Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
418/19.5T8FLG.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE GRUPO
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE COMUNICAÇÃO
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
OPONIBILIDADE
SEGURADORA
BANCO
TOMADOR
REPRESENTANTE
ÓNUS DA PROVA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
PRÉMIO DE SEGURO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
VALOR DA CAUSA
Data do Acordão: 02/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Não é admissível recurso de revista de um acórdão da Relação cujo objecto é a apreciação da arguição de nulidade de um anterior acórdão da Relação.

II. As “nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º” (al. b) do n.º 1 do artigo 674.º do Código de Processo Civil) podem ser invocadas como fundamento de um recurso de revista que seja admissível.

III. Não é fundamento de nulidade por excesso de pronúncia o conhecimento, pela Relação, de um recurso de apelação, admitido em 1ª instância, cuja inadmissibilidade não foi sustentada pelo então recorrido, nem nas contra-alegações de recurso, nem em qualquer outro acto anterior à emissão do acórdão da Relação que o apreciou.

IV. A apensação de processos não termina com a individualidade das acções apensadas, nomeadamente para efeitos do valor de cada uma e, portanto, da recorribilidade das decisões proferidas quanto aos pedidos respectivos.

V. Resultava do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, aqui aplicável, que a obrigação de informação das cláusulas de exclusão de riscos ao segurado que aderia a um contrato de seguro de grupo contributivo incumbia ao tomador do seguro, cabendo-lhe igualmente o ónus da prova “de ter fornecido estas informações” (nº 2); à seguradora competia elaborar “um espécimen” de acordo com o qual o tomador do seguro devia cumprir a obrigação de informar, bem como “facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato” (nº 1 e nº 5).

VI. A imposição do dever de informação ao tomador do seguro, por um lado, está de acordo com a configuração do contrato de seguro de grupo e, por outro, impede o tratamento do Banco-tomador do seguro como um representante ou intermediário da seguradora.

VII. Não criando a lei nenhuma responsabilidade objectiva da seguradora pelo incumprimento do Banco tomador do seguro, tal incumprimento não lhe é oponível, não implicando portanto a eliminação das cláusulas de exclusão de riscos.

VIII. Isto não significa, todavia, nem que esse incumprimento seja desprovido de sanção – o Banco é responsável pelos prejuízos que causar ao segurado, como hoje se diz expressamente no artigo 79º do Decreto-Lei nº 72/2008 –, nem que o segurado não possa demandar o Banco para o responsabilizar, ou para discutir a violação de qualquer outra regra.

IX. Essa responsabilização do Banco, todavia, exige que o Banco seja demandado e que contra ele seja formulado um pedido

X. Não tendo sido demandada a instituição de crédito tomadora do seguro, não pode ser imputada à seguradora – nem ser-lhe oposta – a violação do dever de comunicação.

XI. De qualquer modo, o artigo 4º do Decreto-Lei nº 176/95 já dispunha, como sanção, que “Nos seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.° 1 [dever de informação] implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação”.

XII. O regime especificamente previsto pelo Decreto-Lei nº 176/95 para o contrato de seguro afasta a aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, definido genericamente pelo Decreto-Lei nº 446/85, no que é incompatível com aquele. Assim sucede quanto à definição dos sujeitos do dever de informação e quanto à consequência do respectivo incumprimento.

XIII. A exclusão do contrato das cláusulas relativamente às quais não foi cumprido o dever de informação, em aplicação do regime definido pelas als. a) e b) do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, para além de não se mostrar conforme com a configuração do contrato de seguro de grupo, não é a que resulta do disposto no artigo 4.º Decreto-Lei n.º 176/95, que prevê uma consequência diversa da exclusão das cláusulas não comunicadas – a imposição ao tomador da “obrigação de suportar a parte do prémio correspondente ao segurado” (n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95).

XIV. Se é exacto que esta protecção, por si só, é menos eficaz do que seria a manutenção do contrato, sendo eliminada a cláusula de exclusão, da sua conjugação com as regras gerais da responsabilidade civil resulta um grau equivalente de protecção.

Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA instaurou uma acção contra Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S.A. pedindo a sua condenação:

“a) A reconhecer que a A. efectuou o pagamento das prestações relativas ao contrato de crédito desde a data da morte do mutuário, BB.

b) A reembolsar a A. da quantia relativa às prestações que a mesma pagou junto do Banco Santander após o mês Julho de 2017, no valor de 5.228,53€, acrescida de todos os montantes que a mesma pague ao Banco Santander em virtude do contrato de crédito n.º …..96, que se vençam e sejam pagas até trânsito em julgado da decisão a proferir, acrescida dos juros à taxa legal de 4%, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

c) A liquidar junto do Banco Santander o valor do contrato de crédito n.º ……96, valor que à data ascende ao montante de 40.691,31€, ou o valor que estiver em dívida à data dessa liquidação em virtude do pagamento das prestações a A, efectuar.

d) Na sanção pecuniária compulsória a que alude o n.º 2 do art. 365.º do CPC, que não deverá ser inferior a 100,00€ por cada dia de incumprimento da decisão que vier a ser proferida na presente acção – art. 829.º-A do Código Civil”.

Para o efeito, e em síntese, alegou ser filha e única herdeira de BB, que tinha celebrado um contrato de mútuo garantido por hipoteca, no valor de € 65.000,00, com o Banco Santander e ainda por um seguro do ramo vida, titulado pela apólice n.º …57, seguro de grupo “cujas cláusulas haviam sido previamente estabelecidas entre a Ré e o Banco pois tratava-se de um plano de protecção financeira do crédito à habitação e por este imposto ao falecido (…)” e ao qual o seu pai aderira.

Disse ainda que, após a morte do pai, continuara a pagar as prestações do mútuo, em montante que, à data da propositura da acção, ascendia a € 5.228,01; data na qual se encontravam em dívida € 40.691,31 da quantia mutuada. Mas que a ré, apesar de instada a reembolsar a autora das prestações pagas após a morte do pai e a pagar ao Banco “o valor do empréstimo”, nada fez, não tendo sequer enviado à autora o contrato de seguro, tal como não o havia enviado a seu pai.

A ré contestou. Impugnou vários factos alegados pela autora e reconheceu a existência do contrato de seguro, cujo beneficiário era o Banco, e que “tinha como coberturas a Morte e Invalidez Absoluta e Definitiva”. Alegou, todavia, que, tendo o segurado falecido “de Disfunção Hepática no contexto de cirrose hepática alcoólica”, o sinistro se encontrava excluído do âmbito de cobertura do seguro, pelas condições especiais do contrato; que, quando o seguro foi subscrito, “o falecido pai da A. foi devidamente informado e esclarecido do conteúdo das cláusulas contratuais em causa”, como aliás declarou “na proposta de adesão que subscreveu”; que lhe enviou, então, “o certificado individual e as condições gerais e especiais do contrato”; que lhe explicou, também na altura da subscrição do seguro, as cláusulas contratuais e que nunca lhe foi solicitado qualquer esclarecimento.

A Autora veio responder à contestação. Por entre o mais, sustentou que estava em causa um contrato de adesão e que “uma declaração de saúde inserta num contrato de seguro de vida pode ser entendida como uma cláusula contratual geral, sendo que cabia à Ré a explicação de todos os conceitos naquela constantes, o que não aconteceu”; que recaía sobre a Ré o ónus da prova quanto à comunicação e explicação prévias da referida cláusula ao mutuário; que o seu pai “desconhecia qualquer cláusula limitativa do pagamento do capital seguro em caso de morte” e que a cláusula correspondente se deve ter como excluída do contrato de seguro.

A fls. 116, a ré requereu a apensação do processo n.º 419/19… .

A apensação foi deferida, pelo despacho de fls. 120, uma vez que os processos decorriam entre as mesmas partes, os pedidos dependiam essencialmente da apreciação dos mesmos factos – salvo quanto aos contratos de mútuo, respeitando o processo n.º 419/19…. a um crédito ao consumo –, as contestações eram semelhantes e a prova testemunhal requerida era comum.

No processo n.º 419/19 …., a autora pedira a condenação da ré

“a) A reconhecer que a A. efectuou o pagamento de todas as prestações relativas ao contrato de crédito ao consumo n.º …..96 desde a data da morte do mutuário, BB.

b)  A reembolsar a A. da quantia relativa às prestações que a mesma pagou junto do Banco Santander após o mês Julho de 2017 até ao mês de Janeiro de 2019, no valor de 2.827,65€, acrescida dos juros à taxa legal de 4%, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

d) Na sanção pecuniária compulsória a que alude o n.º 2 do art. 365.º do CPC, que não deverá ser inferior a 50,00€ por cada dia de incumprimento da decisão que vier a ser proferida na presente acção – art. 829.º-A do Código Civil”.

