Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
453/14.0TBVRS.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
CEDENTE
LEGITIMIDADE
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
INEFICÁCIA DO NEGÓCIO
ABUSO DO DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
COMPORTAMENTO CONCLUDENTE
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DA RELAÇÃO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
Data do Acordão: 04/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - A reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância, competindo-lhe reapreciar os meios de prova indicados e os que se mostrem acessíveis, complementados, ou não, com as regras da experiência, relativamente aos pontos impugnados da matéria de facto, podendo ainda alterar outros factos,  ainda que não impugnados, a fim de evitar uma contradição, pois se assim não fosse, o julgamento na Relação, no que concerne à matéria de facto, não alcançaria uma autónoma convicção probatória.

II - Ao STJ não cabe sindicar a decisão da Relação sobre a matéria de facto quando está em causa prova sujeita à livre apreciação do julgador, conforme resulta do disposto no art. 674.º, n.º 3, do CPC e constitui jurisprudência constante e uniforme deste Supremo Tribunal.

III - O erro acerca do juízo presuntivo formado com apelo às regras da experiência, só é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça se assentar em factos não provados ou em caso de ofensa a norma legal ou de manifesta ilogicidade, tendo, porém, em atenção que, mesmo neste caso, está vedado ao tribunal de revista envolver-se na indagação de eventual erro sobre a ponderação das provas sujeitas à livre apreciação do julgador.

IV - O nomem juris adotado pelos contratantes não vincula o Tribunal, uma vez que a qualificação jurídica de um contrato deve ser feita com recurso às regras de interpretação e integração da declaração negocial, nos termos dos arts. 236º e ss. do CC.

V - A interpretação de declarações negociais só constitui matéria de direito quando o sentido da declaração deva ser determinado segundo o critério do nº1, do art. 236º, do CC, ou surja a questão de saber se foi respeitado o art. 238º, do mesmo Código, estando-lhe vedado o apuramento da vontade real das partes por constituir matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias.

VI - O nº1, do art. 236º, do CC consagra a denominada doutrina da impressão do destinatário, segundo a qual o sentido juridicamente relevante com que deve valer uma declaração negocial há de corresponder àquele que lhe seria dado por um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, que, conhecendo as circunstâncias que este concretamente conhecia, atribuiria à declaração, agindo com capacidade e diligência médias.

VII - O contrato de cessão de exploração é um negócio do qual resultam meras obrigações que podem, ou não, ser cumpridas. Desta forma, sendo um negócio obrigacional, o contrato é válido ainda que o cedente não esteja em condições de oferecer ao cessionário o gozo/fruição da coisa cedida, podendo, quando muito, se for esse o caso, incorrer em responsabilidade contratual, por incumprimento do contrato (art. 798º, do CC).

VIII – O cedente, a coberto de um contrato promessa de compra e venda em que interveio como promitente comprador, pode validamente celebrar um contrato de cessão de exploração das fracção autónomas prometidas comprar, uma vez que o contrato de cessão reveste natureza obrigacional e não real.

IX - A questão da validade do contrato de cessão, por falta de legitimidade do cedente, coloca-se apenas no plano das relações internas, já que em relação aos verdadeiros titulares do imóvel o contrato seria apenas ineficaz.

X - O proprietário que intervenha no contrato de cessão, como cessionário, não pode invocar a invalidade do negócio, por falta de legitimidade (substantiva) do cedente, na medida em que, ao aceitar celebrar o contrato, nos termos do qual se declara ser aquele dono e legítimo proprietário das frações autónomas, objeto da cessão, concorreu para criar a aparência da legitimidade do cedente.

XI - O «venire contra factum proprium» assenta numa situação objetiva de confiança, reveladora de que o titular do direito aceita o «status quo» definitivamente – o chamado comportamento concludente. Nesta conformidade, seria abusivo que a ré pudesse prevalecer-se de uma situação a que ela própria deu o seu assentimento, para obstar a que o autor lograsse obter o direito ao recebimento das rendas que reclama nesta ação.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1. AA intentou a presente ação declarativa de condenação contra Mogal - Investimentos Hoteleiros e Turísticos, SA, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe €176.983,16, acrescidos de € 38.480,78, de juros de mora vencidos até 20.5.2014 e dos vincendos até efetivo e integral pagamento.[1]

Para tanto, alegou, em síntese, que:

Em 6.6.2000, autor e ré celebraram um contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual o autor prometeu comprar à ré dois apartamentos e três estacionamentos de um edifício em construção, pertencente à ré, sito em ….., concelho …., pelo valor global de Esc. 96.000.000.00, a pagar nas condições ali definidas.

O autor pagou, nas datas acordadas, as quantias a que se obrigou, a título de sinal e princípio de pagamento, num total de Esc. 76.000.000.00.

Posteriormente, em 4.3.2004, autor e ré celebraram um contrato denominado «contrato de cessão de exploração», através do qual o autor cedeu à ré a exploração turística de duas frações autónomas correspondentes aos apartamentos objeto do contrato promessa, bem como a sua quota-parte nas áreas comuns do edifício, com início em 1.1.2004, pela renda anual de € 9.000,00, ficando, no entanto, acordado entre as partes que o autor poderia, se o entendesse, usufruir da utilização dos mesmos apartamentos, nos termos acordados.

Sucede que a ré nunca entregou ao autor o valor das rendas, cujo pagamento, por isso, o autor vem reclamar nesta ação.

Mais alegou que, em 23.9.2013, foi celebrado o contrato de compra e venda relativo às frações prometidas comprar.

2. Na contestação apresentada, a ré, defendendo-se por exceção, invocou a incompetência territorial do tribunal, a ineptidão da petição inicial, o erro na forma de processo, a existência de causa prejudicial e a prescrição do direito invocado pelo autor.

Por sua vez, por impugnação, alegou, em síntese, que:

O denominado «contrato de cessão» configurava, antes, uma garantia ou promessa de cessão de exploração, a concretizar logo que o ora autor se tornasse proprietário das frações em causa, o que não aconteceu, uma vez que, no período a que respeitam as rendas anuais aqui peticionadas, o respetivo contrato de compra e venda não foi outorgado, por causa imputável ao autor.

Ainda que assim não fosse, não assistiria ao autor qualquer direito de crédito sobre a ré, já que o contrato foi celebrado para vigorar apenas durante um ano.  Se, porém, vier a ser entendido que o contrato se renovava sucessivamente, deverá ser declarado extinto, por acordo das partes, ou, pelo menos, resolvido pelo ora autor, por ter sido essa a sua vontade.

Alegou ainda a ineficácia do denominado contrato de cessão de exploração, face à não realização (atempada) do contrato prometido de compra e venda.

Mais alegou: a exceção de não cumprimento do contrato, dado que o autor se recusou a celebrar a escritura de compra e venda das frações e a pagar a totalidade do preço; o erro sobre os motivos determinantes da sua vontade negocial, por ter sido celebrado o contrato de cessão no pressuposto de que iria celebrar-se o contrato de compra e venda das frações, o que não se verificou; a alteração das circunstâncias com base nas quais assentou a sua vontade de contratar, o que conduz à resolução do contrato e, por fim, o abuso de direito.

Pediu, consequentemente, que a ação fosse julgada improcedente e o autor condenado como litigante de má fé.

A título subsidiário, deduziu reconvenção, pedindo que:

- Se declare a denúncia, resolução ou ineficácia do contrato de cessão de exploração;

- Subsidiariamente, se julgue verificado o erro sobre os motivos, a alteração anormal de circunstâncias e a excessiva e desequilibrada onerosidade do negócio para a ré e, por esta via se declare resolvido o referido contrato com efeito à data dos factos geradores da alteração das circunstâncias;

- E, caso assim não se entenda, se declare a ineficácia do contrato de cessão até à data em que vier a ser proferida a sentença, com trânsito em julgado.

3. Na réplica, o autor respondeu à matéria das exceções deduzidas. Quanto à reconvenção, invocou a sua ineptidão e, a não ser assim, pediu que fosse julgada improcedente.

4. Por despacho de fls. 840-844, foi declarada a incompetência territorial da instância central, …... secção cível, …. e ordenada a remessa dos autos à comarca  …, por ser a competente.

5. Após vicissitudes várias, foi proferido despacho a suspender a instância até ser proferida decisão final no processo nº 1896/98….. que se encontrava a correr entre as mesmas partes.

6. Tendo sido, entretanto, proferida sentença nesse processo[2], foram as partes notificadas para se pronunciar sobre a verificação do caso julgado.

7. Seguidamente, foi proferida decisão (cf. fls. 919-936) a:

- Julgar improcedentes as exceções de ineptidão da petição inicial da ação e da reconvenção e do erro na forma do processo.

- Julgar procedente a exceção de prescrição, no que toca às rendas das frações autónomas “BQ” e “AF”, relativas aos anos de 2004 a 2008, e respetivos juros, absolvendo-se a ré do pedido correspondente.

- Julgar improcedente a exceção de caso julgado no que tange às rendas relativas ao apartamento ..... dos anos 2009 a 2013, com vencimento em janeiro de 2014.

- Julgar improcedente a reconvenção, absolvendo o reconvindo dos pedidos reconvencionais, por força da autoridade do caso julgado emergente da decisão proferida no processo 1896/08.[3]

8. Quanto ao mais peticionado, a ação prosseguiu seus termos, tendo sido proferido despacho a identificar o objeto do litígio, a fixar a matéria assente e a enunciar os temas da prova. A ré veio reclamar desse despacho (cf. fls. 943v a 952), o que foi indeferido, salvo quanto ao aditamento à alínea I, da matéria assente do seguinte excerto: “conforme documento que se encontra junto aos autos” (cf. despacho de fls. 960-963).

9. Na sequência do despacho saneador, o autor veio ampliar/atualizar o pedido, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe as rendas de 2014 a 2017, inclusive, e respetivos juros de mora, excluindo, porém, os valores relativos às rendas de 2004 a 2008 e respetivos juros de mora (cf. fls. 937-938).

10. Por despacho de fls. 963, foi admitida a ampliação do pedido.

11. Na audiência de julgamento foi proferido despacho a enunciar um novo tema da prova com o seguinte teor: “O A. entregou os apartamentos “AF” e “BQ” à R., para que esta os explorasse turisticamente nos anos 2009 a 2017.” -  cf. fls. 1007.

12. Realizado o julgamento, foi proferida sentença (cf. fls. 1034-1048) que, julgando a ação improcedente, absolveu a ré dos pedidos.

13. Inconformado com o assim decidido, o autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação …. que proferiu acórdão em que, julgando procedente a apelação, revogou a sentença recorrida e condenou a ré a pagar ao autor “as rendas das duas frações, no valor de € 9.000,00 anuais, de 2009 a 2017 (inclusive), no total de €162.000,00 (= € 9.000,00 x 2 x 9), acrescido de juros legais civis (por ora de 4%) sobre aquelas rendas, desde a data de vencimento de cada renda, no dia 1 de janeiro do ano seguinte a que respeitar, sendo a primeira em 01/01/2010.”.

14. Irresignada, veio a ré interpor a presente revista, formulando as seguintes conclusões:

A. O douto Acórdão recorrido do Tribunal da Relação …., de 18/06/2020, incorre em contradição, incoerência e grave erro palmar, ao aditar um ponto 18 à matéria de facto provada (fls. 38) com a redação: “A renda anual do contrato de cessão, cláusula 3.ª/B, refere-se a cada fração”.

B. O aludido ponto de facto introduzido pelo tribunal recorrido contradiz a causa de pedir alegada pelo Autor nos artigos 3.º e 9.º da petição e nos artigos 46º e 47º da sua réplica.

C. Foi esta a concreta causa de pedir apresentada pelo Autor/Recorrido na sua petição e réplica, a qual deu origem ao tema de prova fixado pelo tribunal de 1.ª instância e que foi considerado como não provado pela Sentença proferida em 09/10/2019, com a fundamentação a fls. 10 e 11 dessa douta sentença.

D. Incorre o tribunal recorrido em erro de direito, a fls. 31 (parte final) do Acórdão, quando afirma que “A ré não põe em causa diretamente a pretensão do autor, continuando a discussão como se o autor estivesse só a impugnar o decidido, ou seja, a falta de prova da sua alegação da sua convicção sobre a questão, isto é, sem que a ré tenha em conta o conteúdo do facto que o autor quer que se dê como provado”.

E. Nada mais inexato e errado: Concretamente de fls. 45 a 51, a ora recorrente pôs em causa a pretensão impugnatória do Autor e explicou porquê. Para além das declarações de parte do Autor não terem sido merecedoras de credibilidade, o depoimento do filho do Autor, a única testemunha que este entendeu ouvir nos autos, nada sabia, nunca tinha assistido a qualquer negociação, desconhecendo qualquer facto direto sobre a motivação ou convicção das partes envolvidas nos contratos dos autos. E evidenciou que o facto, tal qual foi provado, é o que resulta da cláusula 3.ª do contrato que o próprio Autor juntou aos autos e no qual fundamenta o seu pedido.

F. O douto Acórdão recorrido, partindo de conjeturas, cálculos perfeitamente distorcidos e errados atinentes à ação 1896/08 (fls. 35 do Acórdão), dá um “passo em falso” e conclui que se a ré diz que o seu crédito é superior a € 50.000 por cada ano a título de serviços de alojamento turístico (processo n.º 1896/08) de 2004 a 2008, “é inconcebível que alguém possa ter celebrado um contrato relativo à exploração de uma daquelas frações por apenas 4500€ anuais. A diferença de valores é tão grande que a hipótese é absurda”.

G. É este o pressuposto, a construção (i)lógica, de que parte o douto Tribunal recorrido, não para dar como assente o facto não provado em 1.ª instância, mas para aditar um novo facto assente – aliás dissonante dos termos alegados pelo Autor e que constituíam a sua causa de pedir.

H. O tribunal recorrido não considerou esse tema de prova demonstrado afirmando outrossim a fls. 37 que “não tem interesse saber se o autor estava convencido de que a renda anual de 9000€ era devida pela exploração de cada uma das frações e não pela totalidade, mas sim o que é que constava do contrato”.

