Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO GONÇALVES | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS FUNDAMENTOS PRISÃO PREVENTIVA CONDENAÇÃO PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA | ||
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Apenso: | |||
Data do Acordão: | 01/19/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - A elevação do prazo máximo da prisão preventiva estabelecido no art. 215.°, n.º 6, do CPP, justifica-se, precisamente pelo duplo grau condenatório. II - A confirmação, para efeito desta norma adjetiva não é idêntica à dupla conforme consagrada no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP. Evidência incontestável uma vez que esta se circunscreve aos acórdãos da Relação, enquanto a confirmação do art. 215.º, n.º 6, inclui decisões confirmatórias da 2.ª instância ou do STJ. III - O ato que opera a elevação, ope legis, da prisão preventiva é a decisão confirmatória proferida em recurso, que confirma a condenação em pena carcerária, (sendo esta em medida superior ao tempo porque vigorou a privação cautelar da liberdade do condenado) decretada na 1.ª instância. IV - O marco temporal, legalmente relevante, para fazer operar, automaticamente, a elevação do prazo da prisão preventiva nos termos estabelecidos no art. 215.º, n.º 6, do CPP, é a data da prolação do acórdão confirmatório. V - A condenação do Requerente decretada em 1.ª instância foi confirmada, in mellius, em recurso, por acórdão da Relação, com redução da medida da pena aplicada, fixando-a em 8 anos de prisão. VI - Consequentemente, o prazo máximo da prisão da prisão preventiva do Requerente elevou-se, ope legis, automaticamente, para 4 anos. | ||
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Decisão Texto Integral: |
O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, acorda: ---------------------- I. RELATÓRIO: 1. a petição: O arguido: --------------------- - AA detido no Estabelecimento Prisional ... e os demais sinais dos autos, ----------------------------------------- preventivamente preso à ordem do processo comum coletivo em epigrafe, apresentou a vertente providência de habeas corpus, invocando o disposto nos artigos 222°, n° 2, alínea c) e 223°, ambos do Código Processo Penal e nos artigos 20°, n°s 1, 4 e 5, 27°, n°s 1 e 4, 28°, n° 2, 31° e 32°, n°s 1 e 2 da Constituição da República. Para tanto argumenta: ------------------------------ Dos factos: 1º - Por despacho do Juiz de Instrução Criminal, de 11/01/2020, foi decretada a prisão preventiva do requerente. 2º - Por acórdão de 19 de maio de 2021, foi o requerente condenado pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punido pelo art° 21° do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão. 3º - O requerente, inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação .... 4º - Que por acórdão de 22 de Outubro de 2021, condenou o requerente na pena de 8 anos de prisão. 5º - Em 23 de Novembro de 2021, foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. 6º - No dia 26/11/2021, foi o requerente notificado do despacho de não admissão de recurso para o Supremo, por a pena ser de 8 anos. 7º - Em 13 de Dezembro de 2021, o arguido apresentou reclamação ao Presidente do Supremo contra a não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por considerar que a condenação é de 8 anos e 6 meses, ainda se mantém, uma vez que ainda não transitou em julgado. 8º Por despacho de 29/12/2021 foi o requerente notificado do indeferimento da reclamação. 9º - Na presente data, o acórdão ainda não transitou no que diz respeito ao requerente. - DO DIREITO Segundo o art.º 20° da Constituição da República Portuguesa: n° 1 - A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. n° 4 - Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. n° 5 - Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos. Por sua vez, o art.º 27° da Constituição da República, sob a epígrafe "Direito à liberdade e à segurança", preceitua no seu n° 1:" Todos têm direito à liberdade e à segurança". O n° 4: "Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos". O art° 28° da Constituição da República, sob a epígrafe "Prisão Preventiva", no seu n° 2; "A prisão preventiva tem natureza excepcional não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei". O art° 31° da Constituição da República, sob a epígrafe “HABEAS CORPUS" preceitua: 1 - Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente, 2 - A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos. 3 - O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória. O art° 32° da CRP, sob a epígrafe "garantias do processo criminal", prescreve o seguinte: 1 - O procedimento criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. 3 - O arguido tem direito a escolher o defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fazes em que a assistência por advogado é obrigatória". A petição de habeas corpus contra a detenção ilegal, inscrita no Art° 31° da CRP, tem tratamento processual nos Art°s 215°, 220°.22° e 223°. Do Cód. Proc. Penal, que concretizam a injunção e a garantia constitucional. Segundo o Art° 215° do Cód. Proc. Penal: 1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o início, tiverem decorrido: d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado. 2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para ... dois anos, .... quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos. No caso em apreço o arguido encontra-se em prisão preventiva há mais de dois anos. Nestes termos e nos mais de direito que V.Exas doutamente suprirão, requer-se a concessão imediata da providência de Habeas corpus em razão da prisão ilegal. DOCUMENTOS CUJA JUNÇÃO SE REQUER. - Despacho que decretou a prisão preventiva - Acórdão de 19 de Maio de 2021. - recurso para o Tribunal da Relação .... - Acórdão do Tribunal da Relação ... - Recurso para o Supremo tribunal de Justiça - Despacho de 26 de Novembro de 2021 do Tribunal da Relação .... - Reclamação apresentada a 13/12/2021 - Despacho de 29/12/2022.
