Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
433/11.7TVPRT.P1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
NEXO DE CAUSALIDADE
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
ORDEM DE COMPRA
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
BOA -FÉ
DEVER DE LEALDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS NÃO PROVADOS
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
MEIOS DE PROVA
MOTIVAÇÃO
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / VIGÊNCIA, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO MOBILIÁRIO – INTERMEDIAÇÃO / DISPOSIÇÕES GERAIS / ACTIVIDADES / NOÇÃO / SERVIÇOS DE INVESTIMENTO / INTERMEDIÁRIOS FINANCEIROS / EXERCÍCIO / RESPONSABILIDADE CIVIL.
Doutrina:
- Agostinho Cardoso Guedes, A Responsabilidade do Banco por informações à Luz do art. 485º do Código Civil in Revista de Direito e Economia , Ano XIV , 1988, p. 147 e 148;
- António Pedro Azevedo Ferreira, A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura”, Quid Juris, 2005, p. 652 a 654;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, p. 654 ; Manual de Processo Civil, 2ª ed., p. 653;
- Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, p. 85-86;
- Felipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, nº 31, de Dezembro de 2008, p. 74 e ss.;
- Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Almedina, 2008, p. 135;
- José Engrácia Antunes, Os contratos de intermediação financeira, BFDC, vol. LXXXV, Coimbra 2007, p. 281-282;
- Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 2ª ed., p. 660;
- Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª ed., 2004, p. 545;
- Menezes Cordeiro, Direito Bancário, in Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 1997, p 24;
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, p. 348 ; Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia, Cadernos de Direito Privado nº 44, Outubro/Dezembro de 2013, p. 29 e ss.;
- Paulo Câmara, Manual de Direitos dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª ed., p. 691;
- Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil- Os Artigos da Reforma”, 2014, 2ª ed., Vol I, Almedina, p. 588 e 589;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 3ª ed., Coimbra Editora, p. 548.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 662.º, 674.º, N.º 3 E 682.º, N.º 2.
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGOS 7.º, 289.º, N.º 1, 290.º, N.º 1, ALÍNEA B), 293.º, N.º 1, ALÍNEA A) E 314.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 08-06-2011, PROCESSO N.º 350/98.4TAOLH.S1;
- DE 06-07-2011, PROCESSO N.º 8609/03.4TVLSB.L1.S1;
- DE 06-07-2011, PROCESSO N.º645/05.2TBVCD.P1.S1;
- DE 13-11-2012, PROCESSO N.º 10/08.0TBVVD.G1.S1;
- DE 06-06-2013, PROCESSO N.º 364/11. 0TVLSB.L1.S1
- DE 24-09-2013, PROCESSO N.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1
- DE 13-09-2018, PROCESSO N.º 13809/16.4T8LSB.L1.S1
- DE 11-10-2018, PROCESSO N.º 2339/16.4T8LRA.C2.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- ACÓRDÃO N.º 55/85, IN BMJ 360 (SUPLEMENTO), P. 195.
Sumário :
I - Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são muito limitados quanto ao julgamento da matéria de facto, cabendo-lhe, fundamentalmente, e salvo situações excepcionais (artigo 674º nº 3 in fine e artigo 682º nº 2 do CPC), limitar-se a aplicar o direito aos factos materiais fixados pelas instâncias (682º nº 1 do CPC) e não podendo sindicar o juízo que o Tribunal da Relação proferiu em matéria de facto.

II - Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, já que se tal for feito ao arrepio do artigo 662º do Código do Processo Civil, está-se no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, no julgamento de direito.

III - Para além da fundamentação das respostas positivas, o juiz passa a ter de justificar as respostas negativas. A decisão, para além de especificar os fundamentos que foram decisivos para convicção do julgador, tem de proceder à análise crítica das provas.

IV - A fundamentação deve conter, como suporte mínimo, a concretização do meio probatório gerador da convicção do julgador e ainda a indicação, na medida do possível, das razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova, a menção das razões justificativas da opção feita pelo julgador entre os meios probatórios de sinal oposto relativos ao mesmo facto.

V - A imposição da fundamentação não impede necessariamente que o tribunal motive em conjunto as respostas a mais do que um facto da base instrutória, quando os factos objecto da motivação se apresentem entre si ligados e sobre eles tenham incidido fundamentalmente os mesmos meios de prova. Essa motivação conjunta pode até ser concretamente aconselhável.

VI - O banco réu, além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, pois tratou da comercialização, aos seus balcões, do produto financeiro denominado K2 Corporation, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas pela autora (artigos 289º nº 1, 290º nº 1 alª b) e 293º nº 1 alª a), todos do Código dos Valores Mobiliários,  

VII - Donde resulta que a qualificação jurídica da intervenção do réu não pode deixar de ser considerada como um serviço e uma actividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre a autora e o réu um contrato de intermediação financeira enquanto categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira.

VIII - A informação constitui um pilar na avaliação do investimento em valores mobiliários e na própria eficiência do mercado, nela devendo cumprir-se os requisitos qualitativos estabelecidos no artigo 7º do CVM.

IX - O dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa - em absoluto – o investidor de adoptar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento.

X - A circunstância de ter sido afirmado à autora por funcionário do réu que o capital investido estava garantido, o que se confirmou nos extractos ao longo de vários anos e que se tratava de uma aplicação com garantia do montante investido, como tal, sem qualquer risco, é, por si, claramente insuficiente para configurar uma violação do dever de informação.

XI - Este quantum de informação que o BB estava obrigado a prestar, no quadro da relação jurídica que o ligava aos seus clientes, inclui todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

XII - A matéria de facto não permite identificar qualquer falha de informação que fosse imputável ao réu e cuja verificação tenha sido causal do que veio a ocorrer relativamente ao investimento que a autora através dele realizou

XIII - A presunção de culpa prevista no artigo 314º do CVM não inclui presunções de ilicitude e de causalidade, desde logo, por tal amplitude não encontrar um “mínimo de correspondência” na letra da lei (cfr. artº 9º nº 2, do Código Civil)[1].

XIV - Atendendo à matéria de facto dado como provada, não se pode concluir que a ré tenha faltado ao cumprimento dos deveres a que estava obrigada ou que não tenha observado os ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões de diligência, lealdade e transparência exigíveis.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - RELATÓRIO


  A autora “AA Group, Inc.”, com sede em …, Suite …, Wickham’s Cay 1, Road Town, …, British Virgin Islands, intentou acção de condenação com processo comum contra os réus “Banco BB, S.A.”, actualmente “Banco CC, S.A..”, “BB Gestão de Activos – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A.”, e “BB C… Limited”, sociedade incorporada nas Ilhas Cayman, pedindo a condenação solidária dos réus na quantia de € 521.854,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde 30.1.2008 no que concerne ao montante de 450.356,00€, e desde 19.10.2009 no que respeita à quantia de 71.498,00€, até efectivo e integral pagamento.

Pediu ainda a condenação nos honorários suportados com os seus mandatários e demais despesas incorridas com a propositura da acção, designadamente, as custas judiciais.


Em síntese, alegou que em Janeiro de 2000 procedeu à abertura da conta nº 35…. junto do BB C…, na qual foi depositando, ao longo dos anos, várias quantias, que eram aplicadas em depósitos a prazo, de acordo com as indicações do Private Banker do CC, em …, DD.

Aquando da abertura de conta a autora informou o BB, na pessoa de DD, que pretendia aplicar parte do seu dinheiro em depósitos ou aplicações a prazo, sempre com garantia do capital investido, ainda que os juros fossem mais baixos.

Deste modo, DD, enquanto funcionário do BB, foi aplicando, ao longo dos anos, parte do dinheiro pertencente à autora em várias aplicações a prazo, sendo certo que, pelo menos a partir de Julho de 2002, aplicou 300.000,00€ num depósito a prazo, por três meses renováveis.

Em virtude dessa aplicação financeira, passou a pagar à autora, regularmente, juros trimestrais, no início de cada trimestre.

O capital permanecia sempre o mesmo, só variando em consequência de alguns reforços de capital que foram sendo efectuados, quando havia algum levantamento de dinheiro, ou quando se dava ordem para incorporar os juros pagos.

Em Julho de 2007, a autora dispunha de € 450.291,08 aplicados no mencionado depósito a prazo, tendo sido pagos os juros acordados, trimestralmente, como vinha sendo usual.

Contudo, no início do trimestre seguinte, em Outubro de 2007, sem qualquer justificação, o BB deixou de pagar os juros que havia acordado relativamente a essa aplicação, pagando juros inferiores ao que vinha efectuando até essa data e, no início de Janeiro de 2008, deixou mesmo de pagar quaisquer juros à autora.

A autora solicitou então a devolução do seu capital para realizar outras aplicações, o que não ocorreu, sendo que sempre lhe foi transmitido que a administração do BB tinha decidido honrar os compromissos assumidos, pelo que iria proceder ao reembolso do valor aplicado.

A autora nunca fora informada de que a aplicação a prazo do seu dinheiro teria por objecto a compra de títulos com risco, o que nunca autorizara, sempre lhe tendo sido afirmado que o capital investido estava garantido.

Com a actuação dos réus, a autora, para além de perder os juros que lhe haviam sido prometidos, perdeu todo o capital que tinha aplicado, e que, segundo o que lhe havia sido transmitido, não corria qualquer risco.

Os réus, ao aplicarem aquele dinheiro da autora em produtos de elevado risco, sem o cuidado de a informar previamente, enganaram-na deliberadamente, violando os deveres legais, éticos e deontológicos básicos, sobretudo numa relação de “Private Banking”.

Para além disso, em 18.12.2008 o Banco procedeu, de forma unilateral, ao débito de uma quantia de 59.435,79€ na conta à ordem da autora, sob a descrição de “K2”, que por não estar provisionada representou um movimento negativo, equivalente a uma dívida ao Banco.

Essa pretensa dívida, que nunca foi explicada ou justificada à autora, gerou juros à taxa de 22% entre 18.12.2008 e 19.10.2009, a favor do Banco, perfazendo, assim, um total debitado à autora no montante de 71.498,00€.

Na sequência desse débito, de 71.498,00€, a autora viu-se forçada a vender os títulos que detinha no BB, em momento não previsto, por ser essa a única possibilidade que tinha de pagar ao Banco o valor que aquele injustificadamente reclamava.


Os réus “BB, S.A.” e BB Gestão de Activos – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, SA”, deduziram contestação conjunta, impugnando os fundamentos da acção, defendendo-se por impugnação e por excepção, sustentando a ilegitimidade da ré “BB Gestão de Activos, SA” e também a prescrição do eventual crédito da autora sobre todos os réus.

Por impugnação, alegaram que o departamento de “Private Banking” do réu BB foi procurado no início do ano de 2000 por um indivíduo de nacionalidade espanhola, chamado EE, legal representante da autora, que visava obter rentabilidades superiores às que eram oferecidas pelos produtos financeiros tradicionais, maxime depósitos a prazo ou obrigações emitidas por entidades nacionais.

A autora começou por constituir junto do réu “BB C…” depósitos a prazo, mas pouco tempo depois, e insatisfeita com a rentabilidade que lhe era oferecida, solicitou a aplicação de algumas das suas economias em produtos diversificados, e com maior rentabilidade.

Foi nesse contexto que a autora adquiriu para a sua carteira de títulos o produto denominado de K2, tendo sido devidamente informada sobre as suas características.

Nunca foi garantido à autora o reembolso do capital por ela investido no produto K2.

