Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
295/11. 4TAMGR-A.C1-B
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
EXTEMPORANEIDADE
TRÂNSITO EM JULGADO
ACTO DE FUNCIONÁRIO
ERRO DA SECRETARIA JUDICIAL
LAPSO MANIFESTO
ERRO GROSSEIRO
Data do Acordão: 03/22/2017
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – ATOS PROCESSUAIS / TEMPO DOS ATOS E ACELERAÇÃO DO PROCESSO / COMUNICAÇÃO DOS ATOS E CONVOCAÇÃO PARA ELES – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / ATOS PROCESSUAIS / ATOS DA SECRETARIA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 4.º, 105.º, N.º 1, 113.º, N.º 2, 438.º, N.º 1 E 441.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 157.º, N.º 6 E 628.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 03-05-2007, PROCESSO N.º 1594/07;
- DE 25-09-2008, PROCESSO N.º 2300/08;
- DE 11-12-2014, PROCESSO N.º 1049/12.6JAPRT-C.S1.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- ACÓRDÃO N.º 59/99;
- ACÓRDÃO N.º 512/04;
- ACÓRDÃO N.º 275/06;
- ACÓRDÃO N.º 399/09;
- ACÓRDÃO N.º 234/10;
- ACÓRDÃO N.º 667/14;
- ACÓRDÃO N.º 31/17.
Sumário :
I -   O prazo para interposição do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência é de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar – n.º 1 do art. 438.º do CPP. As decisões judiciais consideram-se transitadas em julgado logo que não sejam susceptíveis de recurso ou de reclamação – art. 628.º, do CPC, ex vi art. 4.º, do CPP.

II -  In casu, tendo a decisão recorrida sido notificada aos recorrentes por via postal registada, na pessoa do mandatário, no dia 08-07-2016, e não tendo sido objecto de qualquer pedido de correcção ou de reclamação, transitou em julgado no dia 08-09-2016 (arts. 113.º, n.º 2 e 105.º, n.º 1, do CPP). Sucede que o recurso foi interposto no dia 14-10-2016, data do envio a juízo do respectivo requerimento, razão pela qual ter-se-á de considerar fora de prazo.

III -    Relativamente à certidão entregue aos recorrentes na qual foi indicado como data do trânsito em julgado da decisão recorrida o dia 16-09-2016, quando é certo que o trânsito em julgado ocorreu no dia 08-09-2016, cumpre ter presente que o prazo de interposição do recurso extraordinário para fixação ou uniformização de jurisprudência visa a estabilização definitiva da decisão ou sentença dentro do espaço ou período de tempo considerado pelo legislador, tendo em vista a segurança e a certeza da decisão judicial, a intangibilidade do decidido, sendo pois de interesse e ordem pública, razão pela qual não pode ser prorrogado, nem alterado, muito menos alargado por via de um lapsus calami ou de um lapso cometido na sua contagem por parte de oficial de justiça.

IV -    No caso, não se pode considerar que o erro praticado pela secretaria judicial tenha prejudicado os recorrentes, porquanto não lhes retirou ou reduziu qualquer direito ou garantia processual, sendo que a ser tido por relevante nos termos do n.º 6 do art. 157.º do CPC, ao invés, iria beneficiar os recorrentes ao atribuir-lhes mais 8 dias de prazo para interposição de recurso, visto que se trata de um erro grosseiro, insusceptível de induzir em engano o mandatário dos recorrentes, o qual, após ter sido notificado do acórdão recorrido ficou, necessariamente, a saber a data do término do prazo de que dispunha para interposição do recurso, para além de que é aos sujeitos processuais, obviamente na pessoa dos respectivos mandatários, que compete contar os prazos de que dispõem para a prática dos actos que pretendem praticar.

Decisão Texto Integral:

                                          *

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA e BB, com os sinais dos autos, interpuseram recurso extraordinário, para fixação de jurisprudência, com o fundamento de que o acórdão proferido no Tribunal da Relação de Coimbra em 6 de Julho de 2016, no âmbito do Processo n.º 295/11. 4TAMGR-A.C1-B, no qual figuram como arguidos, está em oposição com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, prolatado no dia 17 de Dezembro de 2014, no âmbito do Processo n.º 10/11. 2IDAVR.P1.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação de recurso[1]:


