Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
631/03.7TTGDM-A.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: FAT
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
CASO JULGADO
Data do Acordão: 12/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO O AGRAVO
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, p.720 e seguintes.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 497.º, 498.º, 668.º, 669.º, 671.º, N.º1, 673.º, 677.º.
CÓDIGO DO TRABALHO, APROVADO PELA LEI 99/2003 DE 27 DE AGOSTO: - ARTIGOS 281.º A 312.º.
D.L. N.º 142/99, DE 30 DE ABRIL: - ARTIGOS 1.º, 15.º, N.º2,
DL N.º 195/2007, DE 10 DE MAIO: - ARTIGOS 4.º, 5.º, N.º1.
LEI N.º 100/97, DE 13 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 18.º, N.º 1, AL. A), 20.º, 37.º, N.º2, 39.º, N.º1.
PORTARIA N.º 642/83, DE 1 DE JUNHO: - ARTIGO 6º DO ANEXO.
PORTARIA Nº 291/2000, DE 25 DE MAIO: - ARTIGOS 1.º, 3.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 24.01.2007, PROCESSO N.º06S2711, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;
-DE 10/9/2008 E 10/12/2008, RESPECTIVAMENTE PROCESSOS N.ºS 6/2008 E 3084/2008, E DE 9/9/2009, PROCESSO N.º 09S0159.
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ACÓRDÃOS DOS TRIBUNAIS DA RELAÇÃO:
- RE DE 14.12.2004 (CJ, TOMO V, PÁG. 270), DE 04.10.2005 (CJ, TOMO IV, PÁG. 287) E DE 6/10/2009, APELAÇÃO Nº 920/07.1TTSB. E AINDA O ACÓRDÃO DA RL, 15 DE MARÇO DE 2006, APELAÇÃO Nº 146/2006-4, BEM COMO O ACÓRDÃO DA RC DE 20/04/2006,DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT, PARA ALÉM DO ACÓRDÃO-FUNDAMENTO.
Sumário :
I - Ao abrigo da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, as pensões dos beneficiários, em caso de morte do sinistrado num acidente de trabalho resultante de uma actuação culposa do empregador, correspondem à retribuição anual da vítima, distribuída por cada um deles nos termos estabelecidos no artigo 20.º, da citada lei.

II - Enquanto houver beneficiário(s) com direito a pensão ocorrerá a reversão das percentagens do(s) beneficiário(s) que vai(ão) perdendo a pensão a favor daquele(s), pelo que terá a entidade responsável que lhe(s) continuar a pagar a totalidade do salário da vítima.

III - Não tendo o FAT tido qualquer intervenção na acção de acidente de trabalho na qual foram definidos os direitos das beneficiárias em consequência de acidente de trabalho mortal do sinistrado, não está aquele fundo abrangido pelo caso julgado que se formou quanto aos valores das pensões que lhes foram reconhecidas, porquanto este formou-se apenas entre as partes que nessa acção intervieram.

IV - Da evolução legislativa atinente à responsabilidade do FAT resulta inequivocamente que nem sempre esta terá que coincidir com os direitos que tenham sido atribuídos aos sinistrados ou aos seus beneficiários, mesmo que cobertos pelo caso julgado, pelo que a posição do FAT, quando chamado a intervir para garantia dos direitos dos sinistrados ou seus beneficiários, pode não ser a mesma da entidade responsável.
Decisão Texto Integral:

  Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

Processo nº 631/03.7TTGDM-A.P1.S1

Agravo

GR/LD/ML

Agravante: Fundo de Acidentes de Trabalho.

Agravadas: AA e

 BB.

 

1---

No âmbito dos presentes autos de execução de sentença, que correm por apenso aos autos emergentes de acidente de trabalho, em que foram autoras

AA e BB

e Ré

CC, Ldª, foi proferido, em 21/05/2012, o seguinte despacho:

“Os presentes autos prosseguem contra a executada Seguradora, na parte em que esta foi condenada subsidiariamente.

Assim, notifique o Sr. Agente de Execução deste despacho e dos despachos oportunamente já proferidos nestes autos referentes ao disposto no Art. 828º, nºs 5 e 6 do C.P.C. a fim de diligenciar em conformidade.


*

Por sentença de 3/10/200, confirmada por Acórdão da Relação do Porto, já transitado em julgado, foi a R, entidade patronal, condenada, como responsável principal, a pagar à A, AA, na qualidade de viúva do sinistrado a pensão anual e vitalícia, actualizável, de € 7.079,94, acrescida dos subsídios de férias e de Natal de 1/14 cada pensão anual, acrescidas as vencidas de juros de mora, à taxa legal, € 2.139,60 a título de subsídio por morte e € 50 por despesas de transporte.

Foi ainda a R. entidade patronal condenada a pagar à A. AA, em representação da sua filha BB, a pensão anual e actualizável, de € 7.079,94, até esta perfazer 18, 22 ou 25 anos de idade, enquanto frequentar, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, acrescida dos subsídios de férias e de Natal de 1/14 cada pensão anual, acrescidas as vencidas de juros de mora, à taxa legal, € 2.139,60 a título de subsídio por morte.


*

Instaurada execução contra a mencionada responsável, a Entidade Patronal, na parte em que foi condenada, não foi possível obter o cumprimento coercivo das suas obrigações, dada a ausência de bens suficientes, havendo inclusive declaração de insolvência da R. Entidade Patronal, com decisão já transitada em julgado.

Resta o pagamento pelo Fundo de Acidentes de Trabalho na parte em que inexiste condenação subsidiária da R. Seguradora.


