Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOSÉ PIEDADE | ||
Descritores: | EXTRADIÇÃO REQUISITOS RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO RECUSA OBRIGATÓRIA DE EXECUÇÃO COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL CUMPRIMENTO DE PENA PENA DE PRISÃO IMPROCEDÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 02/27/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | EXTRADIÇÃO/M.D.E./RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I — O dever de boa-fé processual, previsto no art.º 8 do Código de Processo Civil, também tem aplicação nos Processos de natureza Penal, como decorre do art.º 4 do CPP (este princípio da boa-fé, aplica-se, aliás, a todos os ramos do Direito), o que abrange a não deturpação da marcha processual dos autos; II — As genericamente invocadas, e não demonstradas, condições das prisões Brasileiras — argumentação repetida “ad nauseam usque”, em numerosos casos semelhantes — não constituem causa de inadmissibilidade ou recusa facultativa da extradição, como resulta do regime da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP que contem uma enumeração taxativa dessas causas (não havendo lugar à aplicação subsidiária da lei 144/99 de 31/08, dado que se trata de matéria expressamente regulada na Convenção). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, os Juízes desta 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça No Tribunal da Relação de Lisboa, ...º Secção, Processo de Extradição supra-referido, em que é requerido AA, foi proferido Acórdão com o seguinte dispositivo: “Mostrando-se preenchidos os pressupostos legais do presente pedido de extradição, defere-se a sua execução e determina-se que se proceda à entrega de AA às autoridades judiciárias da República Federal do Brasil, para os efeitos pretendidos (cumprimento da pena de prisão em que foi condenado)”. * Em sua representação, foi interposto recurso para este Tribunal desta decisão, com o seguinte teor (na parte que interessa): «I. Objeto e Delimitação Do Recurso O presente recurso tem como objeto a matéria de facto e de direito objeto de Acórdão proferido nos presentes autos, o qual julgou autorizou a extradição de AA, para a República Federativa do Brasil. III. Da Decisão Combatida 5. É mister salientar que não se transcreverá na íntegra o d. Acórdão combatido, em observância ao princípio da economia processual, assim como por razões de consciência ecológica e sustentabilidade. (…) IV. Do cerceamento De Defesa – Preliminar – Anulação Do Julgamento 7. Preliminarmente, antes de adentrarmos aos fatos e fundamentos jurídicos do recurso, é necessário trazer à baila o cerceamento de defesa ocorrido na fase de julgamento do processo de extradição 8. O recorrente requereu diligências e arrolou testemunhas que queria ouvir – seja em sede de julgamento, seja por declarações – quais sejam: “e) Sejam oficiados o Exmo. Sr. Presidente da República e os Srs. Dr.s Ministros da República Federativa do Brasil indicados a seguir, para se manifestarem acerca do sistema carcerário brasileiro e da ADPF n.º 347: g.I) Exmo. Sr. Dr. BB, Min. Da Justiça da República Federativa do Brasil, Esplanada ..., ..., ... Brasil. g.II) Exmo. Sr. Min CC, Min. e presidente do STF da República Federativa do Brasil, Palácio do Supremo Tribunal Federal, Praça ... - ..., ..., Brasil, ...; g.III) Exmo. Sr. Min. DD, Ex-Min. do STF da República Federativa do Brasil, Palácio do Supremo Tribunal Federal, Praça ... - ..., ..., Brasil, ...; g.IV) Exmo. Sr. Min. EE, Min. do STF da República Federativa do Brasil, Palácio do Supremo Tribunal Federal, Praça ... - ..., ..., Brasil. g.V) Exmo. Sr. Min. FF, Min. dos Direitos Humanos e Cidadania, Esplanada ..., ..., ... Brasil, ...; g.VI) Exmo. Sr. Pres. GG, Presidente da República do Brasil, Palácio da ... - ..., ..., Brasil. 9. Entretanto, tal requerimento não foi objeto de decisão, nem para indeferir, nem para deferir. 10. Não existem razões, nem se consegue compreender a razão pela qual não tenha o d. Magistrado se posicionado sobre o requerimento, sendo que tais diligências eram essenciais para dirimir as questões e dúvidas que norteavam a violação dos direitos humanos constatada pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil. 11. A defesa constituída só consegue imaginar uma única razão, qual seja: a falta de prazo para cumprir as diligências, produzir as provas requeridas e designar uma audiência de julgamento para ouvir as testemunhas, uma vez que já se esgotavam os 65 (sessenta e cinco) dias de detenção provisória do recorrente, razão pela qual teria que ser posto em liberdade, nos termos do art. 52.