Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | SÉNIO ALVES | ||
Descritores: | CARTA ROGATÓRIA CONGELAMENTO DA CONTA RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 01/19/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - O acórdão do tribunal da Relação que aprecia e decide o recurso interposto de um despacho proferido pelo Mmo JIC, que – no âmbito de uma carta rogatória expedida pela justiça brasileira - determinou a aplicação da medida de congelamento de activos financeiros, não conheceu, a final, do objecto do processo que, aliás, corre seus termos nos tribunais da República Federativa do Brasil. II - Porque assim é, assegurado que se mostra o direito ao recurso, com aquele que foi interposto para o tribunal da Relação, é de concluir que do acórdão proferido por este último tribunal não é admissível recurso para este STJ, por força do estatuído no art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam, neste Supremo Tribunal de Justiça: I. 1. Nos autos de carta rogatória com o nº 1005/19... que correm termos no Tribunal Central de Instrução Criminal, AA e LCFA – Empreendimentos Unipessoal Ldª interpuseram recurso para o Tribunal da Relação ... do despacho proferido pelo Mº Juiz de Instrução Criminal que determinou a aplicação da medida de congelamento de activos financeiros por eles titulados, pedindo a revogação dessa medida. 2. Por acórdão proferido em 29 de Setembro de 2021, foi o recurso julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida. 3. Inconformado, recorreram AA e LCFA – Empreendimentos Unipessoal Ldª, pedindo a revogação do acórdão recorrido e extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas): «1) O Acórdão recorrido considera que a nulidade por omissão de pronúncia está reservada às sentenças e a decisão recorrida era apenas um despacho, o que significa que poderia quando muito haver uma mera irregularidade, invocável nos três dias seguintes a contar do mesmo, nos termos do art. 123º do Cód. Proc. Penal. 2) Sucede que tal perspectiva reduz à irrelevância uma norma de natureza essencial num âmbito específico, designadamente o art. 49º, nº 4 da Lei nº 83/2017 (i.e., o regime jurídico do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo), que consigna a forma para que os afectados por uma medida duríssima, como é a Suspensão Temporária de Operações Financeiras, se possam defender da mesma, consubstanciando isso uma violação do disposto nos arts. 29º, nº5 e 32º, nº 1, ambos da Constituição da República Portuguesa. 3) E, por conseguinte, não devia o Tribunal recorrido ter-se abstraído, como fez, no âmbito específico em que foi Despacho de fls. 1346 a 1355, designadamente o do quadro processual especificamente previsto na referida Lei nº 83/2017. 4) E por conseguinte deve o respectivo Acórdão ser revogado, julgando-se verificada a nulidade do referido Despacho de fls. 1346 a 1355 por Omissão de Pronúncia quanto (i) à impossibilidade legal de imputação ao recorrente AA da prática do crime de branqueamento, cometido em Portugal, pressupondo como crime antecedente algum dos factos actualmente em julgamento, em 1ª instância, no Tribunal ...; (ii) à utilização proibida por parte do Ministério Público, de informações que lhe foram disponibilizadas pelas autoridades Brasileiras no âmbito de uma Carta Rogatória; e quanto (iii) à excepção de Litispendência relativamente ao Crime de Branqueamento de Capitais, revogando-se tal despacho em consequência. 5) SEM PRESCINDIR, importa ter presente todos os sinais existentes nos autos que objectivamente infirmam a conclusão do Acórdão recorrido e que, na verdade, tornam claro que estes autos sofreram uma derivação de uma mera carta rogatória para uma acção da iniciativa do Ministério Público Português, na qual se imputa ao recorrente AA a prática de um crime de Branqueamento de Capitais. 