o tipo subjectivo contém uma intenção de realização de um resultado que não faz parte do tipo objectivo mas que é provocado por uma acção ulterior a praticar pelo agente ou por terceiro.    
            10.1.8. A vantagem pode ser para o próprio funcionário (vantagem directa) ou para um “terceiro”, seja uma pessoa física ou colectiva, pública ou provada (vantagem indirecta).
            A vantagem ganha relevância típica desde que motive ou seja idónea a motivar a actuação do funcionário; o que conta é que o funcionário, motivado por essa vantagem, ponha à disposição de um concreto particular as atribuições que lhe foram conferidas para servir os interesses gerais.
            Em vez de actuar com uma substancial neutralidade e objectividade na prestação do serviço público o funcionário, motivado pela vantagem, fomenta os fins privados.  
Sobre os problemas especiais do patrocínio e do mecenado em benefício da actividade profissional do funcionário ou da pessoa colectiva onde este trabalha, discorre Paulo Pinto de Albuquerque[51]:
«A observância formal das condições legais de patrocínio / mecenato não obsta à tipicidade das prestações de patrocínio e mecenato quando elas tenham subjacente um “acordo ilícito” entre o funcionário e o patrocinador /o mecenas. Por exemplo, comete o crime o responsável por um hospital universitário público que aceita prestações de uma empresa do ramo médico para o dito hospital (por exemplo, a entrega de uma máquina) ou para funcionários deste (por exemplo, o pagamento da estadia em congressos) e simultaneamente contrata com a referida empresa a compra de material que esta comercializa. Por isso, na RFA, a indústria do sector médico e farmacêutico e os estabelecimentos médicos estabeleceram um acordo sobre as boas práticas relativas ao patrocínio / mecenato que inclui o princípio da separação, segundo o qual o funcionário que decide da aceitação das prestações gratuitas da sociedade civil tem de ser pessoa distinta do funcionário que decide da aquisição de bens e serviços, o princípio da transparência e da comunicação, segundo o qual todas as prestações gratuitas devem ser sujeitas a processo de aprovação público e escrito, e o princípio da equivalência, segundo o qual só podem ser aceites prestações gratuitas que se destinam a projectos concretos em curso.»
E sobre os problemas específicos do financiamento dos partidos políticos, sustenta o mesmo Autor[52] que a observância formal das condições legais do financiamento dos partidos não afasta a tipicidade das prestações (quotas, donativos ou fundos) quando elas tenham subjacente um “acordo ilícito” entre o funcionário e o financiador do partido. Por exemplo, comete o crime o funcionário que aceita peita de um empreiteiro local, realizada, por exemplo, através do pagamento de quotas de “novos filiados” no partido do funcionário ou de múltiplos “donativos” de várias pessoas ao seu partido ou ainda da realização de um evento de angariação de fundos para o referido partido, em troca da promessa de “facilidades” em determinado processo de licenciamento.
10.1.9. No regime actualmente em vigor, introduzido pela Lei n.º 32/2010, de 2 de Setembro, em vigor a partir de 02/03/2011, conforme respectivo artigo 4.º [«A presente Lei entra em vigor 180 dias após a data da sua publicação no Diário a República»], a corrupção passiva passou a estar prevista nos artigos 372.º, n.º 1 e 373.º, n.os 1 e 2, do Código Penal.
 Ao anterior artigo 372.º, n.º 1, corresponde, agora, o n.º 1 do artigo 373.º (acto ou omissão contrários aos deveres do cargo), continuando a caber-lhe pena de prisão de 1 a 8 anos, ao anterior artigo 373.º, n.º 1, corresponde, agora, o n.º 2 do artigo 373.º, (acto ou omissão não contrários aos deveres do cargo), sendo o agente punido com pena de prisão de um a cinco anos[53].
A supressão, na epígrafe dos artigos, das expressões «corrupção passiva para acto ilícito» e «corrupção passiva para acto lícito» são anódinas, uma vez que as incriminações têm ainda como termo de referência a desconformidade ou a conformidade com os deveres do cargo, radicando a novidade, exclusivamente, no sensível agravamento da pena pelo crime de corrupção imprópria.
Por isso, quanto ao crime de corrupção passiva “para acto lícito”, o regime concretamente mais favorável é o da Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro (artigo 2.º, n.º 4, do CP).
Ao anterior artigo 373.º, n.º 2, corresponde, actualmente, o novo artigo 372.º, n.º 1 («recebimento indevido de vantagem»), com a seguinte redacção: 
«O funcionário que, no exercício das suas funções ou por causa delas, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.»
Esta nova incriminação é mais ampla do que a anterior, do n.º 2 do artigo 373.º, na medida em que foi eliminada a restrição decorrente de a pessoa a quem for solicitada ou de quem for aceite a vantagem «ter tido, ter ou vir a ter» qualquer pretensão perante o funcionário. Por outro lado, ao crime do novo artigo 372.º, n.º 1, corresponde uma moldura penal sensivelmente mais grave do que a prevista no n.º 2 do artigo 373.º
Por isso, as condutas puníveis à luz do artigo 373.º, n.º 2, na redacção da Lei n.º 108/2001, continuam a ser puníveis e nos termos dessa norma, após a entrada em vigor da Lei n.º 32/2010, por força do princípio da ultra-actividade da lei penal mais favorável[54].
10.2. Passando-se, agora, a analisar os factos dados por provados e que foram subsumidos aos indicados tipos legais.
10.2.1. No período abrangido pelas “situações” a que foi reconhecida relevância típica, o arguido desempenhou simultaneamente as funções públicas de D... M... da A... do T... e as funções privadas de dirigente da Associação A... de ....  
 Com efeito, o arguido AA tomou posse do cargo de D… M… de A… do T… (DMAT), na Câmara Municipal de ..., em 25 de Março de 2003, para o qual havia sido nomeado, em comissão de serviço, pelo período de três anos.
À data em que assumiu essas funções públicas, já o arguido desempenhava funções de dirigente da A… A… de C… – O… A… de F…(AA...-OAF); a partir de 17 de Março de 2003, exerceu o cargo de vice-presidente administrativo e financeiro, a partir de 19 de Janeiro de 2004, tornou-se presidente adjunto e veio a ser eleito Presidente da Direcção, cargo em que foi empossado em 14 de Janeiro de 2005.
10.2.2. A actuação do arguido, no planos objectivo e subjectivo, e no contexto da sua motivação ou determinação para o facto, descrita nos factos provados, pode sintetizar-se nos elementos essenciais que passarão a ser referidos, segundo as diversas situações.  
Situação 1
Os factos dados por provados começam por concretizar o auxílio financeiro prestado por JJ à AA...-OAF, num primeiro momento sem que seja estabelecida qualquer intermediação do arguido ou qualquer tipo de conexão entre a prestação desse auxílio, por parte de JJ, e uma qualquer actuação do arguido.
 Assim, um donativo de € 20 000,00, em 2002, um donativo de 37 500,00, pouco tempo antes de 28 de Maio de 2003, a aquisição da totalidade dos bilhetes para um jogo de futebol, e mais um donativo de 50 000,00, em Dezembro de 2003 (factos 1.1. a 1.3.).
Depois, os factos dados por provados dão conta de que, desde que o arguido acedeu à direcção da AA..., «continuou a contar com o auxílio financeiro de JJ para a AA...-OAF», concretizado nos termos dados por provados, «em face da continuação da precária situação financeira do clube» (factos 1.4. a 1.7., 1.9., 1.12.).
Neste contexto, e na lógica dos factos provados, até aqui considerados, o auxílio financeiro prestado por JJ à AAC liga-se exclusivamente à precária situação financeira do clube, mas, do ponto de vista do JJ, o auxílio financeiro que prestava à AA... não tinha uma motivação puramente altruísta. Dados os interesses que tinha no empreendimento imobiliário J... do M..., não só tinha interesse em que o arguido se mantivesse à frente do destino da AA..., enquanto se mantivesse como DMAT, como, através de «uma cada vez maior dependência daquele clube do seu auxílio financeiro» procurava garantir «o constante reconhecimento do arguido AA» (factos 1.11. e 1.12.).
E, certamente, por via dessa atitude de reconhecimento, que o arguido, enquanto DMAT, tivesse uma actuação favorável aos seus interesses.
Ora, da descrita actuação do arguido resulta que este agiu sempre comprometido com os interesses do JJ (factos provados 1.22., 1.24. a 1.32.), afirmando-se, nos factos provados (ponto 1.34.), que, em resultado do constrangimento decorrente das vantagens patrimoniais concedidas por JJ, «actuou o arguido AA, no exercício das suas funções públicas, com a intenção de dar protecção aos interesses e pretensões daquele empresário, designadamente aos que não estavam compreendidos no licenciamento que havia sido concedido relativamente ao referido empreendimento e que naquelas circunstâncias, se mostravam contrários a disposições urbanísticas vigentes, a que devia obediência, designadamente, ao procurar nas circunstâncias atrás descritas, evitar as acções inspectivas àquele empreendimento, sabendo que praticava actos contra os deveres a que estava vinculado enquanto D... M... da A... do T...».
