Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ANTÓNIO MAGALHÃES | ||
| Descritores: | CONFISSÃO TORNAS QUITAÇÃO ESCRITURA PÚBLICA FORÇA PROBATÓRIA DECLARAÇÃO NEGOCIAL DECLARAÇÃO NÃO SÉRIA NULIDADE INEXISTÊNCIA JURÍDICA VÍCIOS DA VONTADE PARTILHA DA HERANÇA PROVA TESTEMUNHAL | ||
| Data do Acordão: | 03/23/2021 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
| Sumário : | I. A escritura pública de partilhas não prova que seja verdadeira a afirmação dos autores de que “já receberam as importâncias a que tinham direito a título de tornas das quais dão quitação”; se faz prova plena da realidade de afirmação dos autores, não faz da realidade do pagamento das tornas; II. Todavia, a declaração dos autores que se contém na escritura constitui uma confissão extrajudicial que se considera provada nos termos aplicáveis aos documentos autênticos e que, sendo feita à parte contrária, tem força probatória plena, não sendo admissível a prova testemunhal, para prova do contrário; III. A prova do vício da confissão (que ocorre com a divergência entre a declaração e a vontade de emitir a declaração confessória, como sucede com as declarações não sérias) pode ser feita, no entanto, por qualquer meio, inclusive, através da prova testemunhal; IV. As declarações não sérias devem abranger não apenas as declarações didácticas, cénicas, jocosas ou publicitárias mas outras declarações em que não há intenção de formular uma verdadeira declaração negocial, e que são emitidas na expectativa de que a sua falta de seriedade não seja desconhecida do declaratário; V. Todavia, se se provar que a falta de seriedade podia ser objectivamente conhecida pelo declaratário não haverá sequer declaração negocial, de acordo com os critérios legais de interpretação da mesma; VI. E se não existir declaração negocial, a sanção deve ser não a da nulidade, como seria se a declaração fosse não séria, mas da própria inexistência jurídica.” | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça: * AA, residente na Rua ….., na …., e BB, residente na Rua ….., em …. propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC, residente na Rua …., em ….. pedindo que: a título principal, fosse declarada a nulidade ou anulada a declaração de quitação (de efectivo pagamento de tornas), inserta em escritura pública de partilha hereditária (que melhor identificaram), condenando-se a Ré a pagar-lhes a quantia de € 55.900,00 (a título de tornas devidas), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados até integral pagamento; a título subsidiário fosse anulado todo o negócio jurídico de partilha hereditária celebrado entre eles próprios e a Ré, ficando sem efeito a respectiva declaração confessória de quitação e a adjudicação àquela de um prédio urbano (que melhor identificaram); cumulativamente com o anterior, fosse declarada a nulidade ou anulado o registo de propriedade da Ré sobre o dito imóvel. Alegaram, em síntese: que: sendo irmãos germanos da Ré, acordaram com ela - e com quatro demais - a partilha da herança da respectiva mãe, o que fizeram por escritura pública de 18 de Fevereiro de 2008, nela se adjudicando à Ré um prédio urbano, e ficando a mesma devedora de tornas, no valor de € 27.950,00 a cada um deles; que, confiando na Ré, declararam ambos na dita escritura pública de partilha hereditária terem já recebido as ditas tornas, o que, porém, não correspondia à verdade; e que desde então não ocorreu o pagamento em falta, que só reclamaram judicialmente após a morte do respectivo pai, ocorrida em 12 de Outubro de 2017. Os co-Autores sustentaram que: a força probatória plena da escritura pública de partilha hereditária não abrangeria a realidade do por eles declarado como quitação de tornas; a mesma seria nula, enquanto declaração não séria, ou anulável, enquanto viciada por erro sobre os motivos (como anulável seria a dita adjudicação à Ré do prédio urbano referido). A Ré (CC) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sendo ela própria absolvida do pedido; e que os co-Autores fossem condenados como litigantes de má-fé, em quantia não inferior a € 4.000,00. Alegou para o efeito, que: em 2003 foi informalmente acordada entre todos os irmãos a partilha da herança da mãe comum; que foi acordado, nomeadamente em 2008, que o pagamento das tornas devidas seria efectuado através do pai comum, o que ela própria fez, entregando-lhe para o efeito o respectivo valor; que os co-Autores alteraram a verdade de factos que bem conheciam, omitido factos relevantes para a boa decisão da causa, e fizeram do processo um uso manifestamente reprovável, o que justifica a sua condenação como litigantes de má fé Após julgamento, foi proferida sentença, que concluiu assim: “Em face do exposto, o Tribunal: a) julga a ação não provada e improcedente, absolvendo a Ré CC dos pedidos formulados pelos Autores AA e BB; b) julga o incidente de litigância de má-fésuscitado pela Ré não provado e improcedente. Custas a cargo dos Autores, não tributando o incidente de litigância de má fé, atenta a simplicidade da sua decisão. Registe e notifique. (…)» Inconformados com esta decisão, os co-Autores interpuseram recurso de apelação, tendo a Relação concluído, no seu acórdão, o seguinte: “Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pelos co-Autores (AA e BB) e, em consequência, em revogar a sentença recorrida, sendo a mesma substituída por decisão que: -Altera a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto, deixando a factualidade vertida nos artigos 13.º, 15.º, 16.º, 17.º, 22.º, 44º, 45º, 53.º, 54.º e 55.