2. informação judicial: O Juiz no Tribunal de 1ª instância, observando o disposto no artigo 223.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, exarou concisa informação sobre a privação da liberdade do Requerente, elucidando: 1 - foi sujeito a medida de coação de prisão preventiva em 11 de janeiro de 2020, conforme Auto de Interrogatório de arguido detido para aplicação de medida de coação que teve lugar nessa data e que se junta, de fls. 2838-2858, na sequência da sua detenção em 9.1.2020 (cf. fls.2674 a 2676, a). 2 - Foi proferida decisão condenatória em 19.05.2021, tendo nela sido aplicada ao arguido AA a pena única de oito anos e seis meses de prisão (atendendo à extensão da decisão, e para o que ora releva, envia-se cópia apenas da parte decisória, de fls.6834-6835). 3 - O arguido AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação .... 4 - Em 21.10.2021 foi proferido Ac. pelo TR..., no qual se fixou em oito anos de prisão a pena ao arguido AA de (pela extensão, junta-se apenas e para o que ora releva, a parte decisória, fls. 6875 verso). 5- O arguido, inconformado, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (cf. fls. 6902). 6 - Tal recurso não foi admitido, conforme despacho de fls. 6917. 7 - O arguido reclamou desse despacho nos termos do disposto no art. 405º do CPP, tendo sido proferida decisão em 27.12.2021, que manteve o aludido despacho de rejeição (fls. 6929-6931 verso). 8 - Baixaram os autos a este Tribunal em 4.1.2022 (cfr. fls. 6936) 9 - Em 5.1.2022, na sequência do nosso pedido, foi junta informação de que, à data, a decisão proferida em 27.12.2021 ainda não transitara em julgado (cf. fls.6951). 10 - Em consequência, voltou a ser reexaminada a prisão preventiva oportunamente aplicada ao arguido AA, em conformidade com o prazo legal que resulta do disposto no art. 215º, nº 6 – metade da pena aplicada pelo TR... (oito anos), ou seja, quatro anos (a fls. 6962). 11 - A nosso ver, o arguido, ao invocar que a decisão proferida por este Tribunal ainda não transitou para fundamentar que se encontra excedido o prazo da prisão preventiva de dois anos, previsto no art. 215º, nº 1 e nº 2, do CPP, olvida convenientemente o disposto no nº 6 do mesmo artigo, que eleva para metade da pena aplicada, em dupla conforme, o mencionado prazo. Acresce que nem sequer é pacífico o entendimento de que a nossa decisão não se encontre transitada; subscreve-se o superior entendimento, nesta matéria, da Conselheira Helena Moniz: “III - A decisão do STJ sobre a reclamação (apresentado ao abrigo do disposto no art. 405.º, do CPP) do despacho que não admitiu o recurso não tem qualquer reflexo no trânsito em julgado do acórdão da Relação, tanto mais que se decidiu pela irrecorribilidade daquele; além de que aquela reclamação constitui uma reclamação da decisão que não admite o recurso, e não uma reclamação do acórdão da Relação do qual se pretendia recorrer.” – Ac. STJ, Proc. 775/18.0T9LRA.C1-B.S1, de 26-11-2020, in http://www.dgsi.pt. Face a todo o exposto, e considerando o disposto nos art. 215.º, n.º 1, al. d), n.º 2, e n.º 6, norma esta que eleva o prazo da prisão preventiva, no caso, para 4 anos, entende-se que o arguido se encontra preso preventivamente à ordem dos presentes autos nos termos legais, e que o prazo da sua prisão preventiva apenas expirará em 9.1.2024. * Convocada a Secção Criminal, notificado o Ministério Público e a Defensora do Requerente, procedeu-se à audiência, de harmonia com as formalidades legais, após o que o Tribunal reuniu e deliberou como segue (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP):
II. FUNDAMENTAÇÃO: Dos elementos com que vem instruído o procedimento, com relevância para a decisão do vertente pedido de habeas corpus, extraem-se os seguintes: a) dados de facto e processuais (em súmula): 1. O Requerente AA é arguido no processo em epígrafe. 2. Foi detido pela Polícia Judiciária às 22h50m de 9 de janeiro de 2020. 3. Que o apresentou ao Ministério Publico. 4. Que, por sua vez, o apresentou à Juíza de Instrução Criminal para primeiro interrogatório judicial 5. Imputando ao Requerente os factos narrados no requerimento de apresentação, que subsumiu à previsão dos crimes de: - tráfico de estupefacientes agravada p. e p. pelos arts. 21º n.º 1 e 24º al.ª c), por referência à tabela anexa I-C, do DL n.º 15/93 de 22/01. - um de associação criminosa, p. e p. pelo art. 28º, n.ºs 2 do mesmo DL. 5. A Juíza de Instrução, interrogando o Requerente detido, com início às 15h13m, de 11-01-2020, julgou haver fortes indícios de o arguido ter cometido os factos e crimes imputados. 6. O Ministério Publico promoveu que ao arguido fosse aplicada a medida de coação de prisão preventiva. 7. A Juíza de Instrução, após exercício do contraditório pela defesa, concluiu haver perigo de fuga, perigo de perturbação do inquérito e perigo de continuação da atividade criminosa. 8. Em consequência, aplicou ao arguido, aqui Requerente, a medida de coação de prisão preventiva, nos termos do disposto nos artigos (artigos 191.º, 192.º, 193.º, 194º, 202.º n.º 1 al. a), 204.º al.ª c) e 204º al.ªs a), b) e c), todos do CPP. 7. Medida de coação que foi mantida sempre que se reexaminaram os respetivos pressupostos. 8. O Ministério Publico deduziu acusação contra o Requerente e outros. 9. Realizado o julgamento, o Tribunal coletivo de 1ª instância, por acórdão de 17.05.2021, condenou o Requerente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão. 10. O Requerente impugnou a decisão condenatória, recorrendo para a 2ª instância. 13. O Tribunal da Relação ..., por acórdão de 21 de outubro de 2021, concedendo provimento parcial ao recurso, reduziu a medida da pena aplicada, fixando-a em 8 anos de prisão. 14. O Requerente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. 15. Recurso que o Desembargador relator não admitiu por despacho de 20.11.2021. 16. O Requerente reclamou contra o despacho de não admissão do recurso. 17. O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por decisão de 27.12.2021, indeferiu a reclamação. 18. O Tribunal da condenação, por despacho de 7.01.2022, reexaminando os pressupostos da medida de coação, manteve o arguido em prisão preventiva. 19. Nesta data o Requerente encontra-se privado da liberdade, no EP ..., em execução da medida de coação de prisão preventiva imposta nestes autos.
