Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO MAGALHÃES | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO ALOJAMENTO ANIMAL RUÍDO DIREITO AO REPOUSO INDEMNIZAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 10/01/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I. A análise crítica da prova não se pode confundir com o mérito e a consistência da análise probatória, que o tribunal de revista não pode avaliar; II. Os recorrentes devem indicar as partes concretas em que a Relação não observou a regra da análise crítica da prova, contida no nº 4 do art. 607º do CPC; III. Não tendo os recorrentes identificado concretamente as passagens da fundamentação em que não existe exame crítico, não pode o Supremo suprir as insuficiências da motivação do recurso, substituir-se aos recorrentes e indicar as partes em que, em seu entender, a análise crítica não ocorreu. | ||
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Decisão Texto Integral: | Revista nº 1539/18.6T8LSB.L1.S1 Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça * AA e mulher BB intentaram acção declarativa sob a forma de processo comum contra CC e DD, pedindo: “Os Réus devem ser condenados a cessar tal actividade, encerrando o estabelecimento em causa, com a remoção de todos os animais aí alojados, e condenados a pagar aos A.A. a quantia pedida de trinta e cinco mil euros, a titulo de danos não patrimoniais e nos danos patrimoniais em quantia a liquidar em execução de sentença, fixando-se uma sanção pecuniária compulsória de trezentos euros, por cada dia de atraso no cumprimento do que vier a ser decretado pelo Tribunal.” Alegaram, em síntese, que são proprietários do prédio urbano sito na Rua ..., ..., onde residem permanentemente desde 1985 e que o Réu CC é proprietário do prédio urbano sito na Rua ..., ..., sendo que há cerca de um ano cedeu o seu gozo e fruição ao Réu DD e que este, com conhecimento e autorização do primeiro Réu, instalou, nesse local, um hotel para cães/canil privado ou equipamento similar. Mais alegaram que os canídeos, durante todo o dia e noite perturbam o sossego dos Autores, afectando o seu direito à saúde, à insolação, ao repouso e à tranquilidade, peticionando que os Réus sejam condenados a cessar tal actividade, encerrando o estabelecimento e a pagar lhes uma indemnização. O Réu CC contestou: por excepção, arguindo a sua ilegitimidade; além disso, embora reconhecendo ser proprietário do prédio sito na Rua ... e ter autorizado que o Réu DD instalasse uma actividade familiar de guarda de cães no imóvel, impugnou a demais matéria alegada pelos Autores, nomeadamente o excesso de ruído, os alegados danos e o nexo de causalidade entre esse ruído e os alegados danos. Também o Réu DD contestou: por excepção, arguindo a ilegitimidade passiva do Réu CC; por impugnação, embora reconhecendo ter instalado o alojamento canino no imóvel do 1.º Réu, alegou que o alojamento se encontra devidamente licenciado e os animais devidamente acondicionados, impugnando o excesso de ruído, os alegados danos e o nexo de causalidade entre esse ruído e os alegados danos . Na sequência de despacho, os Autores exerceram o contraditório quanto à matéria de excepção invocada pelos Réus, defendendo a sua improcedência. Além disso, aperfeiçoaram a petição inicial tendo essa matéria sido impugnada pelos Réus. Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a suscitada excepção de ilegitimidade passiva, não foi admitida parte da nova matéria alegada na petição inicial, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova. Foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente a acção e decidiu: “a) condenar o Réu DD a encerrar o alojamento canino aludido em 17. dos factos provados, com a remoção dos animais aí alojados (e que não sejam sua propriedade); b) condenou o Réu DD no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor de € 100 (cem euros), por cada dia de atraso no cumprimento do supra determinado em a); c) condenar o Réu DD a pagar ao Autor AA a quantia de € 6.000 (seis mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais; d) absolver o Réu DD do demais peticionado; e) absolver o Réu CC dos pedidos. (…) “ Inconformado, DD recorreu, pugnando pela revogação da sentença. Objectivo que alcançou uma vez que a Relação, concedendo provimento ao recurso, o absolveu dos pedidos em que tinha sido condenado. Não se conformaram, desta vez, os Autores que do acórdão vieram interpor recurso de revista. Já neste Supremo o relator proferiu o seguinte despacho: “Os recorrentes suscitam a nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art. 615º, nº 1, al. b) do CPC, por falta de fundamentação da decisão de facto. No entanto, sublinham, também, que o acórdão não fez qualquer apreciação crítica da prova, exigência que se mostra contida no nº 4 do artigo 607º do CPC, aplicável à Relação por força do nº 2 do art. 663º do mesmo diploma e que pode justificar tratamento autónomo. Porém, os recorrentes omitiram nas conclusões a indicação destas normas jurídicas. Como assim, e nos termos do art. 639º, nº 3 do CPC (aqui aplicável por via dos artigos 663º, nº 2 e 679º do CPC) convido os recorrentes a completarem as conclusões indicando as referidas normas jurídicas violadas, no prazo geral de 10 dias.” Em resposta, vieram os recorrentes a oferecer as seguintes conclusões, que aperfeiçoaram apenas na parte assinalada a itálico na conclusão I: “A. Ao revogar a douta sentença da 1.