*

O Exmo. Procurador da República nada opôs à intervenção do FAT no sentido de este efectuar os pagamentos da responsabilidade da ré patronal (cfr. Ref. 843237).

Atento o factualismo exposto, resta o pagamento pelo FAT (art.º n.º 1 e 2, da Lei n.º 100/97, de 13/9 e 1º, n.º 1, al. a) do DL n.º 142/99, de 30/4).

Oficie ao Fundo de Acidentes de Trabalho no sentido de este pagar às exequentes as pensões em causa.

Junte cópia da sentença e douto Acórdão da Relação do Porto proferidos nos autos principais, com nota de trânsito em julgado, deste despacho e de fls. 1 a 11, e 14 e ss destes autos de execução.”



Notificado deste despacho, veio o Fundo de Acidentes de Trabalho apresentar o seguinte requerimento:

«O Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), notificado do despacho de 21/05/2012, bem como da sentença de 03/10/2007 e do Acórdão proferido pelo Tribunal do Trabalho do Porto em l8/06/2008, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:



De acordo com a referida sentença de 03/10/2007, confirmada por Acórdão proferido pelo Tribunal do Trabalho do Porto de 18/06/2008, a entidade patronal foi condenada, a título principal, a pagar às beneficiárias as seguintes quantias:
a) Pensão anual e vitalícia, no montante de 7.079,94 euros a partir de 05/08/2003 para a viúva;

b) Pensão anual e temporária no montante de 7.079,94 euros a partir de 05/08/2003 para a filha;

c) Subsídio por morte no valor de 4.279,20 euros, sendo 2.139,60 euros para a viúva e 2.139,60 euros para as filhas (a dividir em partes iguais);

d) Despesas de transportes no montante de 50,00 euros;

e) Juros de mora.



A Seguradora foi condenada, subsidiariamente, no pagamento das seguintes quantias:
a) Pensão anual e vitalícia, no montante de 2.123,98 euros a partir de 05/08/2003, para a viúva, correspondente a 30% da retribuição do sinistrado. A partir da idade de reforma passará para o montante de 2.831,97 euros, correspondente a 40% da retribuição;

b) Pensão anual e temporária, no montante de 1.415,98 euros a partir de 05/08/2003, para a filha;

c) Subsídio por morte no valor de 4.279,20 euros, sendo 2.139,60 euros para cada uma das beneficiárias;

d) Despesas de transportes, no montante de 50,00 euros;

e) Juros de mora.



Sucede que o cálculo das pensões devidas às beneficiárias enferma de erro, pelos seguintes motivos:


Verifica-se que foi atribuída a cada uma das beneficiárias uma pensão no valor de 7.079,94 euros, valor esse correspondente à retribuição total anual do sinistrado (505,71 euros x 14).


Tal agravamento decorre da aplicação do disposto no artigo 18º da Lei 100/97, de 13 de Setembro.


Contudo, o cálculo de tais pensões não foi correctamente efectuado, uma vez que o montante fixado na sentença para cada uma das pensões corresponde à totalidade da retribuição anual auferida pelo sinistrado.


Ora, o máximo das pensões a pagar pela entidade patronal não pode ultrapassar a retribuição anual do sinistrado, isto porque este último apenas contribuía para o seu agregado familiar com um único vencimento, sendo este o montante do prejuízo real das beneficiárias.


A considerar-se o cálculo das pensões conforme fixado na sentença de 03/10/2007, os beneficiários de um sinistrado de morte ficariam, no caso de violação das regras de segurança por parte da entidade patronal, numa situação patrimonial superior àquela que tinham antes da ocorrência do acidente.

                                                                                              

                                                                                                         9º

                        A intenção do legislador é a reintegração da situação anterior ao acidente, princípio este que não foi cumprido na sentença em causa.


10º

Veja-se a propósito do cálculo de pensões agravadas o douto acórdão proferido, a 20/04/2006, pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra e disponível em www.dgsi.pt_ “ ... a partir do princípio básico fixado no art. 18º de que no caso de acidente mortal causado por falta de observância das regras sobre segurança as prestações serão iguais à retribuição e fazer o cálculo das pensões em face do critério de percentagem fixado no art. 20º. Nesta circunstância, os montantes de 30% e 20% da retribuição, previstos nas aIs. a) e c) do nº 1 do art. 20º, serão de considerar em dobro, 60% e 40% respectivamente, para dar o valor integral da retribuição previsto no art. 18º nº 1 aI. a).

Aliás, que a norma do art. 20º não é a única a tomar em consideração, para efeitos de fixação dos montantes das pensões, resulta desde logo do art. 21º, onde se estabelecem regras de acumulação e rateio das pensões por morte em determinadas circunstâncias."


11º

Considerando que a entidade patronal se encontra insolvente, deverá caber ao FAT o pagamento às beneficiárias das prestações da responsabilidade daquela, na parte em que inexiste condenação subsidiária da seguradora.

12º

No entanto, o cálculo de tais prestações (no caso as pensões anuais) deve obedecer aos princípios acima expostos, os quais delimitam, também a responsabilidade do FAT.

13º

Nestes termos vem o FAT opor-se ao pagamento das pensões devidas às beneficiárias, tal como se encontram calculadas na sentença, uma vez que as mesmas excedem o montante da remuneração anual auferida pelo sinistrado.

14º

Assim, deverá ser rectificado o cálculo das pensões devidas às beneficiárias da responsabilidade da entidade patronal, de modo a que, no total, tais pensões não excedam o montante da remuneração anual auferida pelo sinistrado, no valor de 7 079,94€.