I. E decide, pois, aditar um novo ponto de facto à matéria assente, do qual consta o que, em erro grosseiro na interpretação desse trecho normativo, se lhe afigura ser o teor da cláusula 3.ª, alínea b), do contrato.

J. Incorrendo o douto aresto em recurso em violação do princípio dispositivo e extrapolando os poderes de cognição que a lei lhe confere em matéria de facto, violando os artigos 662.º n.º 1 e 5.º n.º 1, do CPC.

K. Se o Autor alegou em 47.º da sua réplica, como causa de pedir, para os efeitos do disposto no artigo 552.º n.º 1 alínea d) do CPC, a razão e pressupostos pelos quais dirige o seu pedido contra a ré, sendo este um facto essencial objeto do ónus de alegação das partes, não podia o douto tribunal recorrido - não logrando dar como provado o facto alegado pelo Autor – aditar e recortar um novo facto, diverso do alegado, numa atuação surpresa que constitui uma violação ao disposto no artigo 5.º n.º 1 do CPC e aos poderes de cognição do Tribunal da Relação em matéria de facto, vertidos no artigo 662.º n.º 1 do CPC.

L. Com a sua atuação, extrapolando a factualidade alegada e objeto dos temas da prova, o douto tribunal recorrido logrou alcançar para o Autor Recorrido   um efeito equivalente ao por este pretendido, desconsiderando o efeito do ónus probatório que sobre o mesmo recaía, previsto no artigo 342.º n.º 1 do Código Civil.

M. O Autor, ele próprio, não afirma que a cláusula 3.ª alínea b) do contrato preveja que a renda anual de € 9000 seja por fração, pelo que indica como facto essencial para o seu pedido outra coisa: que tal não está lá, mas que era essa a sua convicção.

N. E talvez antevendo, por inverdade ou falta de prova, que não lograria provar essa sua convicção, procura apresentar em plena audiência anos mais tarde, um outro contrato forjado, em que surge na cláusula 3.ª alínea b) a referência a “por fração”.

O. O que foi indeferido pelo tribunal de 1.ª instância, por decisão de 03/10/2019, transitada em julgado, que não só afirmou que tal juntada, sem qualquer justificação, violaria o disposto no artigo 423.º do CPC, como implicaria uma “alteração ínvia e à revelia das regras processuais da causa de pedir”.

P. Alteração ínvia da causa de pedir, que, com o devido e muito respeito – e até em violação do caso julgado formado pela decisão de 03/10/2019 proferida pelo tribunal de 1.ª instância – acaba por conter-se no novo facto aditado pelo douto tribunal a quo.

Q. O douto Acórdão em recurso incorreu em violação da lei substantiva (artigo 342.º n.º 1 do CC) e da lei processual (artigo 552.º n.º 1 alínea d) e artigo 5.º n.º 1 do CPC).

R. Devendo ser revogado, nesta parte, por tal constituir fundamento de revista plasmado nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC.

S. Bem assim, o iter cognoscitivo percorrido pelo douto tribunal recorrido para concluir pelo aditamento de novo ponto à matéria de facto (fls. 35 a 38 do Acórdão) não é plausível, coerente nem razoável, sendo evidentes os erros do percurso decisório do tribunal recorrido.

T. O tribunal recorrido não decide alterar a matéria de facto com base na sua livre apreciação da prova produzida (a tal vontade psicológica, a convicção do Autor) mas sim determinar o sentido juridicamente relevante da vontade negocial das partes, à luz dos critérios previstos no artigo 238.º do Código Civil – atividade interpretativa que desrespeitou e violou esses critérios legais, não se contendo dentro dos limites dos mesmos.

U. O tribunal recorrido, na sua decisão (fls. 35 a38) principia com uma conclusão errada, a de que se a ré auferiria cerca de 50.000 € anuais pela exploração de uma fração dos autos, pelo que atribuir ao autor uma renda de € 4500 seria inconcebível, absurdo.

V. Por outro lado, esquece o autor que as rendas, para além de serem negociadas entre as partes, são uma das inúmeras despesas anuais em que incorre uma fração em exploração turística, desde logo eletricidade, água, serviços de telecomunicações, manutenção, serviços de limpeza, trabalhadores, produtos de higiene…

W. A asserção do douto tribunal, para além de errada, pois que no processo n.º 1896/08 nada disso foi decidido, é ilógica e irracional, constitui um raciocínio enviesado e desvirtuado da realidade que, pela mesma experiência comum com que, como critério decisor, chegou às suas conclusões, não podia o tribunal a quo deixar de conhecer.

X. Seguidamente, o tribunal recorrido afirma que se a testemunha BB declarou que a renda anual por si negociada com a Ré para 2 frações T1 foi de € 6.000 para cada uma, mais absurda se torna a hipótese de o autor ter contratado por cada fração € 4500 anuais (sic, fls. 35).

Y. E aqui surge o ilógico deste raciocínio: nem o tribunal recorrido apurou, nem resulta dos autos qualquer prova de como decorreram as negociações entre a ré e cada possível cedente, caso a caso, com vista a estabelecer as respetivas rendas anuais.

Z. Para daí concluir, num passo em falso, que o valor de € 9000 previsto na cláusula 3.ª B do contrato constitui uma afirmação imperfeitamente formulada (artigo 238.º n.º 1 do Código Civil) – fls. 36 do Acórdão.

AA. Corroborando a sua conclusão nas seguintes asserções erradas e em mau uso dos poderes de modificação da matéria factual:

a. O contrato está manifestamente mal redigido, com vários erros notórios, a dar claramente a ideia de que o mesmo é uma adaptação mal feita de uma “choca” ou de um contrato anterior;

b. O depoimento do filho do autor (só para corroboração porque para além da sua relação e o natural interesse na procedência da ação, pouco mais serve) vai no mesmo sentido e dá um elemento que aponta para a lógica de ser assim – a taxa de rendimento de 4%.

c. Sustenta a taxa de rendimento de um imóvel como de 4%, com diversas referências que levariam à mesma (fls. 36 e 37).

d. Indica a sentença da ação 1896/08 e o direito reconhecido à ré de descontar à quantia anual devida pela cedência de exploração € 9000, pois que, estando a referir-se a uma fração, não diz que a quantia anual é de € 4500.

BB.     Afirma que o depoimento do filho do autor – tal como o tribunal de 1.ª instância decidiu – para nada serve, dada a relação de parentesco existente e o interesse no desfecho da ação (para além de a testemunha nada saber diretamente sobre os factos da causa). Mas usa-o como elemento de corroboração, confirmação da conclusão a que chegou sobre a “afirmação imperfeitamente formulada” que existiria na cláusula 3.ª do contrato.

CC.     Afirma que o contrato está manifestamente mal feito, que contém diversos erros, mas apenas aponta erros de concordância de sujeito/predicado e de singular/plural, nenhum outro erro de fundo na previsão dos direitos e deveres no clausulado contratual.

DD.     Sustenta a suposta existência de uma taxa mínima de rendimento de imóveis de 4%, até por apelo ao NRAU e às obrigações do tesouro, quando é da experiência comum que tal taxa tendencial nem sequer existe, podendo ser superior ou inferior, em função da natureza de cada negócio e de tantas variantes que seria ocioso pretender abarcar. Ainda sustenta essa taxa no que teria dito o filho do Autor, sendo certo que nem isso o Autor alegou, em qualquer momento, para justificar a sua alegada e indemonstrada convicção sobre o valor de € 9000 por cada fração.

EE.      E por fim apresenta a sentença da ação 1896/08 e o direito reconhecido à ré de descontar à quantia anual devida pela cedência de exploração de € 9000, pois que, estando a referir-se a uma fração, não diz que a quantia anual é de € 4500, como um argumento decisivo na sua conclusão – que, todavia, não passa de um grave erro palmar na compreensão desse silogismo judiciário.

FF.É que, o decidido na ação 1896/08, como flui do facto assente em 7 (fls. 16), é que o autor terá a pagar à ré a quantia correspondente a 70% do preço de balcão, por cada dia em que o autor, por si ou familiares, se alojou no apartamento ....., afirmando o tribunal, na sua fundamentação (e apenas aí) que se o autor tivesse direito a crédito de rendas (o que não foi objeto dessa ação), então poderia descontar-se a sua dívida aos € 9000 de crédito de rendas.

GG. A fundamentação do tribunal no processo 1896/08 é até contrária ao afirmado pelo tribunal recorrido: o tribunal aí falava da dedução, por via de compensação, de um crédito de rendas do autor (que não apurou nem concretizou, por não o poder fazer e ser estranho a esses autos) por um débito de serviços de alojamento turístico e, mesmo assim, apenas referiu o valor global desse crédito potencial do autor como sendo de € 9000. Para que o raciocínio, ainda que meramente eventual, daquele outro tribunal pudesse sustentar a convicção do tribunal recorrido, teria certamente de referir-se aí a um crédito do autor (putativo) de € 18.000 e de não € 9.000, sendo irrelevante nesses autos se era derivado de uma ou de duas frações, pois se tratava da compensação de um crédito global de serviços de alojamento da ré por um crédito global de rendas do autor.

HH.   Por fim, o tribunal recorrido limita-se a afirmar que as declarações do autor em depoimento de parte vêm corroborar isso e não se “vê que se lhes possa apontar o óbice referido na decisão recorrida”, mas não indica um único aspeto que aponte no sentido de as mesmas merecerem credibilidade, ao contrário do decidido em 1.ª instância.

II. Entre contradições e argumentos ilógicos e incoerentes, insuscetíveis de levar por si ou conjugadamente a tal conclusão, considera que o que constava do contrato era que a renda anual de € 9000 era devida pela exploração de cada uma das frações e não pela globalidade, violando o disposto no artigo 236.º n.º 1 do CC e mesmo o artigo 238.º n.º 1 do CC, em que diz suportar-se na sua tarefa interpretativa de tal declaração negocial.

JJ. É muito imaginativo e não tem suporte no contrato, interpretar a cláusula 3.ª alínea b) como fixando a renda de € 9000 por cada fração e não pela cessão (prometida ou definitiva, lá se chegará) das frações objeto dos autos, como clara e cristalinamente resulta da leitura conjugada das cláusulas 1.ª, 2.ª e 3.ª. A cessão ou promessa de cessão foi global, tal como a renda estipulada o foi não tendo a conclusão interpretativa a que chegou o tribunal recorrido um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa.

KK.    O douto tribunal recorrido, desconsiderando a factualidade alegada pelas partes e a confissão do próprio autor e o acordo da ré, enquanto declaratária normalmente diligente, face ao teor da cláusula em causa nos autos, incorreu em violação do disposto no artigo 393.º n.º 1 do Código Civil e do disposto no artigo 607.º n.º 5 do CPC, porquanto empreendeu uma tarefa de interpretação que contraria as confissões e acordo das partes sobre a matéria, expressas nos seus articulados.

LL. Por outro lado, o douto tribunal recorrido parece concordar com a Recorrente, quanto à inexistência de autoridade de caso julgado na parte decisória, quer da ação 100/05, quer da ação 1896/08 (fls. 54 a 54 do acórdão).

MM.   Mas sustenta, pela primeira vez (mesmo de forma diferente do Acordado pela 1.ª Secção do mesmo tribunal recorrido na apelação interposta do despacho saneador), que tal autoridade de caso julgado subsiste agora quanto aos fundamentos.

NN.    Essa pretensa autoridade de caso julgado nos fundamentos pressupõe:

a. Que porque na ação 1896/08 se refere “contrato de cessão”, não era um contrato promessa de cessão, como se na ação 1896/08, em que se discutia um crédito de preço de serviços de alojamento turístico, fosse relevante, ou sequer pertinente, qualificar o “contrato de cessão de exploração” como definitivo ou promessa, para além na sua própria designação. Como se, para os efeitos de que aí se pedia, se alegava e foi decidido, não bastasse apelidar o contrato da designação (imprópria ou inexata, como o próprio tribunal recorridos vem a admitir adiante) que lhe foi dada pelas partes.

b. Que se vigorava entre as partes, tanto que com base nele o autor foi condenado a pagar serviços de alojamento à ré no processo 1896/08, então é porque também aqui é indiscutível se vigora, é eficaz ou qualquer outra questão. Como se, encerrando esse clausulado contratual uma alteração ao contrato promessa de compra e venda, um contrato promessa ou definitivo de cessão de exploração e um contrato de prestação de serviços de alojamento, a validade ou eficácia de um desses contratos afetasse a validade ou eficácia dos restantes só porque por comodidade das partes foram todos concentrados no mesmo clausulado.

OO.    Em termos substantivos, as relações entre as partes evidenciam “cadeias contratuais” (pois alguns contratos sucederam-se cronologicamente), configurando uma situação de coligação contratual e o facto de alguns dos vínculos resultarem do mesmo documento (celebrado em março de 2004), não lhes retira autonomia jurídica.

PP.     As ações que foram intentadas, sempre da iniciativa do Autor e Recorrido, tiveram objeto processual distinto, sendo que as decisões delas emergentes (e a que vier a ser proferida na causa pendente) não são incompatíveis nem colidem.

QQ.    No Processo com o n.º 100/05 discutiu-se se o Autor tinha, ou não, direito ao sinal em dobro por incumprimento (pela Ré) do contrato-promessa de compra e venda dos imóveis dos autos.

RR.    No Processo n.º 1896/08, o objeto da causa assentou no contrato inominado de prestação de serviços de alojamento turístico (integrado no denominado contrato de cessão de exploração), no qual o Autor e a Ré previram as condições em que o Autor se poderia alojar num dos apartamentos turísticos da Ré, quer sem retribuição específica, quer com retribuição específica especial, correspondente a 70% do normal preço de balcão.