ª instância, o douto Acórdão recorrido incorreu em manifesto erro de direito e proferiu uma decisão manifestamente injusta, não tendo feito justiça material no pleito submetido à sua apreciação; B. Parte o Douto Acórdão recorrido de um pressuposto errado, que condicionou a decisão sobre a matéria de facto, alterando sem justificar/fundamentar a bem fundada decisão da 1.ª instância, alicerçada na análise critica da prova; Ou seja, C. Parte do princípio de que a prova do ruido produzido pelos cães do só pode/poderia ser provado através da medição do nível de ruido; D. Porém, ao contrário do que sugere o Douto Acórdão recorrido não estamos no presente caso perante um modo de prova vinculado, pressuposto errado, de que partiu e condicionou a decisão, alterando, sem fundamento e total ausência de justificação, a matéria de facto considerada provada pela primeira instância; E. Sendo o Douto Acórdão recorrido nulo na parte em que altera a decisão sobre a matéria de facto, por não especificar os fundamentos que justificam a alteração da decisão da 1.ª instância, em violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, aplicável às decisões da segunda instância por força do disposto no artigo 666.º n.º 1, do mesmo Código; F. Com efeito, é manifesta a falta de fundamentação, dado que, o Douto Acórdão recorrido não dá a conhecer os fundamentos/motivos que conduziram à formação de convicção diversa da 1.ª Instância e à alteração da decisão sobre a matéria de facto. G. A alteração da matéria de facto pela Relação deve limitar-se às situações de manifesto erro de julgamento pela 1.ª instância, que manifestamente no presente caso não se verificava. H. Errou sim o douto Acórdão recorrido, ao alterar a decisão da 1.ª instância, sem fundamento, ao arrepio da prova produzida e contra as regras da experiência e senso comum, e sem especificar os fundamentos em que se baseou para alterar a matéria de facto. Com efeito, I. O Douto Acórdão recorrido limita-se a descrever o teor dos documentos juntos aos autos e a reproduzir parcialmente declarações e depoimentos, não fazendo qualquer apreciação critica da prova, violando, desta forma, o artigo 607.º, nº 4 do Código de Processo Civil, aplicável às decisões de segunda instância por via do artigo 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. J. Nesse aresto, não é dado a conhecer os motivos/fundamentos da divergência da decisão da 1.ª instância. Lido o douto Acórdão, fica sem se saber, por não ter justificado/fundamentado, as razões/fundamentos em que se baseou para alterar a matéria de facto. K. Não se questiona o princípio da livre apreciação da prova, mas exige-se que seja dado a conhecer a fundamentação, os motivos que conduziram à formação da convicção, para que a decisão possa ser escrutinada, o que, com o devido respeito, não é feito no douto Acórdão recorrido. L. Diz que altera porque “altera” ficando sem se saber em que fundamentos se baseia. M. Não se desconhece que a nulidade de Acórdãos/Sentença tem sido apreciada em termos restritivos. N. Porém, no presente caso, a total falta de justificação dos fundamentos que justificaram a decidida alteração da matéria de facto, e a total ausência de analise critica da prova, ficando sem se saber as razoes que conduziram o Douto Tribunal da Relação a alterar a bem fundada decisão da 1.ª Instancia, constituem caso notório de nulidade por falta de fundamentação que sob pena de privação do direito à justiça não poderá deixar de ser declarada. O. E anulado o douto Acórdão recorrido na parte em que, sem fundamento (como demonstraram os ora Recorrentes nas suas contra-alegações que, nessa parte aqui se dão por reproduzidas), e total falta de justificação, alterou a matéria de facto considerada assente pela 1.ª instância, como é de inteira justiça, não poderá deixar de ser mantida a bem fundamentada decisão de 1.ª Instância, quer quanto à decisão de facto, quer quanto à fundamentação de direito. P. O julgamento da matéria de facto constitui o principal objetivo do processo civil declarativo. Q. É o resultado desse julgamento que condiciona, em primeira linha, o resultado da ação que apenas num plano secundário depende da integração jurídica. Assim, R. O julgamento e decisão da presente ação como em qualquer outro processo depende do correto julgamento da matéria de facto, que com anulação, da infundada e não fundamentada alteração decidida pelo douto Acórdão Recorrido, se espera que venha a ser reposta, mantendo-se a matéria de facto que resultou da prova produzida, corretamente apreciada e decidida pela 1.ª Instancia. S. Mas discordam também os Autores/ora Recorrentes da apreciação feita pelo Douto Acórdão recorrido em sede de fundamentação de direito. T. O direito à saúde, ao repouso, e à tranquilidade dos autores, constituem direitos que se integram no elenco dos direitos de personalidade, abrangidos pela tutela geral da personalidade prevista nos artigos 70.º e 1346.º ambos do C.C. e artigos 1.º, 24.º n.º 1 , 25.º, 26.º, 64.º e 66.º da Constituição da República (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado, Vol. 1 , 55; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada, 101; Capelo de Sousa A Constituição e os Direitos de Personalidade Estudos sobre a Const. Vol. 2ª, 93 e, por todos, Ac. do STJ de 28/10/2008). U. Sendo os direitos de personalidade e à qualidade de vida direitos subjetivos absolutos oponíveis erga omnes, impondo um dever geral de abstenção da prática de atos ou atividades que os ofendam pelo que perante comportamentos que lesem direitos dessa natureza deve o Tribunal decretar medidas adequadas para que tal situação não se mantenha. (Por todos Menezes Cordeiro, Estudos em Homenagem a Galvão Teles, Vol. I, 25 a 27). V. Não estamos perante direitos iguais, não podendo o eventual direito dos Réus a uma atividade lucrativa sobrepor-se ao direito à saúde e ao repouso, descanso e tranquilidade dos Autores. W. Sendo de inteira justiça que, com os fundamentos de facto e de direito que da mesma constam, seja mantida a decisão da 1.