15º

Da documentação remetida por esse Tribunal, verificou o FAT que foi interposto recurso da sentença datada de 03/10/2007, por parte da entidade patronal, quanto à matéria de facto e quanto à inexistência de violação das regras de segurança.

16º

Por Acórdão de 18/06/2008, o Tribunal da Relação do Porto, foi negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

17º

Sucede que o FAT apenas foi notificado em 06/06/2012 de todo o processado nos presentes autos.

18º

O FAT não tendo sido parte neste processo, não foi, nem tinha se ser, notificado do mesmo.

19º

O facto é que, apesar de a sentença de 03/10/2007 ter transitado para as partes intervenientes no processo, a mesma não transitou em relação ao FAT já que este não é parte no processo.

20º

O FAT é, pois, terceiro relativamente à sentença em causa, pelo que a mesma não faz, quanto a si, caso julgado. Neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/04/2007 (Rec. N.º 63/04.0TTAVR.C1).

21º

Sendo terceiro, mas tendo sido afectado pela decisão proferida por esse Tribunal, terá o FAT legitimidade de reagir (no caso opor-se) à mesma, em cumprimento do direito fundamental de defesa.

22º

No caso concreto, o direito de defesa do FAT consiste no pedido de rectificação do erro material de cálculo das pensões atribuídas às beneficiárias, cuja responsabilidade pelo pagamento deverá transitar para o FAT, relativamente à parte em que inexiste condenação subsidiária da seguradora.

23º

Nesta conformidade, afigura-se legítimo ao FAT opor-se à decisão proferida por esse Tribunal, devendo proceder o pedido de rectificação do cálculo das pensões devidas às beneficiárias do sinistrado, nos termos do disposto no artigo 667º, nº 1, do CPC.”

Após oposição das exequentes a esta pretensão, proferiu o Tribunal de 1ª instância o seguinte despacho:

“A questão levantada pelo F.A.T. a Fls. 57 e ss contende com o trânsito em julgado da decisão que decidiu a questão que ora o F.A.T. pretende ver rectificada.

Ainda que assistisse razão ao F.A.T. quanto a uma eventual rectificação de valores calculados, o certo é que a decisão que pretende ver rectificada mostra-se transitada, tendo essa decisão sido conformada por Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto.

Assim, concordando na íntegra com a douta promoção que antecede, afectando o trânsito em julgado todos os sujeitos processuais, está este Tribunal inibido de apreciar a questão, resultando prejudicada a questão ora suscitada pelo F.A.T., indeferindo-se pois o por si requerido.

Notifique”.

 Inconformado com o mesmo, dele agravou o FAT, mas o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao agravo, confirmando o despacho recorrido.

Ainda irresignado, traz-nos o FAT o presente agravo, invocando que o acórdão recorrido está em contradição com o proferido em 19/4/2007, pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo nº 63/04.0TTAVR.C1, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:

“1- Atenta a situação de insolvência da entidade patronal, foi determinado, por despacho de 21-05-2012, o pagamento pelo FAT das pensões devidas às beneficiárias fixadas na sentença de 03-10-2007, na parte em que inexiste condenação subsidiária da seguradora.

2- Tal despacho foi notificado ao FAT a 06-06-2012, assim como todo o processado nos autos de acidente de trabalho.

3- Verificou, no entanto, o FAT que o valor das pensões atribuídas às beneficiárias constante da sentença de 03-10-2007, não se encontra correcto, face ao disposto no artigo 18º da Lei 100/97, de 13 de Setembro, na medida em que foi atribuída a cada uma das beneficiárias uma pensão correspondente à retribuição total anual do sinistrado.

4- Tendo em conta que o valor das pensões fixadas não se mostra correcto face aos dispositivos legais aplicáveis, também a medida da responsabilidade do FAT, determinada por despacho de 21-05-2012, não se encontra em consonância com a lei.

5- Nesta conformidade, o FAT requereu ao Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira, por requerimento de 15-06-2012, a rectificação do valor das pensões devidas (pelo FAT) às beneficiárias do sinistrado.

6- Mais alegou o FAT, o qual, diga-se, não foi parte neste processo, que as decisões proferidas nos autos principais ainda não tinham transitado em julgado em relação a este Fundo, porquanto as mesmas apenas foram notificadas em 06-06-2012.

7- Face ao indeferimento da pretensão do FAT por parte do Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira, por despacho de 25-09-2012, o FAT recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, tendo invocado a já referida incorrecção do valor das pensões fixadas às beneficiárias.

8- Mais alegou o facto de as decisões proferidas pelo Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira ainda não terem transitado para o FAT, sendo legítimo a este último requerer a rectificação do despacho proferido em 21-05-2012, o qual quantifica as prestações cujo montante coloca a cargo do FAT e que correspondem às que foram fixadas na sentença de 03-10-2007.

9- Entendeu o Tribunal da Relação do Porto negar provimento ao recurso do FAT.

10 - De acordo com aquele Tribunal da Relação, não tendo o FAT sido parte no processo de acidente de trabalho não pode, agora, exercer direitos processuais como se fosse parte, dada a imposição do pagamento das prestações em causa.

11 - Por outro lado, ao FAT apenas é legítimo discutir se o despacho que determinou que efectuasse os pagamentos da responsabilidade da Ré patronal, na parte em que inexistia condenação subsidiária da Ré da seguradora, observou ou não o âmbito legal das prestações devidas e da sua consonância com a sentença.

12- Sucede que, a obrigação a cargo do FAT é subsidiária em relação à obrigação do responsável original pelo pagamento das prestações em dívida (no caso a entidade patronal). Trata-se de uma obrigação que nasce com a prolação de despacho nesse sentido, daí que tenha um conteúdo diferente da obrigação do originário responsável.

