Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | SÉNIO ALVES | ||
Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA MEDIDA CONCRETA DA PENA IMPROCEDÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 05/31/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECVURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | A pedra de toque, o factor decisivo ao privilegiamento do crime de tráfico de estupefacientes é a considerável diminuição da ilicitude do facto, olhada de forma global, sendo os elementos indicados no artº 25º do DL 15/93, de 22/1 meramente exemplificativos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, neste Supremo Tribunal de Justiça: I. 1. No Processo Comum Colectivo nº 8/22.5GTABF do Juízo central criminal ..., J..., o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi julgado e condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22/1, e como reincidente, na pena de 6 anos e 9 meses de prisão. 2. Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, pedindo que os factos apurados fossem qualificados como integrando a prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. pelo artº 25º, al. a) do DL 15/93, de 22/1 e, nessa conformidade, condenado como reincidente na pena de 5 anos e 6 meses de prisão. Extrai da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas): «1. O recorrente foi condenado na pena única de 6 anos e 9 meses de prisão pela prática do crime de tráfico de droga agravado pela reincidência. 2. O recorrente não se conforma com a condenação sofrida. 3. No que concerne ao crime de tráfico de droga o recorrente entende que devia ter sido condenado pela prática do crime do artigo 25º do dec-lei 15/93. 4. Resulta do texto do próprio acórdão recorrido que a actividade delituosa é de modalidade de venda directa ao consumidor, de doses próprias para consumo, numa área geográfica restrita, sem meios sofisticados, num período inferior a um ano. 5. A quantidade de droga detida pelo recorrente não afasta a imagem global de uma considerável diminuição da ilicitude, porquanto, dizemos nós, parte deste produto era destinado ao seu exclusivo consumo 6. O recorrente era motivado exclusivamente com a satisfação do seu consumo. 7. Não havia nenhum esquema organizativo que agravasse a conduta do recorrente. 8. O número de consumidores não era elevado. 9. A quantia pecuniária apreendida ao recorrente não era relevante. 10. A droga detida pelo recorrente não era de pureza elevada. 11. Não são conhecidos sinais exteriores de riqueza. 12. As condutas que consubstanciam o tráfico de droga não afastam a ilicitude do artigo 25º do dec-lei 15/93. 13. Neste sentido os acórdãos do STJ com o nº 127/09.3PEFUN-S1 e do Juízo Central Criminal de Setúbal -J2- com o nº 448/20.4 GHSTC de 2 de Julho de 2021. 14. Pelo exposto deve o recorrente ser condenado pela prática do crime de tráfico de menor gravidade, p.p.p. artigo 25º do Dec-lei 15/93, na pena de 5 anos de prisão. 15. Segundo a doutrina da prevenção especial positiva, a medida da necessidade de socialização do agente é o critério decisivo das exigências de prevenção especial. Tudo depende da forma como o agente se revelar, carente ou não de socialização. 16. Se uma tal carência se não verificar tudo se resumirá em termos de prevenção especial, em conferir à pena uma função de suficiente advertência. 17. É uma pena justa aquela que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa. 18. Importa convocar o dever de compaixão que pressupõe que o tribunal tenha em consideração todas as razões do contexto social e da história da pessoa que podem explicar ou eventualmente atenuar a sua responsabilidade - Carmona da Mota. 19. O dever de compaixão, no fundo, é uma ideia de justiça que considera na sua plenitude a pessoa que está a ser julgada, não apenas pelo que fez mas também pelo que é – Fernanda Palma. 20. A fixar-se um juízo de censura jurídico-legal haverá que ser ponderado o futuro do agente numa perspetiva de contribuição para a sua recuperação como indivíduo dentro dos cânones da sociedade. 21. Assim, deverá o recorrente ser condenado pela prática do crime de tráfico de droga na pena de 5 anos de prisão, agravada pela reincidência em 6 meses de prisão (5 anos e 6 meses de prisão)». 3. Respondeu o Exmº Magistrado do MºPº junto daquele Tribunal, pugnando pelo não provimento do recurso e assim concluindo: «1. O arguido AA interpôs recurso do acórdão condenatório proferido nos presentes autos, alegando, em síntese, o seguinte: a) Errada qualificação jurídica, porquanto, a factualidade dada como provada integra o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punível no artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro; b) Errada dosimetria da pena de prisão aplicada. 2. In casu, relativamente à integração da factualidade da como provada no crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, há que ter em conta, conforme se escreveu no acórdão sob recurso e ora se transcreve, o seguinte: «Relevam, do nosso ponto de vista, para a caracterização dessa imagem global da ilicitude: O nº de doses individuais susceptíveis de serem geradas pelo estupefaciente detido pelo arguido: 309; A qualidade dos estupefacientes com graus de pureza de 41,7%, 52,7%, 56,3% e 59,5%; As vendas repetidas aos mesmos consumidores o que inculca a existência de uma clientela; A desocupação laboral do arguido no período temporal em que procedeu às vendas de cocaína; A inexistência durante esse período de qualquer fonte de rendimentos lícitos; O período temporal em que as vendas ocorreram que apesar de se limitar a cerca de 4 meses, revelou-se, na prática, por uma elevada intensidade com vendas aos consumidores que não foram esporádicas; A interrupção da actividade em consequência da detenção do arguido que, nesse momento, trazia consigo três panfletos de cocaína e três telemóveis, além do outro estupefaciente que possuía na sua residência; A quantia de 280,00€ que trazia quando foi detido composta por notas de valores faciais de 20€, 10€ e 5€ (sendo que não trabalhava) o que inculca tratar-se do produto de vendas que havia levado a cabo; O arguido não procedia a vendas na esquina, a qualquer um que o abordasse, mas tinha um método (combinação por telefone: ajuste e marcação do local de encontro) e um meio (automóvel) para se deslocar (como sucedeu) ao encontro dos consumidores em várias zonas distintas da sua área de residência (...); O arguido a permanecer no Algarve, sem trabalho, mas com a mãe e irmãos a residirem em ..., ..., apenas a vender cocaína, porque também não vivia em união de facto com a mãe da sua filha (estas residem na ...), o que inculca ter sido a actividade da venda de cocaína a escolha do arguido como modo de estar. Assim, em face das circunstâncias antecedentes, o Tribunal Colectivo conclui, com o devido respeito pela posição da defesa, que a conduta global do arguido não se mostra com um grau de ilicitude consideravelmente diminuído.» 