Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
246/15.7T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: ARRESTO
PRIVAÇÃO DO USO
PODERES DA RELAÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ÓNUS DA PROVA
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
NEXO DE CAUSALIDADE
CAUSA VIRTUAL
CULPA DO LESADO
MORA DO CREDOR
DANOS PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PROVA DOCUMENTAL / DOCUMENTOS PARTICULARES – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES / CONSERVAÇÃO DA GARANTIA PATRIMONIAL / ARRESTO.
Doutrina:
- António Castanheira Neves, Curso de Introdução ao estudo do direito (policopiado), Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1971-1972, p. 244;
- António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, p, 441;
- António Santos Abrantes Geraldes, Temas de responsabilidade civil, vol. I — Indemnização do dano da privação do uso, em “Indemnização do dano da privação do uso”, in: Cadernos de direito privado, n.º especial — Responsabilidade civil, 2012, p. 137-151 ; Responsabilidade civil extracontratual na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça”, in: Revista de direito civil, ano 3 (2018), p. 9-52 ; Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, p. 287-288
- Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela (com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita), Código Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 761.º, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 638-639;
- Francisco Manuel Pereira Coelho, O problema da causa virtual na responsabilidade civil, Livraria Almedina, Coimbra, 1999;
- João de Matos Antunes Varela, José Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 461-463;
- José Alberto dos Reis, Código de processo civil anotado, vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, p. 272-274;
- José Carlos Brandão Proença, A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, p. 425 ss.;
- José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 362.º a 626.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, p. 73-78;
- José Lebre de Freitas, Ana Prata (coord.), Código Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 1250.º, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, p. 803-804;
- Júlio Gomes, O dano da privação do uso, in: Revista de direito e economia, ano 12.º (1986), p. 169-239;
- Leonardo Prieto-Castro y Ferrándiz, Derecho procesal civil, vol. I, 3ª ed., Tecnos, Madrid, 1975, p. 138;
- Manuel Carneiro da Frada, A equidade ou a justiça com coração. A propósito da decisão arbitral segundo a equidade, in: Forjar o direito, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, p. 653-687;
- Manuel de Andrade (com a colaboração de João de Matos Antunes Varela), Noções elementares de proesso civil (nova edição, revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves), Coimbra Editora, Coimbra, 1979, p. 203-204;
- Manuel de Andrade (com a colaboração de Rui de Alarcão), Teoria geral das obrigações, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1966, p. 358-352 e 370-373;
- Marco Filipe Carvalho Gonçalves, Providências cautelares injustificadas e responsabilidade do requerente, Braga, 2013;
- Maria da Graça Trigo, Responsabilidade civil. Temas especiais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, p. 57-68;
- Maria de Fátima Ribeiro, Luís Carvalho Fernandes, José Carlos Brandão Proença (coord.), Código Civil anotado, vol. II — Direito das obrigações. Das obrigações em geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, p. 744-748;
- Maria Manuel Veloso Gomes, Danos não patrimoniais, in: Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma Manuel Carneiro da Frada, Nos 40 anos do Código Civil português. Tutela da personalidade e dano existencial, in: Themis — Edição especial: Código Civil português: Evolução e perspectivas de reforma, 2008, p. 47-68, in: Forjar o direito, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, p. 289-313;
- Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ónus da prova e não cumprimento das obrigações, Scientia Juridica, Tomo 49 (2000), p. 173-207, in: Estudos sobre o não cumprimentos das obrigações, 2.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2009, p. 109-148;
- Rita Lynce de Faria, A tutela cautelar antecipatória no processo civil português — Um difícil equilíbrio entre a urgência e a irreversibilidade, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2016, p. 367-403;
- Rute Teixeira Pedro, Da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no direito português: A emergência de uma nova expressão compensatória da pessoa — Reflexão por ocasião do quinquagésimo aniversário do Código Civil, in: Estudos comemorativos dos 20 anos da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, p. 637-665;
- Walther J. Habscheid, Droit judiciaire privé suisse, 2.ª ed., Georg — Librairie de l'Université, Genebra, 1981, p. 425.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 374.º, N.º 1 E 621.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 08-02-2018, PROCESSO N.º 245/12.0TAGMT.G1.S1;
- DE 17-05-2018, PROCESSO N.º 952/12.8TVPRT.P1.S1;
- DE 18-10-2018, PROCESSO N.º 3643/13.9TBSTB.E1.S1;
- DE 25-10-2018, PROCESSO N.º 2416/16.1T8BRG.G1.S1;
- DE 27-11-2018, PROCESSO N.º 78/13.7PVPRT.P2.S1;
- DE 06-12-2018, PROCESSO N.º 9773/09.4TBCSC.L2.S1;
- DE 06-12-2018, PROCESSO N.º 652/16.0T8GMR.G1.S2;
- DE 08-01-2019, PROCESSO N.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1;
- DE 14-03-2019, PROCESSO N.º 9913/15.4T8LSB.L1.S1;
- DE 19-06-2019, PROCESSO N.º 80/11.3TBMNC.G2.S1;
Sumário :
I. — O requerente de arresto injustificado responde pelos danos causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal (arts. 374.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 621.º do Código Civil).

II. — Entre os danos indemnizáveis está o dano da privação de uso dos bens arrestados.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



          

I. — RELATÓRIO


  1. AA e BB, ambos residentes na Rua …, n.° …, …, …, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, pessoa colectiva com sede na Avenida …, Centro Comercial …, loja .., …; DD, residente na Rua …, n.° …, …, …; EE, residente na Rua …, n.° …, …, …, e FF, residente na Rua …, n.° …, …, pedindo que os Réus sejam condenados, solidariamente, a pagar-lhes a quantia de € 107 650,00, com juros à taxa legal desde a citação, acrescido do que vier a ser liquidado em execução de sentença.


    2. Os Réus contestaram, alegando a ilegitimidade dos 2.°, 3.° e 4.° Réus, impugnando os factos deduzidos na petição inicial e pugnando pela improcedência do pedido.


  3. Foi proferido despacho saneador por que se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade do 2.°, 3.° e 4.° Réus, se identificou o objecto do litígio e se definiram os temas da prova.


   4. A 1.ª instância julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:

   I. — Absolveu os réus EE e FF do pedido contra si deduzido;

  II. — Condenou solidariamente os réus CC - Importação de Gado, Lda e DD a pagar ao autor AA o montante global de € 13 400,00, acrescido dos juros de mora vencidos desde a data da citação e até integral pagamento;

 III. — Absolveu os réus CC - Importação de Gado, Lda e DD do restante peticionado.


 5. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação.


 6. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:


Nulidade da decisão sobre a matéria de facto:

A) O tribunal a quo deu como não provados e como provados factos que colidem entre si - afírmam-se e negam-se os mesmos factos e ao mesmo tempo,

B) Nos pontos 53. e 54. entende-se como provado a autora BB "é pessoa de avançada idade e para quem o arresto constitui uma vergonha e desonra, sendo certo que na aldeia não se falava de outra coisa" e que "por essa razão a requerida fechou-se em casa, não falava seja com quem for e só chora.”

C) No elenco dos factos NÃO PROVADOS da douta sentença consta: “os autores sofreram e sofrem com o arresto e a remoção“; “a autora ainda hoje quase não sai de casa, com vergonha “; …”então e hoje só chora "; …”sentiu-se envergonhada e triste “;

D) O tribunal a quo deu ainda como provados factos contraditórios entre si; no ponto 45.1 do elenco dos factos provados consta o seguinte: "O requerido é …, detém uma exploração de 24 vacas leiteiras e de onde retira todo o rendimento para comprar arroz, peixe, pão, pagar ao médico vestir e calçar (para si e para a mãe)”.

E) No ponto 124, dos factos provados consta facto oposto: "Com a venda do pouco leite que as vacas produziam, os autores não obtinham rendimento para fazer face às despesas com alimentação, energia eléctrica, água, gasóleo, segurança social e tratamentos médicos “.

F) Os factos constantes nos itens 45. L, 53., 54 foram considerados provados por terem sido expressamente aceites pelas partes. - Vide ata de audiência de julgamento de 27 de Junho de 2017.

G) A decisão sobre a matéria de facto é pois nula, por excesso de pronúncia -artigo 615" n°1 alínea d) do C.P.C. - dado que conheceu de questão que não podia tomar conhecimento, ao dar como não provados factos admitidos por acordo e assentes pelas partes.

H) O Tribunal deu como não provados os danos patrimoniais sofridos pelos autores, contudo na fundamentação da matéria de facto conclui pela sua existência.

I) O Tribunal a quo relativamente à testemunha GG, conclui o seguinte "... vizinho dos autores, que afirmou que este sempre viveram da agricultura, sendo que, depois do arresto o autor comprou uns touros e hoje tem bastantes. Mais afirmou que tal situação foi um choque, sendo contudo que as vacas eram do autor e a actividade agrícola também ". (sublinhado nosso)

J) Também relativamente ao depoimento da testemunha HH, podemos ler na Douta Sentença que este depoimento foi valorado: "...na medida em que afirmou que quem estava colectado com aquela actividade era o autor e não a autora que diz ter sofrido grande vergonha com o sucedido." (sublinhado nosso).

K) É nula a decisão sobre a matéria de facto, também porque a análise crítica das provas e os fundamentos que foram decisivos para a Senhora Juiz formar a sua convicção estão em contradição com os factos que considerou como não provados.


Impugnação da matéria de facto:

L) Os autores impugnam o julgamento dos seguintes factos considerados como não provados:

i) "os autores sofreram e sofrem com o arresto e a remoção “;

ii) "a autora ainda hoje quase não sai de casa, com vergonha “;

iii) "então e hoje só chora “;

iv) "sentiu-se envergonha[da] e triste “;

v) "os autores são pessoas estimadas no local onde vivem e foram, espezinhados e maltratadas pelos réus”;

vi) "o arresto foi um ato de vingança gratuito “;

M) Dos elementos probatórios constantes do processo (prova documental e factos dados como assentes pelas partes) e da prova produzida em sede de audiência de julgamento (prova gravada), conjugados com as regras de experiência comum, mereciam aqueles factos terem sido dados como provados.

N) A veracidade dos factos referidos em L) são confirmados pelo depoimento de parte da autora BB prestado na audiência de discussão e julgamento de 03.10.2017, e depoimentos das testemunhas GG e HH - dia 31.10.2017 - todos gravados em suporte digital no sistema aplicativo "Halilus Media Studio ", assim como em suporte físico (CD).

O) Os recorrentes impugnam o julgamento do seguinte facto considerado como não provado: — Os autores não têm dinheiro, nem rendimento, para comprar outras 24 cabeças de gado.

P) Facto confirmado no depoimento de parte da autora BB e da testemunha HH, conjugados com as regras da experiência comum, atentos os factos provados.

Q) Na verdade, atentas as regas de experiência um cidadão normal que vive exclusivamente da agricultura e da produção de leite e que, de repente, fica privado de todo o gado leiteiro e das alfaias agrícolas, e da possibilidade de dispor de todos os imóveis de que é proprietário, obviamente, fica sem a principal fonte de rendimento.

R) Os autores impugnam ainda os seguintes pontos de factos considerados como não provados:

i) "Os réus EE e FF faltaram de forma consciente à verdade, pois sabiam do valor efectivamente em dívida, dos pagamentos feitos, das letras aceites”;

ii) "Os réus FF e EE sabiam que a meação e a herança a que os autores tinham direito tinha um valor superior ao da eventual dívida -mais de sete vezes “.

iii) -"Os réus FF e EE mentiram de forma consciente e voluntária “;

iv) "O réu EE, tinha conhecimento dos pagamentos, letras aceites, valor dos terrenos, propostas de acordo “;

v) "O réu FF, sabia do valor da dívida, dos pagamentos efectuados pelos autores das letras aceites, avalizadas e ainda não vencidas“;

vi) "O arresto resulta da falta de verdade dos réus EE e FF". — “Os réus EE e FFl sabiam a verdade e sabiam que estavam a mentir para "encurralar" os autores, e os forçarem a pagar o que entendessem “;

vii) -"Os réus EE e FF agiram de forma consciente e voluntária, bem sabendo que estavam a mentir e a lesar os autores “;

viii) "Os danos alegados são consequência directa e necessária da conduta dos réus os réus EE e FF”.;

ix) "Os réus EE e FF prestaram o juramento de falar a verdade, mas mesmo assim faltaram conscientemente à mesma”.

S) Para dar como não provados estes factos relacionados com o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual em relação ao R. EE, a Douta Sentença apoia-se exclusivamente no depoimento de parte do próprio R. EE.

T) O réu EE não iria reconhecer que "mentiu " quando prestou depoimento em sede do procedimento cautelar de arresto.

U) O réu EE é filho do gerente da ré CC — requerente do arresto —, trabalha para a ré CC que é uma empresa familiar e frequentava a casa dos autores, logo, conhece o património destes e os pagamentos parciais feitos pelo autor e as letras.

V) Tendo em conta a documentação junta aos autos (certidões do proc, cautelar, execução e acórdão e doe. defls.298) o próprio depoimento de parte do réu EE (prestado no dia 03.10.2017 que se encontra gravado em suporte digital) conjugados com as regras de experiência, deveria o tribunal a quo ter dado como provados os seguintes factos:

i) "O réu EE faltou de forma consciente á verdade, pois sabia do valor efectivamente em dívida, dos pagamentos feitos, das letras aceites”;

ii) "O EE sabia que a meação e a herança a que os autores tinham direito tinha um valor superior ao da eventual dívida — mais de sete vezes “;

iii) "O réu EE mentiu de forma consciente e voluntária “;

iv) "O réu EE tinha conhecimento dos pagamentos, letras aceites, valor dos terrenos, propostas de acordo “;

v) "O arresto resulta da falta de verdade do réu EE”.

vi) "O réu EE sabia a verdade e sabia que estava a mentir para "encurralar" os autores, e os forçarem apagar o que entendessem “;

vii) "O réu EE agiu deforma consciente e voluntária, bem sabendo que estava a mentir e a lesar os autores “;

viii) "Os danos alegados são consequência directa e necessária da conduta do réu EE “.

ix) "O réu EE prestou o juramento de falar a verdade, mas mesmo assim faltou conscientemente à mesma”,

W) Os autores impugnam os seguintes pontos de facto considerados como provados:

123. Com venda do pouco leite que as vacas produziam, os autores não obtinham rendimento para fazer face às despesas com a alimentação, energia eléctrica, água, gasóleo, segurança social e tratamentos médicos“.

124. Existia prejuízo mensal

X) Fundamentação da Douta sentença para dar como provados tais factos:

Depoimento de parte do réu EE: "... na medida em que a exploração do autor não dava lucro, explicando porquê;... “

Depoimento de parte do autor AA: "... na medida em que afirmou que com o rendimento da sua exploração conseguia pagar as despesas dia a dia, mas tinha dívidas aos fornecedores (não tinha lucros)…”

Y) O Tribunal a quo fez uma errada apreciação do depoimento de parte do réu EE, pois, do seu depoimento não resulta que a exploração agrícola dos autores dava prejuízo, nem este réu tinha qualquer conhecimento directo sobre os rendimentos e despesas da exploração do autor.

Z) Do depoimento de parte do autor AA conclui-se que o mesmo fazia uma gestão da exploração dia a dia, nem o próprio sabia se a exploração dava prejuízo ou lucro, mas dava sempre para as suas despesas do dia-a-dia e da mãe (autora BB) com quem vivia.

AA) Os depoimentos de parte em do réu EE e do Autor AA não são, suficientes para retirar a conclusão que a exploração dos autores dava prejuízo.

BB) Devem pois serem considerados como NÃO PROVADOS os factos inumerados em 123. e 124.. por total ausência de prova.

CC) Atento os depoimentos de parte do autor AA; Declarações de parte da autora; depoimento das testemunhas arroladas pelos autores GG e HH, deve ser dado como provado o seguinte:

"Os autores viviam da agricultura e exploração de 24 vacas leiteiras de onde retirava rendimento para comprar arroz, peixe, pão, pagar ao médico, vestir e calçar”.

DD) Finalmente, a instrução resulta também provado o seguinte facto: "Que 20% do gado arrestado tinha o valor mínimo de € 1.500,00”;

EE) Este facto resulta do próprio depoimento de parte do réu EE, que deveria ter sido valorado como confissão, mas não consta da assentada, nem existe qualquer referência na Douta Sentença.


No que se refere ao direito aplicável:

FF) Alterada a matéria de factos nos termos propostos, necessariamente terá de resultar alterações no quantum indemnizatório e seus responsáveis, uma vez ser pacífico que estamos perante uma situação de responsabilidade civil extracontratual.

GG) O réu EE deverá ser também responsável solidário da obrigação de indemnizar os autores.

HH) Os autores, relativamente aos danos patrimoniais, no que concerne ao valor das cabeças de gado apreendidas não acompanha o raciocínio da Douta Sentença, por duas razões:

II) Primeira: Resulta provado em sede depoimento de parte do réu EE que pelo menos 20% das vacas apreendidas teriam um valor de, no mínimo, € 1.500,00;

JJ) Segunda: a relevância negativa da causa virtual: atento os princípios que regem a obrigação de indemnizar previsto nos artigos 562.º e seguintes do C.C é irrelevante a circunstância de se ter provado que 5 cabeças de gado morreram por doença não imputável aos réus.

KK) Não resulta provado nos autos que as cabeças de gado morreriam na mesma caso não tivessem sido ilegitimamente apreendidas e removidas.

LL) Assim: se 20% das 24 vacas adultas, ou seja, 5 vacas tinham o valor de € 1.500,00 - € 7.500,00; 19 vacas no valor de € 600,00 = 11.400,00; vitelos no valor unitário de €200,00 - 1.000,00.

MM) No que concerne às cabeças de gados apreendidas resulta assim um prejuízo para o autor de €19.900,00 (dezanove mil e novecentos euros).

NN) O dano compreende o prejuízo causado (dano emergente) e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucro cessante) — art. 564. °,n.° l —para além dos danos futuros (n.º 2).

OO) Da factualidade provada resulta que, os autores ficaram "impedidos de obter qualquer rendimento da produção do leite "-ponto 69. da matéria de facto dada como provada - e que autor deixou de ter a sua ferramenta de trabalho: as vacas e algumas alfaias agrícolas, - ponto 76. dos factos provados.

PP) Podemos concluir que com desaparecimento da actividade leiteira desapareceu uma situação de trabalho produtora ou potencialmente produtora de ganhos.

QQ) O desaparecimento desta capacidade de ganho inclui-se na categoria dos lucros cessantes, prevista no artigo 564°do C.C.

RR) Mal ou bem gerida, da factualidade provada resulta que era exploração de leite e da agricultura que os autores retiravam o dinheiro necessário ao seu sustento e ficaram totalmente privados do leite e dos instrumentos de trabalho.

SS) Ou seja: daqui resulta a existência de um dano (qualitativo) para os autores.

TT) Acresce ainda que, a privação do uso de uma coisa (neste caso dos animais e instrumentos de trabalho) constitui um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, ou seja, de usar fruir e dispor do animal e das alfaias agrícolas, conforme o disposto no artigo 1305° do Código civil aplicável por força do artigo 201°- D (quanto aos animais) do mesmo diploma.

UU) E inegável que os autores ficaram privados de 29 cabeças que gado leiteiro que os réus fizeram desaparecer (com excepção de 3) para além do rendimento que as mesmas davam.

VV) Prescreve o n°3 do art. 566° CC que "se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados "; por outras palavras, se não for possível determinar o valor exacto dos danos, o tribunal deve julgar segundo a equidade.

WW) Se da actividade de produção do leite os autores retiravam o dinheiro para o seu sustento do dia e dia, sendo consensual que o montante fixado como SMN é o mínimo necessário a uma sobrevivência digna é por esse montante que deverá ser calculado o montante a indemnizar.

XX) Pelo que, atento juízo de equidade, deverão os réus solidariamente, serem, condenados a indemnizar os autores, a título de lucros cessantes, na quantia mensal de €580,00 para cada um, durante o período que durou o arresto: de 21.05,2012 (ponto 36 dos factos dados como provados) até entrega judicial (05.12.2014), ou seja, 30 meses.

YY) Num total de € 17.400,00 para cada um dos autores.

ZZ) Sempre os autores teriam direito a tal quantia pela privação do uso dos animais e instrumentos de trabalho.

