Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | CRISTINA COELHO | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE BANCÁRIA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL CONTA BANCÁRIA DEPÓSITO CONVENÇÃO DE CHEQUE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO TERCEIRO ATOS DOS REPRESENTANTES LEGAIS OU AUXILIARES CULPA DO LESADO CHEQUE PAGAMENTO DEVER DE DILIGÊNCIA DEVER DE VIGILÂNCIA DEVER ACESSÓRIO | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | REVISTA DA RÉ IMPROCEDENTE REVISTA SUBORDINADA DA AUTORA PROCEDENTE EM ALTERAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO | ||
| Sumário : | I. Sendo a causa de pedir a responsabilidade contratual e extracontratual das RR. entidades bancárias pelo pagamento dos danos resultantes do pagamento de cheques falsificados, é no âmbito das relações derivadas do contrato de convenção de cheque, e dos direitos e deveres dele resultantes, que a eventual concorrência de culpa do lesado na ocorrência ou agravamento dos danos tem de ser apreciada. II. Não é aplicável o disposto no art. 571º do CC, se a pessoa que o lesado utilizou, contabilista externo à sociedade, para efetuar a entrega nos CTT de cheques para pagamento de impostos, falsificou o beneficiário inscrito e, por endosso, depositou os cheques em conta por si titulada, extravasando as funções que lhe foram confiadas pelo lesado, atuando dolosamente, em proveito próprio, contra os interesses e em prejuízo do lesado. III. Na apreciação da culpa do lesado para a ocorrência ou agravamento dos danos haverá que atender aos deveres que para ele resultam do contrato de convenção de cheque, que implicam a guarda cuidadosa dos cheques de forma a prevenir eventuais perdas ou extravios, ou uso abusivo ou falsificação, e o dever de avisar o banco prontamente logo que detete a sua falta ou preenchimento abusivo. IV. A razão de não se vencerem juros nos créditos ilíquidos (art. 805º, nº 3, do CC) reside no facto do devedor não saber, sem culpa sua, o quantum da prestação que deve entregar ao credor, não devendo esta regra manter-se se essa ignorância ou falta desse conhecimento dever atribuir-se a culpa do devedor. V. Se o valor da obrigação é determinável em função de factos que são do conhecimento das partes, não existe obrigação ilíquida, a tal não obstando não estarem as partes de acordo acerca da verificação desses factos que servem de base ao apuramento daquele valor, ou de existir controvérsia sobre a obrigação de pagar. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam na 6ª secção do Supremo Tribunal de Justiça RELATÓRIO Em 19.12.2019, Icut Now - Tecnologia Laser, Lda. intentou contra Banco Comercial Português, SA e Caixa Geral de Depósitos, SA, ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação solidária das RR. a pagarem-lhe a quantia €83.082,61, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal comercial sucessivamente em vigor, desde a data de interpelação das RR. – que ocorreu em 30.09.2019 – até efetivo e integral pagamento. As RR. contestaram: - A Caixa Geral de Depósitos SA pugnando pela improcedência da ação; - O Banco Comercial Português, SA, pugnando pela improcedência da ação, com a sua absolvição de todos os pedidos formulados pela A., ou, subsidiariamente, ser considerada a repartição de culpas na proporção de 95% para a A. e 5% para os RR. Em 5.06.2024, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu as RR. do pedido. Não se conformando com o teor da decisão, a A. apelou. Em 9.01.2025, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto que julgou a apelação parcialmente procedente, e, consequentemente, alterou a decisão recorrida, condenando as RR. a pagarem, solidariamente, à A., a quantia de €46.470,96, acrescida de juros de mora desde 30/09/2019 até efetivo pagamento, à taxa de juros comerciais, aplicável nos termos da Portaria n.º 277/2013, de 26/08. Do acórdão do Tribunal da Relação do Porto interpuseram recurso de revista as RR. A Caixa Geral de Depósitos, SA, formulou, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem: 1) a conduta ilícita do contabilista da Autora, AA insere-se na relação de comissão estabelecida entre ele e a Autora e ainda que aquele não tivesse recebido indicações da Autora para fazer constar de cada cheque o nome da sua empresa de contabilidade nem para o depositar na conta bancária desta, toda essa conduta dolosa só foi praticada porque a A o incumbiu de pagar calcular o valor do IVA e entregar nos CTT cada um desses cheques com o valor previamente fixado por ele 2) Essa atuação dolosa do comissário (AA) não afasta a responsabilidade do comitente (a Autora) – art 500 nº 2 do C Civil. 3) A equiparação fixada no art 571 C Civil conduz à conclusão de que o ato praticado pelo representante do lesado tem a mesma implicação e os mesmos efeitos que teria se tivesse sido praticado pelo lesado. 4) Tal normativo, sobretudo tendo em conta o regime de “distribuição”, entre lesante e lesado, das consequências do ato ilícito danoso, equipara e valoriza, de igual modo, atos de representantes de lesado e atos de representante do lesante. 5) Se o lesante responde por conduta dolosa do seu representado, ainda que nenhuma censura lhe pudesse ser feita por falta de critério na escolha do seu representante ou por falta de controle na atuação deste, igual tratamento e responsabilização deve ser atribuída ao lesado quanto a condutas dolosas do seu representante. 6) Ora no caso de concorrência de dolo do representante do lesante, com mera culpa do lesado (ou do seu representante) na origem do evento danoso, a jurisprudência do STJ aponta no sentido de que a indemnização ao lesado não deve ser reduzida e a ponderar a admissibilidade da concorrência, é de exigir que os factos reveladores da culpa do lesado sejam graves, não bastando qualquer omissão ou negligência. 7) Entendimento diverso implicará a violação da norma constante do art 571 do C Civil já que se recusará equiparar a conduta culposa do representante do lesado a conduta do próprio lesado e ao invés só responsabilizará este e apenas eventualmente se a escolha do seu representante ou a (falta de) controle da atuação deste merecer censura porque, de outro modo, e sempre à luz desse entendimento, nem sequer o lesado poderia ser responsabilizado por conduta dolosa do seu representante. 8) Para além disso, a equiparação entre conduta culposa do lesado e conduta culposa do representante deste permite-nos a conclusão de que, mau grado a adulteração dos cheques quanto à pessoa do beneficiário, essa adulteração foi praticada pela Autora representada pelo dito contabilista e como tal a ordem de pagamento em que se consubstancia um cheque foi devidamente cumprida pelo banco sacado ou por quem representou este banco nesse ato (o banco tomador) 9) Ou seja o sacado – (CGD) cumpriu a ordem contida em cada cheque, dada pelo sacador (ou quem o representou até ao momento em que fosse entregue a quem deveria ser o beneficiário - CTT) pagando à pessoa que esse representante da Autora fez constar como sendo o beneficiário (artºs 1 e 5 da Lei Uniforme Sobre Cheques) 10) Se este extravasou os poderes ou a incumbência de que foi encarregue será questão para dirimir entre ambos. Sem prescindir caso se entenda que a Autora não responde ou não pode ser responsabilizada pela atuação dolosa do seu colaborador, ou que esta não afasta a responsabilidade dos bancos RR, 11) Da convenção do cheque celebrada entre a R CGD e a Autora emergem obrigações não só para o banco sacado mas também para o cliente do banco, neste caso, a Autora que se obriga, designadamente, a guardar cuidadosamente os cheques evitando o seu extravio e a sua utilização indevida por terceiros até à entrega ao beneficiário. 12) Exige-se ao cliente do banco, cuidado no preenchimento desses cheques de modo a obstar ou, pelo menos, a não facilitar a adulteração, por terceiro, dos elementos inscritos no cheque até chegar ao poder do beneficiário do mesmo, 13) A Autora incumbiu acriticamente o seu contabilista de lhe indicar o valor que deveria constar de cada um dos cheques e o que deveria fazer constar no espaço destinado à identificação do beneficiário. 14) Como o incumbiu de os entregar, pela forma que bem entendesse, ao destinatário/beneficiário: a Autoridade Tributária. 15) A Autora não ignorava e era essa a sua vontade que os cheques seriam para pagamento à Autoridade Tributária do valor do IVA e estava obrigada a saber que, em face do que constou de cada cheque quanto ao beneficiário, estes seriam entregues aos CTT, “literal ou formalmente” o beneficiário dos mesmos. 16) 17) O pressuposto ou elemento de facto determinante da lesão suportada pela Autora – prolongada no tempo e de valor considerável - ocorreu a montante da intervenção dos bancos, por culpa exclusiva da Autora. 18) Tal ocorreu quando, relativamente a cada declaração de IVA, a ingénua Autora confiou sem controlar minimamente, nem mesmo a posteriori, o teor de cada declaração de IVA! 19) Bastava esse gesto simples: solicitar ao contabilista, aquando do pedido, por este, de entrega de cada cheque, que lhe apresentasse a declaração de IVA devidamente preenchida a que se reportava o respetivo cheque para que o dano nunca tivesse ocorrido. 20) O prejuízo que o A suportou, decorreu não da apropriação do valor titulado em cada cheque mas apenas da diferença entre o valor que indicou à A para fazer constar em cada cheque para pagamento de IVA e o valor real do IVA da respetiva declaração, que a Autora não controlou. 21) E naturalmente que, nessa área, nenhuma intervenção tiveram os bancos RR: o preenchimento de cada cheque quanto ao valor correspondia à vontade (viciada pelo contabilista) da Autora. 22) Sendo assim, se a Autora controlasse cada declaração de IVA e emitisse cada cheque pelo valor real, o contabilista ter-se-ia abstido de adulterar os cheques, já que, em face do no modus operandi que escolheu, nenhuma vantagem patrimonial daí lhe adviria. 23) A gerência da Freixotel e da Autora deixou protelar essa situação – ao nunca comprovar através da simples análise da declaração de IVA, o valor do IVA que em cada mês era devido - durante 10 anos (desde 2006) até à emissão do primeiro cheque pela Autora! 23) A gerência da Freixotel, logo em 2015, por conseguinte antes dos factos aqui em causa, relativos à Autora I Cut Now teve um sinal de alarme que desvalorizou e que só por si teria obstado à verificação dos factos ilícitos danosos aqui em questão 24) Referimo-nos ao facto provado v): saldo de caixa elevado o que significa normalmente sub-faturação ou levantamentos dos sócios não documentados e em que a causa era precisamente a apropriação sistemática e desde 2015, pelo contabilista, da diferença entre o IVA devido – cuja saída estava suportada em recibos do IVA e os valores (superiores) de que o contabilista se apropriava sistematicamente e que não tinham suporte documental ( faturas ou recibos). 25) Ingénua e displicentemente, a gerência da Freixotel/Autora aceita como boa a explicação do contabilista: a causa disso estaria nas retiradas de caixa não documentadas! 26) O que significa que os gerentes nem sequer teriam tomado conta (anotado) dos valores em dinheiro que tivessem sido levantados de caixa, por eles sócios! 27) DE tudo isto decorre a gravidade – pela duração no tempo, da omissão da conduta da Autora e pela simplicidade do ato que lhe era exigível para obstar à verificação do dano da atuação das Autora 28) Além disso, a gerência da Autora – como qualquer bonnus pater famílias gerindo sociedades com a dimensão da Freixotel e da I Cut Now - estava obrigada a saber que, destinando-se cada cheque a pagar impostos, a simples identificação do destinatário como CTT, sem mais, nunca permitiria identificar o destino e o beneficiário último dos cheques. 29) Não está aqui em causa o bom cumprimento de qualquer obrigação tributária, o que está em causa é um deficiente preenchimento dos cheques quanto à identidade do beneficiário e que a A tinha obrigação de conhecer: escrever apenas CTT (que não era o seu credor) sem mais, deixando todo o demais espaço em branco propiciava como propiciou a adulteração de cada cheque e nem permitia saber quem era o beneficiário dos cheques. 30) Exigia-se-lhe ou que escrevesse no espaço em causa “pagamento de impostos” ou o seu NIF ou, pelo menos, que com uma linha horizontal inutilizasse todo o demais espaço. 31) Se assim tivesse agido, essa adulteração nunca teria tido sucesso porque teria de ser ostensiva e prolongada (no espaço) e não apenas através da alteração de duas letras e facilmente seria então detetada pelos colaboradores do Millennium (e também, quanto aos dois últimos cheques, pelos colaboradores da CGD) 32) Relativamente ao banco que recebeu os cheques, o R Millennium Bcp, de assinalar que não foi a assinatura do sacador, nem foi o valor – elementos estes cuja simples rasura ou imitação da assinatura do sacador carretariam um elevado grau de censurabilidade aos bancos – que foram adulterados, mas apenas a identificação do beneficiário! 33) Através da observação de cada um dos cheques, o funcionário bancário que os rececionou constatou, de imediato, que era indiscutível que a ordem de pagamento contida em cada um deles havia sido emitida por quem a tal estava legitimado – o sacador e titular dos fundos sacados, a Autora - e que o valor a pagar era exatamente aquele. 34) Se a isto somarmos que cada cheque era à ordem e cruzado, podendo ser levantado, (mediante endosso ou não) por alguém que sempre seria cliente do banco sacado e sobretudo que a ... (ou o seu representante) era bem conhecida no banco tomador dos cheques, considerada como pessoa honrada e sabendo-se que era o contabilista da Freixotel e da Autora é perfeitamente aceitável, compreensível e desculpável que os colaboradores do Millennium interpretassem essas rasuras limitadas a duas letras como correção de qualquer passo, na identificação da ...!! 35) O exame visual dos cheques e a falta de qualquer sinal de rasura ou emenda na expressão “Lda.” da identificação do beneficiário, justificava o convencimento, por parte dos funcionários do banco tomador, que o beneficiário era uma sociedade por quotas (face à expressão não rasurada nem emendada “LDA” e daí facilmente partiam para a conclusão de que o vero beneficiário era de facto a ... pois que o insuspeito contabilista tratava da contabilidade da Autora e era pessoa respeitada no meio onde os cheque eram apresentados a pagamento. 36) Não é aceitável que a A exija de terceiros os cuidados que ela não teve apesar de saber que o original de um dos cheques, por ela emitidos antes da adulteração, tinha escrito como beneficiário o nome “C T T” e não ... Lda. 37) Com efeito (facto y) um colaborador da CGD analisando um dos três cheques que chegaram à CGD (por ser de valor superior a 10.000 euros) e detetando a rasura na identificação do beneficiário e porque, ao contrário dos colaboradores do millennium não conhecia a ... nem o seu representante, questionou, primeiro por telefone, o representante da Autora, e depois enviou-lhe cópia do cheque e o mesmo, depois de a observar, mandou pagar. 38) E mandou pagar pela simples razão de que era aquele o valor e a data da emissão, o cheque destinava-se a pagamento de impostos e a ... (e o AA) era quem calculava o IVA e recebia cada um dos cheques! 39) De acrescentar ainda que a quantidade de cheques rasurados não pode nem deve funciona como argumento agravante da responsabilidade dos bancos, já que cada um dos cheques era apresentado a pagamento com uma distância temporal relativamente ao anterior ou ao que se lhe seguia, de um mês e não era exigível ao colaborador do banco que “memorizasse” que o cheque anterior também evidenciava idêntica emenda. 40) Pelos fundamentos acima expostos e a improceder o primeiro dos fundamentos acima invocados - a obrigação de indemnização a cargo dos bancos sempre deveria se reduzida em 75% ou seja a condenação destes não ultrapassaria os 25% do valor dos danos suportados pela Autora -a principal responsável pela verificação desses factos Ainda Sem prescindir 41) Os juros de mora não são devidos desde a data da interpelação, mas antes desde a data do transito em julgado desta decisão em que o crédito devido pelos RR à Autora se tonará líquido. 42) Está em causa (nas relações da A com a CGD - e com o Millennium já que este, enquanto banco tomador, age como representante da CGD) uma obrigação baseada em responsabilidade contratual (convenção de cheque) e se o crédito for ilíquido não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor (art 805 nº 3 C Civil). 