13- Sendo o FAT terceiro relativamente à sentença proferida nos autos principais e não fazendo esta, quanto a si, caso julgado, não poderá a mesma ser-lhe oponível e não podendo ser prejudicado pelo caso julgado de uma decisão proferida numa acção em que não participou nem foi chamado a intervir.

14 - Este é, pois, o sentido da decisão do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-04-2007, proferido no processo n.º 63/04.0TTAVR.C1, o qual se encontra em oposição em relação ao Acórdão de que ora recorre

15- O ora Recorrente FAT sempre suscitou a questão relativa ao âmbito legal das prestações devidas às beneficiárias, primeiramente junto do Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira e, posteriormente, em sede de recurso, perante o Tribunal da Relação do Porto.

16- O FAT desde logo alegou que o erro existente no cálculo das prestações devidas às beneficiárias (erro admitido até agora, em todas as instâncias), influencia a medida da responsabilidade deste Fundo expressa no despacho de 21-05-2012 (proferido no Apenso A).

17-O FAT nunca se escusou em assumir a sua responsabilidade pelo pagamento das prestações devidas às beneficiárias que seriam da responsabilidade da entidade patronal, contrariamente, aliás, ao invocado pela Ilustre Mandatária das beneficiárias em sede de alegações.

18- O que este Fundo requereu foi que a medida da sua responsabilidade obedecesse ao legalmente estabelecido para as situações de agravamento de pensões, em caso de violação das regras de segurança no trabalho (cfr. artigo, 18º Lei 100/97).

19- O despacho de 21-05-2012 ao determinar o pagamento pelo FAT das pensões devidas às beneficiárias, na parte em que inexiste condenação subsidiária da seguradora, está em desobediência com os princípios legais impostos.

20- Isto porque, tais pensões, fixadas na sentença de 03-10-2007, confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-06-2008, não se encontram correctamente calculadas.

21- Trata-se, por isso, de uma questão de interpretação das normas constantes nos artigos 18º e 20º da Lei n.º 100/97 e não de um mero lapso manifesto de escrita do valor das pensões fixadas.

22- Contrariamente ao invocado no Acórdão de que ora se recorre, a questão suscitada pelo FAT está estritamente relacionada com a sua obrigação de pagamento, que é a que decorre do despacho de 21-05-2012.

23- Tal como já decidido no âmbito de um situação semelhante pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 19-04-2007, cujo Acórdão se encontra em oposição em relação ao Acórdão de que ora recorre, afigura-se legítimo ao FAT questionar a medida da sua obrigação de pagamento constante do despacho de 21-05-‑2012.

24- Atendendo a que essa obrigação não se encontra em consonância com os princípios legais impostos, deve ser rectificado o supra referido despacho, determinando-se a alteração do valor das pensões devidas às beneficiárias do sinistrado, a cargo do FAT.

25- Nestes termos, afigura-se legítimo ao FAT requerer questionar medida da sua obrigação de pagamento constante do despacho de 21-05-2012, já que a mesma não se encontra em consonância com os princípios legais impostos.”

Pede-se assim que se revogue o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que defira a sua pretensão e que fixe a sua obrigação na diferença entre as pensões a cargo da seguradora e a retribuição anual auferida pela vítima.

As agravadas não alegaram.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal e recebido o agravo, emitiu o Ex.mº Procurador Geral Adjunto parecer no sentido da improcedência do recurso, argumentando que o agravante não pode agora vir questionar o montante das pensões que foram fixadas às beneficiárias, atento o caso julgado que se formou sobre o seu valor anual.

E tendo sido proferido despacho pelo relator originário a declarar-se impedido de intervir no julgamento do recurso, por ter sido o relator do acórdão-fundamento invocado pela agravante, e não tendo as partes reagido a tal despacho, procedeu-se a nova distribuição nos termos do artigo 227º do CPC, aplicável por força do nº 4 do artigo 123º do mesmo diploma.

Corridos os vistos legais, cumpre portanto decidir  

2----

            Para julgamento do recurso, temos de atender à seguinte factualidade:
 
a) No processo nº 631/03.7TTGDM, a que os presentes autos se encontram apensos, por sentença proferida em 03/10/2007, confirmada por Acórdão desta Relação proferido em 18/06/2008, transitado em julgado, decidiu-se que o acidente ocorrido no dia 04/08/2003, do qual resultou a morte do sinistrado DD, ocorreu em virtude da entidade empregadora, CC, Lda, não ter observado as regras de segurança a que estava obrigada, e em consequência, foi condenada no pagamento das seguintes quantias às beneficiárias:
- Pensão anual e vitalícia no montante de 7.079,94 euros, a partir de 05/08/2003, para a beneficiária viúva;
- Pensão anual e temporária no montante de 7.079,94 euros, a partir de 05/08/2003, para a beneficiária filha;
- Subsídio por morte no valor de 4.279,20 euros, sendo 2.139,60 euros para cada uma das beneficiárias;
- Despesas de transportes no montante de 50 euros;
- Juros de mora.

b) Por seu turno, a Companhia de Seguros EE, S.A. foi condenada, subsidiariamente, no pagamento das seguintes quantias:
- Pensão anual e vitalícia no montante de 2.123,98 euros, a partir de 05/08/2003, para a beneficiária viúva, correspondente a 30% da retribuição do sinistrado. A partir da idade da reforma passaria para 2.831,97 euros, correspondente a 40% da retribuição;           - Pensão anual e temporária no montante de 1.415,98 euros, a partir de 05/08/2003, para a beneficiária filha;
- Subsídio por morte no valor de 4.279,20 euros, sendo 2.139,60 euros para cada uma das beneficiárias;
- Despesas de transportes no montante de 50 euros;
- Juros de mora.

c) Por sentença transitada em julgado em 11/10/2011, proferida no 1.º Juízo Cível de Santa Maria da Feira – Proc. nº 3840/11.1 TBVFR- foi declarada a insolvência da CC, Lda.