AAA) Mesmo que tal não se entendesse, sempre estariam os réus obrigados a restituir o valor do leite produzido, atentas as regras do enriquecimento sem causa.

BBB) Na verdade, os réus retiraram ilicitamente vantagens económicas da utilização e fruição dos animais que sabiam não lhes pertencerem.

CCC) Através de uma actuação ilícita e injustificada retiraram vantagens destinadas aos autores, nos termos do disposto nos artigos 1305° e 20I°-D do Código Civil

DDD) Assim, ocorreu por parte dos réus um injustificado enriquecimento à custa dos autores, materializado no leite produzido e dos amimais

EEE) Este enriquecimento é também fonte de obrigação de indemnizar nos termos do disposto no artigo 473° do Código civil

FFF) Um vez que dos autos não resultam factos suficientes para liquidação do valor da restituição, a mesma deverá ser relegada para sede de execução de sentença nos termos do artigo 661° n°2 do C.P.C..

GGG) Os danos não patrimoniais suportados peles autores são graves e atenta a culpa e as circunstâncias da prática do ilícito e situação em que os lesados ficaram, devem ser fixados, equitativamente, na quantia de €20.000,00 (vinte mil euros) para a autora e € 20.000,00 (vinte mil euros) para o autor.

HHH) A Sentença em recurso, para além de incorrer em nulidade da decisão da matéria de facto, ainda não fez uma correia aplicação do direito aos factos dados como provados e violou os artigos 562°, 563°, 564, 566°, 496°, 473° do Código Civil,

III) Nem respeitou o Caso Julgado da decisão sobre a matéria de facto fixada no Acórdão desta Relação (certidão junta aos autos) e na Oposição ao arresto.

JJJ) Deve o presente recurso de apelação proceder e os réus DD e a Sociedade CC serem, solidariamente, condenados a pagarem aos autores a quantia global de €94.700,00 (noventa e quatro mil e setecentos euros).


   7. Os Réus contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.


  8. O Tribunal da Relação do Porto julgou parcialmente procedente o recurso quanto à reapreciação da matéria de facto e quanto à matéria de direito e, “por inerência”, alterou a parte decisória da sentença recorrida pela seguinte forma:


"Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, absolvem-se os Réus EE e FF do pedido contra si deduzido e condenam-se solidariamente os Réus "CC - Importação de Gado, Lda." e DD a pagar:

a) Aos Autores AA e BB a quantia de € 13 800,00 (treze mil e oitocentos Euros) a título de indemnização pelo valor das cabeças de gado apreendidas;

b) Aos mesmos Autores a quantia de €15 000,00 (quinze mil Euros) a título de indemnização a título de privação de rendimentos e

c) Ao Autor AA a quantia de € 10 000,00 (dez mil Euros) a título de danos não patrimoniais e à Autora BB a quantia de €5 000,00 (cinco mil Euros) igualmente a título de danos não patrimoniais, sendo estas quantias acrescidas de juros calculados à taxa legal desde a citação sobre o montante de € 13 800,00 e desde apresente data em relação às restantes quantias.

d) Absolvendo os Réus ‘CC - Importação de Gado, Lda’ e DD do demais contra si peticionado.”


   9. Inconformados, os Autores AA e BB e os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD interpuseram recurso de revista.


  10. Os Autores AA e BB finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:


A) Os Recorrentes interpõem o presente Recurso de Revista, pois não se conformam com a decisão proferida no Douto Acórdão no que respeita às seguintes questões:

1) Limites e pressupostos do juízo de equidade formulado pelo Tribunal da Relação na fixação da indemnização a título por lucros cessantes;

2) Montante da indemnização fixada por a título de danos não patrimoniais.

B) No que respeita à indemnização a título de lucros cessantes, os Recorrentes discordam dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o juízo equitativo formulado pelo tribunal da Relação.

C) É pois, inquestionável que os Autores sofreram danos e que os benefícios que deixaram de obter em consequência da lesão são abrangidos pela obrigação de indemnizar. (artigo 564º, nº1 do C.C.)

D) Uma vez que não se apurou o montante exato dos danos, deverá a indemnização ser fixada nos termos do art. 566º/3 C. Civil, e « (…) o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados» (sublinhado nosso).

E) Para fixar o montante de 15.000 euros para ambos os Recorrentes foi utilizado pelo Tribunal a quo como limite o alegado na Petição Inicial.

F) Salvo o devido respeito, o juízo de equidade – complementar e acessório à teoria da diferença - move-se sempre dentro dos limites do que está provado e não do que foi alegado.

G) Socorreu-se ainda o Tribunal a quo dos “seguintes critérios” para fixar a indemnização:

i) “Os autores não provaram que, devido à atuação dos réus, tivessem ficado sem qualquer meio para exercer a actividade agrícola, mas apenas que ficaram sem muitos dos meios para exercer a actividade agrícola.”;

ii) “… os autores não provaram que não têm dinheiro nem rendimentos para comprar outras cabeças de gado. Aliás em contraprova, os Réus provaram inclusivamente que, em data posterior à concretização do arresto, foram vendidos quatro prédios da herança.”;

iii)“Por inerência, a indemnização devida a este título terá de ficar circunscrita ao período temporal em que se manteve o arresto, de 30 meses”.

H) Salvo o devido respeito, a questão de saber se tinham possibilidade financeiras para adquirir outras cabeças de gado e alfaia agrícolas através da venda de património não é relevante na medida em que tal não lhe era exigido.

I) Sendo certo ainda que, a falta de prova de que não tinham rendimentos para comprar outras cabeças de gado, não determina a prova do facto contrário.

J) Os Recorrentes defendem novamente o critério do recurso ao Salario Mínimo Nacional como adequado à situação em apreço, acompanhando os fundamentos constantes do VOTO DE VENCIDO.

K) Citando o VOTO DE VENCIDO: “O recurso ao salario mínimo nacional como critério ou base objetiva, sugerido pelos Recorrentes, afigura-se-nos adequado, uma vez que ficou provado que os Autores obtinham da actividade de produção do leite, o dinheiro para o seu sustento diário, sendo consensual, como sublinham, que o montante fixado como SMN é o mínimo necessário, considerado pelo legislador, a uma sobrevivência digna.”

L) A componente sancionatória e preventiva do instituto da responsabilidade civil, obriga a que na quantificação dos danos sejam também ponderadas as graves circunstâncias do caso concreto: uma Providência Cautelar de arresto infundada (baseada em factos falsos e na transmissão de uma realidade inexistente) que priva uma família do seu meio de subsistência.

M) O Douto Acórdão ao fixar a título de indemnização pelos lucros cessantes a quantia de € 15.000 para ambos os lesados, viola o disposto nos artigos artigo483º, 562º, 563º e 566º do C.C.

N) A indemnização a título de lucros cessantes deve ser autonomizada para cada lesado, uma vez que a lei não permite a atribuição de indemnizações em conjunto.

O) Atento tudo quanto supra exposto, e com recurso à equidade, tendo como critério do SMN e grave situação do caso concreto, devem os Réus serem condenados solidariamente ao pagamento de € 20.000 (vinte mil euros), no mínimo, a cada Autor, a título de lucros cessantes.

P) Sendo certo ainda que, “este valor não é ultra petitum e também está contido no pedido específico sobre os lucros cessantes porquanto apenas foi liquidado parcialmente, na petição, a quantia de € 24.750,00, correspondente à perda do rendimento, desde a data da remoção até á data da petição, calculada com base no rendimento mensal de € 750,00 (350,00 para cada autor)” – Vide VOTO DE VENCIDO.

Q) Os Recorrentes discordam com a decisão proferida pelo Tribunal a quo no que concerne à quantia atribuída a título de danos não patrimoniais.

R) Resulta do sumário do Douto Acórdão «O sentimento de vergonha e tristeza perante a situação vivenciada da remoção dos animais e das alfaias agrícolas da exploração, comentada na aldeia, por um lado, e o facto de terem ficado, de repente, impossibilitados de continuar a principal atividade de produção de leite, por outro, impõem que seja atribuída aos requeridos uma compensação monetária significativa, a título de indemnização por danos não patrimoniais, por se tratarem de danos muito graves» (sublinhado nosso)

S) Contudo é fixada uma indemnização a título de danos não patrimoniais apenas de € 10.000 (dez mil euros) ao autor AA e de 5.000,00 à autora BB.

T) Os Réus intentaram arresto infundado, baseado em factos falsos, na ocultação da verdade, transmitiram ao tribunal uma realidade inexistente, agindo de forma temerária e imprudente.

U) Os Réus podiam e deviam ter agido de outro modo.

V) Agiram com dolo, ou seja, de má-fé. (pontos 36 a 47 da matéria de facto provada).

W) O grau de culpa é pois intenso.

X) Na fixação da indemnização deverá ser-se em conta os danos causados, o grau de culpa do agente, a situação económica do lesante e demais circunstâncias do caso (art.494º C. Civil ex vi 496º/4 C. Civil).

Y) O art.494º C. Civil submete a decisão segundo a equidade a critérios estatuídos no direito positivo, visando reduzir a margem de apreciação subjetiva do julgador com vista a aumentar a certeza e a segurança jurídica.

Z) Atenta a gravidade da situação concreta vivenciada pelos Autores (“vergonha, desonra”, os comentários na aldeia, o facto de terem ficado privados, de repente, de continuar a exploração de leite da qual retiravam o seu sustento) e atentos os critérios constantes no artigo 494º do C.C., mais concretamente a idade, a forma como é concretizado o arresto e demais circunstâncias do cado concreto deverá ser fixado a título de indemnização danos não patrimoniais a quantia de € 20.000,00 para cada autor.


   11. Os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:


I – QUESTÃO PRÉVIA: DA NULIDADE DO ACÓRDÃO


1º - No segmento atinente à Decisão, ficou estipulado no acórdão recorrido que os Recorrentes, devem pagar ao Autor AA € 10 000,00 – dez mil euros e à Autora BB a quantia de € 5 000,00 – cinco mil euros a título de danos não patrimoniais.

2º - No entanto, no segmento dedicado à fundamentação de direito empregue pela douta Relação, a mesma menciona que à Autora BB deve ser fixado o valor de € 10 000,00 – dez mil euros e ao Autor AA o valor de € 5 000,00 – cinco mil euros, a título de compensação de danos não patrimoniais.

3º - Das mencionadas conclusões anteriores é evidente que a decisão está em oposição com os fundamentos do acórdão, ou que existe ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, tornando o douto acórdão nulo.

4º - Nulidade que aqui expressamente se alega, nos termos do artigo 615º n.º 1 al. c) do C.P.C. por força do artigo 674º n.º 1 al. c) do C.P.C.


II – DO RECURSO


5º - Os recorrentes não podem conformar-se com o douto Acórdão proferido nos presentes autos, que julgou parcialmente procedente o recurso quanto à reapreciação da matéria de facto e quanto à matéria de direito e, por inerência, alterou a parte decisória da sentença recorrida nos termos constantes no douto acórdão colocado agora em crise e que aqui damos como reproduzido.

6º - Salvo o devido respeito - e que é muito - tentaremos demonstrar que se não se decidiu bem, não só porque a mesma não reflecte todos os termos das questões que foram colocadas e dirigidas ao digníssimo tribunal da Relação, mas principalmente porque existiu violação de lei substantiva, consubstanciada em erro de interpretação ou aplicação do direito, violação ou errada aplicação da lei de processo e ofensa de disposição expressa que exija certa espécie de prova para a existência de facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, ao abrigo do artigo 674º do C.P.C.

7º - Apesar do presente recurso versar apenas sobre matéria de direito, não podemos deixar de tecer diversas considerações sobre as alterações efectuadas pela distinta Relação no que concerne à alteração da matéria de facto constante do douto acórdão, sem menosprezar que a estas é reconhecido o principio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do artigo 607º do C.P.C.

8º - No entanto, e em primeiro lugar, é o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida que está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação, pois beneficiam dos princípios da imediação e da oralidade que estão excluídos ao distinto tribunal da Relação, e por isso, a Relação só deve e só pode alterar a matéria de facto quando conclui com segurança que a prova na sua globalidade, e com espírito crítico, produzida em julgamento aponta em sentido diverso do reproduzido pelo tribunal de primeira instância.

9º - Ora, não foi isto que sucedeu com a prolação do douto acórdão recorrido, pois a douta Relação do Porto, para alterar factualidade provada e não provada, não teve em consideração toda a prova produzida em julgamento, analisando-a com espírito crítico e fundamentando os motivos que conduziram a contrariar a convicção formada em primeira instância, mas dando como provados factos que no seu entender foram aceites pelas partes. – cfr. página 17 do douto acórdão recorrido.

10º - E por força deste entendimento, dão como provados os factos constantes dos pontos 81 a 86, pela nova numeração e que em primeira instância tinham sido dado como não provados, e determina como não provados os factos 114, 124 e 125 da matéria de facto dada como provada em sede de primeira instância, passando-os para o elenco dos factos não provados.

11º - Desta forma a douta Relação coloca em xeque toda prova produzida em julgamento, bem como os meios, os recursos humanos e o tempo empregues pelo tribunal da 1ª instância na realização da audiência de discussão e julgamento, desprezando toda a prova que foi ouvida e mediada pelo julgador, pois os factos assentes e aceites pelas partes operam de forma automática a classificação de factos dados como não provados – por não se ter feito prova dos mesmos – como provados.

12º - Isto é inconcebível, até porque, conforme se afere do acórdão colocado em crise, a alegada contradição entre os pontos 53, 54 e 45.1 e o ponto 124 da matéria facto invocada pelos Autores não existe. Na verdade, os pontos 53,54, e 45.1 dados como provados na sentença de primeira instância, os tais factos assentes e aceites pelas partes são a mera reprodução dos articulados e actos processuais constantes da providência cautelar de arresto, enquanto que a matéria de facto constante do ponto 124 resulta da prova produzida em julgamento, que demonstrou que efectivamente e que na realidade, os Autores não conseguiram provar a factualidade descrita naqueles pontos.

13º - Isto é, realizado o julgamento e em função da prova produzida nos presentes autos, o tribunal da primeira instância apurou isso sim, que os recorridos não sofreram e sofrem com o arresto e a remoção; que a autora ainda hoje quase não sai de casa, com vergonha; então e hoje só chora e que se sentiu envergonhada e triste; sendo necessário referir que os factos dados como provados no âmbito do procedimento cautelar é meramente indiciária, pelo que não se exige a prova segura do facto, bastando o juízo de mera probabilidade.

14º - Por isso, os indícios trazidos pelo requerido em sede de oposição ao procedimento cautelar podem ser afastados por prova de sinal contrário carreados pelos na acção intentada pelos Recorridos, o que sucedeu nos autos e em sede de primeira instância, onde os autores não conseguiram fazer prova dos factos que alegaram, como determinam as normas previstas nos artigos 341º e ss. do C.C., sendo que na dúvida, devemos cumprir com o principio disposto e previsto no artigo 414º do C.P.C.

15º - Permita-nos ainda o ensejo das presentes conclusões, para salientar ainda que nos presentes autos não há prova que demonstre que o Autor AA sofreu e sofre com o arresto, pois uma leitura da motivação da sentença de 1ª instância, bem como da transcrição do seu depoimento de parte, este confirmou que tinha outras dívidas para além da dívida para com os Recorrentes, tinha dívidas a fornecedores e não tinha lucros, para além da ausência de qualquer tipo de contabilidade, de possuir dívidas com Segurança Social, Finanças, mas em nenhum momento mostrou sofrer com a remoção dos bens ou ter sentido danos não patrimoniais.

16º - O mesmo se deve aduzir quanto à Autora BB, pois também quanto a ela não foi feita qualquer prova que era agricultora – é uma pessoa de idade avançada, com 75 anos, logo tem direito a reforma e não a rendimentos da lavoura – sendo que a exploração, as cabeças do gado, as alfaias agrícolas eram do filho, pois este é que estava colectado e não a Autora e só é chamada ao processo “(…) pois ela assinou letras que ele lhe pediu, sabendo que o filho tinha dívidas ainda do tempo do pai, não sabendo contudo que eram de tão elevado montante. Das suas declarações de parte pode o tribunal concluir que o que de facto a afectou e envergonhou foram as dívidas que o seu filho, aqui autor contraiu, sem o seu conhecimento (sempre “enganadinha” foi a expressão que usou) e não propriamente o acto de arresto levado a cabo pela Ré CC.”, pelo que inexiste prova nos autos, como veremos infra, que determine a responsabilidade dos recorrentes a pagar qualquer indemnização à Autora, a não ser que se passe a responsabilizar estes pela vergonha alheia e pelo facto de ter sido enganada pelo filho.

17º - Reitera-se, o acórdão colocado em crise consubstancia uma clara violação dos ónus da prova e das próprias regras do julgamento e da livre apreciação da prova pelo julgador, que são menosprezados em detrimento de factos indiciários que foram dados como provados num procedimento cautelar, só porque as partes aceitaram que tal constava dos articulados e actos processuais do procedimento cautelar, mas que foram devidamente contrariados em audiência de discussão e julgamento nos presentes autos. Em nenhum momento, com a aceitação dos factos, os Recorrentes assumiram que os referidos factos correspondiam à verdade, pois realizaram julgamento onde demonstraram que tal factualidade merecia constar do elenco de factos não provados.

18º - E por último, citamos aqui mais um exemplo onde demonstramos, de acordo com a nossa humilde capacidade intelectual, que a douta Relação laborou em claro erro, ao dar como provados factos que mereceram a classificação de não provados.

SENÃO VEJAMOS,

19º - Menciona o douto acórdão recorrido que o facto 125 deve ser retirado do elenco dos factos dados como provados, porque a prova relativa à existência de prejuízo de uma exploração agrícola deve assentar em elementos documentais que espelhem essa situação económico-financeira e não apenas em depoimentos de parte. Acontece que, nessa medida para a prova do facto 81 dos factos dados como provados, a mesma tem que assentar em elementos documentais que espelhem realmente a detenção de uma exploração de 24 vacas de leiteiras de onde o Autor AA e Autora BB retiram todo o rendimento, o que não sucedeu, pois essa prova está somente assente em prova meramente indiciária e nos depoimentos de parte, e nada mais. Assim sendo, questiona-se: regras processuais são distintas conforme as partes assumam a posição de Autores ou Réus?

20º - Face ao supra exposto, é nossa humilde opinião que, o douto tribunal da Relação não tinha fundamento para alterar a matéria de facto fixada na primeira instância, ou então, perante a insuficiência de matéria de facto para dar como provados certos e determinados factos, devia anular a sentença de primeira instância e ordenar que o tribunal de primeira instância apure a situação económico financeira real dos Autores à data do arresto, através de prova documental, pelo que o acórdão da Relação deve ser revogado e alterado por outro que dê cumprimento ao aqui descrito.

SEM PRESCINDIR,

21º - Mesmo que assim não se entenda, e mantenha-se a matéria de facto entretanto alterada e a decisão proferida pela douta Relação, convém salientar que é nosso humilde entendimento, que em sede em 1ª instância os aqui Recorrentes deveriam ter sido absolvidos, pois é nosso humilde entendimento que nos presentes autos não se verificam todos os requisitos essenciais ( i) facto; ii) que o facto seja ilícito; iii) a imputação do facto ao lesante; iv) dano; v) nexo de causalidade entre o facto e o dano) para que opere o instituto da responsabilidade extracontratual, previsto no artigo 483º do C.C. e através do qual estes foram condenados

22º - Como nos ensina a doutrina, a obrigação de reparar um dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo, e o professor Galvão Telles, in Manual de direito das obrigações, n.º 229, formula que a doutrina da causalidade adequada sucede quando “ Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar”.

23º - Ora, face ao depoimento de parte do Autor, transcrito e junto aos presentes autos, o próprio menciona que antes do procedimento de arresto tinha débitos a fornecedores, na altura dos factos tinha processos judiciais a decorrer contra si – como por exemplo da II, da Sra. JJ, tinha dívidas para com a Segurança Social, Finanças, seria normal e natural, com o regular funcionamento da justiça, que os Autores sofressem penhoras de bens, arrestos, em virtude dos débitos que possuíam, com remoção das suas alfaias agrícolas, cabeças de gado – pelo que o risco destas faleceram não foi exponenciado pelo arresto dos Recorrentes.