º, n.º 1 da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto. 12. Isto posto, em razão do cerceamento de defesa, requer seja o julgamento anulado para que sejam realizadas as diligências e produzidas as provas requeridas, e então seja submetido o recorrente a novo julgamento. 13. Mais, em razão do excesso de prazo de detenção (mais de 65 dias), requer seja o recorrente restituído à liberdade imediatamente, nos termos do art. 52.º, n.º 1 da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto. V. Dos fatos e fundamentos jurídicos do recurso – recusa de extradição – Violação de direitos humanos 14. Conforme narrou o recorrente em sua Oposição, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal do Brasil, em julgamento ocorrido no mês de outubro passado, precisamente no dia 04.10.2023, em decisão unânime na ADPF1 n.º 347, reconheceu a existência de um cenário de violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro, em que são negados aos presos, por exemplo, os direitos à integridade física, alimentação, higiene, saúde, estudo e trabalho. Ainda, foi estabelecido que a atual situação das prisões compromete a capacidade do sistema de cumprir os fins de garantir a segurança pública e ressocializar os presos. 15. Isto posto, soa estreme de dúvidas que na hipótese de extradição do ora extraditando para o cumprimento de pena em regime fechado no sistema carcerário brasileiro, a justiça brasileira admitirá a imposição de um estado de coisa inconstitucional a um nacional nato, quando se há a opção de mantê-lo no país desenvolvido e com grande qualidade social onde hoje reside legalmente com sua família, em um contexto de vida próspera. 16. Com base no art. art. 3°, 1, do Tratado de Extradição firmado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Portuguesa, de 07 de maio de 1991, quando se puder considerar que a pessoa será sujeita a processo que não ofereça garantias de um procedimento criminal que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguardados direitos humanos ou cumprirá a pena em condições desumanas, não deverá ser efetuada a extradição. 17. Pese embora seja uma decisão recente, é uma decisão válida e vigente, cuja qual deveria e deve produzir os seus efeitos no Brasil e no exterior (nacionais e internacionais). 18. O d. Acórdão combatido baseou-se em decisões antigas para fundamentar a alegação de que “o Brasil é um estado democrático, assente em princípios fundamentais como a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a separação de poderes”. Ou seja, muito anterior à recente decisão proferida na ADPF n.º 347 (04.10.2023). 19. Têm razão os magistrados do Tribunal da Relação quando dizem que a decisão proferida na ADPF n.º 347 é muito recente, mas não é por causa disso que deve ser ignorada. 20. Muito pelo contrário, é uma decisão de extrema importância no cenário nacional daquele país e internacional, em virtude das convenções que faz parte. 1 ADPF: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 21. Excelências, foi declarado pelo órgão máximo daquele país que o seu sistema prisional viola massivamente os direitos humanos! Isso não pode ser ignorado, sob pena de estarmos sendo coniventes com a violação dos direitos humanos. 22. Neste sentido, dispõe o art. 2.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU) que: “Artigo 2.º Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.” 23. Ainda, reza o art. 5º do mesmo diploma internacional que: “Artigo 5.º Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.” 24. Na mesma linha de raciocínio, temos o art. 7.º do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, in verbis: “ARTIGO7.º Ninguém será submetido à tortura nem a pena ou a tratamentos cruéis, inumanos ou degradantes. Em particular, é interdito submeter uma pessoa a uma experiência médica ou científica sem o seu livre consentimento.” 25. E o art. 10.º, n.ºs 1 e 3 do mesmo Pacto dispõe que: “ARTIGO10.º 1 - Todos os indivíduos privados da sua liberdade devem ser tratados com humanidade e com respeito da dignidade inerente à pessoa humana. [...] 