ª instância. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso de Revista, anulando-se o douto Acórdão recorrido, e confirmando-se a douta sentença da 1.ª instância.” Os autores contra-alegaram (em resposta às conclusões originárias) pugnando pela improcedência do recurso. Cumpre decidir. “Em primeira instância foram considerados provados os seguintes factos: 1. Pela apresentação n.º 25 de 11 de Fevereiro de 1982 mostra-se inscrita a aquisição, por compra, a favor dos Autores, do prédio urbano sito na Ria ..., ..., descrito na ....ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...37 da extinta freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...50 da extinta freguesia de ..., actual união das freguesias de ..., ... e .... 2. Na Conservatória do Registo predial, o prédio aludido em 1. mostra-se descrito como sendo uma casa com três pisos, cave para adega, rés-do-chão e sótão para habitação, tendo uma área total de 5002m2, sendo 150m2 de área coberta e 4852m2 de área descoberta. 3. Os Autores residem permanentemente no prédio aludido em 1. desde 1985, aí tomando as suas refeições, dormindo e recebendo os seus familiares e amigos. 4. O Réu CC e a sua esposa são proprietários do prédio urbano sito na Rua ... (actual n.º ...), ..., inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ...49 e que está localizado em frente ao prédio mencionado em 1.. 5. Na matriz predial, o prédio aludido em 4. mostra-se descrito como tendo uma área total de 5002m2, sendo 340,50m2 de área de implantação do edifício, 522,80m2 de área bruta de construção, 351,50m2 de área bruta dependente e 171,30m2 de área bruta privativa. 6. Na matriz predial, o prédio aludido em 4. mostra-se descrito como afecto à habitação, sendo composto por um prédio urbano de cave para arrumos: um rés-do-chão com uma divisão assoalhada, cozinha, casa de banho e vestíbulo e outro rés-do-chão composto por três divisões assoalhadas, cozinha, casa de banho, vestíbulo, corredor, terraço e uma garagem 7. O Réu CC e a sua esposa residiram no prédio aludido em 4. durante cerca de dez anos, até finais do ano de 2016. 8. Ao longo desse tempo, tiveram sempre na sua companhia, simultaneamente, entre seis a oito cães de porte médio e grande porte. 9. Ao longo desse tempo, tiveram ainda outros animais, nomeadamente número não concretamente apurado de papagaios, póneis, burros, lamas, porcos e cabras. 10. Os Autores nunca apresentaram quaisquer queixas ocasionadas pelo barulho desses animais. 11. Os prédios aludidos em 1. e 4. encontram-se inseridos numa área de loteamento habitacional, destinada à construção de moradias unifamiliares independentes. 12. Os Autores escolheram a referida urbanização para poderem ter uma vida calma e tranquila, em paz, onde em contacto com a natureza, ao ar livre, pudessem aí receber familiares e amigos. 13. Na Rua ..., ..., está sedeada uma empresa de fabrico e transformação de artigos em fibra de vidro e, no n.º 15, uma empresa de comércio, manutenção e reparação de veículos ligeiros e motociclos. 14. Na Rua ..., ..., próxima dos prédios aludidos em 1. e 4. existe uma suinicultura. 15. Por documento particular intitulado “contrato de arrendamento urbano para habitação com prazo certo”, EE, cônjuge do Réu CC, na qualidade de primeira contratante e senhoria e o Réu DD, na qualidade de segundo contratante e arrendatário, declararam que “é celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato de arrendamento urbano para habitação com prazo certo, o qual se regerá pelas seguintes CLÁUSULAS: PRIMEIRA (Imóvel/Objecto) 1. A Primeira Contratante é proprietária e legítima possuidora do prédio urbano destinado a habitação, sito na Rua ..., com o Alvará de Licença de Utilização, n.º ...58/95, emitido em 3 de Abril de 1995 pela Câmara Municipal de ..., descrito na ....ª Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha n.º ...81, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...49 da União de freguesias de .... 2. Pelo presente contrato de arrendamento, a Primeira Contratante dá de arrendamento ao Segundo, que aceita, o prédio urbano identificado no número anterior, no estado de conservação em que o mesmo se encontra, o qual é do conhecimento do Segundo, que o aceita. SEGUNDO (Fim do Contrato) 1. O local arrendado destina-se, exclusivamente, a satisfazer as necessidades de habitação própria e permanente do Arrendatário. 2. O Arrendatário reconhece que o local arrendado realiza cabalmente o fim para o qual é destinado, não podendo, na vigência do presente contrato, dar-lhe outro uso, nem sublocá-lo, nem cedê-lo a qualquer título no todo ou em parte, sem prévia autorização, por escrito, da Senhoria. 3. Ficam expressamente proibidas a hospedagem e a indústria doméstica, salvo autorização, por escrito, da Senhoria. TERCEIRA (Prazo) 1. O arrendamento é celebrado pelo prazo efectivo de 3 (três anos), com início a 1 de Março de 2017 e termo em 28 de Fevereiro de 2020. 