Terminam, pedindo a improcedência da acção.


O réu “BB C… Limited” contestou, alegando que EE, representante da autora, era um experimentado homem de negócios e investidor financeiro, que sempre procurou rentabilizar o melhor possível os seus investimentos imobiliários, inclusive com recurso a produtos com risco associado.

Foi neste quadro que a autora procedeu à aquisição do produto financeiro denominado K2, depois de analisar e obter as informações que se consideraram pertinentes, o que se concretizou numa altura em que o produto se destacava pela elevada rentabilidade que proporcionava.

A autora conhecia bem as características do produto K2. O comportamento que agora adoptou é susceptível de consubstanciar abuso de direito, para além de, “in casu”, ocorrer prescrição do direito invocado.

Conclui pela improcedência da acção.


A autora apresentou réplica, respondendo às excepções suscitadas.


No despacho saneador, a Ré “BB Gestão de Activos – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A.” foi considerada parte ilegítima e, consequentemente, absolvida da instância.

Foi relegando para final o conhecimento das excepções da prescrição e do abuso de direito, porque dependentes de prova a produzir.


Foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou solidariamente os réus “Banco CC, S.A..” e “CC C… Limited” a pagarem à autora “AA Group Inc.” o montante global de 521.854,00€, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde 31.1.2008 no que concerne ao montante de 450.356,00€ e desde 19.10.2009 no que respeita à quantia de 71.498,00€ até efectivo e integral pagamento.


Os réus Banco CC, SA e BB C… Limited recorreram e a Relação …, no seu acórdão de 06.03.2018, julgou improcedentes os recurso e confirmou a sentença recorrida.

O acórdão foi sumariado nos seguintes termos:

“I - Tendo-se provado que a autora, no âmbito da relação de confiança que tinha com o serviço de “private banking” do banco, procedeu, em 2002, à aquisição de um produto financeiro que lhe foi assegurado tratar-se de uma aplicação sem qualquer risco, com garantia do capital investido, garantia essa que foi depois confirmada pela sua administração quando esta transmitiu aos clientes afetados a informação de que iria honrar os compromissos assumidos, tal significa que houve da parte do banco a assunção de um compromisso contratual com vista ao reembolso do capital aplicado e ao qual este não se pode eximir.

II - O art. 324º nº 2 do Cód. dos Valores Mobiliários (CVM) prevê um prazo de prescrição de dois anos para a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade, salvo haja da sua parte dolo ou culpa grave.

III - Atua com culpa grave, para efeitos de não aplicabilidade deste prazo prescricional de dois anos, o banco que transmite ao cliente a falsa informação de que o produto financeiro por si subscrito não envolve quaisquer riscos, garantindo o reembolso do seu capital”.


Não se conformando com tal acórdão, o Banco CC, SA interpôs recurso de revista excepcional, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:


I - QUANTO À ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO COMO REVISTA EXCEPCIONAL


1ª - A sentença proferida em primeira instância, na motivação apresentada sobre a decisão relativa à matéria de facto, faz uma referência genérica a todos os documentos juntos aos autos, sem qualquer critério ou grau de relevância de cada um deles, dessa forma todos colocados ao mesmo nível e com idêntico valor na formação da convicção do julgador.

2ª - O mesmo ocorre a propósito da prova testemunhal, sendo certo que o depoimento das testemunhas é apenas, selectiva e parcialmente, reproduzido, sem que sejam discriminados os factos para cuja prova esses depoimentos foram tidos como essenciais ou relevantes, e as razões que conduziram o julgador a assim decidir.

3ª - O douto acórdão recorrido tem por verificado e cumprido o dever de fundamentação por parte do tribunal de primeira instância, conformando-se com a ideia de que a motivação relativa à matéria de facto pode ser feita de forma genérica, englobando todas as questões fácticas em causa no julgamento, não tendo que ser discriminada por facto ou conjunto de factos objectivamente conexionados entre si.

4ª - Nem tem que ser ponderada e exteriorizada a razão ou razões pelas quais o tribunal deu mais credibilidade a algumas testemunhas em desfavor de outras, ou a razão ou razões pelas quais aceitou como boas algumas afirmações de determinada testemunha desvalorizando outras.

5ª - Esta decisão constante do douto acórdão recorrido está longe de ser unânime, já que o Supremo Tribunal de Justiça, em douto acórdão datado de 06.03.2014 da 6ª Secção, proferido no Proc. nº 1387/05.4TBALM.L1.S1, e devidamente transitado, embora se debruce sobre aresto de um Tribunal da Relação, decidiu que cabe à Relação o dever de fundamentar a sua decisão sobre cada um dos pontos da matéria de facto impugnada e que o recorrente considere terem sido mal julgados.

6ª - Logo acrescentando que a Relação não cumpre o dever de fundamentação sobre cada um dos pontos da matéria de facto impugnada quando não analisa criticamente cada um dos meios de prova indicados como fundamento da impugnação.

7ª - Muito embora se trate de acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça e relativo a decisão proferida por um tribunal de segunda instância, a verdade é que o thema decidendum é idêntico ao que foi objecto do douto acórdão aqui recorrido, nenhuma diferença havendo entre os dois arestos assim em oposição.

8ª - E nem se diga que os dois acórdãos aqui em causa não foram proferidos no domínio da mesma legislação, dado que, quer na redacção do antigo artº 653º nº 2 do CPC na redacção do DL nº 180/96, de 25.09, quer na redacção do actual artº 607º nº4, na redacção de 2013, a verdade é que ambas impõem a obrigação para o tribunal de proceder à análise crítica das provas produzidas e o dever de especificação dos fundamentos que forem tidos por decisivos para a convicção do julgador.

9ª - Verifica-se, pois, no caso presente o fundamento previsto no artº 672 nº 1 al c) do CPC para a admissibilidade do presente recurso de revista excepcional.

Ainda que assim não fosse...

10ª - Sempre este recurso de revista excepcional deveria ser admitido pelo facto de esta matéria do âmbito, sentido e conteúdo do dever de fundamentação ter sido já objecto das mais diferenciadas, e até contraditórias, decisões por parte de tribunais de segunda instância, como também desse Supremo Tribunal de Justiça.

11ª - E tal divergência é tanto mais relevante quanto é certo que o dever de fundamentação de decisões judiciais é hoje um princípio consagrado no artº 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, impondo-se por isso uma decisão que interprete tal normativo constitucional, e por essa via confira segurança e certeza a toda a comunidade judiciária e aos cidadãos em geral.

12ª - Daí que seja esta matéria cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, e daí que justifique o presente recurso de revista excepcional, nos termos do disposto no artº 672º nº 1 al a) do CPC.


II - QUANTO AO MÉRITO DO PRESENTE RECURSO DE REVISTA


13ª - Não respeita o dever de fundamentação de decisões judiciais a simples e genérica indicação dos meios de prova tidos por relevantes, sobretudo quando são referidos para esse efeito todos os documentos juntos e os depoimentos de todas as testemunhas inquiridas.

14ª - Também não é como tal aceitável que a referência à prova testemunhal seja feita por via da simples reprodução quase textual dos depoimentos prestados, sem que seja acompanhado de uma sua análise crítica, ainda que sintética, que permita acompanhar o percurso cognitivo do julgador e por essa via com ele concordar ou dele discordar, com a consequente impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Por outro lado,

15ª - Sendo desejável que a motivação relativa à decisão sobre a matéria de facto seja feita para cada um dos factos tidos por provados e não provados, o agrupamento de factos para uma motivação conjunta há-de estar sempre dependente da verificação de um qualquer nexo objectivo entre eles, porque só assim estarão as partes em condições de ajuizar da razoabilidade da decisão em causa e optar pela sua eventual impugnação, o que no caso dos presentes autos não correu.

16ª - O dever de fundamentação, quando de todo inexistente, acarreta a nulidade da sentença, e não apenas a simples remessa dos autos ao tribunal de primeira instância para efeitos do juiz proceder a tal fundamentação.

Por outro lado,

17ª - Da mesma forma que o tribunal de primeira instância, também o douto acórdão recorrido violou de forma clara e evidente o mesmo dever de fundamentação a que igualmente estava obrigado.

18ª - Sobretudo quando, como sucedeu nos presentes autos, o banco aqui recorrente impugnou a decisão relativa à matéria de facto, transcrevendo partes do depoimento de testemunhas que seriam, na sua perspectiva, razão bastante para a alteração de tal decisão, e sugerindo, como deveria fazer, o sentido da alteração pretendida, o douto acórdão recorrido deveria analisar e apreciar as provas indicadas e a elas aderir ou rejeitá-las, mas sempre fundadamente, também aqui para as partes poderem aperceber-se e ajuizar do raciocínio do julgador.

19ª - Sendo claramente insuficiente a descrição feita, genérica e globalmente, dos depoimentos das testemunhas, e a simples reprodução por outras palavras, do relato já feito na sentença de primeira instância, sem qualquer preocupação de análise crítica e sem um comentário ou apreciação às extensas transcrições de tais depoimentos.

20ª - Se é verdade que o princípio geral respeitante à matéria do dever de informação sobre os instrumentos financeiros consta do artº 7º nº 1 do CVM, não é menos verdade que esse princípio geral está esclarecido, concretizado e densificado nas disposições dos arts 312º e segs do citado CVM.

21ª - Os contratos de intermediação financeira implicam relações jurídicas que se estabelecem em níveis diferentes, ou seja, a nível do negócio de cobertura e ao nível dos negócios de execução.

22ª - Enquanto os deveres de informação previstos no artº 312º do CVM (excepção feita ao previsto no nº 1 alª d)) respeitam ao negócio de cobertura, já os deveres de informação consagrados nas disposições dos arts 323º, 323º-A, 323-B e 323º-C do CVM, introduzidos no CVM pelo DL nº 357-A/2007, de 31.10, tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados cabo ao abrigo de um negócio de cobertura, como aliás se pode concluir pelas epígrafes dos respectivos artigos.

23ª - A redacção anterior à do DL nº 357-A/2007, ou seja, anterior à transposição da DMIF para o nosso direito interno era mais ligeira e redutora do que a redacção actual dos normativos acima citados, e dela não resultava que o intermediário financeiro estivesse obrigado a prestar informações acerca dos riscos do tipo de instrumento financeiro sobre que incidia o investimento, no caso o dito K2.

24ª - Dever esse que apenas com a redacção decorrente do DL nº 357-A/2007 passou a estar consagrado na disposição do seu artº 312º-E nº 1, que refere expressamente "os riscos do tipo de instrumentos financeiros em causa."

25ª - Para logo de seguida, no nº 2 desse normativo legal, fazer uma descrição concreta de quais sejam tais riscos do tipo de instrumentos financeiros em causa, sendo esses, e só esses os riscos que devem (agora e não antes de 2007) ser objecto do dever de informação por parte do intermediário financeiro.

26ª - Esses riscos são sempre riscos inerentes ao tipo de instrumento financeiro, e não já motivados por qualquer factor a ele extrínseco, designadamente relacionado com a situação económica-financeira e solvabilidade da entidade emitente.

27ª - O produto K2 era estruturalmente uma obrigação, produto este não sujeito a qualquer volatibilidade, sendo a ele inerente o reembolso do capital aquando da sua maturidade, não sendo previsto em nenhuma disposição legal que o intermediário financeiro seja obrigado a analisar, informar ou avaliar a robustez financeira do seu emitente.

28ª - E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação do intermediário financeiro de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo.

