Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4061/15.0TBLSB.L2.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ACÁCIO DAS NEVES
Descritores: GARANTIA BANCÁRIA
DOCUMENTO ESCRITO
INTERPRETAÇÃO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
PAGAMENTO
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEIDA A REVISTA E REPRISTINA A DECISÃO DA 1ª INSTÂNCIA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO / NEGÓCIOS FORMAIS.
Doutrina:
- Fátima Gomes, Direito e Justiça, Vol. VIII, Tomo II, p. 169;
- Manuel Castelo Branco, ROA, Ano 53, p. 76.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 238.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 21-04-2010, PROCESSO N.º 458/09.2YFLSB;
- DE 12-06-2012, PROCESSO N.º 14/06.7TBCMG.G1.S1;
- DE 23-06-2016, PROCESSO N.º 414/14.9TVLSB.L1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I – O contrato de garantia bancária é aquele pelo qual o banco (garante) se obriga ao pagamento de determinada quantia a um beneficiário em caso de incumprimento do contrato em que este interveio com o dador da ordem.

II – Tal contrato, quando reduzido a escrito, está sujeito à regra interpretativa prevista do n.º 1 do art. 238.º do CC.

III – Na sequência, o garante não tem de pagar a garantia quando o dador da ordem não coincide com a parte interveniente no contrato base invocado pela beneficiária e mencionado no texto da garantia.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou ação declarativa comum contra o BB, SA, atualmente CC, SA, pedindo a condenação do réu no pagamento, a seu favor, da quantia de € 75.000,00, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de € 15.115,07, e vincendos, à taxa legal.

Alegou para tanto e em resumo:

O pai e um tio da autora celebraram com DD um contrato-promessa de permuta, pelo qual prometeram ceder a este um seu prédio sito na Rua ... em ..., recebendo determinadas frações de um prédio a edificar junto daquele imóvel - contrato-promessa esse que veio a ser substituído por outros dois outros contratos promessa de permuta celebrados, um pelo pai da autora em 02.05.2003 e o outro pelo tido da autora em 19.03.2003, ambos com DD, este na qualidade de representante das “Construções DD, …., Lda”.               

Para garantia do bom cumprimento de ambos os contratos foram outorgados, em 17/0912003, dois contratos de garantia bancária com o EE, SA, atual réu, pelos quais este se obrigou a pagar ao FF e ao GG, à primeira interpelação, a quantia de € 75.000,00 em caso de incumprimento parcial ou total dos referidos contratos.

Em 19/03/2003 o pai e o tio da autora venderam à Construções DD, …Lda, o seu prédio da Rua ....

Todavia, o DD não cumpriu o contrato-promessa celebrado com o pai da autora, porque as duas lojas não foram vendidas livres de ónus ou encargos, comprometendo-se no entanto o DD a liquidar as seis hipotecas existentes sobre as frações em dezassete meses, o que nunca fez.

Habilitada como única herdeira de seu pai, entretanto falecido, a autora solicitou o pagamento da garantia bancária, que o réu se recusou a pagar.

O credor hipotecário das frações executou a autora, que deduziu oposição à execução, a qual foi julgada improcedente, levando a autora a negociar com esse credor e a pagar-lhe € 80.000,00.

 Porém, o réu pagou a garantia bancária ao tio da autora.

Face à recusa de pagamento da garantia bancária a autora instaurou ação executiva, tendo o réu deduzido oposição que foi julgada procedente.

O réu contestou invocando a exceção de caso julgado e pugnando pela improcedência da ação, alegando para o efeito que o DD outorgou o contrato- promessa em seu nome próprio que não em representação da sociedade “Construções DD, …, Lda” e que a garantia bancária foi emitida para garantir as obrigações desta sociedade.

Foi proferido saneador-sentença, onde se decidiu pela improcedência da exceção de caso julgado e se julgou a ação improcedente.

Em sede de recurso de apelação da autora, a Relação veio a dar sem efeito aquela decisão e ordenou a realização de audiência de julgamento tendo por objeto determinados factos,

Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, nos termos da qual a ação foi julgada improcedente, sendo o réu absolvido do pedido.

Na sequência e no âmbito de novo recurso de apelação da autora, a Relação revogou a sentença e condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 75.000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, desde 19.01.2010 e até efetivo e integral pagamento.

Inconformado, interpôs o réu o presente recurso de revista, no qual formulou as seguintes conclusões:

A. Entendeu o Tribunal a quo que a sentença proferida pela 1ª Instância deveria ser revogada e condenar-se o Banco ora Recorrente no pagamento á Autora, ora recorrida, da quantia de €75.000,00 indicada na garantia bancária nº ....

B. Decisão com a qual o Recorrente não concorda, motivo pelo qual interpõe o presente recurso.

C. Atendendo ao efeito devolutivo do presente recurso que poderá determinar a revogação da decisão ora proferida, e tendo em conta que tal circunstância poderá causar prejuízo considerável ao ora Recorrente, requer-se a V. Exa. se digne admitir a prestação de caução que o Recorrente se oferece a prestar, com o fim de obter o efeito suspensivo do recurso em causa, requerendo ainda que seja fixado o prazo e o montante dessa caução, nos termos do disposto nos artigos 676.º n.º 2, 649º n.º 2, 650.º n.º 1 do C.P.C.