3 - O regime penitenciário comportará tratamento dos reclusos cujo fim essencial é a sua emenda e a sua recuperação social. Delinquentes jovens serão separados dos adultos e submetidos a um regime apropriado à sua idade e ao seu estatuto legal.” 26. Também é essa a garantia da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em seu art. 16.º, n.º 1, senão vejamos “ARTIGO16.º 1 - Os Estados partes comprometem-se a proibir, em todo o território sob a sua jurisdição, quaisquer outros actos que constituam penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e não sejam actos de tortura, tal como é definida no artigo 1.º, sempre que tais actos sejam cometidos por um agente público ou qualquer outra pessoa agindo a título oficial, a sua instigação ou como seu consentimento expresso ou tácito. Nomeadamente, as obrigações previstas nos artigos 10.º, 11.º, 12.º e 13.º deverão ser aplicadas substituindo a referência a tortura pela referência a outras formas de penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.” 27. Quando o extraditando disse e deixou claro que não pretende se esquivar da sua responsabilidade, sendo que sempre ficou à disposição do judiciário brasileiro e português para cumprir a pena que foi condenado em território lusitano, não era para fundamentar um pedido de transferência de execução da pena para Portugal, mas sim para demonstrar a sua boa-fé e intenção de cumprir a pena que foi condenado, frisando, tão somente, que não pretende cumprir no Brasil em virtude da violação dos direitos humanos, que não pode ser ignorada! 28. O d. Acórdão combatido trouxe em sua fundamentação que as normas da Convenção CPLP são aplicáveis primacialmente, pois as da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, só o serão em caso de falta ou insuficiência daquelas e, ao mesmo tempo, continuou por dizer que “de qualquer modo, da Convenção CPLP também não consta a admissibilidade de recusa da extradição com motivo nas alegadas más condições do sistema prisional do Estado emissor do pedido de cooperação”. 29. Ora, se na Convenção CPLP não consta a admissibilidade de recusa da extradição com motivo nas alegadas más condições do sistema Prisional do Estado emissor do pedido de cooperação, observa- se, portanto, que estamos diante de uma lacuna, cuja qual nos remete à aplicação da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto. 30. Por essa razão estamos diante de uma contradição no próprio Acórdão combatido. 31. No presente caso é plenamente aplicável a Lei n.º 144/99 de 31 de agosto, uma vez que insuficientes as normas da Convenção CPLP com relação à matéria, 32. Ainda assim, a Convenção CPLP traz em seu art. 3.º, n.º 1, alínea 2) que: “1 - O Estado requerido pode recusar o auxílio quando considere: [...] e) Que o cumprimento do pedido ofende a sua segurança, a sua ordem pública ou outros princípios fundamentais.” 33. Pode dizer-se que os direitos humanos (e na sua raiz, os direitos fundamentais) são aqueles direitos e liberdades que as pessoas detêm pelo simples facto de serem dotadas de caráter humano, possuindo uma natureza essencial para garantir a existência do indivíduo. Para além disso, considera-se que tanto os direitos fundamentais como os direitos humanos estão intimamente ligados a uma visão de igualdade e de liberdade dos indivíduos. Esta conceitualização enraíza-se na tese jusnaturalista 34. Por tudo que foi exposto, se opõe veementemente à sua extradição, uma vez que se for transferido para o Brasil, não terá condições de ser ressocializado, sendo certo que será submetido a tratamentos desumanos e situações degradantes que nem o pior dos criminosos merece, quiçá o próprio recorrente. VI. Dos Pedidos E Requerimentos 35. Por tudo que foi exposto, requer: a) Seja acolhida a preliminar suscitada, para anular o d. Acórdão por cerceamento de defesa, determinando que sejam efetuadas as diligências e produzidas as provas requeridas pelo recorrente em sede de Oposição, para que então seja submetido a novo julgamento, bem como seja imediatamente restituído à liberdade se ocorrer excesso de prazo, nos termos do art. 52.º, n.º 1 da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto; b) Não sendo acolhida a preliminar, seja o presente recurso recebido e processado, para ao final ser julgado totalmente procedente, reformando, assim, a decisão proferida pelo E. Tribunal da Relação de Lisboa, recusar a extradição do recorrente pela comprovada violação dos direitos humanos pelo Estado requerente, com fulcro nos art.