Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1568/22.6T8FNC.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
PERDA DE INTERESSE DO CREDOR
BOA FÉ
RECUSA DE CUMPRIMENTO
DEVEDOR
COMPORTAMENTO CONCLUDENTE
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. Sendo, como é, típico da condição que o facto condicionante seja incerto, se, a certa altura, ficou assente que a condição a que as partes subordinaram a realização da escritura de compra e venda não se verificaria, não tem qualquer sentido aguardar por mais tempo, pois o nº 1 do artº 275º do Código Civil determina, então, que tal será equivalente à sua não verificação.

II. É susceptível de determinar a perda objectiva do interesse na prestação, a lesão grave e justificada da confiança do promitente-vendedor na capacidade e vontade séria da contraparte na realização das prestações a seu cargo, resultante de demora claramente excessiva, segundo os padrões dominantes e as exigências de razoabilidade e da boa fé, agravada pela assumpção pelo promitente comprador de comportamentos evasivos, contrários às exigências da boa fé (esquivando-se a qualquer contacto e respostas, seja para com o promitente vendedor, seja para com a Câmara Municipal para realização de diligências e prestação dos esclarecimentos devidos), reveladores de uma actuação não colaborante, demonstrativa de manifesta desconsideração pela confiança e pelos interesses legítimos da contraparte.

III. Quando o devedor toma atitudes ou comportamentos que revelem, inequivocamente, a intenção de não cumprir a prestação a que se obrigou, porque não quer ou não pode, o credor não tem de esperar pelo vencimento da obrigação (se ainda não ocorreu), não tendo, sequer, de alegar e provar a perda de interesse na prestação do devedor, nem tem de o interpelar admonitoriamente, para ter por não cumprida a obrigação.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível


I – RELATÓRIO

AA instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, pedindo que, pela sua procedência:

i.- se declare resolvido o contrato-promessa celebrado entre o mesmo e a primeira Ré, mencionado no art.º 1.º da petição inicial;

ii.- se condene os Réus, solidariamente, a restituir-lhe a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no valor de € 100.000,00, acrescida de juros de mora, desde a citação até efetivo pagamento.

Para tanto alega ter celebrado com a Ré um contrato-promessa de compra e venda de um prédio rústico e que, estando ainda em curso o processo de licenciamento para construção, por parte da Câmara Municipal de ... – circunstância contratualmente acordada como necessária à celebração da escritura definitiva de compra e venda – , tomou conhecimento que a Ré efectuou a desanexação de uma parcela com 531 metros quadrados do prédio que lhe prometeu vender, que doou ao aqui segundo Réu.

Mais alega que tal desanexação inviabiliza que leve a cabo o projecto que havia desenhado para o prédio que prometeu comprar à Ré e que, como tal, interpelou a Ré para que esclarecesse a situação, sem que tivesse obtido qualquer resposta.

Conclui, assim ter existido, por parte da Ré, um incumprimento do acordado, razão pela qual entende ter direito a receber o valor correspondente ao sinal por si efectivamente entregue à Ré, em dobro.


*


Regularmente citados, os Réus impugnam a alegação apresentada pelo Autor, sustentando que entre Autor e Ré BB foram celebrados três contratos-promessa, que sempre considerou complementares, e que foi o Autor quem incumpriu com o acordado, na medida em que, face à ausência de desenvolvimentos, agendou escritura definitiva (em 03 de Dezembro de 2009), comunicou a sua data ao Autor e este não compareceu.

Mais alegam que em 2010, a Ré BB tentou solucionar a questão com o Autor, dando-lhe conta de que pretendia pôr fim aos contratos celebrados e que voltaria a cultivar o seu terreno, disponibilizando-se para lhe devolver o sinal de € 50.000,00 que aquele lhe havia entregue, o que este recusou.

Acrescentam os Réus que a Ré BB tentou, uma vez mais, em 2011, devolver o sinal, mas que o Autor voltou a declarar pretender uma quantia superior, o que ela recusou, não tendo existido contacto entre as partes até ao final do ano de 2021.

Pugnam, assim, pela improcedência da acção, sustentando ter a Ré BB resolvido os contratos em 2010, por incumprimento do Autor, actuando este em abuso de direito e em clara litigância de má-fé, ao pretender que lhe seja entregue o sinal em dobro quando recusou a sua devolução em singelo.

Reconvencionalmente, os Réus peticionam que seja decretada a resolução dos três contratos-promessa de compra e venda celebrados entre si e o Autor, com efeitos reportados ao final do ano 2010, por incumprimento definitivo e culposo daquele e pela sua perda de interesse na venda prometida, reconhecendo-se o direito da Ré BB a fazer seu o montante de 50.000,00€ recebido a título de sinal.


*


Replicou o Autor, batendo-se pela improcedência da reconvenção deduzida.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, vindo, a final, a ser proferida sentença, julgando improcedente a acção e parcialmente procedente a reconvenção e, consequentemente:

i.- declarar licitamente resolvido, por culpa do Autor, o contrato-promessa celebrado entre este e a Ré, referido em B, J e S do elenco de factos provados, incidente sobre a parcela de 1427 metros quadrados, do prédio misto, sito ao Sítio do ..., na freguesia e concelho de ..., com 2010 metros quadrados, inscrito na matriz cadastral respetiva sob o art.º 1.º, da Secção RR e na matriz predial urbana sob o art.º 889.º e art.º 890, descrito na CRP de ..., sob o n.º ...39/20010511, da freguesia de ...;

ii.- na sequência do referido em i., declarar poder a Ré BB fazer seu o sinal de € 50.000,00 que lhe foi entregue pelo Autor;

iii.- absolver os Réus dos pedidos contra si deduzidos;

iv.- absolver o Autor do demais contra si peticionado.


*


Inconformado com esta decisão, dela veio o Autor AA interpor recurso de apelação, tendo a Relação de Lisboa, em acórdão, julgado procedente o recurso, revogando a sentença recorrida “na parte em que declarou licitamente resolvido, por culpa do Recorrente, o contrato-promessa que serve de fundamento à ação e em que declarou poder a Recorrida fazer seu o sinal de € 50.000,00 que lhe fora entregue pelo Recorrente”.

Inconformada com esta decisão da Relação, vem a Ré/recorrida BB interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES

1. A R., promitente vendedora, é uma pessoa humilde, analfabeta, com uma saúde frágil, nascida e vivida num meio rural,onde cultivava o terreno rústico objecto do contrato de promessa de compra e venda em causa nos autos.

2. O A. é pessoa com habilitações literárias, experiência profissional numa área das obras e da construção civil, inserido no meio comercial urbano mais avançado do Funchal.

3. Ao tempo da celebração do contrato de promessa de compra e venda inicial – 07-12-2003, a R., promitente vendedora, tinha 60 anos de idade e o A., promitente-comprador 29 anos.

4. Ficou a caber ao A. a apresentação de projecto de arquitectura para construção de edifício de habitação colectiva [alínea DD) dos factos provados] no terreno objecto de compra e venda (parcela de 1427m2), a desanexar do prédio inscrito na matriz rústica sob parte do artigo 1 da Secção “RR”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...39/010511.

5. O contrato de promessa de compra e venda inicial, celebrado em 07-12-2003, foi objecto de dois aditamentos datados de 12-12-2006 e 07-12-2007, ambos destinados à prorrogação do prazo de um ano, para a celebração da escritura de compra e venda prometida e pagamento da parte do preço em dívida (214.326,89€).

6. O preço total da venda convencionado foi de 264.362,89€, tendo sido entregue, pelo A. à R., na data da celebração do contrato de promessa de compra e venda inicial (07-12-2003), a quantia de 50.000,00€ a título de sinal.

7. O A., promitente-comprador, a quem incumbia a aprovação do projecto e obtenção da respectiva licença de construção, junto do Município de ..., enredou-se num emaranhado de questões com aquela autarquia e jamais logrou a aprovação do projecto em causa, indispensável à outorga da prometida escritura de compra e venda.

8. Apesar de ter dado entrada do requerimento inicial para a aprovação do projecto, em 7-04-2004, [alínea EE) dos factos provados)], a verdade é que, só em 21-11-2008, apresentou elemento que para o efeito lhe haviam sido solicitados [alínea GG dos factos provados].

9. Todavia, por ofício de 04-03-2009, o A., promitente-comprador, foi notificado pelo Município de ..., no sentido de não estarem satisfeitas as condições para a aprovação do projecto, por desconformidades várias com a legislação aplicável [alínea GG dos factos provados].

10.Entre elas encontravam-se as seguintes situações:

a) Não apresentou, como lhe fora determinado por ofício de 24-10-2008, de documento válido comprovativo da cedência de área, por parte do “proprietário do prédio confinante a Sul”, indispensável para a implantação do prédio a edificar;

b) Falta de apresentação do Plano de Acessibilidades, em conformidade com o nº 5 do art.º 3º do Dec-Lei nº 163/2006, de 8 de Agosto.

11. Na sequência de tal advertência da autarquia,o A.entregou,em 16-04-2009, a Memória Descritiva e Justificativa junta aos autos, apresentando também um novo projecto [alínea JJ) dos factos provados].

12. Porém, o A. não apresentou documento comprovativo da aquisição de área que se mostrava necessária, do prédio pertencente a DD, mas antes, uma mera declaração de autorização de demolição de uma parede existente naquele terreno [alínea MM) dos factos provados].

13. Mais referiu o A. que, de harmonia com a D.R.I.G.O.T., o terreno em causa seria público, pelo que não pertenceria ao referido dito DD [alínea KK) dos factos provados].

14. Ao recusar suprir as insuficiências do projecto, relativamente à lei da mobilidade (Dec-Lei nº 163/06), o A. colocou-se naquilo a que Batista Machado qualifica de “recusa antecipada de cumprimento”, que se reconduz, por sua vez, a uma situação de “incumprimento definitivo“.

15. Ao necessitar de uma área do “domínio público” indispensável à implantação do prédio a edificar, e de uma outra área onde projectou a entrada do mesmo edifício, cujo titular se ignora quem possa ser, tornou-se manifesto que se está perante uma outra circunstância, que Batista Machado qualifica de “impossibilidade de cumprimento”, a qual se reconduz, também, a uma situação de “incumprimento definitivo“.

16. Em qualquer caso, o A. e a R. acordaram na prorrogação de um novo prazo de 1 ano, pelo aditamento de 07-12-2007, (ou seja, até 07-12-2008), como última oportunidade para o A. cumprir com as suas obrigações contratuais, mormente suprir as insuficiências do projecto junto do Município de ..., o que, mais uma vez não aconteceu.

17. Sendo que, por essa via, se operou a conversão da “mora” em que o A. se encontrava, em “incumprimento definitivo”, nos termos do art.º 808º, nº 1., do CCivil.

18. Por assim ser, a resolução do contrato operada pela R., nos finais de 2010, é inteiramente lícita, ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, uma vez que, não tendo o A. realizado a prestação que lhe competia, nos dois sucessivos prazos de 1 ano, que lhe foram concedidos, por acordo e por via dos dois aditamentos contratuais celebrados, operou-se a conversão da “mora” em que o A. se encontrava, em “incumprimento definitivo”.

19. Mas é ainda inteiramente lícita a resolução em causa, por parte da R., por perda no interesse, por parte desta, na prestação, em consequência da mora do A., mercê, além do mais, da desvalorização da parte do preço a receber por motivo da inflação, por um lado, e da valorização do imóvel objecto da promessa de venda, por outro.

20. A tudo isto acresce a manifesta revelação pela conduta adoptada pelo A. e já sobejamente descrita, de que este tinha assumido deliberadamente recusar, em definitivo, o cumprimento do contrato, ao não suprir as insuficiências do projecto suscitadas pelo Município de ..., sendo que muitas delas seriam mesmo insupríveis, como se demonstrou.

21. Operou-se, pois, a legítima e licita resolução do contrato em causa nos autos, por iniciativa da R., fundamentada em exclusiva culpa e inequívoco “incumprimento definitivo” do A..

22. Acresce que o A. conformou-se e aceitou, irreversivelmente, durante 12 anos, a resolução operada pela R., aceitação esta que foi acompanhada da sua total inação junto do Município de ..., confirmando, assim, que considerou tal resolução inteiramente licita.