43) O legislador considera que, nesses casos, não há culpa do devedor e, como tal, não haverá indemnização pela mora já que, subjacente a esta, estará sempre uma situação de culpa do devedor que censuravelmente não cumpre a obrigação que o credor lhe exige, retardando-a. 44) Ora, a A formulou na p i um pedido em montante muito superior ao que logrou demonstrar 45) Anteriormente, na interpelação dos RR para pagamento, ocorrida em 30/9/2019 reclamava de cada um dos demandados o pagamento da quantia de 88.318 euros, sendo que, em momento algum desse contacto escrito, identificou cada um dos cheques de que pretendia ser ressarcida, limitando-se a indicar o seu valor global; 46) Muito menos indicou o valor que relativamente a cada um dos cheques, havia sido pago pelo contabilista 47) Ora o valor pago, de IVA, relativamente a cada cheque, pelo contabilista à AT constituía um dos elementos necessários – a par da identificação e valor de cada um dos cheques adulterados - para a liquidação do crédito que a A reclamava dos RR. 48) Para além disso, na decisão recorrida, a indemnização imposta aos RR foi de 75% de um valor de 66 387,09 EUR (já que foi recusada qualquer indemnização relativa ao cheque de 16 695,52 euros) 49) E assim, a liquidação do valor indemnizatório o que vale por dizer, do crédito da Autora dependeu ainda de um outro circunstancialismo, desconhecido até agora pelos RR e que envolveu a falsificação e pagamento de cheques falsos, circunstancialismo esse que permitiu ao tribunal fixar a medida da responsabilidade do lesado no próprio evento danoso 50) O simples facto de a A ter pedido montante determinado não significa que a dívida se tenha tornado líquida com essa pretensão, mas apenas com a fixação do montante na sentença. 51) Decidindo de modo diverso, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos art.s 500, nºs 1 e 2, 570, nº 1, 571 e 805 nº 3 todos do C Civil Termina pedindo a revogação da decisão recorrida, substituindo-se por outra que julgue totalmente não provada e improcedente a ação e absolva as RR. do pedido, ou, subsidiariamente e se assim se não entender, condenar-se as RR a pagar à A. apenas o valor correspondente a 25% de 66.387,09 euros, com juros de mora desde o trânsito em julgado da decisão. O Banco Comercial Português, SA, formulou, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem: A. Em 09.01.2025, o Tribunal da Relação do Porto proferiu acórdão julgando parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Recorrida da sentença proferida em 05.06.2024 pelo Tribunal de Primeira Instância, que decidiu absolver totalmente os Réus do pedido com fundamento no instituto da culpa do lesado previsto no artigo 571.º do Código Civil (adiante “CC”). B. O Acórdão recorrido decidiu distribuir a culpa diferentemente (cabendo 30% à Autora e 70% aos Réus) e, consequentemente, condenar os Réus, onde se inclui o Recorrente, a pagar, solidariamente, à Autora, a quantia de € 46.470,96, acrescida de juros de mora desde 30/09/2019 até efetivo pagamento. C. Sucede que o Tribunal recorrido interpretou e aplicou a norma ínsita no artigo 571.º do CC em termos que o Recorrente, ressalvado o devido respeito, considera erróneos. D. Caso, de resto, a interpretação do instituto da culpa dos representantes legais e auxiliares tivesse sido realizada corretamente, e considerando a matéria de facto provada, estaria o Tribunal recorrido, como esteve o Tribunal de Primeira Instância, em condições de aplicar ao caso sub judice a norma do artigo 571.º do CC e de extrair dela as devidas e necessárias consequências. E. Só por si, a aplicação do artigo 571.º do CC ao presente caso determinaria a exclusão da indemnização de que a Autora se arroga titular — nos termos do que foi decidido, com elevado rigor, pelo Tribunal de Primeira Instância. F. A factualidade tida como provada nos presentes autos também é adequada, per se, a determinar a culpa integral da Recorrida nos termos do artigo 570.º do CC (e, assim, a exclusão da indemnização), sendo infundada a distribuição que o Tribunal faz da culpa (cabendo 30% à Autora e 70% aos Réus). G. Atentos os factos dados como provados nos autos, impunha-se outra decisão por parte do Tribunal a quo — concretamente, a exclusão da indemnização de que a Autora se arroga titular, nos termos e para os efeitos dos artigos 570.º e 571.º do CC. H. Ora, as duas imputações concorrem no concreto caso: a Autora não só tem culpa ao abrigo do artigo 571.º do CC, por factos de terceiros que utiliza no seu interesse, como tem também culpa nos termos do artigo 570.º do CC, por factos próprios. I. Sendo os invocados erros de julgamento de Direito os fundamentos da presente Revista, que se analisarão de seguida, requer-se a V. Exas. que seja a presente revista admitida nos termos do disposto no artigo 674.º, n.º 1, al. a), do CPC. a. Do erro de julgamento por errada interpretação e aplicação da norma do artigo 571.º do CC J. O Recorrente acompanha o Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal recorrido quando asseveram que AA se enquadra no conceito de "pessoas de quem ele [a Recorrida] se tenha utilizado" inserto na parte final do artigo 571.º do CC, enquanto "pessoa escolhida pela gerência da autora, [que] atuando sob instruções suas, na sua esfera de interesse" praticou um facto culposo equiparável a facto culposo do lesado (citando a douta sentença proferida em primeira instância). K. O teor do artigo 571.º do CC deverá ser interpretado em termos que sejam coerentes, desde logo, com a norma prescrita no artigo 800.º do CC, sendo que o preceito do artigo 571.º do CC configura o equivalente simétrico para o lesado das soluções aí prescritas (cf. BRANDÃO PROENÇA, A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, pág. 720). L. Na interpretação daquele segmento normativo, deve também ser considerada a ratio da norma (que coincide, simetricamente, com a que subjaz ao artigo 800.º do CC); por outro lado, também o elemento literal deve ser atendido no sentido de que a norma enxertada no artigo 571.º do CC significa, sem mais nada, a imputação ao lesado de factos culposos das pessoas por quem poderia ser responsabilizado se estas causassem prejuízos a terceiros (cf. Acórdão do STJ, de 26.01.2021, processo n.º 969/18.9T8GMR.G1.S1). M. Ora, a letra da lei não prevê qualquer ressalva à equiparação do facto culposo daquelas pessoas ao facto culposo do lesado, sendo que onde o legislador não distingue, não deve o aplicador da lei fazê-lo (nos termos, de resto, do artigo 9.º, n.º 3, do CC). N. Para efeitos de aplicação do artigo 800.º do CC — e, defende o Recorrente, simetricamente do artigo 571.º do CC —, é irrelevante a relação existente entre o devedor e o terceiro (diversamente do que acontece no artigo 500.º do CC), bastando que "o devedor tenha feito intervir o terceiro no cumprimento, sendo irrelevante se o fez no contexto de uma relação contratual, de uma relação de cortesia ou, até, de uma relação indireta que permita presumir o assentimento para aquela intervenção" (Cf. ANA PRATA, Código Civil Anotado, Volume I, 2.ª edição revista e atualizada, Almedina (2019), pág. 1035). O. Sendo a norma ínsita no artigo 571.º do CC simétrica à do artigo 800.º do CC, e sendo a mesma a ratio subjacente às duas normas, tais considerações têm inteira aplicabilidade no exercício de interpretação e aplicação do artigo 571.º do CC (cf. BRANDÃO PROENÇA, op. cit., p. 713) — entendimento, de resto, plasmado na douta sentença proferida em primeira instância. P. Isto posto, e diferentemente do que expõe o Tribunal recorrido, o facto de, em concreto, a atuação do terceiro não ter revertido a favor do lesado, como seria suposto e esperado, não pode justificar o afastamento da coerência do sistema normativo, nem da letra e da ratio do artigo 571.º do CC — relevando apenas no seio das relações internas entre o lesado e o terceiro, uma vez que em causa estão dois universos de responsabilidade distintos. Q. Para efeitos da aplicação do artigo 571.º do CC, é irrelevante a existência ou não de culpa do lesado por facto próprio, sendo essa culpa aferida apenas em sede do artigo 570.º do CC — tendo andado mal o Tribunal a quo a este respeito. R. O artigo 571.º do CC é um caso de imputação objetiva, simetricamente ao artigo 800.º do CC, que consagra um quadro de responsabilidade objetiva, em que o devedor responde independentemente de culpa sua in eligendo, in vigilando ou in instruendo. S. Interpretar o artigo 571.º do CC nos termos em que faz o Tribunal recorrido significaria admitir que, nos casos em que não se verificasse qualquer culpa do lesado por factos próprios, o lesado não fosse de todo responsabilizado (nos quadros da culpa do lesado) por conduta dolosa do seu representante ou auxiliar. T. Não podendo, em consequência, a indemnização ser excluída ou reduzida por culpa do lesado apesar de o terceiro que o lesado, no seu interesse, utilizou ter produzido/agravado, dolosamente, o dano por si sofrido (!!!) — o que é manifestamente contrário à justiça material, à lei e à teleologia das normas e do sistema normativo. U. A falta de vigilância da Autora sobre o terceiro que utilizou (AA), a que alude o Tribunal recorrido no Acórdão ora em crise, por um lado, não é exigida para que se aplique o artigo 571.º do CC e, por outro, é fundamento, por si só, da aplicação do instituto da culpa do lesado previsto no artigo 570.º do CC, sendo um facto próprio do lesado. V. Motivo pelo qual deveria o Tribunal recorrido ter decidido pela aplicação ao caso tanto do artigo 571.º do CC, como do artigo 570.º do CC. W. Ainda que entenda o Recorrente, na senda da tese de ANA PRATA quanto ao simétrico artigo 800.º do CC, que é irrelevante a relação existente entre o lesado e o terceiro para efeitos da aplicação do artigo 571.º, convém acautelar, sem conceder, a possibilidade de se entender diferentemente. X. Assim, sendo a lesada uma pessoa coletiva (tal qual a Recorrida), as "pessoas de quem […] se tenha utilizado" cujos factos culposos são equiparáveis a factos culposos da lesada (cf. artigo 571.º do CC) serão os "representantes, agentes ou mandatários" da pessoa coletiva que atuem enquanto comissários, aos quais o artigo 165.º do CC se refere. Y. No caso, AA atuou tal qual um gerente de facto da Recorrida (o qual se enquadra na previsão do artigo 165.º do CC, para além dos gerentes de direito, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.02.2014, proc. n.º 652/12.9TTVIS.C1, relator Jorge Manuel Loureiro), para tanto contribuindo o que resulta vertido nas alíneas o), s) e z) do elenco de factos provados. Z. Ainda que assim não fosse — o que por mera cautela de patrocínio se conjetura —, a relação contratual concluída entre AA e a Recorrida, sendo de prestação de serviços, consubstancia um contrato de mandato (cf. artigo 1157.º do CC), o que justificaria a aplicação do disposto no artigo 165.º do CC (quando aí se refere a "mandatário") e, em consequência, do sobredito artigo 571.º do CC. AA. Em concreto, era AA quem tratava da contabilidade da ICUT e do cumprimento das obrigações tributárias da sociedade (cf. facto vertido na alínea o) do elenco de factos provados), o que fazia com manifesta autonomia e sem nenhum controlo da Recorrida — controlo esse que podia e, aliás, devia ter sido exercido —, tendo a ICUT aprovado os atos praticados pelo mandatário vezes sem conta (a propósito, recorde-se o facto vertido na alínea y) do elenco de factos provados e os arts. 59.º e 60.º da contestação da ré CGD). BB. Assim sendo, quer AA tenha atuado como gerente de facto, quer tenha atuado como mandatário da Recorrente, o contabilista enquadra-se, em abstrato, no elenco de pessoas cuja atuação ilícita daria lugar à responsabilidade da sociedade perante terceiros (cf. artigo 165.º do CC), CC. E ao abrigo do referido artigo 165.º do CC, para que a sociedade responda "pelos atos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatário" é necessário que os pressupostos do artigo 500.º do CC estejam preenchidos — a saber, "(i) que exista uma relação de comissão; (ii) que sobre o comissário recaia (também) a obrigação de indemnizar, e (iii) que o facto danoso tenha sido praticado no exercício da função que lhe foi atribuída" (cf. MARIA DA GRAÇA TRIGO e RODRIGO MOREIRA, in "Comentário ao Código…", cit., pág. 386) -, o que se verifica no caso. DD. O primeiro pressuposto está preenchido, porquanto a ..., por intermédio de AA, foi incumbida, entre outros, da entrega e elaboração das respetivas declarações fiscais, bem como do pagamento dos impostos referentes ao IVA devido pela Recorrida (cf. facto vertido na alínea o) do elenco de factos provados) - funções cuja execução podia e devia ter sido fiscalizada pelos representantes da Recorrida, que a tal se escusaram, assim como de emitir ordens e instruções a AA. EE. O segundo pressuposto está também preenchido atenta a responsabilidade civil extracontratual de AA perante a ICUT, resultante da adulteração dos cheques emitidos pela Recorrida para efeitos de liquidação do IVA mensal e da consequente transferência indevida dos valores aí inscritos para uma conta bancária de que o contabilista era titular. FF. Já o terceiro pressuposto tem-se por verificado atento o facto de que a adulteração dos cheques emitidos pela ICUT e a consequente apropriação indevida das quantias aí inscritas pelo contabilista tiveram lugar ainda no âmbito geral das funções que lhe foram confiadas pela Recorrida, a tal não obstando o facto de "AA [ter] agi[do] a título meramente individual", bem como a intenção do dito contabilista de prejudicar a Recorrida (cf. entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.04.2023, proc. n.º 721/17.9PTLSB.L2-5, relator Jorge Antunes e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.09.2023, proc. n.º 7253/19.9T8LSB.L1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor). GG. Assim sendo, mesmo que não se entenda — no que não se concede — que a relação entre o lesado e o terceiro é irrelevante para efeitos da aplicação do artigo 571.º do CC, note-se que a Recorrida sempre responderia, enquanto comitente, pelos atos ilícitos praticados por AA (cf. artigos 165.º e 500.º do CC), valendo idêntica solução no plano da culpa do lesado (cf. artigo 571.º do CC). b. Do erro de julgamento por errada interpretação e aplicação da norma do artigo 570.º do CC HH. No caso, deverá ser por este Supremo Tribunal de Justiça excluída a indemnização a que a Autora teria alegadamente direito, uma vez que não só se verifica a culpa das pessoas das quais fez uso (isto é, AA), como também a culpa da própria Autora, que não cuidou de observar desde logo o "dever de guardar cuidadosamente os cheques, de só os confiar a empregados de cuja probidade se tenha certificado convenientemente, de avisar o banco logo que dê pela sua perda ou extravio" (negritos nossos), a que o próprio Tribunal recorrido alude (cf. MÁRIO DE BRITO, Cheques falsificados. Responsabilidade pelo seu pagamento, B. M. J., n.º 205, página 99). II. O Tribunal recorrido, em termos que inteiramente se acompanha e subscreve, afirmou o seguinte: “No caso concreto, pensamos que há factos que permitem concluir pela falta de cuidado da Autora no tratamento do seu património no que respeita à emissão e pagamento de cheques, a saber (…)” (cf. páginas 64 a 66 do Acórdão ora em crise, para as quais se remete). JJ. De facto, a factualidade assente (em particular, a constante nas alíneas p), q), r), s), v) e x)), permite concluir que os gerentes da Recorrida atuaram em violação dos deveres que se lhes impunham — quer ao abrigo do contrato de convenção de cheque celebrado com a ré CGD, quer ao abrigo do CSC (concretamente, dos seus artigos 64.º, 65.º e 246.º, n.º 1 alínea e) —, deste modo dando causa, em exclusivo, aos danos cujo ressarcimento a Recorrida peticiona (o qual seria, por isso, excluído). KK. Ainda que assim não fosse — o que por mera cautela de patrocínio se concede —, os atos e omissões imputáveis aos gerentes da Recorrida teriam contribuído, em larga medida, para que os danos se produzissem, o que seria bastante para que a indemnização fosse reduzida (cf. artigo 570.º, n.º 1 parte final do CC e, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.06.2016, proc. n.º 337/15.4T8AVR.P1, relator Carlos Querido). LL. No caso em apreço a Recorrente descobriu o "esquema" fraudulento levado a cabo por AA volvidos, note-se, mais de 12 (doze) anos desde que o contabilista deu início à adulteração dos cheques da Freixotel e ao fim de 2 (dois) anos, no que concerne aos cheques emitidos pela Recorrida. MM. Situação da qual sobressai a falta grosseira de fiscalização, vigilância ou simples interesse pela Recorrida quanto à atuação de AA (falta que é tão mais grave quando considerado o facto vertido na alínea v) da matéria de facto provada). NN. Ademais, a reduzida escolaridade, assim como a falta de conhecimentos técnicos dos gerentes da Recorrida que lhes permitam compreender os atos de contabilidade praticados por AA não atenuam o grau de censura sobre os representantes da ICUT (veja-se, a propósito, o Acórdão do TRL de 21.02.2017, proc. n.