ºs 3.º, n.º 1, alínea e) da Convenção CPLP e do art.º 18.º, n.º 2 da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto. c) Provar o alegado porto dos meios em direito admitidos, especialmente a junção de documentos; » * No Acórdão de que se pretende recorrer, foram considerados, em síntese, os seguintes factos e circunstâncias processuais: — A extradição do AA, de nacionalidade Brasileira, foi pelo Ministério Público requerida ao abrigo da Convenção de Extradição entre Estados membros da CPLP e da Lei nº 144/99, de 31/08. — Pela Ministra da Justiça, foi emitido despacho, declarando admissível o pedido de extradição do requerido apresentado pela República Federativa do Brasil; — o requerido encontra-se condenado por Sentença de 14/04/16, da ...ª Vara Criminal da Comarca de São José/Santa Catarina, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes e associação para tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos “art.º 35 e 33, ambos da Lei com o n.º 11.343/06” (do Brasil), na pena de prisão de 10 anos, 10 meses e 20 dias, que tem para cumprir (sendo que o prazo de prescrição da pena aplicada só ocorrerá em 9 de Março de 2038); — o requerido encontra-se, também, condenado por Sentença de 19/08/2022 da ...ª Vara Federal de Florianópolis por crime de Tráfico Internacional de Estupefacientes, de p. e p. pelos art.º 35 e 33, da Lei com o n.º 11.343/06 (do Brasil), na pena de prisão de 13 anos, 1 mês e 26 dias, que tem para cumprir, (sendo que o prazo de prescrição da pena aplicada só ocorrerá em 07/02/2042); — em consequências destas condenações, foram emitidos em ambos os Tribunais Brasileiros, mandados de detenção; — O requerido foi detido em 12/11/2024, e não consentiu na sua entrega à República Federativa do Brasil; — O Estado requerente prestou as seguintes garantias relevantes para o presente processo: a. Não submeter o extraditando a prisão ou processo por facto anterior ao pedido de extradição; b. Computar o tempo de prisão que, no Estado requerido, foi imposta por força da extradição; c. Não considerar qualquer motivo político para agravar a pena; d. Não entregar o extraditando, sem o consentimento do Estado requerido, a outro Estado que o reclame; e. Não submeter o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes; — o AA está em Portugal — para onde veio devido às condenações a que estava sujeito no Brasil — desde Junho de 2022, vivendo com a sua companheira e um filho; — não tem autorização de residência em Portugal. * Em matéria de Direito foi considerado, em síntese, que sendo o requerido de nacionalidade Brasileira é aplicável a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), publicada no DR 1º Série, n.º 178, de 15/09/2008. Subsidiariamente, isto é, em tudo o que não estiver regulado na Convenção, é aplicável a Lei n.º 144/99, de 31/08, que aprovou a Lei de Cooperação Judiciária em Matéria Penal (cfr. art.º 3, n.º 1). São em seguida transcritos os artigos da Convenção relevantes: “Artigo 2º Factos determinantes da extradição: 1 - Dão causa à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano. 2 - Se a extradição for requerida para o cumprimento de uma pena privativa da liberdade exige-se, ainda, que a parte da pena por cumprir não seja inferior a seis meses. 3 - Se a extradição requerida por um dos Estados Contratantes se referir a diversos crimes, respeitado o princípio da dupla incriminação para cada um deles, basta que apenas um satisfaça as exigências previstas no presente artigo para que a extradição possa ser concedida, inclusive com respeito a todos eles. Artigo 3.º Inadmissibilidade de extradição 1 - Não haverá lugar a extradição nos seguintes casos: a) Quando se tratar de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física; b) Quando se tratar de crime que o Estada requerida considere ser político ou com ele conexo. A mera alegação de um fim ou motivo político não implicará que o crime deva necessariamente ser qualificado como tal; c) Quando se tratar de crime militar que não constitua simultaneamente uma infracção de direito comum; d) Quando a pessoa reclamada tiver sido definitivamente julgada, indultada, beneficiada por amnistia ou objecto de perdão no Estada requerida com respeito ao facto ou aos factos que fundamentam o pedido de extradição; e) Quando a pessoa reclamada tiver sido condenada ou dever ser julgada no Estado requerente por um tribunal de excepção; f) Quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estada requerida. 