SS.   Entretanto, no Processo n.º 1896/08 foram trazidos aos autos e considerados relevantes tanto o acórdão final deste STJ proferido no Processo 100/05, como a subsequente celebração do contrato prometido de compra e venda, tendo a ora Ré requerido no processo 1896/08 a alteração da causa de pedir do pedido reconvencional condenatório, alegando os efeitos que tal deveria ter na reconvenção. – o que foi rejeitado (Despacho proferido a 22/01/2015, a fls. 920).

TT. Em suma, nesse Processo 1896/08, a questão da existência de um contrato de cessão de exploração, qua tale, válido e eficaz nunca “chegou” a integrar o objeto principal do litígio, pelo que não adquiriu força de caso julgado material.

UU.   O tribunal recorrido viola o disposto nos artigos 580.º, 581.º e 619.º do CPC.

VV.   À luz do nosso regime de direito positivo, ao contrário do que afirma e conclui o tribunal recorrido, não se tolera uma extensão do caso julgado aos fundamentos, tanto mais que a alegada cessão de exploração no âmbito da relação de alojamento turístico só se fez incidentur tantum.

WW. Este ponto prejudicial que foi meramente presumido consubstancia mero “labore logico”, não tendo idoneidade para adquirir indiscutibilidade fora do Processo 1896/08, salvo se as partes nisso tivessem manifestado interesse [artigo 91.º, n.º 2, do CPC].

XX. O artigo 91.º, n.º 2 do CPC é suficientemente claro para extrair a decisão de que os fundamentos não têm a mesma força de caso julgado da decisão sobre o pedido.

YY. Incorreu o tribunal recorrido em erro de direito ao não considerar que a boa-fé processual e a autorresponsabilidade das partes exigem o ónus de clarificação das matérias sobre as quais se estenderá a força de caso julgado. Se a parte souber que a apreciação judicial sobre certo fundamento ou relação prejudicial revestirá força de caso julgado material poderá revelar um “esforço diferente” diverso daquele que imprime quando exerce o contraditório unicamente com o intuito de determinar a improcedência de uma pretensão material.

ZZ. O Acórdão recorrido, ao decidir pela verificação da extensão da autoridade de caso julgado quanto aos fundamentos é violador das normas legais sobreditas e do direito ao processo equitativo, pois que no antecedente processo não se discutiu nem se admitiu discutir a natureza, validade e eficácia de um denominado contrato de cessão de exploração (processo 1896/08) e no atual processo, em que tal matéria integra a causa de pedir da contestação e reconvenção, tudo fica por decidir, por apelo à força da autoridade de caso julgado, ou da parte decisória, ou agora mais subtilmente dos fundamentos da outra ação, em que nada disso foi, nem tinha de ser, discutido.

AAA.  Raciocínio do tribunal recorrido que contaminou a sua subsequente apreciação   jurídica de todas as questões.

BBB.   Andou mal o tribunal recorrido ao, mantendo o decidido pela 1.ª instância sobre o ponto B) da matéria de facto não provada (fls. 38 a 51) vir a construir uma posição de direito que menospreza aquele facto e o ónus probatório das partes.

CCC.   O tribunal recorrido não tem razão no erro de direito que aponta ao tribunal de 1.ª instância na referência aos anos de 2009 a 2017 (fls. 49, in fine).

DDD.  E incorre num erro e cria um conflito, uma contradição evidente:

EEE.   Não é verdade que a fundamentação do tribunal de 1.ª instância para considerar não provado que o autor após o contrato referido em 2, tenha entregue à ré para exploração turística os apartamentos …. e …. nos anos de 2009 a 2017, seja essencialmente de direito - É o inverso disso (fls. 10 e 11 da douta sentença).

FFF.   Uma testemunha, BB, sendo o seu depoimento considerado credível, coerente e equidistante, afirmou o inverso disso – que apenas havia exploração por conta do adquirente, após a aquisição, tendo sido isso que sucedeu no seu caso só passando a receber renda após a escritura de compra e venda (o que o tribunal recorrido simplesmente desvalorizou).

GGG.  A questão de direito, atinente ao conteúdo do direito de propriedade, à transmissão da posse ou cedência, vem apenas mais tarde, para corroborar a fundamentação de facto, em que o tribunal de 1.ª instância baseia a sua decisão quanto a este ponto da matéria de facto.

HHH.  O douto acórdão recorrido, ao assim decidir, cria um conflito insanável no seu seio porque mantém como não provado – com as inerentes consequências na aplicação do direito e em matéria de ónus probatório – o vertido na alínea B) dos factos não provados, mas adiante, (fls. 63 a 65) vem decidir que a falta de prova de um tema de prova fixado pela 1.ª instância, não tem qualquer relevo!

III. Afirmando, erradamente, que a questão da entrega não se coloca, porque as partes não a colocaram enquanto exceção de não cumprimento do contrato.

JJJ.      Nada mais falso: O autor afirmou que cedeu para entrega, quer as frações em causa, quer a correspondente quota-parte das partes comuns (artigos 7.º e 8.º da petição), como facto essencial da sua causa de pedir – que foi incorporado pelo tribunal de julgamento, nos temas de prova, o que a Ré impugnou no artigo 108.º da sua contestação.

KKK.  O douto acórdão recorrido labora em erro de direito e de subsunção, ao considerar que a questão da entrega, para exploração, em 2004 após a celebração do contrato ou em qualquer outro momento, não tinha nenhum relevo, pois as partes não a discutiram!

LLL.   Acresce que, no facto assente em 3 está provado que a exploração teve início em 2003 (em data não determinada nesse facto assente), pelo que seguramente não teve início em março de 2004, após a celebração do denominado contrato de cessão com o autor e por causa, tendo por referência, esse contrato de cessão.

MMM. A incongruência a que o douto Acórdão recorrido chega sobre a irrelevância de tal facto em B) não ter sido considerado provado, para além de não extrair consequências do ónus probatório das partes, não tem articulação com o facto provado em 3, pois que as frações estavam em exploração, por conta da Ré, desde 2003.

NNN.  Sendo – como afirma o tribunal recorrido sem qualquer base factual – o autor proprietário económico das frações desde que no contrato promessa e em 2002, efetuou o pagamento de 4/5 do preço – por que razão a exploração, por sua conta, não teve início nesse momento, algures em 2003? E por que razão foi mencionado na escritura (ponto 14, fls. 20 e 22) que as frações só poderiam ser exploradas turisticamente pela Ré mediante contratos de cessão de exploração a celebrar por acordo das partes e, a fls. 67, o teor da carta de 02/10/203 que a ré enviou ao autor, pela qual declarou perante este que as frações não estavam em exploração turística e se encontravam na sua livre disponibilidade de utilização?

OOO.  O douto tribunal recorrido incorre em erro de direito na questão da apreciação da legitimidade (fls. 59 e 60), partindo de duas constatações claramente erradas, do ponto de vista do direito: 1) Em momento algum a sentença de 1.ª instância pretendeu retirar ao contrato dos autos, que qualificou como sendo de promessa, a sua própria natureza. Pelo contrário, qualificou o contrato e serviu-se da nulidade que derivaria da aplicação do disposto no artigo 892.º por remissão do artigo 939.º, ambos do Código Civil, apenas para apontar para a coerência da qualificação jurídica a que previamente chegou – nada mais que isso.; 2) Em segundo lugar, não é verdade (e é um erro palmar de direito do tribunal recorrido) que no despacho saneador se tenha decidido que o contrato dos autos tinha a natureza de contrato definitivo. Nada disso se lê, ou sequer, flui do despacho saneador de 26/07/2018.

Pelo contrário,

PPP.    É evidente o clamoroso erro judiciário do tribunal recorrido: A Ré reclamou do despacho saneador, sendo que por despacho judicial, de 29/11/2018, textualmente se afirmou que: “É óbvio que tem de se averiguar a natureza jurídica do contrato ali referido” (3.ª página, 1.ª linha desse despacho).

QQQ.  Nem até ao despacho saneador, nem depois dele, o tribunal de primeira instância deu por abrangido pela autoridade de caso julgado (que aí decidiu – e mal) pelo menos a questão de averiguar a natureza jurídica do contrato. É cristalino.

RRR.   É neste erro judiciário que o douto tribunal a quo decide (a fls. 59 e 60) demonstrar a legitimidade do Autor para a celebração do contrato (não por ser um contrato promessa, mas por a “propriedade económica” dos imóveis lhe pertencer).

SSS.    Em nenhuma sentença, despacho-saneador ou acórdão, a que se refere o tribunal recorrido, se apreciou ou decidiu sobre a designada cedência de exploração do autor à ré – esse é o objeto dos presentes autos e de nenhum outro.

TTT.    Em momento algum, nem na alegação do Autor, nem na prova produzida nos autos, resulta acertada a conclusão extraída pelo tribunal a quo de que o Autor fosse, para ambas as partes, proprietário económico de 4/5 das frações dos autos.

UUU.  O Autor nunca exerceu posse, nem delas dispôs nem nunca, por exemplo, assumiu 4/5, ou mesmo um cêntimo dos encargos das frações, designadamente com imposto municipal sobre imóveis e com contribuições de condomínio.

VVV.  Não tinha o douto tribunal recorrido um facto, qualquer elemento probatório, qualquer indício, sequer, que lógica e justificadamente lhe permitisse concluir que as partes quiseram e reconheceram o autor como proprietário económico dos imóveis dos autos, na totalidade ou em 4/5, seja lá o que isso for.

WWW. Aliás, essa conclusão do tribunal recorrido até vai contra a própria réplica do autor apresentada no processo n.º 100/05…… (como consta na página 4 do acórdão do STJ junto pelo Autor) na qual alegou que “a celebração do contrato de cessão de exploração nada tem a ver com a aceitação do registo da ação ou assumir a posição de proprietário”.

XXX.  De igual sorte, não tem sentido, salvo melhor opinião, defender a aplicação aos presentes autos do regime vertido no Código Comercial. O Autor não é comerciante. A Ré é a entidade promotora e exploradora do empreendimento dos autos, não fluindo dos mesmos que o negócio jurídico configure uma transação comercial.

YYY.  Incorre, ainda, o douto acórdão em recurso em erro de direito e nos seus pressupostos ao decidir que o escrito dos autos tem a natureza de um contrato definitivo de cessão de exploração (fls. 60 a 63).

ZZZ.   Começa por afirmar ser mais lógica a explicação do autor para o facto de esse escrito, em subtítulo, declarar ser um “contrato promessa de garantia de cessão de exploração”, quando a explicação que lhe parece mais sensata é, afinal a da Ré Recorrente, baseada na lei.

AAAA. No caso dos autos, o mesmo escrito, imprecisamente designado pelas partes de “contrato de cessão de exploração”, visa regular duas relações jurídicas distintas: 1) a futura cessão de exploração dos dois imóveis, se e quando o Autor, seu promitente adquirente, passar a ser seu proprietário (e essa qualificação daquele escrito como promessa de cessão de exploração foi dada como assente nos factos por ambas as instâncias, nos autos que correram termos com o n.º 1896/08……) a relação de prestação de serviços de alojamento que a partir da sua celebração, em 4 de março de 2004, se estabeleceu entre Autor e Ré, em que este passou a beneficiar de serviços de alojamento que a Ré lhe passou a prestar.

BBBB. Ainda visa regular uma terceira relação jurídica (esta anterior àquele escrito) – a própria promessa de compra e venda outorgada no ano de 2000 (como o Autor alega no artigo 4.º da sua petição destes autos, com esse escrito, de 2004, as partes alteraram o próprio objeto do contrato promessa de compra e venda, a sua cláusula 2.ª).

CCCC. Logo em subtítulo, estabelece que constitui uma “promessa de garantia de cessão de exploração”. Não uma garantia de cessão, uma promessa de garantia de cessão, para ambas as partes.

DDDD. O Autor estaria seguro de que, celebrando, daí a pouco, como se previa, o contrato prometido de compra e venda, passaria a deter todos os carateres do direito de propriedade, incluindo a posse, que cederia à Ré.

EEEE. Teria direito às rendas de exploração (como passaram a ter todos os proprietários após o momento em que outorgaram as escrituras prometidas de compra e venda) – como afirmou a testemunha BB, que o douto Acórdão recorrido apenas enfatiza na questão do valor da renda de € 6000, mas que desconsidera nesta outra parte, em que a testemunha textualmente afirmou que era claro e assim sucedeu no seu caso, passar a receber rendas quando fez a escritura.

FFFF.  Já a Ré, que não estava obrigada a contratualizar com todos os proprietários a cessão de exploração, face ao regime legal aplicável (artigo 30.º n.º 1 do Decreto-Regulamentar n.º 36/97), tinha todo o interesse em saber quais os futuros proprietários que estavam na disposição de manter após adquirirem a propriedade (e a Ré deixar de poder explorar as frações respetivas por sua conta) a exploração turística, para assim poder garantir que pelo menos seria respeitado o mínimo legal de 70% das unidades de alojamento em exploração.

GGGG. Essa é a garantia: o Autor saberia que a Ré tinha interesse em continuar a explorar a fração, passando a pagar-lhe a renda negociada (porque atingindo os 70% das unidades a ré poderia não ter interesse em mais frações, não podendo o autor explorá-las economicamente por outra via – artigo 45.º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 167/97) e a Ré saberia quais os proprietários que desejavam, ou não desejavam, a exploração turística das frações que haviam prometido comprar, para assim poder fazer as suas contas e acautelar que disporia no mínimo de 70% das frações para exploração.

HHHH Como resulta provado no Acórdão recorrido (fls. 67), mas sem qualquer consequência, as partes fizeram constar, por sua iniciativa, na escritura pública outorgada em setembro de 2013 (ponto 14, a fls. 20):

“Que as referidas frações só podem vir a ser exploradas turisticamente pela entidade exploradora do empreendimento e mediante contratos de cessão de exploração a celebrar por acordo das partes”.

IIII.O que é revelador de que, para as próprias partes, em setembro de 2013, não existia um contrato de cessão de exploração entre as partes – sendo que as frações só poderiam ser exploradas no futuro se tal contrato viesse (futuro condicional) a ser celebrado por acordo das partes.