º 413/10.0TVLSB.L1-1), os quais, designadamente, não diligenciaram por aferir se os documentos contabilísticos elaborados por AA estavam ou não conformes, nem sequer diligenciaram por os ver para comparar com o valor dos cheques emitidos (esta que é a mais básica das atuações que era exigida de um gerente minimamente diligente). OO. Crê-se, aliás, que os atos e omissões dos gerentes da Recorrida são reveladores de uma conduta grosseiramente negligente, que se consubstancia num "erro imperdoável, à desatenção inexplicável e à incúria indesculpável" (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18.04.2023, proc. n.º 16900/21.1T8PRT.P1, relator João Ramos Lopes [negritos nossos]). PP. Já quanto aos funcionários do BCP é imputável um grau leve de censurabilidade, conforme o Tribunal de primeira instância decidiu (e bem!), não se extraindo da matéria de facto assente qualquer indício de que o Recorrente BCP tenha atuado com negligência grosseira. QQ. Além disso sempre se diga que a quantidade de cheques adulterados não pode, em nenhuma circunstância, funcionar como fator agravante da responsabilidade dos Réus, uma vez que, conforme ficou provado, todos os meses era apresentado a pagamento um único cheque e só no mês seguinte era apresentado outro cheque, pelo que não era exigível ao colaborador dos Réus, atentas as mais elementares regras de experiência comum, que se lembrasse que o cheque anterior também evidenciava idêntica adulteração. c. Do erro de julgamento quanto aos juros RR. Relativamente aos juros, a data atendível para efeitos de contagem dos juros de mora que seriam devidos pelos Réus à Autora, em regime de solidariedade, é a data do trânsito em julgado da decisão (cf. artigo 805.º, n.º 3 do CC) — a tal não obstando as conclusões do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23.10.2012, proc. n.º 2073/10.9T2AVR.C1, aludido no acórdão recorrido (que, inclusive, reforçam a tese do Recorrente BCP sobre os juros). SS. A data atendível para efeitos de contagem dos juros de mora que seriam devidos pelos Réus à Autora, em regime de solidariedade, e no caso de serem condenados ao pagamento de uma indemnização à Autora, é a data do trânsito em julgado da decisão. Em suma, TT. Os atos e omissões dos gerentes da Recorrida (reproduzidos na matéria de facto nestes autos dada como provada) contribuíram, senão causaram em exclusivo (dada a sua gravidade e duração) os danos que a ICUT pretende aqui ver ressarcidos, o que justifica, per se, que a indemnização peticionada pela Recorrida seja excluída ao abrigo do artigo 570.º do CC. UU. De todo o modo, sempre se verifica a descrita culpa da Recorrida por factos praticados por AA, ao abrigo do artigo 571.º do CC, que sempre determinaria, também per se, aquela exclusão. VV. Num caso evidente de concorrência de culpa do lesado nos termos do artigo 570.º do CC com a culpa dos auxiliares nos termos do artigo 571.º do CC, a alegada lesada, aqui Recorrida, tem culpa em termos subjetivos, ao abrigo do artigo 570.º do CC (sendo o juízo de censurabilidade da conduta da Recorrida, que agiu com negligência grosseira, manifestamente mais elevado do que o do Recorrente), e tem culpa em termos objetivos, ao abrigo do artigo 571.º do CC. WW. Atento o exposto, a redução da indemnização em 30%, operada pelo Tribunal recorrido revela-se manifestamente insuficiente, requerendo o Recorrente que a indemnização de que a Recorrida se arroga titular seja de todo excluída, na medida em que a culpa do facto deve ser-lhe atribuída na totalidade. XX. Ao ter decidido como decidiu o Tribunal a quo violou, por errada interpretação e aplicação, as normas dos artigos 500.º, n.ºs 1 e 2, 570.º, 571.º e 805.º, n.º 3, todos do Código Civil: — a norma do artigo 571.º do CC, que deveria ter sido aplicada com o sentido de que a imputação ao lesado de factos culposos das pessoas por quem poderia ser responsabilizado se estas causassem prejuízos a terceiros independentemente de, em concreto, a atuação daquelas pessoas também redundar em prejuízo para o próprio lesado e independentemente de haver culpa do lesado por atos próprios. — a norma do artigo 570.º do CC ao extrair dela que a Recorrida apenas era responsável por 30% da indemnização peticionada quando em resultada da correta interpretação e aplicação da norma deveria ter sido excluído o direito a qualquer indemnização. Subsidiária e cautelarmente: YY. Caso se venha a entender que a culpa do lesado (ao abrigo dos artigos 570.º e 571.º do CC, cumulativamente) não determinou, em exclusivo, os danos cujo ressarcimento se peticiona, antes tendo contribuído para que aqueles tivessem ocorrido — o que não se concede, e apenas por mero dever de patrocínio se admite — deve fazer-se, ainda assim, e em linha de tudo quanto se disse, por ser essa uma solução mais compatível com a factualidade do presente processo, uma distribuição da responsabilidade indemnizatória pelos danos alegadamente sofridos em termos inversos ao que fez o Tribunal recorrido: cabendo 30% aos Réus e 70% à Autora. ZZ. Neste caso, deverá o Tribunal determinar que os juros de mora serão devidos pelos Réus apenas após a data do trânsito em julgado da decisão. Termina pedindo que se revogue a decisão recorrida, substituindo-se esta por outra que absolva as RR. do pedido e, apenas subsidiariamente, substituindo-se por outra que apenas condene as RR. a pagar à A. a quantia correspondente, no máximo, a 30% de 66.387,09€, acrescida de juros de mora desde o trânsito em julgado da decisão. A A. contra-alegou, pugnando pela improcedência dos recursos de revista interpostos pelas RR., e deduziu recurso subordinado relativamente à parte em que decaiu, formulando, a final, as seguintes conclusões: I- O presente recurso visa impugnar a decisão proferida no acórdão recorrido na parte em que imputa à Recorrente uma falta de diligência geradora de uma redução do seu direito de indemnização em 30%, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 570.º, n.º 1, do CC, e, consequentemente, apenas condena os Recorridos no pagamento à Recorrente de 70% dos prejuízos por esta sofridos, porquanto a Recorrente discorda dos fundamentos aduzidos no acórdão recorrido para sustentar a negligência que lhe imputa. II- Começando pela diferença entre os valores dos cheques e o montante de IVA efetivamente devido em cada momento, afigura-se à Recorrente que tal argumento não releva para se concluir pela falta de diligência da Recorrente, desde logo porque não resultou provado – nem se extrai dos factos provados – que os valores indicados pelo contabilista e inscritos nos cheques pela Autora acreditando corresponder aos valores de IVA efetivamente devidos ao Estado fossem manifestamente desproporcionais, considerando as operações realizadas pela Recorrente, de tal modo que devessem ter feito a Autora aperceber-se do engano de que estava a ser alvo. III- Não sendo exigível que a Autora equacionasse a hipótese de estar a ser enganada pela pessoa que contratou para prestar o serviço, não é o facto de a Autora não se ter apercebido da diferença (porque alegadamente relevante) entre o valor inscrito nos cheques e o valor do IVA efetivamente devido – que a Autora obviamente desconhecia, caso contrário não teria emitidos os cheques por montantes superiores – que podem levar a um juízo de censura sobre a conduta da Autora. IV- Os valores inscritos nos cheques não assumiram discrepâncias tais face ao que seria razoável admitir ser o IVA devido pela Autora ao Estado que permita dizer que a Autora foi pouco diligente ao não se aperceber que os valores que lhe eram indicados pelo contabilista não poderiam ser os efetivamente devidos ao Estado a título daquele imposto. V- Em virtude do exposto, não é possível afirmar uma grande discrepância relevante para que se possa concluir pela falta de cuidado da Autora, uma vez que essa diferença relevante apenas resultaria, não da diferença entre os valores inscritos nos cheques e os valores efetivamente devidos em cada momento, mas, quando muito, entre os valores dos cheques e os valores que seriam razoáveis admitir como sendo devidos pela Autora ao Estado. VI- Sem prescindir, também discordamos com o acórdão recorrido quanto à invocada relevância da diferença entre o valor inscrito nos cheques e o valor do IVA efetivamente devido. VII- Com efeito, não se verificaram discrepâncias relevantes, principalmente tendo em conta, como acima se disse, que os valores inscritos nos cheques em cada mês, com exceção de dois, não ultrapassam o valor de imposto efetivamente devido mais elevado naquele período. VIII- Acresce que, o Tribunal recorrido também andou mal, ao considerar ser exigível à Autora que conferisse os valores efetivamente pagos à Autoridade Tributária, pois, tendo os cheques em causa sido emitidos pela Recorrente e entregues a AA nos termos descritos nas alíneas b) e d) dos factos provados, isto é, integralmente preenchidos e assinados pela Recorrente, nomeadamente o campo do beneficiário, e tendo os cheques saído das contas da Autora pelos montantes por ela inscritos em cada mês – uma vez que o esquema de apropriação ilícita de dinheiro levado a cabo pelo contabilista passava, não pela alteração dos montantes pelos quais os cheques haviam sido emitidos pela Autora, mas pela alteração do nome do beneficiário dos mesmos –, e não constando dos extratos bancários da Recorrente o beneficiário final dos mesmos (cfr. facto provado x), tal significa dizer que a Autora devia ter cogitado a hipótese de estar a ser alvo de um esquema fraudulento como aquele que foi efetivamente empregue pelo seu contabilista, pois só assim poderia representar a hipótese de o valor do imposto devido em cada momento não corresponder ao valor dos cheques por si emitidos, o que se nos afigura manifestamente irrazoável. IX- Em virtude do exposto, ao contrário do perfilhado pelo acórdão recorrido, não era exigível à Autora que conferisse os valores efetivamente pagos à Autoridade Tributária. X- Acresce que, o Tribunal recorrido não explica como é que a Autora deveria confirmar os valores pagos à Autoridade Tributária, no entanto, sendo a contabilidade da empresa feita pelo próprio contabilista que, como resulta do facto provado v), manipulava a contabilidade da empresa para encobrir a sua atuação, e não resultando dos factos provados que das contas anuais da empresa – ou de resto, de qualquer outro documento disponível na empresa – constasse o valor de IVA efetivamente pago à Autoridade Tributária, para conferir os valores efetivamente pagos à Autoridade Tributária a Recorrente teria de solicitar uma informação/certidão àquela entidade com esse teor e objetivo, o que é manifestamente inexigível. XI- De facto, de acordo com os padrões de exigência do homem médio, uma pessoa, colocada na posição da Autora, não tomaria uma atitude diferente daquela que a Autora tomou, designadamente não empregaria aqueles meios e esforços na confirmação dos valores efetivamente pagos à Autoridade Tributária quando nada fazia supor ou suspeitar que estivesse a ser objeto de um esquema como aquele de que a Autora foi alvo. XII- Daí que, no caso concreto, não se concorde com o Tribunal a quo quando refere que a conferência de valores pela Recorrente teria de ter ido mais além da análise dos extratos bancários. XIII- Em virtude do exposto, andou mal o Tribunal a quo ao concluir que a Recorrente depositou uma confiança excessiva no seu prestador de serviços de contabilidade. XIV- O Tribunal recorrido refere, ainda, que o facto de o contabilista não remeter à Recorrente as declarações de IVA, e esta não lhas solicitar, deveria ter causado suspeita a um empresário minimamente diligente, no entanto, só uma recusa na entrega de tais declarações poderia ou deveria levantar suspeita num empresário minimamente diligente de algo de errado poderia estar a acontecer, o que não se verificou, pois, como o próprio acórdão recorrido refere, a Recorrente não solicitava as declarações de IVA ao contabilista, pelo que este nunca se recusou a entregá-las. XV- Em segundo lugar, o simples facto de o contabilista, por sua iniciativa, não enviar à Recorrente as declarações de IVA entregues não é motivo suficiente para gerar qualquer tipo de suspeita numa pessoa à luz dos padrões médios de diligência. XVI- Com efeito, não só a Recorrente depositava grande confiança no contabilista – cfr. facto provado z) –, como é efetivamente normal e desejado que a relação cliente-contabilista seja especialmente marcada por um elevado grau de confiança, dada a natureza e sensibilidade dos assuntos objeto da prestação de serviços e, bem assim, o grau de dependência do cliente em relação ao contabilista pela especial tecnicidade dos temas, que o primeiro não domina. XVII- Por outro lado, como é consabido, a maior parte dos empresários portugueses não compreendem o IVA, não sabem analisar declarações de IVA, nem sabem se têm IVA a pagar ou a receber, confiando (como é legítimo) essas funções aos seus contabilistas internos ou externos, motivo pelo qual o facto de o contabilista não lhe enviar um documento – no caso, as declarações de IVA – com informação que a Recorrente não sabe ler nem interpretar, não é, nem deveria ser, motivo de suspeita sobre a conduta do contabilista em quem confiou para a prestação do serviço. XVIII- Acresce que, também se discorda com o Tribunal recorrido quando refere que a Recorrente preencheu os cheques de forma a permitir com maior facilidade a alteração do beneficiário, quando deveria ter deixado o mínimo espaço possível para alterações nos seus dizeres. XIX- O documento emitido pela Autoridade Tributária em abril de 2013 – junto como doc.º n.º 3 à contestação do Réu BCP – não é, como entendeu o Tribunal recorrido, “um alerta para que se preencha corretamente um cheque de modo a evitar a sua viciação”. XX- Desde logo porque a finalidade daquele documento não é impedir utilizações abusivas dos meios de pagamento de impostos, mas apenas facilitar o controlo da cobrança de impostos no seio da administração tributária. XXI- Por outro lado, não estão em causa sequer “instruções” emanadas pela Autoridade Tributária – tanto assim é que o acórdão recorrido alterou a redação do ponto q) dos factos provados. XXII- Acresce que, as instruções emanadas pela Autoridade Tributária apenas vinculam os serviços da administração tributária, e não os contribuintes. XXIII- Já nos termos do disposto no artº. 12.