23. Sucede que, embora, como se demonstrou, não seja esse o caso, ainda que se estivesse perante uma mera mora de mais de 7 anos, sempre a A. teria direito à reparação dos danos que a situação lhe causou, designadamente por ter estado impedida de dispor do imóvel em causa e dele poder tirar qualquer proveito da sua exploração agrícola, que só retomou depois de 2010, na sequência da resolução do contrato (art.º 804º do CCivil).

24. Tal indemnização nunca seria inferior ao do sinal perdido a seu favor, por todas as razões referidas e que não foram tidas em devida conta no Acórdão recorrido.

25. O Acórdão recorrido violou, entre outras disposições legais, os art.ºs 237º, 442º e 808º do Código Civil.

Termos em que se deverá considerar procedente o recurso, revogando-se o douto Acórdão recorrido, na parte em que alterou a douta sentença da 1ª Instância, relativamente à reconvenção, no tocante ao pedido de perda do sinal a favor da A., o que deve ser declarado e reconhecido.


*


Contra-alegou o recorrido, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


**


II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Nada obsta à apreciação do mérito da revista.

Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).


**


Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), a questão a decidir é a seguinte:

Se foi lícita a resolução do contrato-promessa dos autos pela Ré/Recorrente e do direito em fazer seu o sinal que lhe foi entregue pelo Autor/Recorrido recorrente


**


III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. FACTOS PROVADOS

É a seguinte a matéria de facto provada:

A.- O prédio misto, sito ao Sítio do ..., na freguesia e concelho de ..., com 2010 metros quadrados, inscrito na matriz cadastral respectiva sob o artigo 1.º, da Secção "RR" e na matriz predial urbana sob o artigo 889.º e artigo 890.º, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...39/20010511, da freguesia de ..., mostra-se registado, por compra e através da Apresentação número 3, de 4 de Dezembro de 2001, a favor da aqui Ré BB;

B.- A 07 de Dezembro de 2003, o Autor, na qualidade de Segundo Contraente, e Ré, na qualidade de Primeira Contraente, celebraram acordo escrito, que denominaram de Contrato Promessa de Compra e Venda, mediante o qual a segunda prometia vender ao primeiro, que o prometia comprar, uma parcela de terreno com área de 1427 metros quadrados, a desanexar do prédio rústico, sito no ..., na freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz cadastral respectiva sob o artigo 1 da Secção "RR" e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...39/010511, da freguesia de ...;

C.- Sob a cláusula Segunda do acordo referido em B., constam, entre outros, os seguintes dizeres: “(…) preço total de € 264.362,89, que será pago da seguinte forma:

a título de sinal e princípio de pagamento, o Segundo Contratante paga a Primeira Contratante, a quantia de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), que fica, desde já, pago;

O remanescente do preço, será pago da seguinte forma:

Primeira: O Segundo Contratante irá construir um edifício, na parcela de terreno supra identificada, para o qual fica desde já autorizado a apresentar o projecto em seu nome, ou no de quem este indicar, sendo que o pagamento a título de sinal será efectuado da forma que se segue:

i. Na conclusão da 3.ª laje, será paga a promitente vendedora, a quantia de 71.400,00 € setenta e um mil quatrocentos euros);

ii. Na conclusão das restantes lajes, será paga a promitente vendedora, a quantia de 71.400,00 € (setenta e um mil quatrocentos euros);

iii. Quando o edifício estiver fechado com alumínio, será paga a promitente vendedora, a quantia de 71.562,88 € (setenta e um mil quinhentos e sessenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos).

Segunda: O Segundo Contratante criará uma garantia bancária a favor da Primeira Contratante, no valor de 214.000,00 € (duzentos e catorze mil euros), depois do projecto ser aprovado pela Câmara Municipal;

Terceira: O Segundo Contratante fará um seguro de responsabilidade civil a favor da habitação da Primeira Contratante.

D.- Sob a Cláusula Quarta do acordo referido em B. as partes estabeleceram que “Caso o projecto de construção, não venha a ser aprovado, a desanexação não seja possível, ou não exista acordo quanto à entrada a criar, o presente contrato fica sem efeito, devolvendo a Primeira Contratante ao Segundo Contratante, o sinal em singelo que tiver recebido”;

E.- Sob a Cláusula Quinta do acordo referido em B. as partes estabeleceram que “O segundo Contratante tem o prazo de três anos para efectuar os restantes pagamentos, a contar da data da celebração do contrato de promessa de compra e venda, ainda que a obra não tenha sido iniciada,”;

F.- Sob a Cláusula Sexta do acordo referido em B. as partes estabeleceram que “O Segundo Contratante compromete-se a deixar uma entrada com a área a fixar por acordo entre ambas as partes, para a casa da Primeira Contratante, sendo a de aquela com portão e campainha; o Segundo Contratante compromete-se a deixar uma outra entrada, com a área a acordar entre ambas as partes, para a casa onde reside o filho daquela contratante”;

G.- Sob a Cláusula Sétima do acordo referido em B. as partes estabeleceram que “O Segundo Contratante compromete-se a ceder ou entregar um parque de estacionamento descoberto, destinado a uma viatura, à Primeira Contratante”;

H.- Sob a Cláusula Oitava do acordo referido em B. as partes estabeleceram que “A Primeira Contratante fica obrigada a dar todas as necessárias autorizações para a construção do edifício, bem como para a desanexação, sendo que o projecto de arquitectura será apresentado na Câmara Municipal de ..., em nome do Segundo Contratante, ou no de quem este indicar, obrigando-se ainda aquela a outorgar todos e quaisquer actos que lhe venham a ser solicitados pelo Segundo Contratante e se mostrem necessários a formalização da escritura que titulará o contrato ora prometido.”;

I.- Sob a Cláusula Décima Terceira do acordo referido em B. as partes estabeleceram que “A escritura definitiva, de compra e venda será celebrada entro do prazo de três anos, depois aprovado o projecto e na data em que for criada a garantia bancária a favor da Primeira Contratante, e quando o promitente comprador avisar a promitente vendedora, com oito dias de antecedência, do dia, hora e Cartório Notarial.”;

J.- A 12 de Dezembro de 2006, o Autor, na qualidade de Segundo Contraente, e Ré, na qualidade de Primeira Contraente, celebraram acordo escrito, que denominaram de Contrato Promessa de Compra e Venda, mediante o qual a segunda prometia vender ao primeiro, ou a quem e como este indicar, que o prometia comprar, uma parcela de terreno com área de 1427 metros quadrados, a desanexar do prédio rústico, sito no ..., na freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz cadastral respectiva sob o artigo 1 da Secção "RR" e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...39/010511, da freguesia de ...;

K. Sob as Cláusulas Terceira e Quarta do acordo referido em J. as partes estabeleceram que “o preço total acordado para a prometida compra e venda é de € 264.362,89 (…) pago da seguinte forma: a) € 50.000,00 (cinquenta mil euros) já entregues, a título de sinal e princípio de pagamento do preço total, prestando a Primeira Contraente quitação do pagamento; b) O remanescente do preço, ou sejam, € 214.362,89 (duzentos e catorze mil trezentos e sessenta e dois euros e oitenta e nove cêntimos), será entregue aquando do acto de outorga da escritura pública ora prometida.”;

L. Sob a Cláusula Quinta do acordo referido em J. as partes estabeleceram que “A escritura de compra e venda será outorgada no prazo de um ano, a contar da data da celebração do presente contrato promessa”;

M. Sob a Cláusula Sétima do acordo referido em J. as partes estabeleceram que “O Segundo Contraente compromete-se a deixar uma entrada com área a fixar por acordo entre ambas as partes, para a casa da Primeira Contraente e outra também com área acordar entre ambas as partes, para a casa onde reside o filho da Primeira, sendo a desta com portão e campainha.”;

N. Sob a Cláusula Oitava do acordo referido em J. as partes estabeleceram “O Segundo Contraente compromete-se a ceder um parque de estacionamento descoberto, destinado a uma viatura, à Primeira Contraente.”;

O. Sob a Cláusula Nona do acordo referido em J. as partes estabeleceram que “a) A Primeira Contraente fica obrigada a dar todas as necessárias autorizações para a desanexação, para a construção do edifício, sendo que o projecto de arquitectura será apresentado na Câmara Municipal de ..., em nome do Segundo Contraente, ou no de quem este indicar; b) As partes contratantes comprometem-se a fornecer toda a documentação que lhes seja exigível e necessária à outorga da escritura, ficando ambas obrigadas à assinatura de todos os documentos necessários à boa realização da mesma.”;

P. Sob a Cláusula Décima do acordo referido em J. as partes estabeleceram “No final do prazo, ou em caso a desanexação não seja possível, o projecto de construção não seja aprovado ou não exista acordo quanto às entradas a criar, o presente contrato fica sem efeito, devolvendo a Primeira Contraente ao Segundo Contraente, o sinal em singelo recebido.”;

Q. Sob a Cláusula Décima Segunda do acordo referido em J. as partes estabeleceram “1. O Segundo Contraente deverá efectuar a marcação da escritura e informar, por escrito registado, a Primeira Contraente da data, hora e Cartório Notarial, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias. Caso o Segundo Contraente não interpele a Primeira Contraente nos termos do número anterior, dentro do prazo constante da Cláusula Quinta, o referido dever de marcação da escritura transmite-se imediatamente a esta, que o deve exercer, nos mesmos termos e com a mesma antecedência que vincula o Segundo Contraente.”;

R. Sob a Cláusula Décima Quarta do acordo referido em J. as partes estabeleceram que “Qualquer alteração ou aditamento ao presente contrato obedecerá à forma escrita, acompanhada da assinatura de ambas as partes contraentes, passando assim a fazer parte integrante do presente documento, para todos os efeitos legais”;

S. A 07 de Dezembro de 2007, o Autor, na qualidade de Segundo Contraente, e Ré, na qualidade de Primeira Contraente, celebraram acordo escrito, que denominaram de Contrato Promessa de Compra e Venda, mediante o qual a segunda prometia vender ao primeiro, que o prometia comprar, uma parcela de terreno com área de 1427 metros quadrados, a desanexar do prédio rústico, sito no ..., na freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz cadastral respectiva sob o artigo 1 da Secção "RR" e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...39/010511, da freguesia de ...;

T. Sob as cláusulas Terceira e Quarta do acordo referido em S., as partes estabeleceram o preço total de € 264.362,89, pago da seguinte forma:

➢ € 50.000, 00, já entregues, a título de sinal e princípio de pagamento do preço total;

➢ € 214.362,89, entregues aquando do acto de outorga da escritura pública prometida;

U. Sob a Cláusula Quinta do acordo referido em S. estabeleceram as partes que a escritura de compra e venda será outorgada aquando na emissão da licença pela Câmara Municipal de ..., do projecto em nome do Segundo Contraente;

V. Sob a Cláusula Décima do acordo referido em S., ficou estabelecido que “em caso a desanexação não seja possível, o projecto de construção não seja aprovado ou não exista acordo quanto as entradas a criar, o presente contrato fica sem efeito, devolvendo a Primeira Contraente ao Segundo Contraente, o sinal em singelo recebido;

W. Sob a Cláusula Décima Segunda do acordo referido em S., ficou acordado que “1. O Segundo Contraente deverá efectuar a marcação da escritura e informar, por escrito registado, a Primeira Contraente da data, hora e Cartório Notarial, com antecedência de 10 (dez) dias. 2. A expedição de carta registada com aviso de recepção à contraparte para a morada constante deste contrato, dentro do prazo referido na presente clausula, é prova bastante de que foi promovida a notificação para celebração do negócio definitivo,”;

X. Sob a Clausula Décima Quarta do acordo referido em S. constam os seguintes dizeres: Qualquer alteração ou aditamento ao presente contrato obedecerá à forma escrita, acompanhada da assinatura de ambas as partes contraentes, passando assim a fazer integrante do presente documento, para todos os efeitos legais;

Y. O Autor remeteu à Ré, com data de 17 de Dezembro de 2021, missiva escrita de que constam, além do mais, os seguintes dizeres: Vimos pela presente, na qualidade de mandatário de AA, solicitar a V. Excia a presença numa reunião neste escritório, a fim de tratar de assunto de V. interesse relacionado com a celebração de contrato promessa de compra e venda (…)”;

