Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | FÁTIMA GOMES | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO PRAZO DE PRESCRIÇÃO NEXO DE CAUSALIDADE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DIREITO DE PERSONALIDADE ADMISSIBILIDADE DE RECURSO NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA | ||
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Data do Acordão: | 01/30/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I – O prazo de prescrição estabelecido no artigo 498º, n.º 1 do Código Civil inicia-se na data em que o lesado tem conhecimento dos pressupostos que condicionam o direito a indemnização, ainda que o facto ilícito seja continuado, os danos se agravem com o decurso do tempo ou se estabilizem em momento posterior ou sobrevenham novos danos previsíveis. Porém, se, em consequência do facto ilícito, de natureza instantânea ou continuada, sobrevierem danos novos e imprevisíveis, aquele prazo só se inicia com a efectiva produção destes. II – A acção de responsabilidade civil improcede sem a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano. III – A acção de responsabilidade civil e acção para tutela de direitos da personalidade são diversas, ainda que na primeira possam existir elementos de facto importantes e conexos com a segunda. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. AA e mulher, BB, intentaram acção, sob a forma de processo comum, contra “Infraestruturas de Portugal, S.A.”, enquanto entidade gestora da infraestrutura ferroviária, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de €110.000,00 a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreram em consequência das trepidações e ruídos provocados pela circulação de comboios de mercadorias na sequência das obras de ampliação da via férrea situada junto à sua residência, concluídas em 2011. 2. Devidamente citada, a Ré contestou, invocando a prescrição do direito de indemnização que os Autores se arrogam, impugnando a factualidade alegada por estes e pugnando, em conformidade, pela improcedência da acção. 3. Os Autores responderam à matéria de excepção. 4. Foi proferido despacho saneador, meramente tabelar, no qual se relegou para final o conhecimento da excepção de prescrição, seguido de despacho a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova, que não foi alvo de qualquer reclamação. 5. Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que julgou procedente a excepção de prescrição, absolvendo a Ré do pedido. 6. Inconformados, os recorrentes/AA. interpuseram recurso de apelação. 7. O Tribunal da Relação admitiu o recurso e identificou assim o seu objecto: “1 - Aquilatar se a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia relativamente aos documentos juntos com a petição inicial sob os números 3, 4 e 5, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil; 2 - Apurar se existe erro de julgamento relativamente aos pontos 4 e 10 do elenco dos factos provados e se deve ser igualmente dada como provada a matéria vertida nos artigos 2º a 4º e 8º a 11º da réplica, assim como o teor dos documentos juntos com a petição inicial sob os números 3, 4 e 5, e bem ainda se, alterada a matéria de facto nos termos propugnados pelos recorrentes, deve ser julgada improcedente a excepção de prescrição do direito a indemnização que os mesmos se arrogam; 3 - Procedendo a impugnação a que se refere o item antecedente, apurar se se mostram igualmente mal julgadas as alíneas b), c) e d) do elenco dos factos não provados, devendo a correspondente factualidade transitar para o elenco dos factos provados, bem como o ponto 22 do elenco dos factos provados, que deve transitar para o rol dos não provados, e, finalmente, se deve ser aditada ao elenco dos factos provados a matéria vertida nos artigos 21º a 36º, 39º a 40º e 61º a 62º da petição inicial; 4 - Ajuizar se, mercê dos invocados erros, a acção deve ser julgada integralmente procedente; 5 - Pretensa inconstitucionalidade da sentença, por alegadamente ofender direitos fundamentais, consagrados nos artigos 64º, 65º e 66º da Constituição da República Portuguesa.” 8. E proferiu acórdão que culmina com o seguinte segmento decisório: “Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida, embora com fundamentos não inteiramente coincidentes.” 9. Desse acórdão é agora apresentado recurso de revista, pelos AA., no qual formulam as seguintes conclusões (transcrição): A. - Na presente acção discute-se a violação, por parte da Ré, de direitos de propriedade e de direitos de personalidade dos Autores. B. 1.- O Acórdão recorrido não atendeu à força probatória do Relatório Pericial, dos documentos juntos com a Petição Inicial e aos depoimentos das testemunhas, valorando em vez disso meios de prova como “ as regras de bom censo” e juizos de improvável”. 2.- O Acórdão Recorrido, embora julgando improcedente a excepção da prescrição, alegada pela Recorrida e declarada na sentença de 1ª Instância, julgou improcedentes os pedidos formulados pelos Autores/Recorrentes. 3.- Não se encontra fixado nos autos, o momento a partir do qual se iniciaram os danos provocados pelos comboios de mercadorias nas passagens e nas manobras por eles efectuadas, nas imediações da casa de morada dos Recorrentes. 4.- Não se encontra fixado nos autos, o momento a partir do qual os Autores tomaram, conhecimento efectivo de tais danos. Por conseguinte, 5.- Desconhecendo-se a data do início da contagem de tal prazo e competindo à Recorrida tal prova sobre a prescrição dos direitos dos Autores, deveriam os Autores ver julgada procedente por provada a presente acção. 6.- Nenhum destes meios legais de prova foram postos em causa por qualquer outro meio de prova. 7.- O Acórdão recorrido violou o entendimento que subjaz ao próprio Despacho Saneador, notificado às partes em 14 de Outubro de 2020, transitado em julgado, no prazo legal. C - O facto dado por provado em 4 - “Quando adquiriram o referido imóvel, os A.A. eram emigrantes, apenas passando em Portugal cerca de 15 dias a 1 mês, todos os anos.”, DEVERIA TER SIDO ALTERADO, PASSANDO A TER A REDACÇÃO: FACTO 4 – “Quando adquiriram o imóvel, os A.A. eram emigrantes, apenas passando em Portugal cerca de 15 dias, em cada ano, passando o tempo em festas com amigos e familiares não se apercebendo do barulho provocado pelos comboios de mercadorias em passagem e em manobras junto à sua casa.”, PORQUANTO 1.- Conforme transcrito já feita no Recurso de Apelação 2 testemunhas -CC e DD - disseram que “passavam em Portugal 15 dias mais ou menos”, e apenas uma delas - EE – disse “devia estar cá um mês” 2.