º do Decreto-Lei 492/88, de 30/12, os cheques para pagamento de impostos devem ser emitidos à ordem dos CTT, sigla utilizada na própria disposição legal (e não “Correios de Portugal”)! XXIV- Além do mais, o objetivo das normas que regulamentam a forma de cobrança e reembolso dos impostos visou apenas criar um sistema que facilitasse à Autoridade Tributária a gestão apropriada da cobrança de impostos, permitindo um controlo mais célere e eficaz dos pagamentos de impostos e, consequentemente, facilitando a cobrança coerciva de impostos na falta do seu pagamento, e já não “impedir utilizações abusivas” dos meios de pagamento, designadamente dos cheques. XXV- Na senda do que vem de ser exposto, inexistem quaisquer normais ou instruções dirigidas aos sujeitos passivos para que emitam os cheques para pagamento das obrigações fiscais com requisitos diferentes do que aqueles que foram cumpridos pela Recorrente. XXVI- Conforme resulta dos factos provados nas alíneas b) e d), os cheques foram integralmente preenchidos e assinados pela Recorrente, nomeadamente o campo do beneficiário. XXVII- Não existe nenhuma norma, instrução ou alerta da administração tributária dirigido aos sujeitos passivos que se destine à prevenção de abuso dos meios de pagamento dos impostos. XXVIII- Não existe, por isso, fundamento para censurar a forma como a Recorrente procedeu ao preenchimento dos cheques. XXIX - Isto posto, ao contrário do que se lê no acórdão recorrido, a Recorrente entende que nada nos autos permite concluir, como fez o Tribunal a quo, que a Recorrente depositou no seu contabilista uma confiança excessiva. XXX - Note-se que o critério do homem médio, diligente, deve ser aferido atendendo às circunstâncias do caso concreto, sendo que, no caso dos autos, está provado que o contabilista AA prestava serviços à sociedade Freixotel, com sócios e gerentes comuns ou familiares dos sócios e gerentes da Recorrente, desde 1995 – cfr. factos provados n) e o). XXXI - Assim como está provado que AA já prestava serviços de contabilidade a favor da família e sociedades por si dominadas desde o tempo de ascendentes dos gerentes, motivo pelo qual a gerência da Recorrente depositava nele grande confiança – cfr. facto provado z). XXXII - Afigura-se, assim, que a confiança que a Recorrente colocou no seu contabilista foi aquela que qualquer homem médio, colocado nas mesmas circunstâncias da Recorrente, depositaria. XXXIII - Impõe-se, ainda, dizer que, salvo melhor opinião, o argumento que a Recorrente preencheu os cheques de forma a que permitia, com maior facilidade, a alteração do beneficiário, para daí assacar à Recorrente algum grau de negligência no tratamento dos seus negócios que pudesse ter concorrido para a produção ou para o agravamento do dano é totalmente falacioso e não pode proceder. XXXIV - Não só porque nada nos autos aponta no sentido de que se a Recorrente tivesse preenchido os cheques de outra forma, o contabilista não teria conseguido falsificar, de igual forma, o nome do beneficiário, mas especialmente porque resulta dos factos provados, designadamente do facto provado a1) aditado pelo próprio acórdão recorrido, que o dano se deu, não porque o contabilista tenha conseguido falsificar os cheques de um modo que passou despercebido aos olhos dos funcionários dos bancos – única situação em que poderia ser relevante o modo de preenchimento dos cheques pela Recorrente no sentido em que poderia ter hipoteticamente contribuído para uma falsificação menos grosseira –, mas porque, perante uma falsificação grosseira, detetável a olho nu, que efetivamente suscitaram nos funcionários do BCP suspeitas de falsificação dos cheques, estes não tomaram as diligências devidas! XXXV - Pelo exposto, o facto de a Recorrente ter preenchido o nome dos beneficiários dos cheques com as siglas CTT mostra-se totalmente irrelevante para a produção do dano. XXXVI - Discorda-se também do Tribunal recorrido quando reserva as situações em que é justificável que se “baixe a guarda” àquelas situações em que existe uma relação pessoal com a pessoa na qual se deposita a confiança. XXXVII - Ora, não vemos razões válidas para uma destrinça baseada unicamente no caráter pessoal ou profissional das relações estabelecidas entre as partes. XXXVIII - O contrato de prestação de serviços de contabilidade é um contrato intuitu personae, no qual assumem relevância decisiva para a sua celebração as características pessoais e profissionais do prestador do serviço, elo que, ainda que a relação entre a Recorrente e o Senhor AA fosse apenas profissional, no sentido em que inexistia uma relação familiar ou similar entre os sócios e os gerentes da Recorrente e o contabilista, ela tem um forte cariz pessoal. XXXIX - Em segundo lugar, porque, ainda que fosse uma relação profissional, está em causa uma relação que existia há mais de duas décadas por força da idêntica prestação de serviços que o Senhor AA prestava à Freixotel. XL - Motivo pelo qual, ainda que se considerasse que a Recorrente depositou no seu contabilista uma confiança excessiva – como entendeu (mal) o Tribunal a quo – afigura-se à Recorrente que, ao contrário do que aquele Tribunal também entendeu – existia, de facto, uma atenuante que explicaria esse excesso de confiança: uma relação profissional de mais de duas décadas! XLI - Diga-se ainda, com o devido respeito, que o acórdão recorrido não tem razão quando imputa à Recorrente um excesso de confiança no contabilista pelo facto de, depois de alertada pela Ré CGD de que o último cheque estaria rasurado, ter dado ordem de pagamento do cheque. XLII - Na verdade, o que justifica a ordem de pagamento do cheque no momento em que é confrontada com uma alteração do beneficiário do cheque dos CTT para o nome da empresa de contabilidade que lhe presta serviços é o facto de saber estar em causa um cheque para pagamento de imposto e o receio de incorrer no incumprimento de uma obrigação fiscal caso recusasse o seu pagamento, e não qualquer confiança excessiva no contabilista ou incúria na gestão dos seus interesses. XLIII - Tanto que, nessa sequência, a Recorrente empregou as diligências que a fizeram descobrir o esquema do contabilista e imediatamente cessar o contrato de prestação de serviços de contabilidade. XLIV - A circunstância de a Recorrente ter dado instruções para o pagamento do último cheque, motivada pela preocupação acima mencionada, apenas é fundamento de exclusão da responsabilidade dos Réus pelo prejuízo sofrido pela Autora relacionado com esse concreto cheque. XLV - Atendendo à matéria de facto já dada como provada, é necessário concluir inexistir qualquer facto culposo da Recorrente que tenha concorrido para a produção ou o agravamento dos danos. XLVI - Em primeiro lugar, a conduta da Recorrente/lesada não contribuiu, em termos de causalidade adequada, para os danos decorrentes dos factos ilícitos praticados pelos Recorridos e por AA. XLVII - Em segundo lugar, ainda que assim não se entendesse – o que não se concede, mas por mera hipótese de raciocínio se admite – também sempre seríamos levados a concluir pela inexistência de culpa da Recorrente. XLVIII - De entre o elenco de factos provados na sentença recorrida, nenhum deles permite formular um juízo de censura sobre a conduta da Recorrente. XLIX - Em concreto, veja-se que os cheques em causa nos autos foram emitidos pela Recorrente e entregues a AA nos termos descritos nas alíneas b) e d) dos factos provados, isto é, integralmente preenchidos e assinados pela Recorrente, nomeadamente o campo do beneficiário. L - Por sua vez, também não merece qualquer censura a circunstância de a Recorrente ter entregue os cheques ao seu contabilista para que este procedesse ao depósito dos mesmos, sendo essa uma das tarefas cometidas ao contabilista no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado, desde logo em virtude da enorme relação de confiança que existia entre a Recorrentes, os seus representes legais e o Senhor AA, conforme resulta da alínea z) dos factos provados. LI - Não é exigível a um gerente que tenha conhecimento específicos em matérias fiscais, não sendo censurável que encarregue e confie essas matérias a colaboradores internos ou prestadores de serviços externos, como foi o caso da Recorrente. LII - Aliás, como é sabido, a maior parte dos empresários portugueses não compreendem o IVA, não sabem analisar declarações de IVA, nem sabem se têm IVA a pagar ou a receber, confiando (como é legítimo) essas funções aos seus contabilistas internos ou externos. LIII - Em face da matéria de facto supra descrita não é possível afirmar que a Recorrente tenha descurado qualquer dever de vigilância, pois o que ficou demonstrado é que a Recorrente fazia o controlo que lhe era possível, dentro das suas capacidades. LIV - Note-se que não ficou demonstrado que os valores indicados por AA como sendo devidos a título de IVA a cada momento – pelos quais a Recorrente emitiu os cheques – fossem desproporcionais ou irrazoáveis em face da atividade da Recorrente. LV - A gerência da Recorrente não era uma gerência desligada e demitida de qualquer controlo ou acrítica. LVI - A Recorrente tinha como seu contabilista pessoa idónea, que merecia a sua confiança e relativamente à qual não teve nunca qualquer motivo de desconfiança, que contratou para desempenhar as funções que os representantes legais e funcionários da empresa não tinham capacidade nem competências para desempenhar. LVII - Ainda assim, dentro das suas capacidades, a Recorrente fazia o controlo da sua atividade, nomeadamente através do preenchimento integral dos cheques e do posterior controlo da saída do valor dos cheques da sua conta bancária. LVIII - Em suma, a Recorrente atuou sempre de forma diligente, não tendo incumprido com qualquer dever de vigilância ou de fiscalização da atuação do contabilista, o que determina o afastamento da aplicação do artº. 570.º, n.º 1, do CC aos presentes autos, na medida em que não se pode falar em concorrência da culpa do lesado, a par do facto ilícito e culposo dos Recorridos. LIX - O entendimento mais avalizado é precisamente aquele que tem vindo a ser perfilhado por este Supremo Tribunal de Justiça e de que o acórdão recorrido assumidamente (mal) se afastou, isto é, de que a partir do momento em que a Recorrente legitimamente entregou os cheques ao contabilista a quem contratou a prestação do serviço de cumprimento das obrigações fiscais da Recorrente junto da Administração Tributária e os entregou integralmente preenchidos e assinados, funciona o mecanismo do cheque e a responsabilidade das entidades bancárias pelo controlo e verificação dos cheques que lhes são apresentados a pagamento, pois os clientes das instituições bancárias, como a Recorrente, confiam – e têm de poder confiar – que os bancos cumprirão com as suas obrigações de verificação dos cheques antes de os aceitarem a pagamento. LX - Em virtude do que ficou dito, inexiste qualquer fundamento para se concluir pela redução da obrigação de indemnização que recai sobre os Recorridos perante a Recorrente, como (mal) entendeu o Tribunal recorrido. LXI - Sem prescindir, ainda que assim não se entenda, o juízo de censura sobre a conduta da Recorrente seria, quando muito, a título de negligência, quando, no que diz respeito aos Recorridos, resulta dos factos provados, em especial do facto a1). aditado pelo acórdão recorrido, que aqueles violaram as obrigações que sobre si impediam perante a Recorrente com culpa grave. LXII - O artº. 73.º do RGIC estabelece o nível de competência técnica do banqueiro, exigindo um elevado grau de competência, afastando-se do conceito civilista do bónus pater famílias pelo qual se molda a conduta da Recorrente, adotando o critério do bom banqueiro, como aquele profissional que age de forma zelosa e com elevado nível de competência técnica. LXIII - Ou seja, o grau de diligência exigível aos Recorridos é manifestamente superior àquela que é exigível à Recorrente. LXIV - Ora, da prova produzida resultou amplamente demonstrada a falta de zelo, prudência, diligência, e mesmo de bom senso dos funcionários dos bancos Recorridos no exercício das suas funções, em particular na conferência dos cheques apresentados a pagamento. LXV - Com efeito, ficou demonstrado que os funcionários dos Recorridos agiram ao arrepio dos mais elementares deveres de cuidado e, portanto, muitíssimo aquém do grau elevado de diligência exigível aos banqueiros. LXVI - Os funcionários dos Recorridos foram completamente desleixados na conferência dos cheques, aceitando a pagamento cheques notoriamente adulterados. LXVII - Os funcionários do BCP admitiram ter dado conta dos sinais de viciação dos cheques, mas, perante tal conduta, surpreendente e inexplicavelmente acharam por bem confrontar AA, e não o emitente do cheque (ainda que por intermédio da CGD, banco da Recorrente). LXVIII - Isto mesmo consta do facto provado a1), donde resulta que, pele menos dois funcionários do BCP, detetaram sinais de viciação nos cheques que lhes levantaram suspeitas e que, perante esse facto, confrontaram o próprio AA (beneficiário dos montantes inscritos nos cheques), ao invés de recusarem o pagamento dos cheques ou diligenciarem por obter confirmação acerca da veracidade dos mesmos junto da Recorrente, como se lhes impunha. LXIX - Não restam, por isso, dúvidas de que a conduta dos Recorridos é manifestamente mais grave, grosseira e censurável do que qualquer juízo de censura que se possa imputar à Recorrente, esse sim, quando muito, meramente negligente. LXX - Em virtude do exposto, ainda que se entenda ser aplicável ao caso dos autos o disposto no n.º 1 do artº. 570.º do CC, a ponderação das condutas será entre a culpa grave dos Recorridos e a culpa leve da Recorrente, daí se extraindo a necessária conclusão de que a indemnização da Recorrente não deve ser reduzida. LXXI - Pelo que o Tribunal recorrido andou mal ao imputar à Recorrente uma responsabilidade de 30% nos danos sofridos e ao reduzir, na mesma proporção, a indemnização em cujo pagamento à Recorrente condenou os Recorridos. LXXII - Nestes termos, deve o acórdão recorrido ser alterado no sentido de condenar os Recorridos no pagamento à Recorrente da quantia de € 66.387,09, acrescido dos juros. A R. CGD, SA contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso subordinado, ou assim não se entendendo, pela sua improcedência. A relatora proferiu despacho, em 6.06.2025, a admitir os recursos de revista interpostos pelas RR., e o recurso subordinado interposto pela A. Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Vêm dados como provados os seguintes factos: a) Em momento anterior a agosto de 2016 a ré CGD fez entregar à autora os módulos de cheque infra descritos com referência à conta bancária neles assinalada (arts. 2.º e 4.º da petição inicial) b) A partir de tais módulos, a autora fez emitir os seguintes cheques: 1. Cheque nº ........13, datado de 8 de junho de 2016, no valor de €5.897,38; 2. Cheque nº ........14, datado de 7 de julho de 2016, no valor de €6.312,05; 3. Cheque nº ........15, datado de 9 de agosto de 2016, no valor de €4.823,12; 4. Cheque nº ........16, datado de 8 de setembro de 2016, no valor de €6.813,10; 5. Cheque nº ........17, datado de 7 de outubro de 2016, no valor de €2.611,03; 6. Cheque nº ........01, datado de 8 de novembro de 2016, no valor de €5.876,80; 7. Cheque nº ........02, datado de 7 de dezembro de 2016, no valor de €2.823,50; 8. Cheque nº ........03, datado de 9 de janeiro de 2017, no valor de €2.501,01; 9. Cheque nº ........04, datado de 8 de fevereiro de 2017, no valor de €4.629,31; 10. Cheque nº ........05, datado de 9 de março de 2017, no valor de €2.905,29; 11. Cheque nº ........50, datado de 6 de abril de 2017, no valor de €4.023,15; 12. Cheque nº ........51, datado de 9 de maio de 2017, no valor de €5.123,83; 13. Cheque nº ........52, datado de 6 de junho de 2017, no valor de €3.705,13; 14. Cheque nº ........53, datado de 7 de julho de 2017, no valor de €10.547,91; 15. Cheque nº ........54, datado de 8 de agosto de 2017, no valor de €1.703,01; 16. Cheque nº ........55, datado de 8 de setembro de 2017, no valor de €4.215,17; 17. Cheque nº ........56, datado de 9 de outubro de 2017, no valor de €3.821,15; 18. Cheque nº ........57, datado de 8 de novembro de 2017, no valor de €5.911,64; 19. Cheque nº ........58, datado de 6 de dezembro de 2017, no valor de €5.203,52; 20. Cheque nº ........59, datado de 9 de janeiro de 2018, no valor de €3.725,06; 21. Cheque nº ........60, datado de 8 de fevereiro de 2018, no valor de €4.231,16; 22. Cheque nº ........61, datado de 9 de abril de 2018, no valor de €15.854,21; 23. Cheque nº ........62, datado de 9 de maio de 2018, no valor de €8.693,29; 24. Cheque nº ........63, datado de 8 de junho de 2018, no valor de €16.695,52; (art. 29.º da petição inicial) c) Tais cheques foram sacados sobre a ré CGD e apresentados a pagamento no balcão de Custóias da ré BCP (art. 30.º da petição inicial) d) O beneficiário inicial inscrito pela Autora em todos os supra relacionados cheques era “CTT” (art. 31.º da petição inicial) e) Os cheques foram entregues a AA, sócio-gerente de ... - Agência de Contribuintes, Lda., que após rasurava o nome do beneficiário inscrito transformando a inscrição em “..., LDA”, sendo o primeiro “C” de “CTT” transformado em “O” e o “T” em “C”, com inscrição das demais letras antes e depois das letras que inicialmente formavam a expressão “CTT” (arts. 32.º, 33.º, 35.º, e 36.º da petição inicial e arts. 23.º, 24.º e 27.º da contestação da ré CGD) f) Após receber e alterar cada um dos mencionados cheques, AA, por via do endosso, creditou-os na conta bancária n.º .........59, domiciliada no Banco Millennium BCP, titulada por si e pela sua esposa BB, fazendo suas as respetivas quantias (art. 46.º da petição inicial e arts. 23.º, 24.º e 27.º da contestação da ré CGD) g) Após a alteração descrita em d) e e) era facilmente verificável que tinha ocorrido uma rasura nos cheques quanto ao nome do beneficiário por simples observação a olho nu de cada um dos cheques ou das suas imagens (arts. 34.º, 37.º, 40.º, 43.º, 61.º da petição inicial) h) Não obstante, os cheques foram aceites como bons para pagamento pelos funcionários da ré BCP de ... que os inspecionaram um a um, trabalhando por conta da ré BCP (art. 44.º da petição inicial) i) Funcionários da ré BCP fizeram remeter imagens dos cheques descritos na alínea b) datados de 7/07/2017 (ponto14), de 9/04/2018 (ponto 22), e de 8/06/2018 (ponto 24) à ré CGD cujos funcionários trabalhando por sua conta também os inspecionaram, e aceitaram os dois primeiros, datados de 7/07/2017 e 9/04/2018 como bons para pagamento (arts. 45.º, 60.º e 141.º da petição inicial, e 158.º, 159.º e 162.º da contestação da ré BCP e 47.º e 55.º da ré CGD) j) Os cheques descritos em b) foram emitidos pela autora para pagamento de IVA por si devido nos meses correspondentes (art. 77.