A ré contestara, impugnando alguns factos, reconhecendo a celebração do contrato de seguro de vida respeitante ao crédito ao consumo e alegando também a exclusão da morte do mutuário/segurado do âmbito de cobertura do seguro, pela mesma razão de ter resultado de “doença resultante do consumo excessivo de álcool”. Alegara também que, quando subscreveu o seguro, o pai da autora “foi devidamente informado e esclarecido do conteúdo das cláusulas contratuais em causa”, como aliás declarou na proposta de adesão que subscreveu. Dissera ainda ter-lhe enviado oportunamente” o certificado individual e as condições gerais e especiais do contrato” e nunca lhe ter sido solicitado qualquer esclarecimento.

A autora respondera à contestação, em termos semelhantes à resposta oferecida na acção n.º 418/19… .

2. A acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença de fls. 133. Em síntese, o tribunal considerou que “o ónus da prova relativamente à comunicação impende sobre a seguradora, alegada que esteja a violação dessa mesma comunicação, nos termos do disposto no artigo 342.º do Código Civil (ver, entres outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/09/2017, processo 580/13.0TNLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt); que, não havendo prova de essa comunicação ter sido feita, nem de as cláusulas a que o mutuário se limitou a aderir lhe terem sido explicadas, considera-se que não foram, nem comunicadas, nem explicadas, devendo ter-se por eliminadas dos contratos as cláusulas de exclusão do âmbito do seguro da morte causada por doença resultante do consumo excessivo de álcool; que o dever de comunicação e de informação recai sobre o Banco e sobre a Seguradora: “cada interveniente contratual está obrigado a cumprir os deveres que especificamente lhe incumbam  e que (…), por força da própria materialização dos contratos em apreço, se situam em momentos temporais distintos. (…) aquando da formalização da proposta de adesão, é ao tomador” que cabe, e não “pode ser assacada a responsabilidade pelo incumprimento” desse dever à seguradora.

No caso dos autos, “(…) temos que resultou como provado que a Ré não explicou todos os conceitos constantes das apólices e que não foi prestado ao pai da Autora, por parte da Ré ou do Banco, qualquer esclarecimento relativamente à circunstância de que a eventual morte resultante de doença eventualmente provocada pelo consumo excessivo de álcool excluiria a Seguradora do dever de pagamento das quantias mutuadas e contidas no risco assumido aquando da celebração do contrato de seguro. Por outro lado, resultou como não provado que o falecido (…) tivesse pleno e efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e que as mesmas lhe tenham sido explicadas”.

Assim, a 1ª instância (1) declarou “que a Autora efectuou o pagamento das prestações relativas ao contrato de crédito hipotecário n.º …...96, desde a data da morte do mutuário (…) e até Fevereiro de 2019, condenando a Ré a reconhecê-lo;” (2) “que a Autora efectuou o pagamento das prestações relativas ao contrato de crédito ao consumo n.º …...96. desde a morte do mutuário (…) e até liquidação daquele, condenando a Ré a reconhecê-lo;” (3) condenou “a Ré a reembolsar a Autora das quantias relativas às prestações  que a mesma pagou junto do Banco Santander após o mês Julho de 2017, na quantia que vier a ser liquidada, acrescida de todos os montantes que a mesma pague ao Banco Santander em virtude do contrato de crédito n.º ……96, que se vençam e sejam pagas até trânsito em julgado da decisão a proferir, acrescida dos juros à taxa legal de 4%, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento”, (4)“a liquidar o montante em dívida relativo ao contrato de crédito n.º …...96.” e a (5) “reembolsar a Autora das quantias relativas às prestações que a mesma pagou junto do Banco Santander após o mês Julho de 2017 e até liquidação do contrato de crédito ao consumo n.º .…..96, na quantia que vier a ser liquidada”

Quanto ao mais, a ré foi absolvida.

Esta sentença foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação …. de 28 de Abril de 2020, de fls. 169, que julgou a acção improcedente, quanto aos dois contratos de seguro:

“Estamos nestes dois casos perante situações que envolvem uma relação tripartida entre o segurado (aqui o pai da autora), a instituição bancária e a entidade seguradora.

Sucede que a factualidade assente nos remete para a figura do contrato de seguro de grupo (…)”

Analisando a estrutura do contrato de seguro de grupo, o Tribunal da Relação …. entendeu, no essencial, que “11. (…) a circunstância de, por omissão dos deveres de esclarecimento e informação, imputável exclusivamente ao banco/tomador de seguro, que não é demandado na presente lide, ter ocorrido um vício na formação do contrato subscrito pelo aderente não é este suscetível de se repercutir na esfera jurídica da seguradora, levando a alterar aquela relação base, decorrente da contratação entre seguradora e tomador de seguro, em termos de ter de ser por aquela entidade assumido um risco acrescido, não contemplado nas cláusulas inseridas naquele contrato fundamental.

Ao cabo e ao resto, foi o Banco, como tomador de seguro, que não se mostrou diligente tendo, como atrás exposto, incumprido deveres que legalmente lhe eram impostos e cuja violação se perfila como fundamento para a sua responsabilização conforme flui do art. 79º do RJCS.

12. Assim, há que censurar a estratégia processual, a nosso ver menos acertada, seguida pela autora que podendo ter demandado o Banco não o fez, nem suscitou a sua intervenção nos autos, de tal forma que, pese embora tenha havido, face à factualidade assente, incumprimento por este do dever de esclarecimento e informação, não pode a ré/seguradora ser responsabilizada pelo mesmo, uma vez que o ilícito não foi por si cometido.”


3. A fls. 180, a autora veio arguir a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação …. de 28 de Abril de 2020, por ter conhecido do recurso de apelação “no que toca à sentença relativa ao apenso A (correspondente à acção 41919…… – com o valor de 2.827,65€) (…) uma vez que quanto àquele apenso, o recurso deveria ter sido rejeitado pelo Tribunal da Relação, uma vez que o valor da acção (2.827,65) tornou irrecorrível a decisão proferida pela 1.ª Instância. Ao admitir o recurso deste apenso praticou um acto que a lei não admite, omitiu também a sua obrigação de fiscalização do despacho de admissão do recurso em 1.ª Instância e nessa medida praticou um acto processual que a lei não admtiu  e, portanto, nulo. Tanto mais que influenciou a decisão da causa”.

A ré contrapôs não se tratar de nulidade, não ter a autora reagido, reclamando do despacho de admissão do recurso ou suscitando a irrecorribilidade nas contra-alegações, e não deverem ser separadas as acções apensadas.

Pelo acórdão de 14 de Julho de 2020, de fls. 199, o Tribunal da Relação …. indeferiu a arguição de nulidade: “Ao cabo e ao resto, o que a autora pretende, por via de arguição de nulidade, é que o Tribunal da Relação …, depois de ter apreciado o recurso de apelação interposto pela Ré tanto no que concerne ao proc. n.º 418/19…. como ao proc. 419/19……, apenso, decida agora pela inadmissibilidade do recurso no que toca a este segundo processo, ficando a subsistir a sentença proferida pela 1.ª Instância.

E esta situação, salvo melhor entendimento, não cabe em nenhuma das hipóteses previstas nos arts. 613º a 617º do Cód. de Proc. Civil em que o tribunal, apesar do esgotamento do poder jurisdicional, se pode pronunciar sobre o acórdão já proferido, revendo-o”.

4. A Autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação ….. de 28 de Abril de 2020, de fls. 169. Nas alegações que apresentou, formulou as conclusões seguintes:

«A. A A. AA (enquanto herdeira do falecido BB) intentou duas ações declarativas de condenação contra a ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S.A.”: Uma relativa ao contrato de crédito hipotecário nº …..96, a que aderiu o falecido BB – ação com o valor de 45.919,84 €; E outra relativa ao contrato de crédito ao consumo nº …..96, a que aderiu o falecido BB – ação com o valor de 2.827,65 € – as quais foram apensadas.

B. Apesar da unificação da tramitação, as ações mantêm a sua autonomia para os demais efeitos, designadamente no que tange à determinação em cada uma do seu valor, fixado nos despachos saneadores proferidos em cada processo em separado.

C. Pelo que, nos termos dos artigos 227.º e 629.º, ambos do CPC, a decisão proferida quanto ao apenso A (correspondente à ação 419/19…. – com o valor de 2.827,65€ relativo ao crédito ao consumo) era irrecorrível, não podendo ser o recurso admitido, sob pena de rejeição, o que não aconteceu, tendo sido conhecido e apreciado pelo Tribunal da Relação, que proferiu acórdão que absolve a Ré, o que fere de nulidade o acórdão do TR….. naquela parte, devendo a decisão proferida ser alterada em virtude da supra referida nulidade invocada e deve manter-se a sentença proferida pela 1.ª Instância, com as demais consequências legais.