24º - Mais: refira-se ainda que existe um período de tempo (mais concretamente 19 meses) em que os aqui Recorrentes quiseram entregar os bens arrestados, e a situação apenas se manteve no tempo por culpa única e exclusiva dos Recorridos, cfr. é possível apurar pela factualidade constante nos factos 17, 18, 19, 20, 72, 73, 74, 75 e 76 e que aqui se dão como reproduzidos.

25º - Foi a conduta e actuação dos Autores, que ao não permitirem a entrega dos bens e revelaram um comportamento negligente, de incúria e desleixo e por isso, censurável e eticamente reprovável aos olhos de um bom pai de família e deram causa ao falecimento das cabeças de gado e à alegada ausência de rendimentos pela falta dos bens e danos morais reclamados, e por isso, a existir danos, os mesmos sucederam não por culpa dos Recorridos.

26º - Pelo que, face à não verificação de todos os pressupostos da Responsabilidade civil extra­contratual, deviam os Recorrentes serem absolvidos dos pedidos peticionados.

MAIS:

27º- Assumindo-se que o dano também sucedeu por causa da conduta censurável e culposa dos Recorridos, que não cuidaram de diligenciar pela entrega das cabeças de gado e alfaias agrícolas, obrigando assim os aqui Recorrentes a cuidar, a manter e a alimentar a suas expensas, as cabeças de gado arrestadas durante 19 meses, estipula o artigo 570º n.º 1 do C.C. que “ quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.

28º - Ora, assim sendo, os efeitos decorrentes do arresto injustificado só podem dar causa à responsabilidade dos aqui Recorrentes até à data da sentença que determinou a restituição das alfaias agrícolas e das cabeças de gado, isto é, até 30 de Maio de 2013 e se tiver existido danos neste período de tempo, o que não se apurou convenientemente.

29º - Após essa data, apesar da vontade dos Recorrentes para a entrega dos bens, das interpelações dos mesmos aos Autores para entrega dos bens, estes usaram de expedientes para atrasar a entrega e obrigar os Recorrentes a terem despesas com a guarda, alimentação, saúde e manutenção das cabeças de gado. E só através do tribunal é que foi possível a entrega dos bens arrestados, pois por força da actuação negligente, culposa e ilícita dos Recorridos, ainda hoje as alfaias estariam no poder destes.

30º - Assim, perante o comportamento censurável dos Recorridos, eles têm que ser efectivamente responsabilizados pelo dano a que deram causa, pois foi a sua culpa no atraso da entrega que concorreu para a perda das cabeças de gado e nunca a actuação dos Recorrentes no período de 19 meses, pelo que, por este meio, nunca os Recorrentes podem ser responsabilizados pelos danos apurados em sede do douto acórdão, devendo os mesmos deviam ser absolvidos, ou caso assim não se entenda, tem que se admitir o concurso de culpas dos Autores, e perante a gravidade da sua culpa, ser de excluir a indemnização determinada a favor dos Recorridos.

31º - Por último, determinou o douto acórdão recorrido que os Autores têm direito a ser indemnizados a título de privação do uso de uma coisa, de privação de rendimentos, com base na mera privação da sua ferramenta de trabalho: as vacas e alfaias.

32º - Também aqui entendemos que muito mal andou o douto tribunal da Relação, pois, para além de inexistir prova concreta do rendimento, que só é possível com recurso a elementos documentais, inexistentes nos presentes autos, conforme supra mencionado, a privação do uso de uma coisa por parte do seu proprietário, que um terceiro cause, somente será ressarcível se aquele cumprir com o ónus da prova do dano concreto e efectivo que decorreu da privação, pelo que, a mera privação não é indemnizável. Tal entendimento encontra eco na nossa jurisprudência, como se pode constatar nos seguintes arestos jurisprudenciais: - Ac. do S.T.J. de 30/10/2008, in www.dgsi.pt , Proc.º 08B2662, Cons.º Bettencourt de Faria e Ac. do STJ de 15-11-2011 (Processo: 6472/06.2TBSTB.E1.S1, Cons.º MOREIRA ALVES, também em www.dgsi.pt).

33º - Ora, nos presentes autos, os Autores não fazem prova do rendimento que deixaram de auferir, sendo de referir que, até se fez prova que posteriormente à concretização do arresto, os Autores venderam quatro prédios da herança, bem como o douto acórdão recorrido reconhece que o Autor AA comprou touros, vendeu silagem e manteve a sua actividade agrícola.

34º - Na verdade, inexiste afirmação neste processo que foi o arresto que implicou na paralisação da actividade agrícola e cessação da mesma, com ausência de produção de leite e criação de gado (Reforça-se que há testemunhas que indicam que depois do arresto o Autor comprou gado, vendeu silagem, demonstrando a laboração da actividade agrícola); não consta o estado em que se encontrava a exploração da vacaria, com recurso a elementos documentais, pelo que inexiste fundamento para afirmar, em sede de motivação jurídica, que foi o arresto que causou a privação de rendimentos e o direito a ser ressarcido pela mera privação dos bens.

35º - Pelo que, não havendo prova, não podem os aqui Recorrentes serem condenados em indemnização a título de privação de rendimentos. E mesmo que assim que não se entenda, face ao quadro factual dada como provado e não provado, só podemos afirmar que nos encontramos perante o vício de insuficiência da matéria de facto suficiente para condenar os Recorrentes nos termos constantes do douto acórdão recorrido, vício que expressamente aqui se alega.

36º - Para finalizar, é necessário ainda reter e reiterar novamente que a Autora BB é uma pessoa de idade avançada – 75 anos e por isso, muito provavelmente reformada; que foi o Autor que deixou de ter a sua ferramenta de trabalho, isto é, as vacas e algumas alfaias agrícolas (ponto 34 dos factos dados como provados); que o Autor é que é agricultor; que é este que detém uma exploração de 24 vacas leiteiras (ponto 81 dos factos dados como provados); e que se encontra colectado como comerciante em nome individual (ponto 58 dos factos dados como provados);pelo que, não pode a Autora BB ser ressarcida a título de indemnização por privação de rendimentos, bem como a título de danos morais, pois não foi feita qualquer prova dos seus rendimentos, da sua verdadeira actividade laboral (se a tem ou se é reformada); dos danos morais quando a mesma reconhece que foi enganadinha pelo filho e só é aqui chamada por causa de ter assinado umas letras e não por causa de ter encetado negócios com a Recorrente CC, Lda., pelo que, existem demasiadas questões que permanecem no ar e que não foram consideradas, existindo vício de insuficiência de matéria de facto para apurar e apreciar convenientemente as questões suscitadas.

37º - Mas apesar disso, as conclusões supra descritas demonstram que a Autora não pode ser ressarcida pelos aqui Recorrentes não só a título de indemnização por privação de rendimentos – porque não teve danos por não ser agricultora – bem como não pode ser ressarcida a título de danos morais, como supra já se indicou.

38º - E também o Autor AA não pode ser ressarcido a título de danos morais, pois o mesmo não sofre com o arresto, pois para quem devia sofrer com o mesmo, a sua actuação nos presentes autos roça a total incúria, desleixo e manifesta uma conduta eticamente censurável na ausência de pedido de entrega dos bens que são sua propriedade, protelando a entrega pelo período de 19 meses, até que o tribunal determinasse por despacho judicial a sua entrega.

39º - E apesar dessa conduta, continuou com a sua actividade laboral, comprou touros, vendeu silagem, dedicou-se à agricultora, como se não tivesse sofrido qualquer arresto.

40º - E por isso, salvo melhor opinião, não se verifica nos autos uma situação tão grave assim que tenha determinado um abalo psíquico aos Autores, e no nosso humilde entendimento, para além de não existir prova dos danos morais, que os incómodos que possam ter resultado do arresto efectivado pelos Recorrentes não merecem a tutela do direito. E a merecerem, perante a actuação censurável e eticamente inaceitável dos autores, que nunca exigiram a entrega dos bens arrestados, contribuindo assim, com a sua actuação, para o incremento do risco e séria probabilidade de ocorrência de danos, a mesma ser excluída em virtude da culpa dos Autores, ao abrigo do artigo 570º do C.C.

ASSIM,

41° - Impõe-se uma decisão diversa da recorrida, e em consequência do supra exposto, deve o douto acórdão da Relação deve ser revogado e alterado nos termos supra exposto, terminando ainda com absolvição dos Recorrentes do peticionado pelos Autores

PELO QUE,

42° - Foram violadas as disposições legais constantes dos artigos 414°, 452°, 456°, 466°, 500°, 607° n.° 5, 615° n.° 1 al. c); 662° n.° 2, al. c) e 674° n.° 1 al. a) e c) do C.P.C., bem como os artigos 341° e ss. 483° n.° 1, 496°, 563° e 570° todos do C.C.

Termos em que, deve revogar-se o acórdão recorrido, em conformidade com o atrás exposto, absolvendo-se os recorrentes, tudo com as legais consequências devidas, fazendo V. Exas. a habitual JUSTIÇA!


   12. Os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD responderam ao recurso interposto pelos Autores AA e BB.


  13. Finalizaram a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:


I – QUESTÃO PRÉVIA: DA OMISSÃO DA TAXA DE JUSTIÇA

1º - No presente recurso, os Recorrentes não liquidaram a competente taxa de justiça, no valor de € 510,00 – quinhentos e dez euros, correspondente ao valor da acção fixada nos autos e que é € 107 650,00 – cento e sete euros e seiscentos e cinquenta euros, mas somente o valor o valor de € 459,00 – quatrocentos e cinquenta e nove euros e não de acordo com o valor da acção mencionado no artigo anterior e que corresponde ao montante de € 510,00 – quinhentos e dez euros.

2º - Pelo que, não foi liquidada a competente taxa de justiça devida pelos Recorrentes, e por isso, devem os mesmos serem notificados para procederam ao pagamento da quantia em falta, acrescido de multa, sob pena de desentranhamento do recurso interposto, nos termos do artigo 642º do C.P.C

 II – DA RESPOSTA

3º - Os recorrentes recorrem do douto acórdão proferido nos presentes autos, pois entendem que os valores indemnizatórios fixados pelo distinto tribunal da Relação ficam aquém do peticionado, e nesse sentido abordam as seguintes questões:

— Limites e pressupostos do juízo de equidade formulado pelo tribunal da Relação no cálculo da indemnização a título por lucros cessantes;

— Montante da indemnização fixada a título de danos não patrimoniais.

4º - Salvo melhor opinião, não assiste qualquer razão aos Recorrentes, pelo que o recurso apresentado tem que ser indeferido, por manifestamente improcedente. Na verdade, os Recorridos recorreram também do douto acórdão, pois é seu humilde entendimento que deviam ter sido absolvidos nos presentes autos quanto às pretensões alegadas pelos Autores.

5º - No entanto e em primeiro lugar, apesar do entendimento dos Recorridos supra exposto, alegam os Recorrentes que atendendo à prova dada como provada, o douto tribunal da Relação lançou mão do critério da equidade, prevista no artigo 566º n.º 3 do C.C., mas discordam dos critérios utilizados no acórdão colocado agora em crise, alegando que o critério do Salário Mínimo Nacional é o adequado à situação em apreço.

6º - Sucede que, os Recorrentes invocam factos que não foram produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento e que são apenas a mera reprodução dos articulados e dos actos processuais constantes da providência cautelar de arresto, sendo que, quanto a factos essenciais para apurar a existência de lucros cessantes em sede de audiência e julgamento, estes falharam estrondosamente, pois não fizeram qualquer prova ao abrigo dos artigos 341º e ss. C.C.

7º - Mas mesmo que se considere que os Autores têm direito a ser indemnizados a título de privação do uso de uma coisa, de privação de rendimentos, não podemos sufragar este entendimento!

8º - É que inexiste prova concreta do rendimento, que só é possível com recurso a elementos documentais, inexistentes nos presentes autos e, por isso, não se apurando o dano concreto da ausência de privação do rendimento, porque os Autores não fizeram prova desse facto, os Recorridos não podem ser condenados na indemnização a título de privação de rendimentos.

9º - Mais, não pode vingar a posição de que não é necessária prova para os Recorrentes serem devidamente indemnizados. E não pode vingar, porque alinhamos pelo diapasão da corrente que defende que a privação do uso de uma coisa por parte do seu proprietário, que um terceiro cause, somente será ressarcível se aquele cumprir com o ónus da prova do dano concreto e efectivo que decorreu da privação

10º - Pelo que, a mera privação não é indemnizável! Nesse sentido, consultar o Ac. do S.T.J. de 30/10/2008, in Proc.º 08B2662, Cons.º Bettencourt de Faria, com texto integral in www.dgsi.pt., bem como o Ac. do mesmo Alto Tribunal de 15-11-2011, Processo: 6472/06.2TBSTB.E1.S1, Cons.º MOREIRA ALVES, também em www.dgsi.pt

11º - Acresce ainda que, posteriormente à concretização do arresto, provou-se isso sim que os Recorrentes venderam quatro prédios da herança e que o Autor AA comprou touros, vendeu silagem e manteve a sua actividade agrícola. Pelo que, cai por terra a teoria dos Recorrentes ficaram impedidos de obter qualquer rendimento da produção de leite.

12º - E perante a inexistência de prova que demonstre a efectiva cessação de lucros pelos Recorrentes, não há qualquer necessidade de recurso ao Salário Mínimo Nacional, como critério para fixação de indemnização, para além de que, neste ponto deviam os Recorridos terem sido absolvidos dos pedidos, como muito bem entendeu a decisão da primeira instância.

13º - Releve-se ainda neste ponto, a questão quanto ao motivo da Autora BB ressarcida a título de indemnização por privação de rendimentos?

14º - De acordo com tudo o que se processou nos presentes autos, é seguro indicar o seguinte:

— A actividade agrícola encontra-se colectada em nome individual do autor AA, a quem pertence única e exclusivamente a exploração, as alfaias agrícolas e as cabeças de gado, e nunca à Autora BB;

— A autora BB é doméstica e apenas consta do processo porque deu o seu aval as letras que foram preenchidas, emitidas e assinadas pelo seu filho, o verdadeiro titular da exploração e Agricultor;

— Foi enganada pelo seu filho como expressamente refere;

— Veio a saber que afinal existiam muitas dívidas.

— Encontra-se triste por ter sido enganada e pelas dívidas do filho AA.

— O autor AA confirmou a dívida á ré CC;

— Que a actividade que exercia dada prejuízo mensal;

— Conseguia sobreviver porque não pagava a fornecedores, inclusive, á ré CC;

— Existiam dívidas a vários fornecedores, Autoridade Tributária e Segurança Social.

— Que existiam outras execuções a correr termos no tribunal de fornecedores a cobrar dividas;

— Que retirou todos os brincos de identificação aos animais de raça bovina que foram arrestados;

— Que o arresto foi concretizado vários meses após o primeiro contacto com o agente de execução – cerca de cinco meses;

— Que nunca solicitou a entrega dos animais.

— Que recebeu carta da ré CC a designar dia e hora para a entrega dos animais;

— Que não sabia o valor dos animais que existiam na vacaria;

— Os animais existentes não eram os vendidos pela ré CC anos antes, já eram de refugo.

— Os animais vendidos pela ré CC são vacas para produção de leite.

— Nenhum documento contabilístico ou outro foi junto pelos autores relativo á contabilidade do autor AA ou até da BB.

15º - Dada ainda a idade avançada da Autora, e uma vez que todo o cidadão, a partir dos 66 anos, actualmente, tem direito à reforma, é notório e evidente que a Autora recebe rendimentos advindos da sua reforma e por isso a Autora não sofreu qualquer privação e muito menos qualquer prejuízo ou lucro cessante. E por isso, não tem direito a ser indemnizada a título de danos patrimoniais.

16º - Acresce ainda que, mesmo que seja arbitrada alguma indemnização, o que não se concebe, mas admite-se como mera hipótese académica, nunca teria que ser pelos valores arbitrados pelos Recorrentes, os quais são excessivos, desproporcionais e imorais, além de que, a mesma não deve ser paga de forma autónoma à cada um dos Autores, mas sim em conjunto, até porque não se descortina, do elenco factual, qual seriam os verdadeiros rendimentos de cada um dos Autores.

17º - E é absurdo que os Recorrentes invoquem um rendimento conjunto, peticionem uma indemnização conjunta e agora pretendem indemnizações autónomas para receber o dobro daquilo que alegadamente auferiam.

18º - Em segundo lugar, alegam ainda os recorrentes que os montantes indemnizatórios arbitrados a título de indemnização por danos não patrimoniais são insuficientes, pois entendem que a mesma possui uma dupla função: uma função compensatória, mas também uma função sancionatória, que visa reprovar ou castigar a conduta do lesante.

19º - Desde já manifestamos a nossa total discordância com as alegações dos Recorrentes, e a nossa posição segue o vertido na douta sentença de primeira instância, na qual ficou demonstrado que os Autores não sofreram danos não patrimoniais.

20º - Na verdade, em sede de primeira instância e após a realização do julgamento e em função da prova produzida nos presentes autos, o tribunal de comarca apurou que os recorridos não sofreram e não sofrem com o arresto e a remoção; não se provou que a autora ainda hoje quase não sai de casa, com vergonha; então e hoje só chora e que se sentiu envergonhada e triste, sendo certo que, uma grande parte dos factos dados como provados, só foram aceites por retratarem o que foi alegado nas peças processuais e sentença do procedimento cautelar. E nos procedimentos cautelares toda a prova produzida é meramente indiciária, seja a produzida pelo requerente, seja a produzida pelo requerido, em sede de oposição, pelo que não se exige a prova segura do facto, como sucede no processo declarativo, bastando o juízo de mera probabilidade.

21º - Juízo de mera probabilidade que foi afastado com a prova produzida em sede de julgamento, onde de acordo com os ónus da prova, previsto nos artigos 341º e ss. do C.C., bem como de acordo com o princípio previsto no artigo 414º do C.P.C., os Autores, aqui Recorrentes, não conseguiram fazer prova dos factos atinentes à verificação dos danos não patrimoniais.

22º - Refira-se ainda que, o Autor AA confirmou que tinha outras dívidas para além da dívida para com os Recorridos, tinha dívidas a fornecedores e não tinha lucros, mas em nenhum momento mostrou sofrer com a remoção dos bens, pois em nenhum momento é dito pelo mesmo que ficou triste, abatido, desanimado e envergonhado pelo arresto.

23º - O que resulta do seu depoimento é que o mesmo não tinha contabilidade organizada, não sabia quanto tirava da exploração, tinha processos judiciais a decorrerem, possuía dívidas com Segurança Social, Finanças, não pagava a fornecedores e por isso, a qualquer momento, as dificuldades e os sofrimentos alegadamente advindos do arresto, devem-se isso sim ao quadro exposto ao tribunal.

24º - E no que toca à Autora BB temos que realmente que reiterar novamente que esta era doméstica, reformada – 75 anos de idade – e que a sua tristeza advém de ter sido enganada pelo seu filho, e não por causa do arresto efectivado.

25º - Sem prescindir, saliente-se ainda a conduta censurável dos Recorrentes que durante 19 meses, não permitiram a entrega os bens arrestados, e a situação apenas se manteve no tempo por culpa única e exclusiva deles, o que é facilmente constatável pelos factos 17, 18, 19, 20, 72, 73, 74, 75 e 76 da matéria de facto dada como provada.

26º - Por isso, há que assumir que o dano sucedeu por causa da conduta censurável e culposa dos Recorrentes, que não cuidaram de diligenciar pela entrega das cabeças de gado e alfaias agrícolas, obrigando assim os aqui Recorridos a cuidar, a manter e a alimentar as cabeças de gado arrestadas durante 19 meses, fazendo sacrifícios e tendo incómodos com a situação protagonizada pela conduta dos Autores.

27º - E nessa sequência estipula o artigo 570º n.º 1 do C.C. que “ quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”

28º - Face ao comportamento censurável dos Recorrentes, eles têm que ser efectivamente responsabilizados pelo dano a que deram causa, caindo por terra os argumentos dos Recorrentes quanto aos critérios que lançam mão para fixar o cálculo da indemnização por danos não patrimoniais.

29º - Sendo que, os Recorridos deviam ter sido absolvidos, como sucedeu em sede de primeira instância, motivo pelo qual interpuseram o competente recurso a clamar pela retificação da injustiça cometida em sede do tribunal da Relação. Mas caso assim não se entenda, verificando-se o concurso de culpas dos Autores, e perante a gravidade da sua culpa, ser de excluir a indemnização determinada a favor dos Recorridos.