- É das regras do conhecimento comum que os emigrantes, quando em férias em Portugal, passam o tempo em festas religiosas, convívios com amigos e familiares, entupindo as estradas e enchendo as praias. 3.- Tais depoimentos não foram postos em causa por qualquer outro meio de prova. D. O facto 10 - “O que é do conhecimento dos autores, tal como os factos constantes dos pontos 18 a 20, desde, pelo menos, 2011, DEVERIA TER SIDO ALTERADO E PASSAR A TER A REDACÇÃO: FACTO 10.- Linhas duplas do conhecimento dos autores, desde, pelo menos, 2011, PORQUANTO: 1.- Nenhuma prova existe nos autos donde decorra que os Autores, desde 2011 tenham conhecimento de que: a)-Estes comboios geram ruído e “tremor” ao fazerem a sua passagem e as referidas manobras que se prolongam por dezenas de minutos. b)- Tenham de manteras portas e as janelas sempre fechadas durante a passagem dos comboios ou na execução de manobras por estes. c)- Durante a sua passagem estão impedidos de poderem falar ou conversar, no exterior da casa dos autores, face ao ruído, 2.- É isso que resulta dos depoimentos de todas as testemunhas arroladas pelos Autores, transcritos de fls. 17 a 40, do Recurso de Apelação. 3.- É a própria Ré a admitir tal realidade, ao reconhecer no artº 46 da sua Contestação - “ Aliás, a aceitar-se, o que referem, de terem estado fora do país vários anos, é razoável concluir-se que se desabituaram de viver na proximidade de uma via ferroviária, pelo que terão sentido maís fortemente o impacto da sua presenças, quando aqui voltaram a habitar”. 4.- Tal prova não resulta, também, do depoimento das testemunhas arroladas pela Ré, antes pelo contrário, como decorre do depoimento Testemunha da Ré, FF, conforme transcrição feita no Recurso de Apelação - [02:53]. 5.- Não decorre da Peritagem desde que ano(s) existem as patologias que o imóvel dos Autores apresenta. 6.- Todas as testemunhas arroladas pelos Autores confirmam - com conhecimento directo dos factos – reportam o surgimento das patologias ao tempo do regresso dos A.A. a Portugal, confirmando um grande aumento da actividade dos comboios de mercadorias em circulação e em manobras junto à habitação dos A.A., nos últimos anos. 7.- É do conhecimento comum que a partir do ano de 2008 e até há bem poucos anos, a Europa, e especialmente Portugal, passou por grave “crise económica”, mormente no sector da construção civil. 8.- O mês de Agosto é - sempre e invariavelmente - o principal mês de férias, com uma significativa diminuição da actividade económica/industrial e comercial. E. - As decisões de 1ª e de 2ª Instância não atenderam à conjugação de 2 factos/ 2 realidades bem diferentes entre si, ambas dadas por provadas, a saber: DANDO-SE POR PROVADO QUE: 4)- Quando adquiriram o referido imóvel, os AA. eram emigrantes, apenas passando em Portugal cerca de 15 dias, ou mesmo entre 15 dias a 1 mês, anualmente. 5)- Os Autores regressaram a Portugal, de forma definitiva, em 2018. 12)- Os chamados “comboios de mercadorias”, compostos por vagões de vários tipos, dimensões e capacidade de carga, têm passagens, na direcção Nine – Braga, diariamente entre as 07,15 e as 07,30 horas, e menos vezes entre as 17,45 e as 18 horas. 13)- E na direcção Braga-Nine, diariamente entre as 10 e as 10,30 horas, e menos entre as 21,30 e as 22 horas. SENDO DAS REGRAS DA EXPERIÊNCIA QUE, DIZENDO AS TESTEMUNHAS DOS AUTORES - sem que qualquer outro meio de prova pusesse em causa os seus depoimentos - QUE: - Quando de férias em Portugal os nossos emigrantes passam os dias em festas populares, passeios, IMPORTA CONCLUIR QUE: 1.- OS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO, QUE PASSAM POR “CONCLUSÕES”, REFERINDO QUE:- “ a invocação de tal excepção, alegaram na petição inicial, nem a que lhe contrapuseram na réplica, cuja função era apenas a de criar dúvida no espírito do julgador acerca da realidade daquela”,“ as regras do bom senso”, “o improvável”, “o inverosímil, NÃO PODEM IMPÔR DAR-SE POR NÃO PROVADA FACTUALIDADE ALEGADA PELOS AUTORES, RELATIVAMENTE AO MOMENTO EM QUE TOMARAM CONHECIMENTO EFECTIVODOS DANOS QUE A PASSAGEM E AS MANOBRAS DOS COMBOIOS DE MERCADORIAS - tão só destes, que não dos demais comboios -PROVOCAVAM EM CADA UM DELES, ASSIM COMO NO SEU IMÓVEL, FACTUALIDADE COMPROVADA POR PROVA TESTEMUNHAL, QUE NÃO FOI POSTA EM CAUSA POR QUALQUER OUTRO MEIO DE PROVA, JÁ QUE ISSO SIGNIFICARIA SUBVERTER AS REGRAS PROCESSUAIS RELATIVAS À PROVA, Acresce que, F.2.- DAR-SE POR NÃO PROVADA TAL FACTUALIDADE, IMPLICAVA QUE HOUVESSE SIDO PRODUZIDA PROVA BASTANTE – E NÃO FOI - DE QUE: a)- Nas horas a que se reportam os factos dados por provados, em 12 e 13 – entre as 7,15 e as 7,30 horas, as 10 e as 10,30 horas, as 17,45 e as 18,00 horas e entre as 212,30 e as 22,00 horas – A TAIS HORAS, OS AUTORES TERIAM DE ESTAR, NECESSARIAMENTE, EM SUA CASA, DURANTE AQUELES CERCA DE 15 DIAS EM CADA ANO. b)- Nessas horas estivam em condições de serem capazes de percepcionarem os danos de que estavam a ser vítimas. c)- Em 15 dias, tal percepção pudesse ser exigível aos Autores. G.- Decorre dos depoimentos de todas as testemunhas arroladas pelos Autores, transcritas de fls. 10 a 40, do Recurso de Apelação - EE (09:59-10:14), revem, que os efeitos nefastos que a passagem dos comboios de mercadorias e das suas manobras, nas imediações do seu imóvel, se tornaram ultimamente muito mais gravosos para cada um deles e para o seu imóvel, por força de novas passagens, de mais manobras, de maiores pesos transportados e de mais ruídos. H.- Nenhuma matéria de facto alegada pela Ré/Recorrida, foi dada por provada, relativamente à presença dos Recorrentes na sua casa, até ao ano de 2018, ano em que regressaram definitivamente a Portugal. I.- A própria Ré admite – artº 45º da Contestação - que enquanto estiveram emigrados e apenas se deslocavam a Portugal em gozo de férias, tivessem “desvalorizado” o impacto da nova realidade ferroviária e que só o tivessem sentido com maior acuidade quando regressaram definitivamente ao país. J. A Jurisprudência Superior acima invocada no ITEM VIII, das presentes Alegações, e nos Acórdãos do STJ, ora juntos aos autos, reflectem a razão dos Recorrentes na presente acção, donde se destaca o seguinte: 1.- Podendo, a essa data, na normalidade das coisas, tratando-se de facto danoso de manifesta e imediata apreensão, corresponder o conhecimento – conhecimento empírico – do lesado, para os efeitos previstos no art. 498º, nº 1 do CC, impõe-se no presente processo entendimento contrário, à luz do despacho saneador proferido, nessa parte transitado, afastando a exceção de prescrição então invocada pelas intervenientes, ao julgar que «este dano não se produziu em definitivo e consolidou no património dos autores mais de três anos antes da instauração da ação, este dano ainda hoje se está a produzir (ainda que a sua expressão monetária possa ser a mesma – ou diferente – de há alguns anos a esta parte) E VAI CONTINUAR A PRODUZIR, PELO QUE O RESPECTIVO DIREITO NÃO ESTÁ PRESCRITO 2.