Por outro lado,

D. Quanto à interpretação do contrato de seguro de vida grupo e contrato de seguro de vida individual, normas aplicáveis, interpretação quanto ao dever de informação e esclarecimento, a Autora/Recorrente não se conforma com a interpretação levada a cabo pelo TR…...

E. O contrato foi celebrado sem possibilidade de negociação por parte do aderente, sendo-lhe, por isso, aplicável o regime legal que vigorava antes da entrada em vigor da Lei 72/2008, de 16 de abril, ou seja, o DL 176/95, de 26 de julho, por força da parte final do n.º 1 do artigo 3º, daquele diploma.

F. O contrato de seguro de grupo apresenta-se com uma particular estruturação: Num primeiro momento (fase estática), o contrato é celebrado entre a seguradora e o tomador do seguro, que estabelecem entre si as condições de inclusão no grupo e as condições de seguro para os aderentes, em que assumem especial relevo as coberturas dos riscos; num segundo momento (fase dinâmica), o tomador de seguro promove a adesão ao contrato junto dos membros do grupo (que não têm forma de negociar ou escolher a forma de contratar).

G. Com a adesão, constitui-se uma relação trilateral entre a seguradora, o tomador do seguro e o aderente. O contrato deixa de regular exclusivamente os interesses do tomador e da seguradora e passa também a regular os interesses do segurado (aderente) de acordo com as cláusulas apostas no modelo proposto, sem que este último tenha possibilidade de as negociar ou escolher.

H. Sendo que, as relações entre os aderentes e a seguradora se encontram perante contrato de seguro de grupo (previamente negociado entre seguradora e banco) numa relação de dependência genética e funcional.

I. O aderente não pode ser concebido, nestes casos, como um mero terceiro totalmente alheio à relação contratual entre as partes do contrato de seguro, como resulta, aliás, de várias considerações: em primeiro lugar, porque das próprias declarações desses terceiros é que resultará o complexo de riscos assumidos pelo segurador, já que são eles as pessoas seguras; em segundo lugar, porquanto a própria atuação do segurador desempenha um papel relevante na formação do vínculo entre o tomador do seguro e o aderente, como resulta hoje muito claro do artigo 86.º da LCS (que, em todo o caso, só entrou em vigor a 1 de Setembro de 2009); e, finalmente, e sobretudo, do facto de que no seguro de grupo contributivo é o “terceiro” aderente quem assume o dever de pagar, no todo ou em parte, o prémio (a este respeito, ponto 13 dos factos provados – o falecido BB obrigou-se a pagar o seguro contratado com a Ré, o que sempre pagou).

J. E esta obrigação de pagamento, que seria, em princípio, a principal obrigação do tomador do seguro, é assumida, em casos como o vertente, pelo aderente, não porque o aderente vise pagar os prémios com animus donandi para o banco/tomador, mas porque, como o segurador bem sabe, embora a prestação do segurador tenha como destinatário formal a instituição de crédito, ela visa extinguir a dívida que ainda onerar o aderente no momento do sinistro, sendo pois este, ou também este, quem retira o benefício material ou económico da prestação – pelo que o terceiro aderente que paga os prémios terá assim o direito de exigir o cumprimento do contrato de seguro pelo segurador quando se verifique o sinistro.

K. Pelo que, a tutela do aderente consiste na imposição ao predisponente dos deveres de comunicação e informação previstos nos artigos 5º e 6º DL 446/85, de 25 de outubro, na direta decorrência do princípio da boa-fé contratual.

L. Acresce que, o artigo 8º, nas alíneas a) e b), considera excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º e as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação.

M. A prossecução deste objetivo implica necessariamente um reforço da proteção do aderente e não a sua diminuição, pelo que não podemos considerar o DL n.º 176/95 como uma lei especial que derroga o diploma que fixa o regime das cláusulas contratuais gerais, enquanto lei geral ou comum. Até porque não se pode considerar que o DL n.º 446/85 seja lei geral ou comum, sendo antes uma lei especial em relação ao regime comum dos contratos e que o derroga

N. Estaríamos, então, apenas perante duas leis especiais em relação ao regime geral dos contratos e cuja interpretação e aplicação deve ser harmonizada, sem que nenhuma delas afaste a outra

O. Dos factos provados consta que a Ré não explicou todos os conceitos constantes da apólice aludida em 7 dos factos provados e não foi prestado ao pai da A., por parte da Ré ou do Banco, esclarecimento relativamente à exclusão de responsabilidade da Ré em caso de morte por disfunção hepática no contexto de cirrose hepática alcoólica – cfr. ponto 20 e 21 dos factos provados e pontos 4, 5 e 6 dos factos não provados – pelo que tal exclusão deve considerar-se excluída do contrato, mantendo-se o mesmo válido

P. Ora, a presença, num contrato celebrado com recurso a cláusulas contratuais gerais, de dispositivos que não tenham sido devidamente comunicados ou informados não corresponde ao consenso real das partes: ninguém pode dar o seu assentimento ao que, de facto, não conheça ou não entenda.

Q. A obrigação que, nos termos primitivamente estabelecidos no artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95, de 26 de Julho, e ora constantes do artigo 78º, nº 1, do DL nº 72/2008, de 16 de Abril, impende sobre o tomador de informar «os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador», tem uma eficácia confinada às relações deste com o tomador, não valendo como uma transferência de tal dever, que desresponsabilize o segurador perante os segurados, impedindo estes de lhe oporem a exclusão de cláusula não informada.

R. Nessa medida, apesar de impender sobre o Banco, enquanto tomador de seguro, a obrigação geral de comunicação e explicação das cláusulas do contrato, essa obrigação não desonera a seguradora de cumprir a sua obrigação de comunicar e explicar as condições gerais do contrato de seguro de grupo ao aderente, uma vez que ela é a responsável primeira por essa comunicação no âmbito dos contratos de adesão, conforme decorre do artigo 5.° do Decreto-lei n.º 446/85.

S. Ora, se aos aderentes for oponível, pela seguradora, a omissão de informar violada pelo tomador do seguro (a entidade bancária), o contrato vale plenamente em relação aos aderentes, talqualmente tivesse sido concluído com respeito total por aquele nuclear dever, cujo incumprimento apenas poderia responsabilizar civilmente o tomador e beneficiário do seguro e não a seguradora em relação a quem o aderente está mais próximo contratualmente após a adesão, sendo que é à seguradora que o aderente paga o prémio por ela calculado, o que levaria a uma grande injustiça.

T. Não se pode esquecer que, tratando-se de uma relação negocial complexa, imposta pelo interesse contratual do banco mutuante e da seguradora que, normalmente lhe está associada em ostensiva sinergia económica, o aderente fica entre dois colossos: não tem, como consumidor, proteção eficaz perante as duríssimas consequências advenientes de lhe ser oponível a violação contratual perpetrada pelo tomador e beneficiário do seguro. E a sanção é desproporcionada para a violação do dever de informar o conteúdo contratual, mormente as cláusulas de exclusão, no confronto com as consequências da violação e os efeitos dela decorrentes para o proponente que, nos termos do art. 4º, nº 3, do DL. 176/95, apenas terá que suportar a parte dos prémios que corresponde ao segurado.

U. A posição jurídica do aderente que, não tendo sido informado das cláusulas de exclusão do seguro, se vê surpreendido pela atuação da seguradora que declina a responsabilidade assumida por via do contrato de seguro de grupo após a adesão, tem fraca proteção no direito que o aderente pode atuar contra o tomador do seguro se a indemnização que lhe puder exigir se reportar à reintegração, no seu património, do valor dos prémios que despendeu – indemnização pelo interesse contratual negativo – podendo não lhe ter servido de quase nada a proteção do seguro (…): como consumidor não se vislumbra onde a lei protege eficazmente o aderente, ou seja, se o banco mutuante, tomador do seguro, não deve ser considerado juridicamente agente, nem intermediário direto ou mediador da seguradora, muito embora exista uma ligação económica de grupo que, objetivamente faz do aderente “cliente simultâneo” do banco e da seguradora, esta circunstância evidencia que, em relação a estes sujeitos do contrato (trilateral), nenhum poder negocial detenha o segurado (o contrato principal não é de adesão entre o Banco e a Seguradora sendo apenas por eles negociado): a vinculação contratual fica acertada ao balcão do banco, sem liberdade de escolha em relação à entidade seguradora, em patente cerceamento da liberdade e autonomia negociais, que proteção pode ter o aderente.

