Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | SÉNIO ALVES | ||
Descritores: | RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO TRÂNSITO EM JULGADO ARGUIÇÃO DE NULIDADES EXTEMPORANEIDADE | ||
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Data do Acordão: | 05/31/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I. O prazo para interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência por banda do recorrente é contado sobre o trânsito em julgado do acórdão recorrido e este transita no 10º dia posterior à notificação que lhe é feita, caso não seja por ele arguida a nulidade do mesmo (artº 370º do CPP), não seja pedida a sua correcção (artº 380º do CPP) ou não seja interposto recurso para o Tribunal Constitucional (artº 75º da Lei 28/82, de 15/11). II. Relevante para o efeito da contagem do prazo de interposição do recurso é a data do trânsito da decisão relativamente ao sujeito processual que recorre, nele não interferindo a eventual arguição de nulidades do acórdão recorrido, por banda de co-arguido. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. 1. O Ministério Público e a Autoridade da Concorrência recorreram do despacho proferido pela Mª Juíza de Instrução Criminal no processo contraordenacional n° PRC/2019/2, que recaiu sobre pretensão formulada por “Luz Saúde, S.A.” e outras, despacho onde foi declarada a nulidade da apreensão de todos os e-mails recolhidos na sede das requerentes, no decurso das diligências de busca e apreensão realizadas em Maio de 2019. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 9/11/2022, entendeu que “o Tribunal de Instrução Criminal não tem competência para se pronunciar sobre se o MP tem ou não legitimidade para autorizar buscas e apreensões no âmbito do Regime Jurídico da Concorrência e, muito menos, revogar tais actos, não sendo instância de recurso dos actos praticados ou autorizados pelo MP nos processos de natureza contraordenacional jusconcorrencial quando não foi o emitente do mandado de busca e apreensão em apreciação”, concluindo que tal tribunal “se imiscuiu numa área de competência que não é sua, enfermando a sua decisão de nulidade insanável, enunciada no art. 119º al. e) do CPP aplicável ex vi do art.41º do RGCO e 83º da LdC”; consequentemente, decidiram os Exmºs Juízes Desembargadores “declarar a nulidade prevista no art. 119.º, al. e) do CPP e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, considerando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas em ambos os recursos”. 2. Luz Saúde, SA, inconformada com tal decisão, interpôs da mesma recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas): «A. O presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência vem interposto, ao abrigo do disposto nos artigos 407.º, n.º 2, alínea a), 437.º, n.os 1 e 2, e 438.º, todos do Código de Processo Penal, do acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 9 de novembro de 2022 (o “Acórdão Recorrido”). B. O processo que deu origem ao Acórdão Recorrido teve por objeto a impugnação junto do Tribunal de Instrução Criminal ..., pela Recorrente, da validade do ato de apreensão de mensagens de correio eletrónico levado a cabo pela Autoridade da Concorrência, no quadro de uma diligência de busca e apreensão realizada em sede de processo contraordenacional, por alegadas práticas restritivas da concorrência (PRC/2019/2) a coberto de um mandado de busca e apreensão emitido pelo Ministério Público. C. Chamado a decidir, o Tribunal de Instrução Criminal ... entendeu, através de despacho de 5 de novembro de 2019, que a Autoridade da Concorrência não tem competência, em função do quadro legal aplicável, para a apreensão de ficheiros de correio eletrónico, tendo declarado a nulidade da apreensão dos e-mails e impondo a sua destruição após o trânsito em julgado da respetiva decisão. D. Em sede de recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa, através do Acórdão Recorrido, veio a decidir que o Juiz de Instrução Criminal se imiscuiu numa área de competência que não é a sua e, consequentemente, que a sua decisão enfermava de nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, alínea e), do Código de Processo Penal aplicável ex vi do artigo 41.º, do Regime Geral das Contraordenações e artigo 83.º, da Lei da Concorrência. E. No Acórdão Recorrido, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou, essencialmente, que (i) qualquer arguição de nulidade de um mandado de busca e apreensão emitido pelo Ministério Público deveria ser suscitada perante o próprio através de recurso hierárquico, não cabendo recurso para o Tribunal de Instrução Criminal, (ii) que qualquer arguição de nulidade do próprio ato de busca e apreensão executado pela Autoridade da Concorrência no âmbito de um processo contraordenacional deveria ser suscitada perante a própria entidade administrativa, dessa decisão cabendo recurso para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, (iii) que na fase administrativa do processo contraordenacional, qualquer decisão respeitante à atuação da Autoridade da Concorrência, por esta proferida, seria sindicável apenas em sede de recurso interlocutório ou recurso de impugnação da decisão final, cuja competência está atribuída em exclusivo ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão e (iv) que ao Tribunal de Instrução Criminal não estaria atribuída por lei qualquer competência material para decidir sobre nulidades dos atos de busca e apreensão levados a cabo pela Autoridade da Concorrência, sob mandado emitido pelo Ministério Público, no âmbito da Lei da Concorrência. F. O Acórdão Recorrido, por um lado, não é passível de recurso ordinário, atendendo ao disposto no artigo no artigo 400.