3. Ademais, o arguido AA dedicava-se à venda de cocaína («droga dura» potenciadora de graves lesões para a saúde) e MDMA e, bem ainda, já tinha sofrido condenação anterior pela prática do crime de tráfico de estupefacientes. 4. Na verdade, e, conforme tem acentuado a jurisprudência[1], a existência de condenações anteriores pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, não pode deixar de ser um factor a considerar no sentido de afastar a «considerável diminuição da ilicitude» exigida pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. 5. De resto, não mereceram credibilidade as declarações do arguido/recorrente AA, relativamente à sua alegada dependência de cocaína, pois que, conforme se escreveu, para além do mais, no acórdão sob recurso e ora se transcreve: «Uma dependência de anos (inícios dos consumos de cocaína em 2016), um consumo arreigado (diário à razão de uma 1g) e mesmo que o produto não fosse 100% puro, não é compatível com o alegado «desmame» no Estabelecimento prisional, sem qualquer apoio; Menos o é sem que disso, isto é, dessa dependência e das consequências da privação abrupta do consumo de estupefacientes (físicas, psicológicas, agitação, alteração do sono, etc), ninguém ali se aperceba (e nota alguma a respeito da alegada situação de dependência de cocaína consta do relatório social) e arguido esteve preso em dois períodos temporais distintos privado da liberdade, isto é, no meio prisional (primeiro em prisão preventiva, depois, mais tarde, detido para cumprimento de pena) e quando ingressou em qualquer das situações já consumiria…; Inexiste nos autos qualquer elemento externo às declarações do arguido que revele ou, sequer, indicie a existência dos hábitos de consumo de cocaína referidos pelo arguido;» 6. Ora, face ao supra exposto, cremos ser fácil de concluir pelo acerto relativamente à integração da matéria de facto dada como provada, na prática pelo arguido AA, do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro[2]. 7. In casu, o Tribunal a quo, na determinação da medida da pena a aplicar ao arguido/recorrente, consignou o seguinte: «3. Importa, agora, atentar nos critérios estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal e proceder à determinação da pena concreta. 3.1. Fazendo-o considera o Tribunal, em desfavor do arguido: - A natureza do estupefaciente em causa, cocaína, estupefaciente de elevado poder aditivo e danosidade para saúde, considerado uma “droga dura”; - A quantidade do estupefaciente detida pelo arguido 118,354g e seus graus de pureza 47,1%, 52,7%, 56,3% e 59,5%; - O nºs. de doses individuais suscpetíveis de serem geradas: 309; - O dolo com que o arguido agiu, intenso e directo, modalidade que exprime o modo mais intenso da vontade, artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal; - Os fins que determinaram a sua conduta: a obtenção de proventos financeiros fáceis; - As necessidades de prevenção geral que se impõem com elevada acuidade, pois são consabidos os efeitos nefastos para a comunidade associados ao tráfico de estupefacientes; - A condenação anterior pelo mesmo crime de tráfico de estupefacientes p. no artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, constituindo esta a segunda vez que o arguido vem a juízo pelo tráfico de estupefacientes, o que, de um lado, documenta características desvaliosas da sua personalidade e amplia o grau do juízo de censura (culpa) e, de outro, exaspera as exigências de prevenção especial; - A prática dos factos dentro do período de liberdade condicional de uma pena de prisão pelo mesmo tipo de crime (o tráfico p. no artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01). Em favor do arguido: - A admissão de grande parte dos factos.» 8. In casu, são muito elevadas as exigências de prevenção especial e geral. Com efeito, relativamente às primeiras há que considerar os elementos indicados pelo Tribunal a quo, nomeadamente, por um lado, a comercialização de cocaína (“droga dura”) e MDMA e, bem ainda, a anterior condenação pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, assim como, a ausência de qualquer actividade profissional declarada. 9. No que tange às exigências de prevenção geral, conforme se escreveu no Acórdão do STJ de 18 de Novembro de 2021[3]: «Muito elevadas são as exigências de prevenção geral no crime de tráfico de estupefacientes, pela forte ressonância negativa na consciência social das actividades que os consubstanciam, em particular quando está em causa o tráfico de produtos estupefacientes com forte nocividade, (…), pelo que se justifica reforçar a ideia de validade dos bens jurídicos inerentes à norma violada. Reafirmamos aqui que o tráfico de estupefacientes é dos crimes que mais preocupa a alarma a nossa sociedade pelos seus nefastos efeitos e que mais repulsa causa quando praticado como meio de obtenção de proveitos à custa da saúde e liberdade dos consumidores, com fortes reflexos na coesão familiar e da comunidade em geral.» 