29ª - O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação, e a ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra é um risco geral de qualquer obrigação e do tráfico jurídico-mercantil em geral.

30ª - Não é porque foi afirmado à autora que a aplicação financeira tinha "capital garantido", e sem riscos, que podemos legitimamente concluir que o Banco assumiu garantir o reembolso do capital investido.

31ª - É verdade que a autora não foi nunca informada que o produto K2 correspondia a uma compra de títulos com risco de capital (alª M) e que não tinha nunca autorizado o investimento em produtos com risco de capital (alª KK) e que a aplicação em causa envolvia um risco muito elevado (alª UU).

32ª - Essa informação não foi dada à autora, e não tinha que ser dada, até porque a ter sido dada era uma informação inexacta, para não dizer uma informação falsa.

Com efeito,

33ª - É que produtos do tipo de "Obrigações" constituíam em 2002 estavam longe de serem uma aplicação de risco elevado ou simplesmente de risco, já que o que sempre distinguiu o investimento em obrigações do investimento em acções era justamente o facto de nas primeiras o capital investido era devido na sua totalidade no prazo da respectiva maturidade, já que não era outra coisa que um empréstimo feito pelo investidor à entidade delas emitente, e estava assim imune às vicissitudes da sua actividade económica, já nas segundas (acções) tinham uma cotação (em bolsa ou fora dela) sempre ligada à performance da empresa que as emitia, pelo que «o investidor tornava-se por essa via dono da empresa e sujeito às flutuações da sua valorização ou desvalorização.

34ª - No primeiro caso havia capital garantido, enquanto no segundo essa garantia não existia.

35ª - O douto acórdão recorrido debruçou-se muito "en passant" sobre a existência de culpa, tratada sobretudo a propósito da questão da invocada excepção da prescrição do direito da autora a ser indemnizada, e mais ainda sobre a questão da falta de nexo de causalidade entre o facto do agente e o dano sofrido pela autora.

No que toca à culpa...

36ª - A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao banco recorrente e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto de o Tribunal considerar que a circunstância de os funcionários do Banco réu terem assegurado aos autores (conforme eles próprios estavam convencidos) que a aplicação financeira era uma aplicação segura e sem qualquer risco, configura a prestação de uma informação falsa.

37ª - De facto, o uso de uma tal expressão apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.

38ª - A ideia que perpassa é que as duas instâncias reputam as obrigações como um "produto de risco" (como ele próprio as apelida), pelo facto único de, afinal, a autora não ter recebido os investimentos efectuados no final do prazo.

39ª - E, por essa razão, reputam também de falsa a afirmação de segurança do produto na data de maturidade do investimento, conforme informação prestada pelos funcionários do banco aqui recorrente.

Ora...

40ª - Tal raciocínio é uma falácia, que confunde a causa com a consequência, já que não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco.

41ª - Tal juízo tem que ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos, e o certo é que as obrigações eram então, como são ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente.

42ª - Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser gerida pelo FF Bank, tão só, à data, o segundo maior banco alemão, e o produto era rentável e merecia a confiança dos mercados financeiros (vide alª DDDD) aditada pelo douto acórdão recorrido).

43ª - Assim, dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como a subscrição daquele produto K2, sendo então mais do que adequado a alguém como a autora.

44ª - Quanto à (in)existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano, o douto acórdão dedica apenas um curto e seco parágrafo onde é afirmado tão só que " não cremos que possa haver dúvidas quanto à sua verificação, uma vez que se o banco não tivesse dado à autora a garantia de reembolso do capital investido certamente que esta nunca teria dado o seu assentimento à aquisição do produto financeiro em causa nos autos”.

45ª - A existência desse nexo de causalidade deveria, contudo, ter assentado em factos alegados, e depois provados, para que pudesse ser tido em conta, e a verdade é que nenhuma factualidade existe nos autos nesse sentido, não foi sequer alegado pela autora que, se devidamente informada das características do produto K2, não teria permitido a sua aquisição para a sua carteira de títulos.

46ª - Ainda que se censure a conduta do Banco réu (o que não se concede), essa censura nunca poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave, já que lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que o funcionário do Banco réu responsável pela gestão das contas da autora nem sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento da cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado.

47ª - De facto, a ideia que perpassa é que o funcionário do Banco réu estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do autor.

47ª - A - E esse convencimento não era fruto de uma errada apreciação das condições dos mercados financeiros à data da venda do produto aqui em causa, antes sendo generalizado a todos os intervenientes desses mercados, desde bancos, empresas de rating, gestoras e fundos de investimento e, como bem se sabe, dos bancos centrais de todos os países.

48ª - A graduação da culpa do banco ora recorrente enquanto intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o artº 324º do CdVM permite o advento mais precoce da prescrição nos casos em que, como o presente, não há dolo ou culpa grave.

49ª - O douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, as disposições do artº 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, bem como dos arts 607º nº 4 e 662º nº 2 alª d), ambos do CPC, arts 562º, 563º e 483º do C. Civil, arts 72º nº 1, 312º nº 1 alª a), 323º e 324º nº 2 do CVM, na redacção em vigor à data da aquisição pela autora do produto K2 aqui em causa, bem como das disposições dos arts. 312 nº 1 al d), 323, 323-A, 323-B e 323-C e do mesmo CVM, agora na redacção que lhes foi dada pelo Dec-lei nº 357-A, de 31.10.


Termina pedindo que seja admitido o presente recurso como de revista excepcional e, na sequência disso, ser o mesmo julgado provado e procedente, com a revogação do douto acórdão recorrido.


A autora contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade da revista excepcional por falta de verificação dos respectivos pressupostos. Sem prescindir deve o recurso ser julgado improcedente.


A Formação a que se alude o artigo 672º nº 3 do C.P.Civil, por acórdão de 18.09.2018 (fls 1688-1689), de harmonia com o artº 672º nº 5 rejeitou a revista excepcional e ordenou a remessa do processo para que o relator se pronuncie sobre a admissão da revista interposta pelo réu.

Ali se considerou o seguinte: “ o objecto do recurso (presente) consiste na deficiência formal da apreciação das provas e da fixação dos factos materiais da causa e, por isso, a questão constitui tema novo (o assunto foi submetido na apelação para apreciação), não ocorrendo, assim, correspondência entre a decisão da 1ª instância e a decisão da Relação, pelo que é claro que não ocorre a dupla conforme, falhando o pressuposto primeiro da revista excepcional”.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto

As instâncias deram como provados os seguintes factos:

A) O Banco BB, SA é uma sociedade comercial que tem por objecto o exercício das actividades permitidas por lei aos bancos (art. 2º da PI).

B) Não tendo sido assinado qualquer contrato de aplicação financeira (art. 34º da PI).

C) A 18 de Dezembro de 2008 o Banco procedeu, de forma unilateral, ao débito de uma quantia de €59.435,79 na conta à ordem da autora, sob a descrição de “K2” que, por não estar provisionada, representou um movimento negativo, equivalente a uma dívida ao Banco (art. 59º da PI).

D) A actividade de Private Banking do BB é exercida há vários anos, disponibilizando aos seus clientes soluções de investimento personalizadas (resposta ao item 3º da PI).

E) O BB C… foi constituído pelo BB para funcionar como um veículo ou instrumento da sua actividade bancária, nomeadamente do Private Banking, sendo um mero balcão virtual, sem presença física em território nacional, tendo um objecto idêntico ao do BB e sendo totalmente detido por este (resposta conjunta aos itens 6º, 7º e 98º da PI).

F) O BB C… não tem a natureza de sucursal nem de filial do BB, estando a sua actividade totalmente integrada neste (resposta ao item 8º da PI).

G) O BB C… não tem funcionários em C…, nem instalações, nem sequer serviços de “Back Office”, tendo a sua direcção efectiva em Portugal (resposta ao item 10º da PI).

H) Todas as relações comerciais com os clientes são efectuadas junto da estrutura e rede comercial do BB, no Porto, em Lisboa e em Valença do Minho (resposta ao item 11º da PI).

I) A autora, em Janeiro de 2000, procedeu à abertura da conta nº 35…2 junto do BB C…, conta essa que a autora movimentou a crédito e a débito, e na qual foi depositando, ao longo dos anos, várias quantias, parte das quais eram aplicadas em depósitos a prazo, de acordo com as instruções dadas pelo procurador da autora, Sr. EE, ao Private Banker do BB em V…, Sr. DD, gestor de conta da autora e gerente daquele balcão (resposta ao item 13º da PI e aos itens 58º e 59º da contestação do BB C…).

J) A abertura da referida conta, bem como o preenchimento dos necessários documentos e assinatura dos mesmos, bem como todos os reforços que foram sendo efectuados, sempre tiveram lugar através do Private Banking do BB, sito em V…, mediante contactos havidos entre o procurador da autora e o referido Sr. Dr. DD (resposta ao item 14º da PI).

K) Todas as relações da autora relativamente à manutenção e acompanhamento da referida conta sempre foram estabelecidas entre o seu procurador, Sr. EE, e o BB, através do Sr. Dr. DD, do balcão do Private Banking de V…, e redigidas em português (resposta ao item 15º da PI).

L) Do mesmo modo, todas as instruções relativas àquela conta de que a autora era titular no BB C…. sempre foram transmitidas pelo seu procurador ao BB, no já referido balcão do Private Banking, em V…, que lhes dava cumprimento e, por sua vez, quaisquer questões relacionadas com a referida conta eram comunicadas pelo BB, ao procurador da autora (resposta conjunta aos itens 16º e 17º da PI).

M) Nunca o procurador da autora ou o gerente da conta do Private Banking do BB se deslocaram às Ilhas Cayman para procederem a qualquer operação bancária ou relativa à conta supra identificada (resposta ao item 18º da PI).

N) Todo o relacionamento relativamente ao dinheiro depositado na conta do BB C… referida supra em I), efectuou-se sempre e apenas entre a autora e o BB, em V… (resposta ao item 19º da PI).

O) Aquando da abertura de conta, a autora informou o BB, na pessoa do Dr. DD, que pretendia aplicar parte do seu dinheiro em depósitos ou aplicações a prazo, sempre com garantia do capital investido (resposta ao item 20º da PI).

P) Era do pleno conhecimento do BB, através do Dr. DD, que a autora só pretendia aplicar aquela parte do seu dinheiro em depósitos cujo capital estivesse garantido, o que sempre lhe foi afirmado pelo seu gestor de conta, tendo o Dr. DD usado tal conta para aplicação do dinheiro depositado (resposta ao item 21º da PI).

Q) O Dr. DD, enquanto funcionário do BB, foi aplicando, ao longo dos anos, parte do dinheiro pertencente à autora depositado na conta referida supra em I), em várias aplicações de depósitos a prazo, sendo certo que, pelo menos a partir de Julho de 2002, aplicou o montante de €300.000,00 na aquisição de um produto financeiro denominado K2 Corporation ou K2 Corp. (resposta ao item 22º da PI, ao item 54º da Contestação do BB e aos itens 60º e 61º da Contestação do BB C…).

R) Nos termos acordados, em virtude dessa aplicação financeira, passou a pagar à autora regularmente, juros trimestrais (resposta ao item 23º da PI).

S) O capital permanecia sempre o mesmo, só variando em consequência de alguns reforços de capital que foram sendo efectuados, quando havia algum levantamento de dinheiro, ou quando se dava ordem para incorporar os juros pagos (resposta conjunta aos itens 24º e 25º da PI).