Z. O Autor remeteu à Ré, com data de 24 de Janeiro de 2022, missiva escrita de que constam, além do mais, os seguintes dizeres: (…) na qualidade de mandatário de AA, interpelar V. Excia. que atendendo ao incumprimento da sua parte do contrato de promessa de compra e venda celebrado com o nosso constituinte, interpelar V. Excia, que de acordo com o mesmo, seja efectuada a devolução, em dobro, do sinal pago, ou seja, o valor de € 100.000,,00 (cem mil euros), a transferir no prazo de 5 (cinco) dias úteis, para a conta daquele cujo NIB já se indica PT.. ... .... .... ....... 05 do BCP, sob pena de não o fazendo, sermos obrigados a recorrer à via judicial para cobrança coerciva, com todos os inconvenientes daí advenientes (…)”;

AA. Na descrição do prédio identificado em A. constam os seguintes dizeres: “desanexado o número ..82/20210423, com 531 m2”;

BB. O prédio rústico, sito ao Sítio do ..., na freguesia e concelho de ..., com 531 metros quadrados, inscrito na matriz cadastral respectiva sob o artigo 1º, da Secção "RR", descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..82/20210423, da freguesia de ..., mostra-se registado, por doação de BB, através da Apresentação número .20, de 23 de Abril de 2021, a favor de CC;

CC. No prédio referido em BB., o Réu CC iniciou obras de construção;

DD. O Autor pretendia construir, na parcela identificada em B., J. e S., um bloco de apartamentos destinado a habitação colectiva;

EE. A 7 de Abril de 2004, o Autor deu entrada, na Câmara Municipal de ..., de um requerimento a solicitar a aprovação do projecto de arquitectura para a construção de um Edifício de Habitação Colectiva;

FF. O pedido referido em EE. deu origem ao Processo com a referência OBPECD ..39/06;

GG. Por ofício datado de 4 de Março de 2009, com o número ..35, a Câmara Municipal de ... notificou o Autor, comunicando-lhe que relativamente aos elementos apresentados na Câmara Municipal em vinte e um de Novembro de dois mil e oito, registados sob o número ...14, respeitante à construção de um edifício de habitação colectiva no prédio localizado ao Sítio do ... não estavam reunidas as condições para a viabilização da construção do dito edifício, atendendo a que existiam situações que não estavam devidamente esclarecidas e que estavam em desconformidade com a legislação aplicável;

HH. No ofício referido em GG. foi comunicado ao Autor que a entrega de elementos dispersos no processo, alguns que alteram a implantação e a área bruta de construção, bem como a área e configuração geométrica do prédio, não permite calcular os parâmetros urbanísticos resultantes, nem analisar correctamente a proposta face ao enquadramento urbanístico face ao Regulamento do Plano Director Municipal e face à envolvente urbana. A correcta apreciação do processo só será possível efectuar mediante a apresentação de um novo processo de licenciamento da solução final preconizada, instruído nos termos da Portaria 232/2008, de 1 1 de Março; 2- A exequibilidade da última solução de implantação apresentada, que mereceu parecer favorável por parte da R..., S.A., está dependente de uma autorização de cedência de terceiros, nomeadamente do proprietário do prédio confinante a Sul. Até a presente data, não apresentou qualquer documento válido, comprovativo dessa autorização, nem da titularidade de propriedade do respectivo prédio, conforme foi comunicado em nosso ofício n.º 11822, de 24 de Outubro de 2008. 3- O projecto não dá cumprimento ao Decreto-Lei 163/2006, de 8 de Agosto, relativamente às condições de acessibilidade a garantir nas edificações, tanto no que se refere aos espaços comuns como aos espaços privativos do edifício.

II. O ofício referido em GG. termina comunicando ao Autor que deve reformular o projecto na totalidade, devendo completar a instrução do processo com o Plano de Acessibilidades de acordo com o n.º5 do artigo 3.º do Decreto-lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto, que apresente a rede de espaços e equipamentos acessíveis bem como soluções de detalhe métrico, técnico e construtivo, esclarecendo as soluções adoptadas em matéria de acessibilidade a pessoas com deficiência e mobilidade condicionada.”;

JJ. Na sequência da comunicação referida em GG., o Autor apresentou, a 16 de Abril de 2009, uma "Memória Descritiva e Justificativa" acompanhada do projecto completo;

KK. Da memória descritiva referida em JJ., constam, entre o mais os seguintes dizeres:” No que diz respeito ao ponto 2 do referido ofício da Câmara Municipal, em anexo segue a declaração já entregue do proprietário do prédio confinante para a cedência de parte de espaço por ele ocupado para correcção do traçado entre o Caminho do ... e a Estrada Regional. De referir que os serviços públicos de cartografia através da D.R.I.G.O.T. já informaram o requerente que o espaço por este ocupado é público, era um antigo largo existente conforme é visível na Planta Cadastral apresentada. A autorização está apresentada com reconhecimento de assinatura sendo este documento valido (…)”;

LL. Na memória descritiva referida em JJ., constam os seguintes dizeres: No que respeita ao ponto 3 (…) entendemos que não deve ser feita qualquer modificação pois trata-se de legislação posterior à apresentação do projecto que data de 2004. (…) Julgamos que estão cumpridos todos os pressupostos legais para dar finalmente andamento a um processo que teve início em 2004 e que já mereceu todos os pareceres positivos da Secretaria Regional do Equipamento Social.(…)”;

MM. A declaração referida em KK. mostra-se assinada com o nome de DD, datada de 11 de Outubro de 2006 e dela constam os seguintes dizeres”(…) autoriza AA (…) na qualidade de promotor, a proceder à demolição de uma parcela de terreno da propriedade daquele numa distância de 2,5m para correcção do troço viário do ... que dará acesso a um empreendimento imobiliário a construir no local por este.”;

NN. O Autor não entregou à Ré uma garantia bancária;

OO. O Autor não solicitou à Ré que assinasse quaisquer documentos com vista à desanexação da parcela e não marcou escritura;

PP. Estranhando a demora, face ao comportamento do Autor quanto à marcação da escritura, a Ré decidiu notificar o Autor, através de carta registada com aviso de recepção, datada de 13 de Novembro de 2009, solicitando a sua comparência no dia 3 de Dezembro de 2009, pelas 15h00m, no Cartório Notarial do Notário EE, sito à Rua da ..., com vista à celebração da escritura;

QQ. A comunicação referida em PP. foi recebida a 17 de Novembro de 2009;

RR. No dia 3 de Dezembro de 2009, pelas 15h00m, a Ré compareceu no referido Cartório Notarial;

SS. O Autor não compareceu nem contactou a Ré;

TT. Receando que o Autor não levasse a cabo a construção, a Ré contactou-o em 2010, insistindo na realização da escritura de compra e venda;

UU. Na sequência do contacto referido em TT., o Autor informou a Ré que estava a ser difícil a aprovação do projecto de arquitectura pela Câmara Municipal de ...;

VV. Por ofício de 13 de Agosto de 2010, sob o número ..58, a Câmara Municipal de ... comunicou ao Autor, em resposta a documento por este apresentado a 12 de Março de 2010, que não estavam reunidas as condições para a viabilização do projecto de arquitectura, atendendo a que, em nada se tinham alterado os pressupostos de facto anteriormente informados;

WW. No ofício referido em VV., constam, além do mais, os seguintes dizeres: ”A Direcção Regional de Informação Geográfica e Ordenamento do Território, limita-se a certificar que a referida parcela não faz parte do prédio confinante a Sul, omitindo se a referida parcela constitui propriedade privada ou pública. Não obstante esta omissão, verifica-se no local a ocupação efectiva e privada da referida parcela (portão de acesso automóvel, pertencente à moradia n.º 428 da Estrada ...), podendo estar em causa direitos adquiridos; Havendo dúvidas acerca da natureza pública ou privada da parcela de terreno em questão, não cabe a esta Câmara Municipal resolver os problemas em litígio, mas sim, aos tribunais competentes; Salienta-se que, não obstante o exposto, uma das condições fundamentais para que a Câmara Municipal possa licenciar a obra, passa pela obrigatoriedade de demonstrar a legitimidade plena sobre a titularidade da área do prédio em que vai intervir, condição esta, que até à presente data ainda não foi demonstrada.”;

XX. O Autor mandou projectar a entrada/acesso do edifício a construir sobre uma parcela de terreno alheia, sabendo que a mesma não lhe pertencia nem pertencia ao prédio da Ré;

YY. O prédio confinante a Sul com o prédio da Ré é o prédio rústico inscrito na matriz cadastral sob o artigo 5 da Secção "RR" da freguesia de ..., registado em nome de DD;

ZZ. O Autor não conseguiu comprovar a legitimidade plena sobre a titularidade da área do prédio a intervir e, por força disso, não conseguiu obter a aprovação do projecto de arquitectura por parte da Câmara Municipal de ... nem a emissão da licença de obras em seu nome;

AAA. A Ré tomou conhecimento do referido em GG. a MM., VV. e WW., através do Autor, no final do ano 2010, quando se deslocaram à Câmara Municipal de ... para consultar o estado do processo de licenciamento;

BBB. No final do ano de 2010, a Ré comunicou ao Autor que os contratos ficavam sem efeito por não poder ficar à espera que aquele resolvesse o problema da legitimidade e por não ter feito as diligências necessárias para que o projecto fosse aprovado e a licença de obras fosse emitida;

CCC. O comportamento do Autor, referido em GG. a MM., VV. e WW., fez com que a Ré concluísse que o Autor, por sua culpa, não iria dar cumprimento ao acordado entre eles;

DDD. Na sequência do referido em BBB. e CCC. a Ré comunicou ao Autor estar disposta a devolver-lhe o sinal, no montante de € 50.000,00€;

EEE. O Autor não aceitou o referido em DDD.;

FFF. Na sequência do referido em AAA. a FFF. a Ré não mais contactou o Autor;

GGG. Após o referido em AAA. a FFF. e até o momento referido em Z., o Autor não mais contactou a Ré;

HHH. A Ré é analfabeta, limitando-se a assinar o seu nome;

III. A Ré nasceu em ... de ... de 1943;

JJJ. A Ré sofre de hipertensão, tendo já sofrido um Acidente Vascular Cerebral;

KKK. O Autor nasceu a ... de ... de 1974.


*


Não ficou provado que:

1. Com a desanexação referida em AA. e a obra referida em CC. o projecto pretendido pelo Autor não se poderá concretizar nos termos previstos;

2. O Réu, filho da Ré, sabia e tinha a consciência da existência do contrato promessa aqui em causa e não o teve em consideração;

3. A desanexação referida em AA. e a obra referida em CC. impedem a concretização do projecto apresentado na Câmara e tornam inviável qualquer alteração;

4. A elaboração dos referidos contratos-promessa ficou sempre a cargo dos mandatários do Autor;

5. A Ré esteve sempre, nas alterações efectuadas aos acordos assinados, acompanhada pela sua mandatária;

6. O processo camarário número ..39/06 ainda se encontra pendente;

7. A Ré cultiva o seu prédio, à vista de toda a gente, desde o final de 2010;

8. No início do ano 2011, a Ré voltou a insistir junto do Autor, no sentido de lhe devolver o sinal, o que este não quis.


**


III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO

Em causa está, como dito, saber se a resolução do contrato pela ré (promitente-vendedora) foi lícita, permitindo-lhe fazer seu o sinal prestado (pelo autor-promitente-comprador).

Estabilizada que ficou, na Relação, a factualidade provada, é com ela que teremos de trabalhar na solução do litígio.

Temos, assim, como assente que o Autor, na qualidade de Segundo Outorgante, e a Ré, na qualidade de Primeira Outorgante, celebraram, em 07.12.2003, por escrito, um contrato-promessa de compra e venda, mediante o qual o primeiro prometeu comprar e a segunda prometeu vender, pelo preço de € 264.362,89, o seguinte imóvel:

- parcela de terreno com área de 1427 metros quadrados, a desanexar do prédio rústico, sito no ..., na freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz cadastral respectiva sob o artigo 1 da Secção "RR" e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...39/010511, da freguesia de ....