3----

              A questão que nos é trazida pelo agravante consiste em determinar se o FAT deverá ser responsabilizado pelo diferencial entre o que é pago pela seguradora e os montantes das pensões que foram reconhecidas às agravadas, ou se deverá pagar apenas um diferencial entre o que é pago pela seguradora e o valor anual da retribuição do sinistrado.

Efectivamente, tendo o sinistrado DD, marido e pai das beneficiárias AA e BB, sido vítima dum acidente de trabalho mortal, ocorrido no dia 04/08/2003, e que resultou da violação das regras de segurança pela entidade empregadora, CC, Lda, foi esta condenada no pagamento das seguintes quantias àquelas beneficiárias:

Pensão anual e vitalícia no montante de 7.079,94 euros, a partir de 05/08/2003, para a beneficiária viúva;

Pensão anual e temporária no montante de 7.079,94 euros, a partir de 05/08/2003, para a beneficiária filha.

Por seu turno, a seguradora EE foi condenada no pagamento das pensões normais devidas pelo acidente de trabalho, embora a título subsidiário.

Sustentando que os valores das pensões a cargo da empregadora foram incorrectamente calculados, pois em caso algum as pensões atribuídas poderiam ultrapassar o rendimento anual do sinistrado, já que este último apenas contribuía com um único vencimento para o agregado familiar, pretende o agravante que a sua responsabilidade seja restringida à diferença entre as pensões pagas pela seguradora e o salário anual do sinistrado, que era o montante máximo da pensão a cargo da empregadora.

Louvando-se no trânsito em julgado da sentença que reconheceu às beneficiárias aqueles valores das suas pensões, e considerando, por outro lado, que a razão de ser do FAT é a de garante do pagamento das pensões agravadas que oneram o empregador, entendeu o acórdão recorrido que o agravante não pode vir suscitar questões relacionadas com a respectiva obrigação, por já estar juridicamente definida e consolidada.

Apesar de não questionar que os direitos das beneficiárias do acidente de trabalho mortal dos autos foram fixados em relação à entidade empregadora por decisão que transitou em julgado, o agravante não se conforma com tal posição do Tribunal “a quo”, escudando-se na orientação que prevaleceu no acórdão da Relação de Coimbra de 19/4/2007, no recurso nº 63/04.0TTAVR.C1, onde se sustentou que quanto aos limites subjectivos do caso julgado, pontifica a sua eficácia relativa, pois a decisão transitada só produz efeitos em relação às partes. E nesta linha, sendo o FAT terceiro em relação à sentença que fixou os valores das pensões das beneficiárias, a mesma não constitui caso julgado quanto a ele, pois como terceiro que era, não teve a oportunidade de defender os seus interesses que podem colidir com os da parte vencedora, seguindo neste ponto o ensinamento de Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pgª 720 e seguintes.

Assumindo a questão que nos ocupa no agravo os contornos referidos, vejamos então como decidir.

3.1---

Tendo o acidente que vitimou o sinistrado ocorrido em 4/8/2003, os direitos dos sinistrados são definidos pelo regime jurídico da Lei 100/97, de 13/9, que na altura vigorava.

Ora, decorria do seu artigo 18º, nº 1, alínea a) que quando o acidente resulta de falta de observância pela entidade empregadora das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações em caso de morte do sinistrado serão iguais à retribuição auferida por este, sendo a seguradora responsável subsidiária pelas prestações normais previstas na lei (artigo 37º, nº 2).

Já a Lei 1942, antecessora da Lei 2127, consagrava no seu artigo 27º que, nestes casos, as indemnizações atingirão a totalidade do salário ou da redução da incapacidade quando o acidente resultasse da falta de observância das regras de segurança pela entidade patronal, respondendo a seguradora, se a houvesse, apenas subsidiariamente pelas indemnizações normais.

Quanto à Lei 2127 de 3/8/1865, e cujo regime passou a regular os acidentes ocorridos a partir de 19/11/71, conforme prescrito no artigo 83º/1 do Decreto nº 360/71 de 21 de Agosto, veio a seguir-se idêntica orientação ao consagrar-se que se o acidente resultar da violação das regras de segurança pela entidade patronal, as pensões serão agravadas até ao montante da retribuição-base, segundo o prudente arbítrio do juiz, sem prejuízo da responsabilidade pelos danos morais, tudo a cargo da entidade patronal, conforme resultava da Base XVII, nºs 2 e 3, ficando a seguradora apenas subsidiariamente responsável pelo pagamento das prestações normais (Base XLIII, nº3).

E quanto ao regime da LAT actual, Lei 98/2009 de 4/9, e que é aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos a partir de 1/1/2010, conforme preceituam os seus artigos 187º/1 e 188º, resulta do nº 1 do artigo 18º que, quando o acidente advier duma actuação culposa do empregador, a responsabilidade deste abrange a totalidade dos prejuízos sofridos pelo trabalhador e seus familiares, sendo, no caso de morte, a pensão repartida pelos beneficiários de acordo com as proporções estabelecidas nos artigos 59º a 61º, conforme impõe o nº 5 do mencionado artigo 18º.