Situação 3
O arguido pediu directamente a LL que efectuasse donativos à AA...-OAF (facto provado 3.1.), sabendo perfeitamente que ele (LL) tinha interesses urbanísticos dependentes de resolução, tanto mais quanto o havia pessoalmente notificado para se pronunciar sobre uma dada informação (facto provado 3.3.).
Os factos provados informam que LL emitiu dois cheques, de € 10.000,00, cada um, ambos à ordem da AA...-OAF (facto provado 3.2.), só tendo efectuado esses donativos «temendo que a sua recusa pudesse prejudicar projectos na cidade, presentes ou futuros, que titulasse» (facto provado 3.8.).
Mas o que é certo é que foi dado por provado que o arguido, face à disponibilidade manifestada por LL, em contribuir com donativos para a AA...-OAF, teve a concreta actuação descrita no ponto 3.6. dos factos provados e, ao solicitar e aceitar para a AA...-OAF, os referidos donativos agiu «com a intenção de, já enquanto DMAT, praticar actos no âmbito de processos em que interviesse e respeitassem a interesses do referido LL, que o favorecessem, beneficiando-o em pretensões que viesse a requerer ao departamento que dirigia ainda que sem observar os procedimentos adequados, como efectivamente veio a acontecer, nas situações supra descritas» (facto provado 3.9.).
Situação 4
O arguido aceitou de NN dois cheques, cada um no valor de € 5.000,00, para a AA...-OAF (facto provado 4.1.).
O arguido sabia que NN era empresário da construção civil, com interesses imobiliários em ..., tendo-se conhecido, aliás, por causa dessa actividade de NN (factos provados 4.1.e 4.2.) e ao aceitar esses donativos o arguido tinha perfeita consciência que eles só tinham sido efectuados «atenta a [sua] qualidade de decisor em organismo público onde eram praticados os actos processuais e acessórios relativos aos processos de obras que [NN] promovia ou poderia vir a promover» (facto provado 4.3.).
Situação 5
GG efectou um donativo à AA...-OAF, em Dezembro de 2004, no valor de € 15.000,00 (facto provado 5.2.).
Posteriormente, por acordo entre o arguido e GG, com a anuência do sócio deste, VV, o arguido aceitou que a “C… e M…, Ld.ª” contribuísse, a favor da AA...-OAF, com donativos, vindo a ser efectuados donativos no valor global de € 90.000,00 (compreensão conjugada dos factos provados 5.4. e 5.7.).
O arguido conhecia perfeitamente a actividade de empresário da construção civil de GG e sabia que a empresa “C… e M…, Ld.ª” tinha interesses em empreendimentos e projectos que eram tramitados no organismo público que dirigia (facto provado 5.8.).
Foi em razão da qualidade do arguido, de decisor em organismo público onde eram praticados os actos processuais e acessórios relativos aos processos de obras que promoviam ou poderiam vir a promover, que GG e VV entregaram ao arguido esses donativos (facto provado 5.8.).
Situação 6   
Entre Maio e Outubro de 2004, DD, em seu nome ou em nome da empresa “DD, Ld.ª” entregou regularmente ao arguido quantias monetárias, em numerário ou em cheque, a título de donativos, para a AA...-OAF, no total de € 190.000,00 (factos provados 6.1. a 6.4.).
O mesmo DD entregou, ainda, um cheque, no montante de € 5000,00, ao arguido, destinado a financiar a campanha deste para a direcção da AA...-OAF (facto provado 6.5.).
A intenção de DD, ao fazer tais donativos, era a de criar constrangimento ao arguido e «levá-lo a retribuir-lhe aquele auxílio material enquanto se mantivesse como DMAT, através de actos compreendidos em tais funções públicas referentes aos empreendimentos em que tivesse interesses, promovendo e decidindo o que fosse necessário à protecção das suas pretensões, ainda que legalmente indevidas ou contra quaisquer normas destinadas a regular as situações concretas que, no âmbito da actividade que desenvolvia, apresentava aos serviços camarários competentes» (facto provado 6.6.).
O arguido praticou os actos descritos nos factos provados 6.11. e proferiu os despachos datados de 07/01/2005, nesse ponto dos factos provados referido, «visando retribuir o auxílio financeiro até então recebido [de DD], com que pretendia continuar a contar» (facto provado 6.11.).
Conforme ponto 6.14. dos factos provados: «O arguido AA aceitou praticar actos compreendidos nas suas funções de DMAT visando dar acolhimento às pretensões de DD, ainda que sem apoio legal, ou mesmo contra as normas vigentes destinadas a regular as concretas solicitações que este dirigia aos serviços camarários competentes, como aconteceu na situação descrita, em especial os que estivessem na sua dependência, contra o recebimento das aludidas vantagens patrimoniais, para si e para o clube desportivo de que era o presidente da Direcção.»
Situação 7
Em Outubro de 2004, o arguido aceitou um donativo para a AA...-OAF de EE, empresário da construção civil, no valor de 25.000,00 (facto provado 7.1.).
O arguido teve intervenção em procedimentos relativos a um empreendimento daquele EE (factos provados 7.2. a 7.7.).
Dando-se como provado, no ponto 7.8., que: «O arguido AA aceitou o valor monetário disponibilizado pelo referido EE, com o propósito de o utilizar na gestão do clube que dirigia sabendo, como se propunha, que isso implicaria a prática, como DMAT, de actos destinados a defender ou a dar protecção a interesses relativos aos empreendimentos em que aquele era interessado e que estavam na sua dependência funcional, acabando efectivamente, motivado por tal liberalidade que por tal razão lhe fora concedida, por, nos termos descritos, proferir significativos pareceres técnicos, que foram determinantes do deferimento da aludida pretensão.»
 Situação 10
(prédio da Rua J… M…)
Por deliberação de 25/02/2004, após parecer favorável do arguido (parecer n.º 8/2004, de 23/01/2004), foi deferida a pretensão de YY, relativa ao prédio da Rua J…M…, concretamente descrita nos factos provados (pontos 10.1. a 10.7., 10.11., 10.13. e 10.14).
Segundo os factos provados (ponto 10.10.), «Visando compensar a intervenção do arguido, com data do dia seguinte à referida deliberação, 26/02/2004, o referido YY emitiu o cheque de fls. 666, aqui dado por inteiramente reproduzido, no valor de 25.000,00€, que entregou ao arguido AA, e foi por este aceite, tendo-o feito apresentar a pagamento mais tarde por funcionário do clube a que presidia e a quem confiou o valor nele inscrito.»
Ainda segundo o facto provado 10.20., «O arguido AA tinha perfeita consciência de que o referido YY, cuja actividade profissional bem conhecia, titulava interesses em empreendimentos imobiliários que eram tramitados no organismo público que transitoriamente dirigia, como os mencionados, sendo por causa desses interesses que o mesmo lhe atribuiu a vantagem patrimonial correspondente à entrega do montante inscrito no cheque aludido em 10.10., atenta a sua competência para tomar decisões no organismo público onde eram praticados os actos processuais e acessórios relativos aos processos de obras que promovia ou poderia vir a promover ou preparar tecnicamente a sua assunção por outra entidade ou titular competentes.»
Situação 10
(prédio da Rua V… de C…)
 Segundo os factos provados, o arguido teve intervenção no procedimento relativo à pretensão de MM de colocação de apenas um ascensor, em tal prédio (pontos 10.16. a 10.18. dos factos provados), a qual veio a ser deferida por despacho do vereador competente, de 20/12/2005 (ponto 10.18. dos factos provados).
«Em virtude do acolhimento dado à sua pretensão, e à forma diligente com que o arguido AA criou condições para uma solução favorável aos seus interesses, com data de 20/12/2005, o referido YY emitiu o cheque de fls. 414, no valor de 4.000,00€, que entregou ao arguido AA no gabinete deste na CM... e este fez depositar numa conta titulada pela AA.../OAF.» - facto provado 10.19.  
Dando-se como provado, no ponto10.21., dos factos provados, o seguinte: «Agiu ainda o arguido AA, por outro lado, com o propósito de aceitar do mesmo YY o valor pecuniário referido em 10.19., que não lhe era devido, para o integrar no património da AA.../OAF, e que visava compensá-lo materialmente pela intervenção, no exercício das aludidas funções públicas de D... M... da A... do T..., favorável à pretensão daquele na resolução da aludida questão favorável aos seus interesses, para o que o arguido só diligenciou motivado pela expectativa criada pelo descrito comportamento anterior de recebimento de vantagem patrimonial, intervenção essa decisiva para tal pretensão ser acolhida favoravelmente.»
10.2.3. Para efeito de preenchimento das normas incriminadoras da corrupção passiva, em qualquer das modalidades típicas – corrupção para acto ilícito, corrupção para acto lícito e corrupção sem demonstração do acto concreto pretendido – é necessária demonstração de que o funcionário solicita ou aceita uma vantagem que não lhe é devida.     
No quadro dos factos provados, o arguido, em todas as situações, aceitou ou solicitou vantagens patrimoniais.