º da petição inicial de integrar o elenco dos factos não provados, e passando a integrar o elenco dos factos provados - Declara nula, quanto à Ré (CC), a declaração de quitação de tornas por ela devidas aos co-Autores, exarada na escritura pública de «DOAÇÃO DE MEAÇÃO E DO QUINHÃO HEREDITÁRIO CONSTITUIÇÃO DE PROPRIEDADE HORIZONTAL E PARTILHA», celebrada em 18 de Fevereiro de 2008, não produzindo quanto a ela quaisquer efeitos; - Condenar a Ré a pagar a cada um dos co-Autores a quantia de capital de € 27.950,00 (vinte e sete mil, novecentos e cinquenta euros, e zero cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4% ao ano, contados desde 27 de Outubro de 2017 até integral pagamento. Custas da apelação pela Ré (art. 527.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC). “ Porém, inconformada com o decidido, a ré veio recorrer de revista, formulando as seguintes conclusões: “A - Os AA. e a R. são três dos sete filhos de DD e de EE e por escritura pública outorgada a 18 de fevereiro de 2008, EE doou em comum e em partes iguais aos sete filhos, que aceitaram, a meação e quinhão hereditário que lhe pertenciam por óbito da esposa. B - No mesmo instrumento procederam à partilha do património composto por um prédio rústico e três prédios urbanos, no valor total de € 273.700, correspondendo o quinhão de cada um a € 39.100, tendo os imóveis foram adjudicados a cinco irmãos. C - Tendo sido adjudicado à R. o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …...44 D - Aos AA não foi adjudicado qualquer bem e, portanto, eram-lhes devidas tornas no montante de € 27.950 a cada um, que vieram a ser pagos, como declarado na escritura pública «Declararam os AA que «não levam quaisquer bens e que já receberam as importâncias a que tinham direito a título de tornas das quais dão quitação». E - O art. 2102.º, n.º 1 do Código Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem), na versão em vigor a 18 de fevereiro de 2008, estatuía que a partilha pode fazer-se extrajudicialmente, quando houver acordo de todos os interessados. F - Por sua vez, o art. 2121.º, prevê que a partilha extrajudicial só é impugnável nos casos em que o sejam os contratos, o que remete para a teoria geral dos contratos, nomeadamente para as normas atinentes ao cumprimento das obrigações, a nulidade e a anulabilidade do negócio jurídico em geral. G - E o artigo 787.º estabelece, no seu n.º 1, que quem cumpre a obrigação tem o direito a exigir quitação daquele a quem a prestação é feita, devendo a quitação constar de documento autêntico ou autenticado ou ser provida de reconhecimento notarial se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legítimo, acrescentando o n.º 2 que o autor do cumprimento pode recursar a prestação enquanto a quitação não for dada, assim como pode exigir a quitação depois do cumprimento. H - Lê-se no art. 363.º, n.º 2 que se consideram autênticos «os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividades que lhe é atribuído pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros são particulares». I - Sendo o documento in casu autêntico e não arguido de falso, a força probatória a conferir-lhe resulta imperativamente do art. 371º, n.º 1, isto é, fará prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora. J - A força probatória plena dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na falsidade do documento, clarificando o n.º 2 que o documento é falso quando nele se atesta como tendo sido objeto da perceção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela autoridade responsável qualquer ato que na realidade o não foi. K - Não tendo sido a falsidade do documento arguida pelos AA, dado que, na verdade estes reforçam na Petição Inicial que efetivamente declararam o que o documento diz que efetivamente declararam. L - Sempre se diria, no entanto, que o Notário apenas poderá atestar que os AA declararam ter recebido o valor mencionado, sendo já questão diferente se estes efetivamente o receberam. M - Sucede, contudo, que o art. 358.º, n.º 2 dispõe que a confissão extrajudicial, em documento autêntico se considera provada nos termos aplicáveis a estes documentos, e se for feita à parte contrária tem força probatória plena. N - A confissão corresponde ao reconhecimento que a parte fez da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352.º e 355.º). O - Ou seja, feita em documento autêntico, genuíno e não arguido de falso, ficou não só assente a autoria dessa declaração (isto é, terem-na de facto produzido), como a sua natureza confessória, extrajudicial e dirigida à parte contrária; e, por isso, passou tal confissão a gozar de força probatória plena, que desse modo cobriu, não apenas a autoria das declarações emitidas pelos AA no dito documento (no regime que lhe é próprio, fixado no art. 371.º), como igualmente o conteúdo do facto confessado, isto é, o efetivo recebimento por eles das tornas que lhe eram devidas (no regime que lhe é próprio, fixado no art. 358.º, n.º 2). P - Assim, estando este efetivo recebimento de tornas plenamente provado, não é admitida a demonstração do seu contrário por meio de prova testemunhal (art. 393.º, n.º 2). Q - No que concerne ao argumento da declaração não séria estipula o art. 245.º CC que: Artigo 249.