6) Sucede que decorre de toda a dinâmica dada ao processo pelo Ministério Público que o imprescindível crime antecedente (quando está em causa a eventual prática de um crime de Branqueamento de Capitais) é a acusação que pende no Brasil contra o aqui recorrente AA, como expressamente se considera no Despacho de fls. 1346 a 1355 (mais concretamente no penúltimo parágrafo de fls. 1352), objecto do recurso para o Tribunal da Relação que deu origem ao Acórdão de que agora se recorre. 7) Significa isto que no Despacho de fls. 1346 a 1355 validou-se a utilização, pelo Ministério Público, das informações que foram prestadas às autoridades portuguesas para utilização específica no pedido concreto que lhes foi dirigido pelas autoridades Brasileiras, designadamente as informações relativas ao processo que corre no Brasil e em que é parte o recorrido AA, de forma a, indo-se muito além disso, indiciar-se o recorrente AA do crime de branqueamento e, nessa esteira, aplicar-se aos aqui Recorrentes a medida de congelamento do saldo de todas as contas bancárias/carteiras de títulos e quaisquer outros activos tituladas pelos Recorrentes, determinada no citado Despacho. 8) Uma vez que toda a informação que o Ministério Público português tem acerca daquele que reputa ser o crime antecedente é a que lhe foi prestada pelas autoridades brasileiras para específica utilização na Carta Rogatória de 10/Junho/2019 é inevitável concluir-se que o Ministério Público fez um uso indevido daquelas informações, por violação do disposto no art. 148º, nº 1 da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto. 9) Nessa medida, fundando-se o Despacho de fls. 1346 a 1355 nessas mesmas informações indevidamente usadas está, também por essa razão, o mesmo ferido de nulidade, de onde resulta que deve o acórdão agora recorrido ser integralmente revogado e, em consequência, deve ser declarada a nulidade do Despacho de fls. 1346 a 1355, revogando-se o mesmo em conformidade. 10) Assim, o Acórdão recorrido violou o Direito e a Lei, em especial, o disposto nos arts. 29º, nº 5 e 32º, nº 1, ambos da Constituição da República Portuguesa; nos arts. 48º e 49º da Lei 83/2017 de 18/Agosto; no art. 148º, nº 1 da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto; e no art. 379º, nº 1, al. c) do Código de Processo Penal». 4. Respondeu o Exmº Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação ..., sustentando a rejeição do recurso por inadmissibilidade do mesmo e, para a hipótese de assim se não entender, o seu não provimento, extraindo da sua resposta as seguintes conclusões (também transcritas): «1 – O MPF solicitou à PGR Portuguesa um Pedido de Assistência Mútua em Matéria Penal, o qual foi remetido através da Procuradoria Geral da República do Brasil – Secretaria de Cooperação Internacional, - ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal, celebrada pelos Estados membros da CPLP, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 46/2008 de 12 de Setembro; 2 – Tendo presente o objecto do pedido, este foi autuado como Carta Rogatória e foi-lhe atribuído um NUIPC -1005/19...; 3 – Foi no âmbito desta Carta Rogatória, que o MºPº promoveu ao Juiz de Instrução Criminal e este deferiu, que, em substituição da medida de Suspensão temporária de execução de operações financeiras, passasse a aplicar a medida de Congelamento, ao abrigo do disposto no artº 49 nº 6 da Lei 83/2017 de 18 de Agosto; 4 – Foi sobre este despacho do Mmº JIC, que os Recorrentes interpuseram recurso para este Tribunal da Relação, que veio a proferir o Acórdão de que ora interpõem recurso para esse Venerando Supremo Tribunal; 5 – Estamos, por isso, perante uma decisão deste Tribunal da Relação que não conhece do objecto do processo, o qual corre termos no Brasil; 6 – Assim, nos termos das disposições conjugadas dos artº 432 nº 1 alª b)- e artº 400 nº 1 alª c)-, do CPP, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação é irrecorrível e, como tal o presente recurso deve ser rejeitado. Porém, para a mera hipótese de se considerar que o presente recurso deve ser admitido e objecto de apreciação, o que não se concede, sempre se dirá ainda. 