10. Em face de todo o supra exposto, facilmente se verifica que, o Tribunal a quo na determinação da medida da pena teve em consideração os factores a que se alude no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal e, bem ainda, não violou o disposto no artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal. 11. Termos em que, sendo julgado improcedente o recurso, por não ter ocorrido a violação das normas e princípios aventados pelo arguido AA, deverá o douto acórdão condenatório ser mantido na íntegra». II. Recebidos os autos no Tribunal da Relação de Évora, por despacho da Exmª Desembargadora relatora, de 17/4/2023, foi determinada a remessa dos mesmos a este Supremo Tribunal, por se ter entendido que o presente recurso, interposto de decisão proferida por tribunal colectivo que aplicou pena de prisão superior a 5 anos de prisão, visa exclusivamente o reexame de matéria de direito. III. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento do recurso: «(…) 7.1 – Da qualificação jurídica dos factos provados. Sobre a problemática suscitada pelo recorrente, de a sua conduta delituosa integrar a prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e não o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, desse diploma legal, por que foi condenado, há que dizer que a distinção entre o tipo fundamental “tráfico e outras atividades ilícitas” p. e p. no art. 21.º e o tipo privilegiado de tráfico de menor gravidade” assenta na verificação, para o segundo, de uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, aferida em função de um conjunto de itens de natureza objetiva que se revelem no concreto. Nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade do produto, a quantidade detida ou cedida, o espaço temporal em que se levou a cabo a atividade, o espaço geográfico onde se desenrolou e o número de vendas [4]. Devendo a avaliação da menor gravidade do tráfico resultar de um juízo global e abrangente sobre a conduta ilícita prosseguida pelo agente, em que o desvalor da acção é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental do tráfico de estupefacientes (o do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro), importa atender ao circunstancialismo concreto do caso em presença para aquilatar se pode ser considerado como tráfico de menor gravidade o que se apurou ter sido a actividade levada a cabo pelo arguido/recorrente. Emergiu provado do julgamento a que se procedeu que o arguido/recorrente manteve uma regular e consistente actividade de comercialização de produtos estupefacientes, designadamente, cocaína, entre, pelo menos, Outubro de 2021 e 7 de Janeiro de 2022, período durante o qual vendeu, repetidas vezes, a diversos consumidores tal espécie de droga. Da rede de clientes regulares, oito foram cabalmente identificados, sendo que quatro destes lhe adquiriram cocaína, naquele período, por 10 vezes, pelo menos, chegando a 20 (BB) e a 30 até (CC), as vezes em que o arguido lhes vendeu esse tipo de estupefaciente. Mais se provou que no dia 8 de Janeiro de 2022, o arguido tinha consigo, acondicionados na roupa que trajava, 3 panfletos contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 2,031g, com 59,5% de grau de pureza, suficiente para seis doses individuais. E, ainda nesse dia, na sua residência, o arguido detinha: - 3 (três) pacotes com cocaína (cloridrato), sendo 2 com o peso líquido total de 1,761g, com 56,3% de grau de pureza, suficientes para quatro doses individuais, e 1 com o peso líquido de 4,966g, com 41,7% de grau de pureza, suficiente para onze doses individuais, todos acondicionados em plástico transparente; e, - 5 (cinco) embalagens com cocaína (cloridrato) com o peso líquido total de 109,596g, com 52,7% de grau de pureza, suficiente para 288 doses individuais; Ao arguido foram ainda apreendidos, no referido dia 8/1/2022: - quatro telemóveis; - 280,00€ (duzentos e oitenta euros) em numerário (composto por oito notas de 20,00€, dez notas de 10,00€ e quatro notas de 5,00€); - uma balança digital de cor preta e cinzenta, um rolo de fita adesiva castanha, um pacote de plásticos transparentes e um rolo de sacos de plástico transparente; - Treze saquetas de um medicamento denominado “Redrate”. Por fim, resultou demonstrado que o arguido/recorrente AA destinava aquele produto estupefaciente à cedência e venda a terceiros consumidores, utilizando para tal a balança, o produto “Redrate” para efectuar o “corte” do produto estupefaciente, a fita adesiva, o plástico transparente, os diversos telemóveis, assim como o veículo automóvel que lhe permita efectuar a distribuição do produto por diversas localidades, nomeadamente Messines, Algoz, Patã, Porches, Alporchinhos e Guia. Isto numa altura em que o arguido/recorrente não tinha qualquer ocupação laboral, não dispondo de qualquer fonte de rendimentos lícitos. Sendo este o quadro factual que se patenteia, não se vê como seja possível ter por consideravelmente diminuída a ilicitude do facto, sem o que não se poderá ter por verificado o tipo privilegiado do tráfico de estupefacientes. Afigura-se, pois, inquestionável o acerto do enquadramento jurídico dos factos provados, os quais traduzem a prática, pelo arguido/recorrente, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, nenhum reparo suscitando, por conseguinte, o assim decidido pelo Tribunal a quo. 7.2 – Da pena aplicada. O mesmo se dirá da pena aplicada. Sendo a moldura penal abstracta do crime de tráfico de estupefacientes (do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro) por que o recorrente foi condenado, reconhecida a reincidência (que não vem questionada no recurso), a de 5 anos e 4 meses de prisão a 12 anos de prisão, a pena aplicada, de 6 anos e 9 meses de prisão, situa-se abaixo da mediana do primeiro terço da penalidade aplicável, não se descortinando como, e porquê, deva ser reduzida, sem que resultem comprometidas as finalidades das penas. Atente-se, na decisão recorrida, nos fundamentos que presidiram à determinação da medida da pena: (…) considera o Tribunal, em desfavor do arguido: - A natureza do estupefaciente em causa, cocaína, estupefaciente de elevado poder aditivo e danosidade para saúde, considerado uma “droga dura”; - A quantidade do