a) Os recorrentes foram condenados no processo 295/11.4TAMGR em pena de 1 ano e 6 meses cada um pelo crime de abuso de confiança contra a Segurança Social p.p. pelo Art. 105 nº 1, 3 e 4 alineas a) e b)  e 6 e 7 ex vi do Art. 107 nº 1 e 2 do RGIT.
b) Em 18.12.2013 os recorrentes declararam  ter pago ao abrigo do DL 151-A/2013  a totalidade do seu débito perante a Segurança Social  relativamente a cotizações dos meses de Março 2008 a Agosto de 2009 inclusive.
c) Por esse facto requereram a abertura da audiência socorrendo-se do disposto no Art. 371-A do C.P. Penal .
d) O Ministério Público não se opôs a tal pedido.
e) O Tribunal de Alcobaça opôs-se à reabertura da audiência e à aplicação do disposto no DL 151-A/2013, baseando-se no facto de o pagamento ter sido após a dedução da acusação, indeferindo assim o requerido.
f) Apresentado recurso no Tribunal da Relação de Coimbra, foi mantida tal decisão alegadamente porque “a regularização excecional das dividas fiscais  que sejam objecto de processo crime só relevará para efeitos da aplicação do disposto no Art. 2 nº 4 do DL 151-A/2013 de 31/10 se tiver ocorrido até à dedução da acusação.
g) Reconhece, no entanto, este mesmo Acórdão que os recorrentes procederam ao pagamento integral da divida, que o prazo legal tinha terminado antes de 31 de Agosto de 2013 e que o pagamento foi efectuado entre os dias 1/11/2013 e 20/12/2013.
h) Este Acórdão não admite recurso ordinário.
i) Todavia o Acórdão atrás citado está em contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/12/2014 em que é Relatora ... (publicado em www.dgsi.pt).
j) Este Acórdão foi proferido no domínio da mesma legislação não tendo ocorrido qualquer modificação legislativa que possa interferir na resolução da questão de direito.
k) Este Acórdão da Relação do Porto conclui que o pagamento do imposto em divida independentemente do momento em que tal pagamento ocorre, obviamente antes de 20/12/2013 – permite ao agente beneficiar do regime de dispensa de pena.
l) Ora no caso dos autos o pagamento foi efectuado integralmente em 02.12.2013.
m) O legislador, DL 151-A/2013, ao referir a possibilidade de aplicação do regime da dispensa da pena quer expressamente ir mais além do que um simples perdão de juros e demais acréscimos legais, querendo com tal remissão tornar claro – e a lei especial derroga a lei geral – que desde que o contribuinte proceda ao pagamento integral do capital do imposto devido, pode, independentemente do momento em que tal pagamento ocorrer, beneficiar do regime da dispensa da pena.
n) Atento o exposto e em cumprimento do nº 2 do Art. 442 do Código do Processo Penal, deve ser uniformizada jurisprudência no seguinte sentido

O pagamento do capital do imposto devido, ao abrigo do DL 151-A/2013 de 31/10, independentemente do momento em que tal pagamento ocorre, permite ao agente beneficiar do regime da dispensa da pena

Na resposta o Ministério Público alegou:


1. Os recorrentes AA e BB interpõem recurso para fixação de jurisprudência, considerando que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06.07.2016 (cfr. fls. 16 a 20) se encontra em oposição com o decidido pelo Tribunal da Relação do Porto no acórdão de 17.12.2014, proferido no Processo n.º 10/l1.2IDAVR.Pl, 1.ª Secção;
2. Os arguidos foram condenados no Processo n.º 295/l1.4T AMGR, na pena de 1 ano e 6 meses cada um, pelo crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelo art.º 105.°, n.º 1,3 e 4, alíneas a) e b) e 6 e 7 ex vi do art.º 107.°, n.º 1 e 2 do RGIT;
3. Requereram a abertura da audiência ao abrigo do art.º 371.°-A, do Código de Processo Pena, por considerarem que o regime constante do Dec. Lei n.º 151-A/2013, entretanto entrado em vigor, era mais favorável que o aplicado, constante do RGIT, pretendendo beneficiar do regime de dispensa de pena;
4. Tendo-lhe sido indeferido o requerimento, recorreram dessa decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual confirmou a decisão recorrida por entender que "Da conjugação das normas entendemos portanto, e conforme decidiu o tribunal recorrido, que a regularização excepcional das dívidas fiscais que sejam objecto de processo crime só relevará para efeitos do disposto no art.º 2.º n.º 4, do D. L. n. o 151-A/2013, de 31/10, se tiver ocorrido até à dedução da acusação" e " (. . .) como se entendeu que não havia lugar à aplicação da lei invocada a abertura de audiência não tinha sentido e, por isso, foi indeferido o pedido. E foi indeferido precisamente na base da não aplicação da lei que, caso fosse de aplicar, determinaria aquela abertura. Não se vê como é que a decisão de fundo poderia depender da realização de uma diligência que não podia ter lugar";
5. Como se verifica, a recusa na abertura da audiência foi baseada no entendimento de que não havia lugar à aplicação do Dec. Lei n.º l51-A/2013, por a regularização excepcional das dívidas à Segurança Social feita pelos arguidos em 05/12/2013 não ter sido feita até à dedução da acusação.
6. Já o acórdão do Tribunal da Relação do Porto referido, entende que "O pagamento da prestação tributária em dívida realizada ao abrigo do DI. n. 151-A/2013 de 31 de Outubro, viabiliza a aplicação do regime da dispensa de pena independentemente do momento em que a regularização foi efectuada";
7. Estes acórdãos, ambos transitados em julgado e proferidos dentro da mesma legislação em vigor, parece-me que perfilham entendimentos divergentes sobre a mesma questão de direito, que no caso dos presentes autos teve reflexo directo na decisão de indeferimento do pedido dos arguidos de abertura da audiência.
8. Assim, em conclusão, e salvo melhor opinião, parece-me que se encontram preenchidos os fundamentos exigidos pelo art.º 437.º do CPP para que seja admitido este recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta acompanha a transcrita resposta.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