D. No caso em apreço, o EE, S.A, (denominado BB, S.A, atualmente CC, S.A.) emitiu em 17 de Setembro de 2003, em nome e a pedido da Sociedade "Construções DD, … Lda.", uma garantia bancária, à qual foi atribuído o n.º ..., no valor máximo de € 75.000,00.

E. A referida garantia foi acionada tendo como fundamento o incumprimento de um contrato promessa de permuta outorgado entre o pai da Autora - FF - e DD.

F. O Banco ora Recorrente recusou o cumprimento da referida GB porquanto se verifica que o contrato promessa de permuta não era coincidente com a GB em causa.

G. As divergências que levaram a tal recusa são evidentes:

a. o contrato promessa de permuta, foi celebrado entre DD e FF, e não entre a sociedade "… DD, … Lda." e FF.

b. Não foi exibido ao emissor da Garantia Bancária ou nestes autos qualquer contrato promessa de permuta outorgado entre a sociedade "… DD, … Lda." e o Sr. FF;

c. Acresce que é evidente do contrato promessa que a Autora, ora recorrida, exibe que o Sr. DD não agiu no mencionado contrato, celebrado em 2 de maio de 2003, como legal representante da Sociedade "… DD, … Lda.", mas antes a título meramente pessoal.

H. Relativamente ao contrato de mandato, volta a frisar-se, que o Banco emitiu a dita garantia bancária em nome e a pedido da sociedade "… DD, … Lda.".

I. Dúvidas existissem quanto ao texto da GB sempre se transcreve parcialmente o seu texto, através do qual se pode verificar que o Banco, ora Recorrente se compromete a pagar ao beneficiário da GB: "qualquer quantia que seja devida pela Sociedade, a título de indemnização por incumprimento total ou parcial das obrigações supra mencionadas".

J. Veja-se Inocêncio Gaivão Telles, em "Garantia Bancária Autónoma", pág. 31 "A garantia não poderá ser invocada pelo beneficiário senão em conformidade com os seus próprios termos. O Banco só tem de pagar o que consta do título de garantia e em harmonia com o teor respetivo".

K. A este propósito veja-se o Acórdão proferido pelo STJ em 12/06/2012, Processo nº 14/06.7TBCMG.G1.S1 “- Nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto - artº 238, nº1; dito doutra forma: para que possa valer, o sentido atribuído pelo "declaratário normal" deverá estar expresso, ainda que de forma imperfeita, no próprio texto do documento que corporiza a garantia prestada;

L. Não pode deixar de se revelar estranho que a própria Autora, ora Recorrida, que exigiu a emissão da garantia bancária não tenha atentado na discrepância que agora alega nos autos, nomeadamente a discrepância existente entre os intervenientes do contrato e da garantia bancária.

M. Nem se alegue o desconhecimento das partes quanto a este procedimento (pedido e emissão de garantias bancárias), visto que ficou devidamente provado nos autos que a parte - Autora - estava habituada a este tipo de formalismos, não podendo desconhecer que ao receber uma Garantia bancária que refere expressamente - “qualquer quantia que seja devida pela Sociedade, a título de indemnização por incumprimento total ou parcial das obrigações supra mencionadas"- a mesma não podia ser acionada através do contrato promessa de permuta onde a referida sociedade não é parte !!!

N. Dúvidas não podem restar! Nem à Autora, ora recorrida, nem ao Tribunal a quo, porquanto a vontade negocial das partes é clara quando solicitam, recebem a referida garantia bancária e a aceitam nos termos em que a mesma foi exarada!

O. Só havendo uma conclusão possível e que - infortunadamente - não foi a mesma do Tribunal, que será a de que a Autora bem sabia que a GB n.º ... não garantia o contrato promessa de permuta invocado.

P. Reitere-se o facto de o texto da garantia bancária ser totalmente explícito quando refere que a garantia bancária em causa foi emitida em nome e a pedido da Sociedade "… DD. … Lda."

Q. Sem prejuízo do que supra se referiu a Recorrida insiste, obviamente, em não entender que a garantia bancária referenciada nesta ação foi prestada para assegurar o cumprimento de certo contrato dito pela ordenante como tendo sido celebrado pela sociedade "… DD, … Lda."e não para garantir obrigações assumidas, não por aquela sociedade, mas antes por DD, a título individual, e pessoalmente, e por si.