2. (…). QUARTA (Oposição à Renovação do contrato/Denúncia/resolução) 1. (…). 2. (…). 3. (…). 4. (…). 5. As partes acordam e aceitam desde já que, no caso de a Senhoria receber queixas de forma recorrente por parte dos vizinhos de que os cães do Arrendatário fazem muito ruído (além do considerado normal e em volume muito elevado), perturbando o sossego da vizinhança, a Senhoria pode resolver o contrato, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil, a todo o tempo, mediante comunicação dirigida ao Arrendatário, com a antecedência mínima de 20 (vinte) dias da data pretendida para o termo do contrato.(...) SEXTA (Renda) 1. A renda mensal é de 1.750,00€ (mil setecentos e cinquenta euros), (…). (…).” 16. Desde Março de 2017, no prédio aludido em 4. residem o Réu DD, a sua companheira, filhos, a mãe do Réu e, desde data não concretamente apurada, mas não inferior a dois anos, um seu irmão. 17. No prédio aludido em 4., o Réu DD instalou um hotel para cães/canil privado, onde os clientes, mediante remuneração, depositam os respectivos animais para adestramento ou quando estão impedidos de os cuidar. 18. O Réu CC não se opôs à presença de animais no prédio aludido em 4. e autorizou que o Réu DD ali instalasse uma actividade de guarda de cães. 19. O alojamento aludido em 17. consta da lista de alojamentos de animais de companhia com fins lucrativos autorizados, publicitada pela Direcção Geral de Alimentação Veterinária desde 2 de Janeiro de 2018, com o número PT ... e a descrição “hotel canino, criação e reprodução J...”. 20. Os canídeos instalados no alojamento aludido em 17., de acordo com a respectiva raça e porte, durante o dia e a noite, latem, uivam, ganem e lutam entre si. [ facto depois alterado] 21. Junto ao portão de acesso ao prédio mencionado em 4., encontram-se, por vezes, mais de uma dezena de cães que, sem motivo ou pela passagem de transeuntes a pé ou em viatura, começam a latir, seja de dia ou de noite. [depois alterado pela Relação] 22. A admissão de novos animais e a recolha de outros, a qualquer hora, agrava a situação em virtude de provocar excitação nos canídeos. [dado como não provado pela Relação] 23. A remoção dos dejectos dos animais, lançados nos contentores públicos da proximidade, acumulam resíduos junto destes e deixam vestígios espalhados no percurso. [dado como não provado pela Relação] 24. Os odores exalados por estes dejectos atraem cães vadios o que potencia o desassossego. [dado como não provado pela Relação] ] 25. Por vezes, os cães que se encontram no interior do alojamento aludido em 17. entram no espaço do prédio mencionado em 1., assim como terceiros que vão atrás desses cães[ alterado depois pela Relação] 26. Por vezes, o acesso ao prédio mencionado em 1. está impedido de ser utilizado por viaturas de clientes do Réu DD.[ dado depois como não provado] 27. Em Janeiro de 2017, o Autor esteve internado por enfarte agudo do miocárdio (EAM), tendo efectuado angioplastia coronária e sendo seguido em consulta de cardiologia por cardiopatia isquémica e hipertensiva, com dilatação da aorta. 28. Como factores de risco cardiovasculares apresenta HTA essencial, com labilidade em situações de stress e é um ex-fumador. 29. O Autor, com cerca de 74 anos, apresenta ainda síndrome de apneia do sono (SAOS) de gravidade ligeira e tem antecedentes de gastrectomia parcial por úlcera. 30. Em virtude da patologia coronária, hipertensiva e gástrica de que padece, o Autor necessita de fazer os seus períodos de descanso regulares e evitar situações de irritabilidade, tendo risco acrescido de reenfarte e dilatação da aorta, caso não consiga o controlo adequado dos factores de risco, nomeadamente hipertensão, stress e falta de descanso. 31. Em resultado do ruído produzido pelos cães que se encontram no alojamento aludido em 17., o Autor tem sofrido perturbação do seu ciclo de sono, insónia, falta de descanso e irritabilidade. 32. Em resultado do ruído produzido pelos cães que se encontram no alojamento aludido em 17., o Autor tem evitado a visita de amigos e familiares.[ dado como não provado pela Relação] 33. Em resultado do ruído produzido pelos cães que se encontram no alojamento aludido em 17., o Autor foi obrigado a pernoitar na casa de uma das suas filhas, que reside a poucos quilómetros de distância. 34. A prescrição de medicação para que o Autor repouse está limitada pela existência de SAOS. 35. Em resultado do ruído produzido pelos animais que se encontram no interior do alojamento aludido em 17., o Autor sofreu picos de subida tensional, obrigando a medicação em SOS.[ dado como não provado pela Relação] 36. Desde Novembro de 2017, que os Autores (e outros vizinhos) têm apresentado reclamações junto da Câmara Municipal e autoridades policiais, referentes ao ruído proveniente do alojamento mencionado em 17.[ alterado pela Relação] 37. Numa deslocação ao alojamento mencionado em 17., efectuada pela polícia municipal, em data não concretamente apurada mas anterior a 24.04.2018, os canídeos não produziram ruído na presença da polícia e tendo sido fiscalizadas as respectivas licenças, identificações electrónicas e vacinas anti-rábicas, verificou-se estar toda a documentação legal e estar ainda em curso a legalização para criação e reprodução da raça J.... .