- Estando em causa a afectação, de forma continuada, de um direito de personalidade da autora não poderá, em princípio, atribuir-se relevância à conduta desta para efeitos de renúncia ao direito ao repouso e ao descanso; não poderá certamente atribuir-se tal relevância para efeitos de renúncia definitiva a esse direito. L. A prova sobre a existência de prova sobre o nexo causal entre os efeitos nefastos das passagens dos comboios de mercadorias junto á casa de habitação dos Recorrentes decorre: 1.- Do próprio Relatório Pericial. 2.- Da prova testemunhal – incluindo as próprias testemunhas da Ré -, tudo como decorre das transcrições para o Recurso de Apelação - legais meios de prova, que não foram postos em causa por qualquer outro meio de prova. 3.- Da lei civil, a qual, ao contrário da legislação penal, não carece de provas absolutas, bastando-lhe como se refere no Relatório Pericial: “A mais provável das causas”. “O que é facto é que, as referidas obras e a circulação dos comboios, são aptas a induzir solicitações adicionais nos elementos construtivos da moradia e no próprio terreno de fundação, que tipicamente convocam tais patologias/danos ou, no mínimo, as agravam, se pré-existentes.” “A proximidade de uma linha férrea, ou de uma auto estrada, implica sempre serem audíveis os ruídos emitidos pelos veículos em circulação, particularmente o de comboios de mercadorias, que não utilizam suspensão secundária, o que desvaloriza qualquer habitação do ponto de vista da sua depreciação ambiental” M. Relativamente à desvalorização do imóvel dos AA., a mesma é concretamente definida no Relatório Pericial, no qual se refere: -Totaliza uma desvalorização de 41.460,00€, correspondente, sensivelmente, a 25% do valor atual de mercado do prédio. N. - Relativamente à alínea b) dos factos não provados - Que se vão agravando com o passar dos dias”, DEVERIA TER SIDO RETIRADO DA MESMA, PASSANDO A INTEGRAR A MATÉRIA DE FACTO PROVADA, PORQUANTO: 1.- É das regras da experiência comum que, sujeito a vibrações, um, imóvel como o dos Autores, fica sujeito ao surgimento de patologias, mormente fendilhação/fissuração. 2.- Ocorrendo tal tipo de agressões, diariamente, com a circulação de comboios de mercadorias, ora mais leves, ora mais pesados, ora mais compridos, ora menos compridos, óbvio é concluir que “tais patologias se vão agravando com o passar dos dias.” 3.- Tal realidade foi confirmada pelas testemunhas arroladas pelos Autores. 4.- Assim como pelo Relatório Pericial, subscrito pelos 3 Peritos, quando refere: - “o que é facto é que as vibrações são aptas a induzir/levar ou contribuir para o agravamento de tais patologias.” O. - Relativamente à alínea c) dos factos não provados - “ O prédio de habitação dos Autores, sem a construção da linha ferroviária dupla, e de mais uma linha para os ditos comboios de mercadorias e da inerente circulação destes, teria actualmente um valor nunca inferior a € 160.000,00.”, DEVERIA A MESMA SER DAÍ RETIRADA, PASSANDO A INTEGRAR A MATÉRIA DE FACTO PROVADA, PORQUANTO: 1.- É das regras da experiência comum que, actualmente, um imóvel como o dos Autores - Doc. 2 junto com a P.I. – composto por “casa de rés-do-chão e andar, com a superfície coberta de 141 m2 e com 822 m2 de quintal”, localizado junto a uma estrada nacional – também identificado no Relatório Pericial, com 39 anos de utilização, situado a cerca de 5 Km´s da cidade de Braga, tem um valor considerável. 2.- Resulta do dito Relatório Pericial, subscrito pelos 3 Peritos, que as patologias elencadas provocam uma “desvalorização de 41.460,00€, correspondente, sensivelmente, a 25% do valor atual de mercado do prédio”. P. - Relativamente à alínea d) dos factos não provados - “Tal imóvel não vale, hoje em dia, mais do que € 100.000,00.”, DEVERIA A MESMA SER DAÍ RETIRADA, PASSANDO A INTEGRAR A MATÉRIA DE FACTO PROVADA, PORQUANTO: 1.- Decorrendo do Relatório Pericial que o imóvel dos Autores tem, actualmente uma “desvalorização de 41.460,00 €. 2.- Decorrendo tal desvalorização de 41.460,00 € - apenas e tão só – das patologias nele existentes, chegamos à conclusão de que o imóvel vale apenas € 118.000,00 (160.000,00 - 41.460,00). 3.- Se a este valor deduzirmos o valor que é retirado ao imóvel, por causa dos efeitos nefastos dos ruídos, barulhos, trepidações, etc, na vida das pessoas que nele queiram habitar, teríamos de concluir que “O imóvel não vale, hoje em dia, mais do que € 100.000,00.” Q. - O Acórdão Recorrido ao terminar a abordagem a tais questões, dizendo: “Abstemo-nos, por conseguinte, de conhecer da impugnação deduzida contra o ponto 22 do elenco dos factos provados e as alíneas b), c) e d) do elenco dos factos não provados, bem como contra a omissão naquele primeiro elenco da matéria vertida nos artigos 21º a 26º, 28º a 36º, 39º a 40ºe 61º a 62º da petição inicial”, ocorre em manifesta omissão de pronúncia sobre factos alegados pelos Recorrentes e que encontram eco nos Temas da Prova. R. A imprescritibilidade dos direitos humanos refere-se à característica de não se perderem como tempo, de não prescreverem, pois sempre podem ser praticados e não se dissipam pela eventual falta de exercício. Significa que os direitos fundamentais não se perdem com o tempo, vez que são sempre exercíveis e exercidos, não sendo perdidos pela falta de uso. Por exemplo, no Direito Civil, não há a perda dos direitos da personalidade se não usados. Afinal, em regra, os direitos da personalidade são imprescritíveis, a exemplo do direito à honra e do direito ao nome. Em outras palavras, percebe-se que a prescrição é um instituto jurídico que atinge somente os direitos de caráter patrimonial. O carácter constitucional dos direitos fundamentais implica que estes se apresentem cimeiramente localizados dentro do Ordenamento Jurídico, comungando das características próprias das normas e dos princípios de natureza constitucional. E qual é a importância deste facto? Ela é concernente a dois aspectos: a supremacia hierárquica e a rigidez constitucional. A supremacia hierárquica implica que nenhuma outra norma ou princípio, que não tenha a mesma qualidade, possa contradizer o sentido normativo que deles se extrai. A rigidez constitucional representa a circunstância de a respectiva alteração obedecer a mecanismos que tornam essa operação mais