º da petição inicial) k) Em relação aos meses a seguir indicados, os valores de IVA a pagar pela autora e efetivamente pagos por AA foram os seguintes: 1. A pagar em junho de 2016: €3 097,38; 2. A pagar em julho de 2016: € 3348,62; 3. A pagar em agosto de 2016: €1 261,62; 4. A pagar em setembro de 2016: €5 051,84; 5. A pagar em outubro de 2016: €0,00; 6. A pagar em novembro de 2016: €2 876,80; 7. A pagar em dezembro de 2016: €0,00; 8. A pagar em janeiro de 2017: €0,00; 9. A pagar em fevereiro de 2017: €1 735,17; 10. A pagar em março de 2017: €0.00; 11. A pagar em abril de 2017: €0,00; 12. A pagar em maio de 2017: €1 149,83; 13. A pagar em junho de 2017: €0,00; 14. A pagar em julho de 2017: €7 354,29; 15. A pagar em agosto de 2017: €0,00; 16. A pagar em setembro de 2017: €3 162,30; 17. A pagar em outubro de 2017: €350,49; 18. A pagar em novembro de 2017: €911,64; 19. A pagar em dezembro de 2017: €334,05; 20. A pagar em janeiro de 2018: €0,00; 21. A pagar em fevereiro de 2018: €0,00; 22. A pagar em abril de 2018: €15.847,04; 23. A pagar em maio de 2018: €0,00; 24. A pagar em junho de 2018: €9.082,65. (arts. 78.º, 79.º e 81.º da p.i.). l) A autora fez remeter à ré BCP, que o recebeu em 30/09/2019, o escrito junto como documento n.º 40 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente a interpelação da ré para pagamento de €88.318,40 no prazo de dez dias (art. 86.º da petição inicial) m) A autora fez remeter à ré CGD, que o recebeu em 30/09/2019, o escrito junto como documento n.º 42 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente a interpelação da ré para pagamento de €88.318,40 no prazo de dez dias (art. 87.º da petição inicial) n) A autora e a sociedade Freixotel – Equipamentos Hoteleiros, Lda. são dominadas pela mesma família e têm gerência comum (arts. 30.º, 31.º e 41.º da contestação da ré BCP e 31.º da ré CGD) o) Desde 1995 que AA prestava serviços de contabilidade a favor de Freixotel, e passou a tratar de toda a documentação relativa à contabilidade da Freixotel, ao processamento de salários, entrega e elaboração das respetivas declarações fiscais, bem como do pagamento dos impostos referentes ao IVA, e a partir de 2016 passou também a prestar tais serviços a favor da autora (arts. 34.º e 36.º da contestação da ré BCP e 31.º da ré CGD) p) AA atuou, desde 2009, de forma idêntica à descrita em e), f) e k) em relação a cheques que lhe eram entregues para pagamento de IVA devido pela Freixotel, apropriando-se dos valores titulados pelos cheques e pagando IVA em valor inferior (art. 34.º e 38.º da contestação da ré BCP e 31.º da ré CGD) q) Em abril de 2013, a autoridade tributária elaborou um documento sobre as formas de pagamento de impostos pelos contribuintes, com indicação de que o pagamento por cheque à ordem dos CTT devia ser emitido à ordem de Correios de Portugal, com a menção “Pagamento de Impostos”, o número de identificação fiscal do devedor e o número de identificação do documento (facto alterado pelo tribunal da Relação). r) Os cheques mencionados em b) e p) eram emitidos à ordem de “CTT”, sem qualquer das restantes menções supra indicadas, e sem inutilização do espaço restante disponível no módulo de cheque para identificação do beneficiário (arts. 39.º e 49.º da contestação da ré BCP e arts. 8.º, 18.º da contestação da ré CGD) s) AA não remetia as declarações de IVA que emitia à gerência da autora, nem esta lhas solicitava (arts. 39.º e 75.º da contestação da ré BCP e art. 21.º da contestação da ré CGD) t) Nos anos 2016 a 2018, na Informação Empresarial Simplificada (I. E. S.) de cada ano da Autora, constam como volume de vendas os seguintes valores: . 2016 – 388 330,51 EUR; . 2017 – 963,703,33 EUR; . 2018 – 1 109.516,29 EUR. (facto alterado pelo tribunal da Relação). u) Em alguns dos meses que a autora fez entregar cheques para pagamento de IVA, a autora tinha crédito de IVA e não dívida (art. 91.º da contestação da ré BCP e art. 21.º da contestação da ré CGD) v) Em 2015, na sequência de uma inspeção tributária, foi detetado um saldo de caixa na contabilidade da Freixotel em valor muito elevado e desconforme à realidade, tendo AA justificado a anomalia à gerência com acumulação de retiradas de caixa não documentadas, e aconselhado a regularização com tratamento do saldo em excesso como distribuição de lucros, o que foi acatado pela gerência de Freixotel (arts. 93.º e 94.º da contestação da ré BCP) w) Os cheques descritos em b) eram emitidos à ordem pela gerência da autora por sugestão de AA, por aquela aceite (art. 116.º da contestação da ré BCP) x) A identificação do beneficiário final dos cheques descritos em b) não era possível por simples exame dos extratos bancários da autora, e a gerência da autora nunca procurou averiguar qual o beneficiário final de tais cheques; (arts. 117.º e 118.º da contestação da ré BCP) y) CC, funcionário trabalhando por conta da CGD, depois de receber a imagem do cheque descrito na alínea b) datado de 8/06/2018 (ponto 24), nos termos descritos em i), inspecionou-o, contactou telefonicamente DD, gerente da autora, advertindo-o para os sinais de rasura que o cheque apresentava, e chegou mesmo a remeter-lhe cópia do cheque, mas não obstante DD autorizou o pagamento do cheque (arts. 59.º e 60.º da contestação da ré CGD) z) A gerência da autora depositava grande confiança em AA, que já prestava serviços de contabilidade a favor da família e sociedades por si dominadas desde o tempo de ascendentes dos gerentes (art. 13.º da petição inicial). a1) Antes do descrito em y), os funcionários do BCP detetaram no nome do beneficiário inscrito em, pelo menos, alguns dos cheques sinais que suscitaram suspeitas de adulteração, o que levou, pelo menos, dois dos funcionários do banco a confrontar AA com as mesmas, tendo esses funcionários e o banco aceite como boas as justificações que este lhes apresentou atento o caráter de pessoa idónea de que o mesmo gozava junto das instituições bancárias. (facto aditado pelo tribunal da Relação). * E foram dados como não provados os seguintes factos: Que tivessem ocorrido devoluções de valor de IVA à autora pela autoridade tributária que fossem detetáveis por exame dos extratos bancários (art. 73.º da contestação da ré BCP). Que as contas da Freixotel evidenciassem os desvios assinalados no art. 39.º em relação aos valores de IVA pagos (art. 39.º da contestação da ré BCP). Que a gerência da autora ou da Freixotel tivessem conhecimento prévio da apropriação de valores por AA através da falsa indicação dos montantes de IVA em dívida e alteração de cheques (art. 96.º da contestação da ré BCP). Que funcionários da ré CGD tivessem advertido a gerência da autora para sinais de rasura nos cheques descritos na alínea b) datados de 7/07/2017 (ponto14), de 9/04/2018 (ponto 22) e não obstante aquela gerência tivesse autorizado o pagamento do cheque (arts. 56.º a 58.º da contestação da ré CGD). OBJETO DO RECURSO Como entendeu o tribunal recorrido, a questão da responsabilidade dos bancos RR. pelo ressarcimento do prejuízo que causaram à A. com o pagamento indevido dos cheques mostra-se assente, uma vez que não foi posta em causa no recurso de apelação, apenas se tendo aí posto em causa a parte da decisão de 1ª instância que considerou estarem preenchidos os pressupostos que conduziram à exclusão da responsabilidade das RR. Nessa conformidade, o tribunal da Relação apreciou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e o mérito do recurso, tendo por inquestionado “no recurso que as Rés/Bancos, incumpriram os seus deveres enquanto instituições bancárias ao não impedirem o pagamento dos cheques adulterados quanto ao beneficiário, pelos motivos constantes da sentença recorrida”, fixando como objeto da apelação “a análise sobre se essa responsabilização pode ser excluída ou reduzida pelos motivos indicados pelo tribunal”. Tendo em conta o caso julgado formado sobre a responsabilidade das RR. ressarcirem a A., e as conclusões das Recorrentes, que balizam o objeto do recurso (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir são: a) exclusão da indemnização por culpa exclusiva da A. na ocorrência dos danos, por aplicação do disposto no art. 570º e/ou no art. 571º, ambos do CC, ou, subsidiariamente, repartição de culpas com condenação das RR. em 25 ou 30% do dano apurado (recursos principais das RR./Recorrentes); b) exclusão do concurso de culpa da A. lesada para a produção do dano nos termos do art. 570º do CC, e condenação integral das RR. no montante do dano apurado (recurso subordinado da A./Recorrente). c) data atendível para efeitos de contagem dos juros de mora (recursos das RR./Recorrentes). FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A questão fundamental que se coloca na presente revista é a de saber se deve ser mantida, excluída, ou reduzida (e, neste caso, em que medida), a indemnização que visa ressarcir a A. dos danos sofridos em virtude da conduta das RR., por força de eventual facto culposo daquela concausal para a produção ou agravamento dos danos. 1. Sustentam as RR. que a indemnização arbitrada deve ser excluída por ter havido culpa da R. na produção dos danos, sustentando a A., em contrário, que nenhuma culpa lhe pode ser imputada. O tribunal de 1ª instância, depois de excluir a responsabilidade contratual da A. por violação de obrigações decorrentes do contrato de convenção de cheque, concluiu dever a indemnização devida pelas RR. ser totalmente excluída, por aplicação do disposto no art. 571º do CC, com a seguinte fundamentação: “Decorre da alínea o) dos factos provados que AA prestava serviços de contabilidade a favor da autora, e nesse âmbito tratava de toda a documentação relativa à sua contabilidade, ao processamento de salários, entrega e elaboração das respetivas declarações fiscais, bem como do pagamento dos impostos referentes ao IVA, tratando-se de pessoa em quem a gerência da autora depositava grande confiança. A autora entregou os cheques para pagamento de IVA a AA, que depois os falsificou dolosamente. AA enquadra assim claramente o conceito de pessoas de quem ele (a autora) se tenha utilizado, prescrito no art. 571.º supracitado. É pessoa escolhida pela gerência da autora, atuando sob instruções suas, na sua esfera de interesse. A atuação de AA, que intencionalmente causa à autora o prejuízo que esta pretende ver ressarcido pelas rés é equiparada a facto da própria autora, nos termos do art. 571.º, do CC. Considerando o confronto entre uma conduta intencional imputada à autora lesada, causadora do dano, e uma conduta meramente negligente imputada às rés será de excluir totalmente a indemnização, em decorrência do critério prescrito no art. 570.º, n.º 1, do CC”. Já o tribunal da Relação entendeu que a indemnização devida pelas RR. não devia ser excluída, mas, antes, reduzida a 70% do valor dos danos sofridos pela A., por a esta ser, também, imputável responsabilidade (que fixou em 30%) na verificação dos danos, com a seguinte fundamentação: “…, afigura-se-nos ser correto (mas não isento de dúvidas) entender que AA foi uma pessoa de quem a Autora/recorrente se serviu para o pagamento das quantias inscritas nos cheques, não só entregando-os para depósito como até os preenchendo; e também é correto que aquela pessoa atuou dolosamente ao falsificar o elemento relativo ao beneficiário. Não será pela circunstância de, aquela pessoa, quando deveria cumprir as suas funções, ao invés tenha decidido não o fazer, que se deve afastar a noção de que a mesma atuou como auxiliar da Autora. O que sucede é que aquela mesma pessoa não cumpriu com as funções que lhe foram atribuídas – em vez de depositar os cheques a favor de outras pessoas, fê-lo a seu favor, beneficiando da falsificação por si operada -. Igual ideia existiria, por exemplo, na pessoa que foi encarregue pela empresa para entregar dinheiro a uma outra empresa e que, em vez de o fazer, foge com o dinheiro – a pessoa não tinha cumprido a função que estava destinada a realizar. Diferente será se, um contabilista a prestar serviço a uma empresa, em vez de proceder ao depósito de cheques, assaltasse o Banco – o assalto extravasaria as funções que lhe foram atribuídas -. [1] Mas, no caso concreto, não é pela simples falsificação dolosa dos cheques que se pode concluir pela exclusão ou redução da indemnização. Na verdade, aquele artigo 571.º, do C. C. nada mais faz do que equiparar à culpa do lesado a situação em que exista uma atuação culposa de um, no caso, auxiliar do lesado. Ou seja, supondo-se que existe uma ocorrência em que o lesado, por si só, não tem responsabilidade mas um seu auxiliar a tem, continua a considerar-se que existe um facto culposo do lesado. A culpa do terceiro equivale assim a culpa do lesado. E, numa situação de cumprimento contratual, em que o devedor encarrega um terceiro de realizar uma prestação a favor de um credor, se aquele terceiro não a cumpre, negligente ou dolosamente, o devedor continuará a ser responsável perante o credor (artigo 800.º, n.º 1, do C. C.). No caso, não se está perante o cumprimento de contrato entre Autora e as entidades bancárias; o que sucede é que a Autora pretendeu efetuar pagamentos através de cheques e a pessoa por si encarregue de o fazer falsificou esses mesmos cheques, obtendo um benefício a que não tinha direito. E, pretendendo a mesma Autora a responsabilização das entidade bancárias por terem pago cheques falsificados, a culpa do lesado que se tem de analisar não é somente a do auxiliar que beneficiou da sua atuação ilícita mas a da própria empresa que não fiscalizou devidamente essa atuação e assim a permitiu. A atuação da Autora, em relação às entidades bancárias, é a de pedir o pagamento de cheques e a responsabilização das Rés advém de pagarem os valores inscritos em cheques falsificados. Será neste binómio que se tem de aferir se a Autora, lesada por esse pagamento de cheques falsificados, pode ser considerada culpada de algum modo nessa ocorrência. Não havendo qualquer notícia de a Autora ter comparticipado na atuação do seu auxiliar, então a atuação deste, dolosa, repercute-se na análise que se tem de efetuar mas englobada na culpa da própria lesada/Autora: esta, ao entregar cheques e transmitir a própria tramitação contabilística da empresa a uma pessoa que acaba por viciar dolosamente tais documentos, incorreu nalgum tipo de falta/culpa ao eleger essa pessoa e ao não fiscalizar devidamente a sua atividade, assim a permitindo? Ou seja, a Autora, que não teve culpa na entrega de cheques falsificados aos Bancos, acaba por ver repercutida na sua esfera essa atuação do seu auxiliar – desconto de cheques falsificados pelo mesmo auxiliar – mas essa repercussão não atinge o grau de se considerar que foi a própria Autora quem falsificou os cheques e que beneficiou dessa conduta. Não é unicamente a atuação do contabilista que está em causa: o que está em causa é a sua atuação e o modo como a Autora permitiu que se repercutisse, daquela forma, no seu património. No fundo, continuamos a aplicar diretamente o disposto no artigo 570.º, n.º 1, do C. C., aferindo se há culpa do lesado e ponderando que parte dessa culpa pode advir de uma conduta dolosa de um seu auxiliar mas não se concluirá pela eventual culpa do lesado unicamente porque o seu auxiliar atuou daquele modo; note-se que a culpa do lesado pode existir antes da atuação do auxiliar (falta de vigilância) pelo que não se pode ficar pela análise da culpa do auxiliar para se concluir pela redução ou exclusão da indemnização através da equiparação prevista no artigo 571.º, do C. C.. Como refere Mário de Brito, Cheques falsificados. Responsabilidade pelo seu pagamento, B. M. J., n.º 205, páginas 98, 99 «é precisamente a partir deste contrato [convenção de cheque] que deve resolver-se o problema da responsabilidade pelo pagamento de cheques falsificados. Na verdade, da celebração de tal convenção resulta para o banqueiro, por um lado, a obrigação de pagar o cheque à sua apresentação e, por outro lado, o dever de diligência na verificação da assinatura do sacador; por sua parte, o cliente assume perante o banco, em virtude da mesma convenção, o dever de guardar cuidadosamente os cheques, de só os confiar a empregados de cuja probidade se tenha certificado convenientemente, de avisar o banco logo que dê pela sua perda ou extravio. Da inobservância ou violação destes deveres, quer por parte do banco, quer por parte do depositante, é que resultará a responsabilidade pelos danos causados pelo pagamento de cheques falsificados.». Ou como se refere no Ac. do S. T. J. de 26/01/2021, processo n.º 969/18.9T8GMR.G1.S1, www.dgsi.pt, «a culpa do lesado pode referir-se à atuação do próprio credor, assim como à das pessoas de que este se utiliza, nos termos do art. 571.º do CC. Trata-se aqui de uma “responsabilidade contra si próprio por facto de terceiro”. O art. 571.º imputa ao lesado a atuação culposa de pessoa de cuja atuação beneficie, tal como o faz o art. 800.º, n.º 1, do CC. Assim, a lei equipara o facto culposo do lesado ao facto culposo dos seus representantes legais ou auxiliares, imputando ao lesado os factos culposos das pessoas por quem poderia responder se estas causassem prejuízos a terceiros. Está em causa uma situação de concausalidade.». O facto culposo do auxiliar foi ter falsificado cheques e tê-los apresentado a pagamento; se esta atuação do auxiliar causasse prejuízo a terceiros, então a Autora/empresa teria de responder pelos mesmos em virtude da atuação do seu auxiliar mas não respondia por ter falsificado cheques. E aqui, nos termos do artigo 570.º do C.C. é igual o raciocínio: a indemnização pode ser reduzida ou excluída face à atuação daquele seu auxiliar desde que por força dessa atuação do auxiliar, se possa concluir que há culpa da empresa na produção do dano. Esta ideia não é nova pois já se referia no § 6.º do Anteprojeto elaborado por Comissão presidida por EE, nomeada por portaria do Ministério das Finanças, de 21 de fevereiro de 1953, acessível em https://purl.sgmf.gov.pt/COL-MF-0076/1/COL-MF0076_master/COL-MF-0076_PDF/COL-MF-0076_PDF_01-B-R0299/COL-MF-0076_0000_01-30_t01-B-R0299.pdf que: se o sacado pagar um cheque falsificado, o prejuízo daí resultante será da sua responsabilidade, a não ser que prove que o pagamento foi devido unicamente a culpa do sacador, exemplificando-se depois, no § 2.º que revela culpa o sacador que confira o cheque ou caderneta de cheques a empregado ou familiar, cuja culpa ou dolo, tenha determinado ou concorrido para a falsificação. [2] No entanto, este diploma não chegou a entrar em vigor. Assim, importa analisar se existe então culpa da Autora na produção do dano que sofreu. Está em causa aferir se o lesado/prejudicado não adotou a conduta exigível com que poderia ter evitado a produção do dano ou o agravamento dos seus efeitos, tendo que esse facto do prejudicado ser considerado causa do dano ou do seu aumento, verificando-se um nexo de concausalidade – Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª edição, páginas 725 e 726 -. No Ac. do S.T.J. de 29/10/2020, processo n.º 515/04.1TBGDM.P1.P1.SI, www.dgsi.pt, menciona-se, citando Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2011, páginas 728, 730, 731, que «a culpa do lesante pressupõe a ilicitude; pressupõe um facto desconforme a um dever; a culpa do lesado, não – pressupõe, tão-só, um facto desconforme a um ónus”, querendo com isto dizer que o facto culposo do lesado deverá consistir em “um facto desconforme ao ónus do lesado atuar com a diligência ordinária, com a diligência de uma pessoa razoável na gestão dos seus assuntos e interesses.». Na verdade, não impende um dever sobre o lesado de atuar conforme determinadas regras pois esse modo de atuar é facultativo; por isso, entende-se que o lesado, para poder ser eximido de qualquer responsabilidade, tem o ónus de agir com a diligência devida. Esta norma, de caráter geral, é aplicável tanto à responsabilidade obrigacional como à delitual. …”. As RR./Recorrentes insurgem-se contra a decisão do tribunal recorrido, afirmando, em primeira linha, a responsabilidade exclusiva da A. pelos danos sofridos, devendo repristinar-se o decidido em 1ª instância. A R./Recorrente CGD sustenta que: - Nenhuma das instâncias questiona que a conduta ilícita do contabilista da A. se insere na relação de comissão estabelecida entre ambos: ainda que o mesmo não tivesse recebido indicações da A. para fazer constar de cada cheque o nome da sua empresa de contabilidade nem para o depositar na conta bancária desta, toda essa conduta dolosa se insere e só foi praticada porque a A. o incumbiu de pagar calcular o valor do IVA e entregar nos CTT cada um desses cheques com o valor previamente fixado por ele; - O art. 571º do CC equipara e valoriza, de igual modo, atos de representantes de lesado e de lesante, sobretudo tendo em conta o regime de “distribuição”, entre lesante e lesado, das consequências do ato ilícito danoso. O entendimento do tribunal recorrido implica a violação da norma, uma vez que recusa equiparar a conduta culposa do representante do lesado a conduta do próprio lesado, e, ao invés, só responsabiliza este, e apenas eventualmente, se a escolha do seu representante, ou a (falta de) controle da atuação deste, merecer censura; - Essa equiparação entre conduta culposa do lesado e conduta culposa do representante deste permite-nos a conclusão de que, mau grado a adulteração dos cheques quanto à pessoa do beneficiário, essa adulteração foi praticada pela A. representada pelo dito contabilista e, como tal, a ordem de pagamento em que se consubstancia um cheque foi devidamente cumprida pelo banco sacado ou por quem representou este banco nesse ato (o banco tomador). A R./Recorrente BCP sustenta que: - Não existem dúvidas quanto ao facto de AA ter sido uma pessoa de quem a A. se serviu para o pagamento das quantias inscritas nos cheques; - O facto de o terceiro ter atuado também em desfavor do lesado não relevará nesta sede, mas noutra, isto é, no seio das relações internas entre o lesado e o terceiro; - O facto de a atuação do terceiro, em concreto, não ter revertido a favor do lesado, como seria suposto e esperado, não pode justificar o afastamento da letra e da ratio do art. 571.º do CC, tal como não afastará a aplicação do art. 800º do CC; - A letra da lei não prevê qualquer ressalva à equiparação do facto culposo daquelas pessoas ao facto culposo do lesado. A teleologia destas normas (i.e., arts. 500º, 800º e 571º do CC), é clara no sentido de criar a segurança no tráfico jurídico de que aqueles que se sirvam de outros, na sua atuação, respondem pelos atos por estes praticados; - A letra do art. 571º do CC não consagra a culpa por facto próprio do lesado como condição da sua aplicação; - Deve ser excluída a indemnização a que a A. teria alegadamente direito, uma vez que não só se verifica a culpa das pessoas das quais fez uso (isto é, AA), como também a culpa da própria A., que não cuidou de observar o “dever de guardar cuidadosamente os cheques, de só os confiar a empregados de cuja probidade se tenha certificado convenientemente, de avisar o banco logo que dê pela sua perda ou extravio”; - Os gerentes da A. incumpriram, de forma manifesta, os fundamentais deveres de cuidado prescritos no art. 64.º do Código das Sociedades Comerciais, não atuando, como se lhes impunha, com a diligência de um gestor criterioso e ordenado; - Os atos e omissões dos gerentes da A. contribuíram, senão causaram em exclusivo (dada a sua gravidade e duração) os danos que a ICUT pretende aqui ver ressarcidos, o que justifica, per se, que a indemnização peticionada pela Recorrida seja excluída ao abrigo do artigo 570.º do CC. Por seu lado, a A. entende que não contribuiu, em termos de causalidade adequada, para os danos sofridos, pelo que a indemnização não deve ser excluída, nesta parte subscrevendo o acórdão recorrido, nem reduzida, sustentando que: - Não resultou provado, nem se extrai dos factos provados, que os valores inscritos nos cheques pela A. acreditando corresponder aos valores de IVA efetivamente devidos ao Estado fossem manifestamente desproporcionais, por forma a que devessem tê-la feito aperceber-se do engano de que estava a ser alvo; - Não era exigível à A. que conferisse os valores efetivamente pagos à Autoridade Tributária; - Se a A. não solicitava as declarações de IVA ao contabilista, este nunca se recusou a entregá-las, sendo que só uma recusa na entrega de tais declarações poderia ou deveria levantar suspeita num empresário minimamente diligente de que algo de errado poderia estar a acontecer; - O simples facto de o contabilista, por sua iniciativa, não enviar à A. as declarações de IVA entregues não é motivo suficiente para gerar qualquer tipo de suspeita numa pessoa à luz dos padrões médios de diligência; - O documento emitido pela AT não é impedir utilizações abusivas dos meios de pagamento de impostos, mas apenas facilitar o controlo da cobrança de impostos, não estando em causa, sequer, “instruções” emanadas pela AT; - A confiança que a A. colocou no seu contabilista foi aquela que qualquer homem médio, colocado nas mesmas circunstâncias da A., depositaria; - O que justifica a ordem de pagamento do último cheque rasurado no momento que a A. é confrontada com uma alteração do beneficiário do cheque dos CTT para o nome da empresa de contabilidade que lhe presta serviços é o facto de saber estar em causa um cheque para pagamento de imposto e o receio de incorrer no incumprimento de uma obrigação fiscal caso recusasse o seu pagamento, e não qualquer confiança excessiva no contabilista ou incúria na gestão dos seus interesses, tanto que, nessa sequência, empregou as diligências que a fizeram descobrir o esquema do contabilista e imediatamente cessar o contrato de prestação de serviços de contabilidade; - A A. atuou sempre de forma diligente, não tendo incumprido com qualquer dever de vigilância ou de fiscalização da atuação do contabilista, não merecendo a sua conduta qualquer juízo de censura, o que determina o afastamento da aplicação do art. 570º, nº 1, do CC, na medida em que não se pode falar em concorrência da culpa do lesado, a par do facto ilícito e culposo das RR.; - Ainda que assim não se entenda, a ponderação das condutas será entre a culpa grave das RR. e a culpa leve da A., a determinar que a indemnização não deve ser reduzida. Apreciemos. A A. fundou a presente ação na responsabilidade contratual da R. CGD, por violação dos seus deveres contratuais no âmbito do contrato de convenção de cheque entre ambas celebrado, e na responsabilidade extracontratual da R. BCP, por violação de deveres de diligência e respeito consciencioso pelos interesses que lhe são confiados, em termos aceites e devidamente fundamentados pelo tribunal de 1ª instância. A responsabilidade (assente) das RR. pelo ressarcimento dos prejuízos sofridos pela A. resultantes do pagamento de cheques que foram falsificados por AA, tem, assim, o seu fundamento na violação de deveres especiais (contratuais ou gerais) de diligência na verificação da genuinidade do cheque que é apresentado a pagamento. É neste âmbito que devem ser apreciadas as questões colocadas. Da convenção de cheque derivam direitos e deveres para ambas as partes. O principal direito que cabe ao Banco traduz-se na faculdade de lançar em conta os cheques que for pagando, sendo o seu principal dever, consequentemente, proceder ao pagamento dos cheques que sejam sacados sobre uma determinada conta nele sediada, à custa dos fundos que nesta se encontrem disponíveis. A par daquele dever principal, e, de certa forma, instrumental do mesmo, o Banco tem o dever acessório de verificação dos cheques, obrigando-se a verificar cuidadosamente o cheque, podendo o cumprimento deste dever ser decisivo na determinação do suporte de risco de falsificação e/ou de apresentação por um não titular. O principal direito do titular da conta é o de dispor das quantias depositadas ou por qualquer outro modo postas à sua disposição pelo Banco. O seu primeiro dever é, naturalmente, o de manter provisão na conta, mas, também, o de guardar cuidadosamente os cheques, evitando que alguém se apodere facilmente deles ou os falsifique, e, em caso de perda ou extravio de qualquer cheque, deve avisar imediatamente o Banco. Apurado o montante dos prejuízos efetivamente sofridos pela A. com a atuação negligente das RR. (através dos seus funcionários), e, consequentemente, o valor indemnizatório a arbitrar (arts. 562º, 563º, 564º e 566º, do CC), colocou-se a questão de saber se a indemnização devia ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, tendo em atenção as circunstâncias do caso, aquilatando se a atuação da A., lesada, tinha concorrido, com culpa, para a verificação ou agravamento dos danos, sendo certo que era às RR. que incumbia o ónus da prova da atuação culposa daquela. De facto, dispõe o nº 1 do art. 570º do CC, que “1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.” 1. Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, Vol. I, 2ª ed. revista e atualizada, pág. 511, em anotação ao mencionado preceito, escrevem que “Para que o tribunal goze da faculdade conferida pelo nº 1, é necessário que o ato do lesado tenha sido uma das causas do dano, consoante os mesmos princípios de causalidade aplicáveis ao agente (cfr. art. 563º). Deve, além disso, o lesado ter contribuído com a sua culpa para o dano (cfr. nº 2 do art. 487º …).”, para a produção do dano, ou para o seu agravamento. Como se escreveu no Ac. do STJ de 29.10.2020, P. nº 515/04.1TBGDM.P1.P1.S1 (Tomé Gomes), disponível em www.dgsi.pt, a “concausalidade de facto culposo do lesado prevista no artigo 570.º do Código Civil pressupõe que o resultado danoso provenha de uma conduta ilícita imputável ao agente, em regra, a título de culpa leve e que para a produção ou agravamento do mesmo tenha concorrido, em termos de causalidade adequada, uma conduta do lesado culposa, no sentido de não ter atuado com a diligência de uma pessoa razoável na gestão do seu interesse de modo a evitar esse resultado danoso ou a mitigá-lo.”. Na culpa do lesado está em causa o desrespeito de um ónus jurídico, uma omissão da diligência exigível, que se tivesse sido adotada, poderia ter evitado o próprio dano. Conforme refere Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, em Direito das Obrigações, Vol. I – Introdução. Da Constituição das Obrigações, 16ª ed., pág. 326, “A atuação culposa do lesado que contribui para os danos, não corresponde, porém, a um ato ilícito, mas apenas ao desrespeito de um ónus jurídico, uma vez que não existe o dever jurídico de evitar a ocorrência de danos para si próprio”. A culpa do lesado pode referir-se à atuação do próprio credor da indemnização, bem como à das pessoas de que este se utiliza. Efetivamente, o art. 571º do CC, equipara ao facto culposo do lesado o facto culposo dos seus representantes legais e das pessoas de quem ele se tenha utilizado, imputando “ao lesado os factos culposos das pessoas por quem poderia responder se causassem prejuízos a terceiro” (Almeida Costa, em Direito das Obrigações, 12ª ed., revista e atualizada, págs. 783/784). Os preceitos em causa inserem-se na secção do Código Civil que contém as normas que especialmente regem as obrigações de indemnização, independentemente do tipo de responsabilidade que origina esse tipo de obrigação, a propósito do cálculo do respetivo montante, admitindo que a contribuição do lesado para o dano possa intervir como causa exoneratória total ou parcial da obrigação de indemnizar do lesante, estando-lhes subjacente uma certa ideia de justiça na repartição dos danos (cfr. Irene Girão, em A “culpa” do lesado. Do concurso de culpas à relevância da concausalidade não homogénea, Cadernos de Direito Privado, nº 68, outubro-dezembro de 2019, págs. 3/4). Brandão Proença, em A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, 2007, págs. 416/417, explica o fundamento do art. 570º do CC, “recorrendo à ideia jurídica de uma autorresponsabilidade do lesado, … no sentido de uma imputação das consequências patrimoniais decorrentes de opções livres que tomou e que se revelaram desvantajosas para os seus interesses, dada a sua aptidão autolesiva. Não estando, em geral, a conduta do lesado enquadrada em moldes normativos, cremos melhor fundada uma perspetiva que faça imputar ao lesado os efeitos negativos da sua ação contributiva, consista ela em se ter exposto descuidada e injustificadamente ao perigo de sofrer o dano, quer tenha resultado da falta de observância de certas medidas de segurança, cujo cumprimento reduziria ou evitaria o dano.”