[ alterado pela Relação] 38. Na zona traseira do imóvel aludido em 4. existe uma vedação que limita o livre acesso dos cães à restante propriedade. Factos não provados Com interesse para a boa decisão da causa, ficaram por provar os seguintes factos: i) Os animais aludidos em 9. eram nas seguintes quantidades: quatro póneis, dois burros, dois lamas, duas cabras e ainda ovelhas. ii) A situação aludida em 24. verifica-se principalmente de noite. iii) Em resultado do ruído produzido pelos cães, o Autor tem sofrido esgotamento. iv) Em resultado do ruído produzido pelos animais que se encontram no interior do alojamento aludido em 17., a Autora tem sofrido igualmente perturbação do seu ciclo de sono, esgotamento e irritabilidade. v) Em resultado do ruído produzido pelos animais que se encontram no interior do alojamento aludido em 17., a Autora evita igualmente a visita de amigos e familiares. vi) Em resultado do ruído produzido pelos cães, a Autora foi obrigada a pernoitar na casa de uma das suas filhas. vii) Os Réus agiram com o propósito deliberado de, mesmo prejudicando os Autores, se beneficiarem. viii) Em resultado do ruído produzido, os Autores vão necessitar de mais cuidados médicos, medicamentosos, exames clínicos e psicológicos e terão de suportar os respectivos custos com honorários e deslocações. ix) Os canídeos que se encontram no alojamento aludido em 17., durante o dia, estão cingidos à área de terreno aberta e instalações na zona traseira do imóvel, cerca de três metros atrás da piscina e raramente circulam na zona do portão junto à estrada, excepto se devidamente acompanhados. x) Os cães apenas podem ser admitidos/entregues ao Réu DD e recolhidos entre as 08h e as 21h. xi) Os cães que ficam alojados só durante o dia são admitidos pelas 10h e recolhidos até às 18h. xii) Os cães que pernoitam são recolhidos às instalações fechadas entre as 21h e 30m e as 08h e 30m nos dias úteis e entre as 21h e 30m e as 09h e 20m/10h nos fins de semana. Em resultado da impugnação dos apelantes a Relação e deu como não provados os factos a seguir assinalados e alterou a redacção de outros, que se seguem: “20. Os canídeos instalados no alojamento aludido em 17., de acordo com a respectiva raça e porte, pelo menos durante o dia, ladram “ 21. Junto ao portão de acesso ao prédio mencionado em 4., encontram-se, por vezes, de[?] cães . 22. Não provado. 23. Não provado. 24. Não provado. 25. Em data não concretamente apurada um cão saiu de casa do Réu DD e entrou na propriedade do Autor onde o foram buscar. 26. Não provado. 31. O Autor tem sofrido perturbação do seu ciclo de sono, insónia, falta de descanso e irritabilidade que atribui a ouvir a ladrar cães, de dia e de noite, que considera serem os do alojamento do Réu DD, aludido em 17” 32. Não provado 33. O Autor face ao incomodo que sentiu por ouvir ladrar cães foi obrigado a pernoitar na casa de uma das suas filhas, que reside a poucos quilómetros de distância. 35. Não provado. 36. Em 30.11.2017 e 16.03.2018 o Autor apresentou duas reclamações junto da Câmara Municipal e autoridades policiais, uma referente ao ruído proveniente do alojamento mencionado em 17 e questionando a legalidade do mesmo e a outra a questionar a legalidade do mesmo, e em 08.03.2018 a Sra. FF apresentou reclamação por email à Câmara Municipal.” 37. Em 24.04.2008 a Câmara Municipal enviou à Autora comunicação em que a informa que “após diligências junto da Divisão de Polícia Municipal e Fiscalização, foi-nos comunicado que em várias deslocações ao local, os canídeos existentes na habitação não produziram qualquer ruído mesmo na presença da polícia. Os canídeos apresentavam estar calmos e bem tratados. Mais se informa que foram fiscalizadas as respectivas licenças, identificações electrónicas e vacinas anti-rábicas, estando toda a documentação legal. O detentor dos animais apresentou ainda documentação referente à legalização em curso para posterior criação e reprodução a raça J..., nomeadamente documentos enviados para a DGAV (Direcção Geral de Alimentação e Veterinária) que aguardam resposta dessa entidade no sentido de legalização do espaço e criação da referida raça.” Cumpre decidir. Os recorrentes suscitam a nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art. 615º, nº 1, al. b) do CPC, por falta de fundamentação da decisão de facto e total ausência de análise crítica da prova (conclusão N), limitando-se a descrever o teor dos documentos juntos aos autos e a reproduzir parcialmente declarações e depoimentos (conclusão I). Porém, e como é jurisprudência corrente, a falta de especificação dos fundamentos da decisão de facto ou a omissão de pronúncia no mesmo plano, não afectam a sentença de nulidade, nos termos da al. b) ou da al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC. As patologias ocorridas no plano da decisão de facto, que resultam do disposto no art. 607º, nºs 1 a 4 do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por força do art. 663º, nº 2, do mesmo diploma, não configuram as nulidades previstas no art. 615º do CPC (cfr. Ac. STJ de 15.2.2018, proc. 134116/13.2YIPRT.E1.S1 e Ac. STJ de 4.6. 2024, proc. 1098/20.0T8BRG.G1.S1, www.dgsi.pt). De todo o modo, e pela via da nulidade, os recorrentes suscitam a violação do art. 607º, nº 4 do CPC, aplicável, como se disse, às decisões de 2ª instância por força do art. 663º, nº 2 do mesmo diploma. E quando tal acontece, tem-se entendido que cabe ao tribunal de revista verificar, em sede de sindicância sobre o uso dos poderes pelo Tribunal da Relação na reapreciação da decisão de facto impugnada, se este observou o método de análise crítica da prova prescrito no nº 4 do indicado art. 607º, de modo a ajuizar sobre o invocado erro de valoração dessas provas e a formar a sua própria convicção sobre os factos constantes dos pontos impugnados, sem se intrometer, obviamente, na apreciação do mérito da análise probatória realizada (cfr. Ac. STJ de 30.11. 2021, proc. 212/15.2T8BRG-B.G1.S1, em www.dgsi.pt); “ não se exigindo uma exposição exaustiva e de pormenor argumentativo probatório, exige-se, todavia, e ao mesmo tempo, a especificação (ainda que selectiva) das razões que, por via dessa análise crítica, se revelem decisivas para a formação da convicção do tribunal“ (cfr. Ac. STJ de 11.7.2019, 24369/16.6T8LSB.L1.S1, no citado site). Revertendo ao caso sub judice, verifica-se que os recorrentes atribuem aos Juízes da Relação, como se disse, total ausência de análise crítica da prova (conclusão N). Porém, não se verifica essa ausência absoluta de análise crítica. Para tanto, basta observar o conteúdo da fundamentação, que se transcreve, para melhor compreensão: “I- O Recorrente DD entende que os pontos da matéria considerada provada 20, 21, 22, 23, 24, 31, 32, 33 e 35, devem ser considerados não provados e que quanto aos pontos da matéria provada 25, 26, 36 e 37 deve ser alterada a sua redacção. O Recorrente entende que os factos não provados ix, x, xi e xii devem ser considerados provados. (…) O Recorrente considera que o pontos 25 (…) e 26 (..) da matéria provada devem passar a ter a seguinte redacção: 25- Por vezes, em período não especificamente determinado, anterior ao verão de 2018, alguns cães que se encontravam no interior do alojamento identificado em 17. entraram no espaço do prédio mencionado em 1.; 26- Por vezes, o acesso ao prédio mencionado em 1. está impedido de ser utilizado por veículos do Autor, por ter viaturas paradas de desconhecidos. O Recorrente entende que o ponto 36 da matéria provada deve passar a ter a seguinte redacção: “Em 30.11.2017 e 16.03.2018 o Autor apresentou duas reclamações junto da Câmara Municipal e autoridades policiais, uma referente ao ruído proveniente do alojamento mencionado em 17 e questionando a legalidade do mesmo e a outra a questionar a legalidade do mesmo, e em 08.03.2018 a Sra. FF apresentou reclamação por email à Câmara Municipal.” O Recorrente entende que o ponto 37 da matéria provada (…) deve passar a ter a seguinte redacção: “Em várias deslocações ao alojamento mencionado em 17. efetuadas pela Polícia Municipal e Fiscalização, e reportadas à Câmara Municipal de ..., em data anterior a 24.04.2018, os canídeos não produziram ruído, mesmo na presença da polícia, tendo sido fiscalizadas as respetivas licenças, identificações electrónicas e vacinas antirrábicas, verificou-se estar toda a documentação legal e ainda estar em curso a legalização para criação e reprodução da raça J.... (…) Por carta de 24.04.2018 a Autora foi informada, por incumbência o Sr. ... Dr. GG, que “após diligências (…) criação da referida raça.” Em 01.06.2018 foi elaborado Relatório de Cardiologia no Hospital Cuf ..., pela medica que vinha acompanhando o Autor e que refere (…) Foi junto aos autos um relatório de observação psicológica, elaborado pelo Prof. HH, em 10 de Junho de 2018, em que são referidas as patologias de que o Autor sofre (….) Diz, ainda, o relatório que o Autor não tem quaisquer antecedentes de perturbação psicológica seja de foro depressivo, por stress ou outro (…) O Relatório refere também que o Autor, do ponto de vista psicofisiológico “ queixa-se de cansaço por vezes intenso (…) O relatório diz ainda que “no verão de 2017, um vizinho muito próximo alugou a vivenda para “hotel canino. E em consequência, durante todo o dia e, com alguma frequência, durante a noite, ouve uivos que considera lúgubres e perturbadores (…) O relatório diz, ainda: “ Consideramos extremamente urgente que sejam tomadas medias que protejam o Dr. AA face ao evidente impacto negativo e ao grave risco de saúde, física e psicológica constituído pela exposição crónica ao som de latidos e uivos de cães provenientes da vivenda que o seu vizinho alugou para “hotel canino”.” Foi prestado depoimento pelo Autor AA (disse… ). Foram prestados depoimentos pelas testemunhas II, filha dos Autores (disse….). A testemunha JJ ….vizinha …disse (…). A testemunha KK, é marido da testemunha JJ …. disse (…). A testemunha LL, vizinho dos Autos e do Réu DD, disse (…); A testemunha MM, que vive também na zona… disse (…). A testemunha NN, primo do Réu CC disse (…) A testemunha OO, conhece a casa dos Réus 8…). A testemunha PP, vive com o Réu DD (…) referiu (…). A testemunha QQ, é irmão do Réu DD e vive também no prédio em que vive o Réu DD (…). A testemunha RR, conhece o Réu DD há dois anos e vai às vezes a sua casa; (…) Da prova produzida resulta apurado que, na casa que o Réu CC deu de arrendamento ao Réu DD, este para além de ter sete cães seus e da sua família, recebe para alojamento diário, e às vezes também nocturno, entre dez e quinze cães. O Autor também tem dois cães e na rua andam por vezes a vaguear cães sem dono. O Autor no seu depoimento refere os barulhos intensos de ladrar de cães durante o dia e a noite, que impedem o seu descanso, tem que manter as janelas fechadas, mas o incómodo persiste, o que já o levou a ter que ir dormir em casa de uma filha., além de que o impedem e usufruir do seu jardim, e dedicar-se a outras actividades, como jardinagem, mecânica e informática. As testemunhas II, JJ, KK, LL e MM referem o ladrar dos cães por períodos prolongados, chegando a meia hora, e que, por serem muitos, é intenso. Há que considerar que o relatório de elaboração psicológica foi elaborado na sequência de uma consulta, face à descrição das circunstâncias feita pelo Autor, não resultou de um acompanhamento do Autor ao longo do tempo, feito por quem o elaborou. Face à prova produzida, e não tendo sido efectuada medição ao nível de ruído produzido pelos cães do alojamento e nível de ruído dos mesmos cães dentro da propriedade do Autor não consideramos que esteja demonstrado que os efeitos que o Autor diz sofrer em virtude do barulho de cães possa ser atribuído aos cães do alojamento referido em 17. Quanto aos pontos 20, 21, 22, 23, 24, 31, 32, 33 e 35, que o Recorrente considera que devem ser considerados não provados: O ponto 20 (…), Face à prova produzida, uma vez que não foi apurado se durante a noite ou parte dela os cães do alojamento ladram e se durante o dia e a noite latem, uivam ganem e lutam entre si, consideramos que face à prova produzida o ponto 20 da matéria provada passa a ter a seguinte redacção: “(…). O Ponto 21 (…) face à prova produzida, passa a ter a seguinte redacção. (…) O Ponto 22 (…) face à prova produzida a matéria deste ponto não está suficientemente demonstrada pelo que se considera não provado. O Ponto 23 (…) Face à prova produzia a matéria deste ponto não se mostra suficientemente demonstrada, pelo que se considera não provado. O Ponto 24 (…) este ponto face à prova produzida é considerado não provado O Ponto 31 (…) face à prova produzida deve passar a ter a seguinte redacção: (…) O Ponto 32 (…). A prova produzida não demonstrou suficientemente o que consta deste ponto, pelo que se considera não provado. O Ponto 33 (…). Face à prova produzia não é possível estabelecer que o ladrar dos cães que o Autor ouve seja dos cães do alojamento, dado haver mais cães na zona, quer os sem dono, quer os da família do Réu DD, também os do próprio Autor e de outras casas, pelo que este ponto passa a ter a seguinte redacção : “(…) O Ponto 35 (…)Também quanto aos picos de subia tensional e a necessidade de medicação em SOS, não se pode estabelecer com segurança que foram desencadeados por ruído provocado pelos cães do alojamento, pelo que este ponto passa a ser não provado. O ponto 25 (…). Face à prova produzida, atento o depoimento de II e declarações do Autor uma vez um cão saiu de casa o Réu DD e entrou na propriedade do Autor pelo que passa a ter a seguinte redacção : “(…) ”. O ponto 26 (…). A matéria deste ponto não ficou suficientemente demonstrada, pelo que passa a ser considerado não provado.. O ponto 36 (…) ). Face à prova produzida, este ponto da matéria provada deve passar a ter a seguinte redacção: “(…)” O ponto 37 (…). Face à prova produzida, nomeadamente a comunicação da Câmara Municipal à Autora, este ponto da matéria provada passa a ter a seguinte redacção (…) Face à prova produzida quanto aos pontos da matéria considerada não provada que o Recorrente considera que devem ser considerados provados (ix,x,xi e xii) consideramos que não foi feita prova dos factos referidos nesses pontos quanto ao horário de recolha e entrega dos cães de alojamento ao Réu DD. Quanto ao local onde passam o dia e a noite, caso permaneçam a cargo do Réu DD, não ficou devidamente esclarecido, as características do espaço que lhes é destinado, face ao depoimento de PP, QQ e RR.” Assim, verifica-se que existe análise crítica, desde logo, nas seguintes passagens: “Há que considerar que o relatório de elaboração psicológica foi elaborado na sequência de uma consulta, face à descrição das circunstâncias feita pelo Autor, não resultou de um acompanhamento do Autor ao longo do tempo, feito por quem o elaborou. Face à prova produzida, e não tendo sido efectuada medição ao nível de ruído produzido pelos cães do alojamento e nível de ruído dos mesmos cães dentro da propriedade do Autor não consideramos que esteja demonstrado que os efeitos que o Autor diz sofrer em virtude do barulho de cães possa ser atribuído aos cães do alojamento referido em 17. Há que considerar que o relatório de elaboração psicológica foi elaborado na sequência de uma consulta, face à descrição das circunstâncias feita pelo Autor, não resultou de um acompanhamento do Autor ao longo do tempo, feito por quem o elaborou. (…) Ponto 20 (…) Face à prova produzida, uma vez que não foi apurado se durante a noite ou parte dela os cães do alojamento ladram e se durante o dia e a noite latem, uivam ganem e lutam entre si. (…) Ponto 33 (…) Face à prova produzida, não é possível estabelecer que o ladrar dos cães que o Autor ouve seja dos cães do alojamento, dado haver mais cães na zona, quer os sem dono, quer os da família do Réu DD, também os do próprio Autor e de outras casas”. ( destaques nossos) Pode-se criticar a argumentação e a inconsistência do exame crítico (análise que não compete ao tribunal de revista fazer), mas não se pode afirmar que esse exame falta completamente. Pode-se colocar, também, reservas à posição do Tribunal no sentido de não considerar que o ladrar dos cães intenso por períodos prolongados (apesar da desvalorização do relatório da elaboração psicológica e de não ter sido efectuada medição do ruído) não foi (ainda assim) de molde a provocar os efeitos que o Autor disse sofrer em virtude do barulho dos cães. Todavia, uma coisa é a análise crítica (que existe neste aspecto) e outra o mérito dessa análise probatória, na qual o tribunal de revista não se pode, obviamente, intrometer (v. o supra citado Ac. STJ de 30.11.2021). Argumentar-se-á que existem outras partes da fundamentação