Donde se conclui que nos casos de morte o prejuízo sofrido pelos beneficiários do sinistrado corresponderá à retribuição auferida por este, pelo que este montante será repartido entre eles de acordo com os critérios percentuais estabelecidos nos artigos 59º a 61º da LAT actual.

Embora a lei anterior, que é a aplicável conforme já se disse, não fosse tão explícita como é a actual, pois não continha uma norma de conteúdo idêntico ao referido nº 5, já se entendia também que as pensões dos beneficiários, em caso de morte do sinistrado num acidente de trabalho resultante duma actuação culposa do empregador, correspondiam à retribuição anual da vítima, valor que tinha que ser distribuído pelos beneficiários nos termos estabelecidos no artigo 20º.

Efectivamente, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se neste sentido no seu acórdão de 24.01.2007, proferido no processo 06S2711 (Maria Laura Leonardo), disponível em www.dgsi.pt, onde se decidiu que o montante global das pensões será igual ao da retribuição anual da vítima, sendo repartida pelas beneficiárias de acordo com as regras fixadas naquele artigo 20º da Lei 100/97[1].

Também sufragamos este entendimento.

Efectivamente, as pensões dos beneficiários das vítimas mortais dum acidente de trabalho destinam-se a reintegrar a situação económica do agregado familiar, de cujo salário os seus elementos se viram privados. E assim sendo, o máximo da pensão a pagar não pode ultrapassar a retribuição anual da vítima, pois se o sinistrado fosse vivo apenas contribuiria para o seu agregado familiar com o ordenado auferido.

Por isso, a pensão a pagar pela entidade empregadora será sempre do montante equivalente ao valor anual da retribuição do sinistrado e será repartida pelos beneficiários que houver em cada momento de acordo com as proporções estabelecidas no referido artigo 20º. No entanto, enquanto houver um beneficiário com direito a pensão, terá a entidade responsável que lhe pagar a totalidade do salário da vítima, ocorrendo assim a reversão das percentagens dos beneficiários que vão perdendo a pensão a favor dos restantes, pois não faria sentido que o empregador beneficiasse com a perda da pensão dos beneficiários da vítima que vão perdendo a pensão, dado o carácter sancionatório que o artigo 18º tem para com as entidades patronais que não cumpram as regras de segurança nos locais de trabalho.

E seguindo esta orientação, o montante das pensões das beneficiárias dos autos não deveria ser superior ao da retribuição anual da vítima, sendo repartido de acordo com o seguinte critério, conforme impõe a aludida disposição da Lei 100/97:

Para a viúva: 7.079,94 euros:50 (total das percentagens das beneficiárias)x30:100=  4 247,97 euros.

Para a filha: 7.079,94 euros:50 (total das percentagens das beneficiárias)x20:100 =2831,97.

No entanto, não tendo a decisão que fixou as suas pensões seguido esta orientação, ocorre perguntar se pode o agravante impetrar que a sua responsabilidade seja restringida àqueles valores, em virtude da soma destas pensões não poder ultrapassar a retribuição anual da vítima, dado a decisão que as fixou ter transitado em julgado.

Efectivamente, e conforme estabelece o n.º 1 do artigo 671º do Código de Processo Civil[2], transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497.º e 498.º.

Por outro lado, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos artigos 668.º e 669.º, conforme resulta do artigo 677.º do Código de Processo Civil, constituindo a sentença caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, conforme se colhe do artigo 673º.

No entanto, e apesar da decisão que fixou as pensões das beneficiárias ter transitado em julgado, o acórdão-fundamento deu resposta afirmativa à questão acima colocada, seguindo Antunes Varela[3], segundo o qual a decisão que fixou estas pensões não faz caso julgado em relação ao agravante, argumentando para tanto não ser justo que o decidido numa acção em que ele não interveio lhe seja oponível com força de caso julgado, coarctando-lhe total ou mesmo só parcialmente, o seu direito fundamental de defesa.

Também sufragamos este entendimento, dado que o agravante não teve qualquer participação na acção (apenas interveio nela quando foi notificado para pagar as pensões que deveriam ser satisfeitas pela responsável insolvente). Por isso, e sendo um terceiro nesta acção, não teve a oportunidade de defender os seus interesses, conforme advoga Antunes Varela, acima citado.

Efectivamente, a excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois da primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, conforme resulta do artigo 497º, n.º 1, o que só acontece quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (artigo 498º, n.º 2).

Ora, uma breve alusão à evolução histórica da legislação que define o âmbito da responsabilidade do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões e do FAT, que lhe sucedeu, vem-nos mostrar que a responsabilidade destas entidades pode não coincidir com os valores que definem os direitos dos sinistrados ou dos seus beneficiários, no caso de acidentes de trabalho mortais.

Na verdade, a Lei 2.127, de Agosto de 1965, foi o primeiro diploma a instituir um sistema destinado a impedir que os direitos dos sinistrados que tenham sido judicialmente reconhecidos não se tornem efectivos, principalmente quando não existindo ou não operando a transferência de responsabilidade para uma seguradora, se venha a verificar a insolvência das entidades empregadoras.

Foi para reparar tão grave situação, e na esteira de legislações socialmente mais avançadas, que foi criado um fundo de garantia, designado por “Fundo de Garantia e Actualização de Pensões”, constituído na Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, e que visava assegurar o pagamento das prestações devidas por incapacidade permanente ou morte que sejam da responsabilidade de entidades insolventes, conforme estatuía a Base XLV, nº1 da Lei 2127.

Para tanto, dotava-se tal Fundo de receitas próprias, ficando o mesmo subrogado em todos os direitos das vítimas de acidentes e seus familiares com vista a obter o reembolso do montante das prestações que tenha pago (nº 3).