b) o direito: 1. direito fundamental à liberdade pessoal: O direito à liberdade ambulatória é um direito fundamental da pessoa, proclamado em instrumentos legislativos internacionais e na generalidade dos regimes jurídicos dos países civilizados. A Declaração Universal dos Direitos Humanos/DUDH, “considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça …”, no artigo III (3º) proclama a validade universal do direito à liberdade individual. Proclama no artigo IX (9º) que ninguém pode ser arbitrariamente detido ou preso. No artigo XXIX (29º) admite que o direito à liberdade individual sofra as “limitações determinadas pela lei” visando assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da ordem pública. O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no artigo 9.º consagra; “todo o indivíduo tem direito à liberdade” pessoal. Proibindo a detenção ou prisão arbitrárias, estabelece que “ninguém poderá ser privado da sua liberdade, excepto pelos motivos fixados por lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos”. Estabelece também: “toda a pessoa que seja privada de liberdade em virtude de detenção ou prisão tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, com a brevidade possível, sobre a legalidade da sua prisão e ordene a sua liberdade, se a prisão for ilegal”. A Convenção Europeia dos Direitos Humanos/CEDH, no art. 5º reconhece que “toda a pessoa tem direito à liberdade”. Ninguém podendo ser privado da liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente, de acordo com o procedimento legal. Reconhece que a pessoa privada da liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH/) “enfatiza desde logo que o artigo 5 consagra um direito humano fundamental, a saber, a proteção do indivíduo contra a interferência arbitrária do Estado no seu direito à liberdade. O texto do artigo 5º deixa claro que as garantias nele contidas se aplicam a “todos”. As alíneas (a) a (f) do Artigo 5 §1 contêm uma lista exaustiva de razões permissíveis sobre as quais as pessoas podem ser privadas de sua liberdade. Nenhuma privação de liberdade será compatível com o artigo 5.º, n.º 1, a menos que seja abrangida por um desses motivos ou que esteja prevista por uma derrogação legal nos termos do artigo 15.º da Convenção, (ver, inter alia, Irlanda v. Reino Unido, 18 de janeiro de 1978, § 194, série A n.º. 25, e A. e Others v. O Reino Unido, citado acima, §§ 162 e 163)[1]. Interpreta: “no que diz respeito à «“legalidade” da detenção, a Convenção refere-se essencialmente à legislação nacional e estabelece a obrigação de observar as suas normas substantivas e processuais. Este termo exige, em primeiro lugar, que qualquer prisão ou detenção tenha uma base legal no direito interno”. E que “a "regularidade" exigida pela Convenção pressupõe o respeito não só do direito interno, mas também - o artigo 18.º confirma - da finalidade da privação de liberdade autorizada pelo artigo 5.º, n.º 1, alínea a). (Bozano v. França, em 18 de dezembro de 1986, § 54, Série A n º 111, e Semanas v. Reino Unido, 2 de Março de 1987 § 42, Série A n º 114). No entanto, a preposição "depois" não implica, neste contexto, uma simples sequência cronológica de sucessão entre "condenação" e "detenção": a segunda também deve resultar da primeira, ocorrer "a seguir e como resultado "- ou" em virtude "-" desta ". Em suma, deve haver uma ligação causal suficiente entre elas (Van Droogenbroeck, citado acima, §§ 35 e 39, e Weeks , citado acima, § 42) [2]. Por sua vez a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reconhece, no art. 6º, o direito à liberdade pessoal. Não consagrando o habeas corpus, reconhece, no art. 47º, o direito de ação judicial contra a violação de direitos ou liberdades garantidas pelo direito da União. Assinala E. Maia Costa que os textos internacionais relativos aos direitos humanos preveem genericamente um recurso para os tribunais com carácter urgente contra a privação da liberdade ilegal, mas tal garantia não se confunde com o habeas corpus[3]. A Constituição da República, no artigo 27º n.º 1, reconhece e garante do direito à liberdade individual, à liberdade física, à liberdade de movimentos. O direito a não ser detido, preso ou total ou parcialmente privado da liberdade não é um direito absoluto. À semelhança da CEDH, a Constituição da República, no art. 27º n.º 2, admite expressamente que o direito à liberdade pessoal possa sofrer restrições. Entre estas sobressai, desde logo (n.º 2), a privação da liberdade decretada em sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão. No caso da prisão as restrições à liberdade “só podem decorrer de sanção penal”[4]. Sobressia também “a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar” (n.º 3), nos casos de (b) “prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos”. Das providências cautelares de natureza pessoal processualmente previstas, a prisão preventiva é a medida coativa mais restritiva da liberdade individual. Exige a concorrência, em cada caso, dos requisitos comuns às demais medidas de coação – sejam positivos (art. 191º n.º 1, 192º n.º 1, 193º n.ºs 1 e 2, 204º), sejam negativos (art. 192º n.º 6) -, e dos pressupostos específicos - positivos (art. 202º) e negativos (art. 193º n.º 3 e 194º n.º 3, todas as normas citadas do CPP). Ademais da reserva de lei, está também submetida à reserva de juiz (só pode ser aplicada em decisão judicial). A drástica restrição ao direito fundamental à liberdade ambulatória que encerra, não permite que seja aplicada se não se revelar a única adequada a acautelar o normal desenvolvimento do procedimento (a finalidade primordial desta e de qualquer outra medida coativa) ou a obstar a que o arguido se exima à execução da fortemente previsível condenação. 2. a providência da habeas corpus: A Constituição da República, em linha com CEDH, também de certo modo, na sequência das duas Constituições que a precedem (a de 1911 e a de 1933), aderindo à tradição anglo-saxónica[5], consagra no art. 31º, o habeas corpus como garantia extraordinária, expedita e privilegiada contra a prisão (e a detenção) arbitrária ou ilegal[6]. A privação do direito à liberdade por meio da prisão só não configura abuso de poder e, consequentemente, será legal se se contiver nos estritos parâmetros do art. 27º n.