30º - Por último, os Autores não sofreram qualquer dano não patrimonial. A Autora, conforme já supra salientado, é reformada e não agricultora, não exerce actividade comercial, e toda a actividade comercial é do seu filho, o Autor AA, sendo que a mesma invoca que a tristeza sentida é por ter sido enganadinha pelo filho e nunca por causa do Arresto.

31º - E no que toca ao Autor, refere-se novamente que não foi feita qualquer prova do seu sofrimento, e a prova que se produziu revela que o mesmo revelou total incúria, desleixo e conduta eticamente censurável no pedido de entrega dos bens que são sua propriedade, protelando a entrega pelo período de 19 meses, até que o tribunal determinasse por despacho judicial a sua entrega. E apesar dessa conduta, continuou com a sua atividade laboral, comprou touros, vendeu silagem, dedicou-se à agricultura, como se não tivesse sofrido qualquer arresto.

32º- E por isso, salvo melhor opinião, não se verifica nos autos uma situação tão grave assim que tenha determinado um abalo psíquico aos Autores e que sofreram e sofrem com o arresto, pelo que, no nosso humilde entendimento, para além de não existir prova dos danos morais, os incómodos que possam ter resultado do arresto efetivado pelos Recorridos não merecem a tutela do direito.

33º - Face ao exposto, o recurso manifestamente terá que improceder, pois não foram violadas nenhuma das normas alegadas pelos Recorrentes no seu recurso.

Termos em que, deve revogar-se o acordão recorrido, em conformidade com o atrás exposto, absolvendo-se os recorrentes, tudo com as legais consequências devidas, fazendo V. Exas. a habitual JUSTIÇA!


   14. Os Autores AA e BB responderam ao recurso interposto pelos Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD.


   15. Finalizaram a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

1. Os Réus invocam a nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação nos termos do arts.615º/1/c) ex vi 674º/1/c) CPC.

2. Alegam que os valores ponderados a título de dano não patrimoniais na fundamentação - que atribui à Autora AA a quantia de € 10.000,00 e ao Autor AA € 5.000,00 - estão em contradição com o dispositivo do Acórdão que atribui € 10.000,00 ao AA e € 5.000,00 á Autora BB;

3. Salvo o devido respeito, não existe oposição entre os fundamentos e a Decisão pelo Tribunal a quo, uma vez que se depreende de forma clara que é vontade do Douto Tribunal atribuir aos Autores uma indemnização a título dos danos não patrimoniais por eles sofridos.

4. Houve, antes, um lapso, um mero erro de escrita, na atribuição do montante dessa indemnização a cada um dos Autores, sendo, por isso, subsumível no art.614º C. Processo Civil - estamos, portanto, perante um erro material manifesto.

5. Não existe nenhuma contrariedade entre a fundamentação e a decisão proferida, mas antes um lapso de escrita, como facilmente se depreende da leitura integral do Douto Acórdão.

6. Erro esse que pode ser retificado a todo o tempo nos termos dos arts.249º C. Civil e 614º/1 in fine do C. Processo Civil.

7. O Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece matéria de direito -conforme os arts.46º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62º/2013, 26/08), 662º/4 e 682º/1 e nº2 1ª parte C. Processo Civil – e sempre em respeito pelo cumprimento dos fundamentos previstos no art.674º C. Processo Civil.

8. Contudo, a lei prevê a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em casos muitos especiais, nomeadamente nos Arts.674º, nº 3 e 682º, nº 3, do CPC.

9. Atenta a apreciação crítica da prova produzida efetuada pelo Tribunal da Relação supra transcrita, de imediato se conclui que este tribunal limitou-se a atuar dentro das suas competências (Cfr. art.662º/1 CPC) e em respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, em respeito pelo artº. 607º/5 C. Processo Civil, isto é, de acordo com a sua livre convicção acerca de cada facto e de acordo as normas legais.

10. Também, não se está perante algum dos casos do art.674º/3 C. Processo Civil, não merecendo assim a Decisão que modificou a matéria de facto qualquer censura e reparo.

11. Deve, pois, ser mantida, assim, a decisão que incidiu sobre a alteração da matéria de facto efetuada pelo Tribunal da Relação do Porto.

12. Igualmente, o Tribunal da Relação fez uma correta aplicação do direito aos factos que considerou como provados.

13. Assim, é inegável que o facto de os Réus terem intentado um arresto injustificado é causa adequada da produção dos prejuízos verificados pelos Autores, de acordo com o decurso normal das coisas.

14. Atenta a factualidade provada, resultam verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

15. Não existe qualquer concurso de culpas entre os Autores e os Réus, nos termos do art.570º/1 C. Civil, já que para que tal acontecesse, seria necessário que o ato do lesado tivesse sido uma das causas do dano e que o lesado tivesse contribuído com a sua culpa para o dano.

16. Esta questão nunca foi anteriormente colocada e apreciada nos presentes autos, constituindo, portanto, uma questão nova, sendo certo ainda que não resulta sequer da matéria de facto dada como provada.

17. Pese embora os danos não terem sido concretamente apurados, é inegável a existência dos mesmos, pelo que haverá sempre lugar a indemnização verificando-se os restantes pressupostos.

18. E acompanhando o Voto de Vencido, «(…) como não foi possível fazer essa prova ulteriormente, entendi que não era viável a liquidação em incidente, sob pena de se forçar, inutilmente, os lesados a continuarem a pleitear em tribunal, com graves custos daí decorrentes, razões pelas quais o tribunal, nesse caso concreto, deve proferir decisão, socorrendo-se da equidade, dentro dos limites que tiver por provados – nº3 do citado art.566º do C. Civil».

19. A determinação da indemnização funda-se, então, na equidade, mas tendo sempre em consideração aquilo que houver sido provado, nomeadamente, que os Autores ficaram sem muitos dos meios para exercer a atividade agrícola e impedidos de obter qualquer rendimento da produção do leite, bem como que o Autor deixou de ter a sua ferramenta de trabalho.

20. Atenta a factualidade provada, os Autores ficaram privados de um conjunto de bens (animais e alfaias agrícolas), por conta do arresto injustificado dos Réus, que impossibilitou que os Autores os utilizassem para o exercício da sua profissão.

21. Essa privação constitui um dano indemnizável, uma vez que, como decorre dos autos, os Autores pretendiam usar e utilizar esses bens arrestados nas atividades agrícolas a que se dedicavam, não se podendo falar numa mera privação.

22. O facto de não se apurar de forma concreta os danos decorrentes dessa privação, apenas implicará para efeitos de cálculo da indemnização a atribuir aos Autores, que, nesse caso, deverá atender a critérios de equidade, conforme determina o art.566º/3 C. Civil, e nunca impedir que haja lugar a indemnização.

23. Deve, pois, ser julgada totalmente improcedente o Recurso de Revista apresentado pelos Réus, fazendo-se assim, JUSTIÇA!


   16. O Tribunal da Relação de Guimarães apreciou, em conferência, a arguição de nulidade do acórdão recorrido, tendo acordado:

   I. — em considerar não verificada a nulidade suscitada;

  II. — em determinar “a rectificação do lapso de escrita cometido no 5.º parágrafo de fls. 44 do Acórdão (correspondente a fls. 613 dos autos), passando a ler-se ‘(...) propugnamos como ajustados os valores de € 10.000,00 e de € 5.000,00, respectivamente para o Autor e para a Autora, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos’ onde se lê ‘(...) propugnamos como ajustados os valores de € 10.000,00 e de € 5.000,00, respectivamente para a Autora e para o Autor, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos’”.


  17. Em relação ao pagamento da taxa de justiça consta dos autos informação a fls. 711.


  18. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


  19. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

   I. — se o acórdão recorrido violou a lei de processo ao alterar a matéria de facto dada como provada e como não provada na 1.ª instância;

   II. — se o acórdão recorrido violou a lei substantiva ao alterar a matéria de facto dada como provada e como não provada em 1.ª instância;

    III. — se os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD devem ser condenados a indemnizar os Autores AA e BB pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do arresto requerido pela Ré CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA;

    IV. — se o dano patrimonial da perda das cabeças de gado apreendidas é imputável ao comportamento dos Autores AA e BB;

   V. — se há lugar à indemnização pelo dano da privação do uso;

   VI. — se o montante de 15000 para indemnização do dano da privação do uso das cabeças de gado e, em consequência, das privação dos rendimentos resultantes do seu uso é adequado ou deve ser aumentado para 20000 euros;

    VII. — se os danos não patrimoniais sofridos pelos Autores AA e BB são suficientemente graves para merecerem a tutela do direito;

   VIII. — se os danos não patrimoniais são imputáveis ao comportamento dos Autores AA e BB;

     IX. — se o montante de 10 000 euros para compensação dos danos não patrimoniais do  Autor AA é adequado, ou se deve ser aumentado para 20000 euros;

    X. — se o montante de 5000 euros para compensação dos danos não patrimoniais da Autora BB é adequado, ou se deve ser aumentado para 20000 euros.


ii. — FUNDAMENTAÇÃO


     OS FACTOS


  20. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:


1. Aos 19 de Dezembro de 2011, a Ré ‘CC - Importação de Gado Lda.’, intentou no Tribunal Judicial da Comarca de …, contra os aqui Autores, Providência Cautelar de Arresto.

2. Essa Providência Cautelar foi distribuída ao … Juízo Cível, n° 5337/11.0TBSTS.

3.Como fundamento para a requerida Providência a Ré, ‘CC — Importação de Gado Lda.’, alegou entre outros factos:

— Que a aí requerente, aqui ré, se dedicava à importação e comercialização de gado.

— Que os requeridos, aqui autores, se dedicavam à actividade agrícola, criação e produção de gado.

— No âmbito dessa actividade, a ai requerente, a pedido do então requerido AA, vendeu a este, entre 03.03.2005 e 14.05.2010, as novilhas constantes das facturas que juntou com os números 1 a 9.

— No montante de €103.162,00.

— Para pagamento dessas facturas o ai requerido AA (e aqui autor)’ aceitou diversas letras de câmbio, algumas reformadas e outras não.

— Até que, a referida requerente, CC - Importação de Gado Lda., aqui ré, e os requeridos, aqui autores, se reuniram e fixaram a dívida em €128.943, 30.

— Ainda acordaram que o pagamento seria efectuado no prazo de um ano, ou seja, até 18 de Novembro de 2011.

— Para pagamento de tal montante o aí requerido AA, aqui autor, aceitou, assinou e entregou à ai requerente, aqui ré CC - Importação de Gado Ld.ª, letra no valor de € 128.943,00.

— Letra que foi avalizada pela sua mãe, aqui autora.

— Letra essa que foi apresentada apagamento e não foi paga.

— Ainda alegaram em 13° da PI., de arresto "Até apresente data os requeridos nada pagaram em relação à letra de câmbio”.

— Alegaram também ter a ai requerente interpelado os requeridos para procederem ao pagamento do valor em dívida.

— Essas interpelações foram infrutíferas.

— Pois que os ai requeridos alegavam dificuldades para protelar o pagamento.

— A ai requerente, e de forma expressa, alegou que o seu crédito era de € 128.943,30, acrescido de juros, o que perfazia o total de €129.671,92.

— Que desde o inicio de Dezembro de 2011 os aí requeridos se furtavam a todos os contactos.

— Bem como que a aí requerente tinha conhecimento de o requerido ter avultadas dividas contraídas no exercício da sua actividade, também avalizadas pela mãe.

— Que existiam no Tribunal de … acções e execuções intentadas contra os aí requeridos.

— Que as execuções eram de valor elevado.

— Alegaram também «Consta-se na área da … e concelhos limítrofes, entre os fornecedores do mesmo ramo, que o requerido está atravessar sérias dificuldades económicas, tendo deixado de cumprir os pagamentos, avolumando débitos a fornecedores, banca e fazenda nacional”.

— Que as dívidas contraídas atingem centenas de milhares de euros.

— Que o requerido não demonstra sinais visíveis de continuação da sua actividade.

— Tendo mesmo dissipado diversos equipamentos necessários à sua actividade agrícola.

— Alega ainda a aí requerente que chegou ao seu conhecimento que os requeridos "estão a realizar diligências para vender os seus quinhões hereditários na herança aberta por óbito do pai e marido dos requeridos.”

— Os requeridos tudo fazem com o único e exclusivo objectivo de não pagar a ninguém, incluindo a aqui requerente”.

— “A única garantia patrimonial dos requerentes reduz-se aos direitos que infra se descriminam”.

— “Tem contudo a requerente fundado receio que os mesmos desapareçam”.

— “Perdendo a requerente por completo a possibilidade de cobrança do seu crédito”.

— “O que se traduz em motivos mais que suficientes para justificar o presente arresto”.

4. Os bens cujo arresto foi requerido foram:

— Todos os bens móveis do requerido que se encontram na sua residência, exploração agrícola, tais como reboques agrícolas, alfaias agrícolas, cisterna, freze, todo o equipamento existente nasala de ordenha, etc;

— Todas as cabeças de gado existentes na exploração agrícola;

— Quota leiteira e subsídios entregues aos requeridos;

— Créditos e subsídios da Agros;

— Quinhão hereditário dos requeridos, tendo identificado 50 imóveis.

5 Foi produzida a prova testemunhal, (aqui 3.º e 4.º réus), e o Tribunal decretou o arresto de todos os bens requeridos e supra identificados.

6. No dia 21 de Maio de 2012 foi efectuado parte do arresto, ou seja, do gado, bem como das alfaias agrícolas e quando já estava efectuado arresto da meação e

7. No decurso do ato interveio por ter sido chamado ao local o aqui mandatário dos autores.

8. Que logo fez sentir que "ao arresto se aplicam as regras da penhora. Nos termos destas a penhora susta-se logo que estejam apreendidos os bens suficientes e que garantam o pagamento da dívida. Resulta dos autos que está já apreendido o direito à herança por óbito de KK, bem como a meação da também requerida BB. É óbvio que o direito à herança e a meação tem um valor superior (mais do triplo) da dívida definida no arresto. A requerente pretende proceder ao arresto das cabeças de gado existentes na vacaria e das alfaias agrícolas. Para além destes bens serem essenciais à manutenção do requerente - sem eles deixará de ter todo e qualquer rendimento - o requerido arresto é ilegal porquanto a divida está garantida pelos bens já apreendidos e acima identificados. Termo pelo qual requer que o arresto não prossiga, sem pelo menos o Senhor Juiz tal o ordenar expressamente. Desde já e para a hipótese de o arresto prosseguir sem despacho do Senhor Juiz declara que terá de imputar prejuízos e danos a quem se mostrar responsável”.

9. O mandatário da então requerente a tal se opôs com o fundamento que todos os bens eram necessários para garantir o pagamento da divida.

10. Nesse mesmo dia e hora, os requeridos solicitaram ao tribunal que fosse ordenada a suspensão do arresto.

11. O Tribunal ordenou que fosse ouvida a parte contrária.

12. O arresto com remoção ocorreu, ou seja, todas as cabeças de gado existentes na vacaria dos requeridos foram levadas, bem como as alfaias.

13. Foi deduzida oposição nos termos do documento junto como n° 2 com a p.i. e cujo teor se dá aqui por reproduzido.

14. Foi esta contestada pela ré CC - Importação de Gado Lda nos termos do documento junto como n° 2 com a p.i. e cujo teor se dá aqui por -reproduzido.

15. Foi produzida prova e proferida sentença e da qual resulta que:

— O requerido AA é agricultor, detém uma exploração de 24 vacas leiteiras e de onde retira todo o rendimento para comprar arroz, peixe, pão, pagar ao médico, vestir e calçar (para si e sua mãe).

— A referida sentença define o montante da divida, ou seja €103.162,00, mas dá como provado o seguinte:

— Após 18 de Novembro de 2010, os requeridos pagaram à requerente:

— Aos 30.10.2011, €2.000,00 por cheque.

— Aos 30.08.2011, €2.000,00 por cheque.

— Aos 30.09.2011, €2.000, 00 por cheque.

— Aos 30.11.2011, €2.000,00por cheque.

— Aos 30.12.2011, €2.000,00 por cheque.

— Aos 30. 01. 2012, €2.000,00 por cheque.

— Aos 09.12.2011, €2.500,00por transferência bancária.

— Aos 25.01.2012, €300,00 por transferência bancária.

— Aos 22.02.2012, €2.500,00 por transferência bancária.

— Aos 23. 02.2012, €7.500,00 por transferência bancária.

— Aos 04.04.2012, €1.000,00 por transferência bancária.

— Ainda na mesma data €3.000,00 resultante da venda de 10 novilhas.

— A requerente solicitou ao requerido AA o aceite de letras para titular o pagamento acordado, que essas letras foram entregues àquela e que nem sequer tinham atingido a data do seu vencimento quando foi requerido o arresto.

— O gerente da requerente e suas testemunhas sempre entraram na casa dos requeridos, que até lhes emprestaram alfaias agrícolas.

— E na última Páscoa o gerente da requerente convidou o requerido para a passar na sua companhia.

— Sempre a actividade comercial (vacaria) do requerido esteve em plena actividade — o que era do total conhecimento dos requerentes.

— Um cunhado do requerido, no dia do arresto e para evitar a remoção, propôs ao gerente da requerente o pagamento do valor em divida em prestações, ou seja, trinta mil euros aos 28 desse mês e o restante em prazo a acordar.

— O gerente tal recusou.

— A requerente e seus sócios sempre falaram e contactaram com os requeridos e bem sabiam que a vacaria estava em total laboração e que os mesmos nada tinham alienado.

— A requerida é pessoa de avançada idade e para quem o arresto constituiu uma vergonha e desonra, sendo certo que na aldeia não se falava de outra coisa.

— Por essa razão a requerida fechou-se em casa, não fala seja com quem for e só chora.

— A requerente conhecia bem os bens de que os requeridos eram titulares, sendo que os terrenos e a casa estão no centro da localidade, junto à estrada nacional e também da municipal.

— Finalmente ficou provado que a meação e o direito à herança têm um valor superior a setecentos mil euros.

16. Em consequência de que a sentença foi no sentido de reduzir o arresto ao quinhão hereditário dos requeridos na herança aberta por óbito de KK na parte dos imóveis identificados, determinou o levantamento do arresto no restante.

17. Ainda se determinou que a requerente procedesse à imediata restituição aos requeridos das cabeças de gado e das alfaias agrícolas e das mesmas a requerente fizesse entrega no domicílio dos requeridos (tudo aos 30.05.2013).

18. Desta sentença, os requeridos - aqui autores - interpuseram recurso, que foi admitido, com efeitos devolutivos e foi proferido Acórdão.

19. Entretanto foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto que ordenou o levantamento total do arresto e indeferido o pedido reconvencional da fixação de uma indemnização, mas tão só por não ser o meio próprio.

20. A entrega apenas ocorreu aos 05.12.2014 e por decisão judicial.

21. Porém, aos autores, os Réus, apenas entregaram três cabeças de gado e as alfaias agrícolas.

22. Foram arrestadas e foram removidas vinte e quatro vacas e cinco vitelos, ou seja, 29 cabeças de gado raça bovina.

23. Destas ficou fiel depositário o réu DD.

24. A providência de arresto deu entrada em tribunal aos 19.12.2011.

25. A inquirição das testemunhas arroladas ocorre em 6 de Janeiro de 2012 e é proferida sentença no mesmo dia.

26. O Réu EE esteve presente no acto do arresto.

27. Os Autores ficaram, assim, sem muitos dos meios para exercer a actividade agrícola e impedidos de obter qualquer rendimento da produção de leite.

28. A referida sentença da oposição ao arresto define o montante da dívida, ou seja, €103.162,00, e dá também como provado o seguinte:

— Após 18 de Novembro de 2010, os requeridos pagaram à requerente:

— Aos 30.11.2010, €8.580, 00 por cheque;

— Aos 30.11.2010, €2.000,00por cheque;

 — Sendo que tais pagamentos se não verificaram,

29. Das vacas que foram arrestadas, pelo menos uma estava prenha.

30. Ou seja, não foram entregues vinte e seis cabeças de gado e mesmo as três entregues, uma estava doente e morreu nos dias seguintes e as outras duas foram vendidas pelo autor.

31. Ocorre que, quer a CC, quer o fiel depositário, quer o Senhor Agente de Execução não prestaram qualquer informação sobre a falta dos referidos bens ou seja das cabeças de gado.