2 - Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 não se consideram crimes de natureza política ou com eles conexos: a) Os crimes contra a vida de titulares de órgãos de soberania ou de altos cargos públicos ou de pessoas a quem for devida especial protecção segundo o direito internacional; b) Os actos de pirataria aérea e marítima; c) Os actos a que seja retirada natureza de infracção política por convenções internacionais de que seja parte o Estada requerida; d) O genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949; e) Os actos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10/12/1984.” Perante os factos e circunstâncias processuais fixadas, consideram-se reunidos os pressupostos positivos da extradição, não se verificando, por outro lado, quaisquer das circunstâncias negativas que a impediriam. São, em seguida, abordados os fundamentos da oposição do extraditando, considerando-se que “a alegada estabilidade familiar” do requerido no País não é fundamento impeditivo da extradição. Quanto aos invocados “perigos que para si representa o cumprimento da pena de prisão no seu país de origem”, ou “perigo atentas as condições do sistema prisional brasileiro”, começa-se por sublinhar que a situação de extradição a que se encontra sujeito foi por aquele criada, ao ter praticado os factos criminosos pelos quais foi condenado no Brasil, e ter vindo para Portugal para fugir às “responsabilidades criminais”. Em seguida, após se referirem algumas decisões deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de ter de prevalecer o princípio da confiança mútua entre os dois Estados, é destacado constar do pedido de extradição “que o Estado brasileiro prestou garantias relativas ao respeito pelos direitos humanos, designadamente de não submeter o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes”, concluindo-se que em nome do referido princípio, não há motivo para, por esses alegados motivos, recusar o pedido de extradição. Conclui-se mostrarem-se “cumpridos todos os trâmites processuais de que depende o deferimento da medida solicitada e estão dadas as garantias judiciais formais de acordo com os termos da Convenção, pelo que não há fundamento que obste ao cumprimento da obrigação de extradição a que Portugal está assim sujeito, pelo que é de deferir tal pedido”. * * Em resposta ao recurso, o Ministério Público defendeu a sua total improcedência, e a confirmação da decisão de extradição, escrevendo nomeadamente: “— No douto despacho judicial lavrado em 09.01.2025 sob a referência ...49foi tomada posição sobre tudo o que o requerido formulou em sede de oposição, pelo que o recorrente não tem razão quando afirma que houve “cerceamento de defesa”. — No nosso entendimento, mesmo que não tivesse sido tomada posição sobre esta concreta questão levantada pelo recorrente, nenhuma consequência processual poderia ser extraída, dado não ser razoável o solicitado, v.g. oficiar ao Sr. Presidente da República do Brasil; ao Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal brasileiro, etc. — Não ocorreu excesso de prazo de detenção, nos termos demonstrados na contagem efetuada no corpo desta resposta ao recurso (cujos critérios de interpretação legal ora requeremos, respeitosamente, sejam declarados por esse Alto Tribunal) — O requerido não tem conexão de relevo com Portugal, não tem autorização de residência e “veio para Portugal com o intuito de fugir às suas responsabilidades criminais no Brasil”. — Em nenhum caso, seja para a execução da pena seja para a extradição, as condições materiais em que fica o condenado ou a sua família são razões para não se executar a pena. — Deve também improceder a oposição deduzida no que respeita à alegada violação dos direitos humanos operada no sistema prisional brasileiro, e aqui remetemos para o corpo da resposta ao recurso e para a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça ali invocada e bem assim para o conteúdo do douto acórdão do TRL. — Defendemos, pois, que decisão recorrida não merece censura, deve ser mantida e confirmada nos seus precisos termos.” * * Colhidos os vistos, e efectuada a Conferência, cumpre apreciar e decidir. * * Em resumo, depara-se-nos a seguinte situação: O aqui extraditando AA de nacionalidade Brasileira, está condenado no Brasil, por “tráfico de estupefacientes” e “tráfico Internacional de estupefacientes”, tendo para cumprir uma pena de 10 anos,10 meses e 20 dias de prisão e outra de 13 anos, 1 mês e 26 dias de prisão. Fugiu para Portugal, onde se encontra desde Junho de 2022, sem autorização de residência, vivendo com a companheira e um filho. Ao abrigo da Convenção de Extradição entre Estados Membros da CPLP e da Lei n.