º (Erro de cálculo ou de escrita) O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta. R - As declarações não sérias típicas aqui previstas serão aquelas a que preside uma intenção jocosa, didática, cénica ou publicitária (cfr. MOTA PINTO, Carlos Alberto da, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, p. 488) não se subsumindo, portanto o caso em concreto à hipótese legal. S - No entanto, mesmo que por mera hipótese académica considerássemos a possibilidade de as declarações dos AA. serem passíveis de consubstanciar declarações não sérias, a concreta circunstância na qual foram proferidas, não nos deixará réstia para dúvidas: “Que não levam quaisquer bens e que já receberam as importâncias a que tinham direito a título se tornas das quais dão quitação”. T - Não podemos achar verosímil que se possa concluir que à declaração não séria em causa tenha presidido uma expectativa de que a outra parte a tenha visto como tal, quando a mesma tenha sido inserta numa escritura pública. U - No que concerne ao Erro-vício sobre os motivos o Tribunal ad quo, atendendo à hipótese de o Tribunal ad quem não considerar estar perante uma declaração não séria, fundamenta a sua decisão dizendo que a declaração, não sendo declarada nula quanto à Ré por não consubstanciar declaração não séria, seria então anulável quanto a ela por terem proferido a declaração de quitação de tornas em erro sobre os motivos. V - Salvo melhor entendimento, ainda que considerássemos estar perante um erro sobre os motivos, a declaração não seria já anulável com esse fundamento, como refere o Tribunal a quo . X - Nos termos do artigo 287.º do nosso Código Civil (Anulabilidade): 1. Só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento. 2. Enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção. Z - O prazo de caducidade conta-se a partir da data em que ocorreu a cessação do vício, sendo que neste caso essa cessação ocorre quando o contraente que está em erro conhece essa realidade, ou seja, sabe que aconteceu o erro, deixando, a partir de então, ele de existir. AA – Passaram 10 anos desde que os AA confessaram ter recebido os valores que a R. lhes devia, até intentarem a presente ação. BB - Mesmo que não tivessem recebido e que a declaração estivesse ferida de erro sobre os motivos, o conhecimento do vício pelos AA. ter-se-ia dado há muito mais de um ano, E segundo a prova testemunhal, logo no momento a seguir à escritura… CC - Mas mesmo segundo a petição inicial, os AA. dizem que já há vários anos que sabiam que a R não pagaria…. DD - O legislador fez depender a operância da sanção de anulabilidade de um prazo curto - um ano – para a respetiva arguição, passado o qual o acto viciado se regenera. EE - O mencionado art. 287º n.º 2 não se aplica, pois para que se provasse que o negócio não se encontra concluído, seria necessário provar que a R. não pagou e os AA. não o conseguiram provar. FF – Quanto ao ónus probatório, salvo melhor entendimento, os AA. afirmam que não receberam o valor pelo qual prestaram quitação, sendo que tal prova compete exclusivamente aos AA. e não à R., o que não foi feito. GG - É necessário que os AA. provem que a obrigação não foi cumprida, para poderem usar o meio testemunhal, o que não aconteceu e por isso mesmo a decisão não pode ser outra que não a decisão proferida em 1ª Instância, e por outro lado (se o tivessem feito), seria necessário que a prova testemunhal fosse ao seu encontro e ao quanto alegado, o que – de todo – assim aconteceu, cabendo nas duas situações o ónus probatório aos AA.. HH - Nos presentes autos encontra-se uma nítida contradição insanável, pois (curiosamente conforme vários acórdãos quer do próprio Tribunal do Porto, Coimbra e Lisboa, quer do Supremo Tribunal de Justiça) são os próprios RR. que juntam a escritura sub judice. II - Assim sendo e contrariamente ao decidido, os RR. ao juntarem (eles próprios) o documento pelo qual prestam quitação, provocaram um efeito probatório confessório da parte apresentante. JJ - Pelo que, e também por essa banda, o doutamente decidido em 1ª instância não merece qualquer reparo. KK - A contradição está ínsita desde logo na alegação que a R. não pagou, mas simultaneamente, os AA. juntam a escritura pública de quitação desse mesmo pagamento LL - No tocante à apreciação da prova, pela presente via recursória impugnam-se os factos provados que dizem respeito ao não pagamento por parte da R., dado que o Tribunal ad quo só o conseguiu fazer a partir de um meio de prova inadmissível – a prova testemunhal. MM - E portanto, com fundamento no 674º/3 in fine CPC pode ser objeto de recurso de revista. NN - No essencial o Supremo Tribunal de Justiça apenas aprecia questões de direito, em regra, não aprecia questões de facto, no entanto, este Supremo Tribunal aprecia questões de facto quando os Tribunais inferiores tenham incumprido disposições legais expressas que exijam certo meio de prova (v.g. documento) ou fixem o valor probatório de certo meio de prova (v.g. confissão ou documento), nos termos do art. 674.º n.º 3 do CPC. OO - Ora salvo melhor entendimento, o Tribunal da Relação …. não pode alterar a prova, uma vez que não tendo sido pedido o depoimento de parte da R. (com vista à confissão), nem a mesma tendo prestado declarações em sede de depoimento de parte: simplesmente não foi feita prova que não foi pago ou que a declaração de quitação é falsa. PP - Salientamos que nenhuma das outras testemunhas pode saber o que quer que seja, pois não podem afirmar se os AA. receberam ou não receberam, uma vez que não têm acesso às suas contas bancárias nem se encontram com os mesmos 24h por dia. QQ - Assim sendo o Tribunal da Relação fixou um valor probatório às testemunhas que não podia ter atribuído, pois estas não podem afirmar se os AA. receberam ou não, permitindo ao presente Supremo Tribunal de Justiça corrigir a situação fática. SS - E mais se salienta quando as mesmas afirmam que nem sequer sabiam quando deveria ter sido pago, pois afirmaram que existiam diferentes formas e prazos de pagamentos. TT - O Tribunal da Relação também fixou um valor probatório ao depoimento de parte dos AA. que não podia, pois não pode - apenas com a prova possível dos mesmos – ilidir a declaração de quitação ou produzir qualquer prova válida em juíza, permitindo ao presente Supremo Tribunal de Justiça corrigir a situação fática. UU - Pela lógica (que não respeitosamente não compreendemos) do Tribunal da Relação é admissível prova testemunhal e existe uma prova testemunhal directa que não foi produzida, ora precisamente, o Senhor Notário, uma vez que presenciou à declaração de quitação. VV - Assim, deverá respeitosamente, ser inquirido o Exmo. Sr. Dr. FF, notário, Cartorial Notarial sito na Avenida …., freguesia de …., ….., precisamente por – neste novo entendimento do Tribunal da Relação – ser uma diligência essencial para a descoberta da verdade material e boa decisão da presente causa, estando na senda do art. 411.º do C.P.C, uma vez que se trata de uma diligência necessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio. XX - O Supremo Tribunal aprecia questões de facto quando os Tribunais inferiores tenham incumprindo disposições legais expressas que exijam certo meio de prova. ZZ - Não pode acolher o argumento que o pai era uma pessoa extremamente rigorosa (porquê?) e que teria guardado um comprovativo de pagamento bancário ou similar (porquê?). AAA - Sendo que podia ter pago em numerário (muito habitual!) ou ter guardado um comprovativo de pagamento ou declaração, que entretanto não se sabe da mesma, atendendo ao seu falecimento. BBB - Tratam-se de divagações, sem qualquer valor jurídico e até, sem qualquer indício ou sustentabilidade na prova produzida, que não podem determinar a revogação da decisão de 1ª instância.” Pede a repristinação da sentença ou, se assim, se não se entender, a reabertura da audiência de discussão e julgamento, para inquirição do notário que lavrou a escritura, por ser uma diligência essencial para a descoberta da verdade material e boa decisão da presente causa. Os autores contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso. Cumpre decidir. A Relação considerou provados os seguintes factos: “1 - Por escritura pública outorgada a 18 de Fevereiro de 2008, no Cartório Notarial do Dr. FF, sito na Avenida ….., EE, GG, BB (aqui 2.º co-Autor), HH, II, AA (aqui 1.º co-Autor), CC (aqui Ré) e JJ declararam que no dia 5 de Janeiro de 2001, falecera, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, DD, no estado de casada com o primeiro, em primeiras núpcias de ambos e no regime de comunhão geral, tendo-lhe sucedidos como únicos herdeiros, o marido e seus sete filhos, restantes outorgantes. [documento de fls. 18 a 23, epigrafado «DOAÇÃO DE MEAÇÃO E DO QUINHÃO HEREDITÁRIO CONSTITUIÇÃO DE PROPRIEDAE HORIZONTAL E PARTILHA», e resposta ao artigo 1.º da petição inicial] 2 - Na escritura pública identificada em 1), EE declarou doar em comum e partes iguais aos seus sete filhos - GG, o 2.º co-Autor (BB), HH, II, o 1.º co-Autor (AA), a Ré (CC) e JJ -, os quais declararam aceitar, a meação e o quinhão hereditário que lhe pertenciam na herança ainda ilíquida e indivisa por óbito de sua mulher. [documento de fls. 18 a 23, epigrafado «DOAÇÃO DE MEAÇÃO E DO QUINHÃO HEREDITÁRIO CONSTITUIÇÃO DE PROPRIEDADE HORIZONTAL E PARTILHA», e resposta aos artigos 3.º e 4.º da petição inicial] 3 - Na escritura pública identificada em 1), GG, o 2.º co-Autor (BB), HH, II, o 1.º co-Autor (AA), a Ré (CC) e JJ declararam de comum acordo proceder à partilha dos únicos bens imóveis que faziam parte do património comum do casal dissolvido por morte de DD, que Eram: a) prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e andar e logradouro, situado na Rua ….., freguesia de ….., concelho de …, descrito na …..ª Conservatória do Registo Predial de ….. sob nº ….44, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …35, ao qual atribuíam o valor de € 95.000,00; b) prédio rústico composto de terreno de cultivo, situado no lugar da ….., freguesia de …., descrito na ….ª Conservatória do Registo Predial de ….. sob o nº …..45, inscrito na matriz sob o artigo …..90, ao qual atribuíam o valor patrimonial de € 40.000,00; c) prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, dependência e logradouro, situado no lugar da ….. ou Rua ….., freguesia de ….., concelho de ….., descrito na …..ª Conservatória do Registo Predial de ….. sob nº ….44, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ……36, ao qual atribuíam o valor de € 40.000,00; d) prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e andar, com a área coberta de 83 m2, dependência com a área coberta de 30 m2 e logradouro com a área de 657 m2, situado na Rua ….., freguesia de ….., concelho de ……, descrito na …ª Conservatória do Registo Predial de …… sob nº …..04, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….35, ao qual atribuíam o valor global de € 98.000,00. [documento de fls. 18 a 23, epigrafado «DOAÇÃO DE MEAÇÃO E DO QUINHÃO HEREDITÁRIO CONSTITUIÇÃO DE PROPRIEDADE HORIZONTAL E PARTILHA», e resposta ao artigo 6.º da petição inicial] 4 - Na escritura pública identificada em 1), GG, o 2.º co-Autor (BB), HH, II, o 1.º co-Autor (AA), a Ré (CC) e JJ declararam que, com vista à partilha que iam fazer, submetiam o prédio identificado em 3) d) ao regime da propriedade horizontal, composto de três fracções autónomas, distintas independentes e isoladas entre si com saídas para uma parte comum do prédio ou para a via pública, com a seguinte composição: . Fracção “A” - loja comercial no rés-do-chão, lado esquerdo, composta por uma divisão, com a área de 20 m2, com o valor atribuído de € 9.870,00, correspondente a 10% do valor total do prédio; . Fracção “B” - habitação no rés-do-chão, lado direito, composto por cozinha, despensa, uma casa de banho, dois quartos de dormir, sala, espaço de circulação anterior e espaço de estacionamento automóvel situado no logradouro localizado no lado direito do edifício, com a área coberta de 63 m2 e a área descoberta de 347 m2, com o valor atribuído de € 39.480,00 correspondente a 40% do valor total do prédio; . Fracção “C” - habitação no andar, composto por cozinha, despensa, uma casa de banho, três quartos de dormir, sala, espaço de circulação anterior e espaço de estacionamento automóvel situado no logradouro localizado no lado direito do edifício, com a área coberta de 83 m2, a área descoberta de 298 m2, varanda a sul e a norte e dependência com garagem com a área de 30 m2, com o valor atribuído de € 49.350, correspondente a 50% do valor total do prédio; . partes comuns a todas as fracções um logradouro com a área de 12 m2 localizado na frente do edifício [documento de fls. 18 a 23, epigrafado «DOAÇÃO DE MEAÇÃO E DO QUINHÃO HEREDITÁRIO CONSTITUIÇÃO DE PROPRIEDADE HORIZONTAL E PARTILHA», e resposta ao artigo 6.