V. Não se pode admitir que a falta de comunicação de uma cláusula, ou a não informação sobre o seu alcance, possa resultar na desresponsabilização da seguradora, pois não foi esta, certamente, a finalidade do legislador quando redigiu o artigo 4º, nº 2 do DL 176/95, pois, nessa hipótese, o investimento da confiança que o segurado realiza no momento em que celebra um contrato de seguro nunca teria a esperada contrapartida de quem recebe o prémio estabelecido para garantia do risco assumido no contrato, o que redundaria em flagrante injustiça.

W. Importa reafirmar que o segurado não tem qualquer interferência na determinação da entidade que deverá proceder a tais comunicações, tal determinação é feita pela seguradora e pelo tomador do seguro (que têm total liberdade para o fazer) e, portanto, é no âmbito das relações entre esses intervenientes que aquela circunstância deve operar em termos de responsabilizar o tomador do seguro (quando sobre ele recaia o dever de comunicação das cláusulas) pelos prejuízos que a seguradora venha a sofrer pelo facto de a cláusula em questão não poder operar por força da omissão daquele dever.

X. A falta de comunicação da cláusula de exclusão aos aderentes tem como efeito a sua eliminação do conteúdo contratual, nos termos do artigo 8º, alíneas a) e b) do DL 446/85, não podendo a seguradora prevalecer-se dessa falta para se eximir da sua responsabilidade de ressarcir pela ocorrência do risco sob cobertura, com fundamento no disposto no artigo 4º, nºs 1 a 3, do DL 176/95.

Y. E o facto de o Banco tomador não ter sido demandado nos autos é irrelevante para a decisão a proferir, uma vez que a responsabilidade de comunicação ou não do respetivo clausulado negocial ao aderente é matéria apenas a ser discutida nas relações internas entre a Seguradora e o próprio Banco, em sede autónoma, nunca podendo ser oposta pela seguradora ao aderente.

Z. Dispõe o n.° 3 do artigo 5° do DL n.º 446/85, de 25 de outubro que o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas gerais (ou seja, cabe às seguradoras).

AA. Tendo ficado provado (sob os pontos 19, 20 e 21 dos factos provados e pontos 4, 5 e 6 dos não provados) que nem a Ré seguradora, nem o Banco Santander cumpriu o aludido dever de comunicação e explicação da exclusão que a Ré invoca, deve considerar-se excluída do contrato a referida cláusula, no que toca à exclusão invocada (nos termos do artigo 8.º do DL n.º 446/85, de 25 de outubro).

BB. Pelo que, salvo devido respeito, ao proferir o acórdão que revogou a sentença da 1.ª instância, o Tribunal da Relação não fez correta aplicação dos artigos 267.º e 629.º do CPC, 9.º, 227.º e 334.º do CC, 78.º do DL 72/2008, de 16 de abril, 1.º e 4.º do DL 176/95, de 26 de julho, 5, 6 e 8 do DL 446/85, de 25 de outubro, porque levou a cabo uma interpretação que vai contra a génese de tais normas (que claramente impõem uma acrescida proteção ao aderente – proteção esta que o legislador não quis afastar e pela qual tem vindo a demonstrar grande preocupação, impondo assim às seguradoras o dever de comunicar, explicar e esclarecer a parte mais fraca – aderente, que não teve qualquer intervenção no contrato, não teve oportunidade de escolher ou influir na determinação das clausulas que lhe foram opostas). De facto, o legislador nunca quis afastar esse dever que impende sobre as seguradoras e, como tal, o acórdão proferido, ao referir que à Ré seguradora não pode ser oposta a violação dos deveres de informação e esclarecimento, vai contra o que legislador pretendeu quando redigiu o artigo 4º, nº 2 do DL 176/95, pois, nessa hipótese, o investimento da confiança que o segurado realiza no momento em que celebra um contrato de seguro nunca teria a esperada contrapartida de quem recebe o prémio estabelecido para garantia do risco assumido no contrato, o que redundaria em flagrante desproteção do aderente injustiça e desequilíbrio contratual das partes».

Em contra-alegações, a ré veio defender a confirmação do acórdão recorrido. Formulou estas conclusões:

«I. Pretende a ora Recorrente ver apreciada por este douto Tribunal a nulidade do Acórdão recorrido, por força da prática de um ato processual, alegadamente inadmissível, pugnando pela manutenção da sentença proferida em 1.ª Instância.

II. Contudo, salvo o devido respeito, que é muito, entende a ora Recorrida não lhe assistir qualquer razão, quer de ordem processual, quer de direito.

III. Ora, por um lado, tal questão não poderá ser apreciada por este douto Tribunal Superior em face de tal matéria não ter sido levada a apreciação do Tribunal da Relação.

IV. Ora, nos termos do artigo 671.º do Código de Processo Civil, os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça encontram-se limitados à matéria apreciada pela Relação.

V. E aí, somente se fixou, por ímpeto da ora Ré, que a questão a decidir se prendia em “Apurar se na presente ação intentada apenas contra a entidade seguradora, e não também contra o banco/tomador de seguro sobre quem impendia o dever de informar e esclarecer o segurado quanto ao conteúdo das cláusulas do contrato de seguro, pode ser oposta à seguradora a violação daqueles deveres de informação e esclarecimento.”.

VI. Não tendo constituído objeto de tal Recurso a nulidade anteriormente, e agora, nesta sede, arguida!

VII. Razão pela qual, não pode a ora Recorrente levar à apreciação deste douto Tribunal matéria não alegada e não conhecida pela Relação em momento anterior.

VIII. Por outro lado, em 1.12.2019 ambas as partes foram devidamente notificadas da sentença proferida nos autos, sendo que, em 13.01.2020, a ora Ré deu entrada das competentes Alegações de Recurso, onde pugnou pela alteração da decisão proferida por incorreta aplicação da Lei, nomeadamente no que respeito ao DL n.º 72/2008, de 16 de abril e à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

IX. Cingindo-se, nestes termos, o seu Recurso à alteração da matéria de Direito, sem qualquer alteração da matéria de facto.

X. Com efeito, em 17.02.2020 a ora Autora apresentou as suas contra-alegações, nas quais não fez qualquer referência à eventual inadmissibilidade do recurso no que ao apenso A diz respeito.

XI. Pelo que, não pugnou pela não admissão das alegações apresentadas.

II. Veio a ser proferido, em 19.02.2020, despacho de admissão do recurso apresentado pela ora Ré, o qual foi notificado às partes em 20.02.2020.

XIII. E, mais uma vez, não houve pronúncia da ora Autora, não tendo apresentado reclamação ao referido despacho de admissão.

XIV. Na verdade, a ora Autora, devidamente notificada do despacho, nada fez!

XV. Contudo, a ora Recorrente, após notificação do 1.º Acórdão proferido nos autos, veio invocar a sua nulidade, nos termos do artigo 666.º do Código de Processo Civil, requerendo, a final, que a decisão proferida fosse alterada em virtude de tal desvalor.

XVI. E, nesse sentido, por Acórdão notificado às partes em 15.07.2020, entendeu-se ser de indeferir o pedido de arguição de nulidade apresentado relativamente ao Acórdão proferido em 28.04.2020, e do qual agora se recorre.

XVII. Pelo que, a matéria alegada, quanto à nulidade do acórdão em virtude da inoperância da apensação de processos, transitou em julgado, não podendo nesta sede ser reapreciada.

XVIII. Acresce que, os processos apensados conservam a sua autonomia apenas naquilo que lhes é peculiar, isto é, que não pode ou não convém requerer ou decidir no processo principal, para evitar prejuízo na tramitação processual dos restantes e sempre segundo os critérios de conveniência e/ou de oportunidade a decidir pelo Juiz do processo.

XIX. Desta forma, e com este alcance, os processos apensados conservam a sua individualidade, que permite, v.g. a confissão, transação ou desistência relativamente a qualquer deles ou a sua desapensarão, se e quando for oportuna, além da prática de qualquer ato processual que for específico do apenso, de forma a não perturbar a marcha processual do conjunto para a decisão final.

XX. Claro que esta autonomia não pode ser interpretada ao ponto de equiparar a individualidade de cada um dos processos apensados à dos processos em que não ocorreu tal situação, pela simples razão de que, se assim fosse, a apensação processual – legalmente prevista – redundaria num ato puramente inútil e por isso proibido por lei – artigo 137º do Código de Processo Civil.

XXI. A apensação de ações não é uma mera junção material de processos, mas um ato jurídico e jurisdicional, isto é, produtor de efeitos jurídicos e proferido por um Tribunal, com estrutura e objetivos legalmente traçados, constituindo o conjunto resultante (processo principal e apensos) uma unidade processual.