difícil, por força da existência de diversos limites à revisão constitucional. O resultado mais visível desta colocação suprema no sistema jurídico liga-se ao carácter “couraçado” que passa a acompanhar os direitos fundamentais, conceptualmente sempre direitos constitucionais: a da inconstitucionalidade das normas e dos princípios que os ofendem. Isso tem a consequência prática de poderem ser postos em acção diversos mecanismos com o fito de destruir essas normas e esses princípios, violadores dos direitos fundamentais, assim melhor se preservando essa parte da Ordem Constitucional. VIOLAÇÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADOS nos artºs 25º, 64º, 65 e 66º da CRP Sobre a questão da inconstitucionalidade da decisão recorrida, o Acórdão Recorrido refere: Resta acrescentar que se mostra manifestamente improcedente a derradeira questão suscitada pelos recorrentes, atinente à inconstitucionalidade da decisão recorrida por alegadamente ofender direitos fundamentais. Com efeito, constitui entendimento pacífico ao nível da doutrina e da jurisprudência que a sentença, em si mesma, não pode ser objecto de um juízo de inconstitucionalidade. Este tem de ser sempre reportado à aplicação de uma norma, tida por inconstitucional, ou de uma determinada interpretação normativa contrária à Constituição (v.g. acórdão desta Relação de 7/10/21, Secção Social, Maria Leonor Barroso, e acórdão da Relação de Coimbra de 23/2/2021, Carlos Moreira). 1.- No tema da produção ou emissão de ruídos, lesivas de direitos individuais ou coletivos, tem a jurisprudência deste tribunal, consistentemente e desde há vários anos, convocado uma tríplice tutela jurídica (entre outros, ASTJ de 17.1.2002 e de 2.12.2013, disponíveis em www.dgsi.pt): (i) a da tutela do direito de propriedade, designadamente no domínio das relações de vizinhança (art. 1346º do CC); (ii) a do direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado (art. 66.º, da CRP e Lei 19/2014, de 14 de Abril – anteriormente Lei 11/87, de 7 de Abril) e (iii) a dos direitos fundamentais de personalidade, o direito à integridade moral e física, ao livre desenvolvimento da personalidade (arts. 25º, 26º, n.º 1 da CRP e art. 70º do CC). 2.- Os direitos ao sossego, ao repouso e ao sono traduzem-se em factores que se mostram potenciadores, em grau muito elevado, da recuperação física e psíquica da pessoa, nomeadamente nas situações da vida quotidiana em que a suspensão da actividade laboral, por motivo de férias, tem como principal escopo a prossecução de tais fins, constituindo-se esses direitos como uma emanação do direito à integridade física e moral da pessoa e a um ambiente de vida sadio, direitos esses acolhidos, como direitos de personalidade, na DUDH (art. 24.º), encontrando-se constitucionalmente consagrados, como direitos fundamentais, nos arts. 16.º 66.º da CRP, e sendo objecto de protecção na lei ordinária no âmbito do preceituado no art. 70.º do CC, nos arts. 2.º e 22.º da Lei n.º 11/87, de 07-04 (LBA) e do DL n.º 292/2000, de 14-11 (Regulamento Geral do Ruído), actualmente substituído pelo DL n.º 9/2007, de 17-01. T. 1. - O Acórdão recorrido violou o disposto nos artºs 303º, 306º, do C. Civil, artºs 607º, nº 3, 4 e 5, do CPC, é nula porque deixou de se pronunciar sobre o valor probatório dos documentos nºs 3, 4 e 5, juntos com a Petição Inicial e que não foram impugnados pela Ré, deixou de pronunciar sobre matéria de facto alegada pelos AA. com manifesto interesse para a boa decisão da causa e que iam de encontro aos temos da prova, ocorrendo a nulidade prevista na alª d) do nº 1 do artº 615º, do CPC. 2. - O Acórdão recorrido violou o caso julgado, decorrente do despacho que fixou os temas da prova, e que transitou em julgado, violando o disposto no artº 576º e segs do CPC. 3.- Cometeu, ainda, erro de julgamento e erro de direito, porque, mesmo admitindo a prescritibilidade do direito dos AA. é controvertida a data em que estes tomaram conhecimento do facto ilícito para efeitos de contagem do prazo de prescrição, impendendo sobre a Ré o ónus da prova de tal facto, 4. - Sendo ainda certo que, errou na aplicação da improcedência da excepção da prescrição, não atentando na natureza de cada um dos pedidos formulados pelos recorrentes. 5. Violou também direitos constitucionalmente consagrados, nos artºs 25º. 64º, 65 e 66º da CRP. 10. Foram apresentadas contra-alegações, onde se conclui (transcrição): I. O prazo de prescrição iniciou-se no momento em que os autores tiveram conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que eles, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, souberam que teria direito a indemnização pelos danos alegadamente sofridos. II. Em 1996, a linha ferroviária Braga-Nine era constituída por uma única linha e situava-se a cerca de 36 metros do muro da estrema noroeste do prédio dos AA. e a cerca de 42,00 metros até à fachada noroeste. III. Foi, entretanto, construída a nova via ferroviária, passando a ter duas linhas duplas: uma linha dupla dedicada a comboios de passageiros a funcionar desde 2004; e uma linha dupla dedicada a comboios de mercadorias a funcionar desde, pelo menos, 2011. IV. Alias, a realização das obras ocorreu em data anterior a 2011, nomeadamente, em junho do ano de 2004, conforme tal consta do portal do governo. V. Ora, foi dado como provado que os autores quando adquiriram o referido imóvel, em 1996, eram emigrantes, apenas passando em Portugal cerca de 15 dias a 1 mês em cada ano, tendo regressado a Portugal, de forma definitiva, em 2018, pelo que tiveram conhecimento das obras ferroviárias, senão antes, pelo menos no ano da sua construção. VI. Ora a confissão da data referida pelos autores, bem como a confissão de que todos tomaram conhecimento da mesma, permite-nos concluir sem mais a prescrição pois a IP apenas foi citada para contestar a presente ação em 3/03/2020, isto é após expirado o indicado prazo de 3 anos referido no artigo 498.