Nesse contrato foi clausulado, designadamente, que:

a título de sinal e princípio de pagamento, o Segundo Contratante paga a Primeira Contratante, a quantia de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), que fica, desde já, pago;

O remanescente do preço, será pago da seguinte forma:

Primeira: O Segundo Contratante irá construir um edifício, na parcela de terreno supra identificada, para o qual fica desde já autorizado a apresentar o projecto em seu nome, ou no de quem este indicar (…).

• Cláusula Quarta: “Caso o projecto de construção, não venha a ser aprovado, a desanexação não seja possível, ou não exista acordo quanto à entrada a criar, o presente contrato fica sem efeito, devolvendo a Primeira Contratante ao Segundo Contratante, o sinal em singelo que tiver recebido”;

• Cláusula Quinta: “O segundo Contratante tem o prazo de três anos para efectuar os restantes pagamentos, a contar da data da celebração do contrato de promessa de compra e venda, ainda que a obra não tenha sido iniciada,”;

• Cláusula Sexta: “O Segundo Contratante compromete-se a deixar uma entrada com a área a fixar por acordo entre ambas as partes, para a casa da Primeira Contratante, sendo a de aquela com portão e campainha; o Segundo Contratante compromete-se a deixar uma outra entrada, com a área a acordar entre ambas as partes, para a casa onde reside o filho daquela contratante”;

• Cláusula Sétima: “O Segundo Contratante compromete-se a ceder ou entregar um parque de estacionamento descoberto, destinado a uma viatura, à Primeira Contratante”;

• Cláusula Oitava: “A Primeira Contratante fica obrigada a dar todas as necessárias autorizações para a construção do edifício, bem como para a desanexação, sendo que o projecto de arquitectura será apresentado na Câmara Municipal de ..., em nome do Segundo Contratante, ou no de quem este indicar, obrigando-se ainda aquela a outorgar todos e quaisquer actos que lhe venham a ser solicitados pelo Segundo Contratante e se mostrem necessários a formalização da escritura que titulará o contrato ora prometido.”;

• Cláusula Décima Terceira: “A escritura definitiva, de compra e venda será celebrada dentro do prazo de três anos, depois de aprovado o projecto e na data em que for criada a garantia bancária a favor da Primeira Contratante, e quando o promitente comprador avisar a promitente vendedora, com oito dias de antecedência, do dia, hora e Cartório Notarial.”;

Com datas de 12.12.2006 e 07.12.2007, foram outorgados, por escrito e entre as mesmas partes, dois outros contratos-promessa de compra e venda incidindo sobre a mesma parcela de terreno com área de 1427 metros quadrados, ali se mencionando o mesmo preço de venda, bem assim o seguinte clausulado (com relevo para a apreciação do caso sub judice):

No contrato-promessa de 12.12.2006:

- O remanescente (para além do sinal, de 50.000,00€, prestado) seria entregue aquando do acto da escritura pública ora prometida;

- A escritura pública seria outorgada no prazo de um ano, a contar da data do presente contrato promessa (clª 5);

- “O Segundo Contraente compromete-se a deixar uma entrada com área a fixar por acordo entre ambas as partes, para a casa da Primeira Contraente e outra também com área acordar entre ambas as partes, para a casa onde reside o filho da Primeira, sendo a desta com portão e campainha.” (clª 7);

- “O Segundo Contraente compromete-se a ceder um parque de estacionamento descoberto, destinado a uma viatura, à Primeira Contraente.” (clª 8);

- “a) A Primeira Contraente fica obrigada a dar todas as necessárias autorizações para a desanexação, para a construção do edifício, sendo que o projecto de arquitectura será apresentado na Câmara Municipal de ..., em nome do Segundo Contraente, ou no de quem este indicar; b) As partes contratantes comprometem-se a fornecer toda a documentação que lhes seja exigível e necessária à outorga da escritura, ficando ambas obrigadas à assinatura de todos os documentos necessários à boa realização da mesma.” Clª 9);

- “No final do prazo, ou em caso a desanexação não seja possível, o projecto de construção não seja aprovado ou não exista acordo quanto às entradas a criar, o presente contrato fica sem efeito, devolvendo a Primeira Contraente ao Segundo Contraente, o sinal em singelo recebido.” (clª 10ª);

- “O Segundo Contraente deverá efectuar a marcação da escritura e informar, por escrito registado, a Primeira Contraente da data, hora e Cartório Notarial, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias. Caso o Segundo Contraente não interpele a Primeira Contraente nos termos do número anterior, dentro do prazo constante da Cláusula Quinta, o referido dever de marcação da escritura transmite-se imediatamente a esta, que o deve exercer, nos mesmos termos e com a mesma antecedência que vincula o Segundo Contraente.” (clª 12ª);

- “Qualquer alteração ou aditamento ao presente contrato obedecerá à forma escrita, acompanhada da assinatura de ambas as partes contraentes, passando assim a fazer parte integrante do presente documento, para todos os efeitos legais” (clª 14);

No contrato-promessa de 07.12.2007:

- O remanescente (para além do sinal prestado, de 50.000,00€) seria entregue aquando do acto da escritura pública prometida;

- A escritura pública seria outorgada aquando na emissão da licença pela Câmara Municipal de ..., do projecto em nome do Segundo Outorgante (clª 5);

- “…em caso a desanexação não seja possível, o projecto de construção não seja aprovado ou não exista acordo quanto às entradas a criar, o presente contrato fica sem efeito, devolvendo a Primeira Contraente ao Segundo Contraente, o sinal em singelo recebido.” (clª 10ª);

- 1. O Segundo Contraente deverá efectuar a marcação da escritura e informar, por escrito registado, a Primeira Contraente da data, hora e Cartório Notarial, com antecedência de 10 (dez) dias. 2. A expedição de carta registada com aviso de recepção à contraparte para a morada constante deste contrato, dentro do prazo referido na presente clausula, é prova bastante de que foi promovida a notificação para celebração do negócio definitivo,” (clª 12);

- “Qualquer alteração ou aditamento ao presente contrato obedecerá à forma escrita, acompanhada da assinatura de ambas as partes contraentes, passando assim a fazer parte integrante do presente documento, para todos os efeitos legais” (clª 14);

Temos, assim, que pela declaração negocial ínsita no contrato promessa, as (duas) partes se obrigaram a outorgar o contrato prometido, nos seus precisos termos, em conformidade com o estatuído no artº 410º do Cód. Civil.

Igualmente dúvidas não há (o que, diga-se, é reconhecido em ambas as instâncias) que os documentos lavrados em 07.12.2006 e 07.12.2007 mais não foram do que aditamentos/alterações ao contrato inicial de 07.12.2003, dele fazendo parte integrante, alterações, obviamente, justificadas, desde logo, pelo facto de ter sido ultrapassado o prazo inicialmente previsto (de três anos) para a celebração da escritura pública prometida.


*


A questão que divide os litigantes – no que divergiram as instâncias – tem a ver com a licitude ou ilicitude da resolução levada a cabo pela Ré, nos termos ínsitos no facto provado da al. BBB).

Com efeito, como reza essa alínea,“No final do ano de 2010, a Ré comunicou ao Autor que os contratos ficavam sem efeito por não poder ficar à espera que aquele resolvesse o problema da legitimidade e por não ter feito as diligências necessárias para que o projecto fosse aprovado e a licença de obras fosse emitida”).

Dessa forma, procurou a Ré resolver o contrato celebrado com o autor, pois não se vislumbra outro sentido nessa comunicação ao Autor que não seja o de que pretendia a extinção da relação contratual firmada nesses documentos.

A resolução opera por meio de declaração à parte contrária (cfr., art. 436.º, n.º 1, do Código Civil). É o acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, em plena vigência deste, e que tende a colocar as partes na situação que teriam se o contrato não se houvesse celebrado. Consiste numa destruição do negócio, mas funda‑se na verificação de um facto posterior à sua celebração e que é causa de resolução.

É comum aos contratos de prestações instantâneas e aos contratos duradouros. Essa faculdade deriva da lei ou de convenção das partes (art. 432.º, n.º 1)1.

Trata-se, como é sabido, de um direito potestativo, normalmente exercido por simples declaração receptícia dirigida à contraparte. Como direito potestativo que é, o direito de resolução nasce na esfera jurídica do seu titular logo que ocorram os factos previstos na norma legal ou contratual que o consagra (ut arts. 432.º e 801.º, n.º 2, do Código Civil).

Ou seja, sem que tenham ocorrido os factos previstos na norma para o surgimento deste direito, não nasce ele na esfera jurídica do seu putativo titular. Tais factos, negativos ou positivos, são, pois, constitutivos do direito de resolução: assim o explica a teoria das normas, acolhida pelo nosso direito processual civil2. Sendo um direito potestativo extintivo e dependente de um fundamento, precisa de se verificar um facto que crie esse direito — melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento) desse direito potestativo3. Ou seja, podendo ser legal ou convencional — art. 432.º, n.º 1, do Código Civil — , a resolução não apenas é uma declaração receptícia, como carece de ser motivada, destruindo retroactivamente os efeitos do contrato, regressando os contraentes ao status quo ante4.

Ora, a comunicação resolutiva ínsita no facto provado BBB está conforme a determinação legal: consubstancia um acto de um dos contraentes (a aqui Ré) dirigido à parte contrária (o aqui Autor), que a recebeu, visando a dissolução do vínculo contratual, em plena vigência deste, ali se indicando o fundamento da mesma (a motivação).

Portanto, com tal missiva, a Ré pretendeu pôr termo ao contrato, independentemente da vontade do Autor.


*


Mas foi lícita a resolução?

É pacífico que apenas o incumprimento definitivo do contrato constitui pressuposto do direito à obtenção da resolução do contrato-promessa, já não a simples mora (ut art. 804.º, n.º 1 CC). A simples mora apenas constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor. E como a mora não dá origem à resolução do contrato5, o devedor continua vinculado à prestação devida, apesar da mora.

Escreveu-se na sentença:

« Analisada a factualidade que supra se deixou elencada resulta que, não obstante o compromisso assim assumido pelo Autor, este, notificado pela Câmara Municipal de ..., no sentido de que elementos faltavam ao projecto e de que condicionantes necessitavam de ser trabalhadas e alteradas, manteve o projecto apresentado, afirmando o seu entendimento de que as exigências que lhe eram apresentadas pela referida Câmara não eram exigíveis nem aplicáveis ao caso do seu projecto ( como exarado em GG. e HH, e em KK. e LL. dos factos provados).

Tendo apresentado projecto em Abril de 2004, o Autor recebeu um ofício emanado pela entidade responsável pela emissão do licenciamento a 04 de Março de 2009, em que lhe é comunicado que os elementos juntos em 21 de Novembro de 2008 não respondiam às exigências que lhe haviam sido anteriormente comunicadas e que se mantinham desconformidades e falta de cumprimento de legislação aplicável.

A 16 de Abril de 2009 – portanto, passados mais de cinco anos desde a data de assinatura do contrato e da data de entrada do pedido de aprovação do projecto e depois de lhe ter sido comunicada a necessidade de alterar determinados aspectos do projecto – o Autor comunica à entidade responsável pela apreciação do projecto e pela emissão da respectiva licença de construção ( já depois de esta lhe ter comunicado que não lhe assistia razão e que a alterações eram necessárias e sem elas não haveria emissão de licenciamento - como referido em GG. a II. -) o seu entendimento de que não é obrigatório altear os aspectos mencionados.

Na sequência dessa sua atitude - numa altura em que já haviam decorrido sete anos desde a data de outorga do contrato-promessa e em que a referida entidade já havia comunicado, por mais de uma vez, quais as condicionantes que o Autor necessitava de alterar para obter o pretendido licenciamento – em 13 de Agosto de 2010, a Câmara Municipal de ... comunica ao Autor que em face da ausência de qualquer alteração dos aspectos que lhe haviam sido comunicados, não estavam reunidas as condições necessárias à viabilização do projecto de arquitectura por si apresentado ( cfr. elencado em VV. e WW.).

Da factualidade assim apurada resulta que a circunstância de não ter sido obtida a competente licença de construção se deve, afinal ao comportamento do Autor que, notificado pela Câmara Municipal – como elencado em GG. a II. e em VV. e WW. - de quais os elementos que se mostravam necessários, insistiu na sua interpretação e no seu desacordo – sem que, contudo, em algum momento tenha alegado ou provado ter administrativamente reagido às exigências que lhe foram colocadas, assim se mantendo sem obtenção da competente licença.