32. Cada vaca, ao preço de custo, tem o valor unitário de no mínimo €1.650,00, se tiver entre 18 meses e 4 anos e for de boa qualidade.

33. Os Autores não puderem obter e fazer seu o vitelo entretanto parido.

34. O Autor deixou de ter a sua ferramenta de trabalho: as vacas e algumas alfaias agrícolas.

35. O arresto visou só compelir os Autores a pagar.

36. O arresto só foi possível por os Réus CC e DD faltarem por forma consciente à verdade.

37. Bastava que esses Réus tivessem comunicado ao Tribunal que a dívida era de €103.000,00.

38. Ainda comunicado esses Réus, como era sua obrigação, que os Autores haviam efectuado pagamentos parciais desde 30.11.2010 até ao dia 04.04.2012.

39. Bastava que esses Réus tivessem transmitido que aos Autores foram solicitados aceite e aval de letras para pagamento do em dívida e que na data em que foi requerido o arresto nem sequer estavam vencidas.

40. Bastava que tivessem transmitido esses Réus ao Tribunal que o gerente da Ré CC - Importação de Gado Lda, e a testemunha EE sempre entraram na casa dos autores.

41. Bastava que tivessem transmitido ao Tribunal que esses Réus sempre tiveram contactos com os Autores.

42. Bastava que esses Réus tivessem transmitido ao Tribunal que a Ré "CC - Importação de Gado Lda.” e seus sócios sempre falaram e contactaram com os Autores e, ainda, tivessem transmitido que a vacaria estava em total laboração e, ainda, que os Autores nada haviam alienado.

43. Bastava esses Réus que tivessem transmitido ao Tribunal que a meação e a herança a que os Autores tinham direito tinha um valor superior ao da eventual dívida mais de sete vezes.

44. Bastava, em suma, que não tivessem mentido e nunca o arresto teria sido decretado.

45. E os Réus "CC" e DD faltaram de forma consciente e voluntária à verdade.

46. A Ré, "CC - Importação de Gado Lda", por ser quem requereu a providência, tendo alegado factos que sabia não serem verdadeiros.

47. O Réu DD, por ser gerente da "CC - Importação de Gado Lda", conhecer muito bem os Autores, com quem privava, conhecia a casa e os terrenos destes, sabia dos pagamentos que estes haviam efectuado, sabia das letras aceites e tudo o mais.

48. O Réu EE, era sócio da CC - Importação de Gado Lda e filho do gerente (o que omitiu ao Tribunal, mas também lhe não foi perguntado).

49. O Réu FF, era o técnico de contas da ré CC.

50. O arresto resulta da falta de verdade dos Réus CC e DD.

51. Os Réus CC e DD sabiam a verdade e sabiam que estavam a mentir para "encurralar" os Autores, e os forçarem a pagar.

52. Estes Réus agiram de forma consciente e voluntária.

53. Bem sabendo que estavam a mentir e a lesar os Autores.

54. Todos os danos provados são consequência directa e necessária da conduta destes Réus.

55. Os Réus intervieram como requerente, gerente desta e testemunhas.

56. Foi com base nos depoimentos dos réus EE e FF e no teor dos documentos juntos que o Tribunal proferiu a sentença de 1.ª Instância.

57. A Ré CC dedica-se à importação e comercialização de gado.

58. Os Autores, filho e mãe respectivamente, dedicam-se à actividade agrícola, criação e produção de gado, encontrando-se colectado o filho como comerciante em nome individual.

59. No âmbito da sua actividade, a Ré CC, a pedido e sob encomenda do Autor AA, vendeu a este no período compreendido entre 03.03.2005 e 14.05.2010, as novilhas constantes e discriminadas nas facturas da ré CC, que se dão aqui por uma questão de brevidade por integralmente reproduzidas, juntas como documento n° 1 na petição inicial.

60. No montante total, com IVA incluído de € 103.162,00.

61. Para pagamento destas facturas o Autor AA aceitou diversas letras de câmbio, que não foram pagas.

62. Em meados de Novembro de 2010, Ré CC e Autores reuniram para fazer acerto de contas, tendo em consideração o capital em débito das alegadas’ facturas, bem como juros de mora e despesas bancárias inerentes ao incumprimento.

63. Acordaram, o que expressamente fizeram constar em documento, que se encontrava em débito á Ré CC o montante de € 128.943,30 euros - cfr. doc. n° 1 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

64. Mais acordaram que o pagamento seria efectuado no prazo de um ano, ou seja, até ao dia 18 de Novembro de 2011.

65. Para pagamento da citada quantia, o Autor AA, preencheu, aceitou, assinou e entregou à Ré CC uma letra de câmbio, no valor de € 128.943,30 euros, emitida em 18 de Novembro de 2010, com vencimento em 18 de Novembro de 2011.

66. Letra de câmbio que foi avalizada por sua mãe, a Autora BB, que conforme declaração e assinatura aposta no verso da letra deu o seu aval ao aceitante, o autor AA.

67. Letra de câmbio que na data do respectivo vencimento foi apresentada a pagamento aos Autores.

68. O arresto apenas foi concretizado em 21 de Maio de 2012, ou seja, cinco meses depois de ser deferido.

69. O Autor fez desaparecer os brincos de identificação de todos os animais.

70. A Ré CC chegada ao local no dia 21 de Maio de 2012, de imediato verificou que tinha sido retirada a identificação aos vinte e quatro animais de raça bovina.

71. Em data posterior á concretização do arresto foram vendidos 4 prédios da herança.

72. Os Autores, sempre até a decisão da Relação do Porto, nunca solicitaram a entrega dos bens arrestados.

73. Foi a Ré CC, dada a impossibilidade de contacto como Autor AA, que por carta registada, datada de 26 de Agosto de 2013, tentou entregar os bens.

74. Uma vez que nos bens a restituir existiam animais, era necessário agendar dia e hora para a entrega e até para a obtenção de licença para o transporte.

75. A esta carta respondeu o mandatário dos Autores via email, alertando para a necessidade de presença de veterinário, que se encontrava de férias.

76. A entrega acabou por ser designada por decisão judicial para o dia 05.12.2014.

77. Neste dia foram restituídas todos os bens móveis, e 3 cabeças de gado.

78. Por motivos não imputáveis à Ré CC, 4 animais faleceram por motivo de doença.

79. Em bom estado de saúde as cabeças de gado adultas, que não fossem de boa qualidade tinham, cada uma, valor não superior a € 600,00 euros.

80. As cinco crias não tinham valor superior a € 200,00 cada.

81. Autor é agricultor, detém uma exploração de 24 vacas leiteiras e de onde retira todo o rendimento para comprar arroz, peixe, pão, pagar ao médico, vestir e calçar (para si e sua mãe),

82. A Autora, de 75 anos de idade, para quem o arresto constituiu uma vergonha e desonra, sendo certo que na aldeia não se falava de outra coisa.

83. Por essa razão, fechou-se em casa, não fala seja com quem for e, então e hoje, só chora.

84. Os Autores sofreram e sofrem com o arresto e a remoção.

85. A Autora ainda hoje quase não sai de casa, com vergonha.

86. Sentiu-se envergonhada e triste.


  21. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:


— Os Autores ficaram sem qualquer meio para exercer a actividade agrícola;

— Até ser proferido Acórdão, os autores solicitaram inúmeras vezes aos 1.º e 2o réus a entrega das cabeças de gado e das alfaias agrícolas, o que sempre a tal os referidos réus se negaram;

— Desde a sentença em primeira instância sempre os requeridos - aqui autores solicitaram aos 1.º e 2° réus a entrega quer das vacas, quer das alfaias agrícolas, o que os mesmos a tal se negaram;

— Das que foram arrestadas, doze estavam prenhas e tiveram, os vitelos;

— As 3 cabeças de gado entregues estavam todas doentes e morreram nos dias seguintes;

— Duas delas haviam sido compradas pela ré CC - Importação de Gado Lda dias antes de serem entregues, numa feira;

— Os autores não puderem obter e fazer seus onze vitelos - entretanto paridos;

— Os autores, e com as cabeças de gado arrestadas e removidas, todos os meses faziam entrega de leite na quantia de 10.500 litros;

— Facturavam no mínimo € 2.400,00 por mês;

— Auferiam um rendimento de, pelo menos, € 750,00 por mês;

— Os autores não têm dinheiro, nem rendimento para comprar outras 24

cabeças de gado;

— Os autores são pessoas estimadas no local onde vivem c foram espezinhadas e maltratadas pelos réus.

— O arresto foi um ato de vingança gratuito:

— Os réus EE e FF faltaram de forma consciente à verdade, pois sabiam do valor efectivamente em dívida, dos pagamentos feitos, das letras aceites;

— O réu FF sempre entrou na casa dos autores;

— Os autores até as alfaias agrícolas haviam emprestado ao gerente da ré CC - Importação de Gado Lda;

— O réu FF sempre teve contactos com os autores;

— Os réus FF e EE sabiam que a meação e a herança a que os autores tinham direito tinha um valor superior ao da eventual dívida - mais de sete vezes.

— Os réus FF e EEr mentiram de forma consciente e voluntária.

— O réu EE, tinha conhecimento dos pagamentos, letras aceites, valor dos terrenos, propostas de acordo;

— O réu FF, sabia do valor da dívida, dos pagamentos efectuados pelos autores das letras aceites, avalizadas e ainda não vencidas;

— O arresto destruiu as vidas dos autores.

— O arresto resulta da falta de verdade dos réus EE e FF.

— Os réus EE e FF sabiam a verdade e sabiam que estavam a mentir para "encurralar" os autores, e os forçarem a pagar o que entendessem;

— Os réus EE e FF agiram de forma consciente e voluntária, bem sabendo que estavam a mentir e a lesar os autores;

— Os danos alegados são consequência directa e necessária da conduta dos réus os réus EE e FF.

— Os réus EE e FF prestaram o juramento de falar a verdade, mas mesmo assim faltaram conscientemente à mesma.

— A letra de câmbio no valor de € 128.943,30 não foi paga nem reformada na data do vencimento ou posteriormente;

— A ré CC interpelou por diversas vezes os autores para realizar o pagamento do montante em débito de elevado valor, interpelações que se mostraram infrutíferas, pois os autores alegavam dificuldades de pagamento e iam protelando o assunto;

— Os bens propriedade dos autores eram facilmente alienáveis e constava no mercado essa intenção;

— As testemunhas apenas não tinham conhecimento que os autores, requeridos nos autos de providência cautelar, tinham entregue á ré CC o montante de € 8.000,00 euros;

— O arresto só foi concretizado 5 meses depois de ser deferido por a ré CC tudo ter feito para evitar a sua concretização, dada a relação comercial que manteve durante muitos anos com os autores;

— Após deferimento da PC, a ré CC realizou mais uma tentativa de contactar o autor AA e mãe no sentido de pagarem a dívida.

— Depois de estacionar em frente á residência do mesmo durante todo o dia, uma vez que na exploração agrícola não era visível actividade, ao fim da tarde o autor AA resolveu aparecer.

— Alegou os mesmos factos: "Estava a passar por inúmeras dificuldades", "O negócio estava parado"; " Ia ver se conseguia dinheiro emprestado para pagar a divida”;

— Os animais sem brinco de identificação que iam ser carregados no dia seguinte para destino desconhecido;

— Reacção que de alguma forma teve a ver com ameaças de concretização do arresto por parte da ré CC, por os autores não estarem a fazer outros pagamentos;

— De imediato foi contactado o agente de execução para a concretização do arresto e averiguação da veracidade dos factos que tinham chegado ao conhecimento da ré CC;

— A ré CC chegada ao local no dia 21 de Maio de 2012, de imediato confirmou que a silagem para alimentação dos animais tinha sido vendida - os silos estavam vazios; os animais estavam preparados para ser carregados; as alfaias agrícolas estavam em posição de ser carregadas e desaparecerem;

— Naquele momento existia ainda a informação que os requeridos, aqui autores, conjuntamente com demais herdeiros, tinham vendido prédios da herança;

— Apenas existe actualmente garantia patrimonial para pagamento da dívida á ré CC porque foi deferido o presente arresto;

— A actuação dos autores, requeridos na PC, foi sempre o sentido de dissipar bens e não pagar aos credores;

— Quer no momento da entrada da providência cautelar, quer na data da concretização do arresto, a actividade agrícola dos autores era nula;

— A Meritíssima Juíza considerou provado que a herança e a meação tem um valor superior a € 600.000,00 euros, valor que nenhuma correspondência tem com a realidade e que apenas se pode dever a mero lapso;

— A ré CC ao intentar a presente providência cautelar de arresto agiu com prudência normal;

— Apenas visou acautelar o seu crédito;

— Por desinteresse dos autores não foi possível agendar dia e hora para a entrega;

— Os bens móveis restituídos estavam em perfeito estado de conservação e as 3 cabeças de gado estavam de boa saúde, o que foi confirmado pelo veterinário presente;

— Para além das 4 cabeças de gado que faleceram, que tenham falecido outras das arrestadas por motivo de doença e que às restantes foi aconselhado o abate devido á doença de mamite crónica, abate aconselhado pelo veterinário devido ao risco de contágio;

— Perante esta doença a ré CC consultou o histórico da vacaria dos autores, onde constatou a existência da doença e a verificação de óbitos anteriores;

— Com toda a certeza, a doença já existia aquando do arresto;

— Não existiam cabeças de gado prenhas.

— No momento do arresto apenas se encontravam presentes as partes.

— O autor tinha prejuízo patrimonial na sua actividade agrícola.

— Com a venda do pouco leite que as vacas produziam, os autores não obtinham rendimento para fazer face às despesas com alimentação, energia eléctrica, água, gasóleo, segurança social e tratamentos médicos.

— Existia prejuízo mensal.


O DIREITO


   22. O art. 374.º, n.º 1, do Código de Processo Civil consagra o princípio geral da responsabilidade do requerente de providência cautelar injustificada:


“Se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal” [1] [2].


   O princípio do art. 374.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é adaptado ao caso do arresto pelas regras especiais do art. 621.º do Código Civil:


“Se o arresto for julgado injustificado ou caducar, o requerente é responsável pelos danos causados ao arrestado, quando não tenha agido com a prudência normal” [3].


     Entre as duas disposições legais, há uma relação de semelhança. O texto do art. 621.º do Código Civil continha em si a solução generalizada com o antigo art. 390.º e com o art. 374.º do novo Código de Processo Civil, em termos de ser hoje sustentável que “a responsabilidade do credor arrestante deixou de constituir um regime especial em relação àquele que se acha previsto e regulado no [art. 374.º do Código de Processo Civil]” [4].


   23. Como o arresto requerido pela Ré CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, haja sido julgado injustificada (cf. factos provados sob os n.ºs 16 e 19) e o comportamento da Requerente, agora Ré, haja sido julgado intencional, coordenando-se ao conceito de dolo directo (cf. factos provados sob os n.ºs 36 a 46), os problemas suscitados pelos Recorrentes relacionam-se sobretudo com o dano e com a relação de causalidade entre o facto e o dano [5].


   24. A primeira questão consiste em determinar se o acórdão recorrido violou a lei processual ao alterar a matéria de facto dada como provada e como não provada na 1.ª instância.


  25. Os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD alegam, em síntese, o seguinte:

     I. — que o acórdão recorrido “não teve em consideração toda a prova produzida em julgamento, analisando-a com espírito crítico e fundamentando os motivos que conduziram a contrariar a convicção formada em primeira instância” (conclusões 9.ª a 11.ª);

   II. — que a alegada contradição entre os factos dados como provados sob os n.ºs 53, 54 e 45.1 e os factos dados como não provados sob os n.º 124 da sentença de 1.ª instância não existia; que os factos dados como provados sob os n.º 53, 54 e 45.1 resultaria da reprodução, da “mera reprodução”, “dos articulados e actos processuais constantes da providência cautelar de arresto”, e o facto dado com provado sob o n.º 124 resultaria da realização da audiência de discussão e julgamento (conclusões n.ºs 10 a 12.º); e que “os indícios trazidos pelo requerido em sede de oposição ao procedimento cautelar podem ser afastados por prova de sinal contrário carreados pelos na acção intentada pelos [então requentes, depois Réus] (conclusões n.ºs 13.º e 14.º);

   III. — que o acórdão recorrido adoptou regras processuais distintas para dar como provado que os Autores AA e BB eram titulares de uma exploração de 24 vacas de leiteiras, “de onde […] retiram todo o rendimento”, e para dar como não provado que a exploração agrícola dava prejuízo, admitindo a prova indiciária do primeiro facto e não admitindo a prova indiciária do segundo, para o qual exigiu “elementos documentais” (conclusões 19.º e 20.º).


  26. Invocam a violação do art. 662.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil:


“A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, […] [a]nular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.


  27. Entrando na apreciação da primeira questão, dir-se-á o seguinte:


  28. O art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil determina que o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

           

   29. A actual redacção do art. 662.º do Código de Processo Civil exprime a autonomia decisória do Tribunal da Relação na apreciação e reapreciação da matéria de facto:


“fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” [6].


  30. Os Réus alegam, em primeiro lugar, que não há nenhuma contradição entre factos dados como provados sob os n.ºs 45.1, 53, 54 e 124 e que os factos dados como provados sob os n.ºs 53, 54 e 45.1 não deviam ter sido qualificados como factos assentes.


   31. Os factos dados como provados sob os n.ºs 45.1, 53, 54 e 124 da sentença de 1.ª instância foram os seguintes:


45.1. O requerido AA é agricultor, detém uma exploração de 24 vacas leiteiras e de onde retira todo o rendimento para comprar arroz, peixe, pão, pagar ao médico, vestir e calçar (para si e sua mãe).

53. A requerida é pessoa de avançada idade e para quem o arresto constituiu uma vergonha e desonra, sendo certo que na aldeia não se falava de outra coisa.

54. Por essa razão a requerida [BB] fechou-se em casa, não fala seja com quem for e só chora.

124. Com a venda do pouco leite que as vacas produziam, os autores não obtinham rendimento para fazer face às despesas com alimentação, energia eléctrica, água, gasóleo, segurança social e tratamentos médicos.


  32. O acórdão recorrido — I. — considerou que não havia nenhuma contradição entre os factos dados como provados sob os n.ºs 53, 54 e 45.1, e os factos, dados como não provados e provados, sob o n.º 124 da sentença da 1.ª instância; — II. — constatou que os factos dados como provados sob os n.ºs 53, 54 e 45.1 tinham sido aceites pelos Réus na audiência de julgamento, realizada em 27 de Junho de 2017, e tinham sido confirmados pelos depoimentos das testemunhas HH e GG, “que o tribunal a quo considerou credíveis”.


  33. Consultando a fundamentação do acórdão recorrido, constata-se que não há aqui nenhuma violação do artigo 662.º do Código de Processo Civil.

    O Tribunal da Relação do Porto procedeu como devia ter procedido — ao reavaliar os factos dados como assentes, ao reapreciar e ao reponderar dos meios de prova disponíveis e, em particular, ao reapreciar e ao reponderar prova testemunhal — e, procedendo como devia ter procedido, chegou aos resultados a que devia ter chegado — tirou todas as consequências que devia ter tirado da circunstância de ter formado uma convicção própria e autónoma, devidamente fundamentada.


   34. Os Réus alegam, em segundo lugar, que o acórdão recorrido errou ao dar como não provados os factos correspondentes aos n.ºs 114 e 124 da sentença de 1.ª instância.


  35. O acórdão recorrido considerou que “a prova dos factos alegados no referido art. 46.1 [correspondente ao ponto 45.1 da sentença de 1.ª instância] determina que se dêem como não provados os factos vertidos nos pontos 114 e 124”.

    O facto provado sob o n.º 45.1 da sentença de 1.º instância diz que “[o] requerido AA é agricultor, detém uma exploração de 24 vacas leiteiras e de onde retira todo o rendimento para comprar arroz, peixe, pão, pagar ao médico, vestir e calçar (para si e sua mãe)”. Os factos provados sob os n.ºs 114 e 124 diziam que “[o] autor tinha prejuízo patrimonial na sua actividade agrícola” e que “[c]om a venda do pouco leite que as vacas produziam, os autores não obtinham rendimento para fazer face às despesas com alimentação, energia eléctrica, água, gasóleo, segurança social e tratamentos médicos”.

