Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANABELA LUNA DE CARVALHO | ||
Descritores: | LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ PRESSUPOSTOS DOLO NEGLIGÊNCIA FACTOS SUPERVENIENTES CAUSA DE PEDIR CONTRATO DE MÚTUO FIANÇA FALSIDADE DE DEPOIMENTO OU DECLARAÇÃO BURLA INFORMÁTICA E NAS COMUNICAÇÕES | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 03/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - A litigância de má-fé configura um tipo especial de ilícito civil em que uma parte, com dolo ou negligência grave, age processualmente de forma inequivocamente reprovável, violando deveres de legalidade, boa-fé, probidade, lealdade e cooperação, suscetíveis de causar prejuízo à parte contrária e obstar à realização da justiça. II - Para que a parte incorra em litigância de má-fé é necessário que altere a verdade dos factos essenciais ou relevantes para a decisão da causa. III - A mesma deve ser apreciada tendo em vista uma não limitação do direito de defesa do particular, pelo que, a condenação com tal fundamento só deve ter lugar em casos de chocante e grosseiro uso dos meios processuais. IV - Não litiga de má-fé quem configura uma causa de pedir, aparentemente contraditória com a causa de pedir que havia configurado numa ação anterior, quando a nova causa de pedir se justifica pelo conhecimento superveniente de uma outra realidade. V - Resulta consentâneo com a normalidade e com as regras da vida, nem sempre linear e por vezes sujeita a ocorrências supervenientes clarificadoras, poder um sujeito, uma vez confrontado com uma melhor reprodução do original dum contrato, aperceber-se que uma assinatura que em anterior ação judicial assumiu como sendo sua, afinal não o era. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Revista 1806/22.5T8BRG.G1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (1ª Secção) I – Relatório 1. AA e mulher BB, residentes em ..., vieram em 18-03-2022 interpor ação declarativa de processo comum, contra Caixa Geral de Depósitos S.A., CC e DD, formulando os seguintes pedidos: I. Ser declarado nulo o contrato de mútuo com fiança identificado no artigo 8º da petição inicial, contante do documento nº 1, e apresentado em forma digitalizada ao Processo nº 670/18.3..., do Juízo de Competência Genérica de ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por ser falso, por falsificação do valor do contrato e das rúbricas apostas na primeira folha do contrato, por não terem sido manuscritas pelos autores e por violação ao Regime Geral das Cláusulas Contratuais, Decreto-Lei nº446/85 de 25 de Outubro, com a redação dada pelo Decreto-lei nº 220/95 de 31 de Agosto e do Decreto-Lei nº 249/99 de 7 de Julho. II. Em consequência da declaração da nulidade ser a Ré condenada a restituir aos Autores as seguintes quantias: a) A quantia de 52.924,53 € acrescida de juros legais desde a data de liquidação em 30-05-2012 até integral pagamento; b) A quantia de 46.721,65 € acrescida de juros legais desde a data de liquidação em 03-01-2018, até integral pagamento. III. Condenar a Ré a pagar aos Autores a quantia de 50.000,00 € a título de danos não patrimoniais. Fundamentam os Autores os pedidos, sumariamente no seguinte: Em maio de 2009, a pedido do Réu DD (doravante 3º Réu), aceitaram ser fiadores de uma empresa (P..., Lda.), da qual aquele era sócio-gerente, relativamente a um contrato de mútuo a celebrar com a Caixa Geral de Depósitos, S.A. (doravante 1ª Ré), no valor de 30.000,00€. O que se veio a concretizar na agência da 1ª Ré onde o Réu CC (doravante 2º Réu) exercia as funções de gerente. Tendo então os Autores outorgado o contrato de fiança pelo valor mutuado de 30.000,00€, sem que lhes tivessem fornecido cópia do contrato. Decorridos alguns meses foram os Autores interpelados pelo 2º Réu, para na qualidade de fiadores da P..., Lda., liquidarem um valor de 72.000,00 mais juros. “Vieram então os autores a apurar, que o contrato de mútuo, cujo incumprimento, a ré Caixa Geral de Depósitos, S. A. invocava, datado de 29 de Maio de 2009, tinha o valor de 72.000,00 € e não 30.000,00 €, como estavam convencidos que tinham assinado e rubricado” (art. 10º da p.i.). Admitindo terem incorrido em erro ao assinarem um contrato de 72.000,00€, pensando tratar-se de 30.000,00€, vieram a liquidar a quantia reclamada. Sucede que, mantendo dúvidas sobre a genuinidade daquele contrato intentaram contra a 1ª Ré, Caixa Geral de Depósitos, S.A., Processo Especial de Apresentação de Documento, que correu termos sob o nº 670/18.3..., do Juízo de Competência Genérica de ..., no qual aquela, por transação, comprometeu-se “digitalizar o original do contrato (…) a remetê-lo aos autos no prazo de 10 dias, bem como a entregar aos Autores cópia certificada do mesmo, sem qualquer custo administrativo para os Autores” (ata junta com a p.i.). Acrescentando: “Vieram, assim, a apurar os Autores que o referido contrato é falso pois que não são da sua autoria as rúbricas constantes da 1ª folha do contrato e que no registo online dos atos dos advogados, documento de reconhecimento presencial de assinaturas, elaborado pelo advogado estagiário, à data, Dr. EE, não consta o reconhecimento presencial das assinaturas dos autores; confira-se documento nº 1.” (art. 15º da p.i.) “Pelo que concluem os Autores, que ao contrato original e efectivamente assinado e rubricado pelos mesmos em 29-05-2009, com o valor de 30.000,00 € de empréstimo, foi retirada a primeira folha, onde constava o montante de 30.000,00 € e a rubrica dos autores e foi colocada uma nova folha onde passou a constar o montante de 72.000,00€ e falsamente apostas rúbricas imputáveis aos autores, mas que não são da sua autoria.” (art. 16º da p.i.) “A falsificação do montante do contrato, designadamente com a substituição da primeira folha do contrato alterando o montante de 30.000,00 € para 72.000,00 € e a efetivação das falsas rúbricas como sendo dos Autores na 1ª folha do referido contrato foi efetuada, pelo gerente da ré, CC, em conluio com o réu, DD, de forma a se aproveitarem do dinheiro dos autores, sabendo ambos que a devedora principal nunca iria cumprir o contrato.” (art. 19º da p.i.) “Efetivamente a rúbrica dos Autores constante na 1ª folha do contrato não foi manuscrita pelos mesmos.” (art. 20º da p.i.) “No Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Competência Genérica de ... – Juiz ..., correu termos o Processo Comum (Tribunal Singular) nº 252/14.9..., no qual foi arguido o gerente da Ré, CC, processo criminal no qual a Ré foi denunciante.” (art. 21º da p.i.) “No âmbito desse processo, em 09 de Janeiro de 2017, foi proferida sentença condenando o gerente da Ré, CC pelos seguintes crimes: -pela prática de um crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 10 (dez) anos de prisão; -pela prática de 2 (dois) crimes de burla qualificada, ps. e ps. pelos artºs 217º e 218º nº 1 e 2 al. a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um; -pela prática de um crime de burla informática, p. e p. pelo artº 221, nºs 1 e 5, alin. a), do Código penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão; -pela prática de um crime de burla informática, p. e p. pelo artº 221º, nºs 1 e 5, alin. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão; -pela prática de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo artº 3º nºs1 e 2, da Lei 109/2009, de 15/09, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão.” (art. 22º da p.i.) “Em cúmulo das penas, foi o arguido condenado na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeitando-se a suspensão a regime de prova e à condição de o arguido, no decurso da suspensão, proceder à entrega à assistente Caixa Geral de Depósitos da quantia de 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros).” (art. 23º da p.i.) “O contrato referido no artigo 8º é nulo, por ser falso.” (art. 24º da p.i.) Sendo nulo o contrato de fiança celebrado entre os Autores e Ré, reclamam aqueles da 1ª Ré, Caixa Geral de Depósitos, S.A., a restituição de tudo o que prestaram ao abrigo do contrato, bem como uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. 2. A Ré Caixa Geral de Depósitos contestou alegando, em síntese, a verificação da exceção dilatória de caso julgado, porquanto os AA. haviam já instaurado contra si a ação declarativa com processo comum nº 724/14.5..., que correu termos pelo Juízo Central Cível de ... - J..., na qual alegaram sensivelmente os mesmos factos, e peticionaram a nulidade da fiança, cuja sentença, transitada em julgado, foi de total improcedência, com a sua absolvição do pedido. Impugnou ainda os demais factos alegados. 3. O Réu DD também contestou, alegando a verificação de caso julgado, formado pela decisão proferida no processo comum nº 724/14.5... Para além do mencionado processo, refere terem os AA. intentado contra si um outro processo, P. 372/14.0..., Juiz ..., Juízo Central Cível, de ..., uma ação de regresso, na qual os pediram a condenação do Réu (e outros cofiadores), no reembolso das quantias que pagaram por conta da fiança, sem questionarem a nulidade da fiança de 72 mil euros. E, mais tarde, invocando também a fiança pelo valor de 72 mil euros, os Autores intentaram contra si uma outra ação P. 4199/14.T... – Juiz ... – Central Cível de ... - de impugnação pauliana. Impugnou os demais factos alegados, e pede que os Autores sejam condenados como litigantes de má fé, em multa condigna a favor do Estado e indemnização a seu favor, em montante nunca inferior a € 10.000,00. * 4. O Réu CC foi citado editalmente. Representado pelo Ministério Público, não contestou. * 5. Notificados para, querendo, exercerem o contraditório sobre as exceções e pedido de condenação por litigância de má fé, vieram os Autores, fazê-lo por requerimento de 09-10-2023, alegando a sua falta de fundamento. Respondendo especificamente à 1ª Ré, referem: “Nos presentes autos o facto concreto é a falsificação das rúbricas dos Autores no contrato de fiança, o que determina a sua nulidade, bem como a invocação das nulidades invocadas por violação ao Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais, previstas no Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 220/95 de 31 de Agosto e do Decreto-Lei nº 249/99 de 7 de Julho” (art. 6º). E, respondendo ao 3º Réu, alegam: “[s]ó com a constatação das falsidades alegadas na presente ação é que conseguiram perceber o logro, sendo, por isso, indiferente a alegação deste Réu, no que se refere quanto ao processo nº 372/14.0..., que correu termos e Juízo Central Cível de ... – Juiz ..., bem como o que refere relativamente ao processo de Impugnação Pauliana que correu termos no Juízo Central Cível de ... – Juiz ... sob o nº 4199/19.4..., sendo certo que, o signatário não foi o mandatário dos Autores nos referidos processos.” (…) “III – QUANTO À LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ 15. Os Autores, face ao que passaram e ainda passam, fruto de uma falsa amizade do Réu DD, é natural, que agora, não nutram qualquer simpatia pelo mesmo. 16. Mas, não nutrindo qualquer simpatia, aos mesmos não lhes move qualquer sentimento de malvadez, “picanço”, perseguição ou chantagem. 17. Com efeito, o contacto que o Autor, AA teve com o Réu, DD, foi apenas de este lhe fornecer cópia dos extratos bancários referentes aos meses de Maio e Junho de 2009 referentes ao contrato de mútuo a que se refere o documento nº 1 da petição inicial, concretamente quanto ao capital transferido, em virtude do mesmo contrato de mútuo, para a conta da sociedade comercial “P..., Lda., conforme aliás requerem na petição inicial, à ré Caixa Geral de Depósitos, como se vê da prova documental, indicada na petição inicial. 15. O Réu, não fez o favor ao Autor, AA, pois não lhe forneceu os extratos bancários e a conversa ficou por aí. 16. Os autores ao intentarem a presente ação não tiveram um comportamento processual reprovável, antes é um exercício legítimo de recorrer ao tribunal, direito constitucionalmente consagrado nos termos do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. 17. O comportamento processual dos Autores não é enquadrável em qualquer das hipóteses previstas no artigo 542º do Código de Processo Civil.” 6. Em 09-11-2023 o Mmº Juiz da 1ª instância proferiu o seguinte despacho intercalar: «Da sentença proferida no processo crime n.º 252/14.9... consta o seguinte: Provado que, em 29/5/2009, o cliente n.º ...54 da denunciante, AA, constituiu-se fiador da empresa “P..., Lda.”, num empréstimo que tal empresa obteve junto da denunciante, na agência de ... (cc)); Não provado que o financiamento referido em CC) era no valor de €32.000,00; Mesmo após liquidar o valor do empréstimo, as respetivas prestações continuaram a ser debitadas na conta do demandante AA; O arguido, sem conhecimento e autorização do cliente AA, fez constar do contrato referido em CC) o valor de €72.000,00; No momento da assinatura do contrato referido em CC), o arguido referiu ao demandante AA que o empréstimo era de 32.000,00€; E fez crer ao demandante AA que a letra de favor aceite pela sua empresa emitida em 29/7/2008, pelo valor de 35.000,00€, havia sido paga; Assim atuando para levar o denunciante a assinar o contrato referido em CC. Face ao supra referido, que se afigura também ser suscetível de integrar o conceito de litigância de má fé, notifique os autores para se pronunciarem designadamente se pretendem o prosseguimento da presente ação. (…).» 7. Em 23-11-2023 os Autores responderam, contrapondo que: “ 1. Os Autores com a presente ação vieram suscitar a tutela jurisdicional, por enormes prejuízos sofridos e com fundamento de que não foram os subscritores da primeira folha e primeira página do contrato fiança celebrado em 29-05-2009, com a Ré Caixa Geral de Depósitos, S. A. 2. Em processo algum, incluindo o Pedido de Indemnização Civil deduzido no Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 252/14.9..., alegaram os Autores, como causa de pedir a falsificação das suas assinaturas e ou rúbricas apostas na primeira folha e primeira página do referido contrato. 3. Ao longo do tempo os Autores pretenderam ser(em) ressarcidos em consequência dos seus danos sofridos, com insucesso embora, por não terem percecionado conscientemente a ilicitude da causa dos danos. 4. Só no momento, como resulta do descrito na petição inicial e após aturada reflexão os Autores tiveram a perceção do logro em que haviam caído. 5. O direito de suscitarem a tutela jurisdicional, consagrado constitucionalmente, por ser o legítimo, num Estado de Direito, como é o nosso, não está eivado de má-fé, não podendo de forma alguma integrar o conceito de litigância de má fé. 6. Sabe-se, por ser ensinado nas escolas de direito, que o ordenamento jurídico português, sendo do ocidente, é de raiz romanístico com influência europeia, não admitindo a jurisprudência como um direito de precedente, como no sistema anglo-saxónico, nem a doutrina é norma. 7. Decisivo, parece-nos, é o apuramento dos factos e a interpretação da norma, de modo que a citação ou transcrição de acórdãos e de doutrina, por muito extensiva que seja, não releva para a dinâmica judicial. 8. E no quadro da dinâmica judicial, é necessária a audiência prévia, e que se realize nos presentes autos, porquanto também entendemos, que a apreciação imediata do mérito da causa, antes da realização da audiência final, pressupõe que inexista matéria de facto controvertida que se mostre relevante para esse efeito, … Nos autos, está em causa, entre outra matéria de facto, a apreciação da autoria das rúbricas apostas na primeira folha e primeira página do contrato de fiança. Nestes termos, requerem: a) O prosseguimento dos autos com designação de data para a realização de audiência prévia. b) A desistência da instância contra o Réu, DD.” 8. O 3º Réu respondeu declarando não aceitar a desistência da instância: 9. Os Autores vieram, entretanto, desistir do pedido quanto ao mesmo Réu (3º Réu). 10. Por requerimento subsequente (24-11-2023) este Réu: “Vem dizer que apesar dessa desistência, deverá apreciar-se o pedido de condenação de litigância de má fé formulado pelo réu a título reconvencional, sendo ainda certo que a litigância de má fé poderá e deverá ser sempre apreciada oficiosamente atendendo aos factos alegados e a prova produzida nos autos.” 11. Realizada audiência prévia (02-02-2024) consta da ata, entre o mais, o seguinte: «Após, o Meritíssimo Senhor passou a proferir Despacho, a partir do qual, além do mais e em súmula, passou a desde já a homologar a desistência do pedido dos Autores contra o Réu DD (…), por ser válida e, consequentemente declarou a extinção destes autos contra o Réu DD, com custas pelos autores, sem prejuízo (…) do referido, quanto ao pedido de litigância de má fé, (…). (…) O autor que recorre a tribunal não tem de ter a certeza de que lhe assiste razão; do mesmo modo não pode impor-se ao réu que se limite a contestar a pretensão se tiver a certeza absoluta daquilo que afirma. A dúvida é conatural ao processo, há sempre um certo grau de risco em todas as ações, instrumentos de contraponto à proibição de justiça privada. E a dúvida pode ser absolutamente legítima, conforme se demonstra através dos esquemas de recurso e de revogação de decisões de tribunais inferiores por tribunais superiores, bem como das inflexões jurisprudenciais (PAULA COSTA E SILVA, op. cit., p. 21-24). (…) Posto isto, tudo sopesado, o tribunal conclui de forma negativa. Senão vejamos: Quanto ao réu DD, a nosso ver, afigura-se bastante relevante que os autores tenham desistido do pedido. Já quanto aos demais réus, como se viu, a presente ação é decidida, não com base no caso julgado, mas na autoridade do caso julgado. Deste modo, afigura-se difícil concluir que os autores tenham deduzido pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar. Admite-se que conheciam os enormes riscos desta ação, e das probabilidades baixas da sua procedência, mas dentro ainda daquela margem admissível que se concede ao demandante. Por isso, deverão ser absolvidos deste pedido. VI. Dispositivo Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido: a) Absolver os réus do pedido; b) Absolver os autores do pedido de condenação como litigantes de má fé; c) Condenar os autores nas custas do processo.» 12. Inconformado com a absolvição dos Autores do pedido de litigância de má fé, o 3º Réu recorreu de apelação, recurso que foi admitido. 13. Conhecendo do mesmo, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu julgar parcialmente procedente a apelação e condenar os AA., como litigantes de má-fé, em multa de 5Ucs. 14. Assentando o acórdão na seguinte ponderação: “A litigância de má fé dos AA verifica-se, não apenas no facto de instaurarem a presente ação, mas também no que foi por eles alegado nesta e nas ações anteriores, que se revela absolutamente contraditório. Consta efetivamente dos factos dados como provados na ação com processo comum 724/14.5..., intentada em 25/09/2014, que os recorridos alegaram ali que o recorrente lhes pediu para serem fiadores num contrato de mútuo com fiança pelo montante de € 32.000,00, que assinaram, em 29-05-2009, e que só passados dois anos vieram a descobrir que o mútuo com fiança teria sido celebrado por € 72.000,00. Que só quando lhes foi fornecido cópia do contrato (à qual só tiveram acesso através da transação efetuada no processo 670/18.3...), é que os recorridos comprovaram que tinham sido enganados quanto ao montante de crédito e valor da fiança. Nos presentes autos dizem os autores que assinaram o mútuo com fiança por € 30.000,00, e que o réu CC (com a conivência do recorrente) terá substituído a primeira folha do contrato, com o montante do empréstimo por eles assinado, de € 30.000,00, por outra folha com o montante de € 72.000,00, e da qual constam rubricas que não são da sua autoria. Ou seja, nos autos 724/14.5... alegaram os recorridos que assinaram o contrato por € 72.000,00, na convicção de que o mútuo seria por € 32.000,00, tendo sido enganados quanto a esse facto; nestes autos afirmam que assinaram o contrato do qual constava o valor de € 30.000,00, mas que o mesmo foi alterado abusivamente pelos RR. Para além disso, nos autos de processo comum nº 372/14.0... afirmam que foram cofiadores do contrato objeto desses autos, pelo montante de € 72.000,00, pedindo a condenação do recorrente e esposa a pagar-lhes a quantia de € 65.385,07, “em consequência do incumprimento do contrato de crédito.” Ou seja, naquele processo nº 372/14.0... reconhecem os recorridos que assinaram o contrato de mútuo por € 72.000,000, e reconhecem a validade, desse contrato, sem vícios (cuja cópia juntam àquele processo). Aliás, a ação nº 372/14.0... foi intentada em 2014 e os recorridos juntaram nessa ação o contrato aqui em discussão por € 72.000,00. Já nos autos de processo comum n.º 4199/14.T..., os recorridos peticionam a condenação do recorrente a pagar-lhes a quantia de € 50.943,04, por via do direito de regresso de metade do valor por eles pago à CGD, por incumprimento do contrato de empréstimo identificado objeto destes autos. Também nos autos 4199/14.T... afirmam a validade do contrato de mútuo por € 72.000,00. E também nesses autos 4199/14.T..., intentados em 2014, juntam o contrato de mútuo como prova. Resulta assim do exposto, que os recorridos, contrariamente ao afirmado nestes autos, afirmaram nos processos anteriores, que tiveram acesso ao contrato cuja validade questionam, pelo menos em 2014, e nessa altura aceitaram, quer o montante aposto no contrato, quer o facto de o terem assinado, e de o mesmo se apresentar válido, sem que houvesse substituição de qualquer página com falsificação das suas rubricas. Para além disso, nos referidos autos 724/14.5..., intentados no ano de 2014, os autores alegam que tiveram conhecimento que foram enganados quando tiveram acesso à cópia do contrato passados dois anos sobre a sua assinatura. Já nestes autos alegam que só tiveram conhecimento da alegada falsificação quando tiveram acesso ao contrato, o que só aconteceu com a transação efetuada no processo 670/18.3... (em 2018). Ademais, os recorridos afirmam nestes autos que foi o réu CC quem falsificou as suas rubricas na primeira página do contrato. No entanto, no processo crime 252/14.9..., do qual os recorridos foram denunciantes, o referido réu CC não foi condenado por factos relacionados com este contrato, tendo o pedido de indemnização cível formulado pelos recorridos sido julgado improcedente. Resulta aliás, de forma clara, da sentença proferida naqueles autos, que não ficou provada a falsificação do documento relativo ao contrato dos denunciantes. Ora, das alegações dos AA, e das incongruências expostas, só se pode retirar uma conclusão: a de que os AA deduzem pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar; Alteram conscientemente a verdade dos factos, para sustentarem a versão dos mesmos que melhor serve a sua pretensão; e fazem do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguirem um objetivo ilegal. A sua conduta é a de litigantes de má-fé.” 15. Os Autores vieram recorrer em Revista da sua condenação como litigantes de má fé. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé (art. 542º nº 3 do CPC). Assim, tendo ocorrido condenação apenas no Tribunal da Relação, ou seja, em um grau, admite-se o recurso, assegurada a legitimidade dos Recorrentes, sendo indiferente o valor da causa e da sucumbência. 16. Concluíram do seguinte modo as suas alegações de recurso, as quais visando ainda em Revista excecional, revogar o decidido sobre a autoridade de caso julgado (revista não admitida quanto pela Formação deste STJ), se deixam transcritas na totalidade, por se correlacionarem com a matéria que nos cumpre apreciar: a litigância de má fé. Assim: “1ª - Dá-se por reproduzido o teor dos articulados dos recorrentes, designadamente os constantes das referências citius ...27, ...97 e ...47. 2ª - O Acórdão confirmou a sentença proferida, em crise, que julgou a exceção invocada pelos réus, de caso julgado, improcedente e absolveu do pedido os réus, por se verificar autoridade de caso julgado. 3ª - De modo que, o presente recurso diz respeito à questão de autoridade de caso julgado, que no entender dos recorrentes não se verifica nos presentes autos. 4ª - Entendemos, salvo melhor convencimento, que os tribunais recorridos decidiram erradamente. 5ª - É errado o raciocínio inserto na página 26 da sentença, bem como o confirmado pela Relação quando diz: “Demonstrada a tese dos autores, o tribunal concluiria que os autores não outorgaram o contrato de mútuo com fiança, quando nas ações anteriores concluiu-se que os autores outorgaram o referido negócio jurídico. Impõe-se assim, absolver os réus dos pedidos (…) 6ª - Porquanto do que resulta da matéria de facto e de direito alegada nos articulados pelos recorrentes é de que celebraram o referido negócio jurídico, no entanto, o mesmo, é nulo, entres outras causas, por força da falsificação ou viciação das suas rúbricas na primeira página do mesmo contrato e da falsificação do teor da primeira página, que os mesmos que haviam lido e rubricado. 7ª - Ora estes factos, não sendo instrumentais, e que não foram alegados nem julgados nas anteriores ações e porque constituem, isso sim, factos essenciais, deveriam ser levados a julgamento. 8ª - A questão colocada pelos recorrentes na ação não foi discutida nas ações anteriores, identificadas na fundamentação da sentença, sendo, por isso, correto considerar que não há exceção nem autoridade de caso julgado, pois o objeto da presente ação é diferente dos das anteriormente julgadas. 9ª - No nosso modesto entendimento e sem cuidarmos de analisar o mérito da jurisprudência citada, há que distinguir a que título é invocado, a questão da nulidade do contrato de mútuo, na presente ação: se a título prejudicial ou se a título de concurso. 10ª - Ora no caso dos recorrentes estamos perante uma relação de concurso de causas de pedir entre a ação anterior e a presente. 11ª - Em termos simples: os recorrentes invocam em cada ação uma causa de pedir diferente para uma mesma afirmação de que o contrato de mútuo é nulo. 12ª - Aos recorrentes que viram ser julgado improcedente o seu pedido suportado em certa causa de pedir, não está vedado a repetição do mesmo pedido (o que no caso nem é exato), com diferente causa de pedir. 13ª - O que transitou em julgado foi que o contrato de mútuo não é nulo à luz do primeiro e concreto fundamento, mas não transitou que ele não possa ser nulo por qualquer outro fundamento fático não deduzido. 14ª - E, tampouco, lhes pode ser oposto um ónus de concentração de todos os fundamentos na dedução de um pedido. 15ª - Nada na lei o determina esse ónus, nem constitui má-fé processual a dedução de várias ações com diferentes causas de pedir. 16ª - E, já agora, também se cita TEIXEIRA DE SOUSA, e a sua afirmação, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., 1997, p. 577, de que “na eventualidade de a ação relativa a objeto concorrente ter sido improcedente, não existe, em princípio, qualquer obstáculo à admissibilidade de uma segunda ação”. 17ª - Assim sendo e verificado que inexiste autoridade de caso julgado, deve o recurso merecer procedência ser revogada a sentença e o acórdão recorrido, devendo por consequência o processo baixar à primeira instância, para prosseguirem os autos com vista a julgamento. 18ª - Mostra-se violada a norma que se contém no nº 1 do artigo 619º, nº 1 do CPC, por errada interpretação, pelos tribunais recorridos. 19ª - Mostra-se violada a alª b) do nº 1, do artigo 595º do CPC e, com ele, o princípio estrutural do processo civil, do direito de ação, consagrado no nº 2, do artigo 2º do CPC, configurando uma interpretação inconstitucional da aludida norma, por violação do direito de acesso aos tribunais, conferido no nº 1, do artigo 20º, da CRP. A final, requerem a sua absolvição como litigantes de má-fé. Não foram apresentadas contra-alegações II – Questão a decidir II. Objeto do recurso De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º 2, 635.º, nº 4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil), e delimitado o objeto de recurso à litigância de má fé, também ela de conhecimento oficioso, importa apreciar: - Da (in)existência dos pressupostos aptos ao juízo de censura da litigância de má fé. III – Os factos Importa relevar a factualidade que subjaz cronologicamente ao relatório antecedente, e ainda, a que resulta fixada pelas instâncias, que ora se expõe: 1) Na ação com processo comum 724/14.5... que correu termos pelo Juízo Central Cível de ... J..., os aqui Autores demandaram a CGD, formulando no final os seguintes pedidos: A) Declarar a anulação da fiança prestada pelos AA no contrato de empréstimo com fiança nº ...91 por erro sobre o objeto do negócio nos termos do artº 251º do CC, e também por conduta dolosa da Ré e da P..., Lda. e cofiadores. (artº 253º e 254º CC) B) Declarar a anulação da fiança prestada pelos AA no contrato de empréstimo com fiança nº ...91 por erro sobre os motivos determinantes da vontade nos termos do nº 2 art.º 252º do CC, e conduta dolosa da Ré e da P..., Lda. e cofiadores, na criação do erro sobre os motivos determinantes da vontade. (artº 253º e 254º CC) C) Declarar a nulidade do contrato de fiança por falta de entrega aos AA de cópia do respetivo contrato (nº 1 artº 6º e 7º do DL 359/91 de 21/09) E consequentemente: D) Condenar a Ré a restituir aos AA a totalidade dos valores que ao abrigo deste contrato por estes lhe foram pagos até à presente data, sendo €70.111,27, conforme descriminado no item desta PI, acrescido dos juros de mora que à taxa legal se vencerem sobre esta quantia e até integral pagamento; E) Condenar a Ré, no pagamento aos AA. dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos mesmos em consequência da conduta imprópria do gerente da Ré da Agencia de ... DR. CC em €8.000,00 e €25.000,00 respetivamente. 2) Em fundamento dessa pretensão alegaram, na petição inicial, apresentada a 25-9-2014, designadamente o seguinte: 1º- Os AA. intervieram como cofiadores solidários, juntamente com DD, contribuinte fiscal nº ...90 e mulher FF, contribuinte fiscal nº...03, casados no regime de comunhão geral, residentes na Avenida ... e (clausula 21) em um “Contrato de Mútuo com Fiança” celebrado entre a P..., Lda., e a Caixa Geral de Depósitos S.A., em 01/06/2009, embora com data de eficácia de 29 de Maio de 2009, no montante de €72.000,00 (setenta e dois mil euros), com expressa renuncia dos fiadores ao beneficio de excussão prévia e beneficio do prazo, contrato este com o nº ...91, que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cfr doc nº 1) 2º- Os referidos DD e FF eram os únicos sócios e gerentes da empresa P..., Lda., que se dedica à mediação Imobiliária (docs nº 1 e nº 8). 3º- No ano de 2009, a P..., Lda. necessitou de efetuar um financiamento para reforço do fundo de maneio junto da Ré, para fazer face a compromisso Finanças 4º - Dada a situação financeira difícil da empresa, para contrair este empréstimo bancário, o empréstimo teve, para ser aprovado pela ora Ré, que ser avalizado pelos seus gerentes, mas mesmo assim isso não era bastante. 5º- Por isso os seus únicos gerentes, pediram, ou melhor, imploraram aos ora AA, que fossem também eles cofiadores da empresa, perante a ora Ré num empréstimo de €32.000,00 comprometendo-se, pelo que de mais precioso tinham, e mesmo que para tal tivessem que desfazer-se de bens pessoais, que a P..., Lda. cumpriria com o pagamento pontual das prestações, pelo que os ora AA, não correriam qualquer risco patrimonial. 6º- Os AA resistiram o máximo que puderam, a entrar nesta operação, até porque tinham a frontal oposição da filha GG e genro HH. 7º- Porém, perante a insistência e desespero dos sócios da P..., Lda., acabaram por aceder a serem seus cofiadores da P..., Lda., ao fim de mais de três semanas de insistência 8º- Considerando como decisivo e em abono da P..., Lda., que tinha corrido bem o aceite de uma letra de favor no montante de €35.000,00, que esta empresa já em Julho de 2008 tinha solicitado às Construções ..., Lda.” de que o A. marido é sócio gerente, letra que foi emitida em 29/07/2008, com vencimento para 29/01/2009 (…). 9º- Porque a ora Ré CGD, não tinha vindo solicitar à aceitante o pagamento desta letra, sinal inequívoco de que essa letra fora regularizada no vencimento pela própria sacadora (…)- já que se tratava de uma letra de favor, emitida no seu exclusivo interesse. 10º- Diga-se que na altura do aceite desta letra de favor, o gerente da P..., Lda., Sr. DD, emitiu e entregou ao gerente da aceitante, ora A., um cheque pessoal de garantia de igual montante (€35.000,00), para a mesma data de vencimento (…). 11º- E assim, pesado este facto essencial, acabaram os AA por aceder ao pedido e foram efetivamente cofiadores solidários, juntamente com aqueles sócios DD e FF, de um “Contrato de Mútuo com Fiança” celebrado pela P..., Lda. com a Caixa Geral de Depósitos S.A., (cfr doc nº 1); 12º- Este contrato foi outorgado em 01/06/2009, na agencia de ... da CGD, onde a P..., Lda. tinha conta, perante o respetivo gerente à data, o Dr. CC. 13º- Este empréstimo deveria ser pago em prestações mensais, a iniciar no mês seguinte ao da celebração do contrato de mútuo. 14º- Porém, a verdade é que a empresa P..., Lda. apenas pagou a primeira prestação, ou seja, a prestação que se venceu a 2 de Julho de 2009. 15º- Para todas as restantes prestações, a P..., Lda. não provisionou a sua conta junto da Ré com os necessários fundos, nem as pagaram os próprios gerentes, pelo que, o Banco mutuante foi buscar à conta dos AA. o dinheiro dessas prestações, conforme cartas enviadas pela Caixa Geral de Depósitos aos Autores, a exigir o pagamento das prestações em falta, e débito na respetiva conta. (Cfr docs 4 e 5) 16º- O A. marido bem insistiu com o DD, lembrando-o do compromisso assumido, mas a verdade é que desde o dia 2 de Setembro de 2009, todas as demais prestações (incluindo a vencida em Agosto de 2009), foram pagas ao Banco Réu pelos autores, por débito na sua conta DO ...30 (cfr doc nº 6 e 7). 17º- Reforça-se, que os gerentes da P..., Lda. sempre falaram ao autor, que este empréstimo era de €32.000,00, e que foi esse o valor que lhes foi falado pelo gerente da CGD/... no momento da assinatura. 18º- Nunca se falou de €72.000,00, nem nos preliminares, nem na assinatura do contrato na CGD/... no dia 01/06/2009. 19º- Só quando, decorridos mais de dois anos, estranhando nunca mais acabar o débito destas prestações, o A. marido foi à agencia em ..., questionar a situação, é que foi confrontado com a informação de que o contrato era de €72.000,00, 20º- E só nessa altura, passados uns dias, lhe foi fornecido cópia do contrato e os AA. comprovaram que tinham sido enganados quanto ao montante do crédito e valor da fiança. 21º- Indignado, o A. marido reclamou junto do Dr. CC, que entretanto, para cumulo do azar, fora nomeado gerente da CGD em ..., pouco depois dos factos em finais de 2009 e, quando se queixava ( sempre junto do próprio) desta vigarice, o mesmo deixava bem claro que não devia “criar ondas”. 22º- Se não criasse ondas ia correr tudo bem .. de outra forma ia ser muito complicado, dizia-lhe o Dr. CC. 23º- E a verdade é que em 2011, com a crise dos negócios da imobiliária e da construção civil o A. e a sua empresa estavam numa posição de grande fragilidade, não lhe restando muita alternativa que “comer e calar”. 24º- O texto do contrato não foi fornecido antecipadamente aos AA. nem as clausulas do contrato foram lidas no ato de assinatura. 25º- Apenas foi transmitido pelo Sr. Dr. CC, que se tratava de um contrato de mutuo com fiança no valor de €32.000,00, a pagar em prestações, e por isso os AA. confiaram inteiramente e assinaram sem ler. 26º- Até porque eram pessoalmente e pela empresa “Construções ..., Lda.” clientes da CGD há mais de 20 anos, com contas na agencia de .... 27º- Nunca pela cabeça dos AA passou que iriam ser vigarizados pela ora Ré CGD, num esquema fraudulento, em que foram vitimas do conluio entre a P..., Lda., o Sr. DD, D. FF e o Dr. CC. fosse os €72.000,00. 28º- Os quais agiram concertada e dolosamente desta forma, porque todos sabiam perfeitamente que nunca os AA. teriam assinado o contrato se o valor mencionado 29º- Assinariam por €32.000,00, que era o combinado, ou por qualquer valor inferior. Nunca por um valor superior. 30º- Por isso foi este valor de €32.000,00 o valor do contrato que o gerente da CGD/... referiu, antes da assinatura do mesmo, na agencia. 31º- Agindo com dolo positivo relevante, pelo que deve o contrato de fiança identificado no item 1º, ser anulado nos termos dos nº 1 do artº 253 e artº 254º do CC, porque este dolo foi causal do erro dos AA. na assinatura do contrato. 32º- Foi este dolo do gerente da Ré/agencia de ..., e dos gerentes da P..., Lda. que induziu os AA a assinar um contrato por €72.000,00, na convicção de que estavam a assinar €32.000,00; tal como lhes foi dito por todos. 33º- Dolo este causal do erro sobre o objeto do negócio (artº 251º do CC.) por parte dos AA. , que como os conluiados bem sabiam, nunca teriam aceite ser fiadores se o valor da fiança fosse superior aos €32.000,00. 34º- O que determina desde logo a anulação do negócio (fiança) o que expressamente se invoca, com as consequências legais da devolução de tudo o que foi pago pelos AA. (artº 289º CC) (….) 68º- A Ré não entregou aos AA., como supra se alegou, nenhum exemplar do contrato identificado no item 1º desta PI. 69º- Só o fez volvidos mais de dois anos, na sequencia de reclamação do A. Marido conforme item nºs 19º, 20º e 24º. 70º- O que constitui causa de nulidade do contrato nos termos dos nº 1 do art.º 6º e nº 1 do art.º 7º do Decreto Lei nº 359/91 de 21/09; nulidade que expressamente se Invoca. 71º- Bem como omitiu consciente e dolosamente os deveres de comunicação e informação a que aludem os artºs 5º e 6º do DL nº 446/85 de 25/10, o que também constituiu causa de nulidade do mesmo contrato (vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22/03/2011, Proc. N.º 136/09.2TBSTS.P1) 72º- Consequentemente deve a Ré devolver aos AA. por força de tal nulidade, tudo o que deles receberam (nº 1 artº 289º CC) TOTAL 52.924,53 € 13.736,86 € 66.661,39 € 76º- Valores que por força da anulação, resolução ou nulidade do contrato de fiança identificado no item 1º, a Ré deve restituir na integra aos AA., bem como aos juros moratórios que sobre estes pagamentos, à taxa legal de 7,25%, se venceram sobre cada uma das prestações pagas e que já ascendem nesta data a €13.736,86. 77º- Bem como dos juros que entretanto se vencerem sobre a quantia de €52.924,53 até integral pagamento. 78º - Acresce que, entretanto o pagamento das prestações deste contrato de fiança, se revelou um esforço incomportável para os AA., que se viram incapazes de o cumprir, a partir de 30 de Maio de 2012, 79º- Motivo pelo qual, em 22/04/2013, foram citados para uma execução instaurada no ...º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ... com o nº 1116/13.9..., movida pela ora Ré, a mutuante Caixa Geral de Depósitos, contra P..., Lda., os ora AA. e os cofiadores DD e FF, por incumprimento do contrato identificado no item 1º , pelo valor de €33.975,08 (cfrdoc.15). 80º- Para por termo a esta execução, tiveram os ora AA , aí executados, que contrair em Julho de 2013, um empréstimo junto da CGD, para o que tiveram que dar garantia hipotecária pelo montante de €36.500,00, para fazer face ao pagamento deste débito executivo, com juros e acrescidos, o que lhes acarretaria durante 22 anos, uma prestação mensal de €246,42 ( cfr doc nº 16 e 19). 81º- Tendo pago até ao presente momento por força deste contrato de mútuo com hipoteca, a quantia de € 3.449,88 (14 x €246,42). 82º- Ora, a anulação ou nulidade do contrato de fiança identificado no item 1º acarreta também a anulabilidade do contrato de mutuo com hipoteca nº0288.008493.885 que os AA. contraíram junto da Ré, para regularizar as prestações em falta naquele primeiro contrato e o cancelamento da hipoteca que contraíram a favor da Ré, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo predial de ... sob o nº Marinhas (cfr doc nº 19). 83º- Consequentemente, também deve a Ré restituir aos AA. estes €3.449,88 que deles recebeu, acrescido de juros de mora à taxa de 7,25% até integral pagamento. 84º- Por força de tudo o acima exposto, deve a Ré ser condenada a pagar aos AA o montante de €70.111,27, (€ 52.924,53 + €13.736,86+ €3.449,88) acrescido dos juros que à taxa legal de 7,25% se vencerem até integral pagamento. 85º- Ao ficar a saber, em Janeiro do corrente ano, de como se tinham passado as coisas e da forma que tinha sido enganado, o A. marido ficou completamente revoltado e já não pode conter mais a indignação. 86º- Entregando uma carta na agencia de ... dirigida à sede da Ré, com cópia para o departamento de auditoria interna da Ré, denunciando a situação de que fora e estava a ser vitima. (Cfr doc nº 17) que se junta. 87º- Pela sua relevância transcrevemos alguns trechos: “o que me foi solicitado e aquilo a que dei o meu acordo e a fiança minha e da minha esposa, foi para um empréstimo no valor de €32.000,00. Nunca dei o meu acordo para fiança de um empréstimo de €72.000,00 por isso manifesto a minha total indignação e a acusação contra o Sr. Dr. CC, uma vez que nele confiei enquanto gerente da CGD /... dado que trabalho com a V/ instituição há mais de 20 anos e a tinha como pessoa de bem. É verdade que não conhecia o Dr. CC de outra parte e me devia ter rodeado de maiores cautelas, mas confiava na Instituição CGD. As clausulas não me foram lidas, foi-me transmitido pelo Sr. Dr. CC, e confiei inteiramente que se tratava de um contrato de €32.000,00, nunca de €72.000,00 e por isso o assinei sem ler. Nunca pela minha cabeça passou que iria ser vigarizado pela CGD, num esquema fraudulento, em que fui vitima do conluio entre a P..., Lda., o Sr. DD e o Dr. CC.” 88º- Pedindo uma reunião para análise deste dossier, reclamando desde já, a suspensão imediata dos débitos do contrato de empréstimo nº 0288.008493.885 (…) 99º- Ora, os AA. por força da conduta da Ré tiveram que intentar ações contra os cofiadores gerentes da P..., Lda. com o que já despenderam em custas judiciais e honorários a advogado, mais de €4.000,00; (cfr docs 20, 21 e 22) 100º- Sendo que estas ações ainda não terminaram e podem estas despesas aumentar para outro tanto, ascendendo assim os danos patrimoniais causados pela Ré a mais de €8.000,00 101º- Por outro lado, o facto de se ter visto envolvido nesta trama, fruto do comportamento doloso do funcionário da Ré, gerente da agencia de ... Dr. CC, em conluio com os gerentes da P..., Lda., 102º- Causou aos AA grande angustia, vergonha e perturbação, por terem sido vitimas de tamanha trapaça, 103º- Vendo afetado a sua tranquilidade, pelo que passaram muitas noites sem dormir, preocupados com a situação, e como iam fazer face a este encargo. 104º- Tiveram que fazer grandes sacrifícios, alterar os seus hábitos e foram obrigados a desfazer-se de bens, designadamente do veiculo, para fazer face às prestações do contrato identificado no item 1º. 105º- Expondo-se perante o meio em que vivem, que é pequeno e onde toda a gente se conhece, a passar por dificuldades financeiras, o que prejudicou o seu bem estar. 106º- Viram o seu nome e o seu património ser objeto de execução judicial, conforme item nº , o que nunca lhes tinha acontecido, 107º- Tudo por culpa da atuação dolosa do gerente de ... da Ré. 108º- Danos não patrimoniais para cuja compensação são necessários €25.000,00. 3) Neste processo foi proferida sentença julgando a ação totalmente improcedente. 4) Para o efeito o Tribunal considerou provados os seguintes factos: 1º- Os autores intervieram como cofiadores solidários, juntamente com DD e mulher FF, no contrato de mútuo com fiança com o nº ...91, celebrado entre a P..., Lda., e a Caixa Geral de Depósitos S.A., em 01/06/2009, embora com data de eficácia de 29 de maio de 2009, no montante de €72.000,00 (setenta e dois mil euros), com expressa renúncia dos fiadores ao benefício de excussão prévia e benefício do prazo. 2º- DD e FF eram os únicos sócios e gerentes da empresa P..., Lda., que se dedica à mediação imobiliária. 3º- Em julho de 2008 as Construções ..., Lda.”, de que o autor marido é sócio gerente, aceitou uma letra à P..., Lda., no montante de €35.000,00, letra que foi emitida em 29/07/2008 com vencimento para 29/01/2009. 4º- A CGD, não reclamou da aceitante o pagamento desta letra, na data do seu vencimento. 5º- Na altura do aceite desta letra de favor, o gerente da P..., Lda., DD, emitiu e entregou ao gerente da aceitante, ora autor, um cheque pessoal de garantia de igual montante (€35.000,00), para a mesma data de vencimento. 6º- O contrato de mútuo com fiança foi outorgado em 01/06/2009, na agência de ... da CGD, onde a P..., Lda. tinha conta, perante o respetivo gerente à data, o Dr. CC. 7º- Este empréstimo deveria ser pago em prestações mensais, a iniciar no mês seguinte ao da celebração do contrato de mútuo. 8º- A P..., Lda. apenas pagou a primeira prestação, que se venceu a 2 de julho de 2009. 9º- As restantes prestações, até maio de 2012, foram pagas ao Banco réu pelos autores, por débito na sua conta DO ...30. 10º- Os autores e a empresa “Construções ..., Lda.” eram clientes da CGD há mais de 20 anos, com contas na agência de .... 11º- Foi instaurado contra a empresa “Construções ..., Lda.” pedido de Insolvência, requerido pela P..., Lda., e que correu termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de ... sob o nº 1292/13.0..., fundando-se o crédito numa letra de €35.806,00, que afinal correspondia à letra de 35.000,00 com vencimento em 29/01/2009. 12º- Essa letra de €35.000,00, tinha sido falsificada no seu valor (quer no numeral quer no extenso) passando a ter um valor de €35.806,00. 18º- O valor dos pagamentos já efetuados pelos autores à ré, ao abrigo do contrato e na qualidade de cofiadores da P..., Lda., ascenderam, até 30 de maio de 2012, a € 52.924,53. 13º - O pagamento das prestações do contrato de fiança começou a revelar-se um esforço incomportável para os autores, que se viram incapazes de o cumprir, a partir de 30 de maio de 2012. 14º- Em 22 de abril de 2013, os autores foram citados para uma execução instaurada no ...º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ... com o nº 1116/13.9..., movida pela ré, a mutuante Caixa Geral de Depósitos, contra P..., Lda., os ora autores e os cofiadores DD e FF, por incumprimento do contrato de mútuo com fiança, pelo valor de €33.975,08. 15º- Para por termo a esta execução, os autores, aí executados, contraíram em julho de 2013, um empréstimo junto da CGD, para o que deram garantia hipotecária pelo montante de €36.500,00, para fazer face ao pagamento deste débito executivo. 16º- Tendo pago até ao presente momento a quantia de € 3.449,88 (14 x €246,42). 17º- O autor enviou à ré, que recebeu, a carta junta a fls 23, datada de 27 de dezembro de 2013, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 5) E considerou não provados os seguintes factos: 1º- No ano de 2009, a P..., Lda. necessitou de efetuar um financiamento para reforço do fundo de maneio junto da ré, para fazer face a compromissos com as Finanças. 2ª Os autores só aceitaram ser fiadores da P..., Lda. porque estavam convencidos que tinha corrido bem o aceite da letra de favor no montante de €35.000,00, que esta empresa em julho de 2008 tinha solicitado à “Construções ..., Lda.”. 3º- Porque a CGD não tinha vindo solicitar à aceitante o pagamento desta letra, tal era sinal inequívoco de que essa letra fora regularizada no vencimento pela própria sacadora. 4º- Os gerentes da P..., Lda. sempre falaram ao autor, que este empréstimo era de €32.000,00, e foi esse o valor que lhes foi falado pelo gerente da CGD/... no momento da assinatura do contrato. 5º- Só quando, decorridos mais de dois anos, estranhando nunca mais acabar o débito destas prestações, o autor marido foi à agência em ..., questionar a situação, é que foi confrontado com a informação de que o contrato era de €72.000,00. 6º- O autor reclamou junto do Dr. CC, gerente da CGD, que deixou bem claro que não devia “criar ondas” de outra forma a situação da sua empresa ficaria muito complicada. 7º- Na data da assinatura do contrato foi fornecida uma cópia aos autores. 8º- No ato de assinatura do contrato, apenas foi transmitido pelo Sr. Dr. CC, que se tratava de um contrato de mútuo com fiança no valor de €32.000,00, a pagar em prestações e por isso os autores confiaram inteiramente e assinaram sem ler. 9º- O gerente da ré/agência de ..., e os gerentes da P..., Lda., concertadamente, induziu os autores a assinar um contrato por €72.000,00 na convicção de que estavam a assinar €32.000,00. 10º- O gerente da ré/agência de ... e os gerentes da P..., Lda., bem sabiam que os autores nunca teriam aceite ser fiadores, se o valor da fiança fosse superior aos €32.000,00. 11º- No início do ano de 2014, e a propósito de um pedido de insolvência da empresa “Construções ..., Lda.”, requerido pela P..., Lda. e que correu termos pelo ...º Juízo do Tribunal Judicial de ... sob o nº 1292/13.0..., os autores ficaram a saber que a letra de favor de 35.000,00 com vencimento em 29/01/2009, afinal não havia sido paga, na data do seu vencimento. 12º- Os elementos alterados da letra falsificada de €35.806,00, eram tão evidentes que não podia ter sido descontada pela ré CGD, sem uma forte conivência do seu gerente da Agência, ou responsável superior. 13º- Os autores, por força da conduta da ré, tiveram que intentar ações contra os cofiadores gerentes da P..., Lda. com o que já despenderam em custas judiciais e honorários a advogado, mais de €4.000,00. 14º- A atuação do gerente da ré causou aos autores angústia, vergonha e perturbação. 6) Essa decisão, na sequência de recuso interposto pelo Autor veio a ser confirmada, na íntegra, pelo Tribunal da Relação de Guimarães. 7) No processo crime n.º 252/14.9..., que correu contra o arguido CC, aqui réu, AA e mulher, BB, aqui autores, deduziram pedido de indemnização civil (invocando os vícios supra mencionados no processo n.º 724/14.5...) contra o arguido, aqui réu CC, e contra a Caixa Geral de Depósitos (a qual foi absolvida da instância por força da litispendência do processo supra mencionado), tendo pedido a condenação de ambos na reparação de todos os prejuízos causados pela conduta delituosa do arguido, designadamente no pagamento da quantia de 67.995,65€, correspondente à totalidade dos valores que despenderam até à presente data ao abrigo do contrato alegado na petição inicial, acrescida de juros, à taxa legal, a contar (…) até integral pagamento, das despesas com custas e honorários a advogado, a fixar em execução de sentença, e da quantia de 25.000,00€ a título de compensação dos danos não patrimoniais por si sofridos. 8) Da sentença proferida no processo crime n.º 252/14.9... consta o seguinte: Provado que, em 29/5/2009, o cliente n.º ...54 da denunciante, AA, constituiu-se fiador da empresa “P..., Lda.”, num empréstimo que tal empresa obteve junto da denunciante, na agência de ... (cc)) com a seguinte motivação: A celebração do contrato constante de CC) resultou atestada em face do teor de fls. 477 e ss., não se extraindo da análise de tal documento a existência de qualquer alteração dos seus dizeres após a respetiva assinatura, que também foi negada pelo arguido e acabou por não ser atestada por qualquer outra prova, tendo-se o ofendido AA limitado a declarar que teria sido enganado pelo arguido, que o teria feito crer que estaria a assinar uma fiança de 32.000,00€, engano este que não logrou resultar demonstrado; Não provado que o financiamento referido em CC) era no valor de €32.000,00; Mesmo após liquidar o valor do empréstimo, as respetivas prestações continuaram a ser debitadas na conta do demandante AA; O arguido, sem conhecimento e autorização do cliente AA, fez constar do contrato referido em CC) o valor de €72.000,00; No momento da assinatura do contrato referido em CC), o arguido referiu ao demandante AA que o empréstimo era de 32.000,00€; E fez crer ao demandante AA que a letra de favor aceite pela sua empresa emitida em 29/7/2008, pelo valor de 35.000,00€, havia sido paga; Assim atuando para levar o denunciante a assinar o contrato referido em CC. 9) No dispositivo desta sentença consta o seguinte: Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes AA e mulher, BB, e, em consequência, absolvo o arguido do mesmo. B - Dos factos não provados: Não resultaram factos não provados”. O acórdão da Relação concedendo razão ao recorrente (3º Réu) aditou à matéria de facto provada, a seguinte factualidade, que considerou “apta a acentuar a conduta dos AA. em termos de litigância de má-fé”: “A) No âmbito do processo n.º 372/14.0... – Juiz ... – Juízo Central Cível, do Tribunal Judicial de ..., os autores alegaram, entre outros, os seguintes factos: “…6º- E foram efetivamente cofiadores solidários, juntamente com aqueles sócios DD e FF, (clausula 21) de um “Contrato de Mútuo com Fiança” celebrado pela P..., Lda. com a Caixa Geral de Depósitos S.A., em 29 de Maio de 2009, no montante de €72.000,00 (setenta e dois mil euros), com expressa renuncia dos fiadores ao beneficio de excussão prévia, e beneficio do prazo, contrato este com o nº ...91, que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. B) Nessa ação 372/14.0..., os autores peticionam o seguinte: “Reconhecendo-se os AA como credores dos primeiros réus pelo montante de €165.385,07, sendo €65.385,07, em consequência do incumprimento do contrato de crédito identificado no item 6º (…) desta PI”. C) Consta dos factos provados da sentença do processo 372/14.0..., entre outros, os seguintes factos provados: “2. No dia 29 de Maio de 2009, esta sociedade P..., Lda. celebrou com a “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” um contrato de mútuo com fiança, mediante o qual esta última declarou emprestar àquela a quantia de € 72.000,00. 3. Os 1ºs Réus e os Autores constituíram-se fiadores solidários e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que viessem a ser devidas à mutuante no âmbito desse contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos, renunciando ainda ao benefício do prazo estipulado no art.º 782º do Código Civil e ao exercício das exceções previstas no art. 842º do mesmo código.” D) No âmbito do processo n.º 4199/14.T...- Juiz ...- Juízo Central Cível de..., os autores alegaram, entre outros factos, o seguinte: 4º- Os AA (…) foram efetivamente cofiadores solidários, juntamente com aqueles sócios DD e FF, (clausula 21) de um “Contrato de Mútuo com Fiança” celebrado pela P..., Lda. com a Caixa Geral de Depósitos S.A., em 29 de Maio de 2009, com expressa renuncia de todos os fiadores ao beneficio de excussão prévia, e beneficio do prazo, contrato este com o nº ...91, que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cfr doc nº 1) E) Nos autos 4199/14.T..., os autores peticionaram o seguinte: “Deve ser declarado que os autores AA e II, são credores dos primeiros RR no montante de € 50.943,04, por via do direito de regresso de metade do valor por eles pagos à CGD por incumprimento culposo da P..., Lda. do contrato de empréstimo identificado no item 4º da PI; e os primeiros RR condenados no seu pagamento”. IV – O Direito Importa apurar se o comportamento dos Autores merece a censura ética que lhes foi atribuída. A litigância de má-fé configura um tipo especial de ilícito civil em que uma parte, com dolo ou negligência grave, age processualmente de forma inequivocamente reprovável, violando deveres de legalidade, boa-fé, probidade, lealdade e cooperação, suscetíveis de causar prejuízo à parte contrária e obstar à realização da justiça. Assim, dispõe o artigo 542.º do CPC que: “1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. 3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.” – negrito nosso. A doutrina e a jurisprudência têm colocado um elevado nível de exigência na apreciação dos requisitos da litigância de má-fé. Assim: Na definição da figura, António Menezes Cordeiro, “Litigância de má fé Abuso do Direito de Ação e Culpa “In agendo” Almedina, 2006, p. 25-27, a propósito da norma do CPC anterior (art. 456º na redação do DL 180/96, de 25-09), de conteúdo igual ao atual, refere que: “No tocante à conduta sancionada, temos três tipos de atuação substancial e um de conduta processual. Têm a ver com a atuação substancial: - o deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento se não deva ignorar – art. 456º/2, a); - o alterar a verdade dos factos ou o omitir factos relevantes para a decisão da causa – art. 456º/2, b); - a omissão grave do dever de cooperação – art. 451º, 2, c). No domínio da conduta processual, o tipo legal relata um uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, com um de três fins – art. 456º/2, d): - conseguir um objetivo ilegal; - impedir a descoberta da verdade; - protelar sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. (…) É ainda importante sublinhar que a lei processual castiga a litigância de má fé, independentemente do resultado. Apenas releva o próprio comportamento, mesmo que, do ponto de vista do prevaricador, ele não tenha conduzido a nada. O dano não é pressuposto da litigância de má fé. Quanto à culpa e na sequência da evolução acima retratada, são hoje penalizadas, como litigância de má fé, determinadas condutas especialmente tipificadas, desde que cometidas: - com dolo; - com negligência grave. (…) A litigância de má fé opera oficiosamente: apenas a parcela relativa à indemnização exige um pedido do beneficiário – art. 456/1, do CPC”. Também Rui Correia de Sousa in Litigância de má fé “Coletânea de sumários e Jurisprudência”, 2ª ed. Quid Juris, p. 7 – 9, a propósito do anterior art. 456º, tece as seguintes considerações: “A má fé constitui matéria de facto, traduzindo-se na utilização maliciosa e abusiva do processo, na violação do dever de correção processual que flui do art. 266º- A do Código de Processo Civil1. Pela má fé, faz-se uso malicioso e abusivo do processo, contrariamente ao dever de boa fé processual (verdade, lealdade e probidade) que o direito adjetivo impõe às partes. A litigância de má fé (em sentido psicológico, assente em intenção maliciosa) constitui um afloramento do abuso de direito, é de conhecimento oficioso em qualquer instância e tem como pressuposto, o dolo ou a negligência grave. A sua qualificação tem de ser feita individualmente, em relação a cada litigante e a sua condenação só deve ter lugar em casos de chocante e grosseiro uso dos meios processuais, pondo em perigo a Imagem da Justiça no caso, e em geral. (…) Existem duas espécies de dolo: a) O dolo substancial refere-se sempre à relação jurídica substantiva e é composto por dois elementos: - um de natureza objetiva (falta de razão do litigante); - outro de natureza subjetiva (consciência dessa falta de razão) que diz respeito ao fundo da causa, ou seja, à relação jurídica material controvertida (relação substancial ou de direito substantivo, apresentada em juízo); Verifica-se dolo substancial quando se deduza pedido ou oposição injustos, ou cuja falta de fundamento se conhece antecipadamente ou não se deveria ignorar, quando se altere conscientemente a verdade dos factos, ou ainda quando se omitam voluntariamente factos essenciais, afim de se obter uma decisão de mérito que não corresponde à verdade factual b) O dolo instrumental refere-se à relação jurídica processual ou adjetiva e verifica-se quando se faça chicana processual, a qual subverte valores éticos em que o processo se alicerça, de que são exemplos: - Tentativa de conseguir um objetivo ilegal; (…) - Negação de factos pessoais que venham a ser dados como provados; tais factos são os que se relacionam com a vivência da parte na sua atuação ou na sua omissão, no âmbito do seu inter relacionamento com os outros; - Qualquer outro impedimento para a descoberta da verdade material; - Violação grave e consciente do dever de cooperação com o Tribunal de que é exemplo a omissão deliberada de prestação de uma informação legalmente exigível e ordenada por despacho judicial (…) A negligência grave (alguns arestos apelidam-na de culpa grave e outros de erro grosseiro) é também na atualidade, um pressuposto de litigância de má fé, não sendo necessário provar-se a consciência da ilicitude do comportamento e/ou atuação dolosa (intenção de conseguir objetivos ilegítimos), sendo suficiente a possibilidade de formular um juízo de censurabilidade é também e na atualidade um pressuposto da litigância de má fé, não sendo necessário provar-se a consciência da ilicitude do comportamento e/ou da atuação dolosa (intenção de conseguir objetivos ilegítimos), sendo suficiente a possibilidade de formular um juízo de censurabilidade. De qualquer modo e sempre, este elemento integrador da litigância de má fé tem de absorver os conceitos de atuação previstos no art. 456º do CPC, os quais devem ser apurados objetivamente nos autos.» - sublinhados nossos. Por sua vez, Paula Costa e Silva, in “A Litigância da Má Fé”, Coimbra Editora, 2008, p. 340-341 citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Outubro de 2002 (Ferreira Ramos), refere: “[q]uando nos movimentamos em matéria da condenação por litigância de má fé “nos movemos numa matéria melindrosa – a lide processual arrasta um afrontamento/conflito de interesses, pouco propício a uma ponderação serena e objetiva das intervenções processuais, obnubilando o todo processual e deixando «ver» apenas a «verdade» do seu «caso» - em que a censura se há-de basear na ofensa de valores éticos, exigindo o nº 2 do art. 456º2 do CPC o dolo ou negligência grave. (…) A litigância de má fé corresponde à necessidade de moralizar a lide (…) a litigância de má fé deve ser apreciada tendo em vista uma não limitação do direito de defesa do particular. (…) Supondo ela “um juízo de censura incidente num comportamento adotado, contrário à ideia de um processo justo e leal”.» E, na mesma obra desenvolve os seguintes limites para a condenação por litigância de má fé: - a litigância de má fé não pode prejudicar o direito de defesa. - não basta que se venham a provar factos pessoais que hajam sido negados para que a parte seja imediatamente condenada como litigante de má fé. Considerar que litiga necessariamente de má fé a parte que nega factos pessoais que se vêm a provar importaria numa restrição do direito de defesa. - a litigância de má fé não pode implicar uma restrição do legítimo direito de as partes discutirem e interpretarem livremente os factos. - devendo proceder-se a uma análise necessariamente casuística. Isto porque a negação pode dever-se a erro desculpável da parte. - litiga de má fé quem alegue factos não coincidentes com a realidade, conhecendo a falsidade da versão que apresenta ao tribunal. - para que a parte incorra em litigância de má fé é necessário que altere a verdade dos factos essenciais ou relevantes para a decisão da causa. - o seu comportamento é censurável se puder influenciar a decisão por determinação da decisão de facto. - o tipo do art. 456/2/b3 é um tipo de resultado, ainda que só tentado. Esta ligação entre os factos negados e alterados e a decisão é, regra geral, pressuposta, sem ser abertamente referida. Também a jurisprudência vem coincidindo com a doutrina nos pressupostos e nas balizas do instituto. Assim, o Ac. do STJ, P. 687/17.5T8PNF.S1 de 13-09-2018 (Rosa Tching): «A condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o objetivo de impedir ou a entorpecer a ação da justiça.» Ou o Ac. do STJ, P.1849/21.6T8PTM.E1.S1.S1 de 19-06-2024 (Júlio Gomes): «I- A condenação da Parte como litigante de má fé não requer hoje um comportamento doloso, bastando-se com a negligência grave. II- Age de má fé a Parte que invoca factos que sabia ou tinha a obrigação de saber que eram falsos e que eram relevantes para a boa decisão da causa.» Assim também, o Ac. do STJ, P. 4349/20.8T8LRS-C.L1.S1 de 31-10-2023 (Maria Clara Sottomayor): «I – Para justificar a condenação por litigância de má fé não é necessária a prova da consciência da ilicitude do comportamento do litigante e da intenção de conseguir um objetivo ilegítimo, bastando tão só que, à luz dos concretos factos apurados, seja possível formular um juízo intenso de censurabilidade pela sua atuação. II – Constitui má fé processual a apresentação de sucessivos requerimentos com pedidos que não se enquadram na tramitação processual regular, com o único objetivo de evitar o prosseguimento do processo ordenado pela Relação, que rejeitou a exceção de prescrição invocada pelos réus.» Todos em www.dgsi.pt. Apreciando o caso concreto. Assentou o Tribunal da Relação a condenação dos AA. em litigância de má fé em duas realidades que representou como: uma absoluta contradição e uma inverdade: A primeira diz respeito ao que os AA. alegaram nas anteriores ações judiciais e depois, nesta, quanto à obtenção de uma cópia do contrato e ao momento em que se consciencializaram da falsidade das rubricas ou assinaturas apostas na 1ª folha do mesmo, como lhe sendo atribuídas, e que formalizavam um valor de mútuo não de 30.000€ mas de 72.000,00€. A segunda diz respeito à alegação dos AA. da condenação do 2º Réu, gerente da 1ª Ré, Caixa Geral de Depósitos, S.A., pela prática dos crimes de falsificação e burla informática, omitindo que nessa sentença se deu como não provada a prática de factualidade respeitante ao contrato de mútuo a que respeitam os presentes autos. Com todo o respeito, permitimo-nos divergir. Importa considerar que os AA. interpuseram várias ações alusivas à fiança que se discute nestes autos, no ano de 2014. Assim: - P. 724/14.5... contra a Caixa Geral de Depósitos Na qual referem ter a funcionária da Ré lhes entregue ao balcão, dois anos depois do contrato, uma cópia deste e então se aperceberem que o valor era de 72.000 e não de 30.0000. Assumindo o seu próprio erro. - P. 372/14.0..., uma ação de regresso, contra o Réu DD na qual os pediram a condenação deste (e demais cofiadores), no reembolso das quantias que pagaram por conta da fiança, sem questionarem a nulidade da fiança de 72 mil euros. - P. 4199/14.T..., uma ação de impugnação pauliana contra o Réu DD, invocando a fiança pelo valor de 72.000,00€. Nesse ano de 2014, teve ainda lugar a instauração do processo criminal, P. 252/14.9... contra o 2º Réu CC, gerente da Ré Caixa Geral de Depósitos, que veio a ser condenado por diversos crimes de falsificação e burla informática, praticados no exercício de funções. Nos autos cíveis e seguramente no P. 724/14.5..., os Autores, alegaram que tiveram conhecimento que foram enganados quando tiveram acesso à cópia do contrato, no balcão, passados dois anos sobre a sua assinatura. Engano esse que lhes permitiu constatar terem assumido uma fiança pelo valor de 72.000,00€ e não pelo valor 30.000,00€ como pensavam. Ou seja, admitiram estar em erro, quando apuseram a sua assinatura/rubrica no contrato. Sucede que, como neste vieram alegar, mantendo dúvidas sobre a genuinidade daquele contrato intentaram posteriormente – em 2018 - contra a 1ª Ré, Caixa Geral de Depósitos, S.A., Processo Especial de Apresentação de Documento, que correu termos sob o nº 670/18.3..., no qual aquela, por transação, comprometeu-se a “digitalizar o original do contrato (…) a remetê-lo aos autos no prazo de 10 dias, bem como a entregar aos Autores cópia certificada do mesmo, sem qualquer custo administrativo para os Autores”. E, dizem agora, “só tiveram conhecimento da alegada falsificação quando tiveram acesso ao contrato, o que só aconteceu com a transação efetuada no processo 670/18.3...”. A cronologia dos factos, tal como alegados pelos Autores nesta e em anteriores ações, permite conceber a possibilidade de só a partir desta ação P. 670/18.3..., intentada em 2018 e na qual tiveram acesso a uma cópia digitalizada do original do contrato, se ter tornado percetível para os Autores a existência de uma muito certa, muito possível ou muito provável falsificação das suas assinaturas na 1ª página do contrato, o que até aí a cópia anterior, não permitia aferir. A petição inicial permite afirmar que a convicção de falsidade do contrato de mútuo quanto ao valor, por substituição da 1ª página original por outra, advém do facto de terem tido acesso a uma cópia digitalizada do original do contrato, o que só ocorreu a partir do P. 670/18.3..., destinado à apresentação de tal documento, em particular, a partir da celebrada transação com a Caixa Geral de Depósitos que se comprometeu a essa apresentação. Em várias pronúncias e respostas deduzidas pelos Autores, nestes autos, se afirma a superveniência desta realidade como tendo permitido aos Autores perceberem que o contrato original poderia ter tido, realmente, um valor de 30.000,00 e não de 72.000,00, por alteração da 1ª página do contrato, cujas assinaturas não são as suas. Referem os Autores em resposta ao recurso do 3º Réu que “só quando lhes foi fornecido cópia (leia-se “cópia digitalizada” considerando os termos da ata de transação) do contrato (à qual só tiveram acesso através da transação efetuada no processo 670/18.3...), é que comprovaram que tinham sido enganados quanto ao montante de crédito e valor da fiança. Tal explicação resulta consentânea com a normalidade e com as regras da vida, nem sempre linear e sujeita a ocorrências supervenientes clarificadoras, podendo um sujeito, uma vez confrontado com uma melhor reprodução do original dum contrato aperceber-se que a rubrica ou assinatura aposta como sendo sua, afinal não o era. E que, estando até aí convencido que o erro (quanto ao valor) era seu, passar a crer que efetivamente não estava em erro, sendo outra a causa para a divergência de valores. Não há qualquer contradição nessas afirmações, se tomarmos em consideração, como devemos tomar, a superveniência de circunstâncias idóneas e aptas a abalar a anterior convicção dos Autores. Nesse mesmo padrão de normalidade, a condenação criminal, entretanto ocorrida, por crimes de falsificação e burla informática, de um dos intervenientes do contrato, aqui 2º Réu, com quem o documento permaneceu depois de formalizado, só vem reforçar essa nova convicção dos AA. Nunca estes afirmaram que o 2º Réu foi condenado por falsificação respeitante ao documento em causa. É certo que a não prova na sentença criminal da matéria respeitante a essa imputação foi omitida na petição inicial destes autos. Limitando-se os Autores a referir a condenação do mesmo Réu por diversos crimes praticados no exercício das suas funções. Como é sabido, a não prova de um facto não demonstra o seu contrário. Apenas não se provou em julgamento essa factualidade, independentemente de a mesma ter ocorrido ou não, na realidade. Assim, podendo os Autores ter sido mais claros e menos especulativos, ainda assim, não afirmaram qualquer inverdade. Podemos, pois, concluir que a litigância dos Autores sendo temerária não permite preencher a censura de uma atuação processual inequivocamente reprovável, subjacente à condenação por litigância de má fé. Concordamos, assim, com a 1ª instância quando afirma, citando doutrina, que: “O autor que recorre a tribunal não tem de ter a certeza de que lhe assiste razão; do mesmo modo não pode impor-se ao réu que se limite a contestar a pretensão se tiver a certeza absoluta daquilo que afirma. A dúvida é conatural ao processo, há sempre um certo grau de risco em todas as ações, instrumentos de contraponto à proibição de justiça privada. E a dúvida pode ser absolutamente legítima, conforme se demonstra através dos esquemas de recurso e de revogação de decisões de tribunais inferiores por tribunais superiores, bem como das inflexões jurisprudenciais (PAULA COSTA E SILVA, op. cit., p. 21-241). (…) Deste modo, afigura-se difícil concluir que os autores tenham deduzido pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar. Admite-se que conheciam os enormes riscos desta ação, e das probabilidades baixas da sua procedência, mas dentro ainda daquela margem admissível que se concede ao demandante. Por isso, deverão ser absolvidos deste pedido.” Não há razões para condenar os Autores como litigantes de má-fé. Procede, pois a Revista. Em suma: 1- A litigância de má-fé configura um tipo especial de ilícito civil em que uma parte, com dolo ou negligência grave, age processualmente de forma inequivocamente reprovável, violando deveres de legalidade, boa-fé, probidade, lealdade e cooperação, suscetíveis de causar prejuízo à parte contrária e obstar à realização da justiça. 2- Para que a parte incorra em litigância de má fé é necessário que altere a verdade dos factos essenciais ou relevantes para a decisão da causa. 3- A mesma deve ser apreciada tendo em vista uma não limitação do direito de defesa do particular, pelo que, a condenação com tal fundamento só deve ter lugar em casos de chocante e grosseiro uso dos meios processuais. 4- Não litiga de má fé quem configura uma causa de pedir, aparentemente contraditória com a causa de pedir que havia configurado numa ação anterior, quando a nova causa de pedir se justifica pelo conhecimento superveniente de uma outra realidade. 5- Resulta consentâneo com a normalidade e com as regras da vida, nem sempre linear e por vezes sujeita a ocorrências supervenientes clarificadoras, poder um sujeito, uma vez confrontado com uma melhor reprodução do original dum contrato, aperceber-se que uma assinatura que em anterior ação judicial assumiu como sendo sua, afinal não o era. V- Deliberação Termos em que se acorda em julgar procedente o recurso, revogando-se o acórdão recorrido, na parte em que condenou os Autores como litigantes de má fé, no que vão absolvidos. Sem custas. Lisboa, 25 de março de 2025 Anabela Luna de Carvalho (Relatora) Nelson Borges Carneiro (1º Adjunto) António Pires Robalo ( 2º Adjunto) _____________________________________________ 1. “A Litigância da Má Fé”, Coimbra Editora, 2008,↩︎ |