Os factos sustentam, igualmente, que na sequência dessa situação (com especial relevo para a demora, já que o contrato havia sido assinado em 2003 e a posição inicial das partes foi no sentido de celebração de escritura definitiva no prazo de três anos) a Ré comunicou ao Autor a sua intenção de resolver o contrato (como exarado em BBB.).

Os factos demonstram, igualmente, que na sequência dessa comunicação, o Autor nada disse à Ré ou requereu da Ré, tendo-se mantido em silêncio durante onze anos (como se extrai do cotejo do exarado em BBB. e em Y.).

Recorde-se que a resolução, ainda que assuma a natureza de declaração receptícia, não se exige que assuma uma natureza de declaração formal, pelo que a comunicação à outra parte, desde que recebida – como aqui foi – se revela actuante.

O Autor recebeu a comunicação referida em BBB. – que lhe foi feita verbal e presencialmente pela Ré – e nenhuma atitude tomou quanto ao contrato em causa, mantendo-se em total silêncio durante onze anos.

Tal comportamento, analisado em função das regras da experiência e da razoabilidade, não pode deixar de ser interpretado e como uma aceitação da resolução que lhe assim lhe fora comunicada pela Ré.

(…).

Ainda que assim não entendesse – o que apenas por mera hipótese de raciocínio se admite – a verdade é que os factos supra elencados como provados indiciam um comportamento inadimplente por parte do Autor.».

E explica:

« A obtenção de licença de construção era elemento essencial do contrato – como, ademais, se retira da circunstância de os outorgantes terem assumido a obrigação de assinar os documentos e as autorizações necessárias para o efeito, de a obtenção de licenciamento, a partir de 2006, se marcar como o dies a quo para agendamento da escritura definitiva e, até, de a circunstância de, na eventualidade de se concluir pela impossibilidade da sua obtenção, tal determinar o fim do contrato com a devolução do sinal entregue.

(…)

Não podemos, no entanto, deixar de relembrar que ao Autor incumbia a obtenção de tal licença (…).

A escritura ficou, assim, dependente dos actos a cargo do Autor, entre eles, a obtenção de licenciamento (cujos trâmites, como acordado e por força do seu nome no pedido, de si dependiam).

Ao Autor cabia, assim, em face do foi acordado com a Ré e do que por esta se mostra alegado, demonstrar a ausência de culpa na impossibilidade de agendamento da escritura definitiva no momento em que a Ré lhe comunica pretender pôr fim ao contrato.

Os factos demonstram que o Autor, ao invés de responder às exigências da Câmara Municipal, decidiu assumir posição desafiadora do que lhe era comunicado como essencial à obtenção de licença, mantendo os elementos por si anteriormente enviados, quando claramente lhe havia já sido comunicado que, a mantê-los, a licença não seria obtida.

Mais demonstram que, na sequência dessa sua atitude e da demora em agendar a escritura, a Ré lhe comunicou a resolução do contrato, no final de 2010, e que este nada fez nem reagiu.

Recorde-se, ademais, que o Autor nada comunicou à Ré entre o final de 2010 o o final de 2021, nunca tendo feito menção a que estaria a desenvolver esforços no sentido de obtenção do licenciamento em falta, tendo-se simplesmente remetido ao silêncio por mais de 10 anos (após a Ré, relembre-se, lhe ter comunicado a sua intenção de pôr fim ao contrato, o que o Autor compreendeu, sem que tivesse reagido, de qualquer forma, a essa clara declaração resolutiva).

Encontramo-nos, destarte, perante factos que não podem deixar de se ter como comprovativos de, por um lado, um desinteresse na celebração do contrato prometido por parte do Autor e, por outro lado, de um comportamento concludente no sentido do incumprimento definitivo do contrato, na medida em que o Autor, com as suas respostas, indica a sua recusa em cumprir com os ajustes exigidos e tidos por necessários à obtenção da licença de construção.

Ao que vem de dizer-se tem que acrescentar-se que a falta de comunicação por mais de dez anos, a ausência de qualquer agendamento de escritura ou qualquer esclarecimento quanto ao estado do projecto e, mais ainda, de qualquer reacção à declaração resolutiva da Ré, tudo justifica a perda de interesse objectivo da Ré no contrato prometido (cfr. artigo 808º, n.º2, do Código Civil).

(…).

Face ao assim comprovado, entendemos que não apenas nos deparamos com uma actuação do Autor causadora da impossibilidade, até aos dias de hoje, de obtenção da necessária licença de construção como nos encontramos perante uma clara demora excessiva, segundo critérios de normalidade social, emergentes do princípio da boa-fé, na realização das prestações a cargo do promitente-comprador, que não pode deixar de ser valorada substancialmente.

(…)

Perante esta demora excessiva, segundo os padrões dominantes e as exigências de razoabilidade e da boa-fé, que foi agravada pela conduta do Autor, claramente reveladora de uma actuação não colaborante, demonstrativa de manifesta desconsideração pela confiança e pelos interesses legítimos da contraparte – conclui o Tribunal que a perda de interesse da Ré na celebração do negócio se revela legalmente admissível e, como tal, fundadora da declaração por esta efectuada no sentido de que o contrato se encontrava resolvido ( como exarado em BBB.)

Existiu, in casu, uma verdadeira quebra da confiança na capacidade e vontade do Autor para concluir o negócio, tornando-se difícil à Ré manter interesse na celebração do contrato, mostrando-se, assim, legítimo o acto de resolução do contrato promessa, operado através de declaração verbal, como consequência da substancial e reiterada inércia do Autor.

A conduta do Autor traduz, afinal, uma recusa absoluta, inequívoca e clara do cumprimento a que se comprometera. Ainda que assim não se entendesse, a verdade é que a violação dos deveres de diligência e boa-fé que sobre si impendiam e a lesão irremediável da confiança contratual da contraparte que despoletaram, permitem que se considere definitivamente incumprido o contrato-promessa, por perda objectiva do interesse na prestação – radicando, deste modo, na violação grave e culposa dos princípios da boa fé e da confiança a consequente existência de justa causa para a resolução do negócio. – Neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06/10/2011, com o n.º de processo 2434/08.3TBSTS.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt.».

Assim não entendeu a Relação.

E explica:

« … cumpre referir que, no contrato-promessa dos autos, não foi fixado um prazo que, se não observado, implicasse forçosamente o não cumprimento do contrato; isto é, não foi fixado um prazo essencial.

Aliás, a versão do contrato-promessa dos autos vigente à data da resolução (decorrente da alteração de 07-12-2007), estabelecia, na cláusula 5.ª (v. facto provado U), que a escritura de compra e venda será outorgada aquando da emissão da licença pela Câmara Municipal de ..., do projecto em nome do Segundo Outorgante” e, na cláusula 12.ª (v. facto provado W), que o Recorrente deverá efectuar a marcação da escritura e informar, por escrito registado, a Recorrida da data, hora e Cartório Notarial, com antecedência de 10 dias.

Temos, pois, que, à luz do programa negocial estabelecido pelas partes vigente à data da resolução do contrato-promessa pela Recorrida, não só não estava fixado qualquer prazo de cumprimento, como, pelo contrário, este estava sujeito à condição suspensiva da emissão da licença de construção pela entidade administrativa competente, sendo que só depois é que recairia sobre o Recorrente o dever de diligenciar pelo agendamento do ato notarial necessário à celebração do negócio prometido.

Além de não haver prazo essencial, também não houve, da parte da Recorrida, fixação de um prazo razoável para que o Recorrente diligenciasse pelo cumprimento do contrato dentro dele, isto é, a Recorrida não procedeu a uma interpelação admonitória do mesmo para cumprir o contrato.

Outrossim, nenhum elemento resulta da factualidade apurada que sugira sequer que, em finais de 2010, fosse impossível obter o licenciamento do projeto do Recorrente e, como tal, cumprir o contrato-promessa, nem que o Recorrente tenha praticado algum ato ou adotado um comportamento que, em si mesmo, denunciasse a sua intenção de, em definitivo, não cumprir o contrato.

A única forma de perspetivarmos uma situação de incumprimento definitivo do contrato-promessa pelo Recorrente seria, assim, a da perda objetiva de interesse da Recorrida nesse cumprimento, no que, de resto, o tribunal a quo fundou a sua decisão de validar a resolução do contrato pela Recorrida.

Não se vê, contudo, como possível perspetivar o caso dos autos como tal.

Assim, e desde logo, à data da resolução do contrato pela Recorrida, em finais de 2010, estava em vigor uma versão do contrato em que, não só não fora estipulado um termo de cumprimento, como tal cumprimento ficara condicionado à verificação de um facto não dependente da vontade das partes, como era o do licenciamento do projeto de construção pelo Recorrente.

Por outro lado, independentemente das vicissitudes por que o processo de licenciamento do projeto de construção do Recorrente passou, o certo é que os factos provados evidenciam manutenção do interesse deste no seu desenvolvimento e aprovação e não uma atitude de pura inércia e de alheamento face ao mesmo.

Acresce que, apesar de ser objetivo que a relação contratual estabelecida entre Recorrida e Recorrida teve início em 2003 e, portanto, cerca de sete anos antes da resolução do contrato pela Recorrida, certo é que as duas alterações do contrato verificadas em 2006 e 2007 evidenciam aceitação de ambas no protelamento da execução do contrato (…)

… vemos o rompimento contratual da Recorrida como decorrente, não de circunstâncias reveladoras de dúvida sobre a atuação futura do Recorrente no cumprimento da sua prestação, mas em circunstâncias subjetivas atinentes à pessoa da Recorrida, reveladoras de não mais querer permanecer vinculada ao contrato-promessa que celebrara.

Ou seja, um rompimento contratual assente em perda, não objetiva, mas subjetiva do interesse seu em permanecer ligada ao contrato-promessa dos autos (…)

No contrato-promessa dos autos, nas suas três versões, constava, sob as cláusulas 4.ª da versão inicial e 10.ª das duas seguintes, a seguinte cláusula:

Caso o projecto de construção não venha a ser aprovado, a desanexação não seja possível, ou não exista acordo quanto à entrada a criar, o presente contrato fica sem efeito, devolvendo a Primeira Contratante ao Segundo Contratante, o sinal em singelo que tiver recebido”.

Mediante tal cláusula, as partes condicionaram a subsistência do contrato-promessa dos autos a um facto futuro e incerto, consubstanciado na não aprovação do projeto de construção pela edilidade, na impossibilidade de desanexação da parcela de terreno do prédio mãe e na inexistência de acordo entre os outorgantes quanto à entada a criar.

Ou seja, segundo o estipulado pelas partes, caso tal facto futuro e incerto não se verificasse, o contrato cessaria automaticamente, com a correspondente obrigação da Recorrida de devolver o sinal entregue.

Estamos, assim, perante um negócio sujeito a condição resolutiva, isto é, um negócio em que a sua resolução ficou subordinada a um facto futuro e incerto (art.º 270.º do CC).

(…).

Para as partes, no quadro do contrato-promessa dos autos, o que importava para o seu cumprimento era a aprovação do projeto de construção, independentemente das características deste, na certeza de que, quaisquer que fossem tais características, a sua não aprovação implicava – automaticamente – que o contrato-promessa ficasse sem efeito, com a obrigação da Recorrida de devolver o sinal que lhe havia sido entregue pelo Recorrente.

Ora, um tal quadro de facto afasta por si só a perda de interesse da Recorrida de, em finais de 2010, desencadear a resolução do contrato-promessa dos autos.

Com efeito, ela própria tinha aceite o risco de o projeto de construção da responsabilidade do Recorrente não ser aprovado e aceite o risco independentemente de quais fossem as características do projeto em causa.

É, aliás, por isso mesmo, totalmente irrelevante, perante a cláusula em apreço, a questão de saber se as vicissitudes verificadas no processo de licenciamento poderiam ou não ser imputadas ao Recorrente, na certeza de que aquilo a que este estava vinculado era, por decorrência da boa fé contratual, diligenciar pela sua aprovação, mas não garantir essa aprovação – a sua obrigação era de meios e não de resultado.