Solicitou e aceitou benefícios patrimoniais, para a AA...-OAF, de JJ (situação 1), traduzidos, nomeadamente, nos empréstimos, sem juros.
Aceitou de NN (situação 4), GG (situação 5), DD (situação 6) e EE (situação 7) donativos para a AA...-OAF.
Aceitou de DD um donativo, para si, o destinado a financiar a sua campanha para a direcção da AA...-OAF (situação 6).
Aceitou de YY donativos que destinou a AA...-OAF (situação 10).
Solicitou a LL donativos para a AA...-OAF (situação 3).
Todos os que proporcionaram as vantagens económicas – os empréstimos, sem cobrança de juros (no caso de JJ), os donativos (no caso de todos os outros) – eram, ao tempo, empresários da construção civil ou pessoas com interesses imobiliários, por aí se estabelecendo, entre cada um eles e o arguido, uma relação funcional.
Ora, é, justamente, no contexto das relações funcionais que, de acordo com os factos dados por provados, a concessão das vantagens ganha justificação, quer na perspectiva de quem concede as vantagens quer do ponto de vista do próprio arguido.
Os factos provados são claros quanto há motivação de quem concedeu as vantagens – mesmo quando se trata de pessoas que já anteriormente e independentemente da pessoa do arguido tinham prestado, sob qualquer forma, auxílio económico à AA...-OAF, como é o caso de JJ e de DD (este, como consta do ponto 6.15. dos factos provados, «no tempo de anterior presidente da AA...-OAF havia adquirido, por cerca de oitenta mil contos, um edifício de que a AA...-OAF era proprietária, numa situação de grande aflição para o clube, por causa de uma penhora»).
Neles se afirma, com efeito:
– que JJ, através de uma cada vez maior dependência do clube do seu auxílio financeiro, garantia o constante reconhecimento do arguido, estando interessado em que o arguido se mantivesse à frente do clube enquanto exercesse as funções de DMAT (factos provados 1.11. e 1.12.);
– que «não fora a circunstância de o arguido AA ser, simultaneamente, D... M... e P... do referido clube de futebol, LL não teria efectuado aqueles donativos ou não os teria efectuado naqueles montantes e circunstâncias, só o tendo feito temendo que a sua recusa pudesse prejudicar projectos na cidade, presentes ou futuros que titulasse» (facto provado 3.8.);
– que foi por ter interesses em empreendimentos que eram tramitados no organismo público que o arguido dirigia e «atenta a qualidade de decisor em organismo público onde eram praticados os actos processuais e acessórios relativos aos processos de obras que promovia ou poderia vir a promover» que NN  entregou ao arguido os dois cheques (facto provado 4.3.);
– que foi pelo motivo de terem empreendimentos e projectos que eram tramitados no organismo público que o arguido dirigia, «isto é, atenta a qualidade de decisor em organismo público onde eram praticados os actos processuais e acessórios relativos aos processos de obras que promoviam ou poderiam vir a promover» que GG e VV fizeram os donativos que o arguido aceitou (facto provado 5.8.);
– quantos aos donativos por si efectuados, que DD pretendia criar constrangimento ao arguido «e, assim, levá-lo a retribuir aquele auxílio material enquanto se mantivesse como DMAT, através de actos compreendidos em tais funções públicas referentes aos empreendimentos em que tivesse interesses» (facto provado 6.6.);
– que a razão de EE efectuar o donativo radicou em o arguido, enquanto DMAT, ter intervenção em procedimentos em que aquele era interessado (facto provado 7.8.);
– que MM entregou ao arguido o cheque de 25.000,00 por ter interesses em empreendimentos imobiliários que eram tramitados no organismo público que o arguido dirigia, atenta a sua competência para tomar decisões nos processos de obras que promovia ou poderia vir a promover e que entregou o cheque de 4000,00 pela «forma diligente com que o arguido AA criou condições para uma solução favorável aos seus interesses» (factos provados 10.19. e 10.21.).
Vê-se, assim, que é em função de o arguido exercer as funções de DMAT que as vantagens, ainda que liberalidades a favor da AA...-OAF, foram concedidas.
Por seu lado, o arguido não estava iludido quanto à motivação daqueles que proporcionaram as vantagens económicas que a elas subjazeram e sabia o que, da sua parte, era “esperado/devido” por causa delas. Da parte do arguido havia também o conhecimento de que tais vantagens, por si solicitadas ou aceites, só eram explicadas pelas funções públicas que exercia porque se destinavam à viciação da sua autonomia decisional enquanto DMAT.  
Os factos dados por provados também não deixam, nesse aspecto, qualquer dúvida.
Assim:
– pelo constrangimento resultante das vantagens económicas concedidas pelo JJ, actuou o arguido, no exercício das suas funções públicas, com a intenção de dar protecção aos interesses e pretensões daquele empresário (facto provado 1.34.);
– solicitando e aceitando de LL vantagens patrimoniais para a AA...-OAF, agiu o arguido «com a intenção de, já enquanto DMAT, praticar actos no âmbito de processos em que interviesse e respeitassem a interesses do referido LL, que o favorecessem, beneficiando-o (…)» (facto provado 3.9);
– «ao aceitar do NN os aludidos valores, cuja actividade profissional conhecia perfeitamente, o arguido AA tinha perfeita consciência de que o mesmo tinha interesses em empreendimentos que eram tramitados no organismo público que transitoriamente dirigia, sendo por esse motivo também que os mesmos lhos havia atribuído (…)» (facto provado 4.3.);
– «ao acordar e aceitar os aludidos valores dos referidos GG e VV, cuja actividade profissional conhecia perfeitamente, o arguido AA tinha perfeita consciência de que a empresa por eles detida tinha interesses em empreendimentos e projectos que eram tramitados no organismo público que dirigia» (facto provado 5.8.);
– o arguido actuou «visando retribuir o auxílio financeiro recebido» de DD (facto provado 6.11.), «aceitou praticar actos compreendidos nas suas funções de DMAT visando dar acolhimento às pretensões de DD (…)» (facto provado 6.14.);
– ao aceitar para a AA...-OAF o donativo de EE, o arguido sabia que «isso implicaria a prática como DMAT de actos destinados a defender ou a dar protecção a interesses relativos aos empreendimentos em que aquele era interessado e que estavam na sua dependência funcional» (facto provado 7.8.);       
– o arguido «tinha perfeita consciência de que o referido YY, cuja actividade profissional bem conhecia, titulava interesses em empreendimentos imobiliários que eram tramitados no organismo público que transitoriamente dirigia, como os mencionados, sendo por causa desses interesses que o mesmo lhe atribuiu a vantagem patrimonial correspondente à entrega do montante inscrito no cheque aludido em 10.10., atenta a sua competência para tomar decisões no organismo público onde eram praticados os actos processuais e acessórios relativos aos processos de obras que promovia ou poderia vir a promover ou preparar tecnicamente a sua assunção por outra entidade ou titular competentes» (facto provado 10.20.).
Decorre, pois, dos factos provados, que as vantagens, ainda que indirectas (como o foram predominantemente), só ganham justificação no plano da funcionalidade ou, dito de outro modo, resulta demonstrado que o recebimento ou solicitação das vantagens não têm uma qualquer outra justificação ou explicação que não seja o mercadejar com o cargo, por parte do arguido.
Por ser assim, a relevância típica da vantagem não pode ser questionada.
O carácter não devido da vantagem, na medida em que se torna elemento do mercadejar com o cargo, resulta cabalmente demonstrado nos factos provados    
10.2.4. A actuação do arguido foi subsumida às modalidades típicas de corrupção passiva para acto ilícito, do artigo 372.º, n.º 1 (nas situações 1, 3, 6, 7 e 10, prédio da Rua V… de C…), e de corrupção passiva sem demonstração do acto concreto pretendido, do artigo 373.º, n.º 2 (nas situações 4, 5 e 10, prédio da Rua J… M…).
Para a distinção entre essas duas modalidades de corrupção passiva releva a forma como o funcionário mercadeja com o cargo.
No caso de corrupção passiva para acto ilícito, já vimos que o preenchimento do tipo não prescinde de um certo grau de prova do acto concreto em que se traduz o mercadejar com o cargo.
A corrupção passiva própria, tanto para acto ilícito como para acto lícito, continua a exigir (após a redacção da Lei n.º 108/2001 e a eliminação do segmento “como contrapartida”) que a solicitação ou aceitação da vantagem seja “para um qualquer acto ou omissão”, contrários aos deveres do cargo, no caso de corrupção passiva para acto ilícito, não contrários aos deveres do cargo, no caso de corrupção passiva para acto lícito.
Se a eliminação da referência “como contrapartida” esclarece, afinal, a desnecessidade da existência de um verdadeiro sinalagma, não significa a desnecessidade da demonstração de que o pedido ou aceitação da vantagem são “para um qualquer acto ou omissão”.
A demonstração do acto ou omissão mercadejados é, com efeito, indispensável à subsunção ou no tipo do n.º 1 do artigo 372.º ou no tipo do n.º 1 do artigo 373.º porque sem se alcançar um certo grau de concretização do acto nunca será possível a afirmação sobre a sua contraditoriedade ou não contraditoriedade aos deveres do cargo.