JJJJ.Também esta declaração, efetuada em escritura pública, não pode deixar de concorrer, a par de todos os restantes silogismos factuais e jurídicos, para a correta interpretação do negócio jurídico, da sua natureza, nos termos previstos no artigo 236.º do Código Civil.

KKKK Fazendo a Ré a exploração das frações dos autos, desde 2003 (independentemente da data), não sendo o Autor proprietário das mesmas – até porque os sinais foram pagos até 2002 (Cfr. contrato promessa assente nos autos), é ilógica a conclusão do tribunal recorrido. Nesse caso, o contrato de cessão de exploração, sendo definitivo, deveria ter efeitos à data do início da exploração, pois a essa data igualmente estavam pagos 4/5 do preço pelo autor.

LLLL. E mais: o douto tribunal recorrido desconsidera que o Autor, no artigo 34.º da petição, aceitou que aquele acordo é um contrato promessa de cessão e que a Ré, no artigo 61.º da Contestação aceitou especificadamente essa confissão.

MMMM. O erro do tribunal recorrido, não é “só” de interpretação desse escrito, como derivado da falta de atribuição de efeitos cominatórios ao declarado pelo Autor no artigo 34.º do seu articulado inicial.

NNNN. Mesmo que assim não fosse e se pudesse configurar como um contrato definitivo de cessão de exploração, não assistiria qualquer direito de crédito do Autor sobre a Ré, ao contrário do que decidiu o tribunal recorrido.

OOOO. Recorde-se que tal contrato foi celebrado pelas partes no pressuposto que a escritura de compra e venda se iria celebrar daí a semanas ou apenas alguns meses (como aliás também entende o acórdão recorrido), não se prevendo renovações.

PPPP.  Apenas o sentido demonstrado pela Ré Recorrente pode ser dado à declaração negocial que consta da cláusula 4.ª do aludido contrato, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, que consagra a teoria da impressão do declaratário.

QQQQ. O Autor, ele mesmo, agiu sempre como se não existisse contrato de cessão de exploração e só passou a convir-lhe a sua existência para lograr obter sobre a Ré um crédito que lhe permita compensar com a dívida de serviços de alojamento turístico que, durante mais de 4 anos, recebeu ininterruptamente da Ré.

RRRR. E mesmo que fossem de admitir renovações, os contratos extinguem-se, desde logo, nos termos do artigo 406.º n.º 1 do Código Civil, que é o regime geral, por mútuo consenso, isto é, por acordo das partes.

SSSS.  E tanto assim é que da própria escritura pública de compra e venda, celebrada em 23 de setembro de 2013, junta pelo Autor aos autos, resulta isso mesmo como aceite e manifestado por ambas as partes - se as frações dos autos só poderão vir a ser exploradas turisticamente mediante contratos de cessão de exploração a celebrar por acordo das partes é, evidentemente, porque nenhum contrato de cessão de exploração existia (a 23 de setembro de 2013), que titulasse essa exploração turística.

TTTT.  O próprio comportamento concludente do Autor Recorrido, durante todo este tempo, de vários factos já enunciados, é o de ter como resolvido o contrato designado de cessão de exploração.

UUUU. De tal modo que a sua pretensão, agora, configura o exercício inadmissível de uma posição jurídica.

VVVV. Contraria as regras da boa-fé, plasmadas no artigo 334.º do Código Civil, aquele que, em tu quoque, age agora no sentido contrário àquele em que sempre agiu.

WWWW. Incorreu, pois, o douto tribunal recorrido em erro de direito ao não julgar, ao menos verificada a resolução ou o abuso de direito do autor, como exceção perentória de direito substantivo, suscetível de determinar a absolvição do pedido.

XXXX. Por último,

YYYY. O douto tribunal recorrido desacertou inteiramente na questão da ineficácia do contrato dos autos – que aliás nem sequer apreciou – considerando-a abrangida pela autoridade de caso julgado quanto aos fundamentos.

ZZZZ. Concluiu este Supremo Tribunal de Justiça, no Processo 100/05, que o comportamento do Autor foi o de mostrar desinteresse na celebração do prometido contrato de compra e venda enquanto subsistisse e se continuasse a subsistir o registo da pendência da sobredita ação (v. fls. 22 do aresto).

AAAAA. Houve um desinteresse das partes, justificado, na celebração do contrato prometido de compra e venda.

BBBBB. Não houve qualquer mora, nem juros fixados para qualquer das partes pelo atraso de anos na celebração da compra e venda porque o contrato promessa se manteve paralisado, ineficaz, entre as partes, enquanto subsistiu o registo da mencionada ação.

CCCCC. Os seus efeitos encontravam-se suspensos, ante a razoabilidade de aguardar pelo levantamento do registo de uma ação sobre o prédio.

DDDDD. Mesmo nesta tese, sendo ineficaz o contrato promessa entre as partes, durante todos estes anos, também o contrato designado de cessão de exploração, mesmo que por hipótese fosse definitivo e válido, se encontraria ineficaz porque intimamente dependente e coligado da validade e eficácia da promessa de compra e venda.

EEEEE. Durante os anos de 2004 a 2013, o Autor não cumpriu com a sua obrigação para com a Ré Recorrente – a celebração do contrato definitivo de compra e venda, por razão considerada justificada.

FFFFF Pelo que, pergunta-se: Como pode o Autor pretender exigir da Ré que cumpra as obrigações de pagamento de renda que resultariam do contrato dependente ou coligado de garantia de cessão de exploração?

GGGGG. A exceção de não cumprimento do contrato, prevista no artigo 428º do Código Civil, opera mesmo no caso de incumprimento parcial e de cumprimento defeituoso, havendo que ter em conta, no entanto, o princípio da boa-fé.

HHHHH. A Ré Recorrente, no limite, tem direito à resolução do contrato designado de cessão de exploração ou, pelo menos, à sua modificação, passando a vigorar apenas quando for judicialmente afirmado que deverá vigorar entre as partes, por juízos de equidade, só sendo o Autor credor da Ré relativamente a prestações que se vençam após esse momento.

IIIII.   É o que impõe o artigo 437.º n.º 1 do Código Civil, já que de outro modo se verificará uma excessiva onerosidade na posição da Ré.

JJJJJ.   Ao assim não ter decidido, mesmo considerando a sua conclusão de o contrato dos autos ser definitivo, o douto tribunal recorrido incorreu em erro de direito, violando as disposições legais acima referenciadas.

KKKKK. Sustenta o tribunal recorrido (fls. 66) que a celebração do contrato de compra e venda não era uma condição de eficácia do contrato de cessão, mas antes de confirmação e de validação do mesmo (era, portanto, eficaz, embora precisasse de ser confirmado e validado??!!).

LLLL  Ainda quanto ao sentido do subtítulo de promessa de garantia de cessão de exploração, o tribunal afirma aqui que teria o sentido de garantir no futuro, mesmo depois de o autor ser proprietário, que ambos mantinham as mesmas posições, o autor de ceder e a ré de aceitar a cessão de exploração.

MMMMM. Basta ler a cláusula 4.ª desse escrito, assente em 4 (fls. 15) para ficar evidenciado o erro de raciocínio em que incorre o tribunal recorrido: é que, sendo um contrato, o mesmo teria a validade de 1 ano e poderia ser denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de 90 dias do seu termo.

NNNNN. Nunca as partes quiseram assumir a garantia, para todo o sempre, de terem interesse em ceder e em receber em exploração, as frações dos autos – afirmaram, isso sim, e sem prejuízo da denúncia que previram, que naquele momento, o autor estaria disposto a ceder em exploração e a ré contaria com as frações do autor para o exercício  da sua atividade de exploração, sem prejuízo de futuramente, qualquer uma das partes, poder decidir livremente o contrário, mediante o envio de comunicação de denúncia.

OOOOO. O tribunal recorrido incorre em erro nos seus pressupostos de direito ao afirmar que a Ré, após a escritura de compra e venda de setembro de 2013 manteve a disponibilidade das frações, pelo que se “não fez a exploração delas a partir de 2013, o problema é dela”.

PPPPP. Esquece-se o douto tribunal recorrido de aplicar a mesma construção que empreendeu a propósito da desnecessidade de invocação da entrega do autor à ré, por não ser objeto de litígio, agora para a entrega da ré ao autor.

QQQQQ. Na escritura pública de compra e venda, as partes não declararam, por um lado, que a Ré não tenha entregue ao autor as frações autónomas dos autos (Cfr. facto assente em 14 – fls. 21).

RRRRR. E, por outro lado, resulta dos autos que a Ré enviou ao autor uma comunicação, em 02/10/2013, dando-lhe conta de as frações “estarem na sua livre e total disponibilidade de utilização”, o que é revelador de que não só o cumprimento da obrigação de entrega da coisa se efetuou por efeito da compra e venda (artigo 879.º do CC), como ainda o declarou expressa e inequivocamente a Ré Recorrente perante o Autor, em 02/10/2013.

SSSSS. A partir da data da escritura, a Ré recorrente deixou de ter posse, deixou de explorar turisticamente as frações dos autos, que entregou ao autor, para que delas fruísse plenamente, o que o tribunal recorrido não valorou.

TTTTT. E aqui chegados, o douto tribunal recorrido empreende a sua última decisão, não vendo qualquer desequilíbrio, nem abuso de direito, na posição assumida pelo Autor.

UUUUU. Novamente parte da sua errada suposição de que tendo recebido, a título de sinal, até 2002, 4/5 do preço global das frações, era o Autor o proprietário económico, por conta de quem a exploração das frações se realizava e supondo que cada fração daria um rendimento de € 50.000 em cada ano, “não se pode dizer que haja algo de escandaloso, de injusto ou sequer de simples desequilíbrio, no facto de o autor, proprietário económico de 4/5 das frações, querer que a ré lhe pague, por ano, o valor de 9000€ (18% dos 50.000€)”….

VVVVV. Esquecendo o tribunal recorrido, claro está, nesta sua precipitada suposição (que contamina, de facto, todos os trechos do por si acordado) que os ditos €50.000 não são o potencial rendimento de uma fração em cada ano, mas a potencial faturação derivada da ininterrupta prestação de serviços de alojamento numa fração durante os 365 dias de cada ano. A essa faturação, todos os custos e encargos – em que incorreu a Ré e não o Autor – devem ser abatidos para se apurar o rendimento da fração (que não chega sequer a ser do valor em que o tribunal recorrido condenou a Ré a pagar ao Autor).

IX. Pedido

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, anulando-se o douto Acórdão Recorrido, de 18/06/2020, substituindo-se por douto Acórdão que, como na sentença de primeira instância, julgue a ação como não provada e improcedente, absolvendo-se a Ré recorrente do peticionado.

Subsidiariamente, deve este douto Tribunal ad quem anular o douto acórdão recorrido, ordenando a baixa dos autos à primeira instância para apreciação e julgamento do mérito da ação e da reconvenção.

15. Nas contra-alegações, pugnou-se pela confirmação do acórdão recorrido.


***

16. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608.º, n.º 2, 635.º, nº 4 e 639º, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas.

Sendo assim, as únicas questões de que cumpre conhecer consistem em apreciar e decidir:

a) – Se cabe nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça envolver-se na apreciação do julgamento proferido pela Relação no plano dos factos e, a ser assim, apreciar e decidir se o Tribunal recorrido errou na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa;

b) – Se se verificam os pressupostos do caso julgado;

c) - Sobre a natureza e duração do contrato celebrado entre as partes intitulado “contrato de cessão de exploração” e se o mesmo enferma de algum vício que comprometa a sua validade;

d) – O contrato em causa se mostra extinto ou se, pelo contrário, a ré está adstrita ao cumprimento das obrigações emergentes desse contrato;

e) – Se se verifica abuso de direito.


***


II – Fundamentação de facto

17. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1. A ré tem por objeto a realização e promoção de investimentos diretos e indiretos no sector hoteleiro e turístico, sua exploração e atividades imobiliárias destinadas a esses fins específicos.

2.Em 06/06/2000, por escrito que denominaram CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA, o autor, como 2.º outorgante e promitente-comprador, e a ré, como 1.ª outorgante e promitente vendedora, declararam:

“1ª A primeira é dona e legítima possuidora de um lote de terreno em construção sito na Av. … em …, descrito na Conservatória do Registo Predial …. sob o n.º …89, da freguesia  …, e com a licença de construção nº 9/….., passado pela Câmara Municipal de …. em 25/01/2000.

2ª Pelo valor global de 96.000.000$ a 1.ª promete vender e o 2.º promete comprar 2 apartamentos e 3 estacionamentos no edifício em construção, sendo um apartamento T2 identificado pelo nº …..60, um apartamento T2+1 identificado pelo nº ….27, ambos sitos no 1º andar, 2º piso, e os estacionamentos na cave identificados pelos nºs …., …. e …...

3ª O valor referido na cláusula anterior será pago da seguinte forma:

a) 19.200.000$ na assinatura do presente contrato, a título de sinal e princípio de pagamento, de que a primeira contratante dará devida quitação através de competente recibo.

b) 19.200.000$ em fevereiro de 2001, com a estrutura de Betão.

c) 19.200.000$ em outubro de 2001, com alvenarias, canalização e rebocos.

d) 19.200.000$ em junho de 2002, na fase de acabamentos.

e) a restante importância no valor de 19.200.000$ será paga no ato da escritura.

4ª Os apartamentos serão vendidos mobilados e equipados, o T2 para seis pessoas e o T2+1 para oito pessoas, e com ar condicionado.

5ª Os referidos apartamentos e estacionamentos, serão vendidos livres de ónus ou encargos.

6ª Os encargos com o pagamento de sisa e despesas de escritura serão da responsabilidade do segundo outorgante.

7ª Logo que os referidos apartamentos e estacionamentos se encontrem em condições legais para a realização da escritura, esta será marcada pela primeira contratante, que avisará o segundo com oito dias de antecedência, do dia, hora e lugar em que a mesma se realizará.

8ª Elaborado um exemplar do qual será tirada cópia, sendo o original para o promitente comprador, e a cópia para a promitente vendedora.