R. Mais refere o Tribunal a quo, no texto do Acórdão recorrido: "( .. .) face à matéria de facto provada no processo acima referenciada e destacada, pode e deve ser considerado provado (por irrecusável inferência lógica) que a sociedade bancária Ré conhecia as verdadeiras vontades negociais das pessoas que celebraram o contrato firmado em 02/05/2003 entre o pai da Autora e DD e que, por essa razão, a garantia bancária nº ... foi emitida para acautelar um incumprimento por este último das obrigações que assumiu para com esse outro contraente nesse negócio jurídico. "

S. Raciocínio errado e que parte de uma premissa, também ela errada, uma vez que resulta claro - do contrato promessa de permuta junto aos presentes autos - que o Banco Recorrente não foi parte, pelo que desconhece se os declaratários tiveram ou não dúvidas sobre a pessoa ou entidade com quem estavam a negociar àquela data.

T. Sendo que as circunstâncias que eventualmente derivem de um comportamento anterior não podem sobrepor-se à autonomia e literalidade do instrumento de Garantia Bancária em causa, que resulta explícito, não se compadecendo ou sequer admitindo interpretações extensivas ou analogias.

U. Considera ainda o Tribunal a quo “(. . .) sendo inaceitável à luz dos princípios éticos (. .. .) considerar como legítima e perfeitamente justificada essa inequivocamente demonstrada duplicidade de atuação da sociedade (Ré) no que respeita à conduta por ela assumida relativamente à garantia bancária ..., na qual consta como beneficiário GG quando comparada com a posição assumida face á interpelação que lhe foi feita pela Autora tendo por base o texto da garantia bancária ... emitida em beneficio do falecido pai desta demandante. "

V. O tribunal a quo permitiu-se pronunciar-se quanto a um facto que não se encontra em discussão nos presentes autos!

W. É certo que o Banco emitiu a GB ... e que após o seu acionamento a pagou, mas em que termos é que a pagou (?), em que termos é que essa GB foi negociada (?), todos factos que não se encontram em discussão nos presentes autos e que por esse facto não podem demonstrar, como pretende o Tribunal a quo, a referida duplicidade de atuação da Ré!

X. Pretende o Tribunal a quo que o Banco fosse coagido ao cumprimento de uma Garantia Bancária sem legítimo fundamento de acionamento devido a uma circunstância que, em caso diverso, foi tratada de modo diferente da presente, porventura por erro humano de análise?

Y. Pressupondo que existiu erro humano na análise do pagamento da GB ... - facto que não foi discutido nos presentes autos, repita-se - quererá isso significar que o Banco tem que cometer o mesmo erro duas vezes e pagar mal duas vezes?

Z. Parece-nos que esta é uma questão que nem sequer se poderá colocar porquanto o caso em apreço tem de ser analisado casuística e individualmente e sem recurso a casos, alegadamente análogos, e cujos contornos não foram discutidos nos presentes autos.

AA. Permitir-se este modo de atuação por parte do Tribunal a quo seria permitir que o princípio da segurança jurídica fosse abalado de modo irreversível, o que não se concede.

BB. Mais, aceitar esta posição do Tribunal a quo seria promover um atentado contra a segurança do comércio jurídico, já que colocaria em causa as características de autonomia e literalidade daquele instrumento bancário para, ao invés, condenar a Instituição com recurso a interpretações de comportamentos em situações que podem ou não ser consideradas análogas.

CC. Assim, e não estando em causa nos presentes autos o (in)cumprimento da garantia bancária com n.º ..., não pode o Tribunal a quo presumir pela "duplicidade de atuação dessa sociedade (Ré) ( .. .)".

DD. Face a tudo o que supra se referiu entende o Recorrente que se encontram reunidas todas as condições para que o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo seja revogado, mantendo-se a sentença proferida pela 1.ª instância.

Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida em conformidade, só assim se fazendo justiça!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir:

Perante as conclusões recursórias, enquanto delimitadoras do objeto do recurso, a questão de cumpre conhecer consiste em saber se a garantia bancária em questão (nº ...), emitida pelo Banco antecessor do Banco réu, garante o incumprimento do contrato promessa de permuta celebrado entre o pai da autora e DD em 02.05.2003.

Factualidade dada como provada pelas instâncias:

1° - Em 17 de Setembro de 2003, EE, S.A. (hoje, BB, S.A., aqui Réu), emitiu, em nome e a pedido de HH, Limitada, o original do documento que é fls. 10, verso, dos autos, epigrafado «GARANTIA BANCÁRIA N/N° ...», sendo dele beneficiário FF, documento que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:

«(...) 1o - A presente garantia destina-se a assegurar o pagamento da quantia de € 75.000,00 (setenta e cinco mil Euros), no âmbito do contrato-promessa de permuta, celebrado entre a Sociedade e o Beneficiário, datado de 02 de Maio de 2003.

2° - O EE obriga-se a pagar ao Beneficiário, à primeira interpelação escrita deste, qualquer quantia que seja devida pela Sociedade, a título de indemnização por incumprimento total ou parcial das obrigações supra mencionadas, até ao limite de € 75.0000,00 (setenta e cinco mil Euros), não podendo escusar-se de fazer tais entregas sob qualquer pretexto ou fundamento.

3o - A presente garantia é válida pelo período de 6 (seis meses) a contar da presente data, sendo considerada automaticamente renovada por iguais e sucessivos períodos de tempo, até que o Beneficiário comunique ao EE o respectivo cancelamento ou que este proceda à sua denúncia, com um pré-aviso de 30 (trinta) dias em relação ao termo do período que estiver em curso, sem prejuízo das obrigações assumidas até ao final desse mesmo período. (...)»

2° - Em 02 de Maio de 2003, DD, identificado como «PROMITENTE VENDEDOR», e FF, identificado como «PROMITENTE-COMPRADOR», outorgaram o original do documento que é fls. 7, verso, e 8 dos autos, epigrafado «CONTRATO- PROMESSA DE PERMUTA», documento que aqui e dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:

«(...) Foi ajustado o presente contrato-promessa que se rege pelos termos e condições constantes das cláusulas seguintes:
Cláusula Primeira

O Promitente Vendedor, é dono e legítimo proprietário de uma fracção autônoma designada pelo bloco n° 2, correspondente a uma loja no R/C composta de duas assoalhadas, com casa de banho com área de 43,30 m2, com frente para o jardim, e outra loja no R/C no bloco 2, composta também de uma assoalhada, com duas casas de banho, e área de 67 m2, com frente para a ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na ..., freguesia de ..., concelho de ... (...).
Cláusula Segunda

Pelo presente contraio de promessa o Promitente Vendedor promete vender, mediante permuta, as duas lojas acima descritas, livre de quaisquer ônus ou encargos, ao Promitente Comprador que reciprocamente as promete comprar.
Cláusula Terceira

O Promitente-comprador é comproprietário do prédio sito na Rua ..., n° - R/C, em ..., descrito na 2" Conservatória do Registo Predial sob o n° a fls. 51 do Livro B-53, tendo ficado acordo que o respectivo valor para efeitos da permuta é de € 104.745,55 (cento e quatro mil setecentos e quarenta e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos).
Cláusula Quarta

O preço prometido das lojas a permutar é de 137.169,42 (cento e trinta e sete mil cento e sessenta e nove euros e quarenta e dois cêntimos), que serão pagos da seguinte forma: a título de sinal e princípio de pagamento o Promitente-Comprador considera-se um entregue ao Promitente Vendedor a quantia de 104.7476,55 € (cento e quatro euros e setecentos e quarenta e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos), o remanescente preço, ou seja, 32.421,87 € (trinta e dois mil quatrocentos e vinte e um euros e oitentu e sete cêntimos), será pago no acto da escritura de compra e venda mediante permuta dos prédios identificados na cláusula primeira.
Cláusula Quinta

A escritura definitiva de compra e venda será realizada logo que toda a documentação se encontre em ordem, todas as despesas respeitantes à compra das lojas são da responsabilidade do Promitente-Comprador, durante o ano de 2003.
Cláusula Sexta

Para garantia do cumprimento do presente contrato-promessa de permuta, o promitente- vendedor obriga-se a entregar ao promitente-comprador uma garantia bancária nos termos da minuta constante do anexo "A", que fica a constituir parte integrante do presente contrato- promessa de permuta. (...)»

3o - Em 19 de Novembro de 2014, foi proferida sentença de mérito nos autos de Oposição à Execução Comum n° 12301/11.8YYLSB-A, J6, 1a Secção de Execução, Instância Central de Lisboa (sendo ali Exequente a aqui Autora, e Executado o aqui Réu), decisão transitada em julgado em 06 de Janeiro de 2015, julgando procedente a oposição deduzida e extinta a execução, por inexigibilidade do título, conforme certidão judicial que é fls. 73, verso, a 80, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:

«(...) Do Direito

A questão a decidir: A falta de exequibilidade do título executivo, por falta de liquidez da obrigação exequenda.

(...) No caso dos autos apelando ao texto da garantia, deste resulta que o banco se obrigou a pagar ao beneficiário, à primeira interpelação escrita deste, qualquer quantia que seja devia pela Sociedade, a título de indemnização por incumprimento total ou parcial das obrigações supra mencionadas, até ao limite de f 75.000,00, não podendo escusar-se de fazer tais entregas sob qualquer pretexto ou fundamento.

Desta redação não poderá deixar de concluir-se que, quando as partes estabeleceram que a executada seria responsável pelo pagamento de qualquer quantia devida a título de indemnização até ao limite supra referido, firmaram uma garantia autônoma simples.

Com efeito, o pagamento só poderia ser solicitado ao banco, caso o garantido faltasse ao cumprimento das obrigações inerentes ao contrato-base.

E verdade que a exequente aludiu e demonstrou que o promitente-vendedor - DD- alienou as frações identificadas no contrato-promessa sem que tenha procedido ao distrate das hipotecas que sobre elas recaíam.

Contudo, não resulta liquidada a quantia emergente do incumprimento por banda do garantido, quando é certo que só seria atingida a liquidez da obrigação se alegada e provada a matéria atinente ao impacto econômico do incumprimento, em termos de saber se era do montante que correspondia ao teto máximo da garantia ou seria inferior.

Com efeito, do texto da garantia não pode deduzir-se que a executada se responsabilizou em caso de incumprimento tout court. Ao invés, dele se alcança que a sua responsabilidade não prescindia da demonstração da repercussão econômica da violação da obrigação pelo promitente-vendedor de modo a aferir se ela atingiria, ou não, o valor constante da garantia bancária.

De todo o exposto se conclui pela inexigibilidade da obrigação exequenda por não se mostrar líquida a obrigação a cargo da executada.

Mas ainda que assim, não se entendesse sempre se leria de considerar-se inexequível o título dado à execução, já que a parte contratante no contrato-promessa referenciado no ponto 2. do elenco dos factos provados não foi a mesma que solicitou a prestação da garantia bancária.

Decisão:

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a oposição deduzida BB, SA, por apenso à execução que lhe é movida por II, julgando-se extinta a execução por inexequibilidade do título. (...)»

4° - Em 31/12/2006 faleceu FF, deixando como única herdeira a sua filha, II (ora autora).

5o - Em 01/10/2000, FF e GG, na qualidade de co- proprietários do prédio urbano sito na Rua ..., n° …, R/C, em ..., descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de ... sob o n° … a fls 51 do Livro B-53, outorgaram com DD, um contrato que pelo intervenientes no negócio foi denominado "Contrato Promessa de permuta", pelo qual os dois primeiros prometeram transmitir ao segundo a propriedade do prédio supra aludido, recebendo "em permuta" dois apartamentos iguais com áreas brutas de 50 metros quadrados em prédio a edificar junto ao imóvel dos dois co-proprietários primeiros outorgantes, todo conforme documento de fls 5 verso a 7 que aqui se dá por reproduzido.

6o - Em 01/02/2000, DD era gerente da sociedade "… DD, .., Lda, situação que se mantinha inalterada em 19/09/2003.

7° - Em 19/09/2003, GG outorgou com DD um novo contrato que pelos promitentes no negócio foi denominado "contrato promessa de permuta", pelo qual prometeu ceder (enquanto co-proprietário) o prédio urbano sito na Rua ..., n° …, R/C, em ..., recebendo em permuta um apartamento com a área de 50 metros quadrados, tudo conforme documento de fls 9 verso a 10 que aqui se dá por reproduzido.

8o - Em 17/09/2003, foi emitido pelo réu o contrato de garantia bancária n° ..., no qual consta como beneficiário GG, destinado a garantir o bom cumprimento do contrato referido em 7o, cujo clausulado e, com exceção da figura do beneficiário, idêntico ao da garantia bancária ... referida e parcialmente transcrita em 1o.

9o - Em 19/09/2003, foi outorgada escritura de compra e venda pela qual II, por si e em representação de FF, e GG e JJ, que também usa JJ, venderam à sociedade "… DD" o prédio urbano sito na Rua ... n° …, R/C, em ..., descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de ... sob o n° ..., a fls 51 do Livro B- 53.

10° - Em 26/11/2006, face ao incumprimento do contrato mencionado em 7°, a ré pagou a GG a quantia de 75.000€, constante da garantia bancária n° ....

11° - Em 19/01 /2010 a autora interpelou, por notificação judicial avulsa, o réu para pagar a quantia de 75.000€ constante do contrato de garantia bancária n° ....

12° - Em 19/03/2010, o réu informou a autora da sua recusa em pagar a quantia pecuniária prevista no contrato de garantia bancária n° ....

13° - A escritura celebrada em 19/09/2003 (ponto 9 da matéria de facto provada) foi outorgada para dar cumprimento aos contratos promessa firmados em 02/05/2003 e 19/09/2003 (referidos nos pontos 2 e 7 da matéria de facto provada).

14° - O contrato-promessa celebrado em 02/05/2003 entre FF e DD, e o contrato-promessa celebrado em 19/09/2003 entre GG e DD foram firmados para substituir o contrato promessa celebrados em 06/02/2000 entre o FF e o GG e o DD.

15° - O contrato de garantia bancária n° ..., no qual consta como beneficiário FF, foi celebrado na mesma data e com o objetivo de cumprir a mesma finalidade que o contrato de garantia bancária n° ..., no qual consta como beneficiário GG - garantia de cumprimento dos contratos-promessa de 02/05/2003 e de 19/9/2003 - estando subjacente à emissão dessa garantia bancária n° ....

Apreciando:

 A questão de que ora importa conhecer tem a ver com a interpretação da abrangência do negócio jurídico relativo à garantia bancária nº ..., referida no nº 1 dos factos provados, e consiste em saber se tal garantia bancária, emitida pelo Banco antecessor do Banco réu, garante o incumprimento do contrato promessa de permuta celebrado entre o pai da autora e KK, em 02.05.2003, nos termos referidos no nº 2 dos factos provados.

Isto, tendo-se em conta que este contrato não foi celebrado com a sociedade “HH, Limitada”, mas sim com KK e que nos termos da mesma, a garantia bancária em questão foi “emitida em nome e a pedido de HH, Limitada” e destinava-se a “assegurar o pagamento da quantia de € 75.000,00 (setenta e cinco mil Euros), no âmbito do contrato-promessa de permuta, celebrado entre a Sociedade e o Beneficiário, datado de 02 de Maio de 2003.

Conforme se alcança da respetiva sentença, a 1ª instância julgou a ação improcedente por considerar que a obrigação expressamente garantida era a obrigação que resultasse apenas para a HH, Lda, no âmbito de contrato promessa de permuta celebrado entre ela (sociedade) e o pai da autora (FF) em 02.05.2003, pelo que ao recusar o pagamento que lhe foi exigido, o réu fê-lo, e bem, com base nos termos do próprio contrato de garantia bancária.

Seguindo entendimento diferente, a Relação considerou que o negócio jurídico em questão dever ser interpretado no sentido de a obrigação garantida ser aquela a que DD se vinculou no âmbito do contrato promessa de permuta celebrado com o pai da autora.

Isto porque, segundo o acórdão recorrido, ““face à circunstância de estar provado neste processo que ocorreu realmente o incumprimento do contrato promessa celebrado em 02/05/2003 entre FF e DD e que nessa data só esse contrato foi firmado e não um entre esse pai da Autora e a sociedade “… DD, … Lda.” de que o segundo era o sócio-gerente “ e porque, face à factualidade constante dos nºs 13º a 15º e 10º da matéria de facto, “torna-se imperioso concluir que, através dos seus representantes que intervieram na celebração do negócio jurídico consubstanciado na emissão da garantia bancária n.° ..., na qual consta como “beneficiário” FF, a sociedade bancária Ré conhecia a vontade real dos intervenientes nesse contrato-promessa antes indicado e bem assim que, por essa razão, a obrigação garantida era aquela a que DD se auto-vinculou quando celebrou com o pai da Autora esse negócio jurídico”.

E ainda porque:

“De outro modo, deixaria de ser entendível a atuação dessa Ré ao pagar a GG a quantia de € 75.000,00 assegurada pela garantia bancária n° ..., sendo inaceitável à luz dos princípios éticos que sustentam e dão consistência ao Ordenamento Jurídico nacional considerar como legítima e perfeitamente justificada essa inequivocamente demonstrada duplicidade de atuação dessa sociedade (Ré) no que respeita à conduta por ela assumida relativamente à garantia bancária n.°..., na qual consta como “beneficiário” GG quando comparada com a posição assumida face à interpelação que lhe foi feita pela Autora tendo por base o texto da garantia bancária n.º ... emitida em benefício do falecido pai desta demandante.
De facto, como nunca poderá ser esquecido, por força do que consta do art.° 334° do Código Civil, é imposta a todos os que interagem no comércio jurídico uma exigência de atuação de acordo com os ditames da boa-fé - e é por isso que a duplicidade de comportamento da Ré indiciado nos autos não poderá ser deixada passar sem consequências.
Em suma, mercê dos efeitos decorrentes das presunções estabelecidas nos art°s 349° e 351° do Código Civil, e sendo a razoabilidade adequada de todas essas apreciações aferida tendo sempre por base raciocínios de experiência comum e de bom senso conformes ou referenciáveis à normal diligência de um/a bom pai/boa mãe de família, instituto jurídico que constitui a corporização ficcionada dos Valores ou Princípios Éticos estruturantes e conformadores da Comunidade inscritos nos art°s 334° e 335° desse mesmo Código, face à matéria de facto provada no processo acima referenciada e destacada, pode e deve ser considerado provado (por irrecusável inferência lógica) que a sociedade bancária Ré conhecia as verdadeiras vontades negociais das pessoas que celebraram o contrato firmado em 02/05/2003 entre o pai da Autora e DD e que, por essa razão, a garantia bancária n.° ... foi emitida para acautelar um incumprimento por este último das obrigações que assumiu para com esse outro contraente nesse negócio jurídico.”

É contra tal entendimento que se manifesta o réu recorrente, nos termos das conclusões recursórias supra transcritas.

E desde já se diga que, a nosso ver, com razão.

Sendo certo que a outra parte outorgante na promessa de permuta celebrada com o pai da autora, DD (ou mesmo a sociedade “HH, Lda”) não é parte no processo e nem sequer foram dados como provados nos autos factos de onde resulte ter havido incumprimento (e em que termos) por parte de DD, relativamente ao contrato promessa de permuta em causa, por ele celebrado em 02.05.2003 com o pai da autora (referido no nº 2 dos factos provados) – contrato este no qual o Banco recorrente nem sequer teve intervenção.

Com efeito, relacionado com tal matéria, apenas se mostra provado (nº 10) que “Em 26/11/2006, face ao incumprimento do contrato mencionado em 7°, a ré pagou a GG a quantia de 75.000€, constante da garantia bancária n° ...” – sendo certo que o contrato referido em 7º não é o que foi celebrado em 02.05.2003 com o pai da autora mas sim o que foi celebrado em 19.09.2003 com GG.

 

Todavia, para além de se tratar de questão da qual não nos cabe conhecer, porque não suscitada, trata-se de questão que nem sequer podia ser invocada pelo recorrente, na medida em que, conforme bem salienta a 1ª instância “o garante não pode invocar meios de defesa que extravasem a garantia, v.g. a exceção de falta de cumprimento da parte contrária ou a exceção de compensação de créditos (já que se reportam às relações entre o beneficiário da garantia e o dador da ordem da mesma, prendendo-se o contrato base estabelecido entre ambos, a que o garante é alheio)”.

Neste sentido, vide acórdão do STJ de 23.06.2016- proc. nº 414/14.9TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt

Não é por aí, pois, que passa a nossa discordância em relação ao entendimento plasmado no acórdão recorrido.

O contrato de garantia bancária é aquele pelo qual o Banco, na qualidade de garante, se obriga ao pagamento de determinada quantia, a determinada pessoa (beneficiário) no caso de incumprimento de contrato no qual esta teve intervenção juntamente com o dador da ordem.

Conforme bem se considerou no acórdão do STJ de 23.06.2016 supra mencionado “a garantia bancária é um figura triangular, supondo três ordens de relações jurídicas: (i) relação entre o garantido (dador da ordem) e o beneficiário (credor principal); (ii) relação entre o garantido (dador da ordem) e o garante (banco); (iii) relação entre o garante (banco) e o beneficiário (credor principal).

O contrato de garantia bancária constitui um contrato atípico, porque não previsto na lei, estando como tal sujeito às regras gerais da interpretação dos contratos constantes dos artigos 236º a 238º do C. Civil.

Conforme bem se considerou no acórdão do STJ de 12.06.2012 (proc. nº 14/06.7TBCMG.G1.S1, in www.dgsi.pt) “As regras constantes dos arts. 236.º a 238.º do CC constituem diretrizes que visam vincular o intérprete a um dos sentidos propiciados pela atividade interpretativa, e o que basicamente se retira do art. 236.º é que, em homenagem aos princípios da proteção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor). No entanto, a lei não se basta com o sentido realmente compreendido pelo declaratário (entendimento subjetivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objetivo para o declaratário)”

Em termos práticos, o intérprete deve, relativamente a ambos os contraentes, tentar definir a posição em que se encontram perante a declaração da contraparte, e colocar um declaratário ideal (normal) na posição do declaratário real.”

 

Muito embora seja difícil sustentar a tese (de alguma doutrina) no sentido da exigência da forma escrita para o contrato de garantia bancária (conforme bem se salienta na sentença de 1ª instância) – atenta a falta de regulamentação legal do contrato de garantia bancária (questão que apenas se deverá colocar na perspetiva do iure constituendo) – não podemos deixar de atender à aplicação ao caso dos autos da regra interpretativa constante do nº 1 do artigo 238º do C.C., relativa aos negócios formais, nos termos da qual “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”.

E isto porque a garantia bancária em questão foi constituída mediante documento escrito nos termos constantes do nº 1 dos factos provados. De resto, dada a sua especificidade nunca seria expectável que a mesma não fosse reduzida à forma escrita.

Ora, conforme bem salienta Fátima Gomes (in Direito e Justiça, Vol. VIII, Tomo 2, pag. 169), citada na sentença, “a interpretação do contrato de garantia autónoma deve ser feita dentro dos cânones da interpretação dos negócios jurídicos e com especial atenção ao texto do contrato, assumindo assim grande relevância a interpretação literal” (no mesmo sentido, e igualmente citados na sentença, Manuel Castelo Branco in R.O.A., Ano 53, pag. 76)

Ainda no mesmo sentido, o acórdão do STJ de 21.04.2010 (proc. nº 458/09.2YFLSB, in www.dgsi.pt) onde se considerou que “a interpretação literal reveste-se de particular relevância quando se pretende fixar o sentido com que um contrato de garantia autónoma deve ser interpretado, maxime de uma garantia autónoma à primeira solicitação. Ao ser-lhe exigido que satisfaça a garantia autónoma e à primeira solicitação a que se vinculou, o garante não pode, por princípio, recusar a execução da garantia opondo exceções fundadas, seja na relação entre o credor (beneficiário) e o devedor (garantido) da relação principal, seja na relação (de mandato) entre o garante e aquele devedor.

Não podendo o garante, in casu o recorrente, discutir o invocado contrato base, ao qual é alheio, não faz desde logo sentido que o mesmo tivesse que pagar a garantia nos termos solicitados quando se verifica que o dador da ordem (a referida sociedade unipessoal) não coincide com a parte (DD) interveniente naquele contrato base que foi invocado pela recorrente, e que uma das partes ali intervenientes não coincide com a que consta do contrato mencionado na garantia bancária

Conforme já acima referimos, o que resulta do texto da garantia é que esta foi emitida a pedido da “HH, Lda” e tendo por objeto um contrato no qual por esta celebrado com o pai da autora.

E não se diga, conforme o faz o acórdão recorrido, que “a sociedade bancária Ré conhecia a vontade real dos intervenientes nesse contrato-promessa antes indicado e bem assim que, por essa razão, a obrigação garantida era aquela a que DD se auto-vinculou quando celebrou com o pai da Autora esse negócio jurídico” – na medida em que nada foi dado como provado nesse sentido.             Sendo o emissor da garantia (o recorrente) estranho ao invocado contrato base, porque nele não interveio, nem tinha que intervir (conforme supra referido), não se pode concluir, sem mais, que o mesmo tivesse conhecimento dos seus termos.

A propósito, o único facto que se mostra provado é que o recorrente emitiu a garantia bancária a pedido da HH, Lda (que não do DD) e que a mesma tinha por objeto o incumprimento daquela sociedade no âmbito de um contrato celebrado pela mesma, que não pelo DD.

Não sabemos sequer, porque tal não se mostra provado, e conforme bem refere o recorrente, se a este foi sequer exibido qualquer contrato.

Da mesma forma, não se pode concluir, também sem mais, conforme o faz o acórdão recorrido, que “nessa data só esse contrato foi firmado e não um entre esse seu pai e a sociedade…”, na medida em que também nada se provou nesse sentido, sendo certo que em tese nada impediria que na mesma data fosse outorgado outro ou outros contratos de permuta com outros intervenientes.

E não se diga também que para o emissor da garantia, ora recorrente, seria indiferente o facto de a garantia bancária ter sido pedida pela sociedade e para garantir o incumprimento desta ou ter sido pedida pelo DD e para garantir o incumprimento deste, na medida em que o património deste podia não constituir, para o recorrente, adequada garantia da recuperação do valor que viesse a pagar.

Nesta situação, era natural que o Banco recorrente não se prestasse a emitir qualquer garantia a solicitação do DD e destinada a garantir o incumprimento deste.

Com efeito, por razões de segurança jurídica, a garantia bancária apenas é emitida pelo Banco tendo por base a confiança depositada no dador da ordem.

É certo que se provou que “em 01/02/2000, DD era gente da Sociedade “… DD, …, Lda” (nº 6 dos factos provados.                                          

Todavia, para além de estarem em causa patrimónios diferenciados, não sabemos sequer, porque nada mais se mostra provado nesse sentido, se à data da celebração do invocado contrato base (02.05.2003) ou à data da emissão da garantia bancária (17.09.2003) aquele ainda era o gerente desta sociedade.

Quanto ao facto de o réu ter pago ao LL o valor da garantia também prestada a favor deste – em que a Relação se baseia para fundamentar a interpretação do contrato de garantia bancária a que chegou (no sentido de esta garantir, a favor do pai da autora, o incumprimento de DD, no âmbito do contrato por este celebrado com aquele) e ainda para chamar à colação a figura do abuso de direito – afigura-se-nos que tal facto não chega para justificar o entendimento do acórdão recorrido.

É certo que se provou os contratos promessa de permuta de 02.05.2003 (entre o pai da autora e DD) e de 19.09.2003 (entre DD e GG foram firmados para substituir o contrato promessa de 16.02.2000 (nº 14 dos factos provados), que “O contrato de garantia bancária n° ..., no qual consta como beneficiário FF, foi celebrado na mesma data e com o objetivo de cumprir a mesma finalidade que o contrato de garantia bancária n° ..., no qual consta como beneficiário GG - garantia de cumprimento dos contratos-promessa de 02/05/2003 e de 19/9/2003 - estando subjacente à emissão dessa garantia bancária n° ...” (nº 15) e que “Em 26/11/2006, face ao incumprimento do contrato mencionado em 7°, a ré pagou a GG a quantia de 75.000€, constante da garantia bancária n° ...” (nº 10)

Todavia, conforme bem salienta o recorrente, nada mais sabemos, designadamente em que circunstâncias e em que termos é que esse pagamento teve lugar.

Ademais, conforme bem salienta ainda o recorrente, o facto de o réu (ou, mais propriamente, o seu antecessor) ter procedido a tal pagamento, não significa que tal pagamento tenha resultado de uma correta análise jurídica daquele caso concreto e que, tendo o réu pago indevidamente, tenha que o fazer uma vez mais, ainda que sem base legal.

Procedem assim as conclusões recursórias, impondo-se revogar ao cordão recorrido e repor a decisão da 1ª instância.

Termos em que, concedendo-se a revista, se acorda em revogar o acórdão recorrido e em repristinar a decisão da 1ª instância, que julgando a ação improcedente, absolveu o réu do pedido.

Custas pela recorrida.

                                   Lisboa, 24 de outubro de 2019

                                               
Acácio das Neves (Relator)

                                                      

Fernando Samões

                                              

Maria João Vaz Tomé