XXII. Isto tudo para dizer que, no caso dos autos, o recurso versou sobre uma única questão de Direito que, a proceder – como procedeu – sempre teria de abarcar toda a decisão proferida pela 1ª instância, não podendo individualizar-se para cada um dos apensos.

XXIII. Pelo que, entende a ora Recorrida que, ainda que as ações apensadas possam manter a sua autonomia e individualidade quanto a certos aspetos e questões adjetivas próprias, nenhum sentido faria, em termos de coerência e uniformidade de decisão, admitir a alteração da matéria de Direito proferida quanto a um dos apenso, sem o admitir quanto a outro, quando a questão é de Direito e é precisamente a mesma que se verifica em ambos os apensos.

XXIV. Pelo que, também nesta sequência e por estes fundamentos, não deverá a ora pretensão da ora Recorrente sufragar, o que, desde já, se alega, devendo o Acórdão recorrido manter-se imutável!

XXV. Mais, estando perante uma situação de seguro de grupo em que é invocada a existência de uma cláusula contratual geral, a sua não comunicação prévia e respetiva explicação do seu teor ao aderente, o ónus da prova relativamente a tal facto impende sobre o tomador do seguro, de acordo com a repartição do ónus da prova – artigo 4.° do Decreto-Lei 176/95, de 26.Julho, atual artigo 78.° do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril e pelo artigo 342.° do Código Civil.

XXVI. De facto, convém ter presente que o seguro é feito em benefício essencialmente do Tomador (o Banco é o beneficiário essencial) logo é absolutamente excessivo penalizar a seguradora pelo incumprimento praticado por quem, verdadeiramente, é o dono do negócio (o tomador).

XXVII. Assim se conclui que o Banco actua por si próprio, em seu próprio nome, no seu próprio interesse, por sua própria conta, como tomador de Seguro e beneficiário e é nessa qualidade que ele está obrigado a informar o segurado do teor das cláusulas contratuais.

XXVIII. Assim, não tendo a ora recorrida demandado a instituição de crédito tomadora do seguro, não pode ser oposta à seguradora demandada a violação do dever de comunicação e informação do conteúdo das cláusulas contratuais gerais.

XXIX. A Primeira daquelas características das cláusulas contratuais gerais permite distingui-las do contrato pré-formulado.

XXX. As cláusulas contratuais gerais excluem a liberdade de estipulação – mas não a liberdade de celebração.

XXXI. A ordem jurídica não podia, na verdade, ficar indiferente aos riscos e abusos que as cláusulas contratuais gerais encerram, atendendo à situação de precariedade e de vulnerabilidade em que colocam frequentemente os contraentes aderentes. Essa tutela desenvolve-se, não apenas ao nível do conteúdo do negócio concluído na base de cláusulas contratuais gerais, mas desde logo – compreensivelmente – no momento da formação do contrato.

XXXII. Para assegurar a protecção do aderente, a lei disponibiliza uma disciplina especial que faz depender a inserção das cláusulas contratuais gerais nos contratos singulares de um dever de comunicação aos aderentes dessas cláusulas e de um dever de informação sobre o seu alcance (artigos n.ºs 5 e 6 da LCCG).

XXXIII. Ora, e conforme supra se expôs, no caso em concreto, o dever de comunicação das cláusulas era do tomador do seguro – Banco,

XXXIV. A inobservância destes deveres é sancionada com a sua expurgação do contrato singular concreto de seguro celebrado, que, em princípio, subsistirá mediante o recurso às normas supletivas integradoras gerais (artigos n.ºs 8 e 9 da LCCG).

XXXV. O contrato, porém, não subsistirá se, apesar da aplicação das normas supletivas ou das regras de integração dos negócios jurídicos, se verificar uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais desse mesmo contrato ou um desequilíbrio nas prestações, gravemente atentatório da boa fé, hipótese em que o contrato se deve ter irrefragavelmente nulo (artigo 9.º, n.º 2 da LCCG).

XXXVI. A relação entre o risco a assumir pela companhia de seguros e o prémio a suportar pelo tomador configura precisamente uma das características principais do contrato de seguro: trata-se de um negócio jurídico bilateral, ma medida em que dele resultam obrigações recíprocas para ambas as partes contratantes.

XXXVII. Assim, mão obstante a clara tendência de se sacrificar a posição contratual das seguradoras, no pressuposto de que estas figuram, na verdade, como sendo o “lado mais forte” do contrato, na medida em que, em regra, encontram-se numa posição economicamente mais favorecida, não será admissível impor às seguradoras a aceitação ou o pagamento de todo e qualquer risco/prejuízo, ainda que não contratados, no pressuposto que estes possam ser inerentes à celebração de um contrato de seguro.

XXXVIII. Nesta medida, e ressalvando novamente o devido respeito, que é muito, a condenar-se a ora Recorrente [recorrida] no pagamento dos montantes indemnizatórios peticionados pela ora Recorrida [recorrente], considerando a exclusão em apreço nula, violar-se-ia, por completo, o equilíbrio contratual das partes.

XXXIX. Assim, e pelo que se acaba de referir, seria gravemente atentatório da boa fé e equilíbrio das prestações manter o contrato em questão com exclusão de cláusulas essenciais para a validade do mesmo.   

XL. Não podendo, por isso, ficar a cobertura do contrato de seguro, livremente escolhida, aquém daquilo que o autor podia de boa fé contar, tendo e consideração o objecto, a finalidade e a livre opção do acordo firmado.

XLI. Ou seja, ainda que possa considerar-se o segurado ‘a parte mais fraca’ na relação segurado/seguradora, não poderemos, sob a alçada de tal argumento, penalizar a seguradora por uma escolha que foi do segurado.

XLII. Face a tudo quanto antecede, e para efeitos do disposto no artigo 639.º do Código de Processo Civil, é entendimento da ora recorrente [recorrida] que o tribunal de primeira instância não fez uma correcta aplicação da lei, nomeadamente no que respeita ao Decreto-Lei n.º 72/2008 e à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, nos termos já supra expostos, devendo, por isso, ser alterada a decisão proferida e de que ora se recorre.”


5. A autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça também do acórdão do Tribunal da Relação ….. de 14 de Julho de 2020, de fls. 199. Os recursos foram admitidos (despacho de fls. 332).

Já no Supremo Tribunal de Justiça, foi proferido o seguinte despacho:

«1. AA veio recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação …… de 14 de Julho de 2020, de fls. 199, que indeferiu a arguição de nulidade do acórdão proferido em 28 de Abril de 2020, de fls. 169.

É todavia possível que esse recurso não seja admissível, uma vez que a decisão não se encontra abrangido pelo âmbito do recurso de revista – n.º 1 e n.º 2 do artigo 671.º do Código de Processo Civil.

As “nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º” (al. b) do n.º 1 do artigo 674.º do Código de Processo Civil) podem ser invocadas como fundamento de um recurso de revista que seja admissível, o que parece não ser o caso.

2. Para além disso, e não obstante o recurso de revista ter como objecto, além da questão prévia da nulidade do acórdão do Tribunal da Relação …… de 28 de Abril de 2020 e, como a recorrente escreve nas alegações,  “A questão a que se pretende ver decidida e que se coloca é a seguinte: Num contrato de seguro de grupo, contributivo, em que cabe ao tomador do seguro a obrigação de comunicar aos aderentes as cláusulas do contrato, não é oponível à seguradora o incumprimento dessa obrigação, para o efeito de se ter por excluída do contrato determinada cláusula?”, na conclusão D das mesmas alegações (“Quanto à interpretação do contrato de seguro de vida grupo e contrato de seguro de vida individual, normas aplicáveis, interpretação quanto ao dever de informação e esclarecimento, a Autora/Recorrente não se conforma com a interpretação levada a cabo pelo Tribunal da Relação ….”), a recorrente refere-se também ao contrato de seguro de vida relativo aocontrato de crédito ao consumo nº ……., a que aderiu o falecido BB – ação com o valor de 2.827,65 €”.

Admitindo que esta conclusão D signifique que também integra o objecto da revista a decisão que a Relação proferiu quanto ao seguro relacionado com o contrato de crédito ao consumo, é possível que o Supremo Tribunal de Justiça não possa conhecer do recurso quanto a essa decisão, uma vez que o valor da acção 419/09….., apensada ao processo 418/19…., não é superior à alçada da Relação – n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.

3. Assim, nos termos do disposto no artigo 655.º do Código de Processo Civil, aplicável à revista, por remissão do artigo 679.º, convidam-se as partes para se pronunciarem, querendo, sobre a eventualidade de o recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação …. de 14 de Julho de 2020 não ser admissível e de, quanto ao recurso interposto do acórdão de 28 de Abril de 2020, não ser possível conhecer do recurso da parte relativa ao contrato de seguro a que respeita a acção 419/09……, apensada ao processo 418/19…….