º do C.C. VII. Pelo que os incómodos que as passagens e manobras alegadamente causam ao descanso dos Autores, mas não provados, eram do conhecimento dos autores desde, pelo menos, 2011, senão mesmo 2004. VIII. No caso sub judice, os danos invocados pelos autores são homogéneos e mantém-se desde 2004. IX. Os autores nessa data tiveram conhecimento do direito que lhes competia, tendo a IP apenas sido citada para a presente ação em 3-3-2020. X. O decurso do tempo e a manifesta inércia dos autores quanto ao exercício do seu direito acaba por conduzir, decorrido o prazo legal de três anos, à sua prescrição. XI. Sem prescindir, as obras realizadas não implicaram uma depreciação do imóvel e danos para o bem-estar dos autores, como decorre da prova pericial e dos depoimentos dos técnicos da R, os quais revelaram profundo conhecimento das características da obra em questão. XII. A obra de duplicação da via realizada em 2004 implicou a substituição da infraestrutura de via existente de barra curta e travessa de madeira, por barra longa e travessa bibloco de betão, com barra longa soldada, o que levou a uma melhoria significativa da qualidade da plataforma. XIII. A plataforma depois da obra passou a absorver inclusive os impactos da passagem de comboios sem as tradicionais e antigas juntas de 36 em 36m, pelo que passaram a inexistir juntas. XIV. O material circulante, sendo elétrico, tem menores repercussões (incluindo ao nível de ruído) relativamente às habitações na sua proximidade, ao contrário do material que anteriormente circulava naquela linha por falta da eletrificação (material diesel). XV. A infraestrutura de via existente antes da obra de 2004 era de menor qualidade e mais suscetível de produzir vibrações e ruído. XVI. O material circulante antes da obra de 2004 (material diesel) produzia maiores vibrações e ruído do que o que passou a circular posteriormente (elétrico). XVII. O TMT cujas linhas estão mais próximas desta habitação tem habitualmente entre 1 a 2 comboios diários que entram e saem do ramal. XVIII. Tal consiste numa frequência extremamente reduzida incompatível com os danos peticionados pelos autores. XIX. As patologias verificadas na habitação dos autores são semelhantes às possíveis de encontrar em imóveis da mesma idade e qualidade de construção, que se encontram afastados da linha férrea. XX. A presença de linha férrea existente no local é preexistente à construção da habitação, a qual foi comprada pelos autores em 1996, ou seja, sendo conhecedores e aceitando a proximidade da linha ferroviária. XXI. Na linha (agora dupla) continuam a circular comboios, de dimensão variável em diferentes horários, mas sempre a baixa velocidade, já que a velocidade máxima praticada nunca pode exceder os 45 Km/h. XXII. Essa circulação, em virtude da obra ferroviária, ficou mais próxima da casa dos autores apenas 4,30 metros. XXIII. Anteriormente os comboios de mercadorias circulavam para Braga na única linha existente, pois o terminal (de areias, ferro e cimento) era em Braga. XXIV. Com a construção de um terminal multiusos a cerca de um km da casa dos autores, os comboios de mercadorias já não circulem no local à velocidade normal, como anteriormente, mas a uma velocidade mais reduzida pois quando passam pela zona da habitação dos autores, circulam pelas novas linhas que são linhas de entrada e saída no terminal. XXV. A nova linha (dupla) construída destina-se a manobras, pelo que os comboios que nela circulam, avançam a baixíssima velocidade. XXVI. Ambas as linhas duplas foram dotadas das melhores condições técnicas, caracterizando-se por carril material 60 e travessas de betão com barra longa soldada (sem juntas nos carris, para evitar a trepidação daí resultante). XXVII. Esta superestrutura de Via é a que tem melhor qualidade na rede ferroviária nacional. XXVIII. Do método construtivo adotado na renovação da linha ferroviária, resulta que o ruido e a vibração provocada neste troço é dos mais baixos em termos comparativos com outras linhas. XXIX. A linha antiga que existia no local não beneficiava da mesma qualidade, pelo que forçosamente o ruído seria superior. XXX. Considerando o exposto, a alteração da via e do material nela circulante não implicou depreciação do imóvel, o qual já estava próximo da via ferroviária, tendo inclusivamente as alterações implicado uma melhoria da infraestrutura da via e do material circulante, com redução do ruído causado. XXXI. Quanto aos incómodos e contrariedades meramente alegados, mas não provados, pelo A., não justificam a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais. 11. No Tribunal recorrido foi proferido despacho a admitir o recurso, onde se lê: “Por a decisão ser recorrível (artigo 671º, números 1 e 3, este “a contrario sensu”, do Código de Processo Civil), os recorrentes terem legitimidade e estarem em tempo, admito o recurso interposto pelos Autores do acórdão desta Relação. O recurso é de revista e sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo. Notifique e, cumpridas as formalidades legais, remeta os autos ao Supremo Tribunal de Justiça.” Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir. II. Fundamentação De facto 12. Nas instâncias foi dada como provada a seguinte factualidade: 1) Os Autores encontram-se reformados. 2) São casados entre si. 3) Os Autores são, desde 1996, proprietários do imóvel a seguir identificado: “Prédio urbano, destinado a habitação, composto de rés-do-chão, primeiro andar, e logradouro, sito no lugar da ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artº .14, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...32”; 4) Quando adquiriram o referido imóvel, os AA. eram emigrantes, apenas passando em Portugal cerca de 15 dias a 1 mês, todos os anos. 5) Os Autores regressaram a Portugal, de forma definitiva, em 2018. 6) Em 1996, a linha ferroviária Braga-Nine era constituída por uma única linha e situava-se a cerca de 36 metros do muro da estrema noroeste do prédio dos AA. e a cerca de 42,00 metros até à fachada noroeste. 7) Foi, entretanto, construída a nova via ferroviária, passando a ter duas linhas duplas. 8) Uma linha dupla dedicada a comboios de passageiros a funcionar desde 2004. 9) E uma linha dupla dedicada a comboios de mercadorias a funcionar desde, pelo menos, 2011. 10) O que é do conhecimento dos autores, tal como os factos constantes dos pontos 18 a 20, desde, pelo menos, 2011. 11) Desta obra resultou passarem os comboios de mercadorias, a partir de então, a cerca de 21,5m da fachada noroeste da moradia dos AA e cerca de 15,50 m do muro da estrema noroeste do logradouro do prédio dos AA.. 12) Os chamados “comboios de mercadorias”, compostos por vagões de vários tipos, dimensões e capacidade de carga, têm passagens, na direcção Nine – Braga, diariamente, entre as 07,15 e as 07,30 horas, e menos vezes entre as 17,45 e as 18 horas. 13) E na direcção Braga-Nine, diariamente entre as 10 e as 10,30 horas, e menos entre as 21,30 e as 22 horas. 14) Estes comboios de mercadorias, carregados ou descarregados, provindos do sentido Sul-Norte, na direcção Nine – Braga, apenas chegam junto à estação chamada de “Aveleda” (antepenúltima relativamente à de Braga), onde existe o denominado “TERMINAL DE AVELEDA”, a cerca de 1 km da casa dos autores. 