9ª Em tudo o não previsto expressamente no presente contrato aplicam-se as disposições legais em vigor.”

3. A ré explora, desde 2003 e até ao presente, o Hotel Apartamentos …. [daqui para a frente apenas ‘Hotel’ – TR…], sito na freguesia de …...

4. Em 04/03/2004, por escrito […] denominado CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO, entre o autor, como 1.º outorgante, e a ré, [adiante designada como] 2.º outorgante [sic], {[foi ou tendo] acordado e pelo presente reduzido a escrito, o contrato promessa de garantia de cessão de exploração constante das cláusulas seguintes} [o conteúdo dos parenteses e colchetes foi transcrito por este TR…… do documento aceite pelas duas partes]:

1.ª Os 1.ºs outorgantes são donos e legítimos proprietários das frações autónomas AF e BQ, correspondentes aos apartamentos nºs …02 e nº .....27 do prédio [já referido – TR….] ao qual corresponde a licença de utilização turística pela CM de … em 24/01/2003 e com licença de utilização nº 2/…...

2.ª A) Pelo presente contrato, os 1.ºs outorgantes dão aos 2.ºs para exploração turística as frações autónomas descritas na cláusula anterior. B) A exploração turística da parcela descrita será efetuada pela forma que a 2.ª outorgante entender por conveniente, incluindo o arrendamento de qualquer tipo previsto pela Lei. C) A exploração será exercida em conjunto com as restantes frações autónomas do prédio, pelo que os 1.ºs outorgantes cedem à 2ª a utilização da sua quota-parte nas partes comuns do edifício, autorizando que faça obras de adaptação que se mostrem necessárias durante a vigência do contrato.

3.ª A) O presente contrato tem início em 01/01/2004. B) A renda anual a título de retribuição pela cedência da exploração é de 9000€. C) A renda será liquidada em janeiro do ano seguinte a que respeitam os rendimentos.

4.ª Este contrato tem a duração de 1 ano e poderá ser denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de 90 dias do seu termo, por meio de carta registada.

5.ª Este contrato é transmissível com os mesmos direitos e obrigações por parte de qualquer um dos outorgantes, obrigando-se os mesmos a informar a outra parte com a antecedência mínima de 90 dias por meio de carta registada.

6.ª Os 1.ºs outorgantes poderão, se assim o entenderem, e consoante a disponibilidade e ocupação do apartamento, usufruir da utilização do seu apartamento, desde que marcado previamente, de 1 de outubro a 31 de março, com exceção dos períodos de Natal, Ano Novo, Carnaval e Páscoa.

7ª Se os 1.ºs outorgantes utilizarem o apartamento em seu próprio proveito, fora do prazo estabelecido na cláusula sexta, ao valor estipulado no presente contrato será descontado, por cada dia de utilização 70% do valor do preço de tabela de venda ao balcão.

8.ª A 2.ª outorgante assume todas as responsabilidades inerentes à exploração dos apartamentos e poderá fixar livremente os valores que cobrará pelo arrendamento do apartamento.

9.ª A 2.ª outorgante obriga-se a conservar e restituir no final do contrato a fração descrita em bom estado de funcionamento, incluindo todos os móveis, máquinas e utensílios constantes do inventário em anexo. Porém, não serão devidas quaisquer indemnizações por virtude do uso e desgaste próprios da sua normal utilização.

10.ª Para todas as partes emergentes do presente contrato, fica expressamente convencionado que será competente o juízo da Comarca …”.

5. No processo 1896/08…, o autor deduziu ação declarativa de simples apreciação negativa, peticionando fosse declarada a inexistência de um crédito, por alojamento, na unidade nº …, integrada no Hotel explorado pela ré.

6. Por via reconvencional, a ré peticionou a condenação do autor a pagar-lhe 205.975€, a título de cumprimento da prestação de serviços de alojamento hoteleiro ou de enriquecimento sem causa, desde março de 2004 [os itálicos correspondem à alteração agora introduzida para ter em conta o que se diz no relatório da sentença do processo em causa].

7. Em 04/12/2015, foi proferida [uma 2.ª] sentença em tal processo condenando o autor “a pagar à ré a quantia correspondente a 70% do valor diário do preço da tabela de venda ao balcão, em vigor nos anos de 2004 a 2008, para um apartamento T2, com vista frontal para o mar (T2 VM (SV)), por cada dia em que o autor, por si, ou através de familiares, se alojou no apartamento ....., no período de 1 de Abril a 30 de Setembro e nos períodos de Natal, Ano Novo, Carnaval e Páscoa de cada um dos referidos anos – 2004 a 2008 – sem que haja qualquer direito do autor à renda no que ao apartamento ..... diz respeito.”

[Dá-se como provado, entre outros, o seguinte facto 12: "Entre 04/03/2004 e 03/04/2008, o autor alojou-se no apartamento …, em datas e por períodos não concretamente apurados e, pelo menos uma vez, um dos seus filhos e família também se alojou no mesmo, por um número de dias não concretamente apurado e, no mesmo período, ali manteve, de forma permanente, bens pessoais"…;

E escreve-se:

Em face desta nova factualidade, nomeadamente, face à decisão do STJ que considerou subsistente o contrato-promessa de compra e venda, impõe-se considerar que também o contrato de cessão de exploração, contrato este subordinado ou dependente daquele, se manteve em vigor.

E sendo assim, em todo o período em discussão valor correspondente a 70% do valor diário do preço de tabela de venda ao balcão, por cada dia de utilização pelo autor e apenas no período de 1 de abril a 30 de setembro e nos períodos de Natal, Ano Novo, Carnaval e Páscoa — pois nos períodos excluídos a utilização seria gratuita, como resulta da articulação entre as cláusulas 6ª e 7ª já que ali não se previa qualquer retribuição, fosse ela qual fosse.

E, sendo assim, a ré apenas terá direito a descontar à quantia anual devida pela cedência de exploração 9000€ — de um valor correspondente a 70 % do valor diário do preço de tabela de venda ao balcão, por cada dia de utilização pelo autor e apenas no período de 1 de abril a 30 de setembro e nos períodos de Natal, Ano Novo, Carnaval e Páscoa — pois nos períodos excluídos a utilização seria gratuita, como resulta da articulação entre as cláusulas 6ª e 7ª.

Destarte, o direito da ré assenta no contrato de cessão de exploração e não na prestação de serviços de alojamento ou sequer no enriquecimento sem causa, ficando assim prejudicada a apreciação das invocadas prescrições.]

7-A.[4] A sentença anterior, que foi revogada e substituída pela do ponto 7, tinha, em 28/05/2010, condenado o autor a pagar à ré (a) 111.615€, acrescidos de juros, e (b) a quantia correspondente ao preço de tabela da locação dia a dia ao balcão da ré, pelo período de utilização do apartamento ....., de 18/09/2005 a 31/12/2005, a liquidar em subsequente incidente de liquidação, acrescida de juros, isto com base na seguinte fundamentação:

Por força do contrato de cessão de exploração, mediante o qual o autor cedeu à ré a cessão da exploração do apartamento ..... e ..... mediante a renda anual a título de retribuição de 9000€, podia o autor usufruir da utilização do seu apartamento, desde que marcado previamente, de 1 de Outubro a 31 de Março, com exceção dos períodos de Natal, Ano Novo, Carnaval e Páscoa, sendo que mais acordaram as partes que se o autor utilizar o apartamento em seu próprio proveito, fora do período estabelecido, ao valor estipulado no presente contrato, será descontado, por cada dia de utilização, 70% do valor do preço de tabela de venda ao balcão. Ou seja, mediante a assunção mútua deste contrato, as partes não estabeleceram qualquer contrapartida monetária pela prestação dos serviços de hotelaria ao autor, mas tão só, o desconto à renda devida pela ré ao autor, de 9000€ anuais, do valor correspondente a 70% do valor diário do preço de tabela de venda ao balcão, por cada dia de utilização pelo autor e apenas naquele período, pois nos períodos excluídos a utilização seria gratuita, como resulta da articulação entre as cláusulas 6 e 7.

Esses contratos apresentam necessárias conexões, podendo-se afirmar que o contrato de cessão pressupunha a vigência ou o cumprimento integral do contrato-promessa apenas fazendo sentido lógico afirmar que o autor cedia a exploração dos apartamentos de que era promitente-comprador enquanto mantivesse essa qualidade jurídica ou a qualidade sucessiva de proprietário, em cumprimento da promessa celebrada. O contrato de cessão é subordinado ao contrato-promessa.

Extinguindo-se, por outro motivo que não o cumprimento, a posição jurídica do promitente-comprador, perdia a razão de ser a existência do contrato de cessão, pois como resulta da natureza das coisas, nada mais tinha o autor para ceder à ré.

E, efetivamente, o autor demandou a ré, no dia 28/01/2005, peticionando o pagamento do sinal em dobro, entregue no âmbito do contrato-promessa, em virtude da resolução desse contrato-promessa, por incumprimento imputável à ré.

Ou seja, no período de gozo e utilização do apartamento de 04/03/2004 a 28/01/2005, o autor beneficiava do regime constante do contrato de cessão de exploração. E nesse contrato não era prevista qualquer remuneração fixa ou de acordo com o preço de tabela, a favor da ré, mas apenas e só o desconto à quantia anual devida pela cedência de exploração, de um valor correspondente a 70% do valor diário de…

Daí que, quanto a esse período, deva improceder o pedido reconvencional – ao autor não pode ser exigido qualquer preço de tabela da locação turística, mas apenas o encontro de contas resultante da articulação entre as cláusulas 3, 6 e 7 do contrato de cessão de exploração celebrado.

E quanto ao período restante, de 29/01/2005 a 19/03/2008? Nesse período, como vimos, o autor continuou a ocupar o apartamento ....., sem prévia marcação e durante todo o ano, passando a utilizar em exclusivo essa unidade de alojamento afeta à locação turística. Ora, em face da factualidade que resultou provada, entendem-se como verificados todos os pressupostos de funcionamento do enriquecimento sem causa: o autor beneficiou da utilização do apartamento em causa naquele período, sem qualquer custo e impedindo a ré de o utilizar na sua atividade de exploração turística, sem qualquer título justificativo para tal ocupação, sendo que o empobrecimento da ré e o enriquecimento injustificado do autor não podem ser anulados por qualquer outro meio. Ou seja, quanto a esse período, justifica-se que o autor transfira para a ré o enriquecimento injustificado de que gozou e que corresponde ao valor do preço de tabela da locação dia a dia ao balcão da ré.

Assim: O pedido reconvencional deduzido pela ré deverá improceder no segmento respeitante ao período de 04/03/2004 a 17/09/2005 (isto porque, de 4/3/2004 a 28/1/2005, a contrapartida acordada pela utilização do apartamento não corresponde à causa do pedido reconvencional, resultando antes de acerto de contas estranho aos autos e, de 29/1/2005 a 17/9/2005, pela procedência da exceção de prescrição).

O pedido reconvencional deverá proceder, quanto ao preço de tabela da locação dia a dia ao balcão da ré, pelo período de utilização do apartamento ....., de 18/09/2005 a 19/03/2008.

De acordo com a fatura de fls. 16, serão devidos os valores de 8295€, quanto ao ano de 2008; 52.735€, quanto ao ano de 2007 e 50.585€ quanto ao ano de 2006. Quanto ao período de 18/9/2005 a 31/12/2005 o tribunal não dispõe de elementos para fixar o respetivo valor, que deverá assim ser relegado para subsequente incidente de liquidação - artigos 378 e 661/2 do CPC.

“Transcrição” feita por este TR…. – foi esta a sentença que o autor juntou com a petição inicial, embora se referisse à sentença de 2015…

8. Tal sentença [a do ponto 7] foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação …. de 06/07/2017 [com os mesmos fundamentos – como resulta do acórdão em causa, junto aos autos; TR…]

9. Em 28/05/2005, o autor intentou uma ação (processo 100/05….), contra a ré peticionando a condenação desta a pagar-lhe 768.924,31€, acrescida de juros de mora desde 24/01/2005, até integral pagamento, invocando o incumprimento do contrato promessa referido em 1 [e por isso pedindo a condenação da ré no pagamento do sinal em dobro].

10. Em tais autos, a ré deduziu reconvenção, peticionando o reconhecimento do direito a fazer sua a quantia paga pelo autor a título de sinal [porque o autor teria resolvido unilateralmente o contrato-promessa, o que seria um incumprimento definitivo culposo] (o conteúdo dos parenteses rectos resultam do acórdão do STJ junto aos autos; TR…).

11. No saneador-sentença [da ação 100/05] foi julgado improcedente o pedido do autor e procedente o pedido reconvencional [declarando resolvido o contrato-promessa devido a incumprimento definitivo e culposo do autor, reconhecendo-se à ré o direito de fazer sua a quantia entregue pelo autor a título de sinal]

12. Tendo havido recurso, em 27/03/2012 foi proferido acórdão pelo TR…… confirmando [com um voto de vencido – TR….] o decidido em 1ª instância.

13. Tendo havido recurso, por acórdão proferido pelo STJ de 21/03/2013 [foi concedido provimento ao recurso do autor em consequência do que, revogando-se, correspondentemente, o acórdão recorrido] se julga improcedente e reconvenção [, com a inerente absolvição do autor do pedido reconvencional] [os parenteses rectos foram colocados por este TR…. e resultam do acórdão do STJ]

14.[5] Em 23/09/2013, por escritura pública denominada COMPRA E VENDA a ré como 1.ª outorgante, e o autor, como 2.º outorgante, declararam:

1. A ré: vender ao autor as frações autónomas, identificadas pelas letras AF e BQ, ambas destinadas a alojamento turístico, e três lugares de estacionamento na cave do prédio urbano denominado Hotel [já referido], pelo preço de € 233.148,02€ e de 245.657,96€, respetivamente.

2. Que as referidas frações só podem “vir a ser exploradas turisticamente pela entidade exploradora do empreendimento e mediante contratos de cessão de exploração a celebrar por acordo das partes”.