…., 21 de Dezembro de 2020»


Apenas respondeu a recorrente, pronunciando-se no sentido de ser admissível o recurso interposto do acórdão de 14 de Julho de 2020, de fls. 199, uma vez que “a violação de normas de direito processual é considerada fundamento do recurso de revista, nos termos do ar.. 674.º, n.º 1, al. b), do CPC". Sustenta ainda que o acórdão do Tribunal da Relação … é contrário “ao direito, à lei e atentatória dos mais elementares direitos e garantias da prossecução da justiça”, pois a Relação “não devia ter recebido o recurso no que respeita à acção 419/19…..”.


 Pelas razões indicadas no despacho acabado de transcrever, não se conhece do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação … de 14 de Julho de 2020.

 Acrescenta-se, todavia, que é exacto que o recurso de revista pode ter como fundamento a violação de regras processuais e, nomeadamente, “as nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º” als. b) e c) do n.º 1 do artigo 674.º do Código de Processo Civil.

 Com o abandono do sistema dualista de recursos (apelação/agravo em 1ª instância, revista/agravo em 2.ª instância) e a adopção de um sistema monista, desde a reforma dos recursos de 2007 (Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto), a violação de regras processuais passou a ser fundamento possível, quer da apelação, quer da revista.

 No entanto, para que a revista seja admissível é necessário que a decisão impugnada esteja abrangida pela definição das “decisões que comportam revista”, ou seja, pelo n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil; o que não sucede quando se pretende interpor recurso de um acórdão da Relação proferido sobre uma arguição de nulidade.

  Aliás, tendo sido interposto recurso do acórdão de 28 de Abril de 2020, a respectiva nulidade por excesso de pronúncia (por ter conhecido do recurso na parte respeitante ao crédito ao consumo n.º …..) foi invocada na revista, e será apreciada nesse âmbito.


  E também não se conhece do recurso interposto do acórdão de 28 de Abril de 2020, na parte respeitante ao crédito ao consumo n.º …..96 porque, como se disse no despacho transcrito, “o valor da acção 419/09….., apensada ao processo 418/19….., não é superior à alçada da Relação – n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil”.


6. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

«1. A Ré exerce a actividade seguradora, incluindo o ramo vida.

2. A Autora é filha e única herdeira de BB.

3. BB faleceu em 31 de Julho de 2017, no estado de divorciado de CC.

4. Tal facto foi participado à Ré.

5. Em Março de 2004, o falecido BB recorreu ao actual Banco Santander para efectuar um crédito hipotecário, ao qual foi atribuído o n.º …….96

6. Tendo-lhe sido concedido o capital de € 65.000,00.

7. Para garantia do capital mutuado, em caso de morte ou sinistro, foi celebrado contrato de seguro e emitida a apólice do ramo vida com o número …..01 (com o certificado n.º ……57).

8. A referida apólice n.º …..01 garantia, em caso de morte, o pagamento da quantia mutuada.

9. O contrato de seguro aludido em 7 teve como beneficiário o Banco.

10. […] o falecido BB aderiu ao seguro de vida grupo com a apólice n.º …01, cujas cláusulas haviam sido previamente estabelecidas entre a Ré e o Banco (pois tratava-se de um plano de protecção financeira do crédito à habitação).

11. A referida apólice teve início em 18 de Março de 2004.

12. Tal contrato insere-se no exercício da actividade profissional da Ré.

13. No âmbito do contrato de empréstimo celebrado com o actual Santander, o falecido BB obrigou-se a pagar o seguro contratado com a R., o que sempre pagou.

14. O empréstimo … seria pago em 360 meses, sendo que o falecido BB sempre pagou as prestações do referido empréstimo até à data da sua morte (ou seja, até 31/07/2017).

15. […] após a morte do mutuário, BB, a Autora (enquanto filha e herdeira) continuou a liquidar as prestações mensais até à presente data, tendo liquidado as mesmas desde o mês de Agosto (inclusive) de 2017 até ao mês de Fevereiro de 2019.

16. À data da entrada da presente acção encontrava-se em dívida o montante de €40.691,31.

17. A Ré, no momento da celebração do contrato de seguro, assumiu-se seguradora responsável pela cobertura dos valores em dívida em caso de morte do mutuário BB.

18. […] a Ré […] não reembolsou as prestações que a Autora tem vindo a pagar desde a morte do seu pai, bem como não liquidou o valor do empréstimo junto do Banco Santander.

19. […] aquando da celebração do seguro de vida aludido em 7 dos factos provados, a informação transmitida foi a de que o seguro subscrito garantia o pagamento do capital reclamado em caso de morte do mutuário.

20. A Ré não explicou todos os conceitos constantes da apólice aludida em 7 dos factos provados.

21. Não foi prestado ao pai da Autora, por parte da Ré ou do Banco, qualquer esclarecimento relativamente à exclusão da responsabilidade da Ré em caso de morte por disfunção hepática no contexto de cirrose hepática alcoólica.

22. […] a ré não solicitou ao pai da Autora qualquer documento clínico.

23. BB veio a falecer de Disfunção Hepática no contexto de cirrose hepática alcoólica.

24. A doença de que o falecido padecia e que conduziu à sua morte, teve origem no consumo excessivo de álcool.

25. A al. c) da cláusula 6.1 das condições especiais que regulam o contrato de seguro de vida aludido em 7 dos factos provados e contratado pelo falecido BB, tem o seguinte teor: “A Seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras caso o falecimento da pessoa segurada seja devido a acidentes ou doenças que sobrevenham à pessoa segura por consumo de bebidas alcoólicas ou uso de estupefacientes não prescritos medicamente.

26. Do boletim de adesão de seguro de vida aludido em 7, imediatamente antes da assinatura do pai da Autora, consta a seguinte afirmação: “Declaro que, previamente ao acto de preenchimento deste boletim, tomei perfeito conhecimento das Informações pré contratuais, através de espécimen que me foi fornecido, e consinto na efectivação do presente contrato.”.

27. Em Janeiro de 2012, o pai da A., BB, recorreu ao Banco Santander para efectuar um crédito ao consumo, ao qual foi atribuído o número ….96

28. Tendo-lhe sido concedido o capital de € 7.500,00.

29. E para garantir o capital mutuado, em caso de morte ou sinistro, foi emitida a apólice do ramo vida com o número …17

30. […] o pai da Autora aderiu ao seguro de vida individual com a apólice n.º …17, cujas cláusulas haviam sido previamente estabelecidas entre a Ré e o Banco, pois tratava-se de um plano de protecção financeira do crédito ao consumo.

31. A referida apólice teve início em 18 de Janeiro de 2012.

32. […] o referido empréstimo deveria ser pago em 84 prestações, tendo sido, em vida do pai da Autora, pagas.

33. Após a morte do pai, a Autora liquidou as prestações até ao pagamento integral do mesmo.

34. Apesar do contrato de seguro celebrado, a Ré nada pagou e não reembolsou a Autora dos valores que esta liquidou.

35. Também quanto à apólice aludida em 30 foi comunicado o falecimento do pai da Autora.

36. Do proposta de adesão ao seguro aludido em 30, antes da assinatura do pai da Autora, consta a seguinte afirmação: “Previamente ao acto do preenchimento desta proposta, nos foi dado a conhecer e entregue um exemplar das Condições Gerais e Especiais do Contrato de Seguro contendo todas as informações pré-contratuais e contratuais que o Segurador tem de prestar nos termos da lei.

37. Mais constando o seguinte: “…antes da celebração do contrato de seguro, o mediador de seguros ligado Banco Santander Totta prestou de forma clara, integral e pormenorizada todos os esclarecimentos necessários (incluindo os solicitados) sobre todos os direitos e deveres decorrentes da celebração do contrato de seguro, assim como coberturas exclusões do mesmo. Todas estas informações, bem como as respeitantes à modalidade do contrato mais conveniente à transferência do risco ou investimento, compreendi e entendi como necessárias para a minha tomada de decisão de contratar.”.

38. A cláusula 1.5.3 das “condições especiais relativas a seguro de vida individual – crédito ao consumo” tem o seguinte teor: “A Seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras caso o falecimento da pessoa segurada seja devido a acidentes ou doenças que sobrevenham à pessoa segura por consumo de bebidas alcoólicas ou de consumo de qualquer tipo de drogas e/ou medicamentos não prescritos pelo médico.