T) Em Julho de 2007, a autora dispunha de € 450.291,08 aplicados no mencionado produto financeiro K2 Corp., tendo sido pagos os respectivos juros acordados, trimestralmente, como vinha sendo usual (resposta ao item 26º da PI).

U) No início do trimestre seguinte, isto é, em Outubro de 2007, sem qualquer justificação, o BB deixou de pagar os juros que havia acordado relativamente a essa aplicação, pagando juros inferiores ao que vinha efectuando até essa data (resposta ao item 27º da PI).

V) No início de Janeiro de 2008, o BB deixou mesmo de pagar quaisquer juros à autora, tendo, na altura, pedido um pouco de paciência, que iria resolver o problema (resposta ao item 28º da PI).

W) Porém, ao contrário do prometido, o certo é que o BB não cumpriu a sua promessa, e, nessa sequência, a autora solicitou a devolução do seu capital para realizar outras aplicações (resposta ao item 29º da PI).

X) O Dr. DD foi fazendo promessas atrás de promessas, quer do pagamento dos juros, quer da devolução do capital, o que não ocorreu (resposta ao item 30º da PI).

Y) Em 14 de Janeiro de 2008 a autora, através do seu procurador, escreveu uma carta ao presidente do BB, manifestando-lhe a sua total incredulidade face à actuação do Banco e afirmando sentir-se enganada pelo mesmo (resposta ao item 31º da PI).

Z) Nunca o Dr. DD informou, elucidou, explicou ou alertou a autora para o facto de o capital investido na aplicação K2 Corp. estar exposto a qualquer risco (resposta ao item 32º da PI).

AA) Nem tão pouco apresentou qualquer ficha técnica sobre as aplicações que oferecia (resposta ao item 33º da PI).

BB) Em inícios de Janeiro de 2008 a autora decidiu solicitar a devolução da totalidade do dinheiro que investira na referida aplicação, pedido que reiterou, por diversas vezes, ao BB (resposta ao item 35º da PI).

CC) E, apesar das diversas promessas efectuadas, o certo é que o BB não procedeu, como havia sido ordenado pela autora, à devolução dos €450.291,08 pertencentes à mesma (resposta ao item 36º da PI).

DD) E, para total surpresa da autora, o BB, para além de deixar de pagar os juros trimestrais a partir de Janeiro de 2008, jamais lhe viria a devolver o valor aplicado no mencionado produto identificado no extracto como “K2 Corporation Capital” (resposta ao item 37º da PI).

EE) Que sempre se apresentou com a cotação de 100%, correspondente ao montante aplicado, até Junho de 2008 (resposta restritiva ao item 38º da PI – item que na parte restante é conclusivo, e por isso não se responde).

FF) Com o extracto de Julho de 2008, o legal representante da autora ficou perplexo ao verificar que aquele montante que sempre pensou estar garantido, afinal estava a perder valor, pois era apresentado com o valor de apenas €202.934,62, situação que se manteve até Setembro de 2008 (resposta ao item 40º da PI).

GG) No mês de Outubro de 2008, a referida aplicação financeira já apresentava um valor inferior, de €196.940,67 (resposta ao item 41º da PI).

HH) A partir de Novembro de 2008, tal aplicação passou a aparecer com o valor de €0,00, situação que se manteve sempre a partir dessa data até ao último extracto que foi fornecido à autora, em Dezembro de 2009, com excepção do mês de Dezembro de 2008, em que apareceu com o respectivo valor aplicado pela autora de €450.356,00, com a cotação de 100% (resposta conjunta aos itens 42º, 43º e 44º da PI).

II) A autora não foi informada de que a aplicação daquele seu dinheiro teria por objecto a compra de títulos com risco de capital (resposta ao item 46º da PI).

JJ) Sempre lhe foi afirmado pelo Sr. Dr. DD que o capital investido estava garantido, o que se confirmou nos extractos ao longo de vários anos (resposta ao item 47º da PI).

KK) Nunca a autora autorizou a aplicação daquela parte do seu dinheiro em produtos financeiros com risco de capital (resposta ao item 48º da PI).

LL) Atentas as relações de confiança mútua estabelecidas entre a autora e o BB, a autora confiou nas informações prestadas pelo Banco, através do Dr. DD, de que se tratava de uma aplicação com garantia do montante investido, como tal, sem qualquer risco (resposta ao item 52º da PI).

MM) Sempre foi transmitido à autora, quer pelo Dr. DD, quer, depois, pelo Dr. GG, ambos do Private Banking do BB, que a Administração do BB tinha decidido honrar os compromissos assumidos, pelo que o Banco iria proceder ao reembolso do valor aplicado, garantindo o capital aplicado aos inúmeros clientes afectados com este tipo de aplicação, entre os quais a autora (resposta ao item 54º da PI).

NN) O Dr. DD garantiu, por várias vezes, ao procurador da autora que tinha documentos escritos internos de que todos os responsáveis do BB, incluindo o seu Presidente, estavam a par da situação e que iriam solucioná-la muito em breve (resposta ao item 55º da PI).

OO) Mais tarde, afirmou mesmo ao procurador da autora que estava constrangido com a situação, mas que, segundo o tinham informado, o BB já teria solução para esta situação (resposta ao item 56º da PI).

PP) Factos que viriam a ser corroborados perante a autora pelo Dr. GG (resposta ao item 57º da PI).

QQ) E apesar das inúmeras insistências por parte do procurador da autora, junto do BB, o certo é que, até à data, nunca se veio a efectuar o prometido reembolso (resposta ao item 58º da PI).

RR) O débito referido supra em C), que nunca foi explicado ou justificado à autora, gerou juros à taxa de 22% entre 18/12/2008 e 19/10/2009, a favor do Banco, perfazendo, assim, um total de encargos debitados à autora no montante de €71.498,00 (resposta ao item 60º da PI).

SS) Quando a autora, totalmente insatisfeita com a actuação do Banco no que respeita à aplicação supra mencionada, decidiu proceder à transferência de alguns títulos que aí detinha para outra instituição de crédito, o Banco, depois de decorrido algum tempo, acabou por afirmar que só autorizava a transferência desses títulos, desde que a autora pagasse a referida quantia de €71.498,00 (resposta conjunta aos itens 61º e 62º da PI).

TT) Na sequência do referido débito, de €71.498,00, a autora viu-se forçada a vender títulos que detinha no BB, em momento não previsto - 19/10/2009 (cfr. doc. de fls. 77) -, de modo a obter fundos para pagar ao Banco aquele valor que o mesmo reclamava, sem o que o Banco não autorizava a transferência dos títulos em causa da autora para outra instituição bancária (resposta conjunta aos itens 63º, 64º e 65º da PI).

UU) A autora não foi informada pelo BB, ou por qualquer colaborador ou responsável do BB, de que a aplicação em causa que fizeram do seu dinheiro se tratava de risco elevado e, bem pelo contrário, à autora sempre foi afirmado pelo Dr. DD que o capital investido estava garantido (resposta conjunta aos itens 69º e 70º da PI).

VV) Nunca foram exibidas ou disponibilizadas à autora quaisquer fichas técnicas com a descrição da aplicação em que o BB investiu aquele dinheiro, apenas lhe tendo sido garantido que era uma aplicação com liquidez trimestral e com vencimento de juros trimestrais (resposta ao item 71º da PI).

WW) Os interlocutores do BB junto da autora sempre afirmaram que as condições que haviam sido acordadas consubstanciavam uma operação com liquidez trimestral e garantia do capital aplicado (resposta ao item 73º da PI).

XX) O produto financeiro K2 Corporation constava dos extractos que, pelo menos a partir do ano de 2003, eram disponibilizados à autora, emitidos pelo réu BB C…, constando na rubrica “Obrigações” da “Carteira de Títulos” (resposta aos itens 16º e 55º da Contestação do BB e ao item 171º da Contestação do BB C…).

YY) Essa descrição das aplicações e produtos financeiros que compunham a carteira da autora foi sempre repetida nos extractos relativos a todos os meses subsequentes (resposta ao item 20º da Contestação do BB).

ZZ) Pelo menos desde Janeiro de 2008, a autora sabia do investimento efectuado no dito produto K2 e da respectiva integração na sua carteira de títulos (resposta ao item 26º da Contestação do BB).

AAA) A ré BB C… não dispunha de estrutura comercial privativa, actuando com recurso à rede comercial do réu BB (resposta restritiva ao item 44º da Contestação do BB).

BBB) A sociedade autora pertence exclusivamente a EE, da qual este é o “ultimate benefitial owner” (resposta restritiva ao item 50º da Contestação do BB, conjuntamente com os itens 15º e 16º da Contestação do BB C…).

CCC) Após a sua constituição, a autora começou por constituir junto do réu BB C… depósitos a prazo (resposta ao item 52º da Contestação do BPN).

DDD) Na carteira de títulos detida pela autora, sob a rubrica “Fundos Internacionais”, constavam títulos representativos de:

   - HH Global;

   - II Acc;

   - JJ Growth (que mais tarde alterou a sua denominação para KK);

   - LL FD; - MM Value; - NN;

   - OO China (resposta ao item 58º da Contestação do BB e ao item 67º da Contestação do BB C…).

EEE) E o capital global envolvido nessas aplicações excedia largamente o montante que a autora veio a aplicar no dito produto K2 (resposta ao item 59º da Contestação do BB).

FFF) No produto NN, no mês de Julho de 2007, a autora detinha títulos que, no seu conjunto, ascendiam a um montante de 5.970.160,00 Yenes Japoneses (resposta ao item 60º da Contestação do BB).

GGG) Nessa mesma data, alguns dos demais títulos acima identificados em DDD) apresentavam-se com uma cotação inferior a 50% do respectivo valor nominal (resposta ao item 61º da contestação do BB).

HHH) A autora manteve na sua carteira o produto K2 Corp., conjuntamente com os “Fundos Internacionais” acima identificados em DDD), sem nunca ter apresentado a qualquer dos réus qualquer reclamação, pedido de explicação ou esclarecimento sobre a sua natureza, rentabilidade e garantia de reembolso do capital investido, até ao momento em que o K2 deixou de pagar juros (resposta conjunta aos itens 65º e 72º da Contestação do BB e aos itens 172º, 173º e 174º da Contestação do BB C…).

III) À autora foram disponibilizados extractos mensais emitidos em seu próprio nome, que recebia aquando das visitas que o seu procurador fazia ao balcão de Valença do réu BB ou quando o Dr. DD visitava aquele procurador da autora no escritório do mesmo em Espanha, e dos quais constava informação relativa às aplicações efectuadas e sua remuneração (resposta ao item 70º da Contestação do BB).

JJJ) Em todos esses extractos vinha expressamente mencionada a existência e titularidade de um produto financeiro denominado de “K2” ou “K2 Corporation Capital” (resposta ao item 71º da Contestação do BB).

KKK) A autora era cliente do “Private Banking” do réu BB, e nessa qualidade era investidora habitual em produtos financeiros que se não encontram disponíveis para comercialização nos balcões comerciais do banco, como era o caso dos “Fundos Internacionais” referidos em DDD) (resposta ao item 96º da Contestação do BB).

LLL) As ordens de aquisição ou venda de valores mobiliários e/ou outros produtos financeiros, face à relação de confiança entre clientes e os respectivos gestores de conta, eram muitas vezes transmitidas via telefónica, como sucedeu em alguns casos com a ora autora (resposta aos itens 125º e 126º, em parte, da Contestação do BB).

MMM) A “AA Group, Inc”, aqui autora, é uma sociedade de direito inglês, tendo a natureza de uma “offshore” sedeada num paraíso fiscal, localizado nas Ilhas Virgens Britânicas (resposta ao item 13º da Contestação do BB C…).

NNN) O representante da autora e seu verdadeiro dono, EE, é um homem de negócios com dezenas de anos de experiência no mundo dos negócios, que costumava investir parte do seu capital na aquisição de produtos financeiros fora do comum (resposta aos itens 18º e 19º da Contestação do BB C…).

OOO) Aquele dono da autora, EE, procurava rentabilizar o melhor possível os seus investimentos mobiliários, incluindo em produtos com risco associado (resposta aos itens 25º, 28º e 48º da Contestação do BB C…).

PPP) Essa opção determinou inclusivamente que o mesmo EE, sendo um cidadão de nacionalidade espanhola, com a maior parte dos seus negócios instalados em Espanha, optasse por recorrer a um banco português para efectuar alguns dos seus investimentos financeiros e, por essa razão, tornou-se cliente do “private banking” do BB, através da autora (resposta aos itens 26º, 49º e 57º da Contestação do BB C…).

QQQ) Era o procurador da autora, Sr. EE, quem geria directamente a carteira de títulos da autora, dando instruções e acompanhando a evolução da mesma, apesar do Private Banking do BB, do qual o Sr. EE, através da autora, era cliente há vários anos, disponibilizar um serviço de gestão da denominada “Carteira de Gestão Discricionária”, efectuada directamente pelo banco, em nome do cliente e por força de um mandato que o mesmo confere ao banco para o efeito, e que se destina, essencialmente, àqueles clientes que, não tendo qualquer experiência neste tipo de investimentos, pretendem que seja o banco a promover essa gestão, seleccionando os produtos financeiros que em dado momento considera poderem ser mais rentáveis para o cliente, aquele nunca pretendeu recorrer àquele serviço (resposta aos itens 37º e 38º da contestação do BB C…).

RRR) A autora foi constituída em Setembro de 1999 (resposta restritiva ao item 41º da Contestação do BB C…).

SSS) Após a sua constituição, a autora tornou-se cliente do Private Banking da sucursal de Valença do BB, a partir do ano 2000, cujo gestor responsável era o Sr. Dr. DD (resposta ao item 44º da Contestação do BB C…).

TTT) Gestor que o Senhor EE já conhecia desde há cerca de vinte anos, pois foi, durante vários anos, cliente daquele gestor numa outra instituição bancária (resposta aos itens 45º e 46º da Contestação do BB C…).

UUU) E após aquele colaborador do BB, Dr. DD, ter sido admitido ao serviço do BB, em Março de 1999, a autora, a partir de 2000, tornou-se num dos clientes do “private banking” da sucursal de V… do BB (resposta ao item 47º da Contestação do BB C…).

VVV) A autora fez seus os juros obtidos com a aplicação “K2 Corporation” (resposta ao item 175º da Contestação do BB C…).

WWW) À autora foram disponibilizados todos os extractos relativos à conta que possuía junto do BB C…, entre os quais os extractos mensais da carteira de valores mobiliários que possuía associada à mesma conta (resposta aos itens 183º e 184º da Contestação do BB C…).


Em consequência da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, a Relação aditou (fls 1435 a 1436) os seguintes factos:


XXX): Os serviços de Private Banking do banco BB diligenciavam para alguns dos seus clientes pela constituição de sociedades offshore, de modo a que as aplicações financeiras destes passassem a estar depositadas em contas detidas por tais sociedades, junto dos chamados paraísos fiscais, tendo sido essa a razão que levou à constituição do BB C…;

ZZZ): Os réus dispensavam a redução a escrito das ordens de aquisição ou venda de valores mobiliários e/ou outros produtos financeiros. 

AAAA): O “K2 Corporation” era um produto financeiro que investia num “portfólio” diversificado de obrigações, com maturidade média, coincidente com a maturidade do produto;

BBBB): Era um produto com rating AAA, que pagava os respetivos cupões trimestralmente.

CCCC): Este produto foi comercializado pela rede do “private banking” do BB a partir do ano 2000.

DDDD): Produto esse que, até, sensivelmente, finais de 2007, quando ocorreu a crise do “subprime” era rentável e merecia a confiança dos mercados financeiros, uma vez que a sua gestão era feita indirectamente pelo banco alemão, “FF Bank”.

EEEE): Na ficha comercial do produto K2 está escrito que “o risco deste produto está associado a um alargamento forte dos spreads dos produtos em que estão investidos, que poderia levar a equipa do K2 Corp a pagar um cupão inferior ou mesmo não pagar durante um determinado período, para que a empresa não sofra um “downgrade” do seu rating (AAA), o que implicaria níveis de financiamento mais alto.

FFFF): O representante da autora, EE, no tocante a matérias relacionadas com fundos de investimento aconselhava-se também com um amigo seu, em Espanha.



B) Fundamentação de direito


As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável por força do seu artigo 5º nº 1, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, tal como foram delimitadas pelo recorrente, tendo ainda em consideração o acórdão da Formação de 18.09.2018, consistem no seguinte:

- Houve deficiência formal da apreciação das provas e da fixação dos factos materiais da causa?

- Verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil, mormente a ilicitude e o nexo de causalidade?



FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E ANÁLISE CRÍTICA DAS PROVAS


No seu recurso de apelação, o réu Banco CC, SA insurge-se contra a sentença da primeira instância, alegando que a mesma não fundamentou a resposta à matéria de facto (facto a facto, ponto por ponto) nem procedeu à análise crítica da prova, sendo, por isso, nula.


Confrontado com o acórdão da Relação … de 06.03.2018, que confirmou a decisão da 1ª instância e que desatendeu a nulidade invocada pelo recorrente, volta a interpor recurso, agora de revista excepcional.


Alega o recorrente, em síntese, que o acórdão da Relação … sofre dos mesmos vícios da sentença da 1ª instância, pois não fundamentou a matéria de facto impugnada na apelação, facto a facto (fê-lo de forma genérica) e ainda que o mesmo acórdão não procedeu à análise crítica da prova.


Cumpre decidir.

Como é sabido, os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são muito limitados quanto ao julgamento da matéria de facto, cabendo-lhe, fundamentalmente, e salvo situações excepcionais (artigo 674º nº 3 in fine e artigo 682º nº 2 do CPC), limitar-se a aplicar o direito aos factos materiais fixados pelas instâncias (682º nº 1 do CPC) e não podendo sindicar o juízo que o Tribunal da Relação proferiu em matéria de facto.


Efectivamente, preceitua o nº 3 do artigo 674º do CPC que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, já que se tal for feito ao arrepio do artigo 662º do Código do Processo Civil, está-se no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, no julgamento de direito[1].

Ou seja, e nas palavras do acórdão do STJ de 06/07/2011[2], “se a este Supremo Tribunal de Justiça lhe é vedado sindicar o uso feito pela Relação dos seus poderes de modificação da matéria de facto, já lhe é, todavia, possível verificar se, ao usar tais poderes, agiu ela dentro dos limites traçados pela lei”.

Trata-se, por conseguinte, de verificar se o Tribunal da Relação, ao usar os seus poderes, respeitou a lei processual, o que é inequivocamente, e como também destaca o Acórdão do STJ de 06/07/2011, matéria de direito[3].


Entremos agora na questão nuclear que diz respeito à fundamentação da matéria de facto e à análise crítica das provas.


Se se exige que o Tribunal da Relação forme livremente a sua própria convicção, ainda que a mesma porventura possa coincidir com a (também ela livre) convicção do julgador de 1ª instância, a fundamentação da decisão deve, de modo transparente, mostrar o caminho próprio que o Tribunal da Relação seguiu ao formar essa convicção e ao decidir da matéria de facto.


Nas palavras do Acórdão do STJ de 08.06.2011[4], “motivar é justificar a decisão de modo a que possa ser controlada, desde logo, pelo tribunal e, naturalmente, pelos sujeitos processuais e pelas instâncias de recurso”.

Assim, da fundamentação deve resultar, com clareza, o caminho próprio que o Tribunal da Relação seguiu para formar a sua própria convicção, não podendo ser suficiente uma remissão ou concordância genérica com a fundamentação da 1ª instância, como destacou, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/09/2013[5], anotado em sentido concordante por Miguel Teixeira de Sousa[6], e em que se afirma inequivocamente que “a reapreciação das provas não pode traduzir-se em meras considerações genéricas, sem qualquer densidade ou individualidade que as referencie ao caso concreto”.


Sobre esta matéria prescreve o artigo 607º nº 4 do C.P.Civil o seguinte:

“Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.


No regime de fundamentação da sentença ou do acórdão sobre matéria de facto, para além da fundamentação das respostas positivas, o juiz passa a ter de justificar as respostas negativas; por outro lado, a decisão, para além de especificar os fundamentos que foram decisivos para convicção do julgador, tem de proceder à análise crítica das provas.


Isto significa que o juiz deve esclarecer quais as provas que o levaram a formar a sua convicção e deve ainda analisar criticamente as provas produzidas, explicando os motivos que o levaram a optar por uma determinada resposta.


Para Antunes Varela, “além do mínimo traduzido na menção especificada dos meios de prova geradores da convicção do julgador, deve este ainda, para plena consecução do fim almejado pela lei, referir, na medida do possível, as razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova”[7].


Miguel Teixeira de Sousa refere que “ o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente”[8].


Em anotação ao artigo 653º nº 2 (a que corresponde o actual 607º nº 4), Lopes do Rego escreveu: “… a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, provada e não provada, deverá fazer-se por indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, o que compreenderá não só a especificação dos concretos meios de prova, mas também a enunciação das razões ou motivos substanciais por que eles relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador – só assim se realizando verdadeiramente uma “análise crítica das provas”. Tal circunstância determinou a alteração do preceituado no nº 5 do artigo 712º do CPC, podendo ter lugar a remessa do processo à 1ª instância para fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto sempre que ela se não mostre “devidamente fundamentada” (e não apenas quando omita a menção dos concretos meios de prova que a suportaram)[9].


Segundo o acórdão nº 55/85 do Tribunal Constitucional[10], a fundamentação das decisões jurisdicionais cumpre, em geral, duas funções:

a) Uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitindo às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente com o decidido;

b) Outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz “ad quem”, que procura, acima de tudo, tornar possível o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão – e que visa garantir, em última análise, a “transparência” do processo e da decisão.


Não sendo satisfatoriamente cumprida, quanto a algum facto essencial, a exigência de fundamentação emergente do estatuído no nº 2 do artigo 653º, pode a parte prejudicada requerer que o tribunal de 1ª instância supra a nulidade, procedendo à fundamentação adequada. Face à actual relevância – constitucional e legal – da exigência de fundamentação, temos como duvidosa a solução consistente em considerar que a lei não estabelece qualquer sanção para a falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto: o que, a nosso ver, decorre do nº 5 deste artigo 712º é que a nulidade cometida, quando reclamada adequadamente pela parte, deve, na medida do possível, ser sempre suprida pela 1ª instância; mas, se tal suprimento for impossível, não nos parece excluída a possibilidade de a Relação anular o julgamento com base numa omissão essencial e relevante de fundamentação (sublinhado nosso)[11].