estupefaciente detida pelo arguido 118,354g e seus graus de pureza 47,1%, 52,7%, 56,3% e 59,5%; - O nºs. de doses individuais suscpetíveis de serem geradas: 309; - O dolo com que o arguido agiu, intenso e directo, modalidade que exprime o modo mais intenso da vontade, artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal; - Os fins que determinaram a sua conduta: a obtenção de proventos financeiros fáceis; - As necessidades de prevenção geral que se impõem com elevada acuidade, pois são consabidos os efeitos nefastos para a comunidade associados ao tráfico de estupefacientes; - A condenação anterior pelo mesmo crime de tráfico de estupefacientes p. no artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, constituindo esta a segunda vez que o arguido vem a juízo pelo tráfico de estupefacientes, o que, de um lado, documenta características desvaliosas da sua personalidade e amplia o grau do juízo de censura (culpa) e, de outro, exaspera as exigências de prevenção especial; - A prática dos factos dentro do período de liberdade condicional de uma pena de prisão pelo mesmo tipo de crime (o tráfico p. no artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01). Em favor do arguido: - A admissão de grande parte dos factos. (…) Como se vê, o Tribunal a quo ponderou e valorou todos os elementos a que deveria atender: a culpa do agente, a ilicitude do facto, as circunstâncias que rodearam a sua prática e as suas consequências, o condicionalismo pessoal e sócio económico do recorrente e o que mais se apurou a seu favor e em seu desabono, e, por fim, as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir. Não é demais lembrar que nos crimes de tráfico de estupefacientes, as exigências de prevenção geral são muito elevadas, considerados os bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora, sendo que, por outro lado, este tipo de crime potencia outro tipo de ilícitos, como sejam crimes de furto e roubo, causando alarme social, verificando-se uma efectiva necessidade de desincentivar de forma eficaz estas condutas, de modo a consciencializar a comunidade em geral para o desvalor das mesmas, para além da repercussão do tráfico de droga em termos de saúde pública, nomeadamente no que respeita aos toxicodependentes. Como se escreveu no acórdão de 05.02.2016, proferido no processo n.º 426/15.5JAPRT, da 3ª Secção, Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos: “O Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado que na fixação da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade. De facto, estamos perante um crime de perigo abstracto e pluriofensivo que põe em causa, como se lê no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 8 de Novembro de 1991, uma pluralidade de bens jurídicos: «a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes», afectando, «a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos», protegendo, enfim, «uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública»” Por fim, as necessidades de prevenção especial são elevadíssimas, determinando a necessidade de uma resposta punitiva que previna a prática de comportamentos da mesma natureza por parte do arguido/recorrente, atenta a anterior condenação pelo mesmo tipo legal de crime. E o que se impõe concluir é que, contrariamente ao pretendido, a pena de 6 anos e 9 meses de prisão aplicada ao recorrente, se configura justa, por adequada e proporcional à gravidade dos factos e à perigosidade do agente, e conforme aos critérios definidores dos artigos 40.º, n.º 1 e 2, e 71º, do Código Penal, não merecendo censura. 8 – Nestes termos, secundando a compreensão do Ministério Público nas instâncias, entendendo-se ser de manter a decisão recorrida, emite-se parecer no sentido de dever ser julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido AA». Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, não se registou qualquer resposta. IV. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir. São as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação que delimitam o âmbito do recurso - artº 412º, nº 1 do CPP. E as questões a decidir são, por isso, as seguintes: A) A factualidade apurada integra a prática, pelo arguido recorrente, não de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1, mas sim a prática, pelo mesmo, de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. pelo artº 25º, al. a), ambos do DL 15/93, de 22/1? B) É excessiva e deve ser reduzida a medida concreta da pena aplicada ao arguido? V. O tribunal a quo fixou a seguinte matéria de facto: 1. O arguido AA esteve preso preventivamente à ordem do Proc. 22/17.... desde o dia ... .02.2018 ao dia ... .02.2020, data em que foi colocado em liberdade. Veio a ser julgado e condenado por acórdão proferido a 29.03.2018, transitado em julgado no dia 18.06.2020, no âmbito do referido processo 22/17...., que correu termos no Juiz ..., do Juízo Central Criminal ..., pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. no artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva. 2. Em 08.02.2021 foi detido para cumprimento da aludida pena de prisão de quatro anos e seis meses de prisão. 3. Foi-lhe concedida a liberdade condicional no dia 30.06.2021, com efeitos a partir dessa data, e pelo tempo de prisão que lhe faltaria cumprir, ou seja, até 08/08/2023. 4. Não obstante tal condenação, após ser colocado em liberdade condicional, o arguido AA dedicou-se à venda de cocaína, às testemunhas a seguir indicadas e a outros indivíduos com quem trocou mensagens, cuja identidade não se logrou apurar, nas seguintes circunstâncias: 5. Pelo menos entre Outubro de 2021 e até ao dia 07 de Janeiro de 2022, DD adquiriu cocaína ao arguido AA, cerca de dez vezes, pagando em cada uma dessas ocasiões entre 50,00€ a 200,00€ 6. Quando pretendia adquirir cocaína DD ligava para o telemóvel do arguido dizendo-lhe “posso estar contigo” ou “traz duas” e o arguido indicava o local de encontro junto da Estrada Nacional 125, na localidade de .... 