ºs 2 e 3 da Constituição. A prisão é ilegal quando não tenha sido decretada pelo tribunal competente em decisão judicial (fundamentada) que aplica medida de coação verificados os respetivos pressupostos ou em sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou com a aplicação de medida de segurança; tiver sido ordenada por autoridade incompetente; tiver sido efetuada por forma irregular; ultrapassar a duração da medida de coação aplicada ou da pena concretamente fixada pelo tribunal. “Não é qualquer abuso de poder que justifica habeas corpus”. A providência de habeas corpus exige a verificação “cumulativa de dois requisitos: o abuso de poder; a existência de prisão ou detenção ilegal”. O “abuso de poder exterioriza-se nomeadamente na existência de medidas ilegais de prisão e detenção decididas em condições especialmente arbitrária ou gravosas”[7]. Entre nós, é na Constituição República de 1911[8] que pela primeira vez surge consagrado o habeas corpus –no título II (“Dos Direitos e Garantias Individuais”), art. 3º n.º 31[9] –, por influência da Constituição brasileira de 1891[10], (transcrevendo o § 22º do artigo 72º[11]) que, por sua vez, se inspirou na constituição norte-americana[12] (se bem que o Código de Processo Penal do Brasil de 1832, já previa esta providência (artigo 340º)[13]. A Constituição de 1933 reafirmou o habeas corpus como providência excecional contra o abuso de poder, remetendo a sua regulamentação para lei especial[14] (remissão eliminada na revisão de 1971[15]). Observando a imposição constitucional, o Decreto-Lei nº 35.043, de 20 de Outubro de 1945[16], estabeleceu o regime jurídico do habeas corpus. Da exposição de motivos, pela consistência das justificações e da finalidade da providência transcreve-se: “(…) consiste na intervenção do poder judicial para fazer cessar as ofensas do direito de liberdade pelos abusos da autoridade. Providência de carácter extraordinário, só encontra oportunidade de aplicação, (…) quando o jogo normal dos meios legais ordinários deixa de poder garantir eficazmente a liberdade dos cidadãos. O habeas corpus não é um meio de reparação dos direitos individuais ofendidos (…). É antes um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade. (…) De outro modo tratar-se-ia de simples duplicação dos meios legais de recurso”. Instituiu-se o habeas corpus liberatório em duas modalidades, um contra a detenção abusiva e outro, diferenciado, para a prisão ilegal. Segundo Adriano Moreira “o habeas corpus não tem nenhuma característica substancial, mas é apenas como que, entre os vários processos normais de tutela da liberdade, um processo de reserva para os casos em que não existe esse processo normal, ou de facto o indivíduo está impossibilitado de a ele recorrer”. “O habeas corpus, na sua função normal, não é, pois, mais do que – um processo destinado a restituir a pessoa, ilegalmente privada da sua liberdade física pela autoridade, à tutela do processo comum”[17]. No entendimento de M. Cavaleiro de Ferreira, “diz-se providência extraordinária, porque os trâmites processuais e o mecanismo normal do funcionamento da administração devem, por si, ser salvaguarda suficiente para evitar a contingência de prisões ilegais[18]”. Regime que, mantendo a conceção e a arquitetura[19], transitou para o Código de Processo Penal de 1929 – artigos 312º a 324º. E transitou também para a atual Constituição da República, estabelecendo-se o prazo de 8 dias para a decisão da providência. Na alteração do CPP de 1929 que se seguiu à proclamação da Constituição de 1976, operada pelo Decreto-Lei n.º 320/76 de 4 de maio, estatuiu-se que o esgotamento do prazo sem decisão, determinava a imediatamente restituição do detido ou preso à liberdade[20]. E, ainda que simplificado (concentrado em dois artigos substantivos, e outros dois procedimentais), o regime passou para o vigente Código de Processo Penal (de 1987), e que, na parte substantivo referente à prisão ilegal (art. 222º) não sofreu qualquer alteração. O habeas corpus é, pois, uma garantia (“direito-garantia”), não um direito fundamental autónomo (“direito-direito”). O bem jurídico-constitucional que o habeas corpus visa proteger é o direito fundamental à liberdade[21] pessoal, permitindo reagir, imediata e expeditamente, “contra o abuso de poder, por virtude de detenção ou prisão ilegal” . “No habeas corpus discute-se exclusivamente a legalidade da prisão à luz das normas que estabelecem o regime da sua admissibilidade”. “Procede-se necessariamente a uma avaliação essencialmente formal da situação, confrontando os factos apurados no âmbito da providência com a lei, em ordem a determinar se esta foi infringida. Não se avalia, pois, se a privação da liberdade é ou não justificada, mas sim e apenas se ela é inadmissível. Só essa é ilegal”. “De fora do âmbito da providência ficam todas as situações enquadráveis nas nulidades e noutros vícios processuais das decisões que decretaram a prisão” “Para essas situações estão reservados os recursos penais, (…). O habeas corpus não pode ser reconvertido num “recurso abreviado”, (…) O processamento acelerado do habeas corpus não se coaduna, aliás, com a análise de questões com alguma complexidade jurídica ou factual, antes se adequa apenas à apreciação de situações de evidente ilegalidade, diretamente constatáveis pelo confronto entre os factos sumariamente recolhidos e a lei[22]. 3. regime legal e procedimento: Dando expressão legislativa ao texto constitucional [23], o art. 222º n.º 2 do CPP estabelece que a petição de habeas corpus “deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. Tem como denominador comum configurar situações extremas de detenção ou prisão determinadas com abuso de poder ou por erro grosseiro, patente, grave, isto é, erro qualificado na aplicação do direito. A jurisprudência deste Supremo Tribunal vai no sentido de “os fundamentos do «habeas corpus» são aqueles que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos susceptíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão”[24]. Tem sublinhado que a providência de habeas corpus constitui uma medida expedita perante ofensa grave à liberdade com abuso de poder, sem lei ou contra a lei. Não constitui um recurso sobre atos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais. Esta providência não se destina a apreciar erros de direito e a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes de privação da liberdade[25]. “Atento o carácter extraordinário da providência, para que se desencadeie exame da situação de detenção ou prisão em sede de habeas corpus, há que deparar com abuso de poder, consubstanciador de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável – integrando uma das hipóteses previstas no art. 222.º, n.