3. O autor: que aceita a venda nos termos exarados.

Este acórdão passa a consignar o que se diz, precisamente, na escritura, em tudo o que pode interessar [e que foi sendo invocado pelas partes e por isso interessa conhecer], é o seguinte:

[…] compareceram como outorgantes:

Primeiros:

CC, […] DD, […] que outorgam na qualidade de administradores que se mantêm em funções, conforme declararam sob sua responsabilidade, em representação da sociedade anónima MOGAL, qualidade e poderes invocados que verifiquei […]

Segundo:

AA, casado sob o regime da comunhão de adquiridos com EE […]

Verifiquei as suas identidades pela exibição dos mencionados documentos de identificação.

Pelos 1.ºs outorgantes foi dito:

Que, na referida qualidade, vendem ao segundo outorgante, livre de ónus ou encargos e pelo preço global de 478.845,98€, já recebido para quem representam, os seguintes imóveis:

a) pelo valor de 233.188,02€, a fração autónoma designada pelas letras "AF", correspondente ao 1.º andar na ala poente, designado pelo número .....02, tipo T-2, destinado a alojamento turístico, com um lugar de parqueamento na cave designado pelo número ….., do prédio urbano denominado Hotel [já referido – TR….], constituído em propriedade horizontal […];

b) pelo valor de 245,657,96€, a fração autónoma designada pelas letras "BQ", correspondente ao 1.º andar na ala central, designado pelo número .....27, tipo T-2, destinado a alojamento turístico, com dois lugares de parqueamento na cave, designados pelos números …. e …, do prédio urbano atrás identificado […].

Que a aquisição das referidas frações se encontra registada a favor da sua representada pela inscrição apresentação quatro, de 07/03/1990.

Que as referidas são transmitidas devidamente mobiladas e equipadas e com ar condicionado.

Que, o mencionado prédio constitui  um empreendimento turístico do tipo hotel-apartamentos, cujo título constitutivo se encontra depositado no Turismo de Portugal, I.P., conforme despacho proferido pelo Secretário de Estado do Turismo, em 26/01/2004 […] e possui alvará de licença de utilização turística, número …, concedido por despacho de 24/09/2003, que se encontra anotado no registo predial pela apresentação ….., de 18/05/2009.

Que, nos termos legais, as frações ora transmitidas obedecem ao Regulamento de Administração do Hotel, que é do conhecimento das partes, depositado com o título constitutivo no Turismo de Portugal, I.P., em 26/01/2004, só podendo vir a ser exploradas turisticamente pela entidade exploradora do empreendimento e mediante contratos de cessão de exploração a celebrar por acordo das partes.

Que nos termos de ata avulsa número 1 do conselho de administração, aprovada e ainda em vigor, datada de 30/04/2003, é devida retribuição pelos proprietários de frações do empreendimento à entidade exploradora, pelos serviços de utilização turística de uso comum, instalações e equipamentos, nos termos melhor constantes dessa acta do conhecimento das partes.

Pelo 2.º foi dito:

Que aceita a presente venda, nos termos exarados. Disseram, ainda, em conjunto:

Que, no presente negócio, não houve intervenção de empresa de mediação imobiliária […]

Que a presente transação foi precedida de contrato promessa de compra e venda celebrado pelas partes em 06/06/2000, alterado em 04/03/2004.

Assim outorgaram,

Que foram apresentados pela parte vendedora, à parte compradora, os certificados números CE….19 e CE….29, emitidos no âmbito do Sistema Nacional de Certificação Energética e da Qualidade do Ar Interior dos Edifícios, respeitantes aos imóveis objeto do presente contrato […]

Em 23/09/2013 consultei […] certidões permanentes do registo predial […], por onde verifiquei o teor das descrições e inscrições prediais em vigor, […] e por onde também verifiquei que para o prédio acima identificado foi emitida a autorização de utilização n.º 2/…, em 24/09/2003, pela Câmara Municipal …, anotada no registo predial em 29/09/2009.

[…] verifiquei as referências matriciais.

Esta escritura foi lida e o seu conteúdo explicado a quem assim outorgou, em voz alta e na sua presença.

15. A ré não pagou rendas ao autor referentes aos anos de 2008 a 2017.

16.[6] Título constitutivo do Hotel Artigo 1 (objeto e finalidade)

O presente título constitutivo respeita ao empreendimento turístico, aprovado e classificado como Hotel Apartamento […]

Artigo 2 (empreendimento turístico)

1. O empreendimento turístico Hotel Apartamento, adiante também designado por Empreendimento, é um estabelecimento hoteleiro, classificado no grupo dos Hotéis Apartamentos, composto pelas frações imobiliárias, instalações e equipamentos comuns […]

2. O Empreendimento é constituído por 203 unidades de alojamento, devidamente equipadas e mobiladas […]

3. O Empreendimento foi projetado, construído e equipado de forma a oferecer um serviço de qualidade que supere as solicitações do mercado turístico e constitua uma unidade de prestígio na região em que se insere.

Artigo 3 (legislação aplicável)

São aplicáveis ao Empreendimento as disposições deste título constitutivo, do DL 167/97, de 04/07, alterado pelo Decreto-Lei 55/2002, de 31/01, do Decreto Regulamentar 36/97, de 25/09, alterado pelo Decreto Regulamentar 16/99, de 18/08, bem como as disposições do Código Civil relativas à propriedade horizontal, com as necessárias adaptações resultantes das características do empreendimento turístico.

Artigo 4 (frações imobiliárias)

1. São frações imobiliárias as partes componentes do Empreendimento suscetíveis de constituírem unidades distintas e independentes devidamente delimitadas, com saídas próprias para as partes comuns do prédio ou para a via pública, e que constituam unidades de alojamento ou instalações, equipamentos e serviços de exploração turística.

2. A unidade de alojamento consiste na instalação do tipo apartamento, destinado a alojamento turístico, ou a residência, que além de constituir unidade independente, seja distinta e isolada das demais, com saída própria para o exterior ou para uma parte comum do prédio em que se integra.

3. O empreendimento turístico Hotel integra 219 frações imobiliárias, numeradas sequencialmente, de 1 a 219, das quais 202 são unidades de alojamento e 16 compostas por instalações complementares.

4. As frações imobiliárias que compõem o Empreendimento são as individualizadas no ANEXO I a este Título Constitutivo, que dele faz parte integrante.

[…]

Artigo 9 (regulamento de administração)

O Regulamento de Administração do Empreendimento constitui o ANEXO II a este Título Constitutivo e dele faz parte integrante.

Anexo I do título constitutivo

1. A composição de cada uma das frações imobiliárias do Hotel, a finalidade a que se destinam e o seu valor relativo expresso em permilagem, é o que segue:

[entre elas constam as frações AF (fração imobiliária …, 1.º andar, ala poente, apartamento com o n.º .....02, tipo T2, com destino a alojamento turístico, com a área útil de 64,67m2 mais uma varanda exterior a 14m2 e o lugar de parqueamento na cave n.º 56) e BQ (fração imobiliária …, 1.º andar, ala central, apartamento com o n.º .....27, tipo T2, com destino a alojamento turístico, com a área útil de 111m2 e os lugares de parqueamento na cave n.ºs …. e ….).

17.  Regulamento de administração do hotel apartamento Introdução

1. O presente regulamento visa estabelecer o conjunto de regras respeitantes à Administração do Hotel Apartamento, em especial no que se refere à conservação e fruição das instalações e equipamentos comuns e dos serviços de utilização turística de uso comum, bem como no que se refere aos critérios de repartição dos respetivos encargos.

2. O presente regulamento destina-se, igualmente, a regular as relações entre os diversos proprietários, entre estes e a Administração e a Entidade Exploradora.

3. Nele se incluem os princípios consignados na legislação aplicável e aqueles que a experiência dita como recomendáveis na prevenção de indefinições próprias das relações de condomínio.

4 Em defesa da sua plena validade e eficácia, estabelece-se que a aquisição de frações imobiliárias, seja a que titulo for, no Hotel Apartamento implica necessariamente a sujeição integral e sem reservas de todos os proprietários, ao conjunto das regras que se seguem, sob pena de aplicação das penalidades e multas previstas nos termos do regulamento comportamental ou dos que venham a ser aprovados pelos órgãos competentes.

Capítulo 1 – conceitos Artigo 1 (Conceitos)

Para efeitos do disposto no presente Regulamento entende-se por:

a) Hotel Apartamento é a designação dada   ao empreendimento turístico tendo em conta a aprovação do projeto pela Câmara Municipal  …., que prevê a classificação de Hotel Apartamento de 4 estrelas.

b) A entidade promotora/exploradora é aquela em nome de quem tiver sido aprovado o projeto do empreendimento e a quem compete realizar a exploração turística do empreendimento.

c) Administração - é a entidade que tem competência para praticar atos de gestão ordinária, dirigida a manter o património e a aproveitar as suas virtualidades normais de desenvolvimento, função que, por incumbência legal, cabe à entidade exploradora.

d) As frações imobiliárias são todas as partes componentes do empreendimento turístico suscetíveis de constituírem unidades distintas independentes, devidamente delimitadas, e que constituam unidades de alojamento ou instalações e equipamentos de exploração turística.

e) As unidades de alojamento consistem nas instalações do tipo apartamentos destinados a alojamento turístico ou a residência dos respetivos proprietários, que além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas das demais, com saída própria para o exterior ou para uma parte comum do Hotel Apartamento onde se integrem.

f) Considera-se instalações e equipamentos comuns todos aqueles que, não sendo qualificáveis como serviços públicos, são postos à disposição dos clientes e dos proprietários das frações imobiliárias do Hotel Apartamento, sem que por eles seja exigida uma retribuição especifica pela sua utilização, designadamente:

[…]

Artigo 3 (Propriedade exclusiva)

1. As frações imobiliárias que integram as unidades de alojamento destinadas a alojamento turístico e residência, bem como as frações que incluem as instalações e equipamentos de exploração turística referidas no art. 1 do presente regulamento, constituem propriedade exclusiva.

2. São propriedade comum, as instalações e equipamentos comuns do Hotel Apartamento.

Capítulo IV - direitos e deveres dos proprietários Artigo 16 (Direitos dos proprietários)

1. Cada proprietário detém a propriedade exclusiva da fração que lhe pertence e é comproprietário das instalações e equipamentos comuns do Hotel Apartamento referidas no n.º 2 do artigo 3°.

[…] Artigo 17

(Deveres dos proprietários)

1. O proprietário de qualquer fração imobiliária, quer esteja ou não afeta à exploração turística, fica obrigado:

[…]

b) A. não aplicar a mesma a fim diverso daquele a que se destina;

c) A não exceder a capacidade prevista para a unidade de alojamento, sem prejuízo da aplicação das normas usuais da atividade hoteleira;

d) A não fazer da respetiva unidade de alojamento objeto de qualquer exploração económica (turística ou não), em especial, qualquer atividade similar àquela que é desempenhada pela entidade exploradora;

[…]

Capítulo V — da exploração turística Artigo 26 (Condições da exploração)

1. O Hotel Apartamento reúne todas as condições legalmente prescritas ao bom e regular desempenho da exploração turística.

2. A entidade exploradora desempenhará com zelo as funções inerentes à exploração e administração, na estrita observância da legislação aplicável ao "Hotel Apartamento", designadamente quanto à manutenção da classificação atribuída, ao cumprimento dos requisitos legalmente definidos para as instalações e quanto aos níveis de qualidade dos serviços,

Artigo 27 (Afetação à exploração)

O Hotel Apartamento disporá para exploração turística, no mínimo, de 70% das unidades de alojamento que o integram, salvo disposição legal em contrário.

Artigo 28 (Exploração unitária)

1. A exploração de todas as instalações, equipamentos e serviços existentes no Hotel Apartamento é, para todos os efeitos, da exclusiva responsabilidade da entidade exploradora, sem prejuízo da subconcessão de serviços.

2. As unidades de alojamento que tenham sido retiradas da exploração turística não poderão ser objeto de outra exploração comercial turística ou não.

3. Presume-se que existe exploração de serviços de alojamento quando as respetivas unidades estejam mobiladas e equipadas, nelas sejam prestados serviços acessórios do alojamento; de que são exemplo os serviços de arrumação e limpeza, e sejam por qualquer meio anunciadas ao público, diretamente ou através de intermediário.

Art. 29 (da contratação com os proprietários)

Compete à entidade exploradora promover a contratação com os proprietários das unidades de alojamento para cedência à exploração turística.

Capítulo VI - disposições finais Art. 30 (Imperatividade)

1. As disposições do presente Regulamento serão obrigatórias para todos os proprietários, atuais e futuros, os quais se obrigam a fazer expressa menção dos direitos e deveres nele constantes em todos os atos de transmissão, cedência, locação, alteração, ou oneração das suas frações imobiliárias e unidades de alojamento,

2. O presente Regulamento deve estar sempre anexado a qualquer destes atos, sob pena de invalidade da transação.

3. As alterações ao presente regulamento são deliberadas por maioria representativa de dois terços do total do capital investido.

[…]

Art. 32 (Regras subsidiárias)

1. Em tudo o que não estiver prevenido no presente regulamento e no título aplicar-se-á a lei dos empreendimentos turísticos e respetivos regulamentos.

2. Em tudo o que não estiver previsto nuns e noutros, aplicar-se-á as regras da propriedade horizontal, com as necessárias adaptações, tendo em conta a natureza do empreendimento e a exploração turística.

18.[7] A renda anual do contrato de cessão, cláusula 3ª/B, refere-se a cada fração.


***


III – Fundamentação de direito

18. Da fixação dos factos materiais da causa

Insurgindo-se contra o julgamento da matéria de facto, a recorrente sustenta que o acórdão recorrido incorreu em erro e violação da lei substantiva e processual ao aditar à matéria de facto o ponto 18 (“a renda anual do contrato de cessão, cláusula 3.ª/B, refere-se a cada fração”), alegando que tal matéria está em dissonância com os factos alegados pelo autor e que constituíam a causa de pedir, o que configura uma violação ao disposto no artigo 5.º n.º 1 do CPC e aos poderes de cognição do Tribunal da Relação em matéria de facto, vertidos no artigo 662.º n.º 1 do CPC.