A fundamentação deve conter, como suporte mínimo, a concretização do meio probatório gerador da convicção do julgador e ainda a indicação, na medida do possível, das razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova, a menção das razões justificativas da opção feita pelo julgador entre os meios probatórios de sinal oposto relativos ao mesmo facto[12].


“Quando a prova é gravada, a sua análise crítica constitui complemento fundamental da gravação; indo, nomeadamente, além do mero significado das palavras do depoente (registadas em audiência e depois transcritas), evidencia a importância do modo como ele depôs, as suas reacções, as suas hesitações e, de um modo geral, todo o comportamento que rodeou o depoimento”[13].


A análise crítica das provas prevista para o julgamento referido na primeira parte do nº 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil não difere funcionalmente do exame pressuposto no julgamento regulado na segunda parte deste número: ambos visam concluir se a prova produzida é, em concreto, bastante para a demonstração do facto. O modo como se chega a tal conclusão é, no entanto, profundamente diferente, o que se reflecte na motivação da convicção.

Na motivação da decisão sobre os factos julgados de acordo com a norma constante da primeira parte do nº 4, o juiz explica por que razão, de acordo com a sua livre convicção (primeira parte do nº 5), o meio é idóneo, em abstracto e em concreto, à prova do facto; na motivação do julgamento feito no contexto da segunda norma, o juiz partindo da certeza e afirmando que o meio é, em abstracto, idóneo (v.g. um documento), esclarece por que razão se extrai dele (ou não) o facto a provar (segunda parte do nº 5).

Num caso, o juízo de conformidade entre os factos alegados e a realidade histórica estriba-se na prudente convicção do julgador; noutro, este juízo funda-se, em especial, no valor que a lei atribui a determinados meios de prova[14].


Entrando mais directamente no caso dos autos, lendo a decisão da 1ª instância sobre a fundamentação das respostas à matéria de facto (fls. 760 a 782), verificamos que a mesma, quase de forma exaustiva, analisou criticamente as provas, especificou, de forma racional, coerente e lógica os fundamentos que foram decisivos para a respectiva convicção e com respeito pela prova testemunhal (fls 765 a 782) e documental (fls 760 a 765) produzida e ainda por confissão do legal representante da autora (fls 760).

Designadamente, aí se explica a razão por que se entendeu dar as respostas que o então apelante pôs em crise na apelação.

Duma coisa não temos dúvidas: não vislumbramos que tenha havido grosseira valoração da prova que foi feita na 1ª instância recorrida. Pelo contrário, a prova foi apreciada com análise crítica e com o cuidado e atenção devidos, dando o tribunal credibilidade ao que merecia e refutando o que considerou - e bem - espúrio ou sem interesse para a decisão de facto.


No que respeita ao acórdão da Relação o mesmo (fls 1409 a 1436), apreciou livremente as provas, fazendo o seu próprio juízo com total autonomia, numa situação de muitíssima impugnação da matéria de facto, quer por parte do réu Banco CC, SA, quer por parte do réu BB C…. Limited, transcrevendo um alargado resumo dos diversos depoimentos (fls 1418 a 1425) e mesmo da prova documental (fls 1425 a 1429).


O acórdão procedeu ainda, além da respectiva fundamentação, à análise crítica das provas, com ponderação dos elementos probatórios (fls 1429 a 1435). Esclareceu, explicou e analisou o conteúdo dos depoimentos das testemunhas e do depoimento de parte, em articulação com a prova documental produzida.


O acórdão chegou mesmo a aditar os factos XXX), ZZZ), AAAA), BBBB), CCCC), DDDD) EEEE), FFFF) – Cfr fls 1435 e 1436.


Para concluir, acrescentaremos apenas que a metodologia das instâncias no que toca à fundamentação e análise crítica da prova, não tem de ser exaustiva, bastando que sejam claros e suficientes os motivos que levaram o julgador a decidir em determinado sentido e não noutro.

Formalmente, a notável extensão, quer da fundamentação, quer da análise crítica das provas, leva-nos à conclusão que tal desiderato adjectivo foi conseguido, quer na 1ª instância, quer na Relação, não se exigindo que a motivação e análise crítica seja do tipo “facto a facto, ponto por ponto”.


Efectivamente, a imposição da fundamentação não impede necessariamente que o tribunal motive em conjunto as respostas a mais do que um facto da base instrutória, quando os factos objecto da motivação se apresentem entre si ligados e sobre eles tenham incidido fundamentalmente os mesmos meios de prova. Essa motivação conjunta pode até ser concretamente aconselhável[15].


Concluímos, pois, que as instâncias seguiram um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, as decisões da 1ª instância e da Relação não se mostram ilógica, arbitrária ou notoriamente violadoras das regras da experiência comum e muito menos do disposto no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.


Nesta conformidade, improcedem as conclusões das alegações do recorrente, confirmando-se, nesta parte, o acórdão da Relação, por não haver “ deficiência formal da apreciação das provas e da fixação dos factos materiais em causa”.



A VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL, MORMENTE A ILICITUDE E O NEXO DE CAUSALIDADE


Antes de mais, importa saber qual o quadro legal aplicável perante os factos que se mostram provados.

Assim, o circunstancialismo legal que existia na data em que se operou a aquisição pela autora do produto financeiro denominado K2 Corporation ou K2 Corp. [(Julho de 2002 – Facto provado Q)] - é o Código de Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, na redacção dada pelo DL nº 61/2002, de 20 de Março[16].


A natureza jurídica da operação bancária entre o autor e o réu deve ser qualificada como uma actividade de intermediação financeira. O banco réu, além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, pois tratou da comercialização, aos seus balcões, do produto financeiro denominado K2 Corporation ou K2 Corp. (artigos 289º nº 1, 290º nº 1 alª b) e 293º nº 1 alª a), todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro.


Donde resulta que a qualificação jurídica da intervenção do réu não pode deixar de ser considerada como um serviço e uma actividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o autor e o réu um contrato de intermediação financeira enquanto categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira[17].


A intermediação financeira designa o conjunto de actividades destinadas a mediar o encontro entre oferta e procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular e eficaz funcionamento.


O papel comercial, cujo regime jurídico está definido no DL nº 69/2004, de 25-03, está qualificado como um valor mobiliário de natureza monetária (cf. artº 1º nº 1) e é utilizado para suprir necessidades de liquidez imediata ou para servir de sucedâneo à emissão de garantias sobre contratos de concessão de crédito[18].


Os intermediários financeiros são agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transacções por sua conta; ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos.

Os intermediários financeiros estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. E daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem os deveres de informação ao cliente e de adequação.


Assim, interessa decidir se o BB violou, quanto à autora, deveres que sobre si impendiam enquanto intermediário financeiro para tanto autorizado, aquando da aquisição, por esta, do produto financeiro denominado K2 Corporation ou K2 Corp. e, consequentemente, se é responsável pelo pagamento da indemnização peticionada.


No enquadramento da situação não deve deixar de ser ponderada a relação bancária que, à data da propositura da acção, perdurava há cerca de 11 anos entre o BPN e a autora, com a consequente consolidação da base de confiança entre eles estabelecida.


Sobre a relação de confiança existente entre a autora e o BPN mostra-se ainda provado que:

“RRR) A autora foi constituída em Setembro de 1999 (resposta restritiva ao item 41º da Contestação do BB C…).

SSS) Após a sua constituição, a autora tornou-se cliente do Private Banking da sucursal de V… do BB, a partir do ano 2000, cujo gestor responsável era o Sr. Dr. DD (resposta ao item 44º da Contestação do BB C…).

TTT) Gestor que o Senhor EE já conhecia desde há cerca de vinte anos, pois foi, durante vários anos, cliente daquele gestor numa outra instituição bancária (resposta aos itens 45º e 46º da Contestação do BB C…).

UUU) E após aquele colaborador do BB, Dr. DD, ter sido admitido ao serviço do BB, em Março de 1999, a autora, a partir de 2000, tornou-se num dos clientes do “private banking” da sucursal de V… do BB (resposta ao item 47º da Contestação do BB C…)”.


Os Bancos são instituições de crédito que podem efectuar a generalidade das operações bancárias não vedadas por lei, designadamente actividades de intermediação financeira – cf. artigos 3º alª a) e 4º nº 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), na redacção em vigor à data dos factos e artigo 293º nº 1 alª a) do CVM.


Nas relações com os autores, o Banco réu, como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta fixadas no RGICSF, designadamente as constantes dos artigos 73º, 74º e 75º, na redacção então em vigor.


Assim:

Artigo 73.º (Competência técnica)

As instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência.

Artigo 74.º (Relações com os clientes)

Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.

Artigo 75.º (Dever de informação)

1 - As instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles.

2 - O Banco de Portugal regulamentará, por aviso, os requisitos mínimos que as instituições de crédito devem satisfazer na divulgação ao público das condições em que prestam os seus serviços.


Enquanto intermediário financeiro (cf. artigos 289º nº 1 alª a) e 290º nº 1 alª c) do CVM), estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304º a 342º do CVM.



A violação dos deveres de informação


Há que ter presente que, como se estabelece no artigo 7º do CVM, a qualidade da informação deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação.


A informação constitui um pilar na avaliação do investimento em valores mobiliários e na própria eficiência do mercado, nela devendo cumprir-se os requisitos qualitativos estabelecidos no artigo 7º do CVM.


E o artigo 304º, sob a epígrafe (Princípios), estabelece que:

1- Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.


Quanto à prevalência aos interesses dos clientes (nº 3 do artº 309º), designadamente dispõe o nº 1 do artº 310º, sob a epígrafe (Intermediação excessiva), que “o intermediário financeiro deve abster-se de incitar os seus clientes a efectuar operações repetidas sobre valores mobiliários ou de as realizar por conta deles, quando tais operações tenham como fim principal a cobrança de comissões ou outro objectivo estranho aos interesses do cliente”


E o artigo 312.º (Deveres de informação) preceitua o seguinte:

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.


Como refere Agostinho Cardoso Guedes[19]: Sempre que alguém se dirige a um banco para com ele celebrar um contrato (um depósito bancário, um empréstimo, a compra de títulos da sociedade proprietária do banco, um desconto, um empréstimo hipotecário, depósito de títulos etc.) e se inicie «uma actividade comum dos contraentes destinada à análise e elaboração do projecto de negócio» não parece restar qualquer dúvida que qualquer dos contraentes fica imediatamente vinculados aos deveres resultantes do artº 227º e consequentemente o banco pode ser obrigado a prestar informações ou conselhos ou, quando tal dever não surja por força do dever de agir com boa fé, responsabilizado, ainda assim, por informações ou conselhos inexactos (desde que, com esse comportamento, se violem outros deveres de conduta, tal como acontecia com os deveres laterais de origem contratual de que resultem danos”.


Também Gonçalo André Castilho dos Santos[20] se pronunciou sobre o assunto: “são precisamente as avaliações e recomendações prestadas pelos intermediários financeiros que habitualmente motivam os investidores a fundamentar a sua decisão inicial de investimento ou a modificar uma decisão anterior. (…) A crescente complexidade dos serviços e dos produtos financeiros não só justifica uma gradual sofisticação da informação que tenha de vir a ser recolhida e tratada para efeitos de formulação de juízos sobre a qualidade e quantidade dos investimentos em mercado, como também implica, em termos exponenciais, que os custos e riscos envolvidos nessa operação sejam proibitivos para a esmagadora maioria dos investidores, em geral, e dos clientes, em particular. Esta envolvente repercute-se numa especial posição de confiança e dependência do cliente face ao profissional do mercado que, enquanto intermediário financeiro, assume funções significativas na gestão do património daquele”.