7. Desde o mês de Outubro de 2021 até ao início do mês de Janeiro de 2022, CC adquiriu ao arguido AA cocaína, cerca de 20 a 30 vezes, pagando em cada uma dessas ocasiões entre 40,00€ a 70,00€ 8. Quando pretendia adquirir cocaína CC ligava para o telemóvel do arguido e o aquele indicava o local de encontro na localidade de .... 9. Desde data não concretamente apurada, no final do ano de 2021 e o início do mês de Janeiro de 2022, EE adquiriu ao arguido AA cocaína, cerca de três a quatro vezes, pagando em cada uma das ocasiões a quantia de 40,00€. 10. Quando pretendia adquirir cocaína EE ligava para o telemóvel do arguido ou escrevia uma mensagem com o texto “uma” ou “duas” e, após, o arguido indicava os minutos que demorava a chegar ao local de encontro, na localidade de .... 11. Pelo menos entre Outubro de 2021 e até Janeiro de 2022, BB adquiriu cocaína ao arguido AA, entre 10 a 20 vezes, pagando em cada uma dessas ocasiões entre 40,00€ a 100,00€. 12. Chegando BB a adquirir MDMA por uma vez ao arguido. 13. No dia 01 de Janeiro de 2022, BB adquiriu ao arguido 2g de cocaína pagando a quantia de 80,00€. 14. BB contactava com o arguido quando este se deslocava ao bar onde trabalhava, na localidade da ... e, em outras ocasiões, ligava-lhe para o telemóvel e aquele indicava o local de encontro, na localidade de .... 15. No mês de Dezembro de 2021 FF adquiriu cocaína ao arguido AA, três vezes, pagando entre 30,00€ a 35,00€ por 1g de cocaína. 16. A última vez que FF adquiriu cocaína ao arguido foi no dia 05 de Janeiro de 2022, pagando 30,00€ por 1g de cocaína. 17. Quando FF pretendia adquirir cocaína contactava o arguido para o número de telemóvel deste e posteriormente encontrava-se com o arguido, no local já anteriormente combinado, na localidade da ..., junto à E.N. 125. 18. Durante o mês de Dezembro de 2021, GG adquiriu cocaína ao arguido, cerca de 3 a 4 vezes, pagando 40,00€ em cada uma dessas ocasiões. 19. Quando GG pretendia comprar cocaína contactava o arguido para o seu número de telemóvel e posteriormente aquele deslocava-se ao seu encontro, nos arredores da sua residência, em ..., ... e ..., chegando GG a enviar a sua localização ao arguido, quando mudava de residência. 20. Em datas não apuradas, desde o mês de Novembro de 2021 e o início de Janeiro de 2022, HH adquiriu cocaína ao arguido AA, cerca 10 vezes, pagando a quantia de 40,00€ por cada grama. 21. Quando pretendia adquirir cocaína HH ligava para o telemóvel do arguido e aquele indicava-lhe o local de encontro, nas imediações da sua residência, em ..., ... e posteriormente .... 22. No mês de Novembro de 2021, II adquiriu cocaína ao arguido, cerca de 2 a 3 vezes, entre 2 a 3g, pagando o valor de 35,00€ a 45,00€ por cada grama. 23. Quando pretendia adquirir produto estupefaciente ligava para o número de telemóvel do arguido, utilizando os números de telemóvel registados em nome do Restaurante ..., onde trabalha como relações públicas, e o arguido deslocava-se à localidade da .... 24. No dia 8/01/2022, pelas 17:00h, o arguido AA conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com matrícula ..-..-XE, na Estrada ..., na freguesia ... e ..., concelho de Silves. 25. Nessa ocasião dois Militares do Destacamento de Trânsito da GNR de ..., que ali se encontravam em serviço de fiscalização e de policiamento ao trânsito, procederam à fiscalização aleatória do arguido. 26. Ao ser abordado pelos Militares o arguido AA mostrou-se nervoso e procedeu de imediato ao fecho do bolso esquerdo das calças desportivas que vestia, pelo que os Militares determinaram ao arguido que saísse para o exterior da referida viatura, para lhe ser efectuada revista. 27. Durante essa revista foram encontrados no bolso esquerdo das calças que o arguido vestia três panfletos de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 2,031g, com 59,5% de grau de pureza, suficiente para seis doses individuais. 28. O arguido detinha ainda no interior do seu veículo três telemóveis, dois da marca Samsung e um da marca Nokia, e 280,00€ (duzentos e oitenta euros) em numerário (composto por oito notas de 20,00€, dez notas de 10,00€ e quatro notas de 5,00€). 29. Nessa mesma data, o arguido AA possuía no interior da sua residência, sita na Rua ..., em ...: a) No balcão da cozinha: - Um saco plástico de cor azul contendo: • 3 (três) pacotes com cocaína (cloridrato), sendo 2 com o peso líquido total de 1,761g, com 56,3% de grau de pureza, suficientes para quatro doses individuais; e 1 com o peso líquido de 4,966g, com 41,7% de grau de pureza, suficiente para onze doses individuais, todos acondicionados em plástico transparente; • 5 (cinco) embalagens com cocaína (cloridrato) com o peso líquido total de 109,596g, com 52,7% de grau de pureza, suficiente para 288 doses individuais; • Uma balança digital de cor preta e cinzenta, marca DIGIWEIGH, com a respectiva caixa; - Um rolo de fita adesiva castanha, um pacote de plásticos transparentes e um rolo de sacos de plástico transparente; b) No móvel junto à cama: - Um telemóvel de marca “Nokia”, modelo TA-1174 Dual Sim de cor preta, sem qualquer cartão no interior, um suporte de cartão SIM com e referência ...88, e etiquetas de números de telemóvel com os nºs ...10 e ...91; - Várias moedas que perfaziam um total de 8,56€; c) Na casa de banho: - Treze saquetas de um medicamento denominado “Redrate”. 30. O produto estupefaciente que o arguido tinha na sua posse era suficiente para 309 doses individuais. 31. O arguido AA detinha o produto estupefaciente, melhor descriminado supra, destinando-o à cedência e venda a terceiros consumidores, utilizando para tal os objectos supra indicados, nomeadamente a balança, o produto “Redrate” para efectuar o “corte” do produto estupefaciente, a fita adesiva, o plástico transparente, os diversos telemóveis, assim como o veículo automóvel que lhe permita efectuar a distribuição do produto por diversas localidades, nomeadamente Messines, Algoz, Patã, Porches, Alporchinhos e Guia. 32. As quantias monetárias apreendidas ao arguido AA provêm da venda do produto estupefaciente. 