º 144/99 de 31/08, pela República Federativa do Brasil foi pedida a sua extradição. Pelo Tribunal da Relação de Lisboa foi deferida a execução do pedido de extradição e determinada a entrega do extraditando às autoridades Judiciárias do Brasil. * No transcrito requerimento de recurso, após sob a epígrafe «Da Decisão Combatida» (sic), se transcrever de partes da decisão, invoca-se: — « cerceamento De Defesa – Preliminar – Anulação Do Julgamento»; — Pede-se a «recusa de extradição – Violação de direitos humanos». * Apreciando, na medida do necessário: Sob o mencionado título, «Do cerceamento De Defesa – Preliminar – Anulação Do Julgamento», alega-se que foram «requeridas diligências e arroladas testemunhas», não sendo tal requerimento objecto de decisão, e que essas diligências eram essenciais. Mais ainda se escreve que só se «consegue imaginar uma única razão, qual seja: a falta de prazo para cumprir as diligências, produzir as provas requeridas e designar uma audiência de julgamento para ouvir as testemunhas, uma vez que já se esgotavam os 65 dias de detenção provisória do recorrente». Com base nisso, requer-se que «seja o julgamento anulado para que sejam realizadas as diligências e produzidas as provas requeridas», e «em razão do excesso de prazo de detenção (mais de 65 dias), requer seja o recorrente restituído à liberdade imediatamente». Vejamos: O aludido requerimento foi objecto de decisão, não sendo verdade o alegado. Em despacho prévio à Conferência, foi considerado que a produção de prova no processo desta espécie apenas pode respeitar à verificação (ou não) dos pressupostos da extradição, “os quais se relacionam com a medida da pena a cumprir, com os motivos de inadmissibilidade (recusa obrigatória) de extradição ou com os motivos de recusa facultativa de extradição”. E a esse respeito considerou-se que todos os factos relevantes para a decisão se mostravam documentados nos autos, não se procedendo “à produção de prova requerida” por manifesta desnecessidade. Perante esta ostensiva deturpação da marcha processual nos autos, mostra-se adequado relembrar que o dever de boa-fé processual, previsto no art.º 8 do Código de Processo Civil, também tem aplicação nos Processos de natureza Penal, como decorre do art.º 4 do CPP (este princípio da boa-fé, aplica-se, aliás, a todos os ramos do Direito). Acrescente-se que, ainda que tal apreciação não tivesse ocorrido, isso não daria lugar a qualquer “anulação”, dado que nesta matéria vigora o princípio da tipicidade (ou da legalidade), em norma alguma se encontrando prevista essa situação como integrante de nulidade (como é evidente, no requerimento nenhuma norma é citada a esse respeito). Por último refira-se que as pretensões de se “oficiar” ao Presidente da República do Brasil e ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, se mostram por completo absurdas e descabidas. * Depois, sob a epígrafe «Dos factos e fundamentos jurídicos do recurso – recusa de extradição – Violação de direitos humanos», alude-se a uma decisão da Justiça Brasileira, produzindo-se esta asserção: «soa estreme de dúvidas que na hipótese de extradição do ora extraditando para o cumprimento de pena em regime fechado no sistema carcerário brasileiro, a justiça brasileira admitirá a imposição de um estado de coisa inconstitucional a um nacional nato, quando se há a opção de mantê-lo no país desenvolvido e com grande qualidade social onde hoje reside legalmente com sua família, em um contexto de vida próspera». (sic) Afirma-se depois, referindo-se à decisão da Justiça Brasileira que «pese embora seja uma decisão recente, é uma decisão válida e vigente, cuja qual deveria e deve produzir os seus efeitos no Brasil e no exterior (nacionais e internacionais)». Pretende concluir-se que, se o extraditando «for transferido para o Brasil, não terá condições de ser ressocializado, sendo certo que será submetido a tratamentos desumanos e situações degradantes que nem o pior dos criminosos merece, quiçá o próprio recorrente». (sic) * Tal como consta do respectivo Preâmbulo, a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) visa incrementar a cooperação Judiciária Internacional em matéria Penal, de que é instrumento fundamental a extradição, simplificando-a e agilizando-a com o propósito de combater de forma eficaz a criminalidade. No caso, e, tal como consta da decisão proferida, verifica-se circunstância fáctica determinante da extradição, prevista no art.