º 2, do CPP”[26]. O habeas corpus contra a prisão ilegal por abuso de poder é um procedimento especial, no qual se requer ao tribunal competente o restabelecimento do direito constitucional à liberdade pessoal, vulnerado por uma prisão ordenada, autorizada ou executada fora das condições legais ou que sendo originariamente legal se mantém para além do tempo ou da medida judicialmente decretada. É também um procedimento de cognição limitada e instância única no qual somente é possível valorar “a legitimidade de uma situação de privação de liberdade, a que [o Juiz] pode por fim ou modificar em razão das circunstâncias em que a prisão se produziu ou se está realizando, mas sem extrair destas -do que as mesmas têm de possíveis infracções ao ordenamento- mais consequências que a da necessária finalização ou modificação daquela situação da privação da liberdade”[27] . Não é um recurso, - ordinário ou extraordinário. É uma providência que visa colocar perante o Supremo Tribunal de Justiça a questão da ilegalidade da prisão em que o requerente se encontra nesse momento ou do grave abuso com que foi imposta. Visa apreciar se a prisão foi determinada pela entidade competente, se o foi por facto pelo qual a lei a admite, se se mantém pelo tempo decretado e nas condições legalmente previstas. Para o que pode ser necessário equacionar da legalidade formal ou intrínseca do ato decisório que determinou a privação de liberdade, mas não mais que isto. Não é uma via procedimental para submeter ao STJ a reapreciação da decisão da instância que determinou a prisão ou à ordem da qual o requerente está privado da liberdade. Não se destina a questionar o mérito do despacho judicial ou da sentença condenatória que impôs a prisão nem a sindicar eventuais nulidades ou irregularidades de que possam enfermar. Na conformação constitucional e no seu desenho normativo, o habeas corpos é uma providência judicial urgente, visando “reagir, de modo imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal” decretada ou mantida com violação “patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação”[28]. O Juiz decide-a em 8 dias, em audiência contraditória –art. 31º n.º 3 da Constituição. Conhecendo da petição de habeas corpus, o STJ, nos termos do art. 223º (procedimento) n.º 4 do CPP, delibera no sentido de: a) Indeferir o pedido por falta de fundamento bastante; b) Mandar colocar imediatamente o preso à ordem do Supremo Tribunal de Justiça e no local por este indicado, nomeando um juiz para proceder a averiguações, dentro do prazo que lhe for fixado, sobre as condições de legalidade da prisão; c) Mandar apresentar o preso no tribunal competente e no prazo de vinte e quatro horas, sob pena de desobediência qualificada; ou d) Declarar ilegal a prisão e, se for caso disso, ordenar a libertação imediata. 4. pressuposto da atualidade: Na arquitetura traçada pela Constituição da República e na conformação normativa do CPP, a providência em apreço pressupõe a efetividade e atualidade da prisão ilegal. A doutrina vai maioritariamente neste sentido[29], havendo, contudo quem sustente que a nossa Magana Carta não exclui o denominado habeas corpus preventivo[30]. A Jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sido unanime[31] na exigência da verificação do pressuposto da atualidade da prisão ilegal. No Ac. de 18/07/2014[32] sustenta-se: “A procedência do pedido de habeas corpus pressupõe, além do mais, uma actualidade da ilegalidade da prisão aferida em relação ao tempo em que é apreciado aquele pedido”. E no Ac de 11/02/2016[33] entendeu-se que: “A viabilidade do habeas corpus, como meio direccionado exclusivamente para a tutela da liberdade, exige uma privação de liberdade actual, não servindo, por isso, como mecanismo declarativo de uma ultrapassada situação de prisão ilegal. Do mesmo modo, também o habeas corpus não pode ser utilizado como meio preventivo de uma eventual futura prisão ilegal. Só a efectiva privação de liberdade pode fundamentar aquela providência”. Entende-se que é esta a interpretação que melhor se conjuga com a evolução desta providência na nossa ordem constitucional. Como se referenciou, a Constituição de 1911 previa expressamente o habeas corpus preventivo, estabelecendo: “Dar-se-á o habeas corpus sempre que o individuo sofrer ou se encontrar em iminente perigo do sofrer violência, ou coacção, por ilegalidade, ou abuso de poder”. Modalidade que a Constituição de 1933 não manteve: E que a Constituição de 1976 também não adotou. Seguramente que o legislador constituinte não desconhecia o texto e, consequentemente, as modalidades daquela primeira inscrição constitucional do habeas corpus e também não ignorava a modificação conformada pela Constituição de 1933. Neste quadro histórico-constitucional certamente que se a sua vontade tivesse sido a de admitir o habeas corpus preventivo ter-se-ia servido de uma fórmula igual ou equivalente aquela que era dada à providência na Constituição da primeira República. Mas não adotou, nem na versão de 1976, nem nas quatro subsequentes alterações. pelo que não existe base constitucional, para sustentar o referido entendimento. É também essa a interpretação que o legislador ordinário fez daquele comando constitucional. Como alguns autores reconhecem, no regime do Código de Processo Penal, a providência dirige-se contra a prisão ilegal, isto é, a efetiva privação da liberdade, pois que somente a atualidade da prisão ilegal pode justificar qualquer dos atos que podem decorrer do seu deferimento: mandar colocar imediatamente o preso à ordem do STJ; mandar apresentar o preso ao juiz em 24 horas; ordenar a libertação imediata. Evidentemente que só pode libertar-se quem já está encarcerado, privado da liberdade ambulatória, seja porque a ilegalidade da prisão resulta de ter sido ordenada ou executada por entidade incompetente, seja porque o foi por facto que não admite essa medida de coação ou essa sanção, seja porque foi mantida para além do prazo legal ou judicialmente fixado ou fora das condições legalmente estabelecidas. A colocação do preso à ordem do Supremo Tribunal de Justiça, tal como a apresentação do preso ao juiz determinado, somente tem sentido (jurídico e prático) se a pessoa está efetivamente privada da liberdade ambulatória. Não sendo assim, o habeas corpus requerido em favor da conservação da sua liberdade era-lhe penosamente prejudicial. Nessa situação (se está em liberdade), deferida que fosse a providência – e estando fora de causa a libertação imediata pela simples razão de não estar encarcerado -, tinha de ser preso para, nessa situação, ser colocado à ordem do STJ ou para ser apresentado em 24 horas ao juiz determinado. A lei não prevê, nem teria qualquer sentido, que o requerente ou beneficiário da providência seja colocado em liberdade à ordem do STJ, ou que em liberdade se apresente perante o juiz em 24 horas. Consequentemente, se a pessoa não está presa, não se verifica um dos pressupostos nucleares da providência de habeas corpus.