           

  36. Ora entre a afirmação de que o então Requerido, agora Autor, “detém uma exploração de 24 vacas leiteiras de onde retira rendimento” e as afirmações de que a exploração dá prejuízo, ou de que os então Requeridos, agora Autores, não obtinham (= não retiram) rendimento, existe a contradição sustentada pelo Tribunal da Relação do Porto.


   37. Os Réus alegam, em terceiro lugar, que o acórdão recorrido errou ao dar como não provado que “existi[sse] prejuízo mensal” (facto dado como provado sob o n.º 125 da sentença de 1.ª instância).


   38. O acórdão recorrido decidiu dá-lo como não provado, por entender que “a prova relativa à existência de prejuízo de uma exploração agrícola deve assentar em elementos documentais que, com rigor, espelhem essa situação económico-financeira e não apenas em depoimentos de parte”.


   39. Consultando a fundamentação do acórdão recorrido, constata-se que não há aqui nenhuma violação do artigo 662.º do Código de Processo Civil. O Tribunal da Relação do Porto procedeu como devia ter procedido — ao reapreciar e ao reponderar dos meios de prova disponíveis — e, procedendo como devia ter procedido, chegou aos resultados a que devia ter chegado — tirou todas as consequências de não ter conseguido formar convicção própria sobre os factos alegados.


   40. Em resposta à primeira questão, dir-se-á que o acórdão recorrido não violou a lei processual ao alterar a matéria de facto dada como provada e como não provada na 1.ª instância.


 41. A segunda questão consiste em determinar se o acórdão recorrido violou a lei substantiva ao alterar a matéria de facto dada como provada e como não provada na 1.ª instância.


 42. Os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD alegam que dos autos não resulta a prova de que os Autores AA e BB tenham sofrido e sofram com o arresto (conclusões n.ºs 15 e 16) e que o acórdão recorrido violou as regras sobre o ónus da prova, ao dá-lo como provado (conclusão n.º 17).


   43. Invocam a violação do art. 414.º do Código de Processo Civil e dos arts. 341.º ss. do Código Civil.


  44. Entrando na apreciação da segunda questão, dir-se-á o seguinte:


   45. O art. 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil determina que


O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.


  Como se escreve, p. ex., nos acórdãos de 14 de Dezembro de 2016 — proferido no processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1 —, de 12 de Julho de 2018 — proferido no processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1 — e de 12 de Fevereiro de 2019 — proferido no processo n.º 882/14.9TJVNF-H.G1.A1 —, “… o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa escapa ao âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigos 674º nº 3 e 682º nº 2 do Código de Processo Civil), estando-lhe interdito sindicar a convicção das instâncias pautada pelas regras da experiência e resultante de um processo intelectual e racional sobre as provas submetidas à apreciação do julgador. Só relativamente à designada prova vinculada, ou seja, aos casos em que a lei exige certa espécie de prova para a demonstração do facto ou fixa a força de determinado meio de prova, poderá exercer os seus poderes de controlo em sede de recurso de revista” [7].

“… está vedado ao STJ conhecer de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas lhe sendo permitido sindicar a actuação da Relação nos casos da designada prova vinculada ou tarifada, ou seja quando está em causa um erro de direito (arts. 674.º, n.º 3, e 682.º, nº 2)” [8].


  46. O problema do ónus da prova consiste "na atribuição dos resultados da incerteza da prova; noutros termos, trata-se de decidir qual é a parte que perderá o processo se o juiz — que deve pronunciar uma decisão — não pôde formar a sua convicção por não dispor de provas suficientes” [9]. O sentido de uma teoria da atribuição / da distribuição do ónus da prova é, por isso, o sentido de uma "teoria das consequências jurídicas da falta de prova” [10].

   Os critérios de atribuição / distribuição do ónus da prova dizem-nos qual a parte que corre o risco de perder o processo quando o juiz não possa formar a sua convicção [11].


   47. Embora os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD aleguem que dos autos não resulta a prova de que os Autores AA e BB tenham sofrido e sofram com o arresto e que o acórdão recorrido violou as regras sobre o ónus da prova, ao dá-lo como provado, o acórdão recorrido fundamenta a decisão de dar como provado que os Autores tenham sofrido e sofram com o arresto na passagem seguinte:


“os factos descritos no art. 46.°. 1 da Petição Inicial, que corresponde ao ponto 45.°. 1 da sentença (O requerido AA é agricultor, detém uma exploração de 24 vacas leiteiras e de onde reitera todo o rendimento para comprar arroz, peixe, pão, pagar ao médico, vestir e calçar (para si e sua mãe)), e nos arts. 54.° e 55.°, correspondentes a parte da factualidade julgada não provada (A requerida é pessoa de avançada idade e para quem o arresto constituiu uma vergonha e desonra, sendo certo que na aldeia não se falava de outra coisa; por essa razão a requerida fechou-se em casa, não fala seja com quem for e só chora) foram expressamente aceites, razão pela qual a decisão devia tê-los incluído nos factos provados.

[…] através das declarações simples e genuínas da Autora, pessoa de 75 anos de idade, e dos depoimentos das testemunhas HH e GG, que o tribunal a quo considerou credíveis, resulta claramente que o arresto com remoção de todas as vacas existentes na exploração agrícola bem como das alfaias agrícolas, provocou choque, sofrimento, vergonha e tristeza”.


   48. O Tribunal da Relação do Porto formou a sua convicção, própria e autónoma, sobre o facto alegado. Em consequência, em lugar de um problema de ónus da prova, está em causa tão-só um problema de eventual erro na apreciação das provas, ou de um eventual erro na fixação dos factos materiais da causa. O Supremo Tribunal de Justiça não pode e não deve conhecê-lo. 


   49. Em resposta à segunda questão, dir-se-á que o acórdão recorrido não violou a lei substantiva ao alterar a matéria de facto dada como provada e como não provada na 1.ª instância.


   50. A terceira questão consiste em determinar se os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD devem ser condenados a indemnizar os Autores AA e BB pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do arresto requerido pela Ré CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA


   51. Os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD alegam, em síntese, que o Autor AA tinha dívidas para com fornecedores, para com as Finanças e para com a Segurança Social, pelo que seria “normal e natural” que os seus bens fossem arrestados ou penhorados.


   52. Invocam a violação dos arts. 483.º, n.º 1, e 563.º do Código Civil.


   53. A alegação de que os danos tinham uma causa virtual não é adequada e, ainda que fosse adequada, não seria suficiente para excluir a responsabilidade civil.

     Em primeiro lugar, não é adequada. Os factos dados como provados não são suficientes para que se conclua que o Autor AA tinha dívidas para com fornecedores, para com as Finanças e para com a Segurança Social, ou que as dívidas do Autor fariam com que os seus bens fossem penhorados.

   Em segundo lugar, ainda que fosse adequada, nunca seria suficiente para excluir a responsabilidade civil — em geral, a causa virtual não tem relevância negativa [12].


  54. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que “o princípio geral da nossa lei é o da irrelevância da causa hipotética ou virtual” [13].

    Em geral, “a causa virtual não afecta a relação de causalidade real” [14] e, em consequência, não exonera o lesante da obrigação de indemnizar [15]. Exceptua-se, tão-só, os casos especificados na lei, como sejam os casos dos arts. 491.º, 492.º, 493.º, n.º 1, e 806.º, n.º 2, do Código Civil [16].


    55. Em resposta à terceira questão, dir-se-á que os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD devem ser condenados a indemnizar os Autores AA e BB pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do arresto requerido pela Ré CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA


 55. A quarta questão consiste em determinar se o dano patrimonial da perda das cabeças de gado apreendidas é imputável ao comportamento dos Autores AA e BB.


   56. Os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD alegam que a perda das cabeças de gado é imputável ao atraso dos Autores AA e BB em solicitar a entrega dos bens arrestados, ou em receber os bens arrestados, que a Ré CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, pretendia entregar-lhe (conclusões 25.ª a 29.º das alegações de recurso).


57. Invocam o art. 570.º do Código Civil, cujo n.º 1 determina:


Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.


   58. O Tribunal da Relação do Porto deu como provado que foram arrestadas vinte e quatro vacas e cinco vitelos (facto provado sob o n.º 22) e que foram restituídos todos os bens móveis e três cabeças de gado (facto provado sob o n.º 77) — e os Réus alegam que a perda das cabeças de gado é imputável ao atraso dos Autores AA e BB em solicitar a entrega dos bens arrestados (facto provado sob o n.º 72), ou em receber os bens arrestados, que a Ré CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, pretendia entregar-lhe (factos provados sob os n.ºs 73, 74, 75 e 76).


  59. Entre os factos dados como provados pelo acórdão recorrido estão os seguintes: 


31. Ocorre que, quer a CC, quer o fiel depositário, quer o Senhor Agente de Execução não prestaram qualquer informação sobre a falta dos referidos bens ou seja das cabeças de gado.

72. Os Autores, sempre até a decisão da Relação do Porto, nunca solicitaram a entrega dos bens arrestados.

73. Foi a Ré CC, dada a impossibilidade de contacto como Autor AA, que por carta registada, datada de 26 de Agosto de 2013, tentou entregar os bens.

74. Uma vez que nos bens a restituir existiam animais, era necessário agendar dia e hora para a entrega e até para a obtenção de licença para o transporte.

75. A esta carta respondeu o ilustre mandatário dos Autores via email, alertando para a necessidade de presença de veterinário, que se encontrava de férias.

76. A entrega acabou por ser designada por decisão judicial para o dia 05.12.2014.

77. Neste dia foram restituídas todos os bens móveis, e 3 cabeças de gado.


 60. Entre os factos dados como não provados pelo acórdão recorrido está o seguinte:

— Por desinteresse dos autores não foi possível agendar dia e hora para a entrega.


   61. Os factos dados como provados não são suficientes para que se sustente que o facto de os Autores não terem solicitado a entrega dos bens arrestados, ou de terem respondido à carta registada enviadas pela Ré CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, “alertando para a necessidade de presença de veterinário, que se encontrava de férias”, tivesse contribuído para causar o dano da perda das cabeças de gado.


   62. O art. 570.º do Código Civil exige um nexo de concausalidade [17] e os factos dados como provados não são suficientes para que se sustente que o comportamento dos lesados, foi condição ou causa (adequada) do dano ou do agravamento do dano [18].


   63. Em alternativa, poderia pensar-se em coordenar o caso à mora do credor.

    O art. 813.º do Código Civil diz que “[o] credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, […] não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação” e o art. 815.º, n.º 1, do Código Civil, que “[a] mora faz recair sobre o credor o risco da impossibilidade superveniente da prestação, que resulte de facto não imputável a dolo do devedor”.


   64. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que,


 “é requisito da mora credendi que os actos não praticados pelo credor, ou por ele voluntariamente omitidos, sejam actos de cooperação essenciais; de outro modo, cair-se-ia num campo movediço pela falta de critério objectivo pelo qual se aferisse se o seu comportamento era essencial para o cumprimento pelo devedor” [19].


   65. Embora os factos provados sejam suficientes para que se conclua que os actos de cooperação omitidos pelo credor eram actos de cooperação essenciais [20], não são suficientes para que se conclua que a falta de cooperação dos Autores AA e BB no cumprimento da obrigação de restituição não tivesse causa justificativa ou motivo justificado.


   66. Em resposta à quarta questão, dir-se-á que não resulta dos factos provados que o dano patrimonial da perda das cabeças de gado apreendidas seja imputável ao comportamento dos Autores AA e BB e, em particular, que não resulta dos factos provados que o dano seja imputável à culpa dos lesados — art. 570.º —, que estejam preenchidos os pressupostos da mora do credor — art. 815.º — ou que, em consequência da mora do credor, estejam preenchidos os pressupostos da inversão do risco prevista pelo art. 815.º do Código Civil.


   67. A quinta questão consiste em determinar se há lugar à indemnização pelo dano da privação do uso.


   68. Os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD alegam, em síntese, que os Autores tinham o ónus de fazer a prova da diferença entre a situação real e a situação hipotética do património do lesado (conclusões 31.ª a 37.ª das alegações de recurso).


   69. Invocam a violação dos arts. 483.º do Código Civil.


  70. Em consonância com a doutrina [21], a jurisprudência e, em especial, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça chegou a algum consenso no sentido de que o dano da privação de uso é um dano autónomo [22], consistindo em o proprietário ficar temporária ou transitoriamente impedido de retirar do bem as utilidades, patrimoniais e não patrimoniais, que o bem lhe proporcionaria [23].

     Como se afirma, p. ex., nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça 9 de Julho de 2015 — processo n.º 13804/12.2T2SNT.L1.S1 — e de 14 de Dezembro de 2016 — processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1 —,

“a privação do uso de um veículo automóvel em resultado de danos sofridos na sequência de um acidente de viação constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o art. 1305.º do Código Civil lhe confere de modo pleno e exclusivo”.


    O conceito de dano decorrente da chamada teoria da diferençanão deve aplicar-se ao dano da privação de uso, por não atender, como deveria, à privação temporária ou transitória de um bem: no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 2010 — processo n.º 1247/07.4TJVNF.P1.S1 —, diz-se que “[p]ara efeito de atribuição de indemnização pela privação do uso não será de exigir a prova de danos efectivos e concretos (situação vantajosa frustrada / teoria da diferença)” e, no acórdão de 13 de Julho de 2017 — processo n.º 188/14.3T8PBL.C1.S1 —, que “[a] regra geral do art. 566.º, n.º 2, do Código Civil — teoria da diferença — não pode ser aplicável ao dano de privação de uso, na medida em que a comparação entre a situação patrimonial real e a situação patrimonial hipotética do lesado, na data mais recente que puder ser atendida se adequa a privações definitivas e não a privações limitadas no tempo”.

         Em consequência, o lesado não tem o ónus de alegar e de provar a concreta diferença entre a situação patrimonial hipotética e a situação patrimonial real.

          Como se diz, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2013 — processo n.º 3313/09.2TBOER.L1.S1 — ,

“[a] simples falta de prova de danos concretos não deve conduzir à necessária recusa da indemnização pela privação do uso, verificados que estejam todos os restantes pressupostos da responsabilidade civil extracontratual”.


 71. O único ponto controvertido consiste em averiguar se será necessário que o lesado prove que ficou privado da possibilidade abstracta ou de uma possibilidade concreta, específica, de uso do bem:

    I. — no sentido de que o lesado terá de provar, tão-só, que ficou privado da possibilidade abstracta de uso do bem [24], pronunciaram-se os acórdãos dos Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2003 — processo n.º 02B4161 —, de 29 de Novembro de 2005 — processo n.º 05B3122 (tendencialmente) —, de 5 de Fevereiro de 2009 — processo n.º 08B3994 —, de 28 de Maio de 2009 — processo n.º 160/09.5YFLSB —, de 8 de Outubro de 2010 — processo n.º 1362/06.1TBVCD.S1 —, de 29 de Abril de 2010 — processo n.º 344/04.2GTSTR.S1 —, de 5 de Julho de 2018 — processo n.º 176/13.7T2AVR.P1.S1 —, de 27 de Novembro de 2018 — processo n.º 78/13.7PVPRT.P2.S1 — e de 6 de Dezembro de 2018 — processo n.º 9773/09.4TBCSC.L2.S1; 

    II. — no sentido de que o lesado terá de provar que ficou privado de uma possibilidade concreta de uso e que, em consequência, ficou onerado com uma concreta e real desvantagem [25], pronunciaram-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 2010 — processo n.º 1247/07.4TJVNF.P1.S1 —, de 15 de Novembro de 2011 — processo n.º 6472/06.2TBSTB.E1.S1 —, de 23 de Novembro de 2011 — processo n.º 397-B/1998.L1.S1 —, de 10 de Janeiro de 2012 — processo n.º 1875/06.5TBVNO.C1.S1 —, de 11 de Dezembro de 2012 — processo n.º 549/05.9TBCBR-A.C1.S1 —, de 3 de Outubro de 2013 — processo n.º 1261/07.0TBOLHE.E1.S1 —, de 20 de Abril de 2015 — processo n.º 353/08.2TBVPA.P1.S1 —, de 13 de Julho de 2017 — processo n.º 188/14.3T8PBL.C1.S1 —, de 7 de Novembro de 2017 — processo n.º 4262/08.7TCLRS.L1.S1 —, de 23 de Novembro de 2017 — processo n.º 2884/11.8TBBCL.G1 —, de 12 de Julho de 2018 — processo n.º 2875/10.6TBPVZ.P1.S1 —, de 18 de Setembro de 2018 — processo n.º 108/13.2TBPNH.C1.S1 —, de 25 de Setembro de 2018 — processo n.º 2172/14.8TBBRG.G1.S1 — e de 30 de Abril de 2019 — processo n.º 1226/15.8T8ALM.L1.S2. 


   72. Em conformidade com qualquer uma das duas teses, o lesado terá direito a indemnização desde que alegue e que prove que “a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real — concreto e efectivo — de proceder à sua utilização” [26]. O dano, “traduzido na privação do uso de um bem, [estará demonstrado desde que] o lesado concretiz[e] e fundament[e], em termos factuais, qual a concreta utilidade que pretendia extrair do bem, especificando o concreto dano sofrido com a impossibilidade [de utilização][27].


   73. Ora os Autores AA e BB fizeram a prova de que a apreensão das cabeças de gado “frustrou um propósito real — concreto e efectivo — de proceder à sua utilização”.


   74. Os factos provado sob o n.ºs 58 e 81 são do seguinte teor:


58. Os Autores, filho e mãe respectivamente, dedicam-se à actividade agrícola, criação e produção de gado, encontrando-se colectado o filho como comerciante em nome individual

 81. [O] Autor é agricultor, detém uma exploração de 24 vacas leiteiras e de onde retira todo o rendimento para comprar arroz, peixe, pão, pagar ao médico, vestir e calçar (para si e sua mãe).


   75. Ora, os factos provados sob os n.ºs 58 e 81, em ligação com os factos provados sob os n.ºs 27 e 34, são suficiente para que fique provado que a apreensão “frustrou um propósito real — concreto e efectivo — de proceder à sua utilização”:


27. Os Autores ficaram, assim, sem muitos dos meios para exercer a actividade agrícola e impedidos de obter qualquer rendimento da produção de leite.

34. O Autor deixou de ter a sua ferramenta de trabalho: as vacas e algumas alfaias agrícolas.


    Em termos análogos aos da declaração de voto da Exma. Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 2008 —processo n.º 07B2131  [28] —, considera-se que é necessário e suficiente que se prove:

   I. — que os bens arrestados eram utilizados no exercício da actividade económica desenvolvidas pelos Autores e — II. — que os Autores ficaram impossibilitados de os utilizar (em concreto, ficaram impossibilitados de os utilizar entre 21 de Maio de 2012 e 5 de dezembro de 2014).


   76. Os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD alegam que o art. 483.º do Código Civil deve interpretar-se de acordo com dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 2008 — processo n.º 08B2662 — e de 15 de Novembro de 2011 — processo n.º 6472/06.2TBSTB.E1.S1.


   77. Os dois acórdãos citados não são adequados para sustentar a sua tese — o primeiro, ainda que corresponda à posição sustentada pelos Réus, consagra doutrina entretanto superada [29] e o segundo não corresponde à posição sustentada pelos Réus, agora Recorrentes. O Supremo Tribunal de Justiça diz aí, e diz aí expressamente, que o lesado só tem de alegar e de provar que “usava normalmente a coisa, isto é, que dela retirava as utilidades (ou algumas delas) que lhe são próprios e que deixou de poder usá-la, em virtude da privação ilícita”; ora, no caso concreto, a prova foi feita; logo, o acórdão de 15 de Novembro de 2011 depõe no sentido da responsabilidade dos Réus pelo dano da privação do uso.


   78. Os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD invocam ainda o art. 570.º do Código Civil.


   79. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que “[o] protelamento da instauração da acção indemnizatória que importe agravamento dos custos por privação do uso, para além dum período de tempo razoável, face às regras da boa fé, em termos de se considerar “culposa” a inércia do lesado, justifica uma repartição do dano global, com a inerente redução do respectivo montante indemnizatório, fundada no concurso de facto do lesado para o agravamento do dano” [30].

     O facto de a propositura da acção ter sido protelada, “para além de um período de tempo razoável”, determinaria que devesse “considerar[-se] ‘culposa’ a inércia do lesado” e fazer-se “uma repartição do dano global, com a inerente redução do respectivo montante indemnizatório, fundada no concurso de facto do lesado para o agravamento do dano” [31] [32].