António Pedro Azevedo Ferreira[21] refere que o dever geral de informar que impende sobre o banco é, “ forçosamente enquadrado pelo âmbito da relação negocial estabelecida entre o banco e o seu cliente, não incidindo sobre o banco relativamente a matérias que não tenham a ver, directa ou indirectamente, com tal relação. Isto é, o banco não está obrigado a tomar a iniciativa de informar o seu cliente sobre matérias que não tenham a ver com o âmbito do contrato bancário geral desenhado entre as partes, nomeadamente o banco não está obrigado a informar o cliente sobre eventuais oportunidades de negócio. Se, no entanto, o banco prestar tal tipo de informações, “motu próprio”, fica naturalmente obrigado a agir com a correcção, a veracidade e a prudência que lhe são exigíveis por força da sua condição específica de profissional habilitado para o exercício da actividade, por força da confiança que tal facto inspira no cliente e por força de tal comportamento ser adoptado no âmbito de uma relação negocial de natureza vasta, complexa e diversificada.

(…). Em síntese, pois, parece poder concluir-se que a relação negocial estabelecida entre os bancos e os seus clientes determina, para aqueles e a favor destes, a configuração de uma obrigação de prestar informações segundo duas vertentes complementares:

Por um lado, o banco deve informar sempre que, no contexto negocial da relação estabelecida, tal comportamento se apresente como necessário ao desenvolvimento dessa relação, nomeadamente quando da informação prestada ao cliente possa depender uma correcta execução das ordens recebidas ou um maior rigor técnico dos serviços prestados, tudo num quadro amplo de salvaguarda dos interesses do cliente.

Por outro lado, se e quando o banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respectiva actuação, no âmbito daquela relação, pelos vectores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes”.


Citando Menezes Cordeiro[22], “ o Direito dos actos bancários é, fundamentalmente, um direito contratual: ele submete-se ao Direito das Obrigações, com os desvios ditados pela natureza comercial dos actos em causa e, ainda, com as especificidades propriamente bancárias, que tenham aplicação. Ao lado do Direito dos actos bancários, encontramos outras áreas normativas relevantes, (…) o que se poderá chamar de vinculações extra negociais, que incluem os deveres de informação e de lealdade pré contratuais e pós-eficazes (…) matéria que traduz o prolongamento dogmático dos deveres acessórios e pode ser considerada do tipo contratual”.


Como refere Paulo Câmara[23], “um dos alicerces do sistema mobiliário reside na função de apoio, assistência, aconselhamento e conselho que os intermediários financeiros desempenham relativamente aos seus clientes”.

A informação – salienta o mesmo autor – constitui, por um lado, “um instrumento de protecção dos investidores, uma vez que estes poderão avaliar melhor os riscos de ganhos e de perdas ligados ao seu investimento” e, por outro lado, salvaguarda o regular e eficiente funcionamento dos mercados”[24].


Relativamente ao desenho do âmbito funcional do dever de informação, refere o acórdão do STJ de 11.10.2018[25], que”:

O cumprimento dos deveres de informação que impendem sobre o intermediário financeiro é, porém, de geometria variável. Quer isto significar que a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente.

Assim, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há-de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objecto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação[26].

Em todo o caso, o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa - em absoluto – o investidor de adoptar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento[27].

Por outro lado, como adverte Paulo Câmara, “com a cominação de uma malha apertada de deveres ligados à informação não se anula o risco do investimento (…). Assim, são, à partida, lícitas as decisões irracionais do ponto de vista económico, ainda que potenciando prejuízos. (…)”[28].


Será o banco réu, enquanto intermediário financeiro, civilmente responsável para com os danos sofridos pela autora?


É esta a questão de fundo que agora importa resolver.


O artigo 314º do CVM (Responsabilidade civil) preceitua o seguinte:

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.


A presunção de culpa prevista naquele preceito não inclui presunções de ilicitude e de causalidade, desde logo, por tal amplitude não encontrar “na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (cfr. artº 9º nº 2, do Código Civil).


Neste sentido, entre outros:

Acórdão do STJ de 06.06.2013:[29] “A responsabilidade civil assacada ao intermediário financeiro, designadamente no âmbito de contrato de consultadoria para investimento em valores mobiliários, pressupõe a prova da ilicitude resultante do incumprimento de deveres legais ou contratuais, numa relação de causalidade adequada com o sinistro financeiro verificado”.


E ainda o acórdão do STJ de 13.09.2018[30]:

“I - A lei portuguesa não permite que o nexo de causalidade seja retirado ou obtido por via de uma presunção (arts 563º e 799º, conjugados com os arts 342º e ss, todos do CC).

II - O artº 799º do CC aplica-se apenas à culpa e não ao nexo de causalidade.

III - Ainda que se presuma a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano não se podendo, em caso algum, presumir-se quer o nexo de causalidade quer o dano”.


Está em causa, como já referimos, um contrato de intermediação financeira relativo à “recepção e transmissão de ordens por conta de outrem”, que são serviços de investimento em valores mobiliários – artº 290º nº 1 alª a) do CVM.


As normas do CVM, na redacção anterior à entrada em vigor do DL nº 357-A/2007 de 31.10, não densificavam o dever de informação, como hoje resulta das disposições dos artigos 312º-A a 312º-G, que apenas foram aditadas por aquele Decreto-lei.


Efectivamente, o Código dos Valores Mobiliários, na redacção vigente à data da subscrição do produto financeiro aqui em causa (Julho de 2002), para além do cumprimento do dever geral de informação previsto no artº 312º, apenas afirmava no artº 323º uma regra geral quanto ao dever de informação, donde resultava a obrigação do intermediário informar os clientes com quem tenha celebrado contrato sobre:

a) A execução e os resultados das operações que efectue por conta deles;

b) A ocorrência de dificuldades especiais ou a inviabilidade de execução da operação;

c) Quaisquer factos ou circunstâncias de que tome conhecimento, não sujeitos a segredo profissional, que possam justificar a modificação ou a revogação das ordens ou instruções dadas pelo cliente.


Posto isto, há que reconhecer que, no caso sub judice, a matéria de facto provada não permite imputar ao Banco réu qualquer violação dos deveres que sobre si impendiam, mormente deveres de informação.


Desde logo, porque se provou que:

- a autora subscreveu o produto financeiro K2Corp.a partir de Julho de 2002 (Q).

- O produto financeiro K2 Corporation constava dos extractos que, pelo menos a partir do ano de 2003, eram disponibilizados à autora, emitidos pelo réu BB C…, constando na rubrica “Obrigações” da “Carteira de Títulos” (XX).

- Essa descrição das aplicações e produtos financeiros que compunham a carteira da autora foi sempre repetida nos extractos relativos a todos os meses subsequentes (YY).

- Na carteira de títulos detida pela autora, sob a rubrica “Fundos Internacionais”, constavam títulos representativos de:

   - HH Global;

   - II Acc;

   - JJ Growth (que mais tarde alterou a sua denominação para KK);

   - LL FD; - MM Value; - NN;

   - OO China (DDD).

- E o capital global envolvido nessas aplicações excedia largamente o montante que a autora veio a aplicar no dito produto K2 (EEE).

- No produto NN, no mês de Julho de 2007, a autora detinha títulos que, no seu conjunto, ascendiam a um montante de 5.970.160,00 Yenes Japoneses (FFF).

- Nessa mesma data, alguns dos demais títulos acima identificados em DDD) apresentavam-se com uma cotação inferior a 50% do respectivo valor nominal (GGG).

- A autora manteve na sua carteira o produto K2 Corp., conjuntamente com os “Fundos Internacionais” acima identificados em DDD), sem nunca ter apresentado a qualquer dos réus qualquer reclamação, pedido de explicação ou esclarecimento sobre a sua natureza, rentabilidade e garantia de reembolso do capital investido, até ao momento em que o K2 deixou de pagar juros (HHH).

- À autora foram disponibilizados extractos mensais emitidos em seu próprio nome, que recebia aquando das visitas que o seu procurador fazia ao balcão de Valença do réu BB ou quando o Dr. DD visitava aquele procurador da autora no escritório do mesmo em Espanha, e dos quais constava informação relativa às aplicações efectuadas e sua remuneração (III).

- Em todos esses extractos vinha expressamente mencionada a existência e titularidade de um produto financeiro denominado de “K2” ou “K2 Corporation Capital” (JJJ).

- A autora era cliente do “Private Banking” do réu BB, e nessa qualidade era investidora habitual em produtos financeiros que se não encontram disponíveis para comercialização nos balcões comerciais do banco, como era o caso dos “Fundos Internacionais” referidos em DDD) (KKK).

- O representante da autora e seu verdadeiro dono, EE, é um homem de negócios com dezenas de anos de experiência no mundo dos negócios, que costumava investir parte do seu capital na aquisição de produtos financeiros fora do comum (NNN).

- Aquele dono da autora, EE, procurava rentabilizar o melhor possível os seus investimentos mobiliários, incluindo em produtos com risco associado (OOO).

- A autora fez seus os juros obtidos com a aplicação “K2 Corporation” (VVV).

- À autora foram disponibilizados todos os extractos relativos à conta que possuía junto do BB C…, entre os quais os extractos mensais da carteira de valores mobiliários que possuía associada à mesma conta (WWW).


Provou-se também que a autora não foi informada de que a aplicação daquele seu dinheiro teria por objecto a compra de títulos com risco de capital (II). E que sempre lhe foi afirmado pelo Sr. Dr. DD que o capital investido estava garantido, o que se confirmou nos extractos ao longo de vários anos (JJ). E ainda que, atentas as relações de confiança mútua estabelecidas entre a autora e o BPN, a autora confiou nas informações prestadas pelo Banco, através do Dr. DD, de que se tratava de uma aplicação com garantia do montante investido, como tal, sem qualquer risco (LL).

E também que os interlocutores do BB junto da autora sempre afirmaram que as condições que haviam sido acordadas consubstanciavam uma operação com liquidez trimestral e garantia do capital aplicado (WW).


Tais circunstâncias são, por si, claramente insuficientes para configurar uma violação do dever de informação e não traduzem omissão de qualquer informação relevante ou informação não verdadeira, sendo expressão corrente para explicar ao cliente, sem especiais conhecimentos (o que não é o caso da autora), que se tratava de um produto seguro e que os riscos, na prática, não divergiam em muito dos riscos de um depósito a prazo.



Este quantum de informação que o BB estava obrigado a prestar, no quadro da relação jurídica que o ligava aos seus clientes, inclui “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” (artº 312º do CVM).


A autora tinha como finalidade investir de forma simultaneamente segura e rentável, através da subscrição de um produto financeiro cuja rentabilidade fosse superior à de um depósito a prazo.

A “AA Group, Inc”, aqui autora, é uma sociedade de direito inglês, tendo a natureza de uma “offshore” sedeada num paraíso fiscal, localizado nas Ilhas Virgens Britânicas (MMM).

O representante da autora e seu verdadeiro dono, EE, é um homem de negócios com dezenas de anos de experiência no mundo dos negócios, que costumava investir parte do seu capital na aquisição de produtos financeiros fora do comum (NNN).

Aquele dono da autora, EE, procurava rentabilizar o melhor possível os seus investimentos mobiliários, incluindo em produtos com risco associado (OOO).