7 – Os Recorrentes impugnam o douto Acórdão proferido por este tribunal da Relação por entenderem: a) - que o Tribunal da Relação incorreu em “vício de apreciação” pelo facto de se ter abstraído que o Despacho do Mmº JIC de fls. 1346 a 1355 tinha sido proferido dentro do quadro legal especificamente previsto na referida Lei nº 83/2017 e, não obstante, ter considerado que esse Despacho sofria apenas do vício da irregularidade – artº 123 do CPP - reduzindo à condição de formalismo, sem alcance, o Direito de Defesa consignado no art. 49º, nº 4 da referida Lei; b) - o Acórdão da Relação sofre de nulidade, - artº 379 nº 1 alª c)- do CPP, - por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre as mesmas questões, que os Recorrentes já tinham suscitado em 1ª instância e que resultam do facto da Carta Rogatória, na sua perspectiva, ter derivado num verdadeiro processo crime; 8 – ora, uma Carta Rogatória é um instrumento jurídico de cooperação processual entre países diferentes, em que um deles solicita ao outro a prática de determinados actos processuais; 9 – Como resulta claro da natureza da Carta Rogatória o tribunal rogado deve cumprir a Carta Rogatória nos exactos termos do pedido que ela transmite; 10 – no caso em apreço, as Autoridades Judiciárias Brasileiras, à luz da referida Convenção, solicitaram ás Autoridades Judiciárias Portuguesas – no caso, à PGR, - a apreensão (em sentido lato) de activos financeiros titulados pelos Recorrentes, nos termos do disposto nos artº 2º nº 2, 3º e 9º da referida Convenção, o que fizeram no âmbito de um processo criminal integrado na investigação do “...” que corre termos na Procuradoria da República no ..., no Brasil; 11 – Ora, a apreensão da forma como se vêm desenvolvendo os autos de Carta Rogatória, revela, claramente, por um lado, todo o rigor e o pormenor em que tem assente a recolha de elementos de suporte, - a verificação da existência dos requisitos legais - fundamentais para aplicação das medidas de Suspensão e de Congelamento, no âmbito estrito dos pedidos solicitados pelas autoridades brasileiras e, por outro lado, a forma plena como os Recorrentes têm vindo a exercer o Direito de Defesa; 12 – As invalidades processuais estão sujeitas ao regime da tipicidade – artº 118 e segs do CPP – não podendo a sua verificação estar condicionada a uma eventual compatibilização com um qualquer regime jurídico que, num determinado momento, esteja a ser aplicado em um qualquer processado; 13 – É por força do princípio da tipicidade das invalidades processuais, que os despachos judiciais podem vir apenas a padecer de uma irregularidade; 14 – Assim, nenhum “vício de apreciação” ou qualquer outro, pode ser apontado ao Acórdão proferido pelo tribunal “ad quem”, ao decidir que o despacho do Mmº JIC apenas podia ser afectado de uma irregularidade, como prevista no artº 123 do CPP; 15 – Do mesmo modo, tal Acórdão, porque apreciou o despacho proferido pelo Mmo JIC, que foi proferido no âmbito de uma Carta Rogatória, não tem de apreciar questões susceptíveis de poderem ser apreciadas apenas no âmbito de um verdadeiro processo judicial; 16 – O Acórdão recorrido não sofre, por isso, do vício de nulidade por omissão de pronúncia, previsto na alª c)- do nº 1 do artº 379 do CPP». II. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pugnando pela rejeição do recurso e, assim se não entendendo, pela sua improcedência: «(…) 3 – O Ministério Público no Tribunal da Relação ... apresentou resposta ao recurso na qual se equaciona de forma esclarecida e completa a matéria a resolver nesta lide, aí se defendendo a inadmissibilidade do recurso e, consequentemente, a sua rejeição, ou, a assim não se entender, a sua improcedência, mediante as seguintes conclusões: (…) 4 – Suscita-se a questão prévia da rejeição do recurso, a tanto não obstando a decisão que o admitiu, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 400.