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, uma vez que o mesmo não conheceu a final do objeto do processo contraordenacional e, por outro lado, não foi objeto de reclamação por parte da Recorrente, pelo que já transitou em julgado. G. O entendimento do Acórdão Recorrido encontra-se em oposição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de fevereiro de 2020, proferido no âmbito do Processo n.º 28999/18.3T8LSB-A.L1 (o “Acórdão Fundamento”), no qual estava em causa a impugnação, por uma empresa visada em processo contraordenacional por alegadas práticas restritivas da concorrência e junto do Tribunal de Instrução Criminal ..., da validade do ato de apreensão de mensagens de correio eletrónico levado a cabo pela Autoridade da Concorrência, no quadro de uma diligência de busca e apreensão com base num mandado emitido pelo Ministério Público. H. Nesse processo, o Tribunal de Instrução Criminal ... declarou-se incompetente para apreciar a impugnação deduzida pela visada e, em sede de recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa veio a proferir o Acórdão Fundamento, através do qual reverteu o despacho do Juiz de Instrução Criminal e ordenou a substituição da sua decisão por outra na qual apreciasse o requerimento de impugnação da visada. I. A decisão expressa no Acórdão Fundamento baseia-se, essencialmente, na circunstância de aí se entender que (i) o Juiz de Instrução Criminal tem poderes para conhecer das invalidades de atos que contendam com direitos fundamentais, mesmo em processos contraordenacionais por violação de regras de concorrência e que (ii) o ato de apreensão de correio eletrónico por parte da Autoridade da Concorrência coloca em causa o direito fundamental de salvaguarda e integridade de correspondência privada, previsto no artigo 34.º, da Constituição da República Portuguesa, motivo pelo qual a sua validade pode ser apreciada pelo Juiz de Instrução Criminal. J. O Acórdão Fundamento já transitou em julgado no dia 5 de março de 2020, sendo, portanto, evidente que esse trânsito é anterior à prolação do Acórdão Recorrido em 9 de novembro de 2022. K. O conflito de jurisprudência que fundamenta o presente recurso consiste nas soluções opostas perfilhadas no Acórdão Recorrido e no Acórdão Fundamento a respeito da competência do Juiz de Instrução Criminal, no âmbito de processos contraordenacionais por violação de regras de concorrência, para conhecer da validade do ato de apreensão de correio eletrónico realizado pela Autoridade da Concorrência a coberto de um mandado de busca e apreensão emitido pelo Ministério Público. L. Em resposta à referida questão, o Acórdão Recorrido declarou a incompetência do Juiz de Instrução Criminal para apreciar a validade do ato de apreensão, enquanto o Acórdão Fundamento, pelo contrário, afirmou a existência da referida competência, donde resulta evidente a oposição entre os dois acórdãos, nos termos e para os efeitos do artigo 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na medida em que decidiram de forma diferente a mesma questão de direito, no quadro de situações fáticas em tudo idênticas. M. Atento o disposto no artigo 437.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, dois acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação “(…) quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida” e, segundo a jurisprudência, tal ocorrerá sempre que a solução jurídica deles constante tenha sido discutida à luz do mesmo enquadramento legal, sendo esse o caso do Acórdão Recorrido e do Acórdão Fundamento. N. Recentemente foi publicada a Lei n.º 17/2022, de 17 de agosto, que veio alterar a Lei da Concorrência no que se refere ao regime de impugnação dos mandados de busca e apreensão emitidos pelo Ministério Público e dos atos da Autoridade da Concorrência em execução desses mandados, através do aditamento do artigo 86.º-A. O. A alteração legislativa promovida pela Lei n.º 17/2022, de 17 de agosto, entrou em vigor no dia 17 de setembro de 2022, mas apenas é aplicável aos processos contraordenacionais que se tenham iniciado após a sua entrada em vigor, atento o disposto no seu artigo 9.º, n.º 1, o que não é o caso dos processos contraordenacionais em causa no Acórdão Recorrido e no Acórdão Fundamento. P. A competência do tribunal fixa-se no momento em que a ação é proposta, sendo irrelevantes as modificações de direito que ocorram posteriormente, conforme dispõe o artigo 38.º, n.os 1 e 2, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, pelo que não existiu qualquer modificação legislativa relevante para efeitos do artigo 437.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, tendo os dois acórdãos sido proferidos no mesmo quadro normativo, pelo que a alteração legislativa em causa não se aplica ao caso sub judice. Q. A Recorrente aguardará pela notificação para apresentação de alegações escritas, nos termos previstos no artigo 442.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, para apresentar a sua posição a respeito do sentido em que a jurisprudência deve ser fixada. Termos em que, muito respeitosamente, deverá o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência ser admitido, sendo concedido provimento ao mesmo e, consequentemente, ser revogado o Acórdão Recorrido, sendo substituído por outro consentâneo com a posição perfilhada pelo Acórdão Fundamento». 3. Respondeu o Exmº Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa, pugnando pelo não provimento do recurso e assim concluindo (por transcrição): «1 - De acordo com o primado do Direito europeu, há a necessidade de garantir a homogeneidade na aplicação do direito europeu, não podendo os Estados-Membros invocarem o direito nacional para fundamentarem o incumprimento das suas obrigações europeias. 2 - Porque os deveres resultantes do primado do direito europeu vinculam todas as entidades públicas, aqui se incluindo toda a Administração Pública e os Tribunais nacionais. 3 - Não sendo admissível de que no espaço europeu exista uma Directiva que constitui um instrumento legal de regulação do ambiente digital que estabelece a competência de investigação às autoridades administrativas nacionais da concorrência e, em Portugal, se pretende, obstar a que tal ocorra. 4 - Com efeito, tal correspondência não está tutelada pelo artº 34º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, não podendo ser considerada mensagem de teor privado, ou conservada em contexto de domicílio ou em escritório de advogado ou consultório médico. 5 - Assim, afigura-se-nos que deverá ser negado provimento aos recursos e, assim, confirmar-se o Acórdão recorrido». II. 1. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pugnou pela rejeição do recurso, em face da sua extemporaneidade e, assim se não entendendo, pela verificação da oposição de julgados: «(…) I - Questão-prévia. Intempestividade do recurso. 1. O recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (cfr, o art. 438º/1 do Código de Processo Penal). 2. O Acórdão Recorrido, de 09.11.2022, foi notificado, por via electrónica, aos sujeitos processuais, nomeadamente a ora recorrente, em 09.11.2022, considerando-se notificada a 14.11.2022, segunda-feira (cfr, o art. 113º/12 do Código de Processo Penal, ex vi art. 41º do RGCO). 3. Não admitindo recurso ordinário (cfr, o art. 75º do RGCO), de tal decisão foi deduzida Reclamação de arguição de nulidades, pela coarguida HOSPITAL PARTICULAR ..., SA, decidida por Acórdão de 08.02.2023, de indeferimento. 4. Ou seja: O Acórdão Recorrido transitou em julgado em 29.11.2022, quanto à ora recorrente (cfr. arts. 4º e 105º/1 do Código de Processo Penal e 139º/5 e 628º do Código de Processo Civil, ex vi art. 41º do RGCO). 5. E, embora o trânsito em julgado tenha ocorrido mais tarde relativamente à coarguida em questão, o certo é que o que releva para a contagem do prazo de interposição de recurso é a data do trânsito da decisão relativamente ao sujeito processual que recorre. 6. Pelo que em 13.03.2023 já estava esgotado, havia muito tempo, o prazo da interposição do presente recurso para fixação de jurisprudência, que findara em 16.01.2023 (acrescido já dos três dias úteis da prática do acto com multa). 7. Motivo por que o presente recurso deve ser rejeitado (cfr. arts. 414º/2, 420º/1-b), 438º/1 e 441º/1 do Código de Processo Penal). 8. Nesta matéria, atente-se ao Ac. do STJ de 08.03.2018, P-41/12.5YUSTR.L1-D.S1 (proferido, precisamente, num caso em que outros coarguidos alguns reclamaram de um Acórdão, ao passo que o recorrente não o fez): … … IV - O prazo de interposição de recurso para fixação de jurisprudência é de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, que é sempre o recorrido, nos termos dos arts. 437.º, n.º 1, parte final, e 438.º, n.º 1, ambos do CPP. Esse prazo completou-se em 26-09-2016, podendo o acto ainda ser praticado dentro dos 3 primeiros dias úteis subsequentes, nos termos e condições previstos nos arts. 104.º, n.º 1, 107.º-A, ambos do CPP e 139.º, n.ºs 5 e segs., do CPC. O presente recurso foi interposto em 06-10-2016, ou seja, fora de tempo. V - Não releva que o acórdão recorrido não tivesse ainda transitado em julgado relativamente a outros arguidos. O que releva para o efeito da contagem do prazo de interposição de recurso é a data do trânsito da decisão relativamente ao sujeito processual que recorre. 9. É sintomático que a recorrente venha, ela própria, alegar: Em face do exposto, e pese embora a nulidade do Acórdão Recorrido não tenha sido por si arguida, no passado dia 10 de março de 2023 a Recorrente apresentou nos presentes autos um requerimento através do qual declarou manter o interesse no recurso extraordinário de fixação de jurisprudência tempestivamente interposto no dia 6 de janeiro de 2023, dando por integralmente reproduzido o requerimento de interposição de recurso nessa data apresentado. II. Oposição de julgados. 10. Vem a LUZ SAÚDE, SA, ao abrigo da disposição do art. 437º/1 e 2 do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, alegando, em síntese: … … Nos termos e para os efeitos do artigo 438.º, n.º 2 (parte final), do Código de Processo Penal, a Recorrente esclarece que a oposição que origina o conflito de jurisprudência diz respeito às soluções opostas perfilhadas no Acórdão Fundamento e no Acórdão Recorrido quanto à competência do Juiz de Instrução Criminal, no âmbito de processos contraordenacionais por violação de regras de concorrência, para conhecer da validade do ato de apreensão de correio eletrónico realizado pela Autoridade da Concorrência a coberto de um mandado de busca e apreensão emitido pelo Ministério Público. Em resposta à referida questão e com o detalhe que melhor se expõe na motivação em anexo, o Acórdão Recorrido declarou a incompetência do Juiz de Instrução Criminal para apreciar a validade dos atos de apreensão de correio eletrónico pela Autoridade da Concorrência a coberto de um mandado do Ministério Público enquanto o Acórdão Fundamento, diferentemente, se decidiu pela respetiva competência do Juiz de Instrução Criminal. A oposição de julgados em causa ocorre, assim, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de Direito, tal como exigido pelo artigo 437.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal. … … 11. Tem, pois, razão a recorrente quando entende que aqueles Acórdãos foram proferidos na vigência das mesma legislação (em especial, a Directiva (UE) 1/2019, conhecida como ECN+, e as disposições dos arts. 18º/2, 19º-21º e 83ºss da L-19/2012, de 08/05 – Lei da Concorrência) sem alterações relevantes entre a prolação de ambos – a alteração operada pela L-17/2022, de 17/08, mormente pelo aditamento do art. 86º-A, não é aplicável aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (cfr. o respectivo art. 9º/1) –, e decidiram de forma oposta uma e mesma questão fáctico-jurídica, que, em termos concisos, se traduz: Em saber se o Juiz de Instrução Criminal, no âmbito de processos contraordenacionais por violação de regras de concorrência, tem competência para conhecer da validade do acto de apreensão de correio eletrónico realizado pela AdC a coberto de um mandado de busca e apreensão emitido pelo Ministério Público. 12. No respeito do modelo etiológico e processual-penal do recurso de fixação de jurisprudência – que pressupõe, pois, naturalmente, a oposição de julgados – é viável afirmar que num mesmo silogismo judiciário (sempre na dialéctica do Facto/Direito), foram seguidas duas vias divergentes de raciocínio, viabilizando que de duas séries de premissas iguais se tivessem alcançado conclusões (decisões) diversas. 13. Isto é: A motivação da questão-de-direito que induziu as duas decisões em conflito é tratada em ambos os acórdãos no seio de uma idêntica discursividade lógico-dialéctica, sendo tal a mesmidade das hipóteses fáctico-normativas, que implicam estabelecer um cotejo comparativo que leva a concluir que, num mesmo caso, apenas por razões de juízos jurídico-valorativos diversos, foram adoptadas, expressamente, soluções opostas relativamente à aplicação do Direito. 14. Ou seja: Os factos são os mesmos; Assim como essa mesmidade ocorre quanto ao Direito aplicado. As soluções jurídicas são opostas. 15. Do que se extrai que há oposição de julgados, como pressuposto essencial (material) da previsão do recurso de fixação de jurisprudência, sendo que não se revela que o Supremo Tribunal de Justiça tenha já fixado Jurisprudência sobre a concreta questão-de-direito. III. Em síntese: É extemporânea a interposição do presente recurso para fixação de jurisprudência; Verificam-se, no entanto, os restantes pressupostos formais e materiais da dedução do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, em especial a oposição de julgados, pelo que o mesmo poderia prosseguir (cfr, os arts. 437º/1 e 2 e 441º/1, in fine, do Código de Processo Penal). IV. Em conclusão: Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que: Deve ser rejeitado o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, porque é extemporâneo; Se assim não se entender, deverá prosseguir o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência». 2. Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, respondeu a recorrente, pugnando pela admissibilidade do recurso: «1. O Ministério Público entende que a interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência pela Recorrente é extemporânea e, por essa razão, pede a sua rejeição. 2. Esse pedido de rejeição do Ministério Público fundamenta-se, essencialmente, nas seguintes premissas: (i) o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 9 de novembro de 2022 (o “Acórdão Recorrido”) foi notificado à Recorrente em 14 de novembro de 2022, nos termos do artigo 113.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (“CPP”), aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações (“RGCO”); (ii) o Acórdão Recorrido não era suscetível de recurso ordinário, atento o disposto no artigo 75.º do RGCO; (iii) apenas o Hospital Particular ..., S.A., outro Recorrente nos referidos autos de recurso, deduziu reclamação de arguição de nulidades do Acórdão Recorrido, tendo esta sido indeferida por Acórdão de 8 de fevereiro de 2023; (iv) a Recorrente não deduziu qualquer reclamação do Acórdão Recorrido, pelo que, quanto a si, este teria transitado em julgado em 29 de novembro de 2022 (considerando os três dias úteis para a prática do ato mediante pagamento de multa), nos termos dos artigos 4.º e 105.º, n.º 1, do CPP e 139.º, n.º 5 e 628.º, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 41.º, do RGCO; e, (v) embora o trânsito em julgado tenha ocorrido mais tarde relativamente ao Hospital Particular ..., S.A., para a contagem do prazo de interposição de recurso apenas relevaria a data do trânsito em julgado da decisão relativamente ao sujeito processual que dela recorre, o que significaria que o prazo de interposição do recurso de fixação de jurisprudência pela Recorrente terminaria em 16 de janeiro de 2023 (considerando, também aqui, os três dias úteis para a prática do ato com multa). 3. Face a esta alegação do Ministério Público, importa recuperar a tramitação processual que se seguiu à prolação do Acórdão Recorrido. 4. Cabe começar por dizer que a Recorrente efetivamente interpôs recurso extraordinário de fixação de jurisprudência do Acórdão Recorrido em 6 de janeiro de 2023 – i.e., no decurso do prazo de interposição sustentado pelo Ministério Público no parecer a que ora se responde. 5. Sucede que, após interpor o recurso de fixação de jurisprudência, a Recorrente foi notificada, no dia 13 de fevereiro de 2023, de uma decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 8 de fevereiro de 2023, que julgou improcedente o requerimento de arguição de nulidades do Acórdão Recorrido apresentado pela Hospital Particular ..., S.A. 6. Note-se que foi apenas nesta ocasião que a ora Recorrente tomou conhecimento da arguição de nulidades do Acórdão Recorrido deduzida pelo Hospital Particular ..., S.A., uma vez que a mesma não lhe havia sido notificada. 7. Entretanto, através da consulta do sistema citius, a Recorrente tomou também conhecimento da pronúncia apresentada pela Autoridade da Concorrência, em 23 de fevereiro de 2023, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, por meio da qual esta sustentou que o recurso de fixação de jurisprudência interposto pela Recorrente em 6 de janeiro de 2023 seria extemporâneo, visto que o trânsito em julgado do Acórdão Recorrido apenas deveria ocorrer, no entender da Autoridade da Concorrência, após a referida decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 8 fevereiro 2023, que julgou improcedentes as nulidades arguidas pelo Hospital Particular ..., S.A. 8. Face a este entendimento veiculado pela Autoridade da Concorrência, a Recorrente, por dever de ofício e para evitar qualquer dúvida, interpôs novamente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, no dia 13 de março de 2023, com o mesmo conteúdo e fundamentação do recurso anterior. 9. Tendo apreciado a admissibilidade dos recursos em causa, o Tribunal da Relação de Lisboa, por um lado, admitiu o recurso interposto pela Recorrente em 13 de março de 2023 (o qual corre termos nos presentes autos de recurso) e, por outro lado, julgou intempestivo o recurso interposto pela Recorrente em 6 de janeiro de 2023, por entender que o Acórdão Recorrido apenas transitou em julgado no dia 23 de fevereiro de 2023, uma vez que a nulidade arguida pelo Hospital Particular ..., S.A. poderia, alegadamente, afetar a posição processual da Recorrente. 10. Tendo o recurso interposto pela Recorrente em 13 de março de 2023 sido admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e ordenada a sua subida para o Supremo Tribunal de Justiça – afigurando-se, na perspetiva da Recorrente, estabilizado o entendimento sobre a tempestividade do recurso em causa – a Recorrente havia decidido não apresentar reclamação da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que recusou a admissão do recurso de fixação de jurisprudência de 6 de janeiro de 2023, por forma a não sobrecarregar os Tribunais com iniciativas processuais que, no entender da Recorrente, seriam desnecessárias. 11. Sucede que a Recorrente foi confrontada com o entendimento exposto pelo Ministério Público no Parecer a que se responde, segundo o qual o recurso por si interposto em 13 de março de 2023 seria, alegadamente, intempestivo. 12. A Recorrente decidiu então apresentar, no dia 3 de maio de 2023 e no âmbito do processo n.º 3039/19.9T9LSB-A.L1-D, reclamação para o Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou intempestivo o recurso interposto pela Recorrente em 6 de janeiro de 2023, o que se impunha por cautela e, essencialmente, por dever de patrocínio. 13. Com efeito, os entendimentos em causa – do Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou intempestivo o recurso interposto em 6 de janeiro de 2023, de um lado, e do Ministério Público nos presentes autos, que considera intempestivo o recurso interposto em 13 de março de 2023, de outro lado – são manifestamente incompatíveis. 14. Não sabendo a Recorrente qual será a decisão do Supremo Tribunal de Justiça quanto à admissibilidade do presente recurso, existe a possibilidade – ainda que teórica e sem que nisso se conceda minimamente – do Insigne Tribunal acompanhar a posição do Ministério Público e decidir pela inadmissibilidade do recurso em causa, o que, a suceder, colocaria a Recorrente numa situação processualmente intolerável. 15. É que, caso o Supremo Tribunal de Justiça considerasse o presente recurso inadmissível e, simultaneamente, se consolidasse a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou inadmissível o recurso da Recorrente de 6 de janeiro de 2023 – o que não se concebe –, ambos os recursos interpostos pela Recorrente seriam considerados inadmissíveis, por intempestivos – e isto apesar de terem sido interpostos, justamente, para acautelar qualquer risco de intempestividade. 16. Daí que a Recorrente tenha deduzido reclamação para o Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou inadmissível o recurso de fixação de jurisprudência interposto pela Recorrente a 6 de janeiro de 2023. 17. Ora, independentemente do recurso cuja subida venha efetivamente a ser admitida (o recurso interposto a 6 de janeiro de 2023 ou o interposto a 13 de março 2023), o que para a Recorrente se afigura essencial é que um dos seus recursos venha efetivamente a ser admitido. 18. Seria intolerável que, com base em entendimentos divergentes dos decisores judiciais quanto ao momento em que ocorre o trânsito em julgado, ambos os recursos interpostos pela Recorrente viessem a ser julgados não admissíveis. 19. Por outro lado, tendo a Recorrente interposto dois recursos por forma a acautelar qualquer risco de intempestividade, crê-se que, em obediência ao princípio da economia processual, o presente recurso deverá ser admitido visto que se encontra numa fase processual mais adiantada do que o recurso interposto a 6 de janeiro de 2023 (o qual, como se referiu, se encontra em fase de reclamação da decisão que julgou o recurso inadmissível)». 3. Também a Autoridade da Concorrência respondeu ao parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto, pugnando igualmente pela admissibilidade do recurso: «1. No douto parecer apresentado, o Ministério Público, suscita a questão prévia da intempestividade do recurso de fixação de jurisprudência, porquanto, na sua perspetiva, o Acórdão Recorrido transitou em julgado a 29 de novembro de 2022 relativamente à Recorrente, já que a decisão em causa não era suscetível de recurso ordinário, nem foi alvo de reclamação por parte da desta. 2. Conforme resulta do entendimento já exposto junto do Tribunal da Relação de Lisboa a 23 de fevereiro de 2023, naquilo que foi a resposta da Autoridade aos pressupostos de admissibilidade dos recursos extraordinários de fixação de jurisprudência interpostos pelas recorrentes entre os dias 6 e 10 de janeiro de 2023, não se concede que o trânsito em julgado do Acórdão Recorrido tenha ocorrido antes de 23 de fevereiro de 2023. 3. O Acórdão Recorrido datado 9 de novembro de 2022 foi alvo de reclamação por parte da recorrente HOSPITAL PARTICULAR ..., SA (“HP...”) que, nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, aplicável ex vi art. 83.º da Lei n.º 19/2018, de 8.05 (LdC), veio arguir a sua nulidade por excesso de pronúncia quanto à “questão processual”, e por omissão de pronúncia quanto à “questão de mérito”, pedindo a final que o acórdão fosse declarado nulo ou, subsidiariamente, reformado ao abrigo do disposto nos arts. 615.º a 617.º do CPC, aplicáveis ex vi art. 4.º do CPP, art. 41.º do RGCO e 83.º da LdC. 4. As nulidades arguidas pela HP... foram objecto de decisão, mediante acórdão proferido a 9 de fevereiro de 2023 que julgou improcedente as nulidades arguidas. 5. Pelo que, e em conformidade com o certificado nos autos, o acórdão proferido em 9 de novembro de 2022 só transitou em julgado em 23 de fevereiro de 2023. 6. Muito embora não tenha havido procedência nas arguições da recorrente HP..., não se pode ignorar que, conforme bem explica o despacho do TRL, datado de 12 de abril de 2023, “A procedência desta arguição conduzindo à nulidade do próprio acórdão, seria susceptível de afectar também as posições dos restantes Recorrentes impedindo, por isso, o seu trânsito em julgado mesmo em relação a estes.” 7. Consequentemente, os recursos de fixação de jurisprudência interpostos pelas várias recorrentes entre os dias 6 e 10 de janeiro de 2023, não foram admitidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por se encontrarem fora do prazo previsto no art. 438.º, n.º1 do CPP, sendo considerados extemporâneos por prematuridade. 8. Uma vez que foram interpostos novos recursos de fixação de jurisprudência pelas recorrentes, onde se inclui o recurso da aqui recorrente “Luz Saúde, S.A”, tendo por referência a data fixada pelo Tribunal da Relação de Lisboa para o trânsito em julgado do Acórdão Recorrido, i.e., a data de 23 de fevereiro de 2023, não podem tais recursos ser rejeitados também por extemporaneidade, sob pena da violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva, acesso ao direito e aos tribunais, segurança jurídica e princípio da proteção e da confiança nos tribunais. 9. Motivos pelos quais, não pode a Autoridade corroborar o Parecer do Ministério Público, devendo o recurso prosseguir para fixação de jurisprudência. 10. Desta feita, entende a Autoridade que nada obsta à admissão do recurso interposto pela recorrente, designadamente, por entender estarem verificadas a sua legitimidade, a tempestividade do requerimento de interposição, a indicação de um acórdão-fundamento proferido ao abrigo da mesma legislação que o acórdão recorrido e, por fim, a oposição de julgados quanto à mesma questão de direito». III. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir. Dispõe-se no artº 437º, nº 1 do CPP: “Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente â mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar”. E, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, “é também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário (…)”. Estatui-se, por outro lado, no artº 438º, nº 1 do mesmo diploma legal que “o recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar”. Como esclarecidamente se afirma no Acórdão deste Supremo Tribunal de 12/12/2018, Proc. 5668/11.0TDLSB.E1.C1-A.S1, 3ª sec., “I - O recurso extraordinário de fixação de jurisprudência pressupõe, em face da disciplina consagrada nos arts. 437.º e 438.º do CPP, a verificação de pressupostos, de índole formal e substancial, assunto sobre o qual a jurisprudência do STJ se tem debruçado com frequência. II - Constituem pressupostos, de índole formal: -a interposição no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido); -a identificação do aresto com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição; -indicação, caso se encontre publicado, do lugar de publicação do acórdão fundamento; -o trânsito em julgado dos dois arestos (aresto recorrido e aresto fundamento); - a indicação de apenas um aresto fundamento. Como pressupostos, de índole substancial: - dois acórdãos proferidos no domínio da mesma legislação; - que incidam sobre a mesma questão de direito; - e assentem em soluções opostas”. A primeira questão a decidir prende-se, naturalmente, com a (in)tempestividade deste recurso. O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido) – artº 438º, nº 1 do Cod. Proc. Penal. Tratando-se de um requisito de admissibilidade, há-de estar verificado no momento da interposição do recurso, sob pena de rejeição – neste sentido, cfr., entre outros, os Acs. STJ de 12/1/2000, Proc. 1062/99 - 3.ª Secção, Rel. Cons. Armando Leandro, de 16/10/2003, Proc. 1207/03-5ª, rel. Cons. Pereira Madeira, citado no “Código de Processo Penal, Notas e Comentários”, 2ª ed., 1424, de Vinício Ribeiro e de 4/2/2021, Proc. 3407/16.8JAPRT-A.P1-A.S1.
Com relevo nesta matéria, há que atentar na seguinte factualidade: 1. O acórdão recorrido foi proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 9 de Novembro de 2022 e nesse mesmo dia enviada a respectiva notificação aos diversos intervenientes processuais, considerando-se a ora recorrente notificada em 14/11/2022 (12 e 13/11- Sábado e Domingo). 2. O HOSPITAL PARTICULAR ..., SA, recorrente neste processo (a par da Luz Saúde, SA) veio arguir, em 25/11/2022, nulidades desse acórdão. 3. Em 6 de Janeiro de 2023, a ora recorrente Luz Saúde, SA, veio interpor recurso extraordinário do acórdão proferido em 9/11/2022, para fixação de jurisprudência. 4. Em 8 de Fevereiro de 2023, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão, julgando improcedente o requerimento de arguição de nulidades do HOSPITAL PARTICULAR ..., SA, acórdão esse que foi notificado aos diversos intervenientes processuais no dia seguinte, 9 de Fevereiro de 2023. 5. No dia 13 de Março de 2023, a ora recorrente Luz Saúde, SA, veio interpor o presente recurso para fixação de jurisprudência, ora em apreciação. 6. No dia 11 de Abril de 2023, a Exmº Juíza Desembargadora relatora mandou subir este recurso. 7. Por despacho proferido em 12/4/2023, a Exmª Juíza Desembargadora não admitiu o recurso interposto pela recorrente em 6/1/2023: «Notificada do acórdão proferido em 9.11.2022, a Recorrente HOSPITAL PARTICULAR ..., SA veio arguir a sua nulidade por excesso de pronúncia quanto à “questão processual”, relativamente ao HP..., e por omissão de pronúncia quanto à “questão de mérito”, pedindo a final que o acórdão fosse declarado nulo ou, subsidiariamente, reformado. A procedência desta arguição conduzindo à nulidade do próprio acórdão, seria susceptível de afectar também as posições dos restantes Recorrentes impedindo, por isso, o seu trânsito em julgado mesmo em relação a estes. Pelo que, e em conformidade com o já certificado nos autos, o acórdão proferido em 9.11.2022 só transitou em julgado em 23.02.2023. Tendo o recurso de fixação de jurisprudência interposto pela Recorrente sido apresentado em 9.01.2023, foi-o manifestamente fora do prazo previsto no art. 438.º, n.º1 do CPP, pelo que não se admite». 8. Em 3 de Maio de 2023, Luz Saúde, SA, apresentou reclamação dirigida ao Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho proferido em 12/4/2023, que não admitiu o recurso interposto em 6/1/2023. IV. Decidindo: O acórdão recorrido foi notificado, por via electrónica, à recorrente, no dia 9 de Novembro de 2022. Nos termos do disposto no artº 113º, nº 12, do CPP, tal notificação presume-se feita “no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”. Vale isto por dizer que, no caso, a requerente se considera notificada do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (acórdão recorrido) no dia 14 de Novembro de 2022 (12 e 13/11 – sáb. e dom.). Não sendo admissível recurso ordinário do mesmo (artº 400º, nº 1, al. c) do CPP), o acórdão em causa transitou em julgado no 10º dia posterior à notificação da recorrente (artº 628º do CPC, ex vi do artº 4º do CPP), isto é, no dia 24 de Novembro de 2022 (e não em 29 do mesmo mês e ano, como afirma o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, no seu douto parecer [1]). O recurso extraordinário de fixação de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias contados sobre o trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido), isto é, até ao dia 6 de Janeiro de 2023 (até dia 11/1/2023, com pagamento de multa. Interposto este recurso em 13/3/2023, é o mesmo intempestivo. A recorrente havia interposto um primeiro recurso em 6/1/2023, dentro do prazo legalmente admissível, portanto. Tal recurso não foi admitido por despacho da Exmª Juíza Desembargadora relatora, com os fundamentos que transcritos supra se mostram e que não merecem a nossa adesão. O prazo para interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência por banda da recorrente é contado sobre o trânsito em julgado do acórdão recorrido e este transita no 10º dia posterior à notificação que lhe é feita, caso não seja arguida a nulidade do mesmo (artº 370º do CPP), não seja pedida a sua correcção (artº 380º do CPP) ou não seja interposto recurso para o Tribunal Constitucional (artº 75º da Lei 28/82, de 15/11). Trata-se, como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal de 13/10/2016, Proc. 1728/12.8JAPRT.P2.S1, de “um acto próprio, pessoal, individual, que deve ser praticado por cada interessado no prazo que lhe compete, e tem regras próprias em que impera o princípio da celeridade processual; a lei processual penal não permite que para interpor recurso o recorrente possa aproveitar do prazo de outro arguido que comece a correr mais tarde, terminando o prazo de que dispunha para o efeito, no limite dos limites, com o pagamento da multa no 3º dia posterior ao seu termo”. Trata-se de jurisprudência que temos por pacífica neste Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, como nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, no seu douto parecer, o STJ, no seu Ac. de 8/3/2018, Proc. 41/12.5YUSTR.L1-D.S1 [2], entendeu que “o que releva para o efeito da contagem do prazo de interposição do recurso é a data do trânsito da decisão relativamente ao sujeito processual que recorre. O trânsito em julgado frequentemente não ocorre ao mesmo tempo relativamente a todos os destinatários da decisão, podendo em certos casos mediarem vários anos entre o trânsito da decisão quanto a uns e o trânsito quanto a outros. É, por exemplo, o que pode acontecer no caso de serem julgados simultaneamente vários arguidos, estando uns presentes na audiência e sendo os outros julgados na sua ausência, nos termos dos nºs 2 e 3 do artº 333º do CPP, situação em que os últimos só são notificados da sentença quando forem detidos ou se apresentarem voluntariamente, contando-se a partir dessa notificação o prazo para interposição de recurso, como estabelece o nº 5 do mesmo preceito. Impor que só pudesse ser interposto este recurso extraordinário quando a decisão tivesse transitado relativamente a todos os interessados redundaria na inutilização em determinados casos deste importante instrumento de uniformização jurisprudencial, em prejuízo de valores como a certeza e a segurança na aplicação do direito, ou seja, da boa administração da justiça” [3]. Também no Ac. STJ de 12/5/2021, Proc. 4/16.1ZCLSB.L1-A.S1, relatado pelo aqui também relator e com intervenção da aqui 1ª adjunta, onde estava igualmente em causa uma arguição de nulidades por banda de um co-arguido, que não o aí recorrente, se decidiu (também em recurso para fixação de jurisprudência) justificar-se, «“salvo o devido respeito por diversa opinião, raciocínio idêntico ao que a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem feito relativamente a recurso interposto por co-arguido. Por outras palavras: em caso de comparticipação criminosa, havendo recurso da decisão condenatória por banda de um arguido, mas não por parte de outro, o STJ tem entendido que a decisão transita em julgado em relação ao não recorrente, embora esse caso julgado esteja sujeito a uma condição resolutiva, podendo o não recorrente beneficiar da decisão do recurso interposto por aquele. Neste sentido e entre outros, decidiu-se no Ac. STJ de 7/2/2007, Proc. 07P463: “Embora tendo-se presente o facto de o recurso interposto de uma sentença abranger toda a decisão, de, em caso de comparticipação, o recurso de um arguido aproveitar aos restantes (art. 402.º, n.º 2, al. a), do CPP), e de a limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudicar o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida (art. 403, n.º 3, do CPP), perfilha-se o entendimento de que neste último preceito se estabelece uma verdadeira condição resolutiva do caso julgado parcial, que não prejudica a sua formação desde o trânsito da decisão. Portanto, desde que o interessado dela não recorra, a sentença adquire a força de caso julgado parcial (em relação a ele), sem prejuízo de se vir a verificar uma condição resolutiva por procedência de recurso interposto por comparticipante e, ainda aí, sem violação da proibição da reformatio in pejus (cf. art. 409.º do CPP)”. Ou no Ac. STJ de 13/2/2016, Proc. 319/11.5JDLSB-D.S: “Em situações de comparticipação criminosa, havendo recurso de algum ou de alguns dos arguidos da decisão condenatória, mas não recurso de outro ou de outros arguidos, o STJ tem entendido que a decisão transita em julgado em relação aos não recorrentes, embora esse caso julgado esteja sujeito a uma condição resolutiva, que se traduz em estender aos não recorrentes a reforma in mellior do decidido”. Ou, ainda e por fim, no Ac. STJ de 7/7/2005, Proc. 05P2546: “Desde que o interessado não recorra da sentença, esta adquire a força de caso julgado parcial (em relação a ele), sem prejuízo de se vir a verificar uma condição resolutiva por procedência de recurso interposto por comparticipante e, ainda aí, sem violação da proibição de reformatio in pejus (cfr. art.º 409.º do CPP)” [4]». É esse o entendimento que continuamos a perfilhar. E porque assim é, a ora recorrente Luz Saúde, SA, podia ter interposto recurso do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 9/11/2022, até ao dia 6/1/2023 (11/1/2023, com multa). Assim não entendeu a Exmª Juíza Desembargadora titular dos autos, no Tribunal da Relação de Lisboa. À recorrente restava, pois, reclamar do despacho de não admissão (artº 405º, nº 1 do CPP), o que aliás fez, não se conhecendo, por ora, decisão sobre tal reclamação. O que não é possível é corrigir um erro com outro erro, considerando tempestivo um recurso que o não é, apenas porque o interposto em devido tempo não foi admitido, devendo tê-lo sido. A situação criada não se traduziu, necessariamente, num impasse: à recorrente restava sempre a possibilidade de reclamar do despacho de não admissão do recurso interposto em 6/1/2023 (como, aliás, o fez). Certo é que o presente recurso, interposto em 13 de Março de 2023, é manifestamente extemporâneo e, como tal, não pode ser admitido. De outro lado, a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior – artº 414º, nº 3 do CPP. Impõe-se, pois, a sua rejeição, por inadmissibilidade legal, atenta a respectiva extemporaneidade – artº 441º, nº 1, do Cod. Proc. Penal. Consigna-se que não se procedeu à rejeição do recurso por decisão sumária, a fim de evitar maiores demoras processuais, decorrentes de eventual reclamação para a conferência. V. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes Conselheiros desta 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de justiça em rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto por Luz Saúde, SA, por inadmissibilidade, em virtude de ter sido interposto fora do prazo legalmente previsto, condenando-a no pagamento das respectivas custas e fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s. Lisboa, 31 de Maio de 2023 (processado e revisto pelo relator) Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator) Ana Brito (Juíza Conselheira adjunta) Maria do Carmo S. Dias (Juíza Conselheira adjunta) ____ [1] Como bem se refere no Ac. STJ de 13/4/2016, Proc. 651/11.8GASLH-B.S1, apud, Ac. STJ de 30/10/2019, Proc. 324/14.0TELSB-N.L1-D.S1, acessível em www.dgsi.pt., “As decisões judiciais consideram-se transitadas em julgado logo que não sejam susceptíveis de recurso ordinário, sendo que no caso de decisões inimpugnáveis o trânsito se verifica findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de reforma (correcção) ou de aclaração, ou seja, o prazo-regra fixado no n.º 1 do art. 105.º do CPP, qual seja o de 10 dias. Ao prazo de 10 dias previsto no n.º 1 do art. 105.º do CPP, não pode adicionar-se o prazo de 3 dias úteis constante dos arts. 139.º, do CPC e 107.º-A, do CPP, prazo este de natureza distinta que, como a própria lei adjectiva estatui no art. 139.º, n.º 5, do CPC, se situa para além do termo do prazo da prática do acto (“pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo”). |