º da petição inicial] 5 - Na escritura pública identificada em 1), GG, o 2.º co-Autor (BB), HH, II, o 1.º co-Autor (AA), a Ré (CC) e JJ declararam que o valor global dos bens a partilhar era de € 273.600,00, seria dividido por sete partes iguais, no valor de € 39.100,00 e que acordavam proceder à partilha do seguinte modo: a) à segunda outorgante. GG, era-lhe adjudicado o prédio urbano identificado em 3) c), destinado exclusivamente à sua habitação própria e permanente, no valor atribuído de € 40.000,00, levando a mais a quantia de € 900,00 que já repusera aos seus irmãos AA e BB (aqui co-Autores), a título de tornas; b) ao quarto outorgante, HH, era-lhe adjudicada a fracção “C” do prédio identificado em 3) d) e 4), destinada exclusivamente à sua habitação própria e permanente, no valor atribuído de € 49.350,00, levando a mais a quantia de € 10.250,00 que já repusera aos seus irmãos AA e BB (aqui co-Autores), a título de tornas; c) ao quinto outorgante, II, era-lhe adjudicado o prédio rústico identificado em 3) b), no valor atribuído de € 40.000,00, levando a mais a quantia de € 900,00 que já repusera aos seus irmãos AA e BB (aqui co-Autores), a título de tornas; d) à sétima outorgante, CC (aqui Ré) era-lhe adjudicado o prédio urbano identificado em 3) a), destinado exclusivamente à sua habitação própria e permanente, no valor atribuído de € 95.000,00, levando a mais a quantia de € 55.900,00 que já repusera aos seus irmãos AA e BB (aqui co-Autores), a título de tornas; e) à oitava outorgante, JJ, eram-lhe adjudicadas as fracções autónomas “A” e “B” identificadas em 4), no valor atribuído de € 49.350,00, levando a mais a quantia de € 10.250,00 que já repusera aos seus irmãos AA e BB (aqui co-Autores), a título de tornas; f) declararam os co-Autores (AA e BB) que «não levam quaisquer bens e que já receberam as importâncias a que tinham direito a título de tornas das quais dão quitação» g) LL, MM, NN e OO, na qualidade de cônjuges dos terceiro, quarto, quinto e sétima outorgantes, respectivamente, declararam que prestavam a estes consentimento para o acto. [documento de fls. 18 a 23, epigrafado «DOAÇÃO DE MEAÇÃO E DO QUINHÃO HEREDITÁRIO CONSTITUIÇÃO DE PROPRIEDADE HORIZONTAL E PARTILHA», e resposta aos artigos 8.º, 9.º, 10.º e 11.º da petição inicial] 6 - No momento das declarações identificadas em 5) a), b) e c), os valores identificados como tornas não haviam ainda sido pagos. [resposta aos artigos 19.º, 20.º e 24º da petição inicial 7 - Os co-Autores (AA e BB) fizeram a declaração identificada em 5) f) confiando no acordo prévio entre irmãos e convencidos que os valores referidos em 5) a), b) e c) seriam pagos posteriormente, como veio a acontecer. [resposta aos artigos 22.º, 25.º a 28.º, 30.º a 35.º da petição inicial] 8 - Os irmãos identificados em 5) a), b) e c) entregaram ao progenitor, por determinação deste, os montantes que tinham de entregar aos co-Autores (AA e BB). [resposta aos artigos 47.º e 49.º da contestação 9 - EE faleceu a 12 de Outubro de 2017. [documento de fls. 24 e 25, epigrafado «Assento de Óbito n.º …. do ano de 2017», e resposta ao artigo 51.º da petição inicial] 10 - Desde o falecimento da esposa, EE residia com a Ré (CC) que dele cuidava. [resposta ao artigo 50.º da petição inicial] 11 - Por missiva datada de 26 de Outubro de 2017, endereçada à Ré (CC) pelo Mandatário dos co-Autores, em nome do 1.º co-Autor (AA), solicitou-lhe que, no prazo máximo de cinco dias a contar da recepção, procedesse «ao pagamento devido a título de tornas, devendo ficar ciente que o não cumprimento implicará a demanda judicial». [resposta ao artigo 63.º da petição inicial] 12 - Após o óbito da mãe, o pai manifestou intenção de repartir pelos filhos os diversos imóveis que pertenciam ao casal, o que contou com acordo e apoio de todos. [resposta ao artigo 31.º da contestação] 13 - Na sequência de reuniões familiares mensais, pai e filhos foram falando sobre a forma de divisão dos imóveis, reduzindo a escrito o projecto que haviam delineado, correspondente ao documento de fls. 46, epigrafado «ACTA». [resposta aos artigos 32.º e 33.º da contestação] 14 - No documento identificado em 13) já estava previsto que os pagamentos seriam efectuados ao pai, por ser ele o responsável por todo o processo, o que todos os filhos aceitaram. [resposta aos artigos 34.º e 35.º da contestação] 15 - Em face do acordo de partilha, todos foram organizando a sua vida em função do mesmo, sendo que a Ré (CC) passara a habitar provisoriamente no rés-do-chão do prédio identificado em 3) a) durante a doença que precedeu o falecimento da mãe. [resposta ao artigo 36.º da contestação] 16 - Para seu maior conforto e do pai, a Ré (CC) projectou e mandou executar, por intermédio do 1.º co-Autor (AA), obras no prédio identificado em 3) a), que pagou. [resposta aos artigos 37º e 38º da contestação] 17 - No prédio identificado em 3) c), que no documento referido em 13) estava previsto ficar para o 1.