Assim, temos que o preenchimento do tipo do n.º 1 do artigo 372.º reclama a demonstração do acto ou omissão concretos que foram mercadejados e a demonstração da sua contradição com os deveres inerentes às funções exercidas.
Quando a comprovação do acto ou omissão concretos que foram mercadejados não se consegue alcançar, deixa de ter qualquer interesse a averiguação sobre se há, ou não, contraditoriedade com os deveres do cargo na medida em que fica irremediavelmente excluída a possibilidade de subsunção da conduta aos tipos da corrupção passiva para acto ilícito ou para acto lícito, sobrando, apenas, a possibilidade de aplicar a norma do n.º 2 do artigo 373.º          
            Com efeito, e como já atrás dissemos, para o preenchimento do tipo de corrupção passiva para acto ilícito e para acto lícito é requerido que se estabeleça uma certa conexão entre o benefício conferido ou a dádiva realizada (a prestação do corruptor) e um acto ou omissão do funcionário (a prestação do corrupto), por forma a que seja possível caracterizar a interdependência entre as duas prestações e o próprio conteúdo do acto ou omissão para o qual a prestação do corruptor foi realizada, afinal, a própria licitude ou ilicitude do acto na medida em que é pelo conteúdo do acto que é possível estabelecer a distinção entre as duas modalidades de corrupção.
   Na corrupção passiva sem demonstração do acto concreto pretendido aquilo em que se traduz o mercadejar com o cargo não é imediatamente um acto determinado mas o estabelecimento de uma relação funcional privilegiada pela criação de um clima de permeabilidade e simpatia. 
10.2.5. Neste entendimento, nenhuma censura merece a subsunção das condutas relativas às situações 4, 5, e 10 (prédio da Rua J… M…) ao tipo do n.º 2 do artigo 373.º do Código Penal.
Quanto às situações 1, 3, 6 e 7, que foram subsumidas ao artigo 372.º, n.º 1, do Código Penal os factos provados não contêm a indispensável concretização do acto ou omissão que foram mercadejados pelo arguido.
Quanto à situação 1
É descrita, nos factos provados, a actuação do arguido quanto ao empreendimento J... do M... – v. g., o acompanhamento da evolução do empreendimento, o deferimento do pedido de alvará e a informação técnica prestada (facto provado 1.22.), as posições favoráveis que expressava (facto provado 1.24.), as tentativas de evitar ou dificultar as acções de fiscalização (factos provados 1.25., 1.29. e 1.31.) – mas, em nenhum momento, se afirma que foi para essa concreta actuação que o arguido mercadejou com as suas funções.
Resultando, pelo contrário, dos factos provados que o arguido não mercadejou com as suas funções para um concretizado acto ou omissão na medida em que o que se vem a dar por provado é que, em razão do constrangimento provocado pelos benefícios proporcionados por JJ, o arguido teve essa actuação «com intenção de dar protecção aos interesses e pretensões daquele empresário» (facto provado 1.34.).
Sendo certo, ainda, que foi dado por não provado:
«g) Que o arguido assegurou ao JJ a possibilidade de edificação de mais área no empreendimento contra o estatuído no PDM e se propôs, nessas circunstâncias, a pronunciar-se favoravelmente sobre essa pretensão, mesmo contra a lei e disposições urbanísticas vigentes, no exercício das suas funções.»
Na fundamentação jurídica do acórdão, o que se salienta, relativamente à situação 1, é, justamente, que a actuação do arguido só é compreensível no contexto de um clima de simpatia e permeabilidade criado pelos benefícios proporcionados por JJ, como resulta, nomeadamente, dos seguintes excertos:
«(…)       
«Temos assim que o arguido actuou no exercício das suas funções públicas motivado por aquela atribuição, no sentido de conferir protecção aos interesses e pretensões daquele empresário que de outra forma não faria.
«(…)
«A evidenciada actuação do arguido, ainda que não expressa em qualquer acto ilícito nulo ou substancialmente inválido, não pode deixar de se considerar uma actuação motivada e determinada como contrapartida das vantagens patrimoniais concedidas para o F…da A.., através da acção do recorrente, condicionada na imparcialidade que lhe era exigida no exercício do cargo, actuando de modo diverso daquele que lhe era exigível e daquele que actuaria não fosse a aludida prestação futebolisticamente orientada.»
Fundamentação essa que se adequa a um caso de corrupção passiva sem demonstração do acto concreto pretendido, do artigo 373.º, n.º 2, do Código Penal, mas não a um crime de corrupção passiva para acto ilícito que exige a demonstração, com algum grau de concretização, do acto pretendido.
E só a falta de prova quanto ao acto ou omissão pretendidos poderá explicar que se tenha dado por provado que a motivação de JJ subjacente aos concedidos benefícios fosse a de «assegurar uma cada vez maior dependência daquele clube do seu auxílio financeiro, dessa forma garantindo o constante reconhecimento por parte do arguido AA» (facto provado 1.12.).
Quanto à situação 3
Também nesta situação os factos provados descrevem em que veio a consistir a actuação do arguido mas já não permitem estabelecer que a finalidade dos donativos fosse essa ou qualquer outra actuação do arguido.
  Por outro lado, quanto à determinação de  LL para efectuar os donativos, os factos provados precisam que ele só os efectuou, naqueles montantes e circunstâncias, por temer que uma «recusa pudesse prejudicar projectos na cidade, presentes ou futuros, que titulasse» (facto provado 3.8.), deste modo se excluindo que a finalidade com que LL efectuou os donativos se centrasse na prática de um qualquer acto concreto, nomeadamente, os despachos do arguido de 09/06/2005 e de 20/06/2005.
E, reparando-se no que foi dado por provado quanto ao propósito do arguido ao solicitar os donativos, vê-se que essa solicitação se liga à intenção de o arguido, enquanto DMAT, favorecer as pretensões que LL viesse a ter no departamento que o arguido dirigia (facto provado 3.9.) e não, por conseguinte, a qualquer acto individualizado.
Quanto à situação 6
Ainda nesta situação os factos provados não permitem estabelecer qual o acto concreto que o arguido teria mercadejado a troco das vantagens proporcionadas por DD.
Os factos provados descrevem os actos praticados pelo arguido mas não é estabelecida a necessária conexão entre os donativos entregues ao arguido por aquele DD e aqueles actos tanto mais quanto o que se dá por provado é que DD pretendia beneficiar o arguido e o clube «por forma a criar-lhe constrangimento e, assim, levá-lo a retribuir aquele auxílio material enquanto se mantivesse como DMAT, através de actos compreendidos em tais funções públicas referentes aos empreendimentos em que tivesse interesses» (facto provado 6.6.).
Situação 7
Também nesta situação os factos provados não permitem estabelecer uma conexão entre o donativo (a aceitação da vantagem) e um qualquer acto ou omissão concretos.
Nem isso poderá resultar de ter sido dado por provado que o arguido «aceitou o valor monetário disponibilizado pelo referido EE, com o propósito de o utilizar na gestão do clube que dirigia sabendo, como se propunha, que isso implicaria a prática como DMAT, de actos destinados a defender ou a dar protecção a interesses relativos aos empreendimentos em que aquele era interessado e que estavam na sua dependência funcional, acabando efectivamente motivado por tal liberalidade que por tal razão lhe fora concedida, por, nos termos descritos, proferir significativos pareceres técnicos, que foram determinantes do deferimento da aludida pretensão» (facto provado 7.8.).  
É que uma coisa é dar-se por provado que o arguido “ficou comprometido” com a defesa dos interesses de EE outra, diversa, é a prova de que a vantagem aceite teve como objectivo imediato um acto ou omissão determinado.
Por conseguinte, em todas estas situações não ficaram provados todos os elementos típicos do crime de corrupção passiva para acto ilícito do artigo 372.º, n.º 1, do Código Penal, falhando a prova do acto ou omissão para o qual a vantagem foi solicitada ou aceite, isto é, a conexão entre a vantagem e uma concreta acção ou omissão.
Mas os factos provados integram em qualquer uma dessas situações a modalidade de corrupção passiva sem demonstração do acto concreto com que o agente pretende mercadejar com o cargo.
Já antes esclarecidas as razões da relevância típica das vantagens em todas essas situações, os restantes elementos do tipo, objectivos e subjectivos, decorrem dos factos provados, tal como acontece nas situações 4, 5 e 10 (prédio da Rua J… M…).
 Todos os que conferiram as vantagens tinham pretensões dependentes de decisões da Câmara Municipal de ..., no sector do urbanismo, na qual o arguido exercia as funções públicas de D... M... da A... do T....
Embora se trate predominantemente de vantagens indirectas, para a AA...-OAF, é exclusivamente no quadro das relações funcionais que as vantagens são compreensíveis. As vantagens visaram criar um clima de simpatia e permeabilidade do arguido no exercício das suas funções públicas e, assim, foram compreendidas e aceites pelo arguido.
E se poderia ser compreensível e razoável o recebimento das vantagens destinadas à AA...-OAF por parte do arguido enquanto dirigente da AA...-OAF o que se tem como certo é que os factos provados – e só estes interessam para a decisão – excluem essa hipótese e demonstram a falta de qualquer outra justificação para o recebimento das vantagens que não fosse o mercadejar com o cargo.
  10.2.6. De acordo com os factos provados, na situação 10, prédio da Rua V… de C…, o arguido recebeu de MM € 4000,00, como forma de “agradecimento” do «acolhimento dado à sua pretensão e à forma diligente com que o arguido AA criou condições para uma solução favorável aos seus interesses» (facto provado 10.19.), sendo que a concreta actuação do arguido que motivou tal “agradecimento” se mostra concretamente descrita, traduzindo-se em solicitar aos serviços competentes informação sobre a questão dos ascensores e lavrar parecer favorável à pretensão de YY de colocação de um único ascensor (facto provado 10.18).   
Ao receber essa quantia sabia ainda o arguido que ela visava compensá-lo materialmente pela intervenção que tivera (facto provado 10.21.).
A actuação (a prática do acto) dá-se antes do recebimento da vantagem, sendo esta motivada (determinada) pela prática de um concreto acto cabido nas funções públicas do arguido por aí ganhando relevância típica.
Os factos provados conformam, por isso, um caso de corrupção subsequente.
A subsunção ao n.º 1 do artigo 372.º ou ao n.º 1 do artigo 373.º dependerá da resposta à questão de saber se essa concreta actuação do arguido foi contrária aos deveres do seu cargo ou se não foi contrária aos deveres do cargo.
O que os factos provados de relevante na matéria esclarecem é que a informação do arguido foi sufragada por despacho do vereador competente. Não há, assim, qualquer elemento que sustente a inferência da contraditoriedade do acto aos deveres do cargo e nem mesmo se pode afirmar o “desvio de poder” sempre dependente de se estabelecer positivamente que a informação do arguido seria em sentido diferente se não fosse a “expectativa” de vir a ser “gratificado” por ela.      
Por isso, os factos provados, neste ponto, conformam a prática pelo arguido do crime de corrupção passiva para acto lícito do artigo 373.º, n.º 1, do Código Penal.
***
***
***
11. O Crime continuado
Não obstante a alteração da qualificação jurídica das condutas nas situações descritas em 1, 3, 6, 7 e 10, nesta quanto ao prédio da Rua V… de C…, mantém plena pertinência a questão de as mesmas serem, ou não, subsumidas à figura do crime continuado, agora, crime continuado de corrupção do artigo 373.º do CP.
11.1. Como vimos, o acórdão da relação confirmou o acórdão da 1.ª instância quanto à condenação do arguido «pela prática de um crime de corrupção para acto ilícito na forma continuada em cuja unidade de continuação criminosa foram integradas pela decisão recorrida vários “casos” descritos autonomamente na matéria de facto como “situações” dotadas de autonomia da sentido, subsumidas individualmente no art. 372º, n.º 1 do C. Penal, sob a epígrafe “corrupção passiva para acto ilícito” [5 situações descritas em 1., 3., 6., 7. 10 (parte relativa ao prédio da Rua V… de C…) da matéria provada] e no art. 373º n.º 2 do mesmo diploma, sob a epígrafe “corrupção para acto lícito” [3 situações descritas em 4., 5., e 10 – parte relativa ao prédio da Rua J… M…]».
Apreciando o recurso do Ministério Público, justamente, no ponto em que censurava a solução de afastar o concurso efectivo de crimes de corrupção, o cerne da decisão da relação, quanto à verificação do «quadro exterior que facilitou de forma considerável o renovar das sucessivas resoluções», radica no seguinte:
 «A circunstância facilitadora pode (…) radicar (…) numa circunstância objectiva, de natureza funcional/de procedimento mas ainda assim de natureza exterior ao arguido e facilitadora da renovação do processo de decisão - tendo utilizado com sucesso/êxito determinado tipo de procedimento/comportamento, o agente resolve repeti-lo.
«Êxito ligado a um condicionalismo envolvente objectivo/funcional, exógeno ao agente que persiste, além de ter sido utilizado, com êxito (e aplauso, como emerge do coro de personalidades iminentes que abonou, em audiência, a favor do arguido) nos casos precedentes. Envolvimento exógeno que no caso parece manifesto, atenta a reunião na mesma pessoa de dois cargos de tanto relevo, com poder de decisão e de influência em áreas distintas e nobres da vida local - a direcção do clube de futebol da cidade e a de decisor, ao mais alto nível, dos destinos urbanísticos do mesmo burgo. Qualquer deles dotado de poder e influência de elite a nível local - pela horizontalidade do clubismo futebolístico, numa cidade nostálgica da sua ..., onde, por outro lado e ao mesmo tempo, assume tanta importância a actividade de licenciamento/loteamento urbano no modelo económico vigente onde “quand le battiment va bien tout va bien”.»
11.2. É, justamente, no aspecto da fundamentação da continuação criminosa que, na expressão do Ministério Público, radica o “calcanhar de Aquiles” do acórdão recorrido.
Centra o Ministério Público a sua impugnação da decisão de subsumir as diversas condutas à figura do crime continuado em não se verificar um circunstancialismo exterior que tenha efectivamente facilitado a repetição da actividade criminosa e, deste modo, diminuído consideravelmente a culpa do arguido.
Segundo o Ministério Público, longe de uma menor exigibilidade só se encontrarão “razões para censurar ainda mais a conduta do arguido”.
11.3. Segundo o artigo 30.º, n.º 2, do CP, «constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação da mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente».
Sendo o crime continuado punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação (artigo 79.º, n.º 1, do CP).
«Aqui se revela o propósito da lei de tratar, sob um ponto de vista particular (…), um concurso de crimes efectivo no quadro da unidade criminosa, de uma “unidade criminosa” normativamente (legalmente) construída. E, coerentemente, o propósito de subtrair a punição às regras do concurso de crimes e submetê-la a um regime adequado à consideração do caso como de unidade de crime (artigo 79.º).»[55]
A figura do crime continuado não é, assim, entre nós, uma criação doutrinária ou jurisprudencial, constituindo, antes, uma clara opção político-criminal e dogmática do legislador. O intérprete e o aplicador do direito só têm de se conformar com a consagração legislativa da figura do crime continuado como alternativa, para certas situações, ao concurso efectivo de crimes.
«As reservas político-criminais que ao crime continuado se possam opor só podem por isso conduzir o intérprete e o aplicador a serem particularmente rigorosos e exigentes na aferição dos pressupostos, objectivos mas sobretudo subjectivos de que depende a existência jurídica da relação de continuação nos termos do artigo 30.º, n.º 2, do CP.»[56]
11.4. De acordo com os requisitos do n.º 2 do artigo 30.º do CP, no plano da conexão objectiva dos vários actos, exige-se que a realização continuada viole de forma plural o mesmo ou fundamentalmente o mesmo bem jurídico, de maneira a que se possa afirmar uma relação de estreita afinidade entre os bens jurídicos violados, e que seja executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma solicitação exterior, dando-se, aqui, relevo a uma “unidade de contexto situacional” em que ocorram as várias violações, isto é, “que elas se relacionem contextualmente umas com as outras”[57].
Não é no plano dos requisitos da conexão objectiva dos vários actos que se situa a impugnação da decisão de subsunção das diversas condutas ao crime continuado.
No contexto do recurso do Ministério Público a impugnação centra-se na vertente subjectiva da relação de continuação e são, aí, que afinal radicam, sempre, os problemas de solução mais duvidosa. 
Nas palavras de CC[58], essencial «à continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito».
Toda a construção do crime continuado apoia-se, assim, na diminuição considerável da intensidade da culpa que resulta de uma conformação especial do momento exterior da conduta que concorre para determinar o agente à resolução de renovar a prática do mesmo crime. A reiteração é devida mais a uma disposição das coisas do que a uma tendência da personalidade do agente.
«Por isso, sempre que se prove que a reiteração, menos que a tal disposição das coisas, é devida a uma certa tendência da personalidade do criminoso não poderá falar-se em atenuação da culpa e fica, portanto, excluída a possibilidade de existir um crime continuado. É o que sucederá, por exemplo, se se apurar que o agente é um abúlico, que se deixou arrastar por aquela situação para a repetição do crime como igualmente se deixaria arrastar por qualquer outra menos favorável – ou que, pela prática repetida de infracções, ele criou em si o hábito de delinquir, ou sempre o teve, de modo que a verificação de uma das referidas situações exteriores representou apenas, na reiteração da actividade, um papel irrelevante ou secundário.»[59]
Ora, no caso, as ocasiões favoráveis à prática do crime foram-se repetindo, sem que o arguido, com excepção do “caso LL”, tenha activamente contribuído para essa repetição, isto é, não foi o arguido quem provocou as ocasiões, ao arguido proporcionaram-se as ocasiões.
            Por outro lado, a motivação do agente permanece a mesma ao longo da prática criminosa repetida, conferindo uma certa unidade de sentido ao comportamento global.