Ainda que assim não fosse, alegou que o aditamento do facto em causa não encontra suporte na prova produzida, nomeadamente, testemunhal e por declarações de parte, tendo ainda sido desconsiderada a confissão do próprio autor e o acordo das partes, nos articulados da ação. Mais alegou ser ilógico e incoerente o raciocínio adotado pela Relação para fundamentar a referida alteração da decisão de facto, o que contraria ainda o que resulta da fundamentação da decisão proferida numa outra ação que correu entre as partes (processo n.º 1896/08).

Vejamos, pois.

Resulta da petição inicial ter o autor fundado o pedido de pagamento das anuidades devidas pela cessão da exploração das frações na cláusula 3.ª, B), do contrato de cessão de exploração. Neste sentido, alegou resultar do contrato ter sido acordado que a quantia anual de € 9.000,00 era devida por cada uma das duas frações (Cfr. arts. 4.º, 9.º 16.º da p.i.), alegação que, aliás, se encontra refletida no valor global do pedido formulado pelo autor (cf. arts. 19º a 22º, da p.i. e arts. 32.º a 42.º e 45.º a 49.º, da réplica).

Sendo assim, como é, não se vislumbra ter o acórdão recorrido violado o princípio do dispositivo ou as regras e limites do pedido ou da causa de pedir que, ao invés, comportam o montante objeto da condenação, sendo certo que não se extrai de qualquer outra fase processual ter o autor reduzido o seu pedido, de forma a impedir a Relação de apreciar a matéria objeto do aditamento por ir além do que constitui a conformação objetiva da instância.

Por outro lado, o facto dado como não provado pela 1.ª instância respeitante à convicção do autor sobre se o valor da renda anual (€ 9.000,00) se referia, ou não, a cada uma das frações (cf. facto não provado sob a al. a), da sentença) foi objeto de impugnação no recurso de apelação, tendo a Relação reapreciado essa matéria, nos termos e com os limites previstos nos arts. 640.º e 662.º do CPC, pelo que é manifesto não ter havido qualquer violação dos poderes de cognição conferidos, neste âmbito, à Relação.

Acresce que:

Conforme tem sido entendimento pacífico da jurisprudência, a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância,  competindo-lhe reapreciar os meios de prova indicados e os que se mostrem acessíveis, complementados, ou não, com as regras da experiência, relativamente aos pontos impugnados da matéria de facto, podendo ainda alterar outros factos,  ainda que não impugnados, a fim de evitar uma contradição, pois se assim não fosse, o julgamento na Relação, no que concerne à matéria de facto, não alcançaria uma autónoma convicção probatória (cfr. os acórdãos do STJ de 12.9.2013, proc. n.º 2154/08.9TBMGR.C1.S1 e de 7.11.2019, proc. n.º 2929/17.8T8ALM.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).  

Nesta conformidade, é de concluir que a Relação podia aditar o mencionado facto, ainda que mantivesse inalterada a decisão da 1ª instância quanto à matéria dada como não provada sob a al. a), pois, conforme se refere no acórdão recorrido, para a decisão a proferir sobre a matéria em causa não assume relevância a questão de saber qual era a convicção do autor, a este respeito.

Por seu turno, relativamente à matéria objeto do aditamento, e para fundar a sua convicção, o acórdão recorrido socorreu-se dos depoimentos prestados por uma testemunha e também pelo filho do autor e das próprias declarações de parte do autor, bem como dos documentos juntos aos autos, tendo todos estes meios de prova sido analisados e discutidos em termos argumentativos por forma a justificar a conclusão alcançada.

Ora, como é sabido, ao STJ não cabe sindicar a decisão da Relação sobre a matéria de facto quando está em causa prova sujeita à livre apreciação do julgador, conforme resulta do disposto no art. 674.º, n.º 3, do CPC e constitui jurisprudência constante e uniforme deste Supremo Tribunal. Na verdade, sendo invocado um eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas é permitido ao Supremo controlar a atuação da Relação nos casos da designada prova vinculada ou tarifada (cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 12.7.2018, proc. n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1 e de 18.2.2021, proc. n.º 29108/18.4YIPRT.C1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).

Sucede que, no caso em apreço, os meios de prova invocados pela recorrente, incluindo as declarações de parte por não terem sido confessórias, não têm valor probatório reforçado. Efetivamente, não está demonstrado que o autor tenha feito declarações a que deva ser atribuída força probatória plena (cf. arts. 357º e 358º, ambos do CC), sendo que, na própria motivação da decisão de facto da sentença da 1.ª instância, se refere que o autor afirmou que o valor era por fração, o que não vem sequer posto em causa.

Da mesma forma, o erro acerca do juízo presuntivo formado com apelo às regras da experiência, só é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça se assentar em factos não provados ou em caso de ofensa a norma legal ou de manifesta ilogicidade (cfr. acórdão do STJ de 11.11.2020, proc. nº  3471/17.2T8VNG.P1.S1, www.dgsi.pt), tendo, porém, em atenção que, mesmo neste caso, está vedado ao tribunal de revista envolver-se na indagação de eventual erro sobre a ponderação das provas sujeitas à livre apreciação do julgador.

Dito isto.

No tocante ao facto aditado sob o nº18, retira-se do acórdão recorrido que os Ex.mos Juízes Desembargadores alicerçaram a sua convicção em meios de prova sujeitos à sua livre apreciação. Como já acima referimos, relevaram - e decisivamente - o teor do contrato de cessão de exploração, bem como os depoimentos prestados por uma testemunha, pelo filho do autor e pelo próprio autor, tendo os julgadores exteriorizado o raciocínio que conduziu à formulação do juízo probatório sobre o facto aqui em causa. Concretamente, a respeito do depoimento do filho do autor, refere-se  no acórdão recorrido que as suas declarações fornecem elementos que corroboram a versão do autor e, discorrendo sobre a taxa de rendimento de 4%, referida por aquele, considerou-se que se tratava de um valor mínimo aceitável, adotado por alguma legislação nacional e também, em termos genéricos, no âmbito da União Europeia,  a qual, se aplicada ao caso presente, permitiria alcançar um valor (da renda anual) próximo de € 9.000,00.

Admitindo que, por esta via, os Exmos. Desembargadores se tivessem socorrido – complementarmente - das regras da experiência comum para formar a sua convicção, certo é que não se vislumbra qualquer ilogicidade na argumentação desenvolvida, pelo que, nestas circunstâncias, não estando em causa a legalidade do uso das presunções judiciais, não pode este Supremo Tribunal interferir no juízo de facto formulado pela Relação em sede de valoração da prova livre.

Finalmente, como mero reforço argumentativo do já exposto relativamente à decisão proferida quanto ao aditamento do facto 18, o acórdão recorrido invocou a sentença proferida no processo nº 1896/08 que reconheceu o direito de crédito da ré pela utilização por parte do autor de um dos apartamentos descontando o valor da anuidade de € 9.000,00 pela cessão dessa fração, o que, naturalmente, não consubstancia ofensa ou violação da autoridade do caso julgado.

Em todo o caso, e ao contrário do que a recorrente pretende fazer crer, não se surpreende na fundamentação da decisão proferida naquela ação que aí se tenha considerado que o valor da anuidade respeitava a ambas as frações, decorrendo, antes, a asserção plasmada no acórdão recorrido,  pelo que também, por esta razão, não se vê de que modo poderia ter sido desrespeita a autoridade de caso julgado.

Improcedem, pois, nesta parte, as alegações da recorrente.

19. Do caso julgado

Na revista, a recorrente veio defender que o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 580.º, 581.º e 619.º do CPC, ao reconhecer o efeito de autoridade do caso julgado a respeito da validade e eficácia do contrato de cessão de exploração apreciada noutras ações, na medida em que tal autoridade não se estende aos fundamentos que presidiram às decisões tomadas nas ações n.º 100/05 e 1896/08.

Importa, no entanto, e antes de mais, delimitar os termos e o contexto em que o acórdão recorrido fez referência à questão do caso julgado.

Com efeito, a Relação, divergindo da 1ª instância na parte em que entendeu que o autor não teria legitimidade para ceder a exploração turística das frações por não ser ainda o seu proprietário, considerou que esse entendimento afrontava o previamente decidido na presente ação, em sede de despacho saneador, em que se absolveu o autor do pedido reconvencional, com o fundamento de que a validade e eficácia do contrato de cessão de exploração já havia sido afirmada em anterior processo que correu entre as mesmas partes.

Além disso, entendeu-se no acórdão recorrido que não se verificava qualquer efeito de autoridade do caso julgado, quanto ao dispositivo no âmbito dos processos nºs 100/05 e 1896/08 (nesta parte reconhecendo razão à ré/apelante) ainda que, “por força da extensão do caso julgado aos fundamentos do decidido na ação 1896/08”, a ré tivesse que aceitar que “o contrato de cessão era um contrato definitivo e que não se tinha verificado qualquer fundamento para a sua cessação ou modificação ou perda de eficácia.”.

Seja como for, na medida em que o saneador-sentença proferido na presente ação não havia ainda transitado em julgado (já que havia sido interposto recurso de apelação em separado), o Tribunal recorrido sustentou que o ali decidido não constituía obstáculo à apreciação das questões a respeito da validade do contrato de cessão de exploração, suscitadas pela ré na apelação.

Nessa medida, a Relação passou a conhecer das questões colocadas pela apelante, vindo, a final, a julgar, o recurso procedente e a revogar a sentença recorrida.

Neste contexto, a questão colocada na revista a respeito da extensão do caso julgado quanto aos fundamentos das decisões proferidas anteriormente em processos que correram entre as mesmas partes assume uma natureza subsidiária, cuja apreciação dependerá do que vier a ser decidido, quanto às questões concretas que constituem o objeto da revista.

20. Do contrato de cessão de exploração

O acórdão recorrido considerou que, em 4.3.2004, foi validamente celebrado entre as partes um contrato (definitivo) de cessão de exploração turística (tal como denominado pelos seus outorgantes) de determinadas frações autónomas com o clausulado que consta do documento junto aos autos e que se encontra vertido no ponto 4, dos factos provados.

A recorrente, porém, sustenta que se está perante um contrato-promessa de cessão de exploração, argumentando, além do mais, que o primeiro outorgante, ora autor, não era sequer o proprietário das frações objeto da cessão e que apenas pretenderam regular e garantir a futura cessão de exploração das frações, se e quando o autor viesse a adquiri-las.

Vejamos, pois.

Está provado que autor e ré celebraram entre si um contrato intitulado “contrato de cessão de exploração”. Contudo, tal denominação não vincula o Tribunal, uma vez que a qualificação jurídica de um contrato deve ser feita com recurso às regras de interpretação e integração da declaração negocial, nos termos dos arts. 236º e ss. do CC.[8]

É, porém, jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça que a interpretação de declarações negociais só constitui matéria de direito quando o sentido da declaração deva ser determinado segundo o critério do nº 1, do art. 236º, do CC, ou surja a questão de saber se foi respeitado o art. 238º, do mesmo Código, estando-lhe vedado o apuramento da vontade real das partes por constituir matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias.[9]

Como se sabe, o nº1, do art. 236º, do CC consagra a denominada doutrina da impressão do destinatário, segundo a qual o sentido juridicamente relevante com que deve valer uma declaração negocial há de corresponder àquele que lhe seria dado por um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, que, conhecendo as circunstâncias que este concretamente conhecia, atribuiria à declaração, agindo com capacidade e diligência médias (cfr., entre muitos outros, o recente acórdão do STJ de 12.1.2021, proc. nº 1939/15.4T8CSC.L1.S1, www.dgsi.pt).

Nesta tarefa interpretativa, partindo embora do elemento literal, há que convocar outros elementos ou circunstâncias que ajudem a precisar o sentido (decisivo) da declaração, designadamente “circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial (…)"[10],  bem como "os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento), a finalidade prosseguida (…).”[11].

Como, a propósito, sublinha Pais de Vasconcelos, "na interpretação deve ser procurado, não apenas o sentido das declarações negociais artificialmente isoladas do seu contexto negocial global, mas antes o discernir do sentido juridicamente relevante do complexo regulativo que é o negócio jurídico como um todo, como ação de autonomia provada, e como globalidade da matéria negociada ou contratada.”[12].

Por sua vez, António Menezes Cordeiro[13] afirma que o direito português consagra, no essencial, uma doutrina objetivista da interpretação, baseada na impressão do declaratário e mitigada, em termos negativos, pela possibilidade de imputar a declaração a interpretar a quem a tenha feito e pela regra falsa demonstrativo non nocet.

Tem sido, este, também, o entendimento perfilhado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, podendo citar-se, entre outros, o Acórdão proferido em 19.1.2017, no proc. nº 1626/12, www.dgsi.pt, em que, invocando o princípio da interpretação sistemática e contextual, se considerou que o negócio deve ser visto no seu todo, considerando as expressões utilizadas no contexto e nas circunstâncias em que foram proferidas.

No caso em apreço, inexistindo prova da vontade formada ou consensualizada entre as partes, importa, portanto, verificar se foram, ou não, observados os parâmetros legais condicionantes da função interpretativa da declaração negocial que é cometida ao tribunal, na sua função jurisdicional de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (Cfr. acórdão do STJ de 14.7.2020, proc. n.º 264/17.0T8FAF.G1.S1, www.dgsi.pt).