A resolução do contrato que desencadeou constituiu, por isso, um rompimento injustificado do contrato, fundada, por certo, na perda subjetiva de interesse da Recorrida de se manter vinculada ao mesmo, mas não no da existência de circunstâncias objetivas que o justificassem.

Qualquer desagrado da mesma quanto ao comportamento do Recorrido no cumprimento do contrato-promessa que, na sua perspetiva, devesse conduzir ao incumprimento definitivo, deveria ter merecido, por conseguinte, uma interpelação admonitória e não a mera declaração unilateral de cessação do contrato.

Em suma, a Recorrida não resolveu o contrato-promessa dos autos num quadro de incumprimento definitivo do Recorrente, pelo que se reputa ilícita tal resolução.».


*


Como resulta da factualidade provada, decorridos que foram três anos sobre a outorga do contrato-promessa inicial (de 7.12.2003) – prazo esse que ali fora fixado para a celebração da escritura pública, o projecto de construção, do imóvel que o Autor pretendia levar a cabo na parcela prometida comprar – , não se encontrava aprovado pelo Câmara Municipal de ....

Perante esta situação, outorgou-se um segundo contrato-promessa, em 12.12.2006 (que, como dito, mais não era do que um complemento ou alteração ao contrato inicial de 2003), no qual se consignou que a escritura seria celebrada no (adicional, portanto) prazo de 1 ano (clª 5ª), sendo que o preço em falta seria liquidado na data da escritura.

Porém, passado esse novo período, a situação manteve-se inalterada, permanecendo a Ré à espera de ser interpelada pelo Autor para a realização da escritura pública, já que nesse contrato – ou aditamento – ficou plasmado que tal encargo incidiria sobre o Autor (ut clª 12ª).

É, assim, celebrado um terceiro contrato, em 7.12.2007. E se no mesmo (que, reitera-se, constitui um segundo aditamento ao contrato inicial – que, além do mais, veio conceder nova prorrogação da sua validade) se não fixou prazo para a outorga da escritura, parece evidente que se não pode entender que neste contrato – decorridos que foram os 3 anos do 1º mais um ano do segundo – deixou de haver prazo limite para a sua realização. Pelo contrário: a interpretação que se nos afigura a única possível é de que se aceitou, tacitamente, a prorrogação por mais um ano para a outorga da escritura, nos mesmo termos do clausulado no anterior documento de 12.12.2006.

Mais uma vez, decorrido esse novo período, a situação se mantém inalterada. E assim se prolongou, até que a Ré, com data de 13.11.2009, envia uma carta ao Autor, interpelando-o para comparecer no Cartório Notaria a fim de ser celebrada a escritura de compra e venda.

O Autor, porém, não compareceu (facto SS).

Ora bem, como dito, considerou a Relação que não foi fixado prazo essencial para a outorga da escritura pública, ou seja, um prazo cujo incumprimento implicava automaticamente o incumprimento definitivo do contrato. E afigura-se-nos assertiva esta afirmação: basta atentar, que, apesar de fixado o prazo de 3 anos no primeiro contrato, o mesmo acabou por ser sucessivamente prorrogado – tendo, até, sido clausulado na clª 5ª da última alteração do contrato-promessa (de 07-12-2007 - cfr. facto provado U), que a escritura de compra e venda será outorgada aquando da emissão da licença pela Câmara Municipal de ..., do projecto em nome do Segundo Outorgante” e, outrossim, na cláusula 12.ª (cfr. facto provado W), que o Recorrente deverá efectuar a marcação da escritura e informar, por escrito registado, a Recorrida da data, hora e Cartório Notarial, com antecedência de 10 dias.

Mas o facto de se não ter fixado um prazo essencial não significa que as partes – em particular a Rè, promitente-vendedora, pois a celebração do contrato definitivo estava dependente de démarches do Autor, promitente-comprador – tivessem aceitado que a realização da escritura fosse remetida para as calendas.

Por isso se clausulou logo no contrato inicial de 07.12.2003 uma condição suspensiva (assim a qualificou a Relação, e cremos que bem) para a realização/concretização do contrato definitivo6: a emissão da licença de construção pela Câmara Municipal de ....

Ou seja, os efeitos que o negócio jurídico em causa (o contrato promessa) tendia a produzir foram pelas partes colocados na dependência de um acontecimento futuro e incerto, de maneira que ou só verificado tal acontecimento é que o negócio produziria os seus efeitos (condição suspensiva); ou seja, o início da eficácia do negócio manter-se-ia suspensa enquanto se não verificasse o facto condicionante: a emissão da licença pela Câmara Municipal de ..., do projecto em nome do Segundo Outorgante.

É, porém, imperativo atentar no seguinte:

Como refere Manuel de Andrade7, condição é a cláusula por virtude da qual a eficácia de um negócio é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que ou só verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos — condição suspensiva —, ou então só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir — condição resolutiva.

A condição vem satisfazer necessidades práticas importantes. Na verdade, aquando da contratação, as partes desconhecem, muitas vezes, a evolução futura dos factos em que assentem. Por isso, tem o maior interesse a possibilidade de subordinar a própria eficácia negocial a esse desenrolar dos factos.

Enquanto se não verifica o facto condicionante existe um estado de incerteza quanto ao efeito condicionado. Se a condição for suspensiva não se sabe se o negócio virá a ganhar eficácia, nem quando, embora se saiba que assim poderá vir a acontecer;

Ora, o problema reside, a nosso ver, precisamente aqui: como se viu, é típico da condição que o facto condicionante seja incerto. Por isso, se houver a certeza de que ele já não se poderá verificar no futuro, que a sua não verificação é definitiva, não terá qualquer sentido aguardar por mais tempo, e o nº 1 do artº 275º do Código Civil determina então que tal será equivalente à sua não verificação.

E foi isso mesmo que veio a acontecer: a certa altura, ficou assente que a condição a que as partes subordinaram a realização da escritura de compra e venda não se verificaria. Mas que tal se devia a culpa exclusiva do Autor, promitente-comprador (como melhor se dirá)!

Vejamos os factos.

Reza a al. FF) dos factos provados que “Receando que o Autor não levasse a cabo a construção, a Ré contactou-o em 2010, insistindo na realização da escritura de compra e venda”.

Mas a mesma não podia ser, obviamente, realizada, porque para que o projecto pudesse ser aprovado era necessário integrar no âmbito do espaço a ocupar pela construção, uma parcela de um prédio de terceiro – DD (cf. facto MM) – , sendo que até se levantou a dúvida sobre se tal prédio (alegadamente pertença do DD) não seria antes uma área do domínio público (cfr. facto WW).

Mas provou-se, ainda, que:

- NN. O Autor não entregou à Ré uma garantia bancária” (facto NN);

- OO. O Autor não solicitou à Ré que assinasse quaisquer documentos com vista à desanexação da parcela e não marcou escritura;

- SS. O Autor não compareceu nem contactou a Ré (quando interpelado para a celebração da escritura);

- XX. O Autor mandou projectar a entrada/acesso do edifício a construir sobre uma parcela de terreno alheia, sabendo que a mesma não lhe pertencia nem pertencia ao prédio da Ré;

- ZZ. O Autor não conseguiu comprovar a legitimidade plena sobre a titularidade da área do prédio a intervir e, por força disso, não conseguiu obter a aprovação do projecto de arquitectura por parte da Câmara Municipal de ... nem a emissão da licença de obras em seu nome;

- FFF. Na sequência do referido em AAA. a FFF. a Ré não mais contactou o Autor;

GGG. Após o referido em AAA. a FFF. eaté o momento referido em Z., o Autor não mais contactou a Ré;

- CCC. O comportamento do Autor, referido em GG. a MM., VV. e WW., fez com que a Ré concluísse que o Autor, por sua culpa, não iria dar cumprimento ao acordado entre eles.

Assim, assiste, a nosso ver, razão à sentença quando refere que o A., notificado pelo Município de ..., para dar cumprimento ao Dec-Lei nº 163/2006, de 8 de Agosto (diploma relativo à acessibilidade e mobilidade) desafiou a autarquia e recusou-se a satisfazer o exigido pela lei.

Ora, tal comportamento, associado aos demais factos referidos supra, permitem concluir (como concluiu a sentença) que o Autor (remetendo-se ao silêncio absoluto anos a fio, ignorando, de todo, as insistências da Ré e, até, da Câmara Municipal) desistiu de obter a aprovação do projecto e a emissão da respectiva licença.

O mesmo é dizer, portanto, que a condição suspensiva, supra referida, não se verificou porque o Autor nada fez para que se verificasse. O que só dele dependia. E não se preenchendo por exclusiva culpa do Autor, tornou o incumprimento definitivo do contrato só a si imputável: a resolução do problema atinente ao espaço que teria de ser, supostamente, cedido pelo proprietário confinante da parcela prometida comprar era da lavra exclusiva do Autor, não da Ré nem a Câmara Municipal. Como consta do facto da al. WW) – referindo-se ao ofício da Câmara Municipal de 13.08.2010, onde esta entidade observa que, por via da Memória Descritiva apresentada pelo A., em 12 de Março do mesmo ano, “em nada se tinham alterado os pressupostos de facto anteriormente impostos” – , a Câmara comunica ao Autor que “Havendo dúvidas acerca da natureza pública ou privada da parcela de terreno em questão, não cabe a esta Câmara Municipal resolver os problemas em litígio, mas sim, aos Tribunais competentes” – destaque nosso.

Assim, não podemos deixar de dar razão à Ré/Recorrente, quando remata que “tudo isto demonstra, à saciedade, que o processo de aprovação do projecto ficou, desde 13-08-2010, completamente bloqueado no Município de ..., não apenas por manifesta negligência, inabilidade e falta de empenho do A., mas mesmo por recusa expressa e assumida por este em acatar as determinações da autarquia, em conformidade com o legalmente estabelecido” (destaque nosso).

E por isso mesmo – ou seja, porque a aprovação o projecto de construção (condição a que ficou, inicialmente, subordinada a outorga da escritura definitiva) ficou definitivamente inviabilizada – é que, ”No final do ano de 2010, a Ré comunicou ao Autor que os contratos ficavam sem efeito por não poder ficar à espera que aquele resolvesse o problema da legitimidade e por não ter feito as diligências necessárias para que o projecto fosse aprovado e a licença de obras fosse emitida”.

A declaração de que o contrato ficava sem efeito, consubstancia uma resolução do contrato, com as consequências legais. Assim, sendo a resolução lícita do contrato de promessa de compra e venda em causa, por incumprimento do promitente comprador (o Autor), a consequência que emerge da lei é assistir ao “outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue” (artº 442º, nº2 do CC).


*


Como referido supra, a resolução pressupõe o incumprimento definitivo de uma das partes contratantes, não sendo bastante a simples mora8.

O incumprimento definitivo pode resultar de uma das seguintes situações:

• Verificada a mora do devedor, o credor, tendo interesse legítimo em pôr termo ao vínculo contratual (ut n.º 1 do art.º 808.º do CC), fixar ao devedor um prazo para este satisfazer a prestação em falta, sob pena de considerar definitivamente não cumprida a obrigação. É a chamada interpelação ou intimação admonitória9;

• Por via da mora do devedor e por força das circunstâncias, objectivamente consideradas, o credor perdeu interesse na satisfação da prestação pela contraparte (ut n.ºs 1 e 2 do art.º 808.º do CC)10;

• No próprio contrato, as partes estabeleceram um termo certo “essencial” – estabeleceram que o contrato deveria ser cumprido num determinado prazo, sob pena de, não o sendo, o contrato ter-se por definitivamente não cumprido, porque violada a essencialidade do termo;

• Há uma impossibilidade de cumprimento da prestação, seja ela objectiva - por facto não imputável ao credor (art.º 790.º, n.º 1 do Código Civil) – , ou subjectiva – por facto relativo à pessoa do devedor (art.º 791.º do Código Civil);

• Recusa peremptória do devedor em cumprir o contrato ou declaração sua de que não o pode cumprir. Trata-se daquelas situações em que o inadimplemento do contrato não afasta a possibilidade do seu cumprimento, por não se verificar qualquer uma das situações acima referidas, mas em que o devedor adopta um comportamento do qual se depreende claramente que não o quer cumprir ou que entende que não o pode fazer11.