º 2º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Por outro lado, não se verifica qualquer das circunstâncias previstas no art.º 3º da referida Convenção, que constitua causa de inadmissibilidade da extradição, ou causa de recusa facultativa dessa extradição prevista no seu art.º 4º. Assim sendo, o Estado contratante requerido tem a obrigação de executar a extradição pedida pelo Estado contratante requerente. Ignorando-se, por completo, este regimento da Convenção, e não se atentando devidamente na fundamentação da decisão recorrida, desvia-se o recurso no seu argumentário para a órbitra opinativa sobre as condições das prisões no Brasil, produzindo-se afirmações desprimorosas, e não demonstradas, quanto ao Estado requerente do pedido de extradição (se “for transferido para o Brasil, não terá condições de ser ressocializado, sendo certo que será submetido a tratamentos desumanos e situações degradantes”). Esta constitui, ao que parece, uma argumentação repetida “ad nauseam usque”, em numerosos casos semelhantes, como o assinala o próprio M.º P.º na sua resposta. A este respeito veja-se, por todos, o Acórdão deste Tribunal de 07/12/2023 (publicado em www.dgsi.pt), em que se cita uma decisão de 2013 (Ac. do STJ de 30/10/2013, Proc. n.º 86/13.8YREVR.S1), onde tal argumentação já era apreciada: “à Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, tal como ocorre relativamente ao Regime Jurídico do Mandado de Detenção Europeu, encontra-se subjacente a ideia de cooperação judiciária internacional em matéria penal, tendo em vista o combate célere e eficaz da criminalidade, na base da confiança recíproca entre os Estados contratantes e do reconhecimento mútuo, princípios através dos quais se garante que as decisões judiciais de qualquer um dos Estados serão respeitadas e tomadas em consideração por todos os outros Estados nos precisos termos em que foram proferidas (…) não prevendo a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa a possibilidade de denegação ou de recusa da extradição com os fundamentos invocados pelo recorrente – deficiente funcionamento da justiça e do sistema prisional do Estado brasileiro”. As genericamente invocadas, e não demonstradas, condições das prisões Brasileiras, não constituem causa de inadmissibilidade ou recusa facultativa da extradição, como resulta do acima exposto quanto às normas Convencionais que contêm uma enumeração taxativa dessas causas (não havendo lugar à aplicação subsidiária da lei 144/99 de 31/08, dado que se trata de matéria expressamente regulada na Convenção). Ao Estado requerido apenas incumbe verificar da inexistência dessas causas, e, dar execução ao pedido, tal como se encontra obrigado pela Convenção celebrada. Igualmente a situação familiar do extraditando em Portugal — que ao contrário do afirmado, aqui não «reside legalmente» — não constitui motivo para recusar a extradição, como referido no Acórdão deste Tribunal de 07/12/2023: “ em nenhum caso, seja para a execução da pena ou para o procedimento criminal, as condições materiais em que fica o extraditado ou a sua família são razões para não se aceitar o pedido de extradição”. Em conclusão, não é indicado no recurso qualquer fundamento legal para a não execução da ordenada extradição. Têm nenhum cabimento legal as pretensões (sob a epígrafe « dos pedidos e requerimentos ») formuladas no final do recurso. É evidente a falta de fundamentação válida do mesmo. * * * Nos termos relatados, decide-se julgar improcedente o recurso interposto em representação do AA, mantendo-se a decisão de extradição. * Custas pelo recorrente, fixando-se a Taxa de Justiça devida em 8 UC’s. * Comunique-se, de imediato, a decisão ao Tribunal da Relação de Lisboa, tendo em conta o disposto no art.º 52 da Lei 144/99 de 31/08. * Lisboa, 27/02/2025 José Piedade (Relator) Ana Costa Paramés Jorge Miranda Jacob Helena Moniz (Presidente da Secção) |