º co-Autor (AA), este projectou e executou diversas obras. [resposta ao artigo 40.º da contestação] 18 - O 1.º co-Autor (AA) utilizou o prédio identificado em 17) para guardar alguns pertences. [resposta ao artigo 41.º da contestação] 19 - A situação referida em 18) mantém-se apesar do que consta em 5) a). [resposta ao artigo 42.º da contestação] 20 - Durante cerca de 2 a 3 anos, o 2.º co-Autor (BB) recebeu do progenitor o montante mencionado em 5) b). [resposta ao artigo 52.º da contestação] Factos aditados pela Relação: 21- Como o valor dos bens adjudicados era superior ao quinhão hereditário que pertencia a cada um dos interessados, os Autores tinham direito a receber o valor excedente a título de tornas] o que foi cumprido relativamente aos irmãos obrigados ao pagamento de tornas, com excepção da ré. (resposta ao art. 13 da petição) 22- Decorridos cerca de nove anos, ainda não cumpriu com a sua obrigação. (resposta ao art. 15 da petição) 23- Pese embora os Autores tenham declarado e conste da escritura pública que já haviam recebido a quantia em causa, a verdade é que, efectivamente, nunca a receberam. (resposta ao artigo 16º da petição) 24- Os Autores, atendendo ao vínculo familiar que os une à Ré, nunca ponderaram a possibilidade de que esta não lhes pagasse a importância que lhes era devida pelo acordo que outorgaram»), (resposta ao artigo 17º da petição) 25- Naquele momento o mais importante era celebrar a escritura pública, sendo que os pagamentos seriam feitos de seguida»), (resposta ao artigo 22º da petição) 26. A Ré sabia perfeitamente que tal declaração não correspondia nem à autêntica vontade dos Autores, nem à realidade dos factos. (resposta ao artigo 44º da petição) 27. Trata-se de um assunto delicado e sensível pois, está aqui em causa a partilha do património da família, em particular dos pais de todos os que ainda reforça o sentimento de confiança que os Autores tinham na Ré»), (resposta ao artigo 45º da petição) 28- A Ré não cumpriu com o pagamento devido a título de tornas, nem após a escritura, nem nos meses seguintes, ao ponto de já terem decorrido anos (resposta ao artigo 53º da petição) 29- («O certo é que a Ré não cumpriu com o pagamento devido a título de tornas, nem após a escritura, nem nos meses seguintes, ao ponto de já terem decorrido anos 30- , “No longo período de tempo já passado desde a escritura pública até ao presente, em nenhum momento foi feita qualquer transferência bancária para as contas dos Autores, nem se procedeu a nenhum depósito que possa indiciar o pagamento da quantia ou de parte dela” (resposta ao o artigo 54º da petição) 31- Bem como não existe o registo do levantamento por parte dos Autores de nenhum cheque passado pela Ré (resposta ao art. 55 da petição) 32- Por outro lado, o desgosto que o pai dos Autores e da Ré iria sentir, foi um factor preponderante na decisão de adiar o recurso aos mecanismos judiciais (resposta ao artigo 58º da petição) 33- Pelo que os Autores entenderam por bem não o fazer em vida do seu progenitor (resposta ao artigo 59º da petição) O Direito. Força probatória da declaração de recebimento das tornas e quitação (e admissibilidade da prova testemunhal): Por escritura pública, o pai dos autores doou a estes e aos outros filhos (irmãos dos autores) a meação e o quinhão hereditário que lhe pertencia na herança ilíquida e indivisa por óbito de sua mulher (e mãe dos donatários). No mesmo acto, os autores e os irmãos procederam de comum acordo à partilha: aos irmãos dos autores (entre os quais a ré) foram adjudicados os bens imóveis; e pelos autores foi declarado que “não levam quaisquer bens e que j já receberam as importâncias a que tinham direito a título de tornas das quais dão quitação … “. Com o fundamento de que tal não corresponde à verdade, pedem os autores que a declaração que fizeram seja declarada nula ou, com base no erro sobre os motivos, meramente anulável. A sentença, considerando que não foi feita prova da falta ou de vício da vontade na declaração confessória da quitação do pagamento do valor das tornas (para a qual não era admissível a prova testemunhal), julgou a acção improcedente. Todavia, a Relação, considerando que a falta ou os vícios da vontade manifestada podia ser feita mediante a prova testemunhal (ou outra), alterou a matéria de facto, qualificou a declaração de quitação como não séria e declarou-a nula, assim julgando a acção procedente. Começa a recorrente por alegar que a força probatória plena só pode ser ilidida com base na falsidade do documento, como decorre nis termos do art. 372º do Código Civil, pelo que a escritura apenas prova que os autores declararam o que efectivamente declararam, o que não se contesta. Com efeito, como resulta do disposto no art. 371º, nº 1 do Código Civil, a escritura pública, como documento autêntico, apenas faz prova plena dos factos que refere como praticados pelo notário, assim como dos factos que nela são atestados por ele com base nas suas percepções. Não faz prova daqueles factos que constituem objecto de declarações de ciência produzidas perante a autoridade (notário), como é o caso, por exemplo, da entrega, antes da escritura, do preço da compra e venda pelo comprador ao vendedor (Lebre de Freitas, Código Civil anotado, Volume I, Coord. Ana Prata, págs. 459-460). Não pode, assim, a escritura, no caso concreto, fazer prova plena da existência de qualquer pagamento de tornas, que não foi directamente percepcionado pelo notário. A escritura não prova que seja verdadeira a afirmação dos autores de que “já receberam as importâncias a que tinham direito a título de tornas das quais dão quitação” (Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, volume I, 3ª edição, pág. 326). Se faz prova plena da realidade de afirmação dos autores, não faz da realidade do pagamento das tornas (cfr. Ac. STJ de 2.6.1999, revista n.º 247/99 - 2.ª Secção, em www.dgsi.pt). Assim, o que releva no caso concreto (e a recorrente parece, depois, concordar com isso) é saber se a declaração que se contém na escritura constitui uma confissão extrajudicial que se considera provada nos termos aplicáveis aos documentos autênticos e que, se for feita à parte contrária, tem força probatória plena. Argumenta a recorrente que, tendo a confissão sido feita em documento autêntico, genuíno e não arguido de falso, ficou não só assente a autoria dessa declaração como a sua natureza confessória, extrajudicial e dirigida à parte contrária e que, por isso, passou tal confissão a gozar de força probatória plena, não apenas em relação à autoria das declarações emitidas pelos autores no dito documento (no regime que lhe é próprio, fixado no art. 371º), como igualmente o conteúdo do facto confessado, isto é, o efectivo recebimento por eles das tornas que lhe eram devidas (no regime que lhe é próprio, fixado no art. 358º, n.º 2), não sendo, por isso, admissível a demonstração do contrário por prova testemunhal, por força do art. 393º, nº 2 do Código Civil. É certo que a prova do contrário (ou seja, a do não pagamento das tornas) não pode ser feita mediante prova testemunhal (art. 393, nº 2 do CC). Porém, os autores alegaram que a declaração de recebimento e quitação foi feita de forma não séria, bem sabendo a ré que aquela declaração não correspondia à vontade autêntica dos autores. Invocaram, portanto, uma divergência entre a declaração e a vontade de emitir aquela declaração confessória, um vício da confissão, que inquina previamente a validade da mesma. Ora, se não é possível produzir a prova do contrário (que não foram pagas as tornas) já é possível a prova por testemunhas para provar a falta ou o vício da vontade na declaração confessória (cfr. o citado Ac. STJ de 2.6.1999, Ac. STJ de 26-05-2009, Revista n.º 97/09.8YFLSB - 6.ª Secção, Ac. STJ de 17.3.2018, revista n.º 294/12.9TBPTB.G1.S1 - 7.ª Secção, todos em www.dgsi.pt). O que se pretende não é exactamente a prova do contrário para contrariar a força probatória plena da confissão, mas, antes disso, a prova do vício da confissão (que se faz, também, com a prova do não pagamento). E a prova do vício da confissão podia ser feito por qualquer meio, inclusive, através da prova testemunhal, não sendo necessária a confissão da ré para esse efeito, provocada por depoimento de parte. E, por isso, não se verifica, também, qualquer violação do art. 674º, nº 3 do CPC. Alega, ainda, a recorrente que o tribunal não se pode apenas basear apenas no depoimento de parte dos autores, uma vez que as testemunhas que depuseram não podiam saber se os autores receberam ou não tornas. Porém, o Tribunal da Relação não decidiu apenas com base no depoimento de parte dos autores. Decidiu, também, com base no depoimento das testemunhas. O que as testemunhas disseram e como o disseram é questão de que o Supremo não se pode ocupar, pois não lhe compete sindicar a valoração da prova feita pelas instâncias. Pretende, ainda, a recorrente, sem explicitar o objectivo da pretensão, que seja ouvido, o notário, ao abrigo do art. 411º, nº 2 do CPC. Todavia, o Supremo carece de competência para ordenar a produção de nova prova. Da declaração não séria: Afirmada a validade da prova testemunhal, cumpre agora verificar se a matéria de facto dada como provada se revela suficiente para sustentar a existência de uma declaração não séria da parte dos autores, quando declararam que “já receberam as importâncias a que tinham direito a título de tornas e das quais dão quitação”. Nesta matéria, o Tribunal da Relação ajuizou que “alegados e provados os concretos antecedentes que precederam declaração de quitação de tornas exarada em escritura pública de partilha, e o preciso contexto em que a mesma foi proferida, uns e outro caracterizadores da falta de seriedade com que foi emitida, e da certeza que o seu emitente tinha de que essa falta de seriedade era conhecida do devedor, deverá a mesma declaração ser qualificada como não séria, e nula (art. 245º, nº 1 do CC).” Opõe a recorrente que as declarações não sérias previstas no art. 245º do Código Civil são apenas aquelas a que preside uma intenção jocosa, didáctica, cénica ou publicitária. Assinala, porém, Menezes Cordeiro que “a doutrina tem observado que o termo “falta de seriedade” é demasiado estrito (…). Ficam, na verdade abrangidas todas as situações nas quais o declarante não tenha a intenção de formular uma verdadeira declaração negocial, esperando que o “ declaratário” disso se aperceba e tenha consciência” (cfr. Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, Tomo I, 3ª edição, pág. 792), Foi, aliás, neste sentido - de uma interpretação lata do art. 245º do Código Civil - de modo a abranger as situações em que falta a vontade do declarante em se querer vincular juridicamente, que se pronunciou o Ac. STJ de 9.11.1999, revista nº 772/99-6ª Secção, disponível em www.dgsi.pt (ver, ainda, o Ac.R.C. de 5.3.2013, proc. nº 4390/08.9TBLRA-G.C1, citado, aliás, na decisão recorrida) Todavia, deve exigir-se para a existência de uma declaração séria a existência de uma situação de facto qualificável como uma declaração negocial, na medida em que, se o declaratário conhecia ou devia conhecer a falta de seriedade do comportamento do declarante, não se poderá sustentar sequer, nos termos das regras aplicáveis à interpretação do negócio jurídico (arts. 236º e seg. do Código Civil) a existência de uma declaração negocial (cfr. Evaristo Mendes/ Fernando Sá, em Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica, pág. 577). O que se exige é, pois, que o declarante tenha a expectativa subjectiva de que a falta de seriedade da sua declaração não será desconhecida pelo declaratário, mas que a falta de seriedade não seja patente, isto é, que não seja nem possa ser objectivamente conhecida pelo declaratário, porque nesse caso, como se disse, não haverá sequer declaração negocial. E se não existir declaração negocial, a sanção não será a da nulidade, que é o vício das declarações não sérias (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II, págs. 218 e 219, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, Tomo I, 3ª edição, págs. 792 e 793) mas a da própria inexistência (cfr. Evaristo Mendes/ Fernando Sá, loc. cit. citando Paulo Mota Pinto, em Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, 1995, págs. 261 e 39 e Carvalho Fernandes, em Teoria Geral do Direito Civil, II, 5ª edição, 2010, pág. 196; também no sentido de que “se o declaratário conhecia a falta de seriedade da declaração ou ela era exteriormente perceptível parece nem chegar a haver uma verdadeira declaração negocial” cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, a pág. 488 e 489). Regressando ao caso dos autos, provou-se: que as declarações dos irmãos GG, de que repuseram determinadas quantias, a título de tornas HH e II também não correspondiam à verdade, tal como as declarações dos autores relativamente às respectivas importâncias ditas recebidas (5, a), b) e c) e 8); que no documento intitulado acta já estava previsto que os pagamentos seriam efetuados ao pai, por ser ele o responsável por todo o processo, o que todos os filhos aceitaram (14); que, assim, os irmãos atrás identificados (em 5) a), b) e c)) entregaram ao progenitor, por determinação deste, os montantes que tinham de entregar aos co-autores, com excepção da ré (11 e 21); que os autores, atendendo ao vínculo familiar que os une à ré, nunca ponderaram a possibilidade de que esta não lhes pagasse a importância que lhes era devida pelo acordo que outorgaram (24). Mas não se provou apenas tais factos: provou-se também que a ré sabia perfeitamente que a declaração (de quitação) não correspondia nem à autêntica vontade dos autores, nem à realidade dos factos (26) e que ela não cumpriu com o pagamento devido a título de tornas, nem antes nem depois da escritura (21, 28 e 29). Ou seja: a declaratária devia conhecer a falta de seriedade do comportamento dos declarantes, que não existia da parte destes qualquer declaração negocial quando declararam que tinham recebido as importâncias a que tinham direito a título de tornas e das quais davam quitação. Assim sendo, não se poderá sustentar sequer a existência de qualquer declaração negocial, devendo concluir-se por uma situação de inexistência jurídica. Deste modo, não tendo sido produzida qualquer declaração de recebimento das tornas, que consubstancie uma declaração negocial vinculativa para os autores, competia à ré provar que tinha efectuado o pagamento, o que não logrou fazer (art. 342º, nº 2 do Código Civil). Pelo contrário até, ficou provado o não pagamento. Como assim, deve a ré responder pelo pagamento das tornas, nos termos conjugados dos arts. 762º, 798º e 799º do Código Civil (já invocados pela Relação). Fica prejudicada a apreciação da questão do erro sobre os motivos da declaração (arts 252º e 359º do Código Civil), apreciada pela Relação para a hipótese de diferente entendimento em relação à declaração não séria, e do alegado decurso do prazo de caducidade de um ano (art. 287º, nº 1 do mesmo diploma legal). Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC): “1. A escritura pública de partilhas não prova que seja verdadeira a afirmação dos autores de que “já receberam as importâncias a que tinham direito a título de tornas das quais dão quitação”; se faz prova plena da realidade de afirmação dos autores, não faz da realidade do pagamento das tornas; 2. Todavia, a declaração dos autores que se contém na escritura constitui uma confissão extrajudicial que se considera provada nos termos aplicáveis aos documentos autênticos e que, sendo feita à parte contrária, tem força probatória plena, não sendo admissível a prova testemunhal, para prova do contrário; 3. A prova do vício da confissão (que ocorre com a divergência entre a declaração e a vontade de emitir a declaração confessória, como sucede com as declarações não sérias) pode ser feita, no entanto, por qualquer meio, inclusive, através da prova testemunhal; 4. As declarações não sérias devem abranger não apenas as declarações didácticas, cénicas, jocosas ou publicitárias mas outras declarações em que não há intenção de formular uma verdadeira declaração negocial, e que são emitidas na expectativa de que a sua falta de seriedade não seja desconhecida do declaratário; 5. Todavia, se se provar que a falta de seriedade podia ser objectivamente conhecida pelo declaratário não haverá sequer declaração negocial, de acordo com os critérios legais de interpretação da mesma; 6. E se não existir declaração negocial, a sanção deve ser não a da nulidade, como seria se a declaração fosse não séria, mas da própria inexistência jurídica.” Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido, apenas com a alteração de que se declara inexistente a declaração dos autores de quitação das tornas, que não produz, quanto à ré, quaisquer efeitos. Custas pela recorrente. * Lisboa, 23 de Março de 2021 O relator António Magalhães (que, nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020 de 13.3., atesta o voto de conformidade dos Srs Juízes Conselheiros Adjuntos Dr. Jorge Dias e Dr.ª Maria Clara Sottomayor que não puderam assinar) |