5 a prisão preventiva: A Constituição da República, no art. 28º n.º 2 consagra a excecionalidade e subsidiariedade da prisão preventiva, estabelecendo que “tem natureza excecional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei”. A Convenção Europeia dos Direitos Humanos, estabelece que o direito à liberdade pode ser restringido, podendo a pessoa dela ser privada temporariamente “se for preso …, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infração, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido” –art.º 5º n.º 1 al.ª b)-, conferindo-lhe o “direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo” – n.º 3. Por sua vez, o Pacto internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no art. 9º dispõe: “a prisão preventiva não deve constituir regra geral, contudo, a liberdade deve estar condicionada por garantias que assegurem a comparência do acusado no acto de juízo ou em qualquer outro momento das diligências processuais, ou para a execução da sentença”. A prisão preventiva, se admitida e indispensável a assegurar a eficácia do processo penal (e nenhum outro), uma vez determinada só pode manter-se enquanto for justificada pelas necessidades de desenvolvimento regular do procedimento e/ou de assegurar a execução da condenação (futura ou já decretada, mas que ainda não é definitiva) e não pode, em qualquer caso, exceder o tempo que a lei determinar – art. 27º n.º 3 da Constituição da República. Dando expressão ao comando constitucional citado –art. 28º n.º 3 da CRP -, os pressupostos legais da prisão preventiva estão explicitados no CPP. Aos pressupostos gerais de qualquer medida coativa, excluindo-se destas, para este efeito, o termo do identidade e residência (TIR). enunciados nos artigos 191º (legalidade), 192º (constituição de arguido; não haver de fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal), 193º (necessidade e adequação às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionalidade à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas) e 204º (fuga ou perigo de fuga; perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas) e ainda ao procedimento específico estabelecido no art. 194º, a prisão preventiva exige também a verificação de pressupostos específicos elencados nos arts. 193º n.º 2 (só podem ser aplicada como medida de último recurso, isto é quando nenhuma outra ou outras medidas coativa legalmente previstas se revelarem inadequadas ou insuficientes) e 202º (haver fortes indícios da prática de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos; ou de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta[34]). A decisão que impuser a prisão preventiva deve estar motivada –art. 205º n.º 1 da CRP - com a indicação da factualidade fortemente indiciada e sua qualificação jurídica e das razões de facto que justificam as exigências cautelares (os perigos de fuga, de continuação da atividade criminosa, de perturbação da investigação ou de perturbação da ordem e da tranquilidade pública) e a inadequação e insuficiências das restantes medidas coativas. A decisão judicial que impuser a prisão preventiva pode ser impugnada através da interposição de recurso. Para encurtar a privação preventiva da liberdade – a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação -, ao mínimo requerido pelas finalidades do procedimento penal, impõe-se controlar periodicamente se subsistem ou se, ao invés, se atenuaram ou cessaram as exigências cautelares que determinaram a sua aplicação, devendo ser revogada ou substituída por outra medida de coação logo que se verifiquem circunstâncias que tal justifiquem, ou se as que a tinham determinado deixaram de subsistir ou simplesmente enfraqueceram ou se atenuaram. Para tanto, o tribunal procede ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva sempre que tal lhe seja requerido pelo arguido a ela sujeito ou pelo Ministério Público e, oficiosa –cfr. AUJ n.º 3/1996 -, e obrigatoriamente, no prazo máximo de três meses, a contar da data da sua aplicação ou do último reexame, podendo para o efeito “solicitar a elaboração de perícia sobre a personalidade e de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, desde que o arguido consinta na sua realização”. No reexame dos pressupostos da prisão preventiva o juiz decide se ela se mantém ou decreta a sua substituição ou revogação. Em qualquer altura pode e deve ser revogada “por despacho do juiz”, sempre que se verificar ter sido aplicada fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou tiverem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação. Está sujeita aos seguintes prazos máximos fixados no art. 215º do CPP do seguinte modo (na parte com relevância para a presente vertente providência): 1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido: d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado. 2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para (..) dois anos, em casos de (…) criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime: 6 - No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada. Por sua vez o art. 1º al.ª m) do CPP define como “criminalidade e altamente organizada' as condutas que integrarem crimes de (…) tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas (…)”. É Requerente está preso preventivamente à ordem destes autos, precisamente por ter cometido um crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual foi já julgado e condeando, ainda que sem transito em julgado. 6. elevação do prazo com a confirmação da condenação: O Legislador, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei 109/X, informada pelo ideário de conciliar a proteção da vítima “e o desígnio de eficácia com as garantias de defesa, procurando dar cumprimento ao n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, que associa a presunção de inocência à celeridade do julgamento”, justifica assim a elevação do prazo da prisão preventiva em situações como a do Requerente: “Os prazos de prisão preventiva são reduzidos em termos equilibrados, para acentuar o carácter excepcional desta medida sem prejudicar os seus fins cautelares. Todavia, no caso de o arguido já ter sido condenado em duas instâncias sucessivas, o prazo máximo eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada. Embora continue a valer o princípio da presunção de inocência, consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, a gravidade dos indícios que militam contra o arguido justifica aí a elevação do prazo”. E bem se compreende que assim tenha de ser porquanto, um dos pressupostos basilares da prisão preventiva é o potencialmente real perigo de fuga do arguido. Evidentemente que se esse perigo existia já, na fase de inquérito, quando foi decretada a aplicação da medida de coação privativa da liberdade ambulatória, acentua-se exponencialmente quando o tribunal de julgamento e o do recurso em 2ª instância, respetivamente, condenam e confirmam a condenação do arguido numa pena de prisão de gravidade e dimensão como aquela que foi imposta ao Requerente – 8 anos de prisão. A elevação do prazo máximo da prisão preventiva estabelecido no art. 215.° n.º 6 do CPP, justifica-se, precisamente pelo duplo grau condenatório – no caso ainda que in mellius. Não tanto ou não só porque no processo se começa a estabelecer um forte grau de certeza acerca da existência do crime e da responsabilidade criminal do arguido, mas também porque se caminha, decisivamente, no sentido de uma certa medida das consequências jurídicas para o agente. O arguido que até então poderia ter expetativas mais ou menos fundadas de poder ver alterada a facticidade provada e com isso, ser absolvido ou ver reduzido o número de crimes, ou baixar a medida das penas parcelares, com o acórdão confirmatório e o funcionamento da dupla conforme, adquiriu um estádio de quase certeza de que a medida da pena, ainda que possa ser reduzida, nunca o será em tal dimensão que permita a aplicação de pena suspensa ou que venha a ficar-se em medida muito abaixo daqueles 8 anos de prisão. Segundo a doutrina e a jurisprudência deste Supremo Tribunal, a confirmação, para efeito desta norma adjetiva não é idêntica à dupla conforme consagrada no art.º 400º n.º 1 al.ª f) do CPP. Evidência incontestável uma vez que esta norma se circunscreve aos acórdãos da Relação, enquanto o do art.º 215º n.º 6 citado inclui decisões confirmatórias, tanto da 2ª instância como do Supremo Tribunal de Justiça. Os comentadores sustentam que, “deve entender-se por «confirmação» não só a integral manutenção da decisão recorrida, como também qualquer outra decisão condenatória que altere a medida da pena fixada na 1ª instância. Assim, a decisão proferida em recurso que agrave, ou mesmo a que atenue a pena decretada em 1ª instância também é uma decisão confirmativa da condenação, pois mantém o juízo de culpa formado pelo tribunal recorrido”[35]. Por sua vez, no Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 603/2009, versando sobre situação idêntica à destes autos, também em providência de habeas corpus, expendeu-se que “a norma do artigo 215º, n.º 6, do CPP consagrou uma prorrogação do prazo máximo da prisão preventiva para o caso em que a sentença condenatória de primeira instância tenha sido «confirmada em sede de recurso ordinário» e definiu a proporção do aumento do prazo em função da «pena que tiver sido fixada». Há lugar à ampliação do prazo da prisão preventiva quando tenha havido confirmação, pela Relação, da sentença condenatória de primeira instância, e corresponde ao sentido literal da lei (ou, pelo menos, a um dos sentidos literais possíveis) que o prazo máximo se eleve para metade da pena que tiver sido aplicada no tribunal de recurso. A «confirmação» opera quando o tribunal de recurso rejeita o recurso nos termos do artigo 420º do CPP (e, por isso, não altera o julgado) ou aplica pena igual, inferior ou superior à pena da sentença recorrida, visto que, em qualquer desses casos há um juízo confirmativo de uma sentença condenatória que preenche, por si, o requisito legal de que depende a elevação do prazo máximo da prisão preventiva. E que: O recorrente parece defender o entendimento de que só uma decisão confirmativa que se mostrasse ser inteiramente coincidente, quanto à medida da pena, com a sentença condenatória da primeira instância é que poderia preencher os pressupostos da ampliação do prazo de prisão preventiva previsto no artigo 215º, n.º 6, do Código de Processo Penal. Já se viu, no entanto, que a solução legislativa assenta em dois diferentes fundamentos: a confirmação do juízo de culpabilidade é motivo bastante para a prorrogação do prazo da prisão preventiva; a medida da pena (aqui relevando a variação para mais ou para menos resultante do julgamento efectuado pelo tribunal de recurso) determina o prazo pelo qual a prisão preventiva será prorrogada. Neste contexto, tem pleno cabimento (sobretudo à luz do princípio da proporcionalidade) que ao agravamento da pena em recurso corresponda um agravamento do limite temporal da duração da prisão preventiva. O que não faz qualquer sentido, e seria flagrantemente contrário ao dito princípio da proporcionalidade, é que a medida legislativa – que tem um objectivo de evitar a eventual a libertação de réus presos já condenados por simples efeito da utilização de expedientes dilatórios – apenas pudesse ser aplicada quando houvesse uma absoluta sobreposição entre a decisão de recurso e a decisão de primeira instância, e não já em todos os demais casos que justificam idêntico tratamento (por envolverem um duplo juízo condenatório), mas relativamente aos quais, em razão do poder de reapreciação do tribunal superior, tenha havido uma ligeira discrepância quanto à dosimetria da pena.” Como sustentámos no acórdão de 12.05.2021, deste Supremo Tribunal (proferido no proc. 1488/18.9T9FAR-Q.S1), é irrefutável que o trânsito em julgado não “poderia ter qualquer relevância para desencadear o alargamento do prazo da prisão preventiva pela patente razão legalmente firmada de que, logo que a condenação se torna firme, cessa, imediata e automaticamente, esta - e qualquer outra - medida coativa, à exceção do termo de identidade e residência/TIR (que permanece até à declaração de extinção da pena) e da caução (que só se extingue com o início de execução da pena) – cfr art.º 214º n.º 1 al.ª e) e n.º 4 do CPP.” Como o Requerente não ignora “logo que o acórdão confirmatório transitar em julgado, nesse mesmo dia deixam de estar em prisão preventiva, continuando presos, mas, desde então, evidentemente, em cumprimento da pena de prisão que lhes foi aplicada (e confirmada em recurso). Em outro registo, o trânsito em julgado da decisão condenatória (também da absolutória, mesmo que recorrida) é incompatível com a medida de coação de prisão preventiva, extinguindo-a imediatamente, ope legis.” Também neste aspeto o Supremo Tribunal tem jurisprudência sedimentada e amparada, designadamente o Ac. de 10/02/2021 (no qual o aqui relator é adjunto) segundo a qual “a circunstância de não ter transitado em julgado o acórdão que condenou o arguido na pena de 6 anos e [36]6 meses de prisão, não obsta a que seja aplicável o prazo de prisão preventiva, previsto no art. 215.º, n.º 6, do CPP”. Em face da clareza da letra da lei, abundante seria demonstrar com maior detalhe a incompatibilidade da argumentação do Requerente com o texto das normas dos artigos 215º n.º 6 e do art.º 214º n.º 1 al.ª d) do CPP. Se, por mera hipótese académica, prosperasse tal entendimento, a disposição primeiramente enumerada seria totalmente inútil, jamais podendo ter aplicação casuística, porque, evidentemente, uma vez transitada em julgado a sentença / acórdão condenatório, extingue-se imediatamente, qualquer medida coativa que tenha sido aplicada ao condenado, com exceção do termo de identidade e residência. Conclui-se, pois, ser incontestável que o ato que opera a elevação, ope legis, da prisão preventiva é a decisão proferida em recurso, que confirma a condenação em pena carcerária, (sendo esta em medida superior ao tempo porque vigorou a privação cautelar da liberdade do condenado) decretada na 1ª instância, confirmatória. E que o marco temporal legalmente relevante para fazer operar, automaticamente, a elevação do prazo da prisão preventiva nos termos estabelecidos no art.º 215º n.º 6 do CPP, é a data da prolação do acórdão confirmatório. Por conseguinte, a “tese” construída pelo Requerente no sentido de o alargamento do prazo da prisão preventiva, estabelecido no art.º 215º n.º 6 do CPP, pressupor o trânsito em julgado do acórdão confirmatório, é manifestamente insubsistente e destituída de qualquer fundamento – só possível por estar a proceder a leitura sincopada, desconsiderando a norma do art.º 214º citada. 7. no caso: O Requerente invoca a ilegalidade da privação da liberdade em que presentemente se encontra, alegando manter-se para além do prazo legalmente estabelecido que computa nos 2 anos estabelecidos no art.º 215º n.º 2 do CPP. Que, da sua perspetiva decorreram entre 11 de janeiro de 2020 e 11 do corrente mês. Não tem razão. Resulta dos factos supra enunciados que a prisão preventiva em que presentemente se encontra não é ilegal e não é mantida com abuso de poder. Conforme resulta dos factos apurados, o Requerente foi detido e nessa situação apresentado à Juíza de instrução criminal, para primeiro interrogatório judicial. No qual o arguido exerceu o direito ao silêncio. Nesse ato, mediante promoção do Ministério Público e contraditório da defesa, a Juíza de Instrução, por despacho, de 11 de janeiro de 202º, decretou a prisão preventiva do arguido à ordem destes autos. Os pressupostos da medida de coação foram sendo sucessivamente reexaminados pelo Juiz e a medida de coação em referência mantida, ininterruptamente, até à presente data. Para a aplicação e reexame da prisão preventiva do Requerente à ordem dos autos foi observado o procedimento legalmente prescrito.
a. mantida nos prazos legais: Notou-se já que a prisão preventiva tem prazos diferenciados, estabelecidos em função de cada fase - e subfase - do processo penal, da sua complexidade – normal ou excecional - e da tipologia do crime ou crimes investigados, pronunciados e julgados. E bem assim de incidentes como por exemplo o recurso para o Tribunal Constitucional. No caso, o processo encontra-se ainda na fase de recurso iniciada com a admissão do que foi interposto para a 2ª instância. A condenação do Requerente decretada em 1ª instância foi confirmada, em recurso, pelo acórdão da Relação, com redução da medida da pena aplicada, fixando-a em 8 anos de prisão. Verificou-se, assim, confirmação in mellius da condenação. Consequentemente, conforme estatui o n.º 6 do art. 215º do CPP, o prazo máximo da prisão da prisão preventiva do Requerente elevou-se, ope legis, automaticamente, para 4 anos, que é o período de tempo correspondente a metade da pena aplicada pela Relação. Tendo iniciado a execução da prisão preventiva em 11.01.2020, até à presente data – estamos a 19/01/2022 -, decorreram 2 anos e 8 dias. Está, pois, ainda bem distante o termo final do prazo legal da prisão preventiva que o Requerente pode cumprir à ordem destes autos. Não se encontra, pois, o Requerente, presentemente, em situação de prisão ilegal, inexistindo abuso de poder ou qualquer situação suscetível de integrar o disposto no art.º 31º n.º 1 da Constituição da República ou alguma das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal, normas essas que consagram o regime que delimita o âmbito da procedência do habeas corpus contra a prisão ilegal e arbitrária. Não se verificando no caso situação fáctica ou jurídica que possa subsumir-se na previsão de qualquer daquelas disposições, conclui-se pelo indeferimento do habeas corpus em apreço por manifesta falta de fundamento - artigo 223.º, n.º 4, alínea a) e n.º 6, do Código de Processo Penal. III. DECISÁO: Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça -3ª secção criminal -, deliberando nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 223.º do CPP, delibera: -------------------- - indeferir, por falta de fundamento bastante, a petição de habeas corpus, apresentada pelo Requerente. - condenar o Requerente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3UCs (art. 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Judiciais). - condenar o Requerente na sanção processual cominada no art.º 223º n.º 6 do CPP, que se fixa em 6UCs. * Supremo Tribunal de Justiça, 19 de janeiro de 2021. Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator) Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro adjunto) António Pires da Graça (Juiz Conselheiro Presidente da Secção) ___________ [1] GRAND CHAMBER, CASE OF AL-JEDDA v. THE UNITED KINGDOM, (Application no. 27021/08). Judgment, in 7 July 2011 |