Esta matéria foi objecto de regulamentação através da Portaria nº 427/77 de 14/8, em cujo nº 1 se consagrou que a Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, na qualidade de gestora do Fundo de Garantia, ficava autorizada a, por ordem do respectivo tribunal, assegurar o pagamento de prestações resultantes de acidentes de trabalho sempre que, em execução judicial da entidade responsável, se verificasse a impossibilidade de pagamento das correspondentes pensões.

Mais tarde, o Fundo de Garantia e Actualização de Pensões foi regulamentado no Anexo à Portaria n.º 642/83, de 1 de Junho, mantendo-se que a sua gestão competia à Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais (artigo 1º) e que esta entidade, na qualidade de gestora desse fundo, ficava também autorizada a assegurar o pagamento de prestações resultantes de acidentes de trabalho, por ordem do respectivo tribunal sempre que, em execução judicial da entidade responsável, se viesse a verificar a impossibilidade de pagamento das correspondentes pensões por insuficiência de meios e enquanto se verificasse essa impossibilidade (artigo 4º). Por outro lado, equiparavam-se à insolvência as situações em que se verificasse ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação das entidades responsáveis pelo acidente de trabalho (artigo 5º).

De qualquer forma, o legislador veio prever expressamente que o Fundo de Garantia nunca responde pelas prestações a que o sinistrado possa ter direito na situação de incapacidade temporária (artigo 6º).

 

Com a revogação da Lei 2.127 e sua substituição pela Lei 100/97, de 13 de Setembro, foi prevista a criação de um novo “Fundo”, que viria a substituir o anterior, e cujas competências foram fixadas no artigo 39.º, n.º 1 deste último diploma, nos seguintes termos:

“A garantia do pagamento das prestações, por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas nos termos da presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, serão assumidas e suportadas por fundo dotado de autonomia administrativa e financeira, a criar por lei, no âmbito dos acidentes de trabalho”.

Nesta decorrência, o artigo 1º, nº 1 do D.L. n.º 142/99, de 30 de Abril[4], criou o Fundo de Acidentes de Trabalho, abreviadamente designado por F.A.T., que funcionando junto do Instituto de Seguros de Portugal, garantia o pagamento das prestações que fossem devidas por acidentes de trabalho, sempre que não pudessem ser pagas pela entidade responsável, seja por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, seja por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade da sua identificação - alínea a).       

Por outro lado, o nº 2 do artigo 15º daquele Decreto-Lei procedeu à extinção do anterior Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, cujas responsabilidades e saldos passaram para o novo organismo, em condições que vieram a ser definidas na Portaria nº 291/2000, de 25 de Maio.

Assim, o artigo 1º desta Portaria considerou extinto o Fundo de Garantia e Actualização de Pensões com efeitos a partir de 15 de Junho de 2000, cujas responsabilidades correspondentes aos acidentes de trabalho ocorridos até 31 de Dezembro de 1999 transitaram para o FAT, ficando, no entanto, limitadas às obrigações legais e regulamentares do anterior Fundo (artigo 3º).

É assim patente a falta de coincidência de responsabilidades entre os dois organismos, pois a do FAT, enquanto sucessor do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, ficava circunscrita às competências que estavam cometidas ao organismo extinto e por isso, abrangia o pagamento das prestações devidas pelos acidentes laborais ocorridos até 31 de Dezembro de 1999, excluindo-se do seu pagamento as prestações a que o sinistrado tivesse direito na situação de incapacidade temporária, conforme advinha do artigo 6º do Anexo à Portaria n.º 642/83, de 1 de Junho.

E só aos acidentes ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2000, por força do disposto no artigo 16º do D.L. n.º 142/99, na redacção conferida pelo D.L. n.º 382-A/99, de 22/9), se aplicava o novo esquema de garantia de pagamento das prestações em caso de insolvência das entidades responsáveis e que, por força do artigo 39.º, n.º 1 da Lei 100/97, abrangia as prestações por incapacidade permanente ou morte e as indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas nesta LAT.

Esta situação veio a ser alterada pelo DL n.º 195/2007, de 10 de Maio, que dando nova redacção a alguns preceitos do DL n.º 142/99 de 30 de Abril, procedeu a ajustamentos no regime jurídico do FAT e do seu âmbito de intervenção, vindo limitar as suas responsabilidades às previstas no artigo 296º do CTrabalho de 2003, delas excluindo o pagamento das indemnizações por danos não patrimoniais devidos pela entidade empregadora, conforme preceituado no nº 4 do artigo 1º, bem como o pagamento da parte correspondente ao agravamento das pensões resultante da actuação culposa por parte da entidade empregadora (nº 5).

Por outro lado, a responsabilidade do FAT também não abrange o pagamento dos juros de mora das prestações pecuniárias em atraso e que sejam devidos pela entidade empregadora, conforme estatui o nº 6 deste artigo1º, na versão que lhe foi conferida pelo referido DL nº. 195/2007.

Por último, importa mencionar que, por força do artigo 4º deste diploma, as remissões efectuadas para os artigos do Código do Trabalho de 2003, aprovada pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto, consideram-se feitas para as disposições correspondentes da Lei 100/97, enquanto não entrar em vigor a legislação especial para que remetem os artigos 281º a 312º daquele Código, tendo este novo regime legal entrado em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (artigo 5º, nº 1).

Resulta do exposto e em síntese, que podemos distinguir três períodos distintos quanto à satisfação dos direitos dos sinistrados da responsabilidade de entidades insolventes:

Os acidentes de trabalho ocorridos até 31/12/99, e que sendo da responsabilidade do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, a mesma transitou para o FAT a partir de 15 de Junho de 2000, pelo que continuou este organismo a garantir o pagamento das prestações devidas por acidentes de trabalho, exceptuando as prestações a que o sinistrado tivesse direito na situação de incapacidade temporária, e cujo satisfação não estava garantida, conforme preceituado no artigo 6º do Anexo à Portaria n.º 642/83, de 1 de Junho.

Os acidentes de trabalho ocorridos entre 1 de Janeiro de 2000 e 11 de Maio de 2007, em que o FAT garante o pagamento das prestações que sejam devidas por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas na Lei 100/97 e que não possam ser satisfeitas pela entidade responsável (artigo 39º desta Lei).

E os acidentes ocorridos a partir de 11 de Maio de 2007, em que se exclui da responsabilidade do FAT o pagamento das indemnizações por danos não patrimoniais devidos pela entidade empregadora, bem como o pagamento da parte correspondente ao agravamento das pensões quando o acidente resulte da sua actuação culposa, e juros de mora das prestações pecuniárias em atraso que sejam devidos pela entidade empregadora, conforme estatuído nos números 4, 5 e 6 do artigo1º do DL nº 142/99 de 30 de Abril, na versão que lhe foi conferida pelo referido DL nº. 195/2007.

Efectivamente, o regime deste diploma só vigora para futuro, conforme jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal[5], pelo que o mesmo só será aplicável aos acidentes ocorridos a partir de 11 de Maio de 2007, conforme já referido.

Assim sendo, quando estão em causa pensões agravadas resultantes de acidentes ocorridos após esta data, o FAT não ficará obrigado a pagar o respectivo agravamento, ainda que tenha havido trânsito em julgado das decisões que as atribuam aos sinistrados ou aos seus beneficiários, no caso de acidentes mortais.

E o mesmo se diga quando se lhe tenha atribuído uma indemnização por danos não patrimoniais, que o FAT nunca pagará quando se tratar de acidentes ocorridos a partir de 11 de Maio de 2007.

Donde termos de concluir que não tendo o FAT tido qualquer intervenção na acção de acidente de trabalho agora em causa, não está abrangido pelo caso julgado que se formou quanto aos valores das pensões que foram reconhecidas às beneficiárias, pois este formou-se apenas entre as partes que nela intervieram.

E por outro lado, a posição do FAT, quando chamado a intervir para garantia dos direitos dos sinistrados ou seus beneficiários, pode não ser a mesma da entidade responsável, pois do confronto com a evolução legislativa respeitante à sua responsabilidade, resulta inequivocamente que nem sempre esta terá que coincidir com os direitos que tenham sido atribuídos aos sinistrados ou aos seus beneficiários, mesmo que estejam cobertos pelo caso julgado.

Na verdade, e como vimos, o âmbito de intervenção do FAT nem sempre cobre a amplitude desses direitos, nomeadamente em relação aos acidentes de trabalho ocorridos após 11 de Maio de 2007, em que não pagará o valor das pensões agravadas, dado que apenas terá que ser responsabilizada pelas pensões “normais”resultantes do acidente.

E também nos acidentes a que se aplica o regime da Lei 2127, nunca o Fundo de Garantia e mais tarde o FAT foi responsável pelas indemnizações por incapacidades temporárias, mesmo que tivessem sido fixadas em decisão com trânsito em julgado.   

Concluímos assim que nada obstava a que o Tribunal de 1ª instância reduzisse a responsabilidade do agravante aos valores requeridos por este, ou seja ao diferencial entre o que é pago pela seguradora e o valor anual da retribuição do sinistrado, que era o montante máximo que essas pensões podiam atingir.

Cumpre de qualquer forma ressalvar que este entendimento nunca prejudicará os direitos das beneficiárias a verem actualizadas as suas pensões de acordo com os critérios legais, e que a responsabilidade do FAT será sempre do valor correspondente a esse diferencial, mesmo que alguma das beneficiárias venha a perder o direito à pensão.

  

4---

Termos em que se acorda nesta Secção Social em conceder provimento ao agravo, pelo que, e revogando-se o acórdão recorrido, deverá o despacho impugnado ser substituído por outro que defira o requerimento do agravante, fixando-se a responsabilidade do Fundo de Acidentes de Trabalho no diferencial entre o que é pago pela seguradora e o valor anual da retribuição do sinistrado.

Sem custas.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2013

Gonçalves Rocha (Relator)

Leones Dantas

Melo Lima

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[1]Seguindo idêntica posição podemos citar também os Acórdãos da Relação de Évora de 14.12.2004 (CJ, tomo V, pág. 270), de 04.10.2005 (CJ, tomo IV, pág. 287) e de 6/10/2009, apelação nº 920/07.1TTSB. E ainda o acórdão da RL, 15 de Março de 2006, apelação nº 146/2006-4 (FERREIRA MARQUES), bem como o acórdão da RC de 20/04/2006,disponível em www.dgsi.pt, para além do acórdão-fundamento.

[2] Na versão anterior à que lhe foi conferida pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto e que é a aplicável pois este litígio surge num processo que se iniciou em 2003, e a que pertencerão as normas a que não for atribuída expressamente outra proveniência.
[3] Obra citada.
[4] Cuja entrada em vigor ocorreu em 1 de Janeiro de 2000, conforme estabelecido no seu artigo 16º, na redacção que lhe foi conferida pelo DL nº 382-A/99 de 22/9.
[5] Nomeadamente nos Acórdãos de 10/9/2008 e 10/12/2008, respectivamente nas revistas n.ºs 6/2008 e 3084/2008, e de 9/9/2009, processo 09S0159.