º, n.º 1, alínea c), 414.º, n.º 2 e 3, 420.º, n.º 1, alínea b), e 432.º, n.º 1 alínea b), todos do C.P.P. 5 – Acompanham-se as considerações tecidas na resposta do Ministério Público ao recurso, as quais, pelo rigor, propriedade e acerto, suscitam a mais completa adesão, dispensando qualquer outra reflexão, seja qual for a temática em perspectiva: a irrecorribilidade do acórdão a que se dirige a impugnação em presença, a justificar a rejeição do recurso, ou o demérito das questões suscitadas, a evidenciar a sua improcedência. Nestes termos, e pelo que antecede, emite-se parecer no sentido de, em primeira linha, dever ser rejeitado, por inadmissível, o recurso interposto por AA e LCFA – Empreendimentos Unipessoal, Lda., ou, se assim não for entendido, dever ser então o mesmo julgado improcedente». Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, os recorrentes não ofereceram resposta. III. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir. E a primeira questão a decidir, como é evidente, prende-se com a (in)admissibilidade deste recurso. Estamos perante uma decisão proferida no âmbito de uma carta rogatória, da qual foi interposto recurso para o Tribunal da Relação competente, que dele conheceu, negando-lhe provimento. Consta do acórdão recorrido: «Como se refere na douta resposta espelhando com fidelidade o que se colhe dos elementos juntos (certidão de fs. 40 e 22) são os presentes uns autos de carta rogatória que se iniciaram com um pedido formulado pelas Autoridades Judiciárias Brasileiras com o n.º FTLJ 238/2019, ao qual foi atribuído o NUIPC 1005/19..., no âmbito de processo criminal integrado na investigação ..., que corre termos na Procuradoria da República no ... no Brasil contra, entre outros, AA e pela prática, em coautoria, de crimes tipificados na ordem jurídica portuguesa como administração danosa, participação económica em negócio, peculato, associação criminosa e branqueamento. No pedido de cooperação judiciária internacional inicialmente remetido pelo MPF, extraído dos Autos n.º ...06-...70... (Medida assecuratória de arresto e sequestro) e referente à Acção Penal n.º ...86-...70..., era requerido o seguinte, com base nos factos que se explanam: a) Identificação e confisco de bens móveis, imóveis e outros activos4que se apure pertencerem de direito ou de facto a AA, à sociedade LCFA EMPRRENDIMENTOS UNIPESSOAL, LDA. ou a quaisquer outras sociedades de que o primeiro fosse titular. b) Designadamente, promoção do arresto dos bens descritos a fls.5 (imóveis situados em ..., ..., ..., ...; na Travessa..., ..., ...; na Rua..., ..., ..., ... e das quotas da sociedade LCFA Empreendimentos Unipessoal Lda., com o NIPC 513498176). São objeto da Acção Penal n.º ...86-...70..., em síntese, os seguintes factos, ocorridos a partir de 2008: - AA, no exercício do cargo de ... da P.…, foi responsável pela celebração do Protocolo de Intenções entre a P.… e a P.… referente à contratação e construção da nova sede da P.… na ..., denominada "...". - Esse imóvel pertencia à P.… e situa-se na Av...., ..., .... - Foi durante a sua gestão como ... da P.… que foi celebrado o contrato de construção da ... com a .... - No decurso dessa obra foram efetuados pagamentos indevidos nos contratos formalizados pela P.… com as empreiteiras O.… e OD.... - A P.… ficou responsável pela realização da obra com a participação da P.… em todas as fases e, no final, comprometeu-se a locar o imóvel por 30 anos (locação atípica "buzit to suit'), sendo o preço do arrendamento fixado com base no valor do investimento total realizado pela P.… com as obras. - BB passou a exercer o cargo de ... e de ..., tendo celebrado o T.… com a P... (no qual foram estabelecidas as condições básicas para o contrato atípico de locação ("built to suit') e o Contrato de Construção com a Sociedade de Propósitos Específicos, constituída pelas empreiteiras O.