15) Local onde são feitas cargas e descargas de todo o tipo de materiais, como gravilhas, cimentos, areias, madeiras, metais, britas. 16) Daí saindo, carregados ou descarregados, no sentido Norte – Sul, na direcção Braga-Nine. 17) Entre a zona da casa de morada dos Autores e o dito “TERMINAL DE AVELEDA”, os ditos comboios de mercadorias, efectuam sucessivas manobras, para a frente e para trás e de trás para a frente, manobras destinadas a suprir ou a acrescentar vagões, chegando tais comboios a ter mais de 150 metros de comprimento, com 20 ou 30 vagões. 18) Estes comboios geram ruído e “tremor” ao fazerem a sua passagem e as referidas manobras que se prolongam por dezenas de minutos. 19) O que faz com que os autores tenham de manter as portas e as janelas sempre fechadas durante a passagem dos comboios ou na execução de manobras por estes. 20) E durante a sua passagem impedem de se falar ou de conversar, no exterior da casa dos autores, face ao ruído. 21) Tais passagens e manobras afectam o descanso dos Autores, os quais se sentem tristes, desgostosos, e cansados com esta situação. 22) Os referidos comboios de mercadorias, naquele local circulam a uma velocidade não superior aos 45 Km/h. 23) Anteriormente os comboios de mercadorias circulavam para Braga na única linha existente, pois o terminal (de areias, ferro e cimento) era em Braga. 13. E foi dado como não provado o seguinte circunstancialismo fáctico: a) Em consequência destas passagens e manobras dos ditos comboios de mercadorias, o prédio dos Autores, apresenta actualmente o seguinte: Fendilhações generalizadas por toda a moradia dos Autores, placas, interior e exterior, paredes, tectos, pátios e patamares das janelas; Fendilhações generalizadas no muro que separa o logradouro da moradia dos Autores da linha férrea. b) Que se vão agravando com o passar dos dias. c) O prédio de habitação dos Autores, sem a construção da linha ferroviária dupla, e de mais uma linha para os ditos comboios de mercadorias e da inerente circulação destes, teria actualmente um valor nunca inferior a €160.000,00. d) Tal imóvel não vale, hoje em dia, mais do que €100.000,00. e) A autora é doente do foro psicológico, permanentemente atacada por depressões. f) Esta situação agravou-se com a passagem dos comboios supra mencionada. g) Por falta de repouso e descanso, a autora agravou o seu estado depressivo progressivo, com transtornos de memória e de cansaço. h) Do método construtivo adoptado na renovação da linha ferroviária, resulta que o ruído e a vibração provocada neste troço é dos mais baixos em termos comparativos com outras linhas. De Direito 14. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil. As questões suscitadas são: - Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia – em conhecer de parte da impugnação da matéria de facto; - Violação de lei – por não terem sido observadas as regras do art.º 662.º no conhecimento da impugnação da matéria de facto; - Violação de lei em decidir pela improcedência da acção, com violação de despacho saneador, desrespeito pelos direitos da personalidade e violação da CRP. 15. Contextualizando: Na sentença foi dito: regressando aos autos, dúvidas não se oferecem que os danos que os autores vêm sofrendo são homogéneos (não se apurou qualquer dano imprevisível face aos que se vem gerando desde 2011). Apenas se agravaram com o regresso definitivo a Portugal, em 2018. Todavia, esses danos iniciaram-se em 2011. E os autores nessa data tiveram conhecimento do direito que lhes competia. Porém, a presente acção apenas deu entrada em Fevereiro de 2020 (e a citação ocorreu a 3-3-2020). Vale dizer que com o decurso do tempo e com a inércia dos titulares quanto ao exercício do seu direito acaba por conduzir, decorrido o prazo legal de três anos, à sua prescrição. Deste modo, o direito de indemnização dos autores já prescreveu. Assim, procede a excepção peremptória invocada pela ré, pelo que esta tem de ser absolvida do pedido nos termos do disposto no art. 576.º, n.º 3, do CPC. Para assim decidir a sentença explicitou a lei aplicável e a sua interpretação, doutrinal e jurisprudencial, incluindo a referência a Ac. de Uniformização de jurisprudência (não transitado) que trata especificamente da interpretação da norma aplicável ao presente processo. Por seu turno o Tribunal da Relação efectuou um percurso lógico distinto, mas veio a chegar ao mesmo resultado – de improcedência da acção. Nesse percurso distinguiu a pretensão dos autores a uma indemnização por danos morais, da indemnização por danos patrimoniais, incluindo nesta a desvalorização do prédio, e aludiu à falta de prova dos elementos relativos ao nexo de causalidade entre a passagem dos comboios e o dano na parte relativa às fendilhações na habitação. O Tribunal da Relação também se debruçou sobre a impugnação da matéria de facto, em face do pedido dos recorrentes, de verem alterados os “pontos 4 e 10 do elenco dos factos provados e pelo aditamento ao mesmo elenco da matéria vertida nos artigos 2º a 4º e 8º a 11º da réplica, bem como dos factos que relevam dos documentos juntos com a petição inicial sob os números 3, 4 e 5, todos atinentes à excepção de prescrição do direito a indemnização.” E quanto ao ponto 10 do elenco dos factos provados, foi entendimento do Tribunal recorrido que o mesmo não devia ser alterado. Para assim concluir procedeu à análise crítica dos meios de prova e analise da 1ª instância, dizendo: Não obstante a prova subjectiva produzida, a cuja audição procedemos, secundamos, na íntegra, a motivação transcrita, por traduzir uma apreciação assertiva e crítica dos elementos probatórios recolhidos à luz das regras da experiência comum. Limitar-nos-emos a enfatizar que é absolutamente inverosímil que, por muitas excursões que fizessem ou festas e convívios que frequentassem durante o período em que, estando emigrados na ..., gozavam férias em Portugal, os recorrentes não se tivessem inteirado da nova realidade ferroviária imediatamente após a sua conclusão, já que, do ponto de vista estritamente físico, essa nova realidade é diametralmente distinta da primitiva (a via férrea, inicialmente com uma única linha, adstrita aos dois sentidos de trânsito e a todo o tipo de tráfego, passou a comportar quatro linhas, duas para comboios de passageiros e duas para comboios de mercadorias) e, do ponto de vista das suas implicações, as vibrações e o ruído são indissociáveis da circulação dos comboios – que, aliás, se processa diariamente, incluindo sábados e domingos – e não podiam deixar de ser percepcionados a partir da data em que as novas linhas entraram em funcionamento. E por isso, afirmou: “Improcede, por conseguinte, a impugnação deduzida quanto ao ponto de facto em apreço, cuja redacção se mantém inalterada, o que prejudica a reclamada inclusão no elenco dos factos provados do teor dos documentos juntos com a petição inicial sob os números 3, 4 e 5, por consubstanciarem interpelações efectuadas pelos recorrentes decorridos mais de três anos sobre a data em que tiveram conhecimento dos pressupostos que condicionavam o direito a indemnização e que, como tal, não tinham virtualidade interruptiva do prazo de prescrição, nos termos do artigo 323º do Código Civil.” Houve ainda oportunidade de explicar o problema tratado na presente acção – acção de responsabilidade civil – por assim ter sido configurada pelos AA. – distinguindo-a da acção para tutela de direitos da personalidade: “Mantendo-se, nos termos expostos, a redação do ponto 10 do elenco dos factos provados, é forçoso concluir, nos precisos termos em que o fez o Senhor Juiz a quo, cuja fundamentação acompanhamos e para a qual remetemos, que prescreveu o direito de indemnização que os recorrentes se arrogam fundado nos prejuízos que objectivamente decorrem para a fruição do seu prédio, desvalorizando-o, em virtude da circulação dos comboios de mercadorias, bem como a título de danos morais, anotando-se a este respeito que a presente acção se configura como uma acção de responsabilidade civil extracontratual (cujo âmbito não se confunde com a acção a que se refere o artigo 70º do Código Civil), pelo que a alegada ofensa dos direitos de personalidade dos recorrentes se coloca apenas no plano do dano não patrimonial ou moral, que, embora seja, por definição, aquele que é insusceptível de avaliação pecuniária, constitui, também ele, uma componente da indemnização peticionada e, como tal, sujeita ao prazo de prescrição previsto no artigo 498º, n.º 1 do Código Civil.” Diferentemente do que sucedeu na sentença, o Tribunal da Relação não apreciou a totalidade da acção na perspetiva de haver prescrição do direito dos AA., autonomizando a pretensão de serem indemnizados pelos danos de fendilhação da casa em consequência da trepidação com a passagem dos comboios. E para este dano o entendimento do Tribunal recorrido foi o seguinte: - A R. não invocou a prescrição desse dano, relativo a um evento continuado – “nada permite concluir que as fendilhações, a terem sido provocadas pelas trepidações inerentes à circulação dos comboios de mercadorias, se tivessem manifestado imediatamente após a entrada em funcionamento das novas linhas, nem, tão-pouco, que o seu aparecimento fosse previsível”; - A pretensão em causa terá assim de ser julgada em conformidade com o direito aplicável, em função dos factos provados – e não está provado que exista um nexo de causalidade entre as fendilhações e a passagem dos comboios; - Na falta de prova de todos os elementos constitutivos do direito à indemnização a pretensão deve improceder. E disse: “Na sentença recorrida deu-se como não provado que exista um nexo causal entre a passagem dos comboios de mercadorias e as manobras por eles executadas e as fendilhações que a moradia dos recorrentes actualmente apresenta. Muito embora não tenham impugnado a alínea do elenco dos factos não provados em que essa matéria foi vertida (Alínea A), os recorrentes reclamam o “aditamento” à matéria de facto provada da factualidade alegada no artigo 27º da petição inicial, que compreende aquela, e indicaram os meios de prova que sustentam essa reclamação, precisamente os mesmos que, em seu entender, impunham decisão diversa sobre o ponto 10 do elenco dos factos provados.” Foi nesta sequência que o tribunal teve de voltar a analisar a impugnação da matéria de facto, que fez, apreciando igualmente o modo como a primeira instância decidiu no sentido de não dar o nexo de causalidade por demonstrado. Pelo que decidiu: “É que, estando prescrito o direito de indemnização por danos morais, assim como pela desvalorização sofrida pelo prédio dos recorrentes em virtude dos ruídos e vibrações a que está sujeito, e indemonstrado o nexo causal entre a passagem/manobras dos comboios de mercadorias e as fendilhações que aquele prédio apresenta, a dita factualidade mostra-se inócua para a economia da decisão, por não interferir com a solução jurídica do caso. Improcede, pois, a apelação. De acordo com a regra geral inscrita no artigo 527º do Código de Processo Civil, os recorrentes, como parte vencida, são responsáveis pelo pagamento das custas. IV. DECISÃO: Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida, embora com fundamentos não inteiramente coincidentes.” 16. Os recorrentes não se conformam com a decisão e insistem na impugnação da matéria de facto, em sede de recurso de revista (conclusões sob as letras C a I e N a P). Sucede que o STJ é um tribunal superior que aplica o direito aos factos apurados pelas instâncias, sem intervenção no apuramento desses factos e com um controlo limitado sobre os mesmos, balizado pela lei assim: – art.º 674.º, n.º3 do CPC 3 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. – art.º 682.º, n.º2 do CPC 2 - A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º. Ora, A pretensão que fazem sobre a alteração da matéria de facto – e aqui se inclui especificamente os factos provados 4 e 10, e os não provados relativos ao nexo de causalidade entre fendilhações e passagem de comboio, não vêm justificadas em nenhum meio de prova de força probatória tabelada, mas em depoimento de testemunhas e relatórios periciais – meios de prova sujeitos a livre apreciação do tribunal. E assim o tribunal não entrará no conhecimento dessa questão. Já na parte em que invocam omissão de pronúncia (conclusão Q) por o Tribunal da Relação não ter conhecido de parte da impugnação da matéria de facto, há que dizer o seguinte: estamos aqui perante um eventual problema de incorrecta aplicação do art.º 662.º do CPC, se se entender que o Tribunal da Relação não realizou a apreciação de questão suscitada no recurso de apelação (e que devesse apreciar). Por isso importa saber qual a justificação dada pelo tribunal recorrido – e que consta da seguinte frase – “Abstemo-nos, por conseguinte, de conhecer da impugnação deduzida contra o ponto 22 do elenco dos factos provados e as alíneas b), c) e d) do elenco dos factos não provados, bem como contra a omissão naquele primeiro elenco da matéria vertida nos artigos 21º a 26º, 28º a 36º, 39º a 40º e 61º a 62º da petição inicial.” Esta posição do tribunal é adoptada na sequência do excurso lógico que já acima se indicou ter sido o seguido pelo tribunal – por um lado haveria direitos prescritos, por outro, haveria invocação de direitos que não foram demonstrados segundo as regras legais, nomeadamente a falta de prova do nexo de causalidade fundamental na aplicação do regime da responsabilidade civil. Nesta lógica, se as questões de alteração da matéria de facto não implicam modificação do decidido nas duas questões indicadas – a acção está destinada a sucumbir – e a apreciação de questões suscitadas no recurso que não tenham viabilidade de alterar aquele posicionamento são questões inúteis, sendo a prática de actos inúteis proibida – e assim perfeitamente correcto o entendimento do tribunal. Vejamos então esses pontos. - o ponto 22 do elenco dos factos provados 22) Os referidos comboios de mercadorias, naquele local circulam a uma velocidade não superior aos 45 Km/h. - alíneas b), c) e d) dos factos não provados b) Que se vão agravando com o passar dos dias. c) O prédio de habitação dos Autores, sem a construção da linha ferroviária dupla, e de mais uma linha para os ditos comboios de mercadorias e da inerente circulação destes, teria actualmente um valor nunca inferior a €160.000,00. d) Tal imóvel não vale, hoje em dia, mais do que €100.000,00. Quanto o tribunal recorrido deixa de analisar a pretensão de modificação do facto provado 22, onde se pretendia que figurasse a versão de não provado, tem toda a razão de ser não realizar essa análise, porquanto a modificação em nada alteraria o quadro decisório encontrado. Quanto aos factos não provados – mesmo que as diversas alíneas indicadas fossem tidas por provadas, tendo-se considerado prescrito o direito à indemnização por desvalorização, a pretensão não poderia proceder. Em síntese, não se identifica nenhum erro de procedimento do Tribunal, ou nulidade, por não ter apreciado esta problemática – tida por prejudicada face à solução apresentada. Improcede assim esta questão. 16. Quanto à solução de direito – prescrição dos danos morais/patrimoniais e falta de prova dos elementos constitutivos do direito a indemnização por não demonstração do nexo de causalidade – - Existe dupla conforme na apreciação realizada sobre a prescrição dos danos morais/patrimoniais relativos à desvalorização do imóvel, por ultrapassagem do prazo de 3 anos. Nessa questão não pode a revista ter por objecto a problemática, por força do art.º 671.º, n.º1 e 3 do CPC. Pela mesma razão não há que conhecer da questão indicada pelos recorrentes ((pontos B 3, 4 e 5 das conclusões; conclusão J, L, M, N, O e P), no sentido de que “Não se encontra fixado nos autos, o momento a partir do qual se iniciaram os danos provocados pelos comboios de mercadorias nas passagens e nas manobras por eles efectuadas, nas imediações da casa de morada dos Recorrentes”, Não se encontra fixado nos autos, o momento a partir do qual os Autores tomaram, conhecimento efectivo de tais danos.” e de ser devida uma outra solução de direito na interpretação do regime da prescrição. 17. Apesar de no requerimento de recurso vir igualmente solicitada a admissão da revista pela via excepcional, - (a sua formulação é a seguinte): “Para o caso de entenderem Vªs Excªs que assim não é, interpõe-se recurso de Revista Excepcional, ao abrigo do disposto no artº 672º, nº 1, alªs a) e b) do CPC, por se tratar de matéria em que estão em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que estão em causa interesses de particular relevância social, e sobre tais questões ocorre contradição entre acórdãos que incidam sobre a mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, 7. - Requerendo-se, neste caso, lhe seja concedido um prazo de 10 dias, para juntar aos autos certidão judicial relativa aos Acórdãos que o sustentam e de que se juntam copias extraídas do site da dgsi - Docs. 1 e 2.” Porém, nem na alegação, nem nas conclusões se dá cumprimento ao disposto no art.º 672.º do CPC relativo aos ónus que o recorrente tem de cumprir, caso pretendesse que a revista fosse sujeita à apreciação da sua admissão pela via excepcional. Nessa falta – que a lei não admite seja suprida (n.º2, sob pena de rejeição)– não podem algumas das questões suscitadas e que sejam abrangidas pelo impedimento à admissibilidade da revista pela via normal (dupla conforme) ser sequer equacionadas como revista a admitir pela via excepcional, nem há que remeter os autos à formação. 18. Quanto à questão da falta de prova do nexo de causalidade (conclusão L) - sem a prova desse elemento de facto, não poderia a pretensão indemnizatória ser julgada procedente, com ou sem prova de dano ou data do seu início. Esse é um elemento de facto sobre o qual já se explicou quais os poderes (ou falta deles) que se aplicam ao STJ. É assim de confirmar a orientação do Tribunal recorrido. 19. Marginalmente, os recorrentes ainda colocam questões sobre a violação do despacho Saneador (ponto B 7 das conclusões), notificado às partes em 14 de Outubro de 2020, por aí se afirmar: “Relego para momento ulterior o conhecimento da excepção de prescrição uma vez que o seu conhecimento depende da prova de factos controvertidos, nomeadamente, da existência de um comportamento continuado e/ou a data de início dos danos. Não há nulidades processuais, excepções dilatórias ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.” É evidente que o teor do despacho transcrito apenas assume relevência na parte em que relega o conhecimento da questão da prescrição para momento posterior. No demais, é uma justificação genérica sobre a situação do processo, em alusão a elementos concertos que vinculem o tribunal a decidir o problema da prescrição apenas nos contornos indicados. Improcede a questão. 20. E sobre a configuração da acção como acção para defesa de direitos da personalidade – associando a esta questão a problemática da inconstitucionalidade (conclusão R). A questão foi abordada no acórdão recorrido em termos perfeitamente claros – a acção foi configurada pelos AA. como acção de responsabilidade civil, culminando com os pedidos próprios da pretensão formulada. Ainda que houvesse que apreciar a medida do incómodo no descanso e repouso dos AA., face à configuração dada, por mote próprio de quem propôs a acção, não está em causa apreciar as consequências de outro nível que não o pedido formulado. Não há qualquer inconstitucionalidade normativa que tenha sido alegada com o mínimo de consistência e detalhe que possa merecer uma análise de violação normativa da CRP. III. Decisão Pelos fundamentos indicados é negada a revista. Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário. Lisboa, 30 de Janeiro de 2025 Relatora: Fátima Gomes 1º adjunto: Nuno Pinto Oliveira 2º adjunta: Maria de Deus Correia |