33. O arguido AA agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, conhecendo a natureza, características e propriedades do produto estupefaciente que detinha, cocaína, apesar de saber do carácter proibido de tal conduta, com o propósito concretizado de deter, transportar, ceder e vender o mesmo, bem sabendo que não estava autorizado para o efeito e que, dadas as suas características, o não podia comprar, transportar, deter, ceder e vender, o que representou. 34. O arguido AA sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 35. Não obstante a condenação sofrida no Proc. 22/17...., e o facto de se encontrar em liberdade condicional, o arguido AA voltou a praticar novo ilícito criminal, supra descrito, pelo que a condenação na pena de 4 anos e seis meses de prisão efectiva não constituiu obstáculo bastante ao cometimento de novos crimes. Mais se provou: 36. O arguido é natural e nacional de .... Depois de concluir o 12º ano, veio estudar para Portugal tendo completado formação em eletrotecnia numa escola profissional em .... Não conseguiu singrar na área da sua formação e trabalhou sazonalmente na zona do Algarve, até ao primeiro confronto com as instâncias formais de controlo (no âmbito do processo 22/17....). 37. Tem uma filha com 1 ano 4 meses de idade que vive com a mãe em .... 38. A mãe e os irmãos do arguido residem na ..., .... 39. O arguido beneficia do apoio e suporte da sua mãe que o visita no Estabelecimento Prisional. 40. Após a saída em liberdade condicional, o arguido ainda trabalhou no Algarve entre Julho e Agosto de 2021. Desde Outubro (inclusive) de 2021 que o arguido não exerce qualquer actividade laboral, não aufere qualquer prestação ou pensão por parte do Estado, nem possui qualquer fonte de rendimentos lícitos. VI. Decidindo. A) A factualidade apurada integra a prática, pelo arguido recorrente, não de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1, mas sim a prática, pelo mesmo, de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. pelo artº 25º, al. a), ambos do DL 15/93, de 22/1? Com base na matéria de facto acima descrita, o tribunal a quo considerou ter o arguido ora recorrente praticado um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1 do DL 15/93 de 22/1. Entende o recorrente, contudo, que tal factualidade integra a prática, por ele, de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. pelo artº 25º, al. a) do mesmo diploma legal. Assim se dispõe no primeiro dos dispositivos legais citados: “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”. A cocaína integra a tabela I-B anexa ao DL 15/93, de 22/1 e o MDMA integra a tabela II-A. Por seu turno, estatui-se no artº 25º do DL 15/93, de 22/1: “Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV”. Posto isto: Como se refere no Ac. STJ de 20/1/2021, Proc. 3/18.9PCELV.S1, com o mesmo relator deste acórdão [5], a pedra de toque, o factor decisivo ao privilegiamento do crime de tráfico de estupefacientes é, claramente, a considerável diminuição da ilicitude do facto, olhada de forma global, sendo os elementos indicados no artº 25º meramente exemplificativos [6]. No acórdão deste Supremo Tribunal, de 2/10/2019, Proc. 2/18.0GABJA.S1, 3ª sec., sintetizando um entendimento generalizado deste Tribunal, considerou-se que «assumem particular relevo na identificação de uma situação de menor gravidade: - o tipo dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração a sua danosidade para a saúde, habitualmente expressa na distinção entre “drogas duras” e “drogas leves”; - a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim, avaliada não só pelo peso, mas também pelo grau de pureza; - a dimensão dos lucros obtidos; - o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida; - a afetação ou não de parte das receitas conseguidas ao financiamento do consumo pessoal de drogas; - a duração temporal da atividade desenvolvida; - a frequência (ocasionalidade ou regularidade), e a persistência no prosseguimento da mesma; - a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes, tendo em conta nomeadamente a distância ou proximidade com os consumidores; - o número de consumidores contactados; - a extensão geográfica da atividade do agente; - a existência de contactos internacionais; - o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização e meios sofisticados, por exemplo, recorrendo a colaboradores dependentes e pagos pelo agente, ou a automóveis. Estas circunstâncias devem ser avaliadas globalmente. Dificilmente uma delas, com peso negativo, poderá obstar, por si só, à subsunção dos factos a esta incriminação, ou, inversamente, uma só circunstância favorável imporá essa subsunção. Exige-se sempre uma ponderação que avalie o valor, positivo ou negativo, e respetivo grau, de todas as circunstâncias apuradas e é desse cômputo total que resultará o juízo adequado à caracterização da situação como integrante, ou não, de tráfico de menor gravidade» – neste sentido, cfr., também, o Ac. STJ de 23/11/2011, Proc. 127/09.3PEFUN.S1, 5ª sec., www.dgsi.pt [7]. A este propósito, assim se decidiu no acórdão recorrido: «(…) em sede alegações a defesa pugnou, em desatino com a posição do Ministério Público, pela integração da conduta no âmbito do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto no artigo 25.º do referido DL 15/93, de 22/01, o qual prescreve: (…) Da leitura destas duas normas facilmente verificamos que o crime de tráfico de menor gravidade se dirige, como aliás se infere da sua própria epígrafe, àquelas situações em que o tráfico de estupefacientes, definido no artigo 21.º, n.º 1, relembre-se, se apresenta (ou se leva a cabo) com um grau de ilicitude consideravelmente diminuída e, de jeito propositadamente redundante acrescentamos, quando as modalidades de acção caiem «fora dos casos do artigo 40.º». Dito de outra forma: a execução não autorizada de qualquer das modalidades de acção previstas no tipo objectivo do n.º 1 do artigo 21.º é concretizada/processada em termos tais que se mostra ser consideravelmente diminuída a sua ilicitude, em suma: a “quantidade do ilícito” do artigo 25.