   80. Em todo o caso, o atraso na actuação ou no exercício do direito não é, só por si, suficiente para que deva excluir-se ou reduzir-se a indemnização.

      Considerando o caso mais comum, mais frequente, de privação de uso de um veículo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Novembro de 2013 — processo n.º 161/09.3TBGDM.P2.S1 — diz, de forma elucidativa, que

“[o] facto objectivo de o lesado pedir indemnização pela privação do uso de veículo sinistrado algum tempo depois do sinistro não é suficiente para se considerar que tal actuação constitui um facto culposo que concorre para o agravamento dos danos traduzidos nos custos decorrentes da privação do uso (art. 570.º do Código Civil)”.


   81. Os factos provados são, tão-só, os seguintes:

    I. — que os Autores AA e BB não solicitaram a entrega dos bens arrestados (facto provado sob o n.º 72); II. — que, em 26 de Agosto de 2013, a Ré CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, enviou uma carta registada ao Autor AA, para agendar dia e hora para a entrega (facto provado sob o n.º 74); III. — que o Autor AA respondeu à carta, através de e-mail enviado pelo seu mandatário (facto provado sob o n.º 75); IV. — que a entrega foi realizada em 5 de Dezembro de 2014 (facto provado sob o n.º 76).

           

   82. Entre os factos não provados estão o de que, desde a sentença em 1.ª instância, os Autores tivessem solicitado a entrega das cabeças de gado e o de que só não tivesse sido possível agendar dia e hora para a entrega por desinteresse dos Autores.


   83. Os factos provados não são suficientes para que se conclua que o comportamento dos Autores AA e BB fosse censurável, “face às regras da boa fé”, ou que o comportamento censurável dos Autores tivesse contribuído para o dano, ou para o agravamento do dano.


   83. Em resposta à quinta questão, dir-se-á que há lugar à indemnização pelo dano da privação do uso, pelo período de duração do arresto — de 21 de Maio de 2012 a 5 de Dezembro de 2014, ou seja, 30 meses.


 84. A sexta questão consiste em determinar se o montante de 15000 para indemnização do dano da privação do uso das cabeças de gado e, em consequência, da privação dos rendimentos resultantes do seu uso é adequado ou deve ser aumentado para 20000 euros.


  85. Os Autores AA e BB alegam, em síntese, que a indemnização deveria atender ao critério do salário mínimo nacional e atribuir, a cada um dos dois Autores, o montante do salário mínimo nacional multiplicado pelos 30 meses de duração do arresto [conclusões B) a P)].


  86. O art. 566.º, n.º 3, do Código Civil dispõe que, [s]e não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.


   87. O acórdão recorrido enunciou dois limites para os danos.

     O primeiro decorria das alegações dos Autores AA e BB de que facturavam 2400 euros por mês e de que retiravam um rendimento de 750 euros por mês para fixar o pedido. O segundo decorria dos factos dados como não provados — os Autores não provaram que, em consequência do arresto, estivessem absolutamente impedidos de exercer a actividade agrícola [33] ou que não tivessem o dinheiro necessário para retomar a actividade exercida, adquirindo cabeças de gado que substituíssem as que tinham sido arrestados [34]. Em consequência, o dano da privação de uso não deveria corresponder à totalidade dos rendimentos que os Autores retiravam da exploração e sim — só — a uma parte.


   88. Face aos dois limites enunciados, o acórdão recorrido fixou uma indemnização “no valor global de 15000,00 euros para ambos os Recorrentes”.


   89. O STJ tem entendido que o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização [35] deve concentrar-se em quatro coisas. 

     Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estavam preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade [36]. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a lei e a jurisprudência, deveriam ser considerados. Em quarto lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a lei e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.

      Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável [37].

 

  90. Os pressupostos do recurso à equidade devem considerar-se preenchidos.

   O Supremo Tribunal de Justiça tem admitido, com alguma frequência, o recurso à equidade para fixação da indemnização pelo dano da privação do uso [38], considerando a circunstância de, “na maior parte dos casos, [ser difícil] encontrar o valor exacto [do dano da privação do uso]” [39]

   Em todo o caso, o recurso à equidade foi factual e normativamente justificado pelo acórdão recorrido  [40], com o facto de ser impossível encontrar o valor exacto da privação do uso das cabeças de gado e com a norma do art. 566.º, n.º 3, do Código Civil.

           

   91. O dano da privação do uso é uma categoria ou um tipo de danos amplamente admitida e reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência — e, na fixação equitativa da indemnização pelo dano da privação do uso, os limites da legislação e da jurisprudência foram respeitados.

      O acórdão do Tribunal da Relação do Porto, agora recorrido, atribuiu uma adequada “compensação, […] determinada por juízos de equidade e tendo em conta as circunstâncias concretas do caso” [41]. Estando em causa um único dano, a indemnização devia ter sido fixada, como foi, num valor global para ambos os lesados.


   92. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de de 29 de Junho de 2017 — processo n.º 4081/14.1TCLRS.L1.S1 —, entende-se que, “[n]ão se dispondo de elementos seguros que permitam concluir pelo defeito da fixação pecuniária da indemnização do dano da privação do uso […] é de manter o montante determinado, por equidade, no acórdão recorrido”.


   93. Em resposta à sexta questão, dir-se-á que os pressupostos da fixação equitativa da indemnização estavam preenchidos e que os limites que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deviam ter sido respeitados, foram respeitados.

 

   94. A sétima questão consiste em averiguar se os danos não patrimoniais sofridos pelos Autores AA e BB são suficientemente graves para merecerem a tutela do direito.


  95. Em relação ao Autor AA, os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD alegam que:


“38º - […] o Autor AA não pode ser ressarcido a título de danos morais, pois o mesmo não sofre com o arresto, pois para quem devia sofrer com o mesmo, a sua actuação nos presentes autos roça a total incúria, desleixo e manifesta uma conduta eticamente censurável na ausência de pedido de entrega dos bens que são sua propriedade, protelando a entrega pelo período de 19 meses, até que o tribunal determinasse por despacho judicial a sua entrega.

39º - E apesar dessa conduta, continuou com a sua actividade laboral, comprou touros, vendeu silagem, dedicou-se à agricultora, como se não tivesse sofrido qualquer arresto”.


   96. Em relação à Autora BB, os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD alegam que:


“36º - […] não pode a Autora BB ser ressarcida […] a título de danos morais […] quando a mesma reconhece que foi enganadinha pelo filho e só é aqui chamada por causa de ter assinado umas letras e não por causa de ter encetado negócios com a Recorrente CC, Lda. […]”.


 97. Em relação aos dois Autores, conjuntamente, os Réus alegam que


“40º - […] não se verifica nos autos uma situação tão grave assim que tenha determinado um abalo psíquico aos Autores, e no nosso humilde entendimento, para além de não existir prova dos danos morais, que os incómodos que possam ter resultado do arresto efectivado pelos Recorrentes não merecem a tutela do direito […]”.

 

98. Invocam o art. 496.º do Código Civil.


  99. O art. 496.º, n.º 1, do Código Civil estabelece que, “[n]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.


   100. Os factos dados como provados no acórdão recorrido, relevante para a avaliação da gravidade do dano não patrimonial, são sobretudo os seguintes:

    I. — Em relação aos dois Autores, o facto dado como provado sob os n.ºs 27 e 84:


27. Os Autores ficaram, assim, sem muitos dos meios para exercer a actividade agrícola e impedidos de obter qualquer rendimento da produção de leite.

84. Os Autores sofreram e sofrem com o arresto e a remoção.


  II. — Em relação ao Autor, o facto dado como provado sob o n.º 81:

[O] Autor é agricultor, detém uma exploração de 24 vacas leiteiras e de onde retira todo o rendimento para comprar arroz, peixe, pão, pagar ao médico, vestir e calçar (para si e sua mãe),


    III. — Em relação à Autora, os factos dados como provados sob os n.ºs 82, 83, 85 e 86:


82. A Autora, de 75 anos de idade, para quem o arresto constituiu uma vergonha e desonra, sendo certo que na aldeia não se falava de outra coisa.

83. Por essa razão, fechou-se em casa, não fala seja com quem for e, então e hoje, só chora.

85. A Autora ainda hoje quase não sai de casa, com vergonha.

86. Sentiu-se envergonhada e triste.


   101. Os factos dados como provados são suficientes para que se conclua que do arresto resultou a diminuição da consideração dos Autores no seu círculo social (cf. facto privado sob o n.º 82 —“na aldeia não se falava de outra coisa”); que do arresto resultaram sentimentos de frustração para o Autor, por ter sido confrontado com dificuldades injustificadas na sua actividade económica (cf. factos provados sob os n.ºs 27 e 84); que do arresto resultaram sentimentos de vergonha e de tristeza para a Autora (factos provados sob os n.ps 82, 83, 85 e 86).

     O Tribunal da Relação do Porto considera os danos como “muito graves”; ainda que possa discutir-se se são ou não “muito graves”, deve atender-se a que não estão em causa meras contrariedades, meros incómodos, “que cabe a cada um suportar na vida em sociedade” [42].


   102. Em resposta à sétima questão, dir-se-á que os danos não patrimoniais sofridos pelos Autores AA e BB são suficientemente graves para merecerem a tutela do direito.


   103. A oitava questão consiste em averiguar se os danos não patrimoniais são imputáveis ao comportamento dos Autores AA e BB.


   104. Os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD alegam que:

40º - […] E a merecerem [a tutela do direito], perante a actuação censurável e eticamente inaceitável dos autores, que nunca exigiram a entrega dos bens arrestados, contribuindo assim, com a sua actuação, para o incremento do risco e séria probabilidade de ocorrência de danos, a mesma ser excluída em virtude da culpa dos Autores, ao abrigo do artigo 570º do Código Civil.


   105. O art. 570.º, n.º 1, do Código Civil estabelece que, na fixação da indemnização só deve atender-se ao facto do lesado desde que seja censurável (culposo) e desde que tenha sido condição e causa (adequada) do dano.


 106. Os argumentos deduzidos pelos Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD não procedem por, pelo menos, duas razões.

      Em primeiro lugar, a diminuição da consideração dos Autores no seu círculo social (facto provado sob o n.º 82); os sentimentos de frustração para o Autor, por ter sido confrontado com dificuldades injustificadas na sua actividade económica (factos provados sob os n.ºs 27 e 84) e, sobretudo, os sentimentos de vergonha e de tristeza para a Autora (factos provados sob os n.ºs 82, 83, 85 e 86) são consequências do arresto — do facto de ter sido concretizada a apreensão dos bens —; e, em segundo lugar, ainda que fossem consequências da duração do arresto, sempre deveria atender-se a que não ficou provado que o facto de os Autores não terem aceitado a restituição das cabeças de gado que os Réus pretendiam restituir-lhes, ou de não terem exigido a restituição, fosse condição ou causa (adequada) do dano.

      Em termos semelhantes aos que foram enunciados a propósito do dano patrimonial da perda das cabeças de gado dir-se-á que o art. 570.º do Código Civil exige um nexo de concausalidade e que os factos dados como provados não são suficientes para que se sustente que o comportamento dos lesados foi condição ou causa (adequada) do dano, ou do agravamento do dano.


   107. Em resposta à oitava questão, dir-se-á que os factos provados sob os n.ºs 72, 74, 75 e 76 não são suficientes para que se conclua que o comportamento dos Autores AA e BB fosse censurável, “face às regras da boa fé”, ou que o comportamento censurável dos Autores tivesse contribuído para a causação ou, em todo o caso, para o agravamento do dano.


  108. A nona e a décima questões consistem em determinar: — se o montante de 10 000 euros para compensação dos danos não patrimoniais do Autor AA é adequado, ou se deve ser aumentado para 20000 euros; — se o montante de 5000 euros para compensação dos danos não patrimoniais da Autora BB é adequado, ou se deve ser aumentado para 20000 euros.


    109. Os Autores AA e BB alegam que, “[n]a fixação da indemnização deverá ser-se em conta os danos causados, o grau de culpa do agente, a situação económica do lesante e demais circunstâncias do caso”; que, em consequência da remissão do art. 496.º para o art. 494.º, deverá atender-se ao grau de culpa dos agentes; que os Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD agiram com dolo; que, em consequência da remissão do art. 494.º do Código Civil para as circunstâncias do caso, deverá atender-se à idade, à forma com foi concretizado o arresto e à gravidade “da situação concreta vivenciada pelos Autores” AA e BB — designadamente, à “desonra”, à “vergonha”, e ao “facto de terem ficado privados, de repente, de continuar a exploração de leite da qual retiravam o seu sustento”; e que, em conseqência, deverá ser fixado a título de compensação dos danos não patrimoniais a quantia de 20.000,00 euros para cada Autor [conclusões T) a Z)].


  110. O art. 496.º, n.º 4, do Código Civil estatui que “[o] montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º” e o art. 494.º, que a indemnização deverá ser fixada, equitativamente, no montante que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso justifiquem.


   111. Como acontece em tema de fixação equitativa da indemnização pelos danos patrimoniais prevista no art. 566.º, n.º 3, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da compensação / da indemnização pelos danos não patrimoniais prevista no art. 496.º, n.º 4, do Código Civil deve concentrar-se em averiguar: (i) se estão preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade; (ii) se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida; (iii) se, em relação a cada categoria ou tipo de danos, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados, e; (iv) se foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser respeitados.


  112. Os pressupostos do recurso à equidade devem considerar-se preenchidos.

       O recurso à equidade tem um sentido distinto, consoante estejam em causa danos patrimoniais ou danos não patrimoniais.  Em relação aos danos patrimoniais, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com os princípios e com as regras dos arts. 562.º ss. do Código Civil. A equidade funciona como último recurso, “para permitir alcançar uma definição concreta do conteúdo de um direito subjectivo”, designadamente do direito a uma indemnização, “quando o valor exacto dos danos não foi apurado” [43]. Em relação aos danos não patrimoniais, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade (art. 496.º, n.º 4, do Código Civil) [44]. A equidade funciona como único recurso,


“ainda que não descurando as circunstâncias que a lei manda considerar, a saber: o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (por exemplo, a natureza e a intensidade e da lesão infligida)” [45] [46].


113. Os danos dos Autores AA e BB correspondem a tipos reconhecidos pela legislação e pela jurisprudência.

       O conceito de dano existencial, como categoria que permite ao julgador atender à pluralidade de planos ou de níveis em que deve proteger-se a personalidade humana e à pluralidade de danos (não absolutamente autónomos) resultantes da lesão de direitos de personalidade [47], abrange o dano da diminuição da consideração social, da frustração, da vergonha e da tristeza.

       Em todo o caso, ainda que o conceito de dano existencial não os abrangesse, sempre os sentimentos de frustração do Autor e os sentimentos de vergonha e de tristeza da Autora seriam atendíveis para efeitos do art. 496.º, n.º 4, como expressão de sofrimento psíquico.


   114. O acórdão recorrido pronunciou-se sobre a fixação da compensação pelos danos não patrimoniais dos Autores AA e BB nas seguintes passagens:

      I. — Em primeiro lugar, concordando com a sentença recorrida, o Tribunal da Relação do Porto considera que a conduta dos Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD “foi culposa, isto é, digna de censura segundo a consciência êtico-jurídica da comunidade, que impunha a estes réus que actuassem por forma diferente daquela que adoptaram e permitiu que o arresto requerido fosse decretado”.

    II. — Em segundo lugar, esclarecido que a conduta dos Réus CC - IMPORTAÇÃO DE GADO, LDA, e DD “foi culposa, isto é, digna de censura”, o Tribunal da Relação explica a compensação dos danos na passagem seguinte:


“Provou-se - para além do conjunto de factos acima analisado - que a Autora, de 75 anos de idade, para quem o arresto constituiu uma vergonha e desonra, sendo certo que na aldeia não se falava de outra coisa.

Bem como que, por essa razão, se fechou em casa, não fala seja com quem for e, então e hoje, só chora, sentindo-se envergonhada e triste.

Provou-se igualmente que os Autores sofreram e sofrem com o arresto e a remoção.

Nos termos do disposto no art.° 496.° do C Civil: ‘Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sita gravidade, mereçam a tutela do direito’.

O legislador estabeleceu que no cálculo das indemnizações por danos não patrimoniais se deve recorrer à equidade, tendo em conta os danos causados, o grau de culpa, a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso — art.° 496.°, n.° 3, e 494.° do C Civil.

Tal como explica Antunes Varela: ‘O montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras da prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. É este, como — já foi observado por alguns autores, um dos domínios onde mais necessários se tornam o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir’.

Portanto, o sentimento de vergonha e tristeza perante a situação vivenciada e comentada na aldeia, por um lado, e o facto de terem ficado, de repente, impossibilitados de continuar a principal actividade de produção de leite, por outro, impõem que lhes seja atribuída uma compensação significativa, por se tratarem de danos muito graves.

Para compensar esses danos, peticionam, a esse título, o pagamento das quantias de € 20.000,00 para cada um deles.

Pese embora a gravidade da situação e o manifesto abalo psíquico que foi causado aos Autores e que podia ter sido evitado, pelo menos na data agendada para a remoção dos animais, consideramos as quantias peticionadas excessivas face aos critérios jurisprudenciais utilizados em casos que nos podem orientar nesta matéria.

Assim sendo, não descurando a valoração fáctica e vertente sancionatória que este caso requer, mas sempre dentro de parâmetros objectivos, propugnamos como ajustados os valores de € 10.000,00 e de € 5.000,00, respectivamente para [o Autora e a Autora], a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos”.


   115. Consultando a fundamentação do acórdão recorrido, constata-se que o Tribunal da Relação do Porto considerou, como devia, o grau de culpabilidade dos agentes / dos lesantes e o conjunto das circunstâncias do caso.


 116. Finalmente, os limites do recurso à equidade foram respeitados.

      A compensação — de 10 000 euros para o Autor e de 5 000 euros para a Autora — não deve considerar-se uma compensação ou indemnização simbólica, meramente simbólica.

      Os Autores AA e BB, ainda que aleguem que “[o] Tribunal a quo não refere quais os critérios jurisprudenciais dos quais se socorreu para proferir a decisão ora recorrida” e que, por consequência, “não se [percebem] os fundamentos nos quais o Tribunal se sustentou para a atribuição do montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais”, não enunciaram nenhum critério jurisprudencial alternativo — não indicaram, p. ex., um único acórdão em que, em circunstâncias comparáveis, tendencialmente iguais, tenha sido atribuída uma compensação diferente.


III. — DECISÃO


     Face ao exposto, nega-se provimento a ambos os recursos e confirma-se o acórdão recorrido.


    Custas de cada um dos recursos pelos respectivos Recorrentes.


Lisboa, 24 de Outubro de 2019


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Olindo Geraldes

___________

[1] Sobre a interpretação do art. 374.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, vide designadamente José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 374.º, in: in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 362.º a 626.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018 (reimpressão), págs. 73-78; António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 374.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, pág, 441; e, desenvolvidamente, Rita Lynce de Faria, A tutela cautelar antecipatória no processo civil português — Um difícil equilíbrio entre a urgência e a irreversibilidade, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2016, págs. 367-403.

[2] O tema foi objecto da dissertação de doutoramento (não publicada) de Marco Filipe Carvalho Gonçalves, Providências cautelares injustificadas e responsabilidade do requerente, Braga, 2013.

[3] Sobre a interpretação do art. 621.º do Código Civil, Fernando Andrade Pires de Lima / João de Matos Antunes Varela (com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita), anotação ao art. 621.º, in: Código Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 761.º, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, págs. 638-639; José Lebre de Freitas, anotação ao art. 621.º, in: Ana Prata (coord.), Código Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 1250.º, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs.803-804; Maria de Fátima Ribeiro, anotação ao art. 621.º, in: Luís Carvalho Fernandes / José Carlos Brandão Proença (coord.), Código Civil anotado, vol. II — Direito das obrigações. Das obrigações em geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, págs. 744-748.

[4] Cf. Marco Filipe Carvalho Gonçalves, Providências cautelares injustificadas e responsabilidade do requerente, cit., pág. 504.