Ora, os factos apurados permitem, em nosso ver, validar a resolução: i) seja porque a Ré/credora, por via da mora do Autor e das circunstâncias supra descritas, perdeu o interesse na satisfação da prestação (ut n.ºs 1 e 2 do art.º 808.º do CC); ii) seja por impossibilidade (por facto relativo à pessoa do Autor - art.º 791.º do Código Civil) de cumprimento da prestação; iii) seja, até – cremos poder dizê-lo com toda a propriedade – , por recusa do Autor/”devedor” em cumprir o contrato ou declaração sua/comportamento seu (emergente de factos concludentes) de que não o pode (ou não quer) cumprir, pois, no que respeita à questão do licenciamento da construção que pretenderia levar a cabo na parcela prometida comprar e condicionantes (impostas pela Câmara Municipal) para a viabilização do projecto, o Autor, simplesmente, adoptou um comportamento do qual se depreende claramente que não quer ou que entende não poder cumprir o contrato.

Veja-se que passaram sete anos sem que o Autor se dignasse dar qualquer explicação relativamente às diligências de aprovação do projecto. E mesmo depois de se ter renovado, por mais um ano, o prazo para a celebração da escritura de compra e venda, o autor continuou a não dar “sinal de vida”, sem qualquer explicação sobre a situação do projecto apresentado ao Município.

E notificado pela R. para a celebração da escritura, não compareceu no Cartório Notarial, nem contactou a promitente vendedora para dar qualquer explicação sobre a razão, ou razões, para tal [alíneas RR) e SS) dos factos provados].

E apesar de se indiciar, claramente, da referida conduta do Autor, que o mesmo já não pretendia levar a cabo a construção, a Ré, em 2010, pacientemente, ainda voltou a insistir com ele no sentido da realização da escritura [alínea TT) dos factos provados]. Porém, sem sucesso.

Veja-se que foi por iniciativa própria que a Ré, deslocando-se à autarquia, em finais de 2010, tomou conhecimento das questões suscitadas pelo Município de ... e da recusa do A. em dar satisfação ao exigido pelo Município, numa espécie de “braço de ferro”, infundado e ilegal, com aquela autarquia.

Pois o Autor, sabendo dessas questões, escondeu-as, sempre, à Ré!

Ou seja, desde 2010 e da rescisão do contrato pela Ré que o Autor não deu um passo, sequer, para lograr a aprovação do projecto pela Câmara Municial de ....

O que (percute-se), apoditicamente, como dito acima, consubstancia um comportamento do qual se depreende claramente que não quer, ou não pode, cumprir o contrato.

E não podia mesmo. Mas apena por culpa sua, pois, para além do mais, havia a questão da propriedade da parcela confinante, em parte da qual o Autor projectou a construção que pretendia levar a efeito, bem sabendo que o não podia fazer, pois, como está provado (facto da al. XX.), O Autor mandou projectar a entrada/acesso do edifício a construir sobre uma parcela de terreno alheia, sabendo que a mesma não lhe pertencia nem pertencia ao prédio da Ré”!

Daqui igualmente se compreende a já referida perda de interesse da Ré na outorga do contrato definitivo, a justificar a licitude da resolução operada.

Assim se sumariou no Acórdão do STJ de 06.10.2011 (relator: Lopes do Rego)12:

“2. A omissão de estipulação de um termo certo para a celebração do contrato prometido não significa que fique no total arbítrio do promitente vendedor a realização das condições de que depende a celebração de tal negócio - condicionada à obtenção da licença de habitabilidade do edifício que se comprometeu a construir - por decorrer do princípio da boa fé no cumprimento dos contratos que o devedor está obrigado a usar o grau de eficácia e diligência normalmente exigíveis, providenciando para que se não verifiquem dilações ou hiatos temporais no processo de construção que, segundo os padrões ou critérios sociais correntes, se possam configurar como absolutamente excessivos e injustificados.

3. É susceptível de determinar a perda objectiva do interesse na prestação a lesão grave e justificada da confiança do promitente-comprador na capacidade e vontade séria da contraparte na realização das prestações a seu cargo, resultante de demora claramente excessiva, segundo os padrões dominantes e as exigências de razoabilidade e da boa fé, - não apenas na conclusão, mas no simples licenciamento e arranque da obra - agravada pela assunção pelo promitente vendedor de comportamentos evasivos, contrários às exigências da boa fé (prometendo momentos sucessivos, primeiro para a conclusão, da obra, sempre incumpridos, e esquivando-se posteriormente a qualquer contacto e prestação dos esclarecimentos devidos), reveladores de uma actuação não colaborante, demonstrativa de manifesta desconsideração pela confiança e pelos interesses legítimos da contraparte” – destaques nossos.

Cabia ao Autor, obviamente, usar do grau adequado de diligência na remoção dos previsíveis obstáculos de natureza administrativa ou burocrática que pudessem surgir para o licenciamento da obra, providenciando para que se não verifiquem dilações ou hiatos temporais em todo este processo que, segundo os padrões ou critérios sociais correntes, se possam configurar como absolutamente excessivos e injustificados.

Mas não foi isso que fez, antes deixou passar os anos – e foram mesmo muitos – sem, sequer, dar “cavaco”, seja à Ré, seja, mesmo, à Câmara Municipal, procurando resolver ou ultrapassar os entraves que esta entidade lhe observara existir para a aprovação do projecto de construção.

Perante esta demora claramente excessiva em resolver os obstáculos à aprovação do projecto de construção, segundo os padrões dominantes e as exigências de razoabilidade e da boa fé, agravada pela conduta do Autor R. ao assumir os comportamentos evasivos descritos na matéria de facto apurada (deixando passar os anos, num absoluto mutismo, de todo incompreensível, esquivando-se a qualquer contacto e prestação dos esclarecimentos devidos à contraparte), reveladores de uma actuação não colaborante (quer com a ré, quer com a própria Câmara Municipal), a Ré optou pela notificação do Autor (por carta de 13.11.2009 – que o autor recebeu, ut al. QQ), solicitando a sua comparência no cartório notarial, com vista à celebração da escritura (facto da al. PP). Mas sem resultado, pois o Autor, simplesmente, “não compareceu nem contactou a Ré” (facto da al. SS).

Mas, como vimos, a paciência da Ré não se esgotou: insistiu junto do Autor pela marcação da escritura (facto TT).

Assim, portanto, considerando que “O Autor mandou projectar a entrada/acesso do edifício a construir sobre uma parcela de terreno alheia, sabendo que a mesma não lhe pertencia nem pertencia ao prédio da Ré facto XX), “O Autor não conseguiu comprovar a legitimidade plena sobre a titularidade da área do prédio a intervir e, por força disso, não conseguiu obter a aprovação do projecto de arquitectura por parte da Câmara Municipal de ... nem a emissão da licença de obras em seu nome” (facto ZZ), “A Ré tomou conhecimento do referido em GG. a MM., VV. e WW., através do Autor, no final do ano 2010, quando se deslocaram à Câmara Municipal de ... para consultar o estado do processo de licenciamento” (facto AAA)), é queNo final do ano de 2010, a Ré comunicou ao Autor que os contratos ficavam sem efeito por não poder ficar à espera que aquele resolvesse o problema da legitimidade e por não ter feito as diligências necessárias para que o projecto fosse aprovado e a licença de obras fosse emitida” (facto BBB), sendo que todo esse “comportamento do Autor, referido em GG. a MM., VV. e WW., fez com que a Ré concluísse que o Autor, por sua culpa, não iria dar cumprimento ao acordado entre eles” (facto CCC).


*


Como se sumariou no Ac. do STJ de 19/5/1013, “

I - No cumprimento das obrigações, as partes devem proceder de acordo com os princípios da boa fé – art. 762.º, n.º 2, do CC.

II - Reveste uma natureza não colaborante, demonstrativa de uma absoluta desconsideração pelos interesses dos promitentes-compradores autores, a atitude da promitente-vendedora ré que se eximiu, sistematicamente, a realizar as diligências que sobre si impendiam, no sentido de proceder à celebração do contrato prometido, colocando-se, inclusive, numa posição de inviabilidade absoluta relativamente a quaisquer contactos que os autores com ela pretendessem efectuar, coarctando, assim, àqueles, toda e qualquer possibilidade da obtenção de uma solução amigável relativamente ao contrato-promessa celebrado.

III - Tal atitude equivale à recusa da cooperação devida, já que, de acordo com as regras da boa fé, seria expectável para os autores uma atitude de leal colaboração por parte da ré, pelo que, perante a violação de tal princípio, com a consequente existência de uma justa causa de resolução do negócio jurídico celebrado, estão os autores dispensados do cumprimento do art. 808.º do C.C.”14.

Apesar de concedidos pela Ré ao Autor sucessivos prazos – mais que razoáveis – para a realização da escritura, o Autor ignorou tudo e todos. Como tal, não pode deixar de se entender que se operou a transformação da mora do A. em incumprimento definitivo, nos termos do ínsitos no nº 1 do art.º 808º do CCivil15.

Para além da verificação da já apontada situação de impossibilidade de cumprimento da prestação exclusivamente imputável ao Autor (“devedor”), consubstanciadora (também) dum incumprimento definitivo do contrato, com perda do interesse da Ré na sua realização.


**


E que dizer quanto à interpelação admonitória – que a Relação diz não ter sido cumprida?

Com o devido respeito, não cremos, também aqui, que assista razão ao acórdão recorrido.

Vejamos.

Como é sabido, não sendo caso de perda do interesse (apreciada objectivamente) – situação que, como vimos (também) ocorre no caso sub judice , de impossibilidade de conclusão do negócio – situação que, como vimos, igualmente se verifica no presente caso – , de um atraso do outro promitente, ou um provisório incumprimento, ou recusa de cumprimento da promessa, o promitente não faltoso pode optar por fixar um prazo razoável dentro do qual o devedor poderá ainda cumprir16, sob cominação de a mora se converter em incumprimento definitivo com a consequente resolução do contrato (é a designada interpelação admonitória17).

Se a obrigação não for realizada dentro deste prazo, considera‑se para todos os efeitos não cumprida.

Numa destas hipóteses, a simples mora converte‑se em incumprimento definitivo, dando ao promitente não faltoso o direito de resolução do contrato.

Como vimos, a Ré fixou dois prazos sucessivos – a bem dizer, até foram 3 prazos (o, de 3 anos, constante do contrato inicial e os dois sucessivos aditamentos/prorrogações) – para que o Autor cumprisse a obrigação a que se vinculara no contrato-promessa. O Autor, porém, não cumpriu, nunca comparecendo às datas designadas para a efectivação da escritura pública de compra e venda.

Ora, perante este quadro factual, o Autor não apenas incorreu em mora, como, ainda, em incumprimento definitivo do contrato, dessa forma se dispensando qualquer (adicional) interpelação admonitória – sendo que no que tange à recusa de cumprimento, temos como certo que na mesma se inclui não só a declaração de não querer cumprir, como, em geral, todo o comportamento do devedor susceptível de indiciar que não quer ou não pode cumprir, podendo a vontade de não cumprir resultar de uma declaração tácita, dedutível de factos concludentes (ut art. 217º do CC).

No sentido exposto, pode ver-se, ainda, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 10.01.201218-19, em cujo sumário se escreveu:

I – (…).

II - Quando o devedor toma atitudes ou comportamentos que revelem, inequivocamente, a intenção de não cumprir a prestação a que se obrigou, porque não quer ou não pode, o credor não tem de esperar pelo vencimento da obrigação (se ainda não ocorreu), não tem de alegar e provar a perda de interesse na prestação do devedor, nem o tem de interpelar admonitoriamente, para ter por não cumprida a obrigação.


*


Uma última nota:

Diz a Recorrente que a Relação, em certa medida, isola, para efeitos da análise da questão da rescisão do contrato, o final de 2010, ou seja, a altura em que tal rescisão ocorreu, procurando avaliar se, naquele preciso momento, estariam, ou não, reunidas as exigências legais para que a rescisão contratual operada pela Ré pudesse ser considerada lícita.

E assim parece ter feito a Relação, de facto.