                                          *

Do exame dos autos resulta que o recurso deve ser rejeitado.

Vejamos.

A primeira parte do n.º 1 do artigo 441º do Código de Processo Penal[2] manda rejeitar o recurso para fixação de jurisprudência se ocorrer motivo de inadmissibilidade ou o tribunal concluir pela não oposição de julgados.

A lei adjectiva penal estabelece, em caso de rejeição do recurso, que o acórdão se limita a identificar o tribunal recorrido, o processo e os sujeitos processuais e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão – n.º 3 do artigo 420º, aqui aplicável ex vi artigo 448º.

Especificando sinteticamente os fundamentos da rejeição, dir-se-á.

Um dos motivos de inadmissibilidade dos recursos é a interposição fora de tempo – n.º 2 do artigo 414º –, ou seja, a apresentação fora de prazo do respectivo requerimento de interposição.

O prazo para interposição do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência é de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar – n.º 1 do artigo 438º.

As decisões judiciais consideram-se transitadas em julgado logo que não sejam susceptíveis de recurso ou de reclamação – artigo 628º, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4º, do Código de Processo Penal.

No caso vertente a decisão recorrida, tendo sido notificada aos recorrentes por via postal registada, na pessoa do seu Exmo. Mandatário, no dia 8 de Julho de 2016 (fls.172 do processo apenso), e não tendo sido objecto de qualquer pedido de correcção ou de reclamação, transitou em julgado no dia 8 de Setembro de 2016 (artigos 113º, n.º 2, e 105º, n.º 1).

Nesta conformidade o prazo para interposição do presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, sendo de trinta dias, terminou no dia 10 de Outubro de 2016, sendo que de acordo com o n.º 5 do artigo 107º o acto de interposição de recurso podia ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações, ou seja, podia ser praticado até ao terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, nos termos dos artigos 107º-A, do Código de Processo Penal, e 139º, do Código de Processo Civil, isto é, até ao dia 13 de Outubro de 2016.

Sucede que o recurso foi interposto no dia 14 de Outubro de 2016, data do envio a juízo do respectivo requerimento (fls.17/18), razão pela qual ter-se-á de considerar fora de prazo.

                                         *

Alegam os recorrentes, porém, em reclamação que dirigiram ao Exmo. Presidente deste Supremo Tribunal, na sequência de despacho proferido pelo Exmo. Desembargador relator no Tribunal da Relação de Coimbra que não admitiu, por intempestivo, o presente recurso, que a decisão ora recorrida ainda nem sequer transitou em julgado, porquanto não foi notificada aos arguidos/recorrentes nas suas próprias pessoas, devendo tê-lo sido, para além de que em certidão que requereram ao tribunal recorrido foi certificado pela secretaria judicial que aquela decisão transitou em julgado em 16 de Setembro de 2016, razão pela qual deve ser o recurso admitido, tanto mais que segundo estabelece o n.º 6 do artigo 157º do Código de Processo Civil, aplicável em processo penal por força do artigo 4º, do Código de Processo Penal, os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.

Apreciando, dir-se-á.

No que concerne à não notificação do acórdão recorrido aos arguidos/recorrentes nas suas próprias pessoas, certo é que a lei adjectiva penal não impõe a notificação pessoal dos arguidos relativamente aos acórdãos dos tribunais superiores proferidos em recurso, notificação que, segundo estabelece o n.º 10 do artigo 113º, pode ser feita ao respectivo defensor ou advogado, como no caso vertente se verificou. Tem sido este o entendimento deste Supremo Tribunal, como resulta, entre outros, dos acórdãos de 3 de Maio de 2007, de 25 de Setembro de 2008 e de 11 de Dezembro de 2014, proferidos nos processos n.ºs 1594/07, 2300/08 e 1049/12.6JAPRT-C.S1, respectivamente, entendimento que, conforme tem decidido o Tribunal Constitucional, não enferma de inconstitucionalidade – entre outros, os acórdãos n.ºs 59/99, 512/04, 275/06, 399/09, 234/10, 667/14 e 31/17.