Ora, com os elementos que constam dos autos (repare-se que poucos anos após a celebração do contrato promessa de compra e venda, a ré iniciou a exploração dos apartamentos -  v. factos provados sob os nºs 2, 3 e 4 -, situação que se manteve já depois da celebração do contrato de compra e venda, sem que as partes tivessem celebrado novo contrato de cessão ou alterado o que se discute na presente ação), atendendo designadamente ao clausulado, no seu conjunto (nem se diga que foi convencionado que o contrato tinha a duração de um ano – cl. 4ª -, pois que também se acordou que “poderia ser denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de 90 dias do seu termo”, o que, conjugado com o estatuído na cl. 3ª, em que se previa que tinha o seu início em 1.1.2004 e que seria devida uma renda anual, a liquidar em Janeiro do ano seguinte, permite objetivamente considerar que se manteria em vigor, enquanto não fosse denunciado, para além do ano de 2004), ao seu contexto, à finalidade prosseguida e à luz dos critérios interpretativos acima referidos, é de concluir, como bem decidiu a Relação, que  o contrato de cessão se destinava a regular (definitivamente e sem limite temporal) os termos da exploração turística pela ré das frações, enquanto se mantivesse em vigor, e não a garantir uma eventual situação futura.

É, esta, a nosso ver, a interpretação que faria um declaratário medianamente sagaz, prudente e diligente, posicionado no lugar do autor e da ré (os destinatários da declaração negocial) e a que, de todo o modo, conduz a um maior equilíbrio das prestações (art. 237º, CC).

Improcede, portanto, a alegação da recorrente.


***

Insurgindo-se contra o acórdão recorrido, na parte em que reconheceu ao autor legitimidade substantiva para ceder a exploração das frações autónomas aqui em causa, a recorrente questiona a validade do contrato de cessão de exploração, alegando que, à data, o ora autor não era o proprietário das frações.

Com relevo para a decisão desta questão, cabe recordar que da factualidade provada decorre que, em 6.6.2000, o ora autor, como promitente comprador, e a ora ré, como promitente vendedora, celebraram entre si um contrato-promessa de compra e venda de dois apartamentos e três estacionamentos de um edifício em construção num lote de terreno da ré.

Mais tarde, em 4.3.2004, o autor, como cedente, e a ré, como cessionária, celebraram o contrato de cessão de exploração turística, em discussão nesta ação, tendo por objeto duas frações autónomas, ali identificadas, sitas no prédio da ré, designado “Edifício Hotel Apartamentos ……”.

Posteriormente, já em 23.9.2013, entre as mesmas partes foi outorgada a escritura pública de compra e venda das ditas frações autónomas.

Ora bem.

Normalmente, o proprietário pode ceder a terceiros o uso e fruição das coisas que lhe pertencem, porque goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (art. 1305º, do CC).

Não se provou, contudo, que, à data da celebração do contrato de cessão de exploração, o autor fosse o titular do direito de propriedade sobre as frações autónomas cuja exploração cedeu à ré, uma vez que apenas em 23.9.2013 foi celebrado o respetivo contrato de compra e venda.

Não obstante, a legitimidade (substantiva) do autor para ceder à ré a exploração das frações encontra-se assegurada, dado que o contrato de cessão de exploração é um negócio do qual resultam meras obrigações que podem, ou não, ser cumpridas. Desta forma, sendo um negócio obrigacional, o contrato é válido ainda que o cedente não esteja em condições de oferecer ao cessionário o gozo/fruição da coisa cedida, podendo, quando muito, se for esse o caso, incorrer em responsabilidade contratual, por incumprimento do contrato (art. 798º, do CC).

É, aliás, o que se passa, numa situação similar, quando alguém prometer vender a outrem um bem que não lhe pertence, caso em que a promessa será válida, mesmo que o promitente vendedor careça de legitimidade para celebrar o contrato definitivo.[14]

Não vemos, assim, que a circunstância de o autor não ser, à data da sua outorga, o titular do direito de propriedade sobre as frações autónomas, possa afetar a validade do contrato de cessão.

A idêntica conclusão se chegaria ainda que por outra via.

Na verdade:

No caso em apreço, como já dissemos, o autor celebrou com a ré, em data anterior à do contrato de cessão de exploração, um contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual prometeu comprar à ora ré as frações objeto da cessão.

Neste contexto, afigura-se-nos que o autor, a coberto do contrato promessa de compra e venda (com ou sem eficácia real) podia validamente celebrar o contrato de cessão, o qual reveste – como se disse – natureza obrigacional e não real.[15]

De todo o modo, a partir do momento em que o autor adquiriu o direito com base no qual o contrato de cessão foi celebrado, estaríamos perante uma situação de legitimatio superveniens que, operando ex lege, faria desaparecer a única circunstância que poderia afetar a validade do contrato.

Com efeito, aplicando por analogia o regime consignado no art. 895.º do CC, eventual invalidade do contrato decorrente de falta de legitimidade do cedente sanava-se, “logo que o vendedor adquira por algum modo a propriedade da coisa ou o direito vendido”.

Tal é, desde logo, facilmente percetível, porquanto, conforme explica Pedro Romano Martinez, em Contratos em Especial, UCP, 1995, pág. 52:

(…) a nulidade estabelecida para a hipótese da venda de bens alheios é atípica, e pode ser sanada. A nulidade é um tipo de invalidade não sanável, mas no art. 895.º do CC admite-se a convalidação do contrato de compra e venda, mediante a aquisição do direito sobre o bem alienado por parte do vendedor. Se o vendedor, entretanto adquirir a titularidade do direito, fica sanado o vício. Isto constitui uma forma de sanação da nulidade, figura só prevista na lei para a anulabilidade (art. 288.º do CC).

Em face do exposto, atendendo a que, como já dissemos e aqui se reafirma, o contrato de cessão de exploração não é um contrato real quod constitutionem, não se reconhece-se razão à recorrente quando alega que, sob pena de invalidade do contrato ou, noutra perspetiva, de improcedência do pedido, deveria o autor ter provado que entregou à ré as frações em causa, o que não logrou fazer, tanto mais que resulta dos factos provados que a ré vem explorando, desde 2003, as ditas frações, mantendo-as na sua disponibilidade  (cf. facto provado sob o nº3).

Acresce que:

Ainda que se considerasse que o contrato de cessão foi celebrado por quem não tinha legitimidade para o celebrar, a questão da sua validade colocava-se apenas no plano das relações internas, já que em relação aos verdadeiros titulares do imóvel o contrato seria apenas ineficaz.

Sucede que a ré, muito embora fosse, à data da celebração do contrato de cessão da exploração, a titular do direito de propriedade das frações, concorreu para criar a aparência da legitimidade do cedente, aqui autor, já que aceitou celebrar o contrato em que se declara ser o autor o “dono e legítimo proprietário das frações” (cf. clª 1ª), talvez por naquela data (em 2004), o autor já ter liquidado 4/5 do preço total acordado.  

Neste quadro, é manifesto que eventual vício de que pudesse enfermar o negócio nunca poderia ser invocado pelo proprietário que aceitasse, como in casu, outorgar o contrato de cessão, por tal situação estar completamente fora da esfera de proteção da norma.

Improcedem, pois, mais uma vez, as alegações da recorrente.

Para finalizar, diremos ainda que a invocação pela ré da invalidade do contrato, nos termos em que o fez, configuraria abuso de direito.

Com efeito:

O art. 334º, do CC estabelece que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».

A aplicação do abuso de direito depende obviamente da prova dos competentes factos constitutivos, e, neste particular, exige-se dos Tribunais o maior critério e precisão na aplicação do instituto, a fim de não introduzir no sistema acrescidos fatores de insegurança jurídica.[16]

Como se sabe, o abuso de direito pressupõe manifesto excesso ou desrespeito clamoroso dos limites axiológico-materiais do direito invocado, sendo naturalmente exigível a prova desse excesso – v. Teixeira de Sousa, As Partes, o Objeto e a Prova, na Ação Declarativa, 201.

Tais limites advêm de conceitos tão indeterminados, quanto os da função social e económica, os bons costumes e a boa fé.

O «venire contra factum proprium», que é precisamente uma das formas do abuso de direito, assenta numa situação objetiva de confiança, reveladora de que o titular do direito aceita o «status quo» definitivamente – o chamado comportamento concludente.

Ora, no caso dos autos, seria abusivo que a ré pudesse prevalecer-se de uma situação a que ela própria deu o seu assentimento, para obstar a que o autor lograsse obter o direito ao recebimento das rendas que reclama nesta ação.

Tal cenário seria despropositado nos concretos contornos do caso e contrário às mais elementares regras da boa fé contratual.

Donde, concluímos que, à luz do disposto no art. 334 do C.C., não poderia a ré obstar à pretensão do autor, com fundamento na sua ilegitimidade para ceder a exploração das frações.


***

A recorrente veio, ainda, sustentar, por um lado, que o contrato de cessão de exploração é ineficaz por intimamente dependente do contrato-promessa de compra e venda que as partes entenderam estar suspenso e, por outro, que o autor não pode exigir o pagamento das anuidades decorrentes do contrato dependente de cessão de exploração na medida em que se verificam os pressupostos de aplicação dos institutos da exceção de não cumprimento, da resolução contratual e da alteração das circunstâncias.

No entanto, da matéria de facto e da subsunção jurídica dos factos apurados não resulta minimamente que as partes tenham alguma vez acordado na “suspensão” dos efeitos do contrato de cessão de exploração, nomeadamente no decurso do tempo em que decorreu o litígio a respeito do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda das frações que terminou com a decisão proferida por este Supremo Tribunal no correspondente processo que correu entre as partes, e que, julgando-o em vigor, levou a que aquelas viessem a celebrar o contrato prometido.

Não se pode, pois, considerar terem os litigantes acordado na suspensão do contrato de cessão de exploração, nem mesmo durante o período em que decorreu o litígio correspondente à ação n.º 100/05, sendo certo que a alegada dependência ou relação entre ambos os processos não a determinaria e, como vimos, sendo válida a cessão sem que tenha ocorrido a transmissão jurídica das frações, igualmente inexistiria fundamento para a suspensão das obrigações decorrentes do contrato de cessão de exploração.

No mais, não se verificam, nem foram devidamente invocados, os requisitos das diversas figuras jurídicas que a recorrente veio invocar como forma de obviar à procedência da ação, já que não se vê que sinalagma incumprido por parte do autor pudesse justificar a aplicação do regime da exceção de não cumprimento prevista no art. 428.º do CC, nem se mostra verificada qualquer situação que possa levar a concluir pela extinção do contrato, designadamente por resolução nos termos do art. 432.º do CC, sendo que, de igual forma, nãos e encontram manifestamente reunidos os pressupostos da alteração das circunstâncias, previstos no art. 437.º do CC.


***

Finalmente, veio a recorrente alegar que o autor está a atuar em abuso de direito ao peticionar o cumprimento da obrigação de pagamento das anuidades decorrentes do contrato de cessão de exploração, quando decorre do seu comportamento que resolveu o contrato, desta forma violando o disposto no art. 334.º do CC, designadamente na modalidade do tu quoque.

A aplicação do abuso de direito depende obviamente da prova dos respetivos factos constitutivos, exigindo-se dos tribunais o maior critério e precisão na aplicação do instituto, a fim de não introduzir no sistema acrescidos fatores de insegurança jurídica.

Como é sabido, o abuso de direito pressupõe manifesto excesso ou desrespeito clamoroso dos limites axiológico-materiais do direito invocado, sendo naturalmente exigível a prova desse excesso.

Tendo em vista facilitar a compreensão e delimitar o âmbito de aplicação deste instituto, têm sido descritas diversas modalidades, consubstanciadoras, designadamente, de situações de violação do princípio da confiança, como seja o tu quoque o qual se funda no princípio segundo o qual quem atua ilicitamente não pode prevalecer-se das consequências jurídicas (sancionatórias) de uma atuação ilícita da contraparte (Cfr. acórdão do STJ de 21-10-2020, Revista n.º 4354/17.1T8OER.G1.S1).

Ora, no caso presente não se descortina qualquer atuação do autor preenchedora desta modalidade, desde logo, por não se fundar o seu comportamento nesta ação na prática de uma qualquer atuação ilícita pretérita.

Improcede, pois, in totum, o recurso.

IV – Decisão

21. Nestes termos, acorda-se em negar a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 8.4.2021

Relatora: Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado

1º Adjunto: Oliveira Abreu

2º Adjunto: Ilídio Sacarrão Martins

Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15º-A, do Decreto-Lei nº 20/2020, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade.

________

[1] Cf. ampliação/atualização do pedido a fls. 937 e despacho de fls. 963.
[2] A sentença foi confirmada por acórdão da Relação …. - cf. fls. 861 a 898.
[3] Insurgindo-se contra o assim decidido, a ré/reconvinte interpôs recurso de apelação, a subir em separado, tendo sido proferido acórdão a julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão da 1ª instância - cf. fls. 1133-1170.
[4] Aditado pela Relação.
[5] Redação introduzida pela Relação.
[6] Aditado pela Relação.
[7] Aditado pela Relação.
[8] Sobre a problemática da qualificação jurídica do contrato, v. Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, pág. 164; Baptista Machado, Lições de Direito Internacional Privado, pág. 111 e Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro, ROA, 1987, pág. 858.
[9] Cf., entre outros, o acórdão do STJ, proferido em 30.11.2017, no processo 1150/06.0TBSTR.E1.S1, www.dgsi.pt.
[10] Cf. Prof. Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 2ª edição, Lex, 1996, págs. 349/350, e Teoria Geral do Direito Civil, II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 3ª edição, Universidade Católica Portuguesa, pág. 416/417.
[11] Cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, 482 e segs.; Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 213 e Vaz Serra, RLJ, Ano 111, pág. 220.
[12] In Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, pág. 304.
[13] In Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, tomo I, Almedina, 2000, pág. 555.
[14] Cf., neste sentido, Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, págs. 124-125; Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 8ª edição, págs. 364 e 394 e Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, pág. 92.
[15] Neste sentido, embora a propósito da validade do contrato de arrendamento celebrado pelo promitente comprador, cf. Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 9ª edição, Almedina, págs. 65-66; Januário Gomes, Constituição da Relação de Arrendamento Urbano, Almedina, 1980, págs. 280-281 e Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 6ª edição, Almedina, pág. 105.
[16] Cf. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé, 770 e ss.