. Tal como o tribunal recorrido (e o tribunal de 1ª instância) entendeu, afigura-se-nos que AA foi uma pessoa de que a A. se utilizou para cumprir as suas obrigações fiscais, um auxiliar na execução dessa tarefa, atuação enquadrada, aliás, no âmbito das relações contratuais de prestação de serviços estabelecidas entre aquele e a A. (al. o) da fundamentação de facto). Como esclarece Cláudia Alexandra dos Santos Madaleno, em A Responsabilidade Obrigacional Objetiva por Facto de Outrem, 2014, págs. 508/509, os órgãos da pessoa coletiva 2 “não se confundem com os simples agentes ou auxiliares, que executam uma tarefa pela qual foram incumbidos, por um órgão da pessoa coletiva, incluindo ainda os mandatários constituídos pela pessoa coletiva, uma vez que todos estes são “pessoas alheias à orgânica da pessoa coletiva”, pelo que, pelos seus atos, a pessoa coletiva responde por ato de outrem”, sendo certo que, no caso sub judice, não foi alegada, nem resulta provada, qualquer factualidade que permita concluir que AA se integrava na organização da A., fosse em que qualidade fosse, nomeadamente, como gerente de facto 3. O que resultou provado é que AA prestava serviços de contabilidade à A., e tratava de toda a documentação relativa à contabilidade, processamento de salários, entrega e elaboração das respetivas declarações fiscais, bem como pagamento dos impostos referentes ao IVA, o que fazia na sequência de contrato de prestação de serviços celebrado com a ..., Lda., da qual era sócio-gerente (conforme alegado pela A. e aceite pelas RR.). Da factualidade provada resulta que a A. emitiu, entre junho de 2016 e junho de 2018, cheques sacados sobre a R. CGD, que se destinavam ao pagamento de IVA devido pela A. nos meses correspondentes à emissão daqueles, inscrevendo como beneficiário os “CTT”, por sugestão de AA, o qual indicava o valor a constar de cada cheque, entregando-os, depois, a este. Na posse dos cheques, AA rasurava o nome daquele beneficiário inscrito transformando a inscrição em “..., LDA.”, após o que, por via de endosso, creditava os cheques na conta titulada por si e pela sua esposa no Banco BCP, pagando os valores de IVA devidos pela A. e fazendo seus os montantes excedentes (ver factos b), f) e k) da fundamentação de facto). Ao contrário do que parece assinalar a R./Recorrente BCP (e resultar do acórdão recorrido), a A. não utilizou o mencionado contabilista para preenchimento dos cheques, não tendo, dessa forma, incumprido o seu dever de guarda dos cheques e diligência no seu preenchimento. Conforme resulta da factualidade provada, era a A. que preenchia os cheques na totalidade, ainda que seguindo a sua informação quanto ao montante, e a sua sugestão quanto ao beneficiário, e os assinava, apenas os entregando ao referido AA para que este efetuasse o correspondente pagamento (entrega), necessariamente, junto de uma qualquer agência dos CTT. A atuação do referido AA, de alterar a inscrição relativa ao beneficiário do cheque e de o apresentar a julgamento, extravasou, ultrapassou, as funções que lhe tinham sido confiadas pela A., revertendo em dano desta e não de terceiro. A obrigação do AA era efetuar o pagamento dos respetivos impostos à AT, através de cheque junto dos CTT. E não o fazendo, não deixaria a A. de estar obrigada àquele pagamento perante a AT, por força do disposto no nº 1 do art. 800º do CC. De facto, estabelece este preceito legal que “O devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor.”. Como escrevem Maria da Graça Trigo e Rodrigo Moreira, no Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, UCE, pág. 1115, “É sobre o devedor que recai o risco da introdução de terceiros no quadro da relação obrigacional, para o auxiliarem na realização da sua prestação, daí que seja irrelevante se estes atuam dolosamente ou contra as suas instruções.”. Nos termos do mencionado preceito, a responsabilidade do devedor para com o seu credor mantém-se pelos atos praticados pelo seu auxiliar, sob orientação daquele, no cumprimento da obrigação daquele devedor para com o credor. A A. não utilizou o AA para cumprir qualquer obrigação perante as RR. Nem a conduta daquele se insere em qualquer relação de “comissão” estabelecida entre ele e a A. É importante salientar que a colaboração de AA não era feita sob orientação e dependência da A. (nem sob as suas instruções, como entendeu o tribunal de 1ª instância), mas com autonomia, no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado entre a A. e a sociedade de contabilidade de que aquele era sócio e gerente, tendo a sua conduta ultrapassado as funções que lhe foram confiadas, conforme referido, que não passavam, sequer pelo depósito dos cheques em instituição bancária. Ao contrário do entendido no acórdão recorrido, perfilhamos o entendimento sufragado pelo Ac. do STJ de 8.5.2012, P. nº 96/1999.G1.S1 (Gregório de Jesus), em www.dgsi.pt (referido naquele e pelas Recorrentes), em situação semelhante, que “a iniciativa de falsificação desencadeada por aquele réu não ocorreu, ao contrário do que possa parecer, no cumprimento das suas obrigações para com a autora.”. O art. 571º do CC estabelece uma equiparação de culpas, “valorando ficticiamente como culpa do lesado a culpa de pessoas de alguma forma ligadas a ele”, como escreve José Brandão Proença, em Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, UCE, pág. 581, que acrescenta que estamos perante uma espécie de autoresponsabilidade objetiva similar à dos artigos 165º, 500º, 501º e 800º, do CC, ou seja, que pressupõem uma atuação sob instruções e no interesse de quem utiliza o “auxiliar”, causando a sua atuação danos a terceiros. Embora concordemos com a Recorrente BCP que a culpa dos auxiliares é equiparada à culpa do lesado, sem que a culpa deste seja pressuposto da norma ínsita no art. 571º, já não podemos concordar com a aplicação automática deste preceito verificando-se a utilização de terceiro pelo lesado, sem atender às circunstâncias do caso, nem com a afirmação de que a letra da norma não permite distinguir as situações em que o terceiro atua dolosamente e contra os interesses do lesado. De facto, Brandão Proença, em A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, 2007, págs. 734/735, escreve que “A redação do art. 571º e a interpretação que dele deve ser feita, segundo o fundamento enunciado e os subsídios fornecidos pelos trabalhos preparatórios, levam-nos a aceitar, com cautelas, um quase-princípio do direito alemão, refletido numa série de disposições especiais, e que, na zona dos danos materiais, prevê a “imputação” ao lesado da culpa das pessoas que exercem um poder de facto sobre coisas a ele pertencentes. O relevo desta “soberania material” …, abarcará, no nosso sistema, a conduta contributiva dos comissários e daquelas pessoas (com maior ou menor ligação ao lesado) a quem se tenha entregue determinado objeto numa manifestação de maior ou menor interesse pessoal, cuja contrapartida é a “assunção” do risco que acompanha a “cedência”. Ir mais longe, admitindo neste nível “interno” a “imputação” de condutas culposas das pessoas que se apropriaram indevidamente (rectius, sem a autorização do dono) das coisas ou que as utilizaram no seu interesse exclusivo ou dominante, é onerar o lesado, estendendo em demasia o “pensamento” implicado no artigo 571º e convertendo-o numa norma tuteladora das posições dos diretamente implicados no dano.”. Pires de Lima e Antunes Varela, na ob. cit., pág. 512, exemplificando as situações a que se reporta a parte final do art. 571º do CC, reportam-se a uma conduta negligente da pessoa que o lesado utilizou, escrevendo que “Há igualmente culpa do lesado, no caso de este ter encarregado um terceiro de sinalizar um cruzamento, e este não o ter feito por negligência. A culpa do terceiro equivale à culpa do lesado, se este, por qualquer causa, devia fazer a sinalização.” (sublinhado nosso). AA não só atuou fora das funções que lhe foram confiadas pela A., como o fez dolosamente, em proveito próprio, contra os interesses e em prejuízo da A., não havendo, por isso, lugar à aplicação do art. 571º do CC, como se nos afigura que entendeu o tribunal recorrido, embora de forma menos explícita. Afastada a aplicação do disposto no art. 571º do CC, vejamos se, ainda assim, se pode concluir pela existência de culpa da A. na ocorrência ou agravamento dos danos como entendeu o tribunal recorrido, sustentando a Recorrente BCP que a culpa da A., pela sua gravidade, deve determinar a exclusão da indemnização, sustentando a A./Recorrente que não deu causa aos danos, não devendo a indemnização ser excluída ou reduzida. O tribunal recorrido fundamentou a sua decisão nos seguintes termos: “… No caso concreto, pensamos que há factos que permitem concluir pela falta de cuidado da Autora no tratamento do seu património no que respeita à emissão e pagamento de cheques, a saber: . os vinte e quatro cheques foram emitidos desde 08/06/2016 a 08/06/2018, ou seja, durante dois anos; . todos os cheques continham valores superiores para pagamento de I.V.A. relativamente ao que efetivamente era devido, sendo que se há uma situação em que a diferença é mínima (cheque n.º 22), na esmagadora maioria das situações a diferença é relevante (veja-se o último cheque, por exemplo). Estes dois factos demonstram que não houve diligência da Autora em controlar as suas contas, pelo menos durante aquele período de tempo, já que bastaria analisar os valores pagos à autoridade tributária e conferir os valores que eram cobrados para se detetar que aqueles cheques não estavam a ser preenchidos corretamente. Admite-se que durante algum tempo (três meses ou até seis meses ou até se efetuar uma verificação anual) a situação pudesse escapar ao controlo mas dois anos é um período para o qual não encontramos explicação que não seja a de excessiva confiança atribuída a um prestador de serviço e falta de diligência na inspeção da sua atividade. Note-se que nem AA remetia à gerência da Autora as declarações de I.V.A. nem esta lhas solicitava o que, durante dois anos, causaria suspeita num empresário minimamente diligente. E não é por do extrato bancário não se conseguir detetar qua o valor em dívida de I.V.A. que a Autora não revela falta de cuidado pois, numa empresa, a conferência de valores tem de ultrapassar o que, por exemplo, acontece no seio de uma pessoa singular que poderá ter maior facilidade em detetar um erro não só por poder existir menor número de movimentos como não haverá movimentações indiretas por outras pessoas, o que acontece quando se utilizam colaboradores/prestadores de serviço para fazer pagamentos. Mas acresce ainda: . a forma de preenchimento de cheques, permitindo com maior facilidade a alteração do beneficiário, sendo de conhecimento elementar, para mais numa empresa cujo escopo é unicamente a obtenção de maior lucro possível, o que implica contenção de custos, que deve haver cuidado no preenchimento de cheques, ou não os entregando em branco ou preenchendo-os de modo a que se deixe o mínimo espaço possível para alterações nos seus dizeres. Tanto assim é que, em abril de 2013 a autoridade tributária emitiu documento onde referia que o pagamento por cheque à ordem dos CTT devia ser emitido à ordem de Correios de Portugal, com a menção “Pagamento de Impostos”, o número de identificação fiscal do devedor e o número de identificação do documento. Ou seja, aqui está consubstanciada uma orientação que nada mais é do que um alerta para que se preencha corretamente um cheque de modo a evitar a sua viciação. Se a confiança em alguém faz com que se comprometa esta regra de cuidado, é preciso aferir em quem se está a confiar de tal modo. E, no caso, não se trata de um familiar próximo (pais, filhos) nem o cônjuge nem alguém com quem se esteja envolvido numa relação de namoro que se revele consistente, situações que poderiam explicar o baixar da guarda do emitente do cheque. Trata-se de um estranho à empresa, que já tinha ligações profissionais com uma outra empresa relacionada com pessoas ligadas à Autora, mas nada mais do que isso. Assim, essa falta de cuidado não encontra explicação em qualquer atenuante pessoal que pudesse explicar esse excesso de confiança. . nem quando foi alertada pela «C. G. D. …», para o último cheque, a Autora recuou, dando ordem de pagamento, o que demonstra o excesso de confiança no contabilista e incúria na gestão dos seus interesses (o que sucedeu depois já não é relevante pois o cheque já estava pago). Evidentemente que a Autora foi alvo de um engano doloso de um prestador de serviço pelo que não se pode considerar que toda a responsabilidade no sucedido se deve a si, empresa/Autora; mas há uma relevante quota parte de responsabilidade no sucedido. Poderia optar-se por um outro caminho que seria o de entender que a Autora é unicamente a prejudicada por uma atuação dolosa de uma pessoa em quem confiava, que não pertencia aos seus quadros e que tratava da contabilidade pelo que, a partir do momento em que entregou os cheques confiou (além de naquela pessoa) no sistema bancário e no sistema de circulação de cheques no sentido de que estaria protegida de qualquer viciação. [3] Nesta perspetiva, nenhuma atuação negligente poderia ser assacada à Autora. Na nossa opinião, apesar de ser correta esta apreciação, pensamos que há uma falta de cuidado relevante que deve ser atendida, apesar de se admitir que o caráter que AA teria junto da Autora e dos Bancos em questão (alínea a1, dos factos provados), faz diminuir essa falta de cuidado por parte da Autora que, legitimamente, entregou a tal pessoa o tratamento daquelas questões. …”. É precisamente com base nestes factos, e ponderando, ainda, a al. v) da fundamentação de facto, que a R./Recorrente BCP sustenta que os atos e omissões dos gerentes da A. (violadores, nomeadamente, dos arts. 64º, nº 1, 65º e 246º, nº 1, al. e) do CSC), causaram em exclusivo (dada a sua gravidade e duração) os danos que pretende ver ressarcidos. Por seu turno, a A., rebatendo a fundamentação reproduzida, nos termos supra elencados, sustenta que não lhe pode ser imputada qualquer culpa na ocorrência dos danos. Ao contrário do que sustenta a R./Recorrente BCP, não pode concluir-se que foram os referidos atos e omissões da A. que causaram em exclusivo os danos que esta pretende ver ressarcidos, quando resultou demonstrado que os danos resultaram de conduta negligente das RR. O que se pode concluir é que a atuação culposa da A., espelhada nos mencionados atos e omissões, concorreu para a produção ou agravamento dos danos, e, ponderando a gravidade da sua culpa e a das RR. e as consequências que delas resultaram, a indemnização deve ser excluída. O que, desde já se afirma, não poder ocorrer, na medida em que a culpa das RR. se mostra grave, pelo facto de estar em causa uma falsificação facilmente constatável (al. g) da fundamentação de facto) e que as RR. não relevaram (als. h) e i) da fundamentação de facto), embora os funcionários da R. BCP efetivamente a tenham detetado em alguns cheques, sem que tivessem suscitado as suas suspeitas de adulteração junto da R. CGD (al. a1) da fundamentação de facto), numa atuação aquém da que lhes é exigível atentas as obrigações resultantes das suas funções de fiscalização e competência técnica. E deverá entender-se, como pretende a A., que nenhuma atuação negligente lhe pode ser assacada? Afigura-se-nos que sim, não se sufragando o entendimento do tribunal recorrido, porquanto entendemos que é ainda no âmbito do contrato de convenção de cheque, que se terá de indagar se a A. também violou algum dos seus deveres, de molde a contribuir para o pagamento indevido dos cheques, se lhe era exigível uma diligência, que, se tivesse sido adotada, poderia ter evitado o dano ou o seu agravamento. Conforme se escreveu no Ac. do STJ de 8.5.2012 supra citado, que analisou situação com contornos semelhantes aos dos presentes autos, “Nada permite dizer e sustentar, sem mais, que a simples circunstância da sacadora entregar um cheque a terceiro, seu contabilista, no âmbito de uma relação contratual de prestação de serviços com ele estabelecida, e que tinha precisamente por uma das suas facetas essa entrega a fim de que ele procedesse ao pagamento de impostos, se qualifique como ato de incúria ou falta de zelo. Importa acentuar, para mais rigorosa compreensão, que aquele réu contabilista não era um auxiliar dependente da autora, integrado na sua organização ou instrumento ao seu serviço juridicamente a ela subordinado, mas antes um auxiliar com autonomia perante ela, independente da empresa desta, apesar de com ela colaborar no cumprimento das obrigações fiscais. Autora e réu BB estabeleceram uma relação negocial tendo por objeto a prestação de serviços de contabilidade fiscal e de segurança social. A autora tinha-o por um bom contabilista e pessoa honesta, o que correspondia à imagem de respeito e consideração que o mesmo granjeava na comunidade e, pelos vistos, também junto dos funcionários da recorrente (cfr. nº 23 dos factos provados). Neste quadro valorativo da personalidade e competência técnica do réu BB, não tinha a autora como suspeitar e prevenir os atos ilícitos deste praticados após o preenchimento e entrega dos cheques, que, anote-se, nunca foram emitidos e entregues com espaços por preencher, nomeadamente sem identificação do beneficiário, circunstância que a verificar-se, essa sim, seria fortemente propiciadora da falsificação. Não era exigível à autora/sacadora, se é que não estava praticamente excluída por força da natureza dos serviços especializados e da relação contratual estabelecida, que prolongasse o seu dever de guarda e vigilância dos cheques, após a sua entrega ao 1º réu, para lá dos limites da sua empresa, no espaço e tempo dos seus itinerários no gabinete de contabilidade do réu até à receção pelos seus beneficiários. A partir daí, é o próprio mecanismo do cheque que intervém e tranquiliza o sacador, que exige cuidado e rigor na movimentação do dinheiro depositado, com a confiança que lhe inspira a boa defesa do seu dinheiro por parte do banco cuja guarda lhe confiou, que não poderá ficar à mercê de qualquer falsificador, sobretudo, como sucede no caso em apreço, quando tal falsificação não deve escapar a um exame cuidadoso. De facto, a celebração da convenção de cheque, cuja necessidade se explica pelos riscos que estão ligados à circulação do título e à execução da prestação, cujo cumprimento é muitas vezes exigido por um terceiro desconhecido do banco, e ao qual andam associados perigos de falsidade das assinaturas, perda do cheque, e as consequentes contestações por parte do portador e do detentor, tem também como fundamento a confiança recíproca das partes (banco e titular da provisão)[20]. Essa relação de confiança leva a que o cliente sinta que após emitir o cheque o banco depositário do seu dinheiro acautela os seus interesses, nomeadamente face a vicissitudes ilícitas que sobre ele possam vir a recair, sendo diligente nos pagamentos à custa da sua conta. No caso vertente, face à grosseria de algumas adulterações, de que se deu conta na nota 16, os bancos poderiam, inclusive, ter evitado sem dificuldade a produção do resultado danoso.”. Ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido, não se nos afigura que da factualidade provada resulte “uma falta de cuidado relevante que deve ser atendida”. A A. contratou a sociedade de que o AA era sócio gerente para lhe prestar serviços de contabilidade, sendo certo que a relação contabilista-cliente exige uma relação de confiança e de colaboração estreita, assente, também, nos especiais deveres daquele, que no caso se mostrava reforçada por exercer essas funções há mais de 20 anos para uma sociedade dominada pela mesma família e gerência comum (resultando dos autos que a A. só veio a ter conhecimento posteriormente que aquele contabilista atuava, desde 2009, de forma idêntica em relação aos cheques que lhe eram entregues para pagamento de IVA por esta sociedade). A A. preenchia completamente os cheques, indicando como beneficiário os “CTT” (de acordo com a previsão legal), instituição legitimada para receber o pagamento de impostos (arts. 5º e 12º, nºs 1 e 2, do DL nº 492/88, de 30.12). É certo que não indicava que o cheque se destinava a “pagamento de impostos”, nem inseria no verso o seu número de RNPC (arts. 8º, nº 1 e 12º, nº 1, do DL nº 492/88, de 30.12), mas atentas as funções contratadas, era admissível que tais elementos fossem preenchidos pelo contabilista aquando da entrega do cheque. No que respeita ao “último” cheque datado de junho de 2018 (cheque 24 da al. b) da fundamentação de facto), em que a R./Recorrente CGD detetou os sinais de rasura e avisou o gerente da A. (remetendo-lhe cópia do mesmo), que, não obstante, autorizou o seu pagamento, afigura-se-nos não se poder concluir sem mais, como fez o tribunal recorrido, que tal comportamento “demonstra o excesso de confiança no contabilista e incúria na gestão dos seus interesses”, uma vez que, na realidade, estava em causa o pagamento de um imposto, tendo a A. optado por agir com cautela, como o demonstra o facto desse ter sido o “último” cheque emitido naqueles termos. Afigura-se-nos, pois, que da factualidade provada não se pode concluir por uma conduta negligente da A., concorrente para a ocorrência ou agravamento dos danos, mas, ainda que assim não se entendesse, a mesma não revela falta de cuidado relevante, mas, quando muito, uma culpa leve, que, na confrontação com a culpa grave das RR. não determina a exclusão da indemnização, nem sequer uma redução. Em conclusão, improcedem os recursos principais das RR./Recorrentes, e procede o recurso subordinado da A./Recorrida e Recorrente, devendo alterar-se o acórdão recorrido em conformidade. 2. A apreciação da questão da adequação da percentagem de responsabilidade fixada pelo tribunal recorrido (30% para a A. e 70% para as RR.) fica prejudicada, face à conclusão da procedência do recurso subordinado (art. 608º, nº 2, do CPC). 3. O acórdão recorrido condenou as RR. a pagarem juros de mora “desde 30/09/2019 até efetivo pagamento, à taxa de juros comerciais, aplicável nos termos da Portaria n.º 277/2013, de 26/08.”, de acordo com o peticionado. Fundamentou a sua decisão nos seguintes termos: “Dos juros. Na sentença, apesar de não fixar qualquer valor a pagar pelas Rés, mencionou-se que: Será assim líquida a obrigação cujo conteúdo possa ser determinado pela sua fonte, com recurso a regras supletivas da lei. Não será líquida quando a fonte da obrigação não defina simultaneamente o seu conteúdo. Seguindo o entendimento expendido, o direito da autora dependia da quantificação dos prejuízos por si sofridos, que apenas foram liquidados na presente sentença, pelo que, tratando-se de responsabilidade contratual serão devidos juros de mora apenas após a sua prolação. A recorrente/Autora sustenta que o crédito é líquido e afigura-se-nos que tem razão. Como se menciona no Ac. da R.C. de 2012/10/23, processo n.º 2073/10.9T2AVR.C1, www.dgsi.pt que a recorrente cita, não é por haver divergência entre as partes no valor do crédito que este se torna ilíquido. A iliquidez significaria que a Autora não tinha elementos para calcular o seu crédito e que, por isso, deduzia um pedido genérico, nos termos dos artigos 556.º e 557.º, do C. P. C.; ora, no caso, a Autora entendeu que tinha todos os elementos para formular um pedido líquido e não um pedido genérico pelo que, a circunstância de o crédito se tornar também exequível (em conjunto com a sentença, sentença), não significa que, até esse momento, fosse um crédito ilíquido. [5 4] Conclui-se assim que o pedido e a condenação são líquidos, constituindo-se na obrigação de pagarem os juros de mora desde a data de constituição em mora (artigo 806.º, n.º 1, do C. C.), no caso, desde a interpelação extrajudicial para as Rés pagarem, o que sucedeu em 30/09/2019 – facto provado m) – conforme artigo 805.º, n.º 1, do C. C. -. …”. As RR./Recorrentes discordam do decidido, sustentando que os juros de mora apenas serão devidos após a prolação da sentença, porquanto o pretenso direito da A. dependia da quantificação dos prejuízos por si sofridos, que apenas foram liquidados na decisão (conclusões 41ª a 50ª da CGD, e conclusões RR., SS. e ZZ, do BCP). A A. defende o acerto do decido. Apreciemos. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (art. 804º, nº 1, do CC), e estando em causa uma obrigação pecuniária, os juros contam-se a partir do dia da constituição em mora (art. 806º do CC). Dispõe o art. 805º do CC, com a epígrafe “Momento da constituição em mora”, que “1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. 2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação: a) Se a obrigação tiver prazo certo; b) Se a obrigação provier de facto ilícito; c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido. 3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.”. A questão que se coloca no presente recurso é a de saber se em causa está um crédito ilíquido, como sustentam as RR./Recorrentes, ou um crédito líquido, como entendeu o acórdão recorrido e sustenta a A. A primeira parte do nº 3 do art. 805º do CC reproduz a regra in illiquidis non fit mora. Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed. revista e atualizada, 1997, págs. 64/65, referem que “a justificação do preceito baseia-se naturalmente na circunstância de não ser razoável exigir do devedor que ele cumpra, enquanto não souber qual o montante ou o objeto exato da prestação que lhe cumpre realizar.”. A mencionada regra contem duas exceções, a saber: a) se a iliquidez do crédito for imputável ao devedor, há mora deste; b) tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da 1ª parte do nº 3 do art. 805º. Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., pág. 115, nota 1, afirma que é ilíquida a obrigação "cuja existência é certa, mas cujo montante não está ainda fixado (juros não contados; encontro de créditos e débitos que ainda se não fez, como no caso da gestão, do mandato, etc.; danos cujo valor ainda se não determinou, na obrigação de indemnização).”. A indeterminação do valor da obrigação não se confunde com desacordo sobre esse valor. A indeterminação do valor provem da circunstância das partes, ou do devedor, desconhecerem qual é aquele valor porque não têm todos os elementos que permitem fixá-lo. Resulta da factualidade provada que a A. remeteu à R. BCP, que o recebeu em 30/09/2019, o escrito junto como documento n.º 40 com a petição inicial, do qual consta nomeadamente a interpelação da ré para pagamento de €88.318,40 no prazo de dez dias (al. l) da fundamentação de facto), tendo, também, remetido à R. CGD, que o recebeu em 30/09/2019, o escrito junto como documento n.º 42 com a petição inicial, com igual interpelação (al. m) da fundamentação de facto). Analisando os mencionados documentos constata-se que: - a missiva remetida à R. BCP, por mandatário, reporta-se, não só à situação da A., mas, também, da sociedade Freixotel. Nela, depois de se dar conta da falsificação do conteúdo, por alteração do nome do beneficiário inicial inscrito, de “vários” cheques emitidos pela Freixotel sacados sobre o BCP, assim como de “vários” cheques emitidos pela A. sacados sobre a CGD, “de diversos montantes, todos à ordem dos CTT – Correios de Portugal, SA (doravante, CTT), que se destinavam ao pagamento de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) à autoridade Tributária”, que o Banco pagou com violação dos deveres de verificação, invoca-se a obrigação deste pagar indemnização “pelos danos decorrentes, os quais somam a quantia total de €1.875.295,06 (…), deduzida das quantias que a sociedade ... efetivamente destinou ao pagamento das responsabilidades tributárias da FREIXOTEL e da ICUT …”, informando que o prejuízo da ICUT decorrente da situação ascendeu a €88.318,40. - a missiva remetida à R. CGD, também por mandatário, tem o mesmo conteúdo, mas apenas com referência à A., invocando-se a obrigação daquela pagar indemnização “pelos danos decorrentes, consubstanciados nas quantias debitadas na conta bancária da ICUT NOW por cada um dos cheques viciados apresentados a depósito pelo seu portador, os quais somam a quantia total de €145.667,66 (…), deduzida das quantias que a sociedade ... efetivamente destinou ao pagamento das responsabilidades tributárias da ICUT a que inicialmente se destinavam, no montante de €57.349,26”, informando que o prejuízo da ICUT decorrente da situação ascendeu a €88.318,40. Nas referidas missivas nada se concretiza sobre os cheques, os seus números, datas de emissão, valores concretos, etc., nem sobre os valores concretos de IVA pagos, ou respetivas datas, não tendo sido enviadas quaisquer cópias, nomeadamente das liquidações do imposto, ou declaração da AT, que só com a PI foram juntas. Certo é, porém, que as RR. nada fizeram para obter tais elementos, não solicitaram à A. que identificasse os cheques e concretizasse as componentes do valor indemnizatório pedido, o que deviam ter feito. Como se escreveu no Ac. do STJ de 15.10.2013, P. nº 665/07.2TVLSB.L2.S1 (Alves Velho), não publicado, reportando-se ao nº 3 do art. 805º do CC, “Esta regra especial encontra a sua razão de ser no facto de não dever fazer-se recair sobre o devedor que ainda não conhece o montante do seu débito as consequências do atraso no cumprimento. Mas a regra já não deve nem pode manter-se se essa ignorância ou falta desse conhecimento dever atribuir-se a culpa do devedor.”. A razão de não se vencerem juros nos créditos ilíquidos reside no facto do devedor não saber, sem culpa sua, o quantum da prestação que deve entregar ao credor. Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed. revista e atualizada, pág. 65, em anotação ao nº 3 do art. 805º, escreviam que “A regra não deve, porém, servir para o devedor protelar injustificadamente a liquidação do crédito”. A indemnização pedida pela A. assenta em factos já ocorridos e a sua determinação era facilmente contabilizável tendo em conta os fatores a ponderar (valor dos cheques pagos, descontado o valor de IVA devido e efetivamente pago pela ...). Agindo com interesse e a diligência que lhes era exigível, as RR. poderiam ter obtido todos os elementos para determinar o valor da indemnização, o que não se confunde com o desacordo sobre o seu valor, ou mesmo, com a controvérsia sobre a obrigação de pagar. Para que se afirmar que o valor da obrigação não está apurado, e, por isso, é uma obrigação ilíquida, não basta que as partes estejam em desacordo acerca desse valor, uma vez que aquilo que releva para se considerar a obrigação ilíquida é a circunstância de as partes, ou, pelo menos, o devedor, desconhecerem esse valor por não disporem ainda de todos os elementos que são necessários ao seu apuramento. No mesmo sentido, sumariou-se no Ac. do STJ de 29.11.2005, P nº 05B3287 (Oliveira Barros), em www.dgsi.pt: “… II - Não é pelo simples facto de ser controvertido o montante da dívida que ela se torna ilíquida, isto é, de montante incerto e por isso desconhecido do devedor. III - Para efeito da aplicação do princípio in illiquidis non fit mora constante da 1ª parte do nº 3 do art. 805º C.Civ. só releva a iliquidez objetiva, e esta só se verifica quando o devedor não estiver em condições de saber quanto deve. IV - O princípio referido não tem cabimento quando, dispondo o devedor dos elementos necessários para saber o montante do seu débito, ocorra, afinal, iliquidez tão só aparente ou subjetiva.”. Se o valor da obrigação é determinável em função de factos que são do conhecimento das partes 5, não existe qualquer obrigação ilíquida, a tal não obstando o facto de as partes não estarem de acordo acerca da verificação (ou não) desses factos que servem de base ao apuramento daquele valor. Nos termos do referido preceito, o crédito só é ilíquido quando, à data em que deve ser efetuado o pagamento, não é possível proceder à sua liquidação, saber qual a quantia em dívida, o que no caso não se verificava, uma vez que a quantia em dívida correspondia ao valor dos cheques pagos, deduzido o valor de IVA (a cujo pagamento se destinavam os cheques) efetivamente liquidado. É certo que, nas mencionadas interpelações, a A. fixava o valor indemnizatório em €88.318,40, o valor peticionado na ação foi ligeiramente inferior (de €83.082,81), tendo-se apurado nos autos que o valor dos danos sofridos pela A. foi de €66.387,09. Tal realidade não implica que se tenha o crédito por ilíquido, o que se verifica é uma improcedência parcial do pedido. Conclui-se, pois, que em causa estava um crédito líquido, não sendo caso de aplicar o disposto no nº 3 do art. 805º do CC, não nos merecendo censura a decisão do tribunal recorrido nesta parte. * Em conclusão, improcedem totalmente os recursos das RR. CGD e BCP. Procede o recurso subordinado da A., devendo alterar-se a decisão recorrida, e condenar-se as RR. a pagarem à A. o valor dos danos apurados (€66.387,09), acrescido de juros de mora nos termos referidos no acórdão recorrido. As custas, na modalidade de custas de parte, são a cargo das RR./Recorrentes, por terem ficado vencidas nas revistas e no recurso subordinado – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da 6ª secção do Supremo Tribunal de Justiça em (i) não conceder a revista da R./Recorrente Banco Comercial Português, SA, e a revista da R./Recorrente Caixa Geral de Depósitos, SA, e (ii) julgar procedente o recurso subordinado da A./Recorrente, alterando-se a decisão recorrida, condenando-se as RR. Banco Comercial Português, SA e a Caixa Geral de Depósitos, SA a pagarem, solidariamente, à A. Icut Now - Tecnologia Laser, Lda., a quantia de €66.387,09, acrescida de juros de mora, nos termos fixados no acórdão recorrido. Custas pelas RR./Recorrentes, nos termos referidos. * Lisboa, 2025.11.13
Cristina Coelho (Relatora) Luís Correia de Mendonça Ricardo Costa
SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora) ______________________________________________ 1. Dispondo o nº 2 que “Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.”, preceito que não tem aplicação no caso em apreço uma vez que a responsabilidade das RR. resultou da prova de culpa efetiva na verificação do dano.↩︎ 2. Que são os “elementos da própria organização da pessoa coletiva com vista à atuação desta, ainda que os poderes ou deveres atribuídos a tais órgãos sejam, na prática, exercidos por pessoas singulares, que são as titulares dos órgãos.”.↩︎ 3. Carecendo de fundamento tudo o que neste sentido é alegado pela Recorrente BCP.↩︎ 4. “5Veja-se também Ac. da R.G. de 19/03/2015, processo n.º 3333/13.2TBGMR.G1, www.dgsi.pt, com outra jurisprudência aí citada: - A interpretação da primeira parte do nº 3 do art.º 805º do Código Civil deve ser feita com alguma exigência, de tal modo que, na responsabilidade contratual, só uma iliquidez objetiva obsta à mora, para além de que a ela não obsta o mero desacordo das partes sobre o valor da obrigação. 2- A obrigação é ilíquida quando a indefinição do valor da obrigação resulta da circunstância de não terem ainda ocorrido ou serem desconhecidos de alguma das partes algum ou alguns dos factos que são necessários para o apuramento e conhecimento desse valor.”.↩︎ 5. E que podiam ser do conhecimento do devedor, agindo este com a diligência exigível.↩︎ |