            Decisivo para esta compreensão apresenta-se o facto provado sob o ponto III:
«- Ao actuar na forma descrita nas situações e período referidas em 1., 3. a 7. e 10., o arguido viu facilitada a sua actividade ilícita pela amplitude dos poderes que lhe eram conferidos como Director Municipal e pelo sucesso que foi tendo na realização de tais actos, sem que a sua actuação fosse colocada em causa, norteado e motivado pelas constantes dificuldades económicas e financeiras do clube por si presidido e dos compromissos que a este cabia assegurar ao longo de tal período.»
            Afirmando-se nos factos dados por provados, relativamente às situações 1, 3 a 7 e 10, a identidade dos bens jurídicos violados (o que confere ao comportamento global a unidade do desvalor de resultado), a homogeneidade das formas de execução (assegurando a unidade do desvalor objectivo da acção) e a presença do mesmo condicionalismo exógeno, susceptível de exercer a continuada solicitação para a repetição da infracção, conforma-se uma situação em que se mostra fundado um juízo de diminuição da culpa em nome de uma exigibilidade sensivelmente diminuída.
            O Ministério Público rejeita que tenha ocorrido um circunstancialismo exterior que tenha facilitado a repetição da actividade criminosa e, nomeadamente, quanto ao facto de em certo período o arguido ter acumulado em simultâneo as funções de DMAT e de Presidente da A… sustenta que não tem a virtualidade de ter precipitado e facilitado a repetição da actividade criminosa porque «estando em causa, no âmbito do primeiro daqueles cargos, o exercício de funções públicas, das quais são apanágio requisitos como a isenção, a imparcialidade, a probidade e a integridade, incumbia ao arguido um especial dever de se abster da prática de tais actos e se, porventura, o exercício dessas funções podia servir-lhe de tentação, então tinha a obrigação de ser firme e resistir com tenacidade a essa tentação».
O que equivale, afinal, a sustentar a “impossibilidade” da verificação da continuação criminosa relativamente a crimes específicos próprios que reclamam a qualidade de funcionário do autor. Quer dizer, a censura que o Ministério Público dirige à solução do crime continuado prescinde de qualquer ponderação global e dinâmica das conexões objectiva e subjectiva da continuação para se centrar na qualidade do agente, em função da qual se funda, justamente, a ilicitude (artigo 28.º do CP). E, por aí, não pode, evidentemente, proceder.
Por outro lado, não é imediatamente compreensível a pretensão do Ministério Público de revogação do acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido pela prática de um crime continuado de corrupção passiva para acto ilícito e de, em vez disso, condenação do arguido «pela prática, em concurso efectivo, de cinco crimes de corrupção passiva para acto ilícito e de um crime de abuso de poderes» (conclusão 12.ª) na medida em que desconsidera que no crime continuado foram, ainda, englobadas as três condutas qualificadas como integradoras do crime de corrupção para acto lícito.
***
***
***
12. A pena
12.1. Integrando as condutas respeitantes às situações 1, 3 a 7 e 10 um crime continuado de corrupção da previsão dos artigos 373.º e 30.º, n.º 2, do CP, a pena deve ser determinada no quadro da moldura penal abstracta desse crime de corrupção do artigo 373.º (pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias), como decorre do n.º 1 do artigo 79.º do CP, o que, imediatamente, coloca o problema da opção por uma das penas principais (a pena de prisão ou a pena de multa).
Devendo, para a sua resolução, convocar-se o artigo 70.º do CP que fornece o critério de escolha da pena segundo o qual «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de foram adequada e suficiente as finalidades da punição».
As finalidades da punição, isto é, as finalidades das penas são, como paradigmaticamente declara o artigo 40.º, n.º 1, do CP, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Com este texto, introduzido na revisão de 95 do CP[60], o legislador instituiu no ordenamento jurídico-penal português a natureza exclusivamente preventiva das finalidades das penas[61].
Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial. «Umas e outras devem coexistir e combinar-se da melhor forma e até ao limite possíveis, porque umas e outras se encontram no propósito comum de prevenir a prática de crimes futuros.»[62]
Com a finalidade da prevenção geral positiva ou de integração do que se trata é de alcançar a tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto. No sentido da tutela da confiança das expectativas de todos os cidadãos na validade das normas jurídicas e no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime. Do ponto de vista da prevenção especial, o critério decisivo é, em princípio, a medida da necessidade de socialização do agente.
É, pois, em função da articulação entre as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial que o caso suscite que a escolha entre as penas alternativas se coloca.
O crime de corrupção adquiriu uma fortíssima ressonância negativa na consciência comunitária disso dando um sinal claro a Lei n.º 32/2010, de 2 de Setembro, com a alteração – alteração essa traduzida num sensível agravamento –, da moldura penal abstracta dos tipos de corrupção passiva para acto ou omissão não contrários aos deveres do cargo (n.º 2 do artigo 373.º) e de recebimento indevido de vantagem (artigo 372.º, n.º 1), aquele punível, exclusivamente, com pena de prisão de um a cinco anos, e este punível, em alternativa, com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
A necessidade de salvaguardar a confiança dos cidadãos numa Administração Pública que sirva com neutralidade, objectividade e eficácia os interesses gerais reclama que a sanção penal dê um sinal claro de “intransigência” perante a corrupção e a venalidade, desta forma acompanhando os sentimentos de repúdio da comunidade pelo fenómeno da corrupção.        
No caso, considerando, ainda, o número de condutas que integram o crime continuado e tendo-se presente que a medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos é um «acto de valoração in concreto, de conformação social da valoração legislativa, a levar a cabo pelo aplicador à luz das circunstâncias do caso»[63] entende-se, não obstante o arguido não se mostrar carente de socialização, que a pena de multa não é adequada a acautelar a manutenção da confiança da comunidade no direito e na administração da justiça.
12.2. Será, pois, no quadro da pena de prisão de 30 dias a 2 anos que a medida concreta da pena deve ser determinada.
Tendo em conta, como já assinalámos, como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, releva determinar a medida óptima da tutela dos bens jurídicos. «Do que se trata – e uma tal tarefa só pode competir ao juiz – «é de determinar as referidas exigências que ressaltam do caso sub iudice, no complexo da sua forma concreta de execução, da sua específica motivação, das consequências que dele resultaram, da situação da vítima, da conduta do agente antes e depois do facto, etc.»[64].
Se são factores atinentes ao facto que relevarão as mais das vezes para a determinação da medida necessária para satisfazer as exigências de prevenção geral, nas condutas subsumíveis a um mesmo tipo legal podem encontrar-se muitas variáveis, sem se sair do âmbito do desvalor típico, capazes de influir, para mais ou para menos, na medida necessária à tutela do bem jurídico.
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva, devem actuar as exigências de prevenção especial.
Se a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2, do CP), a culpa tem a função de estabelecer «uma proibição de excesso»[65], constituindo o limite inultrapassável de todas as considerações preventivas.
 A aplicação da pena não pode ter lugar numa medida superior à suposta pela culpa, fundada num juízo autónomo de censura ético-jurídica. E o que se censura em direito penal é a circunstância de o agente ter documentado no facto – no facto que é expressão da personalidade – uma atitude de contrariedade ou de indiferença (no tipo-de-culpa doloso) ou de descuido ou leviandade (no tipo-de-culpa negligente) perante a violação do bem jurídico protegido. O agente responde, na base desta atitude interior, pelas qualidades jurídico-penalmente desvaliosas da sua personalidade que se exprimem no facto e o fundamentam[66].
Os concretos factores de medida da pena, constantes do elenco, não exaustivo, do n.º 2 do artigo 71.º do CP, relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção.
Nos crimes de corrupção, e como já antes destacámos, a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada reclama algum rigor punitivo, em razão, por um lado, dos “sentimentos difusos” do domínio da corrupção na vida pública que se instalaram na comunidade e, por outro lado, da acrescida “consciência” e exigência, por parte da comunidade, de que as funções públicas estejam ao serviço do “bem comum”.
O arguido é pessoa bem integrada socialmente e sem antecedentes criminais (cfr. ponto IV dos factos provados), não se demonstrando, não obstante a prática do crime, uma verdadeira carência de socialização pelo que, em termos de prevenção especial, tudo se resumirá em conferir à pena uma função de suficiente advertência[67].
No plano da culpa, releva ter em conta que a menor exigibilidade e a consequente diminuição da culpa que caracterizam o crime continuado já foram tomadas em conta, justamente, quando a punição foi subtraída às regras da pena conjunta pelo concurso, pelo que nada impede, agora, que a pluralidade de actos (concretamente oito) e a intensidade com que foram praticados sejam valoradas como factor de agravação da culpa[68].
Todavia, não será descabido, para a caracterização da medida da culpa, mais uma vez destacar os fins e motivos da actuação do arguido, não directamente ligados ao seu enriquecimento pessoal, uma vez que todas as vantagens, com excepção de uma única situação (o cheque de € 5000,00 entregue por J… A… e destinado a financiar a campanha do arguido para a direcção da AA...-OAF), se destinaram à AA...-OAF, num contexto de dificuldades económicas e financeiras do clube.
Nesta ponderação, temos por ajustada à satisfação das importantes exigências de prevenção geral que o caso suscita mas consentida pela culpa do arguido a pena de um ano de prisão pelo crime continuado de corrupção, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 30.º, n.º 2, e 373.º do Código Penal.
12.3. Impõe-se, agora, proceder à determinação da pena conjunta, pelo concurso de crimes, o crime continuado de corrupção e o crime de abuso de poder.
Estabelece o n.º 2 do artigo 77.º do CP, que a moldura penal abstracta do concurso de crimes é encontrada em função das penas concretamente aplicadas aos vários crimes em concurso, correspondendo o limite mínimo à pena mais elevada das penas concretamente aplicadas e o limite máximo à soma de todas as penas concretamente aplicadas (não podendo ultrapassar, porém, 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e 900 dias, tratando-se de pena de multa).
No caso, a moldura abstracta do concurso tem como limite mínimo 1 ano de prisão e como limite máximo 20 meses de prisão (dada a decisão da relação de condenar o arguido pelo crime de abuso de poder na pena de 8 meses de prisão, aspecto não impugnado da decisão).
A medida concreta da pena do concurso determinar-se-á, no quadro da moldura abstracta, segundo o critério do artigo 77.º, n.º 1, segundo parte, do Código Penal – na determinação da pena do concurso são considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente.
No nosso sistema, a pena conjunta pretende ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes. O que significa que o nosso sistema rejeita uma visão atomística da pluralidade dos crimes e obriga a ponderar o seu conjunto, a possível conexão dos factos entre si, e a relação da personalidade do agente com o conjunto de factos.
            E obriga a uma especial fundamentação, «só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da “arte” do juiz uma vez mais – ou puramente mecânico e, portanto, arbitrário»[69].
            Na avaliação conjunta dos factos e da personalidade do arguido sobressai, imediatamente, tratar-se de uma mera pluriocasionalidade, indissociável, como não pode deixar de ser, pela natureza dos crimes, do exercício de funções públicas, num período limitado de tempo. A actividade criminosa do arguido circunscreveu-se a esse período e foi muito concretamente motivada, no caso do crime continuado de corrupção, e sempre proporcionado pelo exercício de funções públicas, não se divisando, fora do exercício dessas funções, ou seja, exclusivamente radicada em qualidades desvaliosas da personalidade do arguido, qualquer “tendência criminosa” do arguido. Relevando, neste sentido, os factos de o arguido não ter antecedentes criminais e de ser pessoa com comportamento social adequado.
            Nesta ponderação, temos por adequada a pena conjunta de 15 meses de prisão.
            12.4. Em função do que deve ser abordada a questão da suspensão da execução da pena.    
            Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, ao Código Penal, ampliou-se de um modo importante o limite superior da pena de prisão cuja execução pode (poder/dever) ser suspensa. Se a suspensão da execução da pena estava limitada a penas até 3 anos de prisão, na actual redacção, o artigo 50.º do CP alargou esse limite, admitindo a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos.
Já os pressupostos materiais da suspensão da execução da pena não sofreram alteração.
Agora, como antes, o tribunal suspende a execução da pena de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Já antes destacámos a elevada dimensão em que se projectam as exigências de prevenção geral quanto ao crime de corrupção e o mesmo não deixa de se poder afirmar, em substancial medida, quanto ao crime de abuso de poder. Não obstante, há especiais contornos do crime de corrupção (aquele que assume, em função da pena parcelar por ele aplicada indiscutível preponderância no concurso) que o afastam dos casos típicos ou normais em que a ganância do agente dirigida ao seu enriquecimento pessoal é o principal fautor do crime. No caso, salvo uma única excepção, as vantagens destinaram-se a um clube desportivo e mesmo a única vantagem directa recebida pelo arguido não se dissocia da “vida” do clube porque foi destinada à campanha do arguido para a direcção do clube.
Os fins e motivos da actuação do arguido no quadro das «constantes dificuldades económicas e financeiras do clube», não podem deixar de interferir na percepção comunitária do crime atenuando as exigências de defesa do ordenamento jurídico que são, por regra e em abstracto, reclamadas pelo crime de corrupção.
Por isso, no caso, a suspensão da execução da pena, se subordinada ao cumprimento de deveres destinados a reparar o mal do crime, não deixará de ser compreensível para o sentimento jurídico da comunidade e para a manutenção da sua confiança no direito e na administração da justiça.
 Com a suspensão da execução da pena, acompanhada do dever de o arguido entregar a instituições de solidariedade social uma contribuição monetária adequada a reparar o mal do crime (artigo 51.º, n.º 1, alínea c), do CP), será assegurado, de forma adequada e suficiente, o efeito essencial de prevenção geral.
Tendo em conta a situação económica e financeira do arguido, pessoa que vive muito desafogadamente de rendimentos prediais, na ordem dos € 10.000,00, mensais, sem necessidade de exercer qualquer actividade profissional remunerada (ponto IV, 4. dos factos provados), temos por ajustado fixar em € 100.000,00 a contribuição monetária que o arguido deverá entregar, no prazo de 6 meses, como dever a que fica subordinada a suspensão da execução da pena, pelo período legal de 15 meses (n.º 5 do artigo 50.º do CP).
Sem razões para divergir do acórdão da 1.ª instância quanto às instituições de solidariedade social que figuravam como beneficiárias da contribuição fixada, com o mesmo fundamento, pela relevantíssimo papel social de ambas e pela particularidade da inserção de uma delas no meio geográfico e social da prática dos factos, decidimos que a contribuição monetária, agora fixada, deverá ser prestada, em partes iguais (€ 50.000,00, para cada uma):
– a “A…”, Associação de P… e A.. de C… com C…”, e
– a “S… – Associação dos A… do N… dos P…”.
***
***
***
3. Nos termos expostos, acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
3.1. Em rejeitar o recurso do arguido, na parte em que visa a decisão do recurso interlocutório, na parte em que impugna a decisão de condenação da AA...-OAF à perda de vantagens (pagamento ao Estado do respectivo valor atenuado) e relativamente à pretensão de absolvição quanto ao crime de abuso de poder.
3.2. Em rejeitar o recurso do Ministério Público quanto à decisão do incidente de liquidação e quanto à questão da atenuação do valor do pagamento ao Estado.
3.3. Em julgar improcedente o recurso do arguido quanto às questões que suscitou imediatamente conexionadas com a decisão proferida sobre matéria de facto, quanto às nulidades arguidas e quanto à invocada violação do princípio do contraditório e do direito ao recurso.
3.4. Em qualificar juridicamente os factos provados, relativos às situações 1, 3, 4, 5, 6, 7 e 10, como integradores de um crime continuado de corrupção, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 30.º, n.º 2, e 373.º, n.º 2, do Código Penal, o último na redacção da Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, e condenar o arguido AA, por esse crime, na pena de um ano de prisão.
Procedendo ao cúmulo jurídico dessa pena e da pena de oito meses de prisão em que o arguido foi condenado pelo crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º do Código Penal, em condenar o arguido na pena conjunta de quinze meses de prisão.
Em suspender a execução dessa pena, pelo período de quinze meses, sob a condição de o arguido entregar, no prazo de seis meses, às associações “A…, Associação de P… e A… de C… com C…”, e “S… – Associação dos A… do N… dos P…” a contribuição monetária de € 50.000,00, a cada uma delas.
***
Por conseguinte, embora por razões diversas, acordam em conceder parcial provimento ao recurso do arguido, quanto às questões da medida da pena pelo crime de corrupção e da suspensão da execução da pena, e em negar provimento ao recurso do Ministério Público quanto à questão de as condutas integradoras do crime de corrupção não deverem ser subsumidas à figura do crime continuado.
***
Não é devida tributação (por o recurso do arguido ter obtido parcial provimento e por o Ministério Público estar isento de custas).
***
                                                          

Supremo Tribunal de Justiça, 18/04/2013

Isabel Pais Martins (relator)
Manuel Braz




[1] Daqui em diante abreviadamente designado pelas iniciais CPP.
[2] Doravante abreviadamente designado pelas iniciais CP:
[3] São do seguinte teor os pontos 2.4. e 2.5. da matéria de facto a que é feita referência:
«2.4. Em meados do ano 2005, junto ao mês de Junho de 2005, o arguido AA, esteve presente, na qualidade de D... M..., num encontro com os promotores da denominada “Q.. de S… J…”, empreendimento imobiliário nesta cidade e comarca de ..., no sentido de procurar uma solução para um diferendo relativo a estremas, reunião na qual se encontravam, LL, A… F…G… e M… C…, relativamente aos quais sabia que, para além do interesse no empreendimento em causa, os presentes desenvolviam actividade na área da construção civil, âmbito em que, ainda que transitoriamente, exercia funções públicas.
«2.5. Aproveitando a sua presença, na qualidade de D... M..., no citado encontro o arguido, a determinada altura, instou, nos termos que infra serão referidos em 3.1. o promotor LL a auxiliar financeiramente a AA...-OAF, face à grave crise que a instituição atravessava.»