º é consideravelmente menor do que a “quantidade do ilícito” do artigo 21.º. A própria norma do artigo 25.º exemplifica um conjunto de situações que podem revelar a considerável diminuição da ilicitude. São elas, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações objecto do tráfico. Estas situações devem ser analisadas em uma relação de interdependência, procurando uma visão global, que permita concluir se as acções desenvolvidas (que deverão estar sempre votadas à disseminação dos produtos estupefacientes) pelo agente ficam ou não aquém da gravidade do ilícito que determinaria a sua integração no tipo fundamental do artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01. Relevam, do nosso ponto de vista, para a caracterização dessa imagem global da ilicitude: O nº. de doses individuais suscpetíveis de serem geradas pelo estupefaciente detido pelo arguido: 309; A qualidade dos estupefacientes com graus de pureza de 41,7%, 52,7%, 56,3% e 59,5%; As vendas repetidas aos mesmos consumidores o que inculca a existência de uma clientela; A desocupação laboral do arguido no período temporal em que procedeu às vendas de cocaína; A inexistência durante esse período de qualquer fonte de rendimentos lícitos; O período temporal em que as vendas ocorreram que apesar de se limitar a cerca de 4 meses, revelou-se, na prática, por uma elevada intensidade com vendas aos consumidores que não foram esporádicas; A interrupção da actividade em consequência da detenção do arguido que, nesse momento, trazia consigo três panfletos com cocaína e três telemóveis, além do outro estupefaciente que possuía na sua residência; A quantia de 280,00€ que trazia quando foi detido composta por notas de valores faciais de 20€, 10€ e 5€ (sendo que não trabalhava) o que inculca tratar-se do produto de vendas que havia levado a cabo; O arguido não procedia a vendas na esquina, a qualquer um que o abordasse, mas tinha um método (combinação por telefone: ajuste; e marcação do local de encontro) e um meio (automóvel) para se deslocar (como sucedeu) ao encontro dos consumidores em várias zonas distintas da sua área de residência (...); O arguido a permanecer no Algarve, sem trabalho, mas com a mãe e irmãos a residirem em ..., ..., apenas a vender cocaína, porque também não vivia em união de facto com a mãe da sua filha (estas residem na ...), o que inculca ter sido a actividade da venda de cocaína a escolha do arguido como modo de estar. Assim, em face das circunstâncias antecedentes, o Tribunal Colectivo conclui, com o devido respeito pela posição da defesa, que a conduta global do arguido não se mostra com um grau de ilicitude consideravelmente diminuído. Afastada fica a convocação do artigo 25.º e a conduta do arguido integra antes a previsão do tipo fundamental ou matriz, ou seja, o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01». A tudo isto há que acrescentar que a actividade delituosa do arguido ora recorrente se limitou a pouco mais de 3 meses, não por vontade própria, mas porque à mesma foi posto termo pelas autoridades policiais que procederam à sua detenção; bem assim, há que referir que não se iniciou mais cedo, desde logo porque o arguido havia estado detido, em cumprimento de pena de prisão – precisamente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes – até ao último dia do mês de Junho de 2021. A tudo isto acresce que ao arguido foi aprendido material de “corte” e balança de precisão, denunciando uma actividade pensada, calculada, organizada. De outro lado, o recorrente afirma e reafirma que parte do produto estupefaciente apreendido era destinado ao seu consumo e que, aliás, a sua conduta foi determinada pela necessidade de assegurar estupefaciente para seu próprio consumo. Contudo, não se demonstrou que o arguido fosse consumidor de produtos estupefacientes. O que se provou foi, isso sim (ponto 31 dos factos apurados), que o arguido destinava o produto apreendido à cedência e venda a terceiros consumidores. Em suma: da imagem global dos factos em causa não é possível retirar a conclusão de que estamos perante uma diminuição da ilicitude tão sensível e evidente que se possa considerar que a mesma se encontra consideravelmente diminuída, em ordem a integrar a conduta na previsão legal do artº 25º, al. a) do DL 15/93, de 22/1. Como bem se assinala no Ac. deste Supremo Tribunal de 14/4/2021, Proc. 143/17.1GDEVR.E1, “(…) não basta que o desvalor da conduta se situe ao nível inferior do barómetro da ilicitude do crime de tráfico (matricial). Para que o tráfico possa integrar o tipo privilegiado previsto no art.º 25º do DL n.º 15/93 de 22/01, exige-se uma “degradação” bem mais acentuada, é indispensável que a ilicitude se apresente com uma diminuição de tal ordem que deva, na expressão da lei, ter-se por consideravelmente diminuída. Se assim não se apresentar, o grau mais baixo da ilicitude do tráfico influirá na determinação da medida da pena, naturalmente dentro da moldura penal do crime de tráfico do art.º 21º, mas não permite subsumi-lo ao tráfico de menor gravidade”. E em face do assim exposto, não descortinamos outro modo de concluir que não aquele a que chegou o tribunal a quo: a conduta do arguido integra a prática, por ele, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22/1. Improcede, pois, a pretensão de ver a sua conduta qualificada como um crime de tráfico de menor gravidade. B) É excessiva e deve ser reduzida a medida concreta da pena aplicada ao arguido? Em rigor, não resulta muito claro da motivação do recurso (nem, naturalmente, das conclusões extraídas do mesmo) que esta questão tenha real autonomia da anterior. Por outras palavras: não é destituído de fundamento considerar, da análise da peça recursória, que o recorrente peticiona a redução da pena fixada (para 5 anos e 6 meses de prisão), como consequência da alteração da qualificação jurídica pretendida. Não alcançada tal pretensão (de alteração da qualificação jurídica) poder-se-ia considerar prejudicada a sua segunda pretensão, formulada na decorrência e em