Significa isto que o verdadeiro dono da autora, EE, era um experimentado homem de negócios, que sabia investir o seu dinheiro em aplicações financeiras, como as que se mostram provadas nos autos, não sendo um homem inepto em matéria financeira.


Repescando aqui os argumentos do acórdão deste Supremo Tribunal de 06.06.2013 e já mencionado:

““… tudo levar a concluir que, não fora a crise financeira do sub prime que se propagou a todo o sistema financeiro e que se concretizou, além do mais, na ruptura do mercado financeiro islandês e ainda mais concretamente, na ruptura financeira do banco que emitiu as obrigações em que o A. investiu as suas poupanças, este teria muito provavelmente recebido todos os juros pretendidos no período de duração do investimento e, depois, o respectivo capital.

Enfim, a causa dos danos correspondentes à desvalorização absoluta dos títulos encontra-se num factor que era estranho à R. (a crise financeira global despoletada em 2007), sem que algo permita concluir que a mesma pudesse antecipar e comunicar ao A. o risco da sua ocorrência.

A R. forneceu ao A. as informações de que dispunha e tudo se desenhava para que esse investimento fosse rentável, tanto mais que nada fazia antever nem a degradação do mercado financeiro mundial, nem a do mercado islandês, nem a da concreta instituição financeira emitente das obrigações.

Nem sequer as características específicas das obrigações intermediadas fariam supor algum risco que devesse ser assinalado ao A., antes de este decidir, pois que na referida ocasião era praticamente indiferente que as obrigações tivessem uma ou outra característica, já que nada fazia supor o default da instituição financeira bem cotada pelas agências de rating.

Pode existir a tentação de encontrar nas entrelinhas da situação uma falha a que deva imputar-se o que veio a ocorrer, mas trata-se de uma tentativa que não suporta uma tal conclusão, tanto mais que o ponto de referência para a avaliação da diligência no cumprimento dos deveres deve situar-se na data em que ocorreram os factos, e não nas actuais circunstâncias em que, para além da inflação informativa, nos confrontamos com os factos consumados”.


É, pois, de concluir que o réu forneceu à autora as informações de que dispunha e tudo se desenhava para que esse investimento fosse generosamente rentável, tanto mais que nada fazia antever a degradação do mercado financeiro mundial.


Por conseguinte, a matéria de facto não permite identificar qualquer falha de informação que fosse imputável ao réu e cuja verificação tenha sido causal do que veio a ocorrer relativamente ao investimento que a autora através dele realizou.

Como refere António Pinto Monteiro[31]:

“ Em suma, quanto mais experiente e conhecedor for o cliente em relação ao produto financeiro em causa, e menos complexo este for, menos informação será necessário prestar-lhe, menos extensa e minuciosa esta terá de ser, e menos preocupações terá o intermediário financeiro de ter com a sua apresentação, para que o cliente possa apreender os elementos necessários para tomar a sua decisão de forma esclarecida e fundamentada, como a lei exige”.

Aliás, a autora, que era, afinal, a principal interessada na aquisição do produto financeiro em causa, nunca questionou a bondade da referida aplicação que, durante um prolongado período de cerca de 11 anos, lhe garantiu, efectivamente, a rentabilidade que procurou com a mencionada aplicação do capital.

Por conseguinte, atendendo à matéria de facto dado como provada, não se pode concluir que o réu tenha faltado ao cumprimento dos deveres a que estava obrigado ou que não tenha observado os ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões de diligência, lealdade e transparência exigíveis.


Deste modo, conclui-se pela inexistência de ilicitude, primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil imputada ao réu.


A tese dos autores estará ainda condenada ao insucesso, por não ter sido feita a prova do nexo de causalidade.


Dispõe o artigo 563º do Código Civil que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.


Consagra este preceito a teoria da “causalidade adequada” ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”[32].

Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, que “a fórmula usada no artigo 563º deve, assim, interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz adequada desse efeito”[33].


É à autora, enquanto cliente do BB, que cabe provar que não teria adquirido o produto financeiro K2 Corporation, caso lhe tivesse sido prestada a informação alegadamente em falta.

E teria ainda de provar a ilicitude da actuação do banco, quer por ter fornecido falsa informação, quer por ter transmitido informação incompleta ou deficiente.


Terminando, diremos que o alegado dano ocorreu em consequência da insolvência da emitente, o que constitui uma circunstância anómala e não previsível, à data da subscrição do produto financeiro K2 Corp., não sendo devido a qualquer violação de deveres de informação ou de obrigação contratual a que o BB estivesse vinculado[34].


“ A lei portuguesa não permite que o nexo de causalidade seja retirado ou obtido por via de uma presunção (arts 563.º e 799.º, conjugados com os arts 342º e ss, todos do CC).O art. 799º do CC aplica-se apenas à culpa e não ao nexo de causalidade. Ainda que se presuma a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano não se podendo, em caso algum, presumir-se quer o nexo de causalidade quer o dano”[35].



Nesta conformidade, procedem as conclusões das alegações do recurso.


CONCLUSÕES[36]:

I - Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são muito limitados quanto ao julgamento da matéria de facto, cabendo-lhe, fundamentalmente, e salvo situações excepcionais (artigo 674º nº 3 in fine e artigo 682º nº 2 do CPC), limitar-se a aplicar o direito aos factos materiais fixados pelas instâncias (682º nº 1 do CPC) e não podendo sindicar o juízo que o Tribunal da Relação proferiu em matéria de facto.

II - Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, já que se tal for feito ao arrepio do artigo 662º do Código do Processo Civil, está-se no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, no julgamento de direito.

III - Para além da fundamentação das respostas positivas, o juiz passa a ter de justificar as respostas negativas. A decisão, para além de especificar os fundamentos que foram decisivos para convicção do julgador, tem de proceder à análise crítica das provas.

IV - A fundamentação deve conter, como suporte mínimo, a concretização do meio probatório gerador da convicção do julgador e ainda a indicação, na medida do possível, das razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova, a menção das razões justificativas da opção feita pelo julgador entre os meios probatórios de sinal oposto relativos ao mesmo facto.

V - A imposição da fundamentação não impede necessariamente que o tribunal motive em conjunto as respostas a mais do que um facto da base instrutória, quando os factos objecto da motivação se apresentem entre si ligados e sobre eles tenham incidido fundamentalmente os mesmos meios de prova. Essa motivação conjunta pode até ser concretamente aconselhável.

VI - O banco réu, além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, pois tratou da comercialização, aos seus balcões, do produto financeiro denominado K2 Corporation, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas pela autora (artigos 289º nº 1, 290º nº 1 alª b) e 293º nº 1 alª a), todos do Código dos Valores Mobiliários,  

VII - Donde resulta que a qualificação jurídica da intervenção do réu não pode deixar de ser considerada como um serviço e uma actividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre a autora e o réu um contrato de intermediação financeira enquanto categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira.

VIII - A informação constitui um pilar na avaliação do investimento em valores mobiliários e na própria eficiência do mercado, nela devendo cumprir-se os requisitos qualitativos estabelecidos no artigo 7º do CVM.

IX - O dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa - em absoluto – o investidor de adoptar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento.

X - A circunstância de ter sido afirmado à autora por funcionário do réu que o capital investido estava garantido, o que se confirmou nos extractos ao longo de vários anos e que se tratava de uma aplicação com garantia do montante investido, como tal, sem qualquer risco, é, por si, claramente insuficiente para configurar uma violação do dever de informação.

XI - Este quantum de informação que o BB estava obrigado a prestar, no quadro da relação jurídica que o ligava aos seus clientes, inclui todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

XII - A matéria de facto não permite identificar qualquer falha de informação que fosse imputável ao réu e cuja verificação tenha sido causal do que veio a ocorrer relativamente ao investimento que a autora através dele realizou

XIII - A presunção de culpa prevista no artigo 314º do CVM não inclui presunções de ilicitude e de causalidade, desde logo, por tal amplitude não encontrar um “mínimo de correspondência” na letra da lei (cfr. artº 9º nº 2, do Código Civil)[37].

XIV - Atendendo à matéria de facto dado como provada, não se pode concluir que a ré tenha faltado ao cumprimento dos deveres a que estava obrigada ou que não tenha observado os ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões de diligência, lealdade e transparência exigíveis.


Nesta conformidade, procedem as conclusões das alegações do recurso.


III - DECISÃO


Atento o exposto, concedendo-se provimento à revista, revoga-se o acórdão recorrido e absolvem-se os réus dos pedidos.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 19.12.2018


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Olindo Geraldes

__________

[1] Ac STJ de 13/11/2012, in www.dgsi.pt Proc.º nº 10/08.0TBVVD.G1.S1/jstj
[2] Proc.º nº 645/05.2TBVCD.P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[3] Proc.º nº 8609/03.4TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[4] Proc.º nº 350/98.4TAOLH.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[5] Proc.º nº 1965/04.9TBSTB.E1.S1, in www.dgsi.pt/ jstj
[6] Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia, Cadernos de Direito Privado nº 44, Outubro/Dezembro de 2013, pp. 29 e ss.
[7] Manual de Processo Civil, 2ª ed. pág. 653.
[8] Estudos sobre o novo Processo Civil, pág. 348.
[9] Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª edição, 2004, pág. 545.
[10] BMJ 360 (Suplemento), pág. 195, citado por Lopes do Rego, loc e ob cit.
[11] Lopes do Rego, ob cit, em anotação ao artigo 712º, pág. 610.
[12] Antunes Varela, ob cit pág. 653 a 655.
[13] Lebre de Freitas,  Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 2ª edição, pág. 660.
[14] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil- Os Artigos da Reforma”, 2014, 2ª Edição, Vol I, Almedina, pág588 e 589.
[15] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol 2º, 2ª ed, 2008, págs. 661 a 662.
[16] Entrou em vigor em 01 de Março de 2000, por força do disposto no seu artigo 2º.
[17] José Engrácia Antunes, «Os contratos de intermediação financeira», BFDC, vol. LXXXV, Coimbra 2007, p. 281-282).
[18] Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra, 2011, p. 198.
[19] A Responsabilidade do Banco por informações à Luz do art. 485º do Código Civil in Revista de Direito e Economia , Ano XIV , 1988, págs 147 e 148.
[20] A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Almedina, 2008, pág. 135.
[21] “ A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura”, Quid Juris, 2005, págs 652 a 654.
[22] Direito Bancário, in Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 1997, pág 24.
[23] Manual de Direitos dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, pág. 691.
[24] Ob cit pág. 685.
[25] Proc.º nº 2339/16.4T8LRA.C2.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[26] Paulo Câmara, ob. cit. pág. 692 e Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, págs. 85-86.
[27] Cf., a propósito, Felipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, nº 31, de Dezembro de 2008, págs. 74 e segs
[28] Ob cit pág. 684.
[29] Proc.º nº 364/11. 0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[30] Proc.º nº 13809/16.4T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[31] Página 18 do Parecer a fls 1550 .

[32] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, página 654.
[33] Código Civil Anotado, Volume I, 3ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, em anotação ao artigo 563º, pág. 548.
[34] Cfr Ac STJ de 11.10.2018 já citado na nota nº 25.
[35] Ac STJ de 13.09.2018, Proc.º 13809/16. 4T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj .
[36] Da responsabilidade do relator nos termos do artigo 663º nº 7 do CPC.
[37] Defendemos já posição contrária – que abandonámos - no nosso Acórdão da Relação de Lisboa de 02.11.2017, Proc.º nº 6295-16.0T8LSB.L1-8, in www.dgsi.pt/jtrl.