[4] Segue-se a numeração original.
[5] Trata-se manifestamente de um lapso na indicação do artigo, compreendendo-se a referência como feita ao artigo 410.º
[6] Trata-se, novamente, de manifesto lapso na indicação da norma.
«[7] Nos termos do artigo 95º n.1 do Decreto-Lei nº 555/99 de 16.12: “l — Os funcionários municipais responsáveis pela fiscalização de obras ou as empresas privadas a que se refere o n.° 5 do artigo anterior podem realizar inspecções aos locais onde se desenvolvam actividades sujeitas a fiscalização nos termos do presente diploma, sem dependência de prévia notificação.”»
«[8] Conforme expressão manuscrita aposta na mesma pelo seu punho “Enviar para DMAT”.»
«[9] Conforme se extrai do teor das informações de fls. 34/35 e 40/43 do apenso V.»
«[10] (vide entre outros fls. 107 do apenso V, no qual se faz menção da abertura desse caminho sem que o arguido tomasse concretamente qualquer acção quanto a essa questão pese embora lhe faça referência na informação de 13.09.04 –vide fls. 95 a 100, já que se extrai da prova produzida a continuação das intervenções  em zona verde para abertura de tal caminho – vide informação de fls. 39 e 41 do apenso V e bem assim o depoimento da testemunha J… L… da C… F…, contratado no decurso do ano de 2005 para executar trabalhos relativos à sua execução (vide fls. 120 a 123), referindo esta testemunha terem os mesmos já sido iniciados por outros, mostrando-se a desmatação já efectuada nessa altura).»
«[11] Vide o teor das informações da Engª M… A… e C… P… a fls. 40 a 42 e 39 do apenso V, nas quais é invocada a violação dos disposto pelos artigos 39º e 40º do PDM, que efectivamente dispõe:
“-Zonas verdes de uso público:
 I –As zonas verdes de uso público são áreas da estrutura verde urbana especialmente vocacionadas para o recreio e lazer e que deverão ser usufruídas por toda a população. 2 – Para estas zonas, e sem prejuízo do disposto no número anterior, enquanto não dispuserem de planos de pormenor ou outros estudos de conjunto, não será permitido: a) A execução de novas edificações; b) A destruição do solo vivo e do coberto vegetal; c) Alterações à topografia do terreno; d) Derrube de árvores; e) Descarga de entulho.
Artigo 40º- Zonas verdes de protecção – Zonas verdes de protecção são áreas da estrutura verde urbana através das quais se pretende proteger: a) A estabilidade biofísica, nomeadamente as encostas declivosas, os solos agrícolas e as linhas de águas: b) As infraestruturas, nomeadamente rodovias. 2 – Aplicar-se-á nestas zonas o disposto nos n°s2, 3 e 4 do artigo anterior. 3 – Estas zonas poderão ser públicas ou privadas conforme o determinado em plano de pormenor ou outro estudo de conjunto “»  

«[12] Resulta ainda do artigo 2º da Lei n. 95/99, de 17 de Julho, que define as competências dos directores municipais, caber-lhes para além do mais: dirigir todos os serviços compreendidos na respectiva direcção e superintender nos actos neles praticados e o pessoal a eles afecto. Por outro lado, resulta da delegação de competências constante do Edital nº 51/2003 a fls.50/51 do apenso VI, ponto 11., por reporte ao artigo 95º do REJUE, a subdelegação de competências ao arguido no que se reporta à fiscalização.»
    

«[13] O artigo 83º, n.º 3 do D.L. n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo D.L. 177/2001 (RJUE) estabelece que é necessário proceder à alteração da licença sempre que as alterações da obra ao projecto inicialmente aprovado envolvam a realização de obras de ampliação ou de alteração à implantação das edificações, sendo que a realização da edificação em desconformidade com o projecto consubstancia, nos termos do artigo 98º n.1 al.b) a prática de uma contra-ordenação.»

«[14] O artigo 4º, n.º 2, alínea b) e c) do D.L. n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo D.L. 177/2001, de 4 Junho. Nos termos desta norma estão sujeitas a licença administrativa …“as obras de urbanização e os trabalhos de remodelação de terrenos em área não abrangida por operação de loteamento, bem como a criação ou remodelação de infra-estruturas que, não obstante se inserirem em área abrangida por operação de loteamento, esteja sujeitas a legislação específica que exija a intervenção de entidades exteriores ao município no procedimento de aprovação dos respectivos projectos de especialidade”.

 “As obras de construção, de alteração ou de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor (…)” Por sua vez, o artigo 98º, n.º 1, alínea a) do mesmo diploma, refere que “ (…) são puníveis com contra-ordenação (…) a realização de operações urbanísticas sujeitas a prévio licenciamento ou autorização sem o respectivo alvará”.»


[15] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 2000, p. 335.
[16] Publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Tomo III, 2004, pp. 158-159.
[17] Cfr., exemplificativamente, jurisprudência citada por Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, Universidade Católica Editora, anotação 5 ao artigo 420.º, pp. 1162-1163.
[18] Ainda do acórdão de 22/09/04.
[19] O qual frequentemente temos citado.
[20] Assim se escreveu, v.g., no acórdão deste Tribunal, de 07/04/2010 (processo n.º 2792/05.1TDLSB.L1.S1 – 3.ª secção).
[21] Neste sentido, v.g., o acórdão de 06/05/2010, no processo n.º 156/00.2IDBRG.S1-5.ª secção.
[22] Como se escreveu, v.g., no acórdão deste Tribunal de 13/02/2008 (processo n.º 2696/07 – 5.ª secção).
[23] Assim se escreveu, v.g., no acórdão deste Tribunal, de 07/04/2010 (processo n.º 2792/05.1TDLSB.L1.S1 – 3.ª secção).
[24] Código de Processo Civil Anotado, volume V, Coimbra Editora, LIm. 1981, p143.
[25] Assim, António Manuel de Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, p, 655.
[26] Ibidem, p. 656.
[27] Ibidem, p. 661.
[28] «A Corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de alguns (distintos) entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador]», Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora 2003, p. 970.
[29] Almeida Costa, ob. cit., p. 656.
[30] Ibidem, p. 671.
[31] Código Penal Português na Doutrina e na Jurisprudência, 3.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra 1977, p. 518.
[32] António Manuel de Almeida Costa, Sobre o Crime de Corrupção, Coimbra 1987, p. 124, nota 323.
[33] Ob. cit., pp. 671, 672.
[34] Na expressão de Cláudia Santos, loc. cit., e em «Notas breves sobre os crimes de corrupção de agentes públicos», Julgar, n.º 11, p. 52 e ss.
[35] Assim, Cláudia Santos, «A corrupção», Liber discipulorum cit., p. 985.
[36] Ibidem, pp. 986 e 987, e nota 41.
[37] Neste ponto, cfr. a referida posição de Almeida Costa.
[38] Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p. 974.
[39] Cáudia Santos, Liber Discipulorum cit., p. 984.
[40] António Manuel de Almeida Costa, Sobre o Crime de corrupção, Coimbra 1987, p. 123 e nota 318.
[41] Assim, Cláudia Santos, «Notas Breves ..» cit, pp. 52-53.
[42] Assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2.ª edição actualizada, p. 984.
[43] Almeida Costa, Comentário cit., p. 665.
[44] Ibidem, p. 667.
[45] Ibidem.
[46] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal cit., p. 986.
[47] Almeida Costa, Comentário cit., p. 673.
[48] Ibidem, p. 662.
[49] Comentário ao Código Penal cit., p. 986.
[50] Ob. cit, p. 107.
[51] Comentário cit, p. 982.
[52] Ibidem, pp. 982-983.
[53] As penas referidas reportam-se aos crimes-base, sem a agravação prevista no artigo 374.º-A, nomeadamente, em função do valor da vantagem.
[54] Assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal cit., p. 977.
[55] Assim, Figueiredo Dias, «Direito Penal», Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, p. 1027.  
[56] Ibidem, p. 1041.
[57] Ibidem, p. 1030.
[58] Direito Criminal, II, Livraria Almedina, Coimbra, 1968, p. 209.
[59] Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Reimpressão, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1983, p. 251.
[60] Inexistente na versão primitiva do CP, foi introduzido com a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
[61] Sobre a evolução, em Portugal, do problema dos fins das penas e a doutrina do Estado, cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 88 e ss.
[62] Ibidem, p. 105.
[63] Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, p. 228.
[64] Ibidem, p. 241.
[65] Figueiredo Dias, Temas, cit., p. 109.
[66] Figueiredo Dias, «Sobre o Estado Actual da Doutrina do Crime» Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 2, Fasc.1, Janeiro-Março de 1992, Aequitas, Editorial Notícias,p. 14.
[67] Figueiredo Dias, Temas cit., p. 108, Consequências cit., p. 244.
[68] Neste ponto, cfr. Figueiredo Dias, Consequências cit., p. 296.
[69] Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências cit, p.129