consequência da primeira. Aceitando, porém, que o recorrente também questione a dosimetria da pena alcançada, mesmo quando considerada a sua conduta como integrando a prática do crime de tráfico de estupefacientes por cuja autoria foi julgado e condenado, cumpre dizer o seguinte: O crime de tráfico de estupefacientes, previsto no artº 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22/1, é punível com prisão de 4 a 12 anos. Sendo o arguido condenado como reincidente (e nesta parte, é bom notá-lo, o acórdão recorrido não se mostra impugnado), a pena abstractamente aplicável parte de um mínimo de 5 anos e 4 meses de prisão, mostrando-se inalterado o máximo previsto no tipo legal (12 anos de prisão). Na determinação da pena a aplicar, o tribunal a quo produziu as seguintes considerações: «3. Importa atentar nos critérios estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal e proceder à determinação da pena concreta. 3.1. Fazendo-o considera o Tribunal, em desfavor do arguido: - A natureza do estupefaciente em causa, cocaína, estupefaciente de elevado poder aditivo e danosidade para saúde, considerado uma “droga dura”; - A quantidade do estupefaciente detida pelo arguido 118,354g e seus graus de pureza 47,1%, 52,7%, 56,3% e 59,5%; - O nºs. de doses individuais suscpetíveis de serem geradas: 309; - O dolo com que o arguido agiu, intenso e directo, modalidade que exprime o modo mais intenso da vontade, artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal; - Os fins que determinaram a sua conduta: a obtenção de proventos financeiros fáceis; - As necessidades de prevenção geral que se impõem com elevada acuidade, pois são consabidos os efeitos nefastos para a comunidade associados ao tráfico de estupefacientes; - A condenação anterior pelo mesmo crime de tráfico de estupefacientes p. no artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, constituindo esta a segunda vez que o arguido vem a juízo pelo tráfico de estupefacientes, o que, de um lado, documenta características desvaliosas da sua personalidade e amplia o grau do juízo de censura (culpa) e, de outro, exaspera as exigências de prevenção especial; - A prática dos factos dentro do período de liberdade condicional de uma pena de prisão pelo mesmo tipo de crime (o tráfico p. no artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01). Em favor do arguido: - A admissão de grande parte dos factos. Em face de tudo quanto foi exposto e devidamente ponderado, entende o Tribunal Colectivo condenar o arguido AA, pela prática em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, na pena de 6 (seis) anos de prisão. 4. Importa, agora, proceder à determinação da pena concreta nos quadros da reincidência. (…) 4.2. Ao crime de tráfico de estupefacientes, nos quadros da reincidência, corresponde, em abstracto, a pena de 5 anos e 4 meses (limite mínimo) a 12 anos de prisão (limite máximo), cf. artigo 76.º, n.º 1, do Código Penal e artigo 21.º, n.º 1, do DL. 15/93, de 22/01. Valem aqui as considerações anteriores que justificaram a determinação da pena sem a reincidência. Resta reflectir na pena a culpa agravada que constitui o fundamento da reincidência. Relembra-se, a este respeito, que o arguido praticou os factos em pleno período de liberdade condicional, liberdade que lhe fora concedida no âmbito do cumprimento de uma pena de prisão pelo mesmo tipo de crime, o tráfico p. no artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, ocorrendo uma reincidência homogénea ou homótropa. Em conformidade, o Tribunal Colectivo condena o arguido AA, pela prática, como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01 e artigo 75.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão». Aqui chegados: Presentes os critérios de determinação da medida concreta da pena enunciados no artº 71º do Cod. Penal, haveremos de concordar com o Tribunal a quo quando afirma que, no caso, o arguido agiu com dolo directo, daí que intenso. Algum relevo assume o grau de ilicitude dos factos, traduzido no modo de actuação do arguido, na pluralidade de consumidores por ele fornecidos, na actividade de preparação e “corte” do produto estupefaciente, a natureza deste (particularmente no que concerne à cocaína). As consequências nefastas da venda de produtos estupefacientes são de todos conhecidas: a droga é responsável directa ou indirecta por grande parte da criminalidade verificada no nosso País e está na origem da destruição de muitas famílias e do sofrimento de inúmeras pessoas. São significativas as exigências de prevenção geral, traduzidas na necessidade de manter a confiança da sociedade nos bens jurídico-penais violados; como algum significado atinge, in casu, as exigências de prevenção especial, quando é certo que o arguido havia sido já condenado anteriormente, em pena de prisão, pela prática de crime da mesma natureza, encontrando-se em plena liberdade condicional (concedida escassos 3 meses antes) quando praticou os factos dos autos, evidenciando uma personalidade pouco receptiva à assimilação dos valores próprios de uma vida em sociedade. E assim vistas as coisas, uma pena de 6 anos e 9 meses, situada pouco acima do primeiro quinto da pena abstractamente aplicável, está longe de ser excessiva, afigurando-se-nos, outrossim, justa e equitativa, adequada a satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial, razão pela qual deverá ser mantida. VII. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando inteiramente o douto acórdão recorrido. Pagará o recorrente as custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s – artº 513º, nº 1 do CPP e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais. Lisboa, 31 de Maio de 2023 (processado e revisto pelo relator) Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator) Ana Brito (Juíza Conselheira adjunta) M. Carmo Silva Dias (Juíza Conselheira adjunta) ____ [1] Cfr. a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-02-2018, cujo relator foi o Exm.º Desembargador João Amaro e que se mostra disponível em texto integral em www.dgsi.pt |