Não se provou que:

1. Não tenham sido enviados à Autora os contratos de seguro, bem como as suas cláusulas contratuais;

2. A Autora desconheça o teor dos mesmos;

3. Nem o pai da Autora tivesse na sua posse o referido contrato de seguro, pois também nunca lhe tenha sido enviado;

4. Na data da subscrição das apólices em apreço nos autos, o falecido BB, tenha tido pleno e efetivo conhecimento das cláusulas contratuais, as quais lhe foram inclusivamente explicadas, conforme expressamente declarou na proposta de seguro;

5. Aquando da subscrição da apólice aludida em 30 dos factos provados, o pai da Autora tenha sido devidamente informado e esclarecido do conteúdo das cláusulas contratuais em causa;

6. Aquando da emissão do contrato de seguro aludido em 30 a Ré tenha enviado o certificado individual e as condições gerais e especiais do contrato para aquela que foi a morada indicada pelas pessoas seguras.

7.  Tendo em conta as conclusões das alegações da recorrente, estão assim em causa neste recurso as seguintes questões:

—Nulidade do acórdão recorrido;

–  Saber se Num contrato de seguro de grupo, contributivo, em que cabe ao tomador do seguro a obrigação de comunicar aos aderentes as cláusulas do contrato, não é oponível à seguradora o incumprimento dessa obrigação, para o efeito de se ter por excluída do contrato determinada cláusula?”

8. A recorrente arguiu a nulidade do acórdão recorrido por ter conhecido de questão que não podia ter apreciado – ou seja, segundo a recorrente, do recurso de apelação, na parte respeitante ao contrato de seguro em causa no processo n.º 419/09…, apensado ao processo 418/19….., cujo valor (€ 2.827,65), inferior à alçada da 1ª instância, tornava inadmissível o recurso.

Antes de mais, cumpre reconhecer que a recorrente tem razão quando recorda que a apensação de processos não termina com a individualidade das acções apensadas, nomeadamente para efeitos do valor de cada uma e, portanto, da recorribilidade das decisões proferidas quanto aos pedidos respectivos. Assim se decidiu, a título de exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 418/13.9TVCDV.L1.S1: (… a junção dos processos encontra o seu fundamento na conexão existente entre eles, tendo como objetivos a economia de atividade processual e a coerência ou a uniformidade de julgamento, por forma a evitar que as causas que versam sobre questões idênticas ou conexas sejam objeto de julgamentos díspares. Significa isto que, na apensação de ações, mantêm-se distintos os pedidos deduzidos pelos vários autores nas ações apensadas e permanece, para cada um deles, a utilidade económica das demandas, pelo que não se altera o valor do processo principal.

No caso, a apensação foi determinada por decisão definitiva, sendo certo que as duas acções formam propostas pela mesma autora contra a mesma ré e que, se os pedidos correspondentes a cada uma tivessem sido desde logo formulados na mesma acção, verificar-se-ia na verdade uma situação de cumulação de pedidos, e não de litisconsórcio, coligação, oposição ou reconvenção (cfr. n.º 1 do artigo 267.º do Código de Processo Civil). Seja como for, a apensação tem como justificação, em abstracto, a vantagem de evitar divergências na apreciação da prova ou na solução de direito, divergências que poderiam ocorrer se os pedidos fossem julgados em acções diferentes; mas a sua apreciação conjunta, como sucede quando a apensação é determinada, não elimina a autonomia que também possibilitaria o seu conhecimento separado (cfr. esta solução expressamente prevista para o caso de litisconsórcio voluntário, artigo 35.º do Código de Processo Civil).

Sucede, todavia, que a questão da inadmissibilidade da apelação interposta pela ré não foi suscitada pela autora nas contra-alegações (cfr. n.º 6 do artigo 638.º do mesmo Código) ou por qualquer outro meio perante o Tribunal da Relação …., antes de proferido o acórdão de 28 de Abril de 2020, que apreciou ambos os pedidos.

Neste contexto, não pode afirmar-se, nem que a Relação deixou de pronunciar-se oficiosamente no acórdão recorrido sobre a admissibilidade do recurso – na verdade, só teria de o fazer no acórdão recorrido se o colectivo discordasse da admissão do recurso de apelação na parte relativa ao seguro do crédito ao consumo, ou se o recorrido tivesse suscitado a questão –, nem que o acórdão recorrido incorreu em excesso de pronúncia, por conhecer do recurso também quanto ao seguro associado ao crédito ao consumo. Tal como a Relação decidiu no acórdão de 14 de Julho de 2020, conhecer de um recurso que o recorrido considera inadmissível, sem todavia ter suscitado oportunamente a inadmissibilidade, não é causa de nulidade do acórdão que o apreciou, por excesso de pronúncia; quando muito, poderá revelar uma interpretação diversa daquela que a recorrente agora expressa no que toca aos efeitos da apensação de processos.

A nulidade por excesso de pronúncia significa, num tribunal de recurso, conhecer de questões de que lhe não cabe conhecer, seja porque não integram o objecto do recurso, seja porque, além de o não integrarem, não são de conhecimento oficioso.

O que não significa que a Relação não deva verificar se os recursos de apelação são ou não admissíveis, ainda que tenham sido admitidos na 1ª instância, porque deve. Apenas significa que, não tendo a questão da inadmissibilidade sido colocada em termos de obrigar a uma decisão expressa, antes de o acórdão ser proferido, não poderia a Relação vir a anular parte do acórdão aprovado, pois se extinguiu o seu poder jurisdicional, mesmo que a posteriori verificasse que o recurso de apelação era parcialmente inadmissível.

Improcede a arguição de nulidade do acórdão recorrido.

9. Está portanto em causa, neste recurso e nas palavras da recorrente, saber se Num contrato de seguro de grupo, contributivo, em que cabe ao tomador do seguro a obrigação de comunicar aos aderentes as cláusulas do contrato, não é oponível à seguradora o incumprimento dessa obrigação, para o efeito de se ter por excluída do contrato determinada cláusula?”. Concretizando, trata-se de saber se a falta de esclarecimento ao pai da autora, pelo Banco, “relativamente à exclusão da responsabilidade da Ré em caso de morte por disfunção hepática no contexto de cirrose hepática alcoólica” (ponto 21 dos factos provados), tem como consequência a eliminação da cláusula correspondente e é oponível à ré. Recorde-se que vem provado que […] aquando da celebração do seguro de vida aludido em 7 dos factos provados, a informação transmitida foi a de que o seguro subscrito garantia o pagamento do capital reclamado em caso de morte do mutuário” (ponto 19).

Antes de mais, cumpre recordar o seguinte:

– Está fora de discussão que se trata de um seguro de grupo contributivo, ao qual o pai da autora aderiu, para garantia do reembolso do empréstimo de € 65.000,00 contraído junto do Banco Santander Totta, S.A.;

– Também se não discute que, nesse seguro, o Banco Santander Totta, S.A. ocupou a posição de tomador, negociando com a ré o conteúdo do contrato que, entre estes dois contraentes, não é um contrato de adesão; o contrato concreto mediante o qual o pai da autora aderiu ao seguro de grupo é que assume essa característica, estando portanto abrangido pelo regime das cláusulas contratuais gerais, definido pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro. Desse regime salienta-se agora a imposição, à parte que submete à outra as cláusulas não negociadas, dos deveres de comunicação adequada e de informação suficiente das referidas cláusulas (artigos 5º e 6º), sob pena de se haveram como excluídas do contrato concretamente celebrado (artigo 8º, todos do Decreto-Lei nº 446/85). Trata-se de “dois deveres complementares”, pois que “o objectivo do consentimento esclarecido por parte do aderente só se alcança se as cláusulas lhe tiverem sido adequadamente comunicadas (quanto ao modo e ao tempo da comunicação, por confronto com a complexidade da concreta cláusula, como resulta do disposto no nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 466/85) e acompanhados das informações exigidas pelas circunstâncias (artigos 6º e 8º, b)), solicitadas ou não pelo aderente., como se escreveu no acórdão de 26 de Fevereiro de 2015, www.dgsi.pt, proc. nº 738/12.0TBCVL.C1.S1;

– O Banco Santander Totta, S.A., não foi demandado na presente acção, nem chamado a nela intervir;

– Tendo sido acordado em Março de 2004 (pontos 5 e segs. dos factos provados), é-lhe   aplicável, quanto ao que agora está em causa, o regime definido pelo Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de Julho (Estabelece regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro, na redacção então em vigor), e não o que veio a constar do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril;

– O contrato de seguro “garantia, em caso de morte, o pagamento da quantia mutuada” (ponto 8); todavia (ponto 25), segundo o disposto na cláusula 6.1 das condições especiais, “A Seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras caso o falecimento da pessoa segurada seja devido a acidentes ou doenças que sobrevenham à pessoa por consumo de bebidas alcoólicas ou uso de estupefacientes não prescritos medicamente”;

– Vem provado que  “não foi prestado ao pai da autora, por parte da ré ou do Banco, qualquer esclarecimento relativamente à exclusão da responsabilidade da ré em caso de morte por disfunção hepática no contexto de cirrose hepática alcoólica” (ponto 21) e  que o referido pai da autora “veio a falecer de disfunção hepática no contexto de cirrose hepática alcoólica” (ponto 23), “doença de que o falecido padecia e que conduziu à sua morte” e que “teve origem no consumo excessivo de álcool” (ponto 24);

– Não vem provado que tenham sido pedidas informações pelo pai da autora, ou que o contrato não lhe tenha sido enviado.