[5] Em consequência, não é necessário considerar a aplicação ao caso da presunção de culpa do art. 799.º, n.º 1, do Código Civil — como sugere Rita Lynce de Faria, Rita Lynce de Faria, em A tutela cautelar antecipatória no processo civil português, cit., págs. 394-403 e em “A tutela cautelar antecipatória no processo civil português. Um difícil equilíbrio entre a urgência e a irreversibilidade. Síntese”, in: Revista do CEJ, n.º 1 — 2018, págs. 39-63 (58-61).

[6] António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 636.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 287-288.

[7] Cf. do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 — processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1.

[8] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2018  — processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1.

[9] Walther J. Habscheid, Droit judiciaire privé suisse, 2.ª ed., Georg — Librairie de l'Université, Genebra, 1981, pág. 425.

[10] Leonardo Prieto-Castro y Ferrándiz, Derecho procesal civil, vol. I, 3ª ed., Tecnos, Madrid, 1975, pág. 138.

[11] Cf. José Alberto dos Reis, anotação ao art. 519.º, in: Código de processo civil anotado, vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 1981 (reimpressão), págs. 272-274; Manuel de Andrade (com a colaboração de João de Matos Antunes Varela), Noções elementares de proesso civil (nova edição, revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves), Coimbra Editora, Coimbra, 1979, págs. 203-204; ou João de Matos Antunes Varela / José Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, págs. 461-463; Nuno Manuel Pinto Oliveira, “Ónus da prova e não cumprimento das obrigações”, in: Scientia Juridica, tomo 49 (2000), págs. 173-207 = in: Estudos sobre o não cumprimentos das obrigações, 2.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2009, págs. 109-148.

[12] Vide, ainda na vigência do Código Civil de 1867, Manuel de Andrade (com a colaboração de Rui de Alarcão), Teoria geral das obrigações, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1966, págs. 358-352 e 370-373; Francisco Manuel Pereira Coelho, O problema da causa virtual na responsabilidade civil, Livraria Almedina, Coimbra, 1999 (reimpressão); e, já na vigência do Código Civil de 1966, Francisco Manuel Pereira Coelho, Obrigações. Sumários das lições ao curso de 1966/1967, policopiado, Coimbra, 1967, págs. 184-185; João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 10.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 200, págs. 920-936; Inocêncio Galvão Telles, Direito das obrigações, 7.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997, págs. 410-422; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, 10.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2006, págs. 767-770; António Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil, vol. VIII — Direito das obrigações. — Gestão de negócios. Enriquecimento sem causa,. Responsabilidade civil, Livraria Almedina, Coimbra, 2017,. págs. 740-746; Jorge Ribeiro de Faria, Direito das obrigações, vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 2001 (reimpressão), págs. 477-478; Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 702-711; Henrique Sousa Antunes, anotação ao art. 563.º, in: Luís Carvalho Fernandes / José Carlos Brandão Proença (coord.), Código Civil anotado, vol. II — Direito das obrigações. Das obrigações em geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, págs. 554-559 ((557); em temos algo distintos, admitindo alguma relevância da causa virtual, desde que teleológica e valorativamente sustentada, vide Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. I,  Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 614-710.

[13] Cf. acórdão do STJ de 13 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 02B4369.

[14] Expressão dos acórdãos do STJ acórdão do STJ de 15 de Março de 2005 — processo n.º 05A380 —e de 20 de Novembro de 2014 — processo n.º 707/09.7TBPVZ.P1.S1.

[15] Expressão dos acórdãos do STJ de 9 de Setembro de 2010 — processo n.º 1970/04.5TVPRT —e de 8 de Maio de 2013 — processo n.º 1122/10.55TVLSB.L1.S1.

[16] Cf. acórdãos do STJ de 13 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 02B4369 —, de 15 de Março de 2005 — processo n.º 05A380 —, de 6 de Março de 2007 — processo n.º 07A138 —, de 9 de Setembro de 2010 — processo n.º 1970/04.5TVPRT —, de 6 de Dezembro de 2012 — processo n.º 2460/07.0TBFAF.G1.S1 —, de 21 de Março de 2013 — processo n.º 4591/06.4TBVNG.P1.S1 —, de 8 de Maio de 2013 — processo n.º 1122/10.55TVLSB.L1.S1 —, de 25 de Fevereiro de 2014 — processo n.º 287/10.0 TBMIR. S1 —, de 30 de Setembro de 2014 — processo n.º 368/04.0TCSNT.L1.S1 —, de 20 de Novembro de 2014 — processo n.º 707/09.7TBPVZ.P1.S1 —, de 15 de Abril de 2015 — processo n.º 1025/10.3TVLSB.P2.S1 —, de 10 de Novembro de 2015— processo n.º 2759/10.8TBGDM.P1.S1-A (uniformização de jurisprudência) — e de de 8 de Julho de 2015 — processo n.º 996/11.7TBPRD.P2.S1.

[17] Vide, por todos, José Carlos Brandão Proença, A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, págs. 425 ss.

[18] Vide, por último, José Carlos Brandão Proença, anotação ao art. 570.º, in: Luís A. Carvalho Fernandes / José Carlos Brandão Proença, Comentário ao Código Civil — Direito das obrigações. Das obrigações em geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, págs. 576-580 (579). “Para o exame ponderativo previsto no n.º 1 a norma exige […] que [duas condutas culposas] tenham sido causalmente concorrentes para o evento lesivo ou para o agravamento dos danos […]. O teste da concausalidade não se basta com uma averiguação condicionalista […], mas exige a presença de critérios jurídicos, seja o da causalidade adequada, seja o da causalidade normativa”.

[19] Cf. acórdão do STJ de 14 de Janeiro de 2014 — processo n.º 511/11.2TBPVL.G1.S1.

[20] Cf. facto provado sob o n.º 74: “Uma vez que nos bens a restituir existiam animais, era necessário agendar dia e hora para a entrega e até para a obtenção de licença para o transporte”.

[21] Vide, por todos, Júlio Gomes, “O dano da privação do uso”, in: Revista de direito e economia, ano 12.º (1986), págs. 169-239; António Santos Abrantes Geraldes. Temas de responsabilidade civil, vol. I — Indemnização do dano da privação do uso, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2007; Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 568-596; Paulo Mota Pinto, “Dano da privação do uso”, in: Estudos de direito do consumidor, n.º 8 — 2006/2007, págs. 229-273: José Carlos Brandão Proença, A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, págs. 676-677 (nota n.º 2328); António Santos Abrantes Geraldes, “Indemnização do dano da privação do uso”, in: Cadernos de direito privado, n.º especial — Responsabilidade civil, 2012, págs. 137-151; Maria da Graça Trigo, Responsabilidade civil. Temas especiais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, págs. 57-68; ou António Santos Abrantes Geraldes, “Responsabilidade civil extracontratual na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça”, in: Revista de direito civil, ano 3 (2018), págs. 9-52.

[22]; Vide, por todos, os acórdãos do STJ de 9 de Janeiro de 2003 — processo n.º 02B4161 —, de 25 de Novembro de 2003 — processo n.º 03A3592 —, de 21 de Abril de 2005 — processo n.º 03B2246 —, de 29 de Novembro de 2005 — processo n.º 05B3122 — e de 6 de Maio de 2008 — processo n.º 08A1279 —, a declaração de voto da Exma. Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza no acórdão do STJ de 30 de Outubro de 2008 —processo n.º 07B2131 — e os acórdãos do STJ de de 28 de Maio de 2009 — processo n.º 160/09.5YFLSB —, de 8 de Outubro de 2010 — processo n.º 1362/06.1TBVCD.S1 —, de 9 de Março de 2010 — processo n.º 1247/07.4TJVNF.P1.S1 —, de 29 de Abril de 2010 — processo n.º 344/04.2GTSTR.S1 —, de 7 de Outubro de 2010 — processo n.º 3515/03.5TBALM.L1.S1 —, de 3 de Maio de 2011 — processo n.º 2618/08.06TBOVR.P1 —, de 15 de Novembro de 2011 — processo n.º 6472/06.2TBSTB.E1.S1 —, de 23 de Novembro de 2011 — processo n.º 397-B/1998.L1.S1 —, de 10 de Janeiro de 2012 — processo n.º 1875/06.5TBVNO.C1.S1 —, de 11 de Dezembro de 2012 — processo n.º 549/05.9TBCBR-A.C1.S1 —, de 17 de Janeiro de 2013 — processo n.º 2395/06.3TJVNF.P1.S1 —, de 22 de Janeiro de 2013 — processo n.º 3313/09.2TBOER.L1.S1 —, de 16 de Abril de 2013 — processo n.º 7002/08.7TBVNG.P1.S1 —, de 3 de Outubro de 2013 — processo n.º 1261/07.0TBOLHE.E1.S1 —, de 28 de Novembro de 2013 — processo n.º 161/09.3TBGDM.P2.S1 —, de 29 de Maio de 2014 — processo n.º 130/09.3TBCBC.G1.S1 —, de 20 de Abril de 2015 — processo n.º 353/08.2TBVPA.P1.S1 —, de 9 de Julho de 2015 — processo n.º 13804/12.2T2SNT.L1.S1 —, de 14 de Julho de 2016 — processo n.º 3102/12.7TBVCT.G1.S1 —, de 14 de Dezembro de 2016 —processo n.º 2604/13. 2TBBCL.G1.S1 —, de 14 de Dezembro de 2016 — processo n.º 492/10.0TBPTL.G2.S1 —, de 13 de Julho de 2017 — processo n.º 188/14.3T8PBL.C1.S1 —, de 7 de Novembro de 2017 — processo n.º 4262/08.7TCLRS.L1.S1 —, de 23 de Novembro de 2017 — processo n.º 2884/11.8TBBCL.G1 —, de 1 de Março de 2018 — processo n.º 4685/14.2T8FNC.L1.S1 —, de 5 de Julho de 2018 — processo n.º 176/13.7T2AVR.P1.S1 —, de 12 de Julho de 2018 — processo n.º 2875/10.6TBPVZ.P1.S1 —, de 18 de Setembro de 2018 — processo n.º 108/13.2TBPNH.C1.S1 —, de 25 de Setembro de 2018 — processo n.º 2172/14.8TBBRG.G1.S1 —, de 27 de Novembro de 2018 — processo n.º 78/13.7PVPRT.P2.S1 — e de 6 de Dezembro de 2018 — processo n.º 9773/09.4TBCSC.L2.S1.

[23] Vide, p. ex., os acórdãos do STJ de de 20 de Abril de 2015 — processo n.º 353/08.2TBVPA.P1.S1 —, de 9 de Julho de 2015 — processo n.º 13804/12.2T2SNT.L1.S1 —, de 14 de Julho de 2016 — processo n.º 3102/12.7TBVCT.G1.S1 —, de 14 de Dezembro de 2016 — processo n.º 492/10.0TBPTL.G2.S1 —, de 7 de Novembro de 2017 — processo n.º 4262/08.7TCLRS.L1.S1 —, e de 1 de Março de 2018 — processo n.º 4685/14.2T8FNC.L1.S1.

[24] Como preconizam, Júlio Gomes, em “O dano da privação do uso”, in: Revista de direito e economia, ano 12.º (1986), págs. 169-239; ou António Santos Abrantes Geraldes. em Temas de responsabilidade civil, vol. I — Indemnização do dano da privação do uso, em “Indemnização do dano da privação do uso”, in: Cadernos de direito privado, n.º especial — Responsabilidade civil, 2012, págs. 137-151, ou em “Responsabilidade civil extracontratual na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça”, in: Revista de direito civil, ano 3 (2018), págs. 9-52

[25] Como preconizam Paulo Mota Pinto, em Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 568-596, ou em “Dano da privação do uso”, in: Estudos de direito do consumidor, n.º 8 — 2006/2007, págs. 229-273: e Maria da Graça Trigo, em Responsabilidade civil. Temas especiais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, págs. 57-68.

[26] Cf. acórdãos do STJ de 3 de Maio de 2011 — processo n.º 2618/08.06TBOVR.P1 — e de de 22 de Janeiro de 2013 — processo n.º 3313/09.2TBOER.L1.S1.

[27] Cf. acórdão do STJ de 14 de Julho de 2016 — processo n.º 3102/12.7TBVCT.G1.S1.

[28] Considerada particularmente significativa em Maria da Graça Trigo, Responsabilidade civil. Temas especiais, cit., pág. 61.

[29] Como se escreve no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de de 5 de Julho de 2018 — processo n.º 176/13.7T2AVR.P1.S1 —, em relação ao caso mais comum de privação do uso de um veículo, “a jurisprudência que a recorrente cita em sentido contrário […] foi larga e consistentemente ultrapassada por jurisprudência posterior, designadamente da emanada deste Supremo, que passou a reconhecer, sem qualquer espécie de hesitação, o direito de indemnização relativamente a situações, como a dos autos, em que o veículo é usado habitualmente para deslocações, sem necessidade de o lesado alegar e provar que a falta do veículo sinistrado foi causa de despesas acrescidas”.

[30] Cf. acórdão do STJ de 9 de Março de 2010 — processo n.º 1247/07.4TJVNF.P1.S1

[31] Cf. acórdão do STJ de 9 de Março de 2010 — processo n.º 1247/07.4TJVNF.P1.S1.

[32] Em termos semelhantes, vide o acórdão do STJ de 16 de Abril de 2013 — processo n.º 7002/08.7TBVNG.P1.S1 —, de cujo sumário consta a seguinte passagem: “Os autores são, pois, responsáveis à luz do disposto no art. 570.º, n.º 1, do Código Civil, pela paralisação do veículo durante todos estes anos por erradamente pressuporem que competia à seguradora ordenar a reparação da viatura, julgando estar, por tal motivo, justificada a sua inércia, sendo certo que nem sequer reclamaram junto da ré seguradora o pagamento de todo ou pelo menos de parte do custo de reparação relativo aos danos emergentes da colisão dos veículos, informando-a de que pretendiam reparar a viatura e de que só não o faziam por não terem possibilidades económicas para suportar o pagamento de 793,75€ mais IVA”.

[33] Cf. facto dado como provado sob o n.º 27 — “Os Autores ficaram, assim, sem muitos dos meios para exercer a actividade agrícola e impedidos de obter qualquer rendimento da produção de leite” —, de que o acórdão recorrido faz decorrer que, “[p]ara fixação da indemnização, há que atender a que os Autores não provaram que, devido à actuação dos Réus, tivessem ficado sem qualquer meio para exercer a actividade agrícola, mas apenas que ficaram sem muitos dos meios para exercer a actividade agrícola”.

[34] O acórdão recorrido diz que “deve ter-se em conta que os Autores […] não provaram que não têm dinheiro nem rendimentos para comprar outras cabeças de gado” e que “os Réus provaram… que, em data posterior à concretização do arresto, foram vendidos quatro prédios da herança”.

[35] Sobre o recurso à equidade, vide designadamente António Castanheira Neves, Curso de Introdução ao estudo do direito (policopiado), Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1971-1972, pág. 244;  ou Manuel Carneiro da Frada, “A equidade ou a justiça com coração. A propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in: Forjar o direito, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 653-687.

[36] Vide, por último, os acórdãos do STJ de 25 de Outubro de 2018, no processo n.º 2416/16.1T8BRG.G1.S1, e de 6 de Dezembro de 2018, no processo n.º 652/16.0T8GMR.G1.S2.

[37] Vide, por último, os acórdãos do STJ de 8 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 245/12.0TAGMT.G1.S1 —, de 17 de Maio de 2018 — processo n.º 952/12.8TVPRT.P1.S1 —, de 18 de Outubro de 2018 — processo n.º 3643/13.9TBSTB.E1.S1 —, de 6 de Dezembro de 2018 — processo n.º 652/16.0T8GMR.G1.S2 — e de 14 de Março de 2019 — processo n.º 9913/15.4T8LSB.L1.S1.

[38] Vide, p. ex., os acórdãos do STJ de 29 de Novembro de 2005 — processo n.º 05B3122 —, de 6 de Maio de 2008 — processo n.º 08A1279 —, de 5 de Fevereiro de 2009 — processo n.º 08B3994 —, de 28 de Maio de 2009 — processo n.º 160/09.5YFLSB —, de 3 de Maio de 2011 — processo n.º 2618/08.06TBOVR.P1 —, de 15 de Novembro de 2011 — processo n.º 6472/06.2TBSTB.E1.S1 —, de 23 de Novembro de 2011 — processo n.º 397-B/1998.L1.S1 —, de 11 de Dezembro de 2012 — processo n.º 549/05.9TBCBR-A.C1.S1 —, de 22 de Janeiro de 2013 — processo n.º 3313/09.2TBOER.L1.S1 —, de 29 de Maio de 2014 — processo n.º 130/09.3TBCBC.G1.S1 —, de 20 de Abril de 2015 — processo n.º 353/08.2TBVPA.P1.S1 —, de 9 de Julho de 2015 — processo n.º 13804/12.2T2SNT.L1.S1 —, de 14 de Julho de 2016 — processo n.º 3102/12.7TBVCT.G1.S1 —, de 29 de Junho de 2017 — processo n.º 4081/14.1TCLRS.L1.S1 —, de 13 de Julho de 2017 — processo n.º 188/14.3T8PBL.C1.S1 —, de 5 de Julho de 2018 — processo n.º 176/13.7T2AVR.P1.S1 —, de 12 de Julho de 2018 — processo n.º 2875/10.6TBPVZ.P1.S1 —, de 25 de Setembro de 2018 — processo n.º 2172/14.8TBBRG.G1.S1 —, ou de 27 de Novembro de 2018 — processo n.º 78/13.7PVPRT.P2.S1.

[39] Expressão do acórdão do STJ de 6 de Maio de 2008 — processo n.º 08A1279.

[40] Cf acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 2010 — processo n.º 3515/03.5TBALM.L1.S1 —: “[a] fixação de uma indemnização segundo critérios de equidade tem de ser factualmente justificada”

[41] Expressão do acórdão do STJ de 6 de Maio de 2008 — processo n.º 08A1279.

[42] Cf. Maria Gabriela Páris Fernandes, anotação ao art. 496.º, in: Luís A. Carvalho Fernandes / José Carlos Brandão Proença, Comentário ao Código Civil — Direito das obrigações. Das obrigações em geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2019, págs. 349-364 (esp. nas págs. 359-360, sobre a distinção entre meras contrariedades, meros incómodos, e as angústias, contrariedades e desgostos significativos).

[43] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 2018, no processo n.º 661/16.9T8BRG.G1.S1.

[44] Está em causa o “arbitramento de uma quantia monetária, cujo montante resulta da ponderação de critérios de equidade e que toma em conta, tanto a gravidade objectiva dos factos geradores do dano e do dano em si, como os contornos subjectivos desse mesmo dano” — cf. Mário Tavares Mendes / Joaquim de Sousa Ribeiro / Jorge Ferreira Sinde Monteiro, “Relatório do Conselho constituído para fixação dos critérios das indemnizações por morte das vítimas dos incêndios em Portugal, nos meses de junho e outubro de 2017”, in: Diário da República, 2.ª série, de 30 de Novembro de 2017 — págs. 27202(4) a 27202 (7) = In: Revista da Faculdade de Direito e de Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, n.º 10 (2017), págs. 135-147.

[45] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Janeiro de 2019, no processo n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1.

[46] Sobre a compensação dos danos não patrimoniais, vide Maria Manuel Veloso Gomes, “Danos não patrimoniais”, in: Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma Manuel Carneiro da Frada, “Nos 40 anos do Código Civil português. Tutela da personalidade e dano existencial”, in: Themis — Edição especial: Código Civil português: Evolução e perspectivas de reforma, 2008, págs. 47-68 = in: Forjar o direito, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 289-313; Rui Soares Pereira, A responsabilidade por danos não patrimoniais do incumprimento das obrigações no direito civil português, Coimbra Editora, Coimbra, 2009; João Mendonça Pires da Rosa, “Cálculo da indemnização pelos danos não patrimoniais”, in: Centro de Estudos Judiciários, O dano na responsabilidade civil, Outubro de 2014, págs. 45-62; e Rute Teixeira Pedro, “Da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no direito português: A emergência de uma nova expressão compensatória da pessoa — Reflexão por ocasião do quinquagésimo aniversário do Código Civil”, in: Estudos comemorativos dos 20 anos da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 637-665.

[47] Vide, por último, os acórdãos do STJ de 8 de Janeiro de 2019 — processo n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1 — e de 19 de Junho de 2019 — processo n.º 80/11.3TBMNC.G2.S1