Porém, parece evidente que se não pode deixar de associar a essa avaliação, não apenas a conduta anterior do Autor, mas também a sua conduta posterior, de 10 anos, maxime a sua evidente conformação com a rescisão operada pela Ré em final de 2010, aludida no facto da al. BBB), pois em todos os anos que sucederam a essa resolução contratual, nunca o Autor questionou a sua validade e/ou eficácia.


*


Em suma: o Autor incumpriu, definitivamente e de forma culposa, o contrato-promessa, justificando, com toda a, acima descrita, sua conduta a resolução do contrato, sendo que esse incumprimento definitivo se operou ou concretizou pelas (por qualquer delas) formas supra referenciadas.

Desta forma, não pode deixar de se dar razão à sentença:

A obtenção de licença de construção era elemento essencial do contrato (…).

(…) ao Autor incumbia a obtenção de tal licença e que, mesmo que encaremos a obrigação assim assumida como uma mera obrigação de meios ( e não se resultado), tal circunstância sempre determinaria que se exigisse ao Autor que agisse com a diligência necessária à sua obtenção, respondendo pelo seu incumprimento.

Recorde-se que as partes convencionaram que ao Autor incumbia o agendamento da escritura de compra e venda e que esta seria outorgada aquando da emissão da licença pela Câmara Municipal do projecto em seu nome.

A escritura ficou, assim, dependente dos actos a cargo do Autor, entre eles, a obtenção de licenciamento (cujos trâmites, como acordado e por força do seu nome no pedido, de si dependiam).

Ao Autor cabia, assim, em face do foi acordado com a Ré e do que por esta se mostra alegado, demonstrar a ausência de culpa na impossibilidade de agendamento da escritura definitiva no momento em que a Ré lhe comunica pretender pôr fim ao contrato.

Os factos demonstram que o Autor, ao invés de responder às exigências da Câmara Municipal, decidiu assumir posição desafiadora do que lhe era comunicado como essencial à obtenção de licença, mantendo os elementos por si anteriormente enviados, quando claramente lhe havia já sido comunicado que, a mantê-los, a licença não seria obtida.

Mais demonstram que, na sequência dessa sua atitude e da demora em agendar a escritura, a Ré lhe comunicou a resolução do contrato, no final de 2010, e que este nada fez nem reagiu.

Recorde-se, ademais, que o Autor nada comunicou à Ré entre o final de 2010 o o final de 2021, (…)

Encontramo-nos, destarte, perante factos que não podem deixar de se ter como comprovativos de, por um lado, um desinteresse na celebração do contrato prometido por parte do Autor e, por outro lado, de um comportamento concludente no sentido do incumprimento definitivo do contrato, na medida em que o Autor, com as suas respostas, indica a sua recusa em cumprir com os ajustes exigidos e tidos por necessários à obtenção da licença de construção.

… tem que acrescentar-se que a falta de comunicação por mais de dez anos, a ausência de qualquer agendamento de escritura ou qualquer esclarecimento quanto ao estado do projecto e, mais ainda, de qualquer reacção à declaração resolutiva da Ré, tudo justifica a perda de interesse objectivo da Ré no contrato prometido (cfr. artigo 808º, n.º2, do Código Civil).

… não apenas nos deparamos com uma actuação do Autor causadora da impossibilidade, até aos dias de hoje, de obtenção da necessária licença de construção como nos encontramos perante uma clara demora excessiva, segundo critérios de normalidade social, emergentes do princípio da boa-fé, na realização das prestações a cargo do promitente-comprador, que não pode deixar de ser valorada substancialmente.

Encontramo-nos, face aos factos provados perante uma patente falta do Autor no cumprimento das obrigações que o vinculavam, sendo que nenhuma prova se produziu no sentido de que tal demora não lhe era imputável ( pelo contrário, …).

Perante esta demora excessiva, segundo os padrões dominantes e as exigências de razoabilidade e da boa-fé, que foi agravada pela conduta do Autor, claramente reveladora de uma actuação não colaborante, demonstrativa de manifesta desconsideração pela confiança e pelos interesses legítimos da contraparte – conclui o Tribunal que a perda de interesse da Ré na celebração do negócio se revela legalmente admissível e, como tal, fundadora da declaração por esta efectuada no sentido de que o contrato se encontrava resolvido ( como exarado em BBB.)

Existiu, in casu, uma verdadeira quebra da confiança na capacidade e vontade do Autor para concluir o negócio, tornando-se difícil à Ré manter interesse na celebração do contrato, mostrando-se, assim, legítimo o acto de resolução do contrato promessa, operado através de declaração verbal, como consequência da substancial e reiterada inércia do Autor.

A conduta do Autor traduz, afinal, uma recusa absoluta, inequívoca e clara do cumprimento a que se comprometera. Ainda que assim não se entendesse, a verdade é que a violação dos deveres de diligência e boa-fé que sobre si impendiam e a lesão irremediável da confiança contratual da contraparte que despoletaram, permitem que se considere definitivamente incumprido o contrato-promessa, por perda objectiva do interesse na prestação – (…)

Em face do exposto, entendemos que a factualidade que nos autos se apura demonstra que a responsabilidade pelo não cumprimento do contrato cai sobre o Autor.”.

Nestes termos, operada a válida rescisão contratual pelo Autor, com fundamento em incumprimento definitivo do mesmo pelo Autor/promitente comprador, assiste à Ré/Recorrente (promitente compradora) o direito a fazer sua a coisa entregue, ou seja, o sinal prestado (ut artº 442º, nº2 do CC).

É certo que a Ré, a certa altura (2010) havia dito ao Autor “estar disposta a devolver-lhe o sinal”. Mas o Autor (sabe-se lá porquê) não aceitou” essa “oferta” (cfr. facto da al. EEE) oferta que, diga-se em verdade, era assaz generosa, face a todo o anterior comportamento do Autor). Daí que tal “oferta” (ou proposta – pois, na verdade, mais não foi do que isso mesmo) tenha ficado sem efeito – até porque desde essa data (face ao referido comportamento mudo e esquivo do Autor) “A Ré não mais contactou o Autor” (facto da al. FFF)).

Como tal, mantendo-se válida a resolução operada pela Ré, com as legais consequências, ínsitas no artº 442º, nº2 do CC (para o incumprimento do contrato por banda do promitente comprador).


**


IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e, consequentemente, conceder a revista, revogando-se o Acórdão recorrido e mantendo-se o decidido na sentença.

Custas a cargo do Autor Recorrido.

Lisboa, nove (9) de Maio de 2024

Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Catarina Serra (Juíza Conselheira 1º adjunto)

Afonso Henriques (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)

______


1. Cfr. Mário J. Almeida Costa, in Direito das obrigações, 6.º ed., Almedina, p. 259.

2. Cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. 111, 1982, p. 354; cfr., ainda, o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Março de 2004, publicado em http://www.dgsi.pt, no processo 1741/2004‑6.

3. Cfr. J. Baptista Machado In Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, vol. I, pp. 130 e 131.

4. Ver: Das Obrigações em Geral, vol. 2˚, pp. 242 e ss., 3.ª ed., Antunes Varela; Das Doações, pp. 108 e ss. de Manuel Baptista Lopes; Galvão Telles, Dos Contratos em Geral, edição actualizada.

5. Cfr. Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol. I, p. 115, Serra in B.M.J., 76, 56 e 57, e R.L.J. 110.ª, 327, e Almeida Costa in R.L.J. 117.º, 21 e 57.

6. Reza, de facto, a clª 12ª que “A escritura definitiva, de compra e venda será outorgada (…) , depois de aprovado o projecto e na data em que for criada a garantia bancária a favor da Primeira Contratante (…)” – destaque nosso.

  O mesmo tendo sido reiterado na alteração de 07.12.2007, Clª 5ª: “…a escritura de compra e venda será outorgada aquando na emissão da licença pela Câmara Municipal de ..., do projecto em nome do Segundo Contraente”.

7. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, 1966, 2.º‑ 356.

8. Para além do já supra citado, pode ver-se, neste sentido, ainda, v.g.,: na doutrina, ANA PRATA, “Contrato-promessa e o seu regime civil”, 2001, p. 780 e seguintes, CALVÃO DA SILVA, “Sinal e contrato-promessa”, p. 85 e seguintes) e MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, p. 240; na jurisprudência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28-06-2011, de 20-05-2010, de 22-03-2011, de 20-12-2006 e de 27-10-2009, todos referenciados no acórdão do STJ de 10-01-2012 (disponível em www.dgsi.pt).

9. Com a qual, se concede “ao devedor uma derradeira possibilidade de manter o contrato (e de não ter, além do mais, que restituir a contraprestação que eventualmente tenha já recebido)”, mediante a fixação de “uma dilação razoável, em vista dessa finalidade”, no que se afirma “um ónus imposto ao credor que pretenda converter a mora em não cumprimento definitivo” – ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. II, Coimbra, 1992, p. 123 e 124.

10. Não basta, como diz ANTUNES VARELA, “uma perda subjetiva de interesse na prestação”. Do n.º 2 do art.º 808.º do CC resulta que “essa perda de interesse transpareça numa apreciação objectiva da situação” – in Das Obrigações em Geral, Vol. II, Coimbra, 1992, p. 122.

  Ou seja, “o credor não deve rejeitar a prestação a seu bel-prazer, mas apenas com fundamento em interesses ou motivos dignos de tutela”, BAPTISTA MACHADO, in Obra Dispersa, I, p. 151, apud Acórdão do STJ de 20-05-2015, disponível in www.dgsi.pt.

11. Aqui, o credor não tem de esperar pelo vencimento da obrigação (se ainda não ocorreu), não tem de alegar e provar a perda de interesse na prestação do devedor, nem o tem de interpelar admonitoriamente, para ter por não cumprida a obrigação. O comportamento do devedor basta para que se considere o contrato definitivamente não cumprido, estando então aberta a porta para que, além do mais, o credor possa pôr termo ao contrato, também ele, por resolução.

12. Proc. 2434/08.3TBSTS.P1.S1.

13. Proc. nº 850/05.1TBLLE.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

14. Neste sentido, cfr. a Anotação do Prof. BAPTISTA MACHADO, in RLJ 118º/332.

15. Como escreve GALVÃO TELES (in O Direito, 120º-587/588), “Com a exigência da fixação de um prazo suplementar (para a mora se transformar em incumprimento) pretende o legislado evitar que, ocorrida a mora, possa a outra parte resolver o contrato imediatamente ou quase imediatamente. Quer-se proporcionar ao faltoso a oportunidade de ainda cumprir, embora com algum atraso, e assim evitar a rescisão do contrato. O dito prazo pode ser fixado antes ou depois da mora ou no próprio contrato, por acordo das partes. Esta é a modalidade que oferece mais garantias – dado o consenso de ambos os interessados sobre a duração do prazo, não poderá sequer pôr-se em dúvida a sua razoabilidade”.

16. Cfr. art. 808.º do CCiv.

17. Para transformar a mora em incumprimento pode ser, com efeito, necessária a fixação de um prazo suplementar cominatório (cf. Prof. GALVÃO TELES, in “O Direito”, 120 — 587) sendo que essa interpelação admonitória é, na expressão do Prof. ANTUNES (R.L.J 128.º, 138) “uma ponte obrigatória de passagem para o não cumprimento (definitivo) da obrigação.”.

  E esse prazo suplementar “tem de ser uma dilação razoável” (Prof. A. VARELA, in “Das obrigações em geral” II, 119).

  Só se decorrido o novo prazo para o devedor não cumprir, é que o credor pode resolver o contrato (Ac. do STJ de 11/12/03 — 03A3363, e de 7/2/06 — 05A 3670).

18. Proc. 25/2009, publicado em www.datajuris.pt (Martins de Sousa).

19. Referências:

• Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág(s) 297 ss, 316 ss

• Galvão Telles, Das Obrigações em Geral, 6ª edição, pág(s) 301

• Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, pág(s) 128 ss

• Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, ano 1994, vol. 2, pág(s) 457

 • Sousa Ribeiro, Direito dos Contratos - Estudos, pág(s) 302

 • Menezes Cordeiro, Estudos de Direito Civil, I, pág(s) 85

• Ana Prata, O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, pág(s) 642, 1513

• Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in Estudos de Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro, Jurídica, II, pág(s) 348

 • Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, pág(s) 379, 380