10. Seguindo de perto o que se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal  de 14 de Abril de 2015, www.dgsi.pt, proc. n.º 385/12.6TBBRG.G1.S, como desenvolvida e fundamentadamente se dá nota no acórdão de 25 de Junho de 2013 (www.dgsi.pt, proc. nº 24/10.0TBVNG.P1.S1), o Supremo Tribunal de Justiça  já teve a ocasião de se pronunciar diversas vezes sobre a questão de saber sobre quem recai a obrigação de informação das cláusulas de exclusão de riscos ao segurado que adere a um contrato de seguro de grupo contributivo, também no domínio de aplicação, nesta matéria, do regime definido pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº 176/95 (por vezes, referindo que o regime se manteve no artigo 78º do Decreto-Lei nº 72/2008). Assim, e para além deste acórdão de 25 de Junho de 2013, ver os acórdãos de 22 de Janeiro de 2009, proc. nº 08B40491, de 20 de Janeiro de 2010, proc. nº  294/06.8TBOAZ.P1, de 7 de Outubro de 2010, proc. 651/04.4TBETR.P1.S1, de 12 de Outubro de 2010, proc. nº 646/05.0TBAMR.G1.S1, de 13 de Janeiro de 2011, proc. nº 1443/04.6TBGDM.P1.S1, de 29 de Maio de 2012, proc. nº 7615/06.1TBVNG.P1.S1, de 21 de Fevereiro de 2013, proc. nº 267/10.6TBBCL.G1.S1, de 27 de Março de 2014, proc. nº 2971/12.5TBBRG.G1.S1, de 9 de Julho de 2014, proc. nº 841/10.0TVPRT.L1.S1 ou de 18 de Setembro de 2014, proc. nº 2334/10.7TBCDM.P1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt; ou, posteriormente e a título de exemplo,

Em todos esses acórdãos se decidiu no sentido de que resultava expressamente do nº 1 do citado artigo 4º que era ao tomador que incumbia o dever de informação dos segurados (no mesmo sentido, cfr. o acórdão de 30 de Maio de 2019, www.dgsi.pt., proc. n.º 532/17.1T8VIS.C1.S2, que todavia aplicou o regime decorrente da Lei do Contrato de Seguro aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008 à informação sobre cláusulas de exclusão, por terem sido posteriores), quanto às “coberturas e exclusões contratadas”, cabendo-lhe igualmente o ónus da prova “de ter fornecido estas informações” (nº 2); e que à seguradora competia elaborar “um espécimen” de acordo com o qual o tomador do seguro deveria cumprir a obrigação de informar, bem como “facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato” (nº 1 e nº 5).

Nos mesmos acórdãos citados recorda-se, nomeadamente, que a imposição do dever de informação ao tomador do seguro, por um lado, está de acordo com a configuração do contrato de seguro de grupo e, por outro, impede o tratamento do Banco-tomador do seguro como um representante ou intermediário da seguradora; e que, não criando a lei nenhuma responsabilidade objectiva da seguradora, pelo incumprimento do Banco tomador do seguro, tal incumprimento não lhe é oponível, não implicando portanto a eliminação das cláusulas de exclusão de riscos (cfr., em especial, o acórdão de 25 de Junho de 2013).

Isto não significa, todavia, nem que esse incumprimento seja desprovido de sanção – o Banco é responsável pelos prejuízos que causar ao segurado, como hoje se diz expressamente no artigo 79º do Decreto-Lei nº 72/2008 –, nem que o segurado não possa demandar o Banco para o responsabilizar, ou para discutir a violação de qualquer outra regra. A circunstância de se não afirmar expressamente a responsabilidade civil do Banco não significa o afastamento do sistema geral de responsabilidade civil. Essa responsabilização do Banco, todavia, exige que o Banco seja demandado e que contra ele seja formulado um pedido – cfr. o já citado acórdão de 13 de Janeiro de 2011, proc. n.º 1443/04.6TBGDM.P1.S1: “(…) não sendo demandado, não havendo também contra ele qualquer pedido, não pode, aqui (ou nas instâncias) ser apreciada, nesta acção, a responsabilidade em que, eventualmente, a sua omissão o possa fazer incorrer – arts 660.º, nº 2 e 661.º, nº 1, ambos do CPC.”

Assim, não tendo sido demandada a instituição de crédito tomadora do seguro, não pode ser imputada à seguradora – nem ser-lhe oposta a violação do dever de comunicação.

De qualquer modo, o já citado artigo 4º do Decreto-Lei nº 176/95 já dispunha, como sanção, que “Nos seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.° 1 [dever de informação] implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação”.

É neste sentido que se observa, no acórdão de 25 de Junho de 2013, que o tomador do seguro pode ser directamente confrontado com eventuais infracções susceptíveis de invocação directa pelo segurado; por exemplo, porque incluiu no próprio contrato de seguro de grupo cláusulas equívocas, ou porque elaborou deficientemente o espécimen a que se refere o nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 176/85.

É esta orientação que mais uma vez aqui se reitera, no sentido de que o regime especificamente previsto pelo Decreto-Lei nº 176/95 para o contrato de seguro afasta a aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, definido genericamente pelo Decreto-Lei nº 446/85 (cfr. acórdãos atrás citados), no que é incompatível com aquele. Assim sucede quanto à definição dos sujeitos do dever de informação.

 Não pode proceder a pretensão de eliminação da cláusula 6.1 das condições especiais do contrato de seguro, relativa à exclusão do risco de morte resultante de doença que tenha resultado do consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

11. A recorrente entende também que o dever de informação sobre a cláusula de exclusão que está em causa recaía sobre o Banco / tomador, mas que “tem uma eficácia confinada às relações” do segurador “com o tomador, não valendo como uma transferência de tal dever, que desresponsabilize o segurador perante os segurados, impedindo estes de lhe oporem a exclusão da cláusula não informada” (conclusão Q das alegações de recurso); que essa “obrigação geral de comunicação e explicação das cláusulas do contrato (…) não desonera a seguradora de cumprir a sua obrigação de comunicar as condições gerais do contrato de seguro de grupo ao aderente, uma vez que ela é a responsável primeira por essa comunicação no âmbito dos contratos de adesão, conforme decorre do artigo 5º do Decreto-Lei n.º 446/85” (conclusão R); que a “protecção eficaz” (conclusão T) do segurado não se alcança se a seguradora, “em relação a quem o aderente está mais próximo contratualmente após a adesão” (conclusão S), lhe puder opor o incumprimento por parte do Banco/Tomador.

Neste sentido, vejam-se por exemplo os acórdãos deste Supremo Tribunal de 29 de Novembro de 2016, www.dgsi.pt, proc. n.º 1274/15.8T8GMR.S1 ou de 10 de Maio e 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 261/15.0T8VIS.C1.S2

Como resulta do que atrás se disse já, entende-se, todavia, que esta posição, que conduz à exclusão do contrato das cláusulas relativamente às quais não foi cumprido o dever de informação, em aplicação do regime definido pelas als. a) e b) do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, para além de não se mostrar conforme com a configuração do contrato de seguro de grupo, não é a que resulta do disposto no artigo 4.º Decreto-Lei n.º 176/95, que prevê uma consequência diversa da exclusão das cláusulas não comunicadas – a imposição ao tomador da “obrigação de suportar a parte do prémio correspondente ao segurado” (n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95).

E, se é exacto que esta protecção, por si só, é menos eficaz do que seria a manutenção do contrato, sendo eliminada a cláusula de exclusão, da sua conjugação com as regras gerais da responsabilidade civil resulta um grau equivalente de protecção. A circunstância de o Banco/Tomador não ter sido demandado, sendo formulado contra ele o pedido adequado, impede a procedência da presente acção – não se podendo entender como irrelevante a sua ausência (cfr. conclusão Y), uma vez que é do incumprimento de uma obrigação sua que se trata.

Assim, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela recorrente


A relatora atesta que os adjuntos, Conselheiros Olindo dos Santos Geraldes e Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado, votaram favoravelmente este acórdão, não o assinando porque a sessão de julgamento decorreu em videoconferência.


Lisboa, 18 de Fevereiro de 2021


Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora)