Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JOSÉ CARRETO | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISÃO NOVOS MEIOS DE PROVA CARTA DE CONDUÇÃO CADUCIDADE | ||
| Data do Acordão: | 10/01/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | I – Com o recurso extraordinário de revisão visa-se demonstrar que os factos não são aqueles que foram apurados/ provados ou que ocorreram de modo diverso (desde que relevante para a justiça da decisão), e por isso o recurso de revisão é um recurso que visa sanar um erro sobre os factos provados, e não um erro de direito. II- E visa no imediato não a reapreciação da decisão judicial transitada, mas apenas em primeiro lugar o de saber se deve ser autorizado um novo julgamento da causa, relativa à mesma causa já julgada , e por isso o pedido feito ao STJ não é sobre a decisão que caberia ao processo a rever, mas autorizar apenas que esse processo “seja reaberto” e julgado de novo. III - Apesar do caracter excepcional do recurso de revisão e do seu caracter limitativo, a fim de evitar eventuais situações que se poderiam revelar injustas, a jurisprudência do STJ tem entendido que há descoberta de novos factos ou meios de prova quando não apenas não foram apresentados ao tribunal para apreciação e o recorrente desconhece à data do julgamento a sua existência, como conhecendo-os esteja impossibilitado de os apresentar, circunstância que deve justificar e comprovar, principio que se extraí do artº 453º2 CPP. IV- Alegando que o documento apresentado é falso só poderia ser autorizada a revisão se nos ternos do artº 449º1 a) CPP ocorre-se a existência de “a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;” V- Se no caso em análise o acto de condução era-lhe proibido e punido, por conduzir sem ter habilitação legal para o fazer, o arguido sempre teria de ser condenado (poderia ser em pena de multa ou prisão, ou em coima), pelo que o facto e a prova não são de molde a suscitar dúvidas graves sobre a justiça da condenação do arguido pois ela sempre ocorreria. Apenas a sanção seria diferente, pena ou coima, consoante fosse crime ou contraordenação. VI- Tendo sido titular de uma carta que veio a ser declarada caducada, nos termos do artº 130º 1a) CE como era o caso, era-lhe proibido conduzir, pois era uma carta provisória que caducou, e para obter a carta definitiva tinha de obter aprovação em novo exame, nos termos do mesmo artº 130º 3 a) CE, sendo que nos termos do mesmo diploma e artº 130º nº 5 CE “Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para que aquele título foi emitido.” | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência os Juízes Conselheiros da 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça No Proc. sumário nº 1620/15.4PBFUN do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira -Juízo Local Criminal do FUNCHAL – Juiz 3, em que é arguido AA foi em 7/9/2015 por sentença proferida a seguinte decisão: “Por tudo exposto decido julgar-se a acusação totalmente procedente por provada e condenar o arguido AA pela autoria de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º números 1 e 2 do decreto-lei 2/98 de 3 de janeiro, na pena de cinco meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano….” O arguido veio interpor recurso de revisão, ao abrigo do artº 449.º, n.º 1 d) do CPP, avançando que foi em 7/9/2015 proferida sentença no proc. nº 1620/15.4PBFUN condenando o arguido pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p.p. pelo artº 3.º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 5 meses de prisão, a qual será suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, por no dia 5 de setembro de 2015, pelas 21h30, na Rua 1, zona de ..., freguesia de Santo António, concelho do Funchal, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula V1, sem possuir a respetiva carta de condução que o habilitasse a tal actividade". Acontece que “o arguido é titular de carta de condução portuguesa com o n.º M-....56, emitida em 26.02.2003, pela DRTT do Funchal. Tal como veio a ser reconhecido pela própria Direção Regional dos Transportes e da Mobilidade Terrestre, anteriormente denominada de Direção Regional da Economia e Transportes, no âmbito do processo sumário n.º 366/22.1PBSCR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira -Juízo Local Criminal de Santa Cruz, através do seu ofício com o registo de saída n.º DRTMT/2575/2024, de 06-05-2024 (refª. ......95), informando o Tribunal que "a carta de condução n.º M-....56, emitida a 26-02-2003, está caducada, desde 12-04-2003, nos termos do n.º 1 do artigo 2º do RHLC, conjugado com o n.º 1 do artigo 122º do CE, no âmbito do processo sumário crime n.º 180/03.3PTFUN, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Funchal, 2º Juízo Criminal" e tendo “ a carta de condução n.° M-....56 sido emitida em data anterior à prática dos factos ocorridos e julgados nos autos do processo que ora se pretende que a decisão seja revista -processo sumário n.g 1620/15.4PBFUN, Tribunal Judicial da Comarca da Madeira - Juízo Local Criminal do Funchal - Juiz 3. (…), estamos perante novos factos e novos meios de prova que, numa apreciação global despertam graves suspeitas de inocência do arguido, e, consequentemente, graves dúvidas sobre a justiça da condenação, designadamente que o arguido, afinal, possuía carta de condução, apesar de caducada, que o habilitava a conduzir o veículo ligeiro de passageiros de matrícula V1, no dia 5 de setembro de 2015,” em face do que a condução de um veículo com uma carta caducada era punível com a coima prevista no n.º 7 do artigo 130.º do Código e não como crime, para a final pedir que seja “decidido no sentido que o comportamento do arguido - condução de veículo automóvel, sendo titular de título de condução caducado -não consubstancia a prática de um crime de condução sem habilitação legal, mas antes, a prática, pelo mesmo, do ilícito contraordenacional, previsto e punido no nº 7 do art.s 130.º do Código da Estrada, alterando-se o decidido quanto à condenação do arguido pela prática de um crime de condução ilegal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3/01, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano.” O Mº Pº respondeu ao pedido de revisão, alegando em síntese: - a pena suspensa em que foi condenado foi revogada pela prática de novo crime e cumprida e extinta em 2018; - os novos factos ou novos meios de prova tem de ser novos não apenas para o Tribunal mas também para o recorrente, e a admitir-se o recurso de revisão com base em novos factos ou meios de prova conhecidos pelo arguido à data da condenação. (..) no caso em apreço o arguido não alega, nem existe qualquer razão fundamentada para se considerar aceitável que os novos factos ou meios de prova agora invocados possam sustentar a revisão apesar de serem conhecidos do arguido à data da condenação. - tal carta estava caducada desde 2003 o que era do conhecimento do arguido - no processo a rever o arguido confessou integralmente e sem reserva os factos, da qual emergiu a condenação; - na certidão da DRETT consta ainda que ““reafirmamos este não é titular de carta de condução que o habilite legalmente a conduzir veículos com motor” - informação que constava do Registo Individual do condutor apenas permite concluir se o arguido dispunha de alguma licença de condução válida à data dos factos (que não dispunha), pelo que a referida informação não é falsa. Sendo o demais matéria de direito, e não existem duvidas sobre a justiça da condenação tendo o arguido confessado integralmente e sem reserva os factos, e tendo o arguido diversas condenações anteriores e posteriores, e não era titular de carta de condução válida à data dos factos (o que continua a verificar-se em 2024), e à data dos factos, todas as cartas caducadas há mais de cinco anos se consideravam canceladas, nos termos do artigo 130.º, n.º 1, 3, alínea d), na versão então em vigor, pelo que o arguido estaria sempre a incorrer, como incorreu, numa condução sem habilitação legal. Por fim, estaremos perante diversa interpretação das regras de direito, ao abrigo do qual não há lugar a revisão, e conclui pela improcedência do recurso. Na informação sobre o mérito do pedido, a Mª Juiz expendeu o seguinte: “No âmbito da informação aludida no artigo 454.º do CPP, a ora signatária (que não foi quem proferiu a sentença) declara que entende que o recurso de revisão não deverá proceder, pelos motivos indicados na resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público.” Neste Supremo Tribunal de Justiça o ilustre PGA emitiu parecer “no sentido da negação da revisão da sentença proferida no processo sumário 1620/15.4PBFUN” Respondeu o arguido defendendo o seu ponto de vista e a procedência do recurso, informando da pendência de outros recursos. O Tribunal é competente (artºs 11º 4 d) e 454º CPP O requerente tem legitimidade para requerer a revisão de sentença transitada em julgado (artº 450.º,1 al.c), do CPP). O recurso encontra-se motivado e instruído (artº451.ºCPP) Nada obsta ao conhecimento do recurso. Colhidos os vistos procedeu-se à conferência com observância do formalismo legal. Resulta do processo e das certidões juntas ao processo: - o arguido foi em 7/9/2015 neste proc. nº 1620/15.4PBFUN condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p.p. pelo artº 3.º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 5 meses de prisão, a qual será suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, por no dia 5 de setembro de 2015, pelas 21h30, na Rua 1, zona de ..., freguesia de Santo António, concelho do Funchal, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula V1, sem possuir a respetiva carta de condução que o habilitasse a tal actividade. - Tal decisão transitou em julgado em 7/10/2015 - No Proc. sumário 180/03.3PFFUN do Tribunal judicial do Funchal, foi o arguido condenado em 12/4/2003 por condução sob o efeito do álcool nesse dia 12/4/2003 e além da respetiva pena foi decidido: “Declaro caducada a carta de condução do arguido nos termos dos artºs 122º nº4 e 130º nº1 al.a) do Código da Estrada.” - Dessa sentença consta que o arguido “possui carta de condução desde 26/2/2003” - No proc. 366/22.1.PBSCR do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira- Juízo Local Criminal de Santa Cruz foi apresentado documento da DRTT emitido em 6/5/2024 no qual além do mais se diz “…após consulta do processo físico do arguido AA reafirmamos que este não é titular de carta de condução que o habilite legalmente a conduzir veículos a motor. Mais se informa que a carta de condução nº M-.....6, emitida em 26/2/2003, está caducada, desde 12/4/2003, nos termos do nº1 do artigo 2º do RHLC, conjugado com o nº 1 do artigo 122º do CE, no âmbito do processo sumário nº180/03.3PTFUN que correu seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Funchal, 2º Juízo criminal, conforme documento em anexo. Face ao exposto, o titulo de condução supramencionado não se encontra abrangido pelo regime extraordinário de revalidação d títulos de condução previsto no Decreto-Lei nº 63/2023 de 31de julho” + Apreciando: Transitada em julgado uma decisão judicial (sentença ou despacho final) a mesma torna-se definitiva, dizendo o direito no caso concreto de modo definitivo, com o que se visa assegurar a certeza e a segurança jurídica necessária à vida em sociedade. Todavia não são apenas esses os valores que o processo prossegue e outros de igual ou maior valia se levantam na sociedade, sendo mister prosseguir a verdade material do caso, condição para a realização da justiça (escopo último do processo), sem a qual não haverá nem segurança nem certeza jurídica. Face à falibilidade humana, impõe-se um ponto de equilíbrio entre valores conflituantes, razão pela qual o instituto do recurso de revisão de uma decisão transitada, se mostra necessário, o que é conseguido a partir do reconhecimento de que o caso julgado terá de ceder, em casos excecionais e taxativamente enumerados, perante os interesses da verdade e da justiça1. Através deste recurso visa-se demonstrar que os factos não são aqueles que foram apurados/ provados ou que ocorreram de modo diverso (desde que relevante para a justiça da decisão), e por isso o recurso de revisão é um recurso que visa sanar um erro sobre os factos provados, e não um erro de direito. Em face disso a Ordem Jurídica, veio a consagrar o recurso de revisão, com caracter extraordinário, visando não a reapreciação da decisão judicial transitada, mas apenas o de saber se deve ser autorizado um novo julgamento da causa, relativa à mesma causa já julgada2, e por isso o pedido não é sobre a decisão que caberia ao processo a rever, mas autorizar apenas que esse processo “seja reaberto” e julgado de novo.3 A sua legitimação resulta desde logo da CRP- artº 29º 6 – que dispõe: “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”, e de outros instrumentos internacionais, como a CEDH- Protocolo 7º, artº 4º 2 que dispõe que “2. As disposições do número anterior não impedem a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento” e a sua regulamentação decorre dos artºs 449º a 466º CPP e os seus fundamentos constam do artº 449º CPP. No caso dos autos, o fundamento invocado pelo recorrente é o previsto na al. d) do nº 1 do citado artº 449º que dispõe: “1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação” O que desde logo pelos termos da norma nos leva para a descoberta (o que implica o desconhecimento, pois só se descobre o que se desconhece) e a novidade (ser novo, algo que não existia) de factos ou de meios de prova, e no caso são invocados.4 A descoberta e a novidade dos meios de prova, implica que os mesmos devem ser desconhecidos não apenas do tribunal (que não os pode apreciar porque não apresentados) como obviamente também do arguido que os devia apresentar, sob pena de não serem novos nem terem sido agora (após o julgamento) descobertos. Evidente é que se já eram conhecidos do arguido não são ora descobertos, nem novos. Novos poderiam apenas ser os factos, por só agora o arguido saber da sua existência. Apesar do caracter excepcional do recurso de revisão e do seu caracter limitativo, a fim de evitar eventuais situações que se poderiam revelar injustas, a jurisprudência do STJ tem entendido que há descoberta de novos factos ou meios de prova quando não apenas o recorrente desconhece à data do julgamento a sua existência, como conhecendo-os esteja impossibilitado de as apresentar, circunstancia que deve justificar e comprovar, principio que se extraí do artº 453º2 CPP, em que é expresso o caso em que testemunhas que não tenham sido ouvidas em audiência só poderão ser indicadas se o recorrente justificar “que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor”. Assim, no ac. STJ de 17/12/20095 ponderou-se “II - O fundamento a que alude o n.º 1, al. d), da citada norma legal exige que se descubram novos factos ou meios de prova. Essa descoberta pressupõe obviamente um desconhecimento anterior, de certos factos ou meios de prova, agora apresentados; a questão que desde o início se coloca quanto à interpretação do preceito, é a de se saber se o desconhecimento relevante é do tribunal, porque se trata de factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento, ou se o desconhecimento a ter em conta é o do próprio requerente, e daí a circunstância de este não ter levado ao conhecimento do tribunal os factos, ou não ter providenciado pela realização da prova, à custa dos elementos que se vieram a apresentar como novos. III -A linha seguida, mais recentemente e praticamente sem discrepância, por este Supremo Tribunal é a de que não é necessário esse desconhecimento por parte do recorrente, bastando que os factos ou meios de prova não tenham sido tidos em conta, no julgamento que levara à condenação, para serem considerados novos. IV- Orientação esta que deverá ser perfilhada, mas com uma limitação: os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveis em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes, da sua apresentação. Por outras palavras, o recorrente terá que justificar essa omissão, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal.” Ac STJ, 26/1/2012 “I - No recurso extraordinário de revisão, quando a lei se refere a “novos” factos ou meios de prova, não pôde deixar de incluir, obviamente, aqueles que não foram considerados no julgamento porque eram desconhecidos da parte interessada em invocá-los. Mas há que acrescentar também aqueles meios de prova que, por razão relevante, a parte interessada esteve impossibilitada de apresentar.”6 Ou ainda, como no ac. STJ 26/9/20187 se expressa “II…, “novos” são tão só os factos e/ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal. III - Algumas decisões, …, admitem a revisão quando, sendo embora o facto e/ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, o condenado justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, não dever apresentá-los, apoiando-se esta orientação na letra da norma do art. 453.º, n.º 2, do CPP”. E em mais recente acórdão de 09.02.2022, Proc. n.º 163/14.8PAALM-A.S1 in www.dgsi.pt Cons.Lopes da Mota, o STJ ponderou “II - Constitui jurisprudência constante deste tribunal a de que, para efeitos de admissibilidade da revisão com fundamento no n.º 1, al. d), deste preceito, são factos novos ou novos meios de prova os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, sendo desconhecidos da jurisdição no acto de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado; “novos” são também os factos e os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal. III - Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação; a novidade, neste sentido, refere-se ao meio de prova, seja pessoal, documental ou outro, e não ao resultado da produção da prova.” Se a orientação mais correta atenta a natureza excecional deste recurso, ao dever de lealdade processual e à inércia do recorrente que sabendo daqueles meios ou factos não os trouxe ao processo, quer em face da defesa orquestrada quer por outros fatores não impeditivos da sua apresentação, é a descrita que considera novos os meios de prova que não foram apresentados ao tribunal para apreciação e que não eram conhecidos do recorrente ou sendo-o estava impossibilitado de os apresentar, o que deverá ser comprovado, o certo é que se nos afigura que a realidade da vida é mais rica do que as situações abstractas que a lei prevê e que não podem ser deixadas por solucionar. Assim é que o arguido em causa no julgamento destes autos confessou que não tem carta de condução que lhe permita conduzir veículos automóveis, o que é verdade. O arguido tirou a carta de condução de veículos automóveis emitida em 26/2/2003 e por ter praticado um crime rodoviário (condução sob o efeito do álcool) na sentença proferida em 12/4/2003 foi declarada caducada a mesma carta ao abrigo dos artºs 122º 4 e 130 1 a) CE, donde resulta que o arguido tinha a carta provisória.8 Ora é com base na “existência” desta carta que o arguido pretende rever a decisão de condenação proferida neste processo de 2015, alegando que apenas soube da existência daquela carta no proc. 366/2022 passados todos estes anos, e por isso naquela data (2015) não praticou um crime (condução sem carta), mas uma contraordenação ( p.p. pelo art 130º nº7 CE) Assim sendo é evidente, porque de facto pessoal se trata que o facto novo alegado (ter tirado a carta de condução em 26/2/2003) não é facto novo, pois não pode ser nem é, como facto pessoal, desconhecido do recorrente, falecendo dessa forma o pressuposto essencial para a procedência do pedido de revisão. Noutra perspectiva, em lado algum alega o recorrente a impossibilidade de apresentar ou invocar tal facto (o ter tirado a carta em 26/2/2003) de modo que o tribunal pudesse conhecer tal facto e apenas ele conhecedor dessa circunstância o poderia fazer, e nunca o fez sendo conhecedor do mesmo. Mais, o arguido afirmou foi: “ Eu tive carta de condução. Só que eu perdi uma vez.” (sic), tendo o Mº Juiz declarado: “Ficou sem carta de condução de qualquer modo.” Ao que o arguido retorquiu: “Por causa disso também” 9 tendo perfeita consciência do estado da sua carta. Não sendo facto novo falece assim o fundamento da novidade do facto, para a revisão peticionada. Alega por outro lado, embora de modo não muito claro, que o documento emitido pela DRTT é falso, quando nele se diz que não é titular de carta de condução. Seguindo esta via teria o recorrente de alegar e demonstrar, nos ternos do artº 449º1 a) CPP a existência de “a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;” o que não ocorre. Argumenta ainda que, tendo a carta de condução (caducada, mas não cancelada) não cometeu o crime pelo qual foi condenado (condução ilegal) mas uma contraordenação p.p. pelo artº 130º7 CE, pelo que é injusta a condenação. A segunda exigência/ requisito para autorizar a revisão é a de que da ponderação desses novos factos e meios de prova, por si sós ou conjugados com os que foram apreciados no processo se “suscitem graves duvidas sobre a justiça da condenação”, o que equivale a dizer que sejam capazes de, ou tenham a potencialidade de, mudar a convicção do tribunal quanto à justiça da condenação pois o que se visa é mudar o sentido da decisão10 com o novo julgamento (juízo rescisório). Partindo do pressuposto que assim seria, nem ainda assim, se suscitam graves dúvidas sobre a condenação. Na verdade se assim fosse, o arguido não poderia neste processo, como pedido, e já explicado, ser absolvido, mas apenas permitiria rever a decisão proferida e depois, porque o acto em si mesmo de conduzir com carta de condução cancelada não é permitido, continuando a ser um acto proibido e ilegal, pelo que como se expressa no ac. STJ 29/1/2025 “V - Estando em causa a qualificação jurídica dos factos (crime ou contraordenação) pelo qual o arguido sempre teria de ser condenado, ocorrendo esta, não estamos perante uma grave dúvida sobre a justiça da condenação, pois esta sempre ocorreria.” 11 Estando em causa as sérias dúvidas sobre a condenação, entendida como dúvida qualificada, aquela que“…há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste, tendo os novos factos e/ou provas de assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida”12 no caso em análise o acto de condução era-lhe proibido e punido, conduzindo sem ter habilitação legal para o fazer. O arguido sempre teria de ser condenado (poderia ser em pena de multa ou prisão, ou em coima), pelo que o facto e a prova não são de molde a suscitar dúvidas graves sobre a justiça da condenação do arguido pois ela sempre ocorreria. Apenas a sanção seria diferente, pena ou coima, consoante fosse crime ou contraordenação. Tal situação não se enquadra no disposto no no artº 449º 3 CPP que dispõe “Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.” pois não é o seu quantum que está em causa, mas a alteração da qualificação jurídica em face da diversa natureza dos ilícitos, sendo que como se expressa no ac. STJ 24/2/202113 “O recurso de revisão não pode servir para buscar ou fazer prevalecer, simplesmente, “uma decisão mais justa”. De outro modo, o valor do caso julgado passava a constituir a exceção e a revisão da sentença condenatória convertia-se em regra”14 Em complemento e para finalizar, dir-se-á que é aquela carta de 26/2/2003 e declarada caducada em 12/4/2003 que o arguido invoca, e isto (a carta foi declarada caduca) porque o arguido praticou um crime rodoviário antes de terem decorrido dois meses após lhe ter sido atribuída a carta provisoria. Ora não se mostra nem é alegado que o arguido recorrente tenha obtido alguma vez a carta definitiva. Isto porque aquela carta era (e é esse ainda o regime actual) provisória (só se obtendo a definitiva decorridos 2 anos à data dos factos15 (ora 3 anos) sem infrações rodoviárias. Como carta caducada, nos termos do artº 130º 1a) CE como era o caso, era-lhe proibido conduzir nessas circunstâncias e para obter a carta definitiva tinha de obter aprovação em novo exame, nos termos do mesmo artº 130º 3 a) CE, sendo que nos termos do mesmo diploma e artº 130º nº 5 CE 16 “Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para que aquele título foi emitido.” e que se compreende pois a sua carta era provisória e caducada, nunca sendo definitiva, a que acrescia que para conduzir tinham de obter novo titulo, estabelecendo tal norma que “3 - Só podem obter novo título idêntico após aprovação em exame, a cuja admissão é aplicável o regime em vigor para os não habilitados a conduzir, os titulares de título de condução caducado: a) Nos termos da alínea a) do n.º 1.” pelo que o arguido nunca teve carta de condução definitiva e apenas uma provisória (que durou menos de 2 meses) caducada, e apenas eram sancionados por contraordenação os arguidos que conduzindo, a causa de caducidade da sua carta fosse a da al. b) do nº1 (nº6 do artº 130º CE – carta definitiva não renovada) o que não era o caso do arguido. Ora não tendo carta de condução definitiva nunca lhe pode ser atribuída uma carta e depois de caducada nunca obteve um novo titulo que lhe permitisse conduzir nem se mostra que seja dele titular. Donde não se mostra que ocorra qualquer grave injustiça na condenação. Em face do tudo o que exposto foi, não pode ser autorizada a revisão, pois o arguido nunca foi titular de carta de condução definitiva. + Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça decide: - Julgar improcedente o recurso e em consequência negar a revisão. - Condena o recorrente no pagamento da taxa de justiça de 5 ucs e demais custas. Registe e notifique Comunique aos Rec.s 1354/16.2PBFUN-A do STJ instaurado em 11/1/2025 e nº 366/22.1 PBSCR.L1 da Relação de Lisboa interposto em 7/8/2024 Dn. + Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 1/10/2025 José A. Vaz Carreto (relator) António Augusto Manso Maria Margarida Almeida Nuno Gonçalves (Presidente da Secção) _______
1. Ac. do STJ de 12.03.2009, disponível em www.dgsi.pt, Cons. Sousa Fonte “O recurso extraordinário de revisão, com a dignidade constitucional que lhe é conferida pelo nº 6 do artº 29º da Lei Fundamental, é o meio processual especialmente vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça. A estabilidade da decisão judicial transitada em julgado e a paz que isso possa trazer aos cidadãos, associadas à necessidade de evitar o perigo de decisões contraditórias, não podem colidir com a noção de justiça, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, sob pena de sermos postos face «a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos, têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania» (Figueiredo Dias, “Direito Processual Pena”, I, 44).” 2. Ac. STJ 15/9/21 Proc 699/20.1GAVNF.A.S1 Cons. Nuno Gonçalves Ac STJ 12/3/2009 proc. 09P316 Cons. Simas Santos, www.dgsi.pt “ O recurso extraordinário de revisão é, (…) um expediente extraordinário de reacção contra uma decisão já transitada em julgado, visando obter autorização do Supremo Tribunal de Justiça para que seja novamente apreciada a condenação ou absolvição ou arquivamento (em casos menos frequentes) através de um novo julgamento.” 3. Ac STJ 12/3/2009 proc. 09P316 cit. nota 2; 4. Cfr o nosso Ac. STJ 29/1/2025 proc. 413/22.7PDPRT.A.S1 www.dgsi.pt que seguimos. 5. Proc. 330/04.JAPTM-B.S1 www.dgsi.pt Cons. Souto Moura e acrescenta “ V-Há um elemento sistemático de interpretação que não pode ser ignorado a este propósito e que resulta da redacção do art. 453.º, n.º 2, do CPP: o legislador revelou claramente, com este preceito, que não terá querido abrir a porta, com o recurso de revisão, a meras estratégias de defesa, nem dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais. Tal teria, na verdade, por consequência, a transformação do recurso de revisão – que é um recurso extraordinário –, num expediente que se poderia banalizar. Assim se prejudicaria, para além de toda a razoabilidade, o interesse na estabilidade do caso julgado, e também se facilitariam faltas à lealdade processual. VI-Quando a lei se refere a “novos” factos ou meios de prova, não pôde deixar de incluir, obviamente, aqueles que não foram considerados no julgamento porque eram desconhecidos da parte interessada em invocá-los. Mas não só. VII- Na verdade, quanto aos novos meios de prova já conhecidos da parte interessada e ulteriormente invocados (e, necessariamente, quanto aos factos a que tais meios se reportam e de que se pretende convencer o julgador), o art. 453.º, n.º 2, do CPP, explicita que só serão admitidos como novos meios de prova, tratando-se de testemunhas, desde que o requerente justifique que se dera o caso, de as mesmas terem estado impossibilitadas de depor.” 6. Proc. 1796/08.7PHSNT-A.S1 www.dgsi.pt Cons Santos Carvalho; Ac STJ 16/6/2010 Proc 837/08.2JAPRT-B.S1 www.dgsi.pt cons Fernando Frois:“VII - A jurisprudência tem-se dividido quanto a saber o que são factos ou meios de prova novos, ignorados ao tempo do julgamento ou desconhecidos na ocasião do julgamento. Para uns – corrente dominante – isso não significa que tais factos ou meios de prova não fossem ou não pudessem ser conhecidos pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar (neste sentido, cf. Maia Gonçalves in CPP anotado, pág. 982 e Ac. do STJ de 03-04-1990, Proc. n.º 41800 - 3.ª). Significa tão só, que se trata de factos ou meios de prova que não foram valorados no julgamento porque desconhecidos do tribunal. Para outros, porém, tais factos ou meios de prova são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste (aqueles que não puderam ser apresentados e apreciados antes, na decisão que transitou em julgado – cf. Ac. do TC n.º 376/2000, e entre outros, Ac. do STJ de 29-04-2009, Proc. n.º 372/99 - 3.ª). Portanto, para estes, não basta que os factos ou meios de prova sejam desconhecidos do tribunal. É necessário também que fossem desconhecidos do arguido.” 7. Proc.219/14.7PMTS.S1 Cons Raul Borges www.dgsi.pt 8. Ou seja, a carta de 26/2/2003 era provisória. 9. Vide resposta do arguido ao parecer do ilustre PGA neste Supremo Tribunal. 10. Acs. STJ 20/3/2019 Proc 165/15.7PLSN-B.S1 e 15/9/2021 Proc 699/20.1 GAVNT-A.S1, ambos em www.dgsi.pt Cons. Nuno Gonçalves 11. Proc. 413/22.7PDPRT-A.S1 www.dgsi.pt. Sobre a relevância jurídica do facto, como fator de novidade cf. Ac STJ 1/2/2023, proc. 8/20.0GAFAG-A.S1 Cons. Sénio Alves, www.dgsi.pt;↩︎ 13. P-95/12.4GAILH-A.S1, Cons. Nuno Gonçalves, www.dgsi.pt; 14. Todavia o ac STJ 26/4/2012 expressa: “ A lei não veda a revisão que se funda em duvida grave sobre a justiça da condenação sobre a escolha da pena, por exemplo, a aplicação de uma pena de substituição de uma pena de prisão”- Proc. 614/09.3TDLSB-A.S1Cons. Rodrigues da Costa, www.dgsi.pt↩︎ |