… e OD... para a realização da referida obra. - BB sucedeu, igualmente, a AA na .... - Pela adjudicação e celebração de tais contratos e por toda a sua atuação nesse projeto, AA recebeu indevidamente elevadas somas pecuniárias. - Nomeadamente, a empreiteira O.… realizou a seu favor um pagamento de R$2.907.560,00 em dinheiro e US$1.852.000,00 (R$3.620.660,00) através de oito transferências bancárias com origem nas sociedades offshore P.... e W... Limited AD (utilizadas pela O.…) para conta titulada pela sociedade offshore O... INC, controlada por AA, tendo essa conta sido aberta logo após a construção da obra .... - Em 21 de julho de 2017 a conta da O.… tinha um saldo remanescente de US$5.608.617,34 (€5.143.495,00) mas, entre dezembro de 2011 e setembro de 2014 recebera depósitos no total de US$11.463.721,00 (€10.513.035,00) e €190.220, 13. - Dessa conta foi realizada transferência no valor de US$6.500.126,80 para conta titulada por AA no ..., no ... (€5.961.072,00). - Esse valor foi utilizado, designadamente, para pagamento da aquisição de dois imóveis por AA em Portugal (um deles situado em ..., ..., ..., ... e outro na Travessa..., ..., ..., respetivamente, pelo preço de €1.600.000,00 e de €345.000,00). Nesses autos, AA encontra-se acusado da prática dos seguintes crimes previstos: - No art. 4° e 5° da Lei n.º 7.492 de 16 de junho de 1986 (Gerir Fraudulentamente Instituição Financeira/ Apropriar-se de dinheiro, valor ou bem móvel que tem a posse ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio) e punido com pena de prisão de 3 a 12/ 2 a 6 anos; - No art. 1 ° da Lei 9.613 de 3 de março de 1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro) e punido com pena de prisão de 3 a 10 anos. - Na Lei n.º 12.850 de 2 de agosto de 2013 e punido com pena superior a 8 anos. Tais ilícitos encontram-se previstos na ordem jurídica portuguesa nos tipos legais dos arts. 235° (administração danosa), 217° e 218° (burla), 367° (participação económica em negócio), 375° (peculato), 266° (associação criminosa) e 368°A (branqueamento) do Código Penal. No mesmo processo, no âmbito da Medida Assecuratória de Arresto e Sequestro n.º ...06-...70... do Juízo da 13a Vara..., ..., Brasil, foi judicialmente decidido que AA é responsável pela reparação mínima de danos no valor de R$151.030.439,94 e por pena de multa no valor de R$5 milhões, num total (arredondado nessa sentença) de R$156 milhões (€27.315.600,00) - ifr. f1s.14 verso. Nos mesmos autos, por se ter considerado estarem verificados os requisitos fummus commissi delicti e periculum in mora e para garantia da plena efetividade da perda de bens de origem ilícita, na inexistência ou não localização desses bens ou por se encontrarem no exterior, bem como para reparação do dano e pagamento de demais sanções pecuniárias eventualmente impostas nessa ação penal, foi judicialmente decretado o sequestro de bens localizados no exterior do Brasil, no valor de R$ 156 milhões (€27.315.600,00), designadamente os descritos a fls.15. Efetivamente, em 8.07.2015, quando a investigação criminal no âmbito da Operação ... já se encontrava em estado avançado, AA apresentou à ... declaração definitiva de saída do país. Além deste, corre contra AA no Brasil, a Ação Penal n.º ...86-...70... (ifr. fls.13 e 14), na qual se encontra acusado pela prática de crimes de administração danosa relativamente à P.…, no âmbito dos quais essa entidade sofreu um prejuízo patrimonial no valor de R$19 milhões (€3.296.041,53) e R$17 milhões (€2.949.090,00). Correm, igualmente, contra o mesmo as Ações Penais n.º ……31-91…. (cfr. fls.612 a 615 e 755 a 767) e n.º ……42-26….. (cfr. fls.728 a 754), ambas relacionadas com gestão fraudulenta da P.…, tendo, pelo menos no âmbito da primeira, sido judicialmente decretado o congelamento do seu património e da sociedade LCF A. No dia 14 de agosto de 2020, foi remetido aos autos pelas Autoridades Judiciárias Brasileiras pedido complementar do qual constava decisão judicial do Juiz Brasileiro, datada de 24.07.2020, proferida na Ação de Sequestro e de Medidas Assecuratórias n.º 502………, na qual se determinava o sequestro dos bens pertencentes a CC, DD, S.… e R.… em Portugal e no âmbito da qual o MPF requeria o sequestro dos bens móveis, imóveis e activos mantidos formalmente em nome destes. Desde logo há que frisar que, ao contrário do pretendido pelos recorrentes, não houve aqui qualquer derivação para uma acção-penal da iniciativa do Mº Pº português, na qual se imputa aos aqui Recorrentes a prática do crime de Branqueamento de Capitais5. Houve sim dois pedidos de diligências, um inicial e complementar, no quadro da cooperação internacional, mediante e no âmbito da mesma carta rogatória. Como bem se diz na douta resposta, os pedidos de cooperação judiciária internacional remetidos pelas Autoridades Judiciárias Brasileiras foram, ambos, formulados com base na Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da CPLP, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 46/2008 de 12 de Setembro. Nos termos do disposto no art. 4°, n.º 1 da Convenção CPLP, o pedido de auxílio é cumprido em conformidade com o direito do estado requerido, ou seja, de Portugal Assim, compete à autoridade rogada no âmbito do seu direito interno, dar cumprimento ao solicitado da melhor forma e optando pelos institutos e medidas que melhor se adaptem ao pretendido. Com tal objetivo, foi determinada a apreensão de bens móveis, imóveis e participações sociais (medida que não é objeto do presente recurso) e o congelamento de ativos financeiros6, nos termos do disposto no art.46°, n.º 6 da Lei n.º 83/2017 de 18 de agosto. Foi, igualmente, determinada a constituição como arguidos de AA, por se ter entendido que lhe deveria ser atribuído um tal estatuto de defesa, ao abrigo da lei portuguesa e nos temos do estipulado na Convenção CPLP. Não houve assim, ao contrário do pretendido pelos Recorrentes, qualquer "desdobramento" nos autos, apenas estando em causa o cumprimento de carta rogatória traduzido na realização das diligências solicitadas pelas Autoridades Judiciárias Brasileiras, no estrito cumprimento da Convenção CPLP e da lei portuguesa». Estamos, portanto, perante um despacho proferido por um Mº Juiz de Instrução Criminal, numa carta rogatória expedida pela Justiça brasileira, no âmbito de um processo penal que corre termos no Brasil e no qual o recorrente AA é arguido. Estatui-se no artº 432º, nº 1, al. b) do CPP que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça das “decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º”. E, nos termos do disposto no artº 400º, nº 1, al. c) do CPP, não é admissível recurso “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objeto do processo”. A razão de ser deste preceito, como explica Pereira Madeira [1], “prende-se, seguramente, com a necessidade de preservar o tribunal superior da intervenção em questões menores”, sendo certo que “conhecer do processo”, que, em processo penal, é balizado pela acusação e ou pronúncia e a pertinente defesa, é afinal, conhecer do mérito ou fundo da causa, enfim da viabilidade da acusação, com o inevitável desfecho de condenação ou absolvição do arguido, conforme o caso”. Como é sabido, a actual redacção da al. c) do nº 1 do artº 400º do CPP foi introduzida pela Lei 48/2007, de 29/8. Na exposição de motivos da Proposta de Lei 109/X, que está na origem desse diploma, a intenção de reservar o recurso para o STJ às situações de maior relevância é evidente: “Para restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal, substitui-se, no artigo 400.º, a previsão de limites máximos superiores a 5 e 8 anos de prisão por uma referência a penas concretas com essas medidas. Prescreve-se ainda que quando a Relação, em recurso, não conhecer a final do objecto do processo, não cabe recurso para o Supremo”. E daí que acertado se mostre o entendimento expresso, a este propósito, por Paulo Pinto de Albuquerque [2]: “a intenção da Lei nº 48/2007 foi a de alargar a irrecorribilidade a todos os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que ponham termo à causa, mas não conheçam do objecto do processo, o que o artigo 400º, nº 1, al. c), na redacção de 1998, não incluía”. E, portanto [3], “não admitem recurso os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que não conhecem, a final, do objecto do processo, isto é, que não julgam o mérito da causa (artigos 97º, nº 1, al. a), por remissão do artigo 419º, nº 3, al. b)”. Na realidade, foi intenção inequívoca do legislador, reforçada na revisão de 2007, impedir o segundo grau de recurso, terceiro de jurisdição, estando em causa acórdãos da Relação que não ponham termo à causa [4]. E, como se refere no Ac. STJ de 22/4/2015, Proc. 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1, rel. Cons. João Silva Miguel [5], “1. O objecto do processo é o objecto da acusação, no sentido de que é esta que fixa os limites da actividade cognitiva e decisória do tribunal, ou, noutros termos, o thema probandum e o thema decidendum, não podendo a actividade do tribunal penal, consubstanciada na investigação e prova de determinados factos sair fora dos limites traçados por aquela; 2. Decisão que não conheça do objecto do processo, é toda a decisão interlocutória, bem com a não interlocutória que não conheça do mérito da causa”. Ora, o acórdão recorrido, que apreciou e decidiu o recurso interposto de um despacho proferido pelo Mº JIC do TCIC, que determinou a aplicação da medida de congelamento de activos financeiros, não conheceu, seguramente e a final, do objecto do processo que, aliás, corre seus termos nos tribunais da República Federativa do Brasil. E porque assim é assegurado que se mostra o direito ao recurso, com aquele que foi interposto para o Tribunal da Relação ..., resta dizer que do acórdão proferido por este último tribunal não é admissível recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, por força do estatuído no artº 400º, nº 1, al. c) do CPP. E o entendimento assim seguido, diga-se, não infringe qualquer preceito constitucional, como já se decidiu, por exemplo, no Ac. TC nº 950/2004, de 26/1/2005 [6], onde se transpôs para os casos de inadmissibilidade de recurso a que se reporta a al. c) do nº 1 do artº 400º, o raciocínio expendido no Ac. TC nº 49/2003 [7], a propósito da al. e) do mesmo preceito: «[...] Se o direito ao recurso em processo penal não for entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição, sendo antes perspectivado como uma faculdade de recorrer – sempre e em qualquer caso – da primeira decisão condenatória, ainda que proferida em recurso, deveria haver recurso do acórdão condenatório do STJ, na sequência de recurso interposto de decisão da Relação que confirmasse a absolvição da 1ª instância. O que ninguém aceitará. A verdade é que, estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao STJ, evitando a sua eventual paralisação [...]. Não se pode, assim, considerar infringido o nº 1 do artigo 32º da Constituição [...] já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas» [8] (subl. nosso). Resta dizer que a decisão de admissão do recurso proferida no tribunal recorrido não vincula o tribunal superior – artº 414º, nº 3 do CPP. IV. Por tudo quanto exposto fica e em conclusão, acordam os Juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso interposto por AA e LCFA – Empreendimentos Unipessoal Ldª, por inadmissível – artº 400º, nº 1, al. c) do CPP – condenando os recorrentes nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC´s, bem como no pagamento de uma importância igual a 3 UC’s, nos termos do artº 420º, nº 3 do CPP. Lisboa, 19 de Janeiro de 2022 (processado e revisto pelo relator) Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator) Ana Brito (Juíza Conselheira adjunta) _______ [1] Código de Processo Penal comentado, 3ª ed. revista, p. 1228. |