em que o tribunal não procedeu, de todo, à análise crítica da prova, designadamente a testemunhal. No entanto, exigia-se que os recorrentes indicassem as partes concretas em que a Relação não observou essa regra da análise crítica. Como se assinala no acórdão do STJ de 8.2.2021, proc. 18625/18.6T8PRT.P1.S1, “os fundamentos dos recursos devem ser claros e concretos, pois aos tribunais não incumbe perscrutar a intenção das partes, mas sim apreciar as questões que são submetidas ao seu exame”. Ora, não tendo os recorrentes identificado concretamente as passagens da fundamentação em que não existe exame crítico, não pode o Supremo suprir as insuficiências da motivação do recurso, substituir-se aos recorrentes e identificar as partes em que a análise crítica não ocorreu. É verdade que os recorrentes alegaram que “o tribunal parte do principio de que a prova do ruido produzido pelos cães do só pode/poderia ser provado através da medição do nível de ruido; e que” ao contrário do que sugere o … acórdão recorrido não estamos no presente caso perante um modo de prova vinculado, pressuposto errado, de que partiu e condicionou a decisão, alterando, sem fundamento e total ausência de justificação, a matéria de facto considerada provada pela primeira instância”. Porém, o tribunal referiu apenas que: “Face à prova produzida, e não tendo sido efectuada medição ao nível de ruído produzido pelos cães do alojamento e nível de ruído dos mesmos cães dentro da propriedade do Autor não consideramos que esteja demonstrado que os efeitos que o Autor diz sofrer em virtude do barulho de cães possa ser atribuído aos cães do alojamento referido em 17“. Em lado algum, assumiu a posição de que o ruído dos cães só podia ser provado através da medição do nível do ruído. De todo o modo, a importância decisiva que o tribunal atribuiu à falta de medição do nível do ruído não envolve qualquer ausência de justificação mas um exame crítico dessa circunstância cuja consistência não pode ser avaliada pelo Supremo. Como assim, não se encontra motivo ponderoso para anular a decisão da Relação e, designadamente, a de facto. Na 1ª instância foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente a acção e decidiu condenar o segundo réu a encerrar o alojamento canino aludido em 17. dos factos provados, a remover dos animais aí alojados (e que não sejam sua propriedade), a pagar uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento do determinado e a pagar uma indemnização ao Autor por danos não patrimoniais. Porém, como se viu, o Tribunal da Relação alterou a matéria de facto e, depois de afirmar o direito à saúde e ao sossego e ao repouso como direitos de personalidade, em regra prevalentes em relação ao direito de propriedade, que não pode, contudo, ser limitado, com desproporção, devendo-se, por isso, dar-se a primazia aos primeiros ou aos direitos com eles conflituantes em função do circunstancialismo fáctico apurado, ponderou: “ (…) Há que averiguar se face à situação fáctica apurada a prevalência de um direito relativo à personalidade não resulta em desproporção inaceitável, uma vez que o sacrifício e limitação do direito considerado inferior – direito de propriedade - deverá apenas ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante, sendo necessário recorrer aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, apreciando em que medida é que o sacrifício que se impõe ao titular de um direito se justifica face à lesão do outro, afastando o uso de um meio intolerável para quem é afectado pela medida restritiva. O descanso e tranquilidade dos autores é um direito de personalidade. A intensa e imperiosa convivência entre as pessoas leva a considerar que nas relações de vizinhança há que tolerar, obviamente até certo ponto, algum ruído e alguma incomodidade que todos causam uns aos outros, havendo que respeitar o equilíbrio entre os direitos lesados e o direito a sacrificar (princípio da proporcionalidade), sob pena de uso de um meio intolerável para os Réus, afectados pelas medidas restritivas requeridas (princípio da razoabilidade). Não ficou apurado que o barulho de ladrar de cães que causa perturbação ao Autor tenha origem nos animais em regime de alojamento na casa do Réu DD, e se, contribuindo estes animais para tal incómodo, qual o grau de contribuição, a fim de, recorrendo ao princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, estabelecer o equilíbrio entre os direitos lesados e o direito a sacrificar, face as circunstancias apuradas relativas a cada um deles”. O recorrente indica as razões por que pensa que o direito ao descanso, à saúde e ao repouso, descanso e tranquilidade dos Autores deve prevalecer sobre um eventual direito dos Réus a uma actividade lucrativa. Fá-lo, porém, no pressuposto, que não se verificou, de que a decisão de facto devia ser anulada e a matéria de facto provada em 1ª instância reposta. Assim, tendo-se mantido a decisão de facto da Relação, que alterou, substancialmente, a da 1ª instância, ficou por provar qualquer nexo de causalidade entre o ladrar dos cães que se encontram no alojamento canino do prédio vizinho e a perturbação do descanso, tranquilidade, sono e saúde do recorrente/Autor. Não se divisa, pois, outra alternativa senão a de confirmar a decisão da Relação. Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Cível em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes. * Lisboa, 1 de Outubro de 2024
António Magalhães (Relator) Manuel Aguiar Pereira Jorge Arcanjo |