Relativamente à certidão entregue aos recorrentes na qual foi indicado como data do trânsito em julgado da decisão recorrida o dia 16 de Setembro de 2016, quando é certo o trânsito em julgado, como se deixou consignado, ter ocorrido no dia 8 de Setembro de 2016, cumpre ter presente que o prazo de interposição do recurso extraordinário para fixação ou uniformização de jurisprudência, visa a estabilização definitiva da decisão ou sentença dentro do espaço ou período de tempo considerado pelo legislador, tendo em vista a segurança e a certeza da decisão judicial, a intangibilidade do decidido, sendo pois de interesse e ordem pública, razão pela qual não pode ser prorrogado[3], nem alterado, muito menos alargado por via de um lapsus calami ou de um lapso cometido na sua contagem por parte de oficial de justiça.

Aliás, no caso vertente não se pode considerar que o erro praticado pela secretaria judicial tenha prejudicado os recorrentes, porquanto não lhes retirou ou reduziu qualquer direito ou garantia processual, sendo que a ser tido por relevante nos termos do n.º 6 do artigo 157º do Código de Processo Civil[4], ao invés, iria beneficiar os recorrentes ao atribuir-lhes mais oito dias de prazo para a interposição de recurso, visto que se trata de um erro grosseiro, insusceptível de induzir em engano o Exmo. Mandatário dos recorrentes, o qual, após ter sido notificado do acórdão recorrido ficou, necessariamente, a saber a data do término do prazo de que dispunha para interposição do recurso, para além de que é aos sujeitos processuais, obviamente na pessoa dos respectivos mandatários, que compete contar os prazos de que dispõem para a prática dos actos que pretendem praticar.

                                         *

Termos em que se acorda rejeitar o recurso.

Custas pelo recorrente – 1 UC de taxa de justiça, a que acresce o pagamento de 3 UC nos termos do artigo 420º, n.º 4, do Código de Processo Penal.

                                         *

Oliveira Mendes (Relator)

Pires da Graça

Santos Cabral (vencido conforme declaração de voto)

______________


Declaração de voto

A questão suscitada nos presentes autos incide no aproveitamento processual pelo recorrente duma comunicação efectuada pela secretaria judicial que, erroneamente, indique um prazo não coincidente com a lei aplicável.

O legislador processual penal não teve qualquer necessidade de regular o regime da prática de actos processuais em sede de actos da secretaria. Consequentemente, não tendo existindo regras autónomas nesta área processual penal, estamos em crer que está justificada a aplicação das normas do processo civil, tal como estabelece o artigo 4º do Código de Processo Penal, impondo-se a conclusão de que se harmoniza com o processo penal a regra estabelecida no artigo 157º, nº 6, do Código de Processo Civil ou seja os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.

Em última análise está em causa o principio da confiança que é atributo do Estado de Direito pois que, como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional de 21-12-2004, : No caso de existência de erro da secretaria não reparado por intervenção oficiosa ou motivada do autor, há que notar que a solução elegida pelo legislador encontra acolhimento desde logo, na garantia constitucional do acesso aos tribunais nas suas dimensões de direito a uma tutela efectiva e eficaz e de proibição de indefesa, consagrada no artº 20º, e no princípio da tutela da confiança ínsíto no princípio do Estado de direito democrático, a demandar que se deva confiar nos actos dos funcionários judiciais praticados no processo enquanto agentes que estes são dos Tribunais e enquanto os mesmos não forem revogados ou modificados, este decorrente do artº 2º, ambos os preceitos da CRP.

No caso concreto o recorrente invoca a indicação de trânsito constante de certidão que lhe foi entregue e que o faria incurso no devido prazo de recurso. Consequentemente, ao abrigo do normativo citado, concluiria que o recurso foi interposto em tempo.

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[1] - O texto que a seguir se transcreve, bem como o que mais adiante se irá transcrever, correspondem ipsis verbis, aos constantes dos autos.
[2] - Serão deste diploma legal todos os demais preceitos a citar sem menção de referência.

[3] - A lei adjectiva penal apenas permite a prorrogação do prazo de interposição dos recursos ordinários, conforme preceito do n.º 6 do artigo 107º.
[4] - É do seguinte teor o n.º 6 do artigo 157º do Código de Processo Civil:
«Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes».