Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO GONÇALVES | ||
Descritores: | RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PRESSUPOSTOS OPOSIÇÃO DE JULGADOS IDENTIDADE DE FACTOS PLURALIDADE DE QUESTÕES DE DIREITO PLURALIDADE DE ACÓRDÃOS FUNDAMENTO REJEIÇÃO DE RECURSO INADMISSIBILIDADE | ||
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Data do Acordão: | 03/24/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
Decisão: | REJEITADO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência não se destina a verificar se o acórdão recorrido violou o precedente judiciário que o recorrente pretende, na realidade, que se atribua ao acórdão fundamento. No nosso sistema, o julgado no acórdão fundamento não é a stare decisis que teria de ser seguida no acórdão recorrido. II - A finalidade da uniformização da jurisprudência não é prioritariamente dirigida à justiça do caso concreto, mas sim ao objetivo latitudinário de evitar a propagação do erro de direito judiciário pela ordem jurídica. III - Trata-se de um recurso de carácter normativo destinado a fixar critérios para a interpretação e aplicação uniformes do direito pelos tribunais com a finalidade de garantir a unidade do ordenamento penal e, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei. IV - Não é admissível, no mesmo recurso extraordinário, cumular questões de direito a uniformizar, nem indicar mais que um acórdão fundamento. V - Se o recorrente pudesse, no mesmo recurso, requerer a fixação de jurisprudência sobre as múltiplas questões de direito que tivessem sido decididas no acórdão impugnado na tentativa de que alguma pudesse ter êxito e, assim, obter a revisão do julgado, ficaria subvertida a lógica deste recurso extraordinário, fazendo prevalecer o interesse pessoal do recorrente, em detrimento da eficácia externa que acabaria remetida a plano secundário. VI - O vertente recurso extraordinário tem de rejeitar-se porque nele se requer a fixação de jurisprudência sobre três questões de direito, com a invocação de dois acórdãos fundamentos. | ||
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Decisão Texto Integral: | O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em conferência, acorda: A - RELATÓRIO: No processo 1079/15.6T9FNC apensado aos autos em epigrafe, - constituindo o apenso A -, foi instaurado procedimento criminal, entre outros, também contra o arguido, aqui recorrente: - AA, de 41 anos e os demais sinais dos autos, pela prática, em autoria material e na forma continuada, de 1 (um) crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos arts.107º, nº 1 e 30º do Cód. Penal, em conjugação com o art. 105º, nºs 1, 4 e 7 do RGIT, foi o mesmo notificado pessoalmente “nos termos e para os efeitos do disposto na al. b) do nº 4 do art.º 105º do RGIT, com a indicação do capital que estava em dívida na investigação – indicando-se concretamente o valor de 17.551,61 € a que deveriam acrescer os respectivos juros de mora a vencer até integral cumprimento e o pagamento da coima aplicável (cfr. fls. 252)” – apud. acórdão recorrido. Não tendo os arguidos –entre eles o aqui recorrente - , no prazo concedido – 30 dias - (ou em qualquer altura) efetuado o pagamento das prestações retidas aos trabalhadores e comunicadas à segurança social, mas que não foram entregues, acrescido dos juros de mora e o pagamento da coima, o Ministério Publico deduziu acusação, fazendo constar da acusação essa notificação e a sua inobservância. Requerida instrução foi o arguido pronunciado pelo crime acima referido. Na fase de julgamento “requereu que fosse repetida de imediato a notificação, nos termos da al. b) do nº 4 do art.º 105º do RGIT” –apud. acórdão recorrido. O Tribunal de 1ª instância, por despacho de 16.10.2018, indeferiu a pretensão do arguido porque “a notificação em crise contém a indicação concreta do capital alegadamente em dívida – de 17.551,61 euros – ao qual deveriam acrescer os respectivos juros de mora a vencer até integral pagamento” –cfr acórdão recorrido. Inconformado com indeferimento, o arguido interpôs recurso interlocutório. Realizado julgamento foi o arguido, aqui recorrente, por acórdão do Tribunal coletivo datado de 31.01.2019, condenado, “pela prática, em autoria material e na forma continuada, de 1 (um) crime de Abuso de Confiança à Segurança Social, p. e p. pelos arts. 107º, nº 1, 30º, nº 2 do Cód. Penal, em conjugação com o art. 105º, nºs 1, 4 e 7 do RGIT – Apenso A – na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano na condição de, neste prazo, proceder ao pagamento à Segurança Social da quantia de € 17.551,61 (dezassete mil quinhentos e cinquenta e um mil euros e sessenta e um cêntimos) e legais acréscimos”. Impugnou a decisão condenatória, recorrendo para a 2ª instância. O Tribunal da Relação de Lisboa por acórdão de 29.04.2020, negou provimento aos recursos do arguido AA. O recorrente argui nulidades que atribuía ao acórdão confirmatório. O Tribunal recorrido, por acórdão de 23/09/2020, indeferiu as arguidas nulidades.
1. o recurso extraordinário: O arguido, renitente, insurgindo-se contra o julgado naquele acórdão da Relação de Lisboa, convocando o disposto nos artigos 437.º, n.º 2 do CPP, interpôs, em 2/11/2020, o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência. Alega que a solução aí adotada, “na parte respeitante ao recurso interlocutório”, sobre as “questões fundamentais de direito” que sumaria do seguinte modo: a) à interpretação e aplicação da alínea b) do nº 4. do artº 105º do RGIT, e aos termos de que deve revestir a notificação do arguido ali prevista; b) sobre a possibilidade de eventuais deficiências ou insuficiências daquela notificação, enquanto irregularidades poderem, ou mesmo deverem ser, a requerimento, ou oficiosamente supridas – artº 123º, nºs 1. e 2. do CPPenal; c) das consequências quanto à procedência ou improcedência da acusação, ou seja, da condenação ou não, dos arguidos, no caso de não ter havido lugar, antes da sentença final ou do julgamento, ao suprimento da falta ou das deficiências, insuficiências ou irregularidades da notificação a que se refere a alínea b) do nº 4., do artº 105º do RGIT. está em oposição com a solução de direito que, para as mesmas questões, foi preconizada no acórdão da Relação do Porto de 11-03-2009, relativamente às duas primeiramente indicadas e no acórdão do Relação de Lisboa, de 24-04-2018, quanto à última. O recorrente não juntou cópia dos acórdãos fundamento, nem certifica o respetivo trânsito em julgado. No entanto, do primeiramente nomeado, porque identifica o processo onde foi tirado e a página oficial onde está publicado (processo 0847944, www.dgsi.pt/jtrp.nsf), presume-se que é firme e aí se acedeu ao respetivo texto para leitura e comparação com o recorrido. Não identifica o processo onde foi tirado o acórdão mencionado em segundo lugar como fundamento. Todavia, indicou estar publicado no site oficial da dgsi. Onde se procurou, encontrou e consultou. Fundamenta o pedido de resolução dos alegados dissídios, reclamando a fixação de jurisprudência no sentido preconizado nos acórdãos fundamento. Resume a extensa motivação de recurso nas seguintes conclusões: 1. No presente caso ocorre oposição de julgados, entre o acórdão recorrido e os acórdãos Fundamento, relativamente a três questões fundamentais de direito, devidamente identificadas e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas. 2. Tais questões derivam da notificação a que se refere a alínea b) do nº 4, do artº 105º do RGIT, aos termos em que a mesma deve ser efetuada, à possibilidade de e[m], caso de irregularidade no procedimento daquele acto, a mesma poder ser, ou não, suprida, e às consequências quanto à procedência, ou não, da acusação, no caso de tal condição de punibilidade não se ter por verificada. 3. Sobre tais questões, no domínio da mesma legislação deverão ser proferidos Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência, nos termos consignados no texto do presente requerimento e alegação, que aqui se dá por reproduzido.
2. resposta do Ministério Público: O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal recorrido respondeu, defendendo a admissibilidade da fixação de jurisprudência.
3. parecer do Ministério Público: A Digna Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, em douto e sustentado parecer, pronuncia-se pela rejeição do recurso “por falta de pressupostos formais e substanciais”, ao abrigo do disposto nos artigos 440.º n.ºs 3 e 4 e 441º n.º 1, do CPP. Na sequência da enunciação dos pressupostos do recurso extraordinário em causa, argumenta: ”embora o recorrente tenha elencado três questões de direito/oposições, afigurando-se poderem as mesmas ser consideradas conexas, admite-se que a questão que o recorrente pretendesse ver apreciada, em sede de recurso de fixação de jurisprudência, fosse a de decidir se : a notificação a que se reporta a alínea b) do nº4 do art. 105º do RGIT, caso não contenha a indicação precisa do montante das quantias em dívida, respetivos juros e coima eventualmente aplicável, é geradora do vício de irregularidade e qual o momento processual em que pode ser arguida ou oficiosamente sanada. Na hipótese de se considerar que as questões elencadas pelo recorrente se reconduzem a uma só questão de direito, então forçoso será reconhecer que sobre a mesma questão de direito o recorrente apresenta dois acórdãos fundamento - o do TRP de 11.03.2009 e o do TRL de 24.04.2018 -, o que não é processualmente permitido, (…). Como refere Pereira Madeira (CPP Comentado): "Esta exigência de confrontar apenas dois acórdãos - o recorrido e o fundamento -assenta numa lógica de delimitação precisa da questão ou questões a decidir, o que nem sempre constituindo tarefa linear quando apenas dois os arestos em confronto, decerto aportaria complicações expandidas quando fossem vários os arestos em presença. Tal acréscimo de dificuldade hostiliza a já de si delicada tarefa de uniformizar jurisprudência, afinal, porque a complexidade, para mais, quando desnecessariamente introduzida no processo, prejudica a limpidez da decisão e a celeridade que se esperam do tribunal". Nessa medida, por não se verificarem os pressupostos de natureza formal, o recurso deverá ser rejeitado. “Deve igualmente ser rejeitado por não verificação dos pressupostos de natureza substancial. Desde logo, quanto à primeira questão, não se verifica oposição de julgados na medida em que não existe identidade ou similitude substancial dos factos quanto aos termos em que a notificação da alínea b) do nº 4 do art.º 105º do RGIT foi feita. Confrontando o texto dos dois arestos alegadamente em oposição, convocados pelo recorrente, evidencia que a questão de facto sobre que incidiram não é idêntica. Quanto à “possibilidade de eventuais deficiências ou insuficiências daquela notificação, enquanto irregularidades poderem, ou mesmo deverem ser, a requerimento, ou oficiosamente supridas – artº 123º, nºs 1. e 2. do CPPenal”,” - é questão que não foi apreciada nem decidiu no acórdão [recorrido], o qual “não reconheceu qualquer irregularidade”. Daí que, em face da inexistência de julgado expresso a propósito da questão suscitada, pressuposto necessário deste recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, terá de ser rejeitado o recurso. Quanto à última questão de direito realça que “no acórdão recorrido, em face do conteúdo da concreta notificação feita ao arguido, decidiu-se não haver qualquer irregularidade. Portanto, a questão de saber se devia ou não ter havido lugar, antes da sentença final ou do julgamento, ao seu suprimento para poder haver condenação, não foi objeto de decisão. Não existe, assim, também quanto a esta questão, julgado expresso”. **** Dispensados os vistos, o processo foi à conferência. Cumpre verificar da admissibilidade do recurso e se não for rejeitado pela não verificação de algum dos respetivos pressupostos de natureza formal, ajuizar da invocada existência –ou não -, de oposição sobre a mesma questão fundamental de direito entre o julgado no acórdão recorrido e nos dois acórdãos fundamento – art. 440º n.º 3 do CPP – e, consequentemente, decidir. B - FUNDAMENTAÇÃO:
1. o direito: a) pressupostos: O artigo 437.º do CPP, estabelece os “fundamentos do recurso” extraordinário para fixação de jurisprudência, dispondo: 1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar. 2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça. 3. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida. 4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado. 5. O recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público. São, assim, pressupostos substantivos deste recurso extraordinário: (i) inexistência de jurisprudência fixada sobre a mesma questão de direito; (ii) dois acórdãos do STJ tirados em processos diferentes; (iii) ou um acórdão da Relação que não admite recurso ordinário e que não tenha decidido contra jurisprudência fixada e outro anterior de tribunal da mesma hierarquia ou do STJ; (iv) proferidos no domínio da mesma legislação; (v) assentes em soluções opostas relativamente à mesma questão de direito. Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, os requisitos materiais ocorrem quando: - as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito; - as decisões em oposição sejam expressas; - as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as decisões[1]. A contradição das decisões definitivas (transitadas em julgado) tem de ser efetiva e explícita, não apenas tácita. Os julgados contraditórios têm de incidir sobre a mesma questão de direito. Isto é, a mesma norma ou segmento normativo foi aplicada/o com sentidos opostos a situações fácticas iguais ou equivalentes. Entende-se que assim sucede quando em ambos os acórdãos foi decidida uma mesma matéria de direito, “ou quando esta matéria constar de fundamentos que condicionam, de forma essencial e determinante, a decisão proferida”[2]. Têm de aplicar a mesma legislação, o que sucede sempre que, entre os momentos do seu proferimento, não se tenha verificado qualquer modificação legislativa com relevância para a resolução da questão de direito apreciada. Esta identidade mantém-se ainda que não seja o mesmo o diploma legal do qual consta a legislação aplicada[3]. E julgar situações de facto idênticas. Mesmo que a diferença factual de ambos os processos, a do acórdão recorrido e a do acórdão fundamento, seja inelutável por dizer respeito a acontecimentos históricos diversos, terá de tratar-se de diferenças factuais inócuas que nada interfiram com o aspeto jurídico do caso[4]. E o artigo 438º (interposição e efeito) do CPP estabelecendo os requisitos de forma, dispõe: 1. O recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. 2. No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência. São pressupostos formais[5]: (i) a legitimidade do recorrente; (ii) o trânsito em julgado dos acórdãos conflituantes; (iii) interposição no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido; (iv) a invocação, e junção de cópia, do acórdão fundamento; (v) justificação, de facto e de direito, do conflito de jurisprudência. Exigia-se ainda que o recorrente propusesse o sentido da jurisprudência a fixar –cfr. Assento n.º 9/2000, de 30 de Março de 2000, publicado no Diário da República, I Série - A, de 27.05.2000. Exigência que foi eliminada pela jurisprudência fixada no Acórdão (AUJ) n.º 5/2006, de 20 de Abril de 2006, publicado no Diário da República, I Série-A, de 6.06.2006, no qual, reexaminando e reputando ultrapassada a jurisprudência daquele Assento, estabeleceu-se: No requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o recorrente, ao pedir a resolução do conflito (artigo 445.º, n.º 1), não tem de indicar «o sentido em que deve fixar-se jurisprudência» (artigo 442.º, n.º 2). Assim, nesta fase do presente recurso, o recorrente não tinha de indicar o sentido da jurisprudência a fixar.
b) finalidade: A finalidade da uniformização da jurisprudência não é prioritariamente dirigida à justiça do caso concreto, mas sim ao objetivo latitudinário de evitar a propagação do erro de direito judiciário pela ordem jurídica[6]. Visa a uniformização da resposta jurisprudencial, contribuindo para uma interpretação e aplicação uniformes do direito pelos tribunais, a igualdade, a certeza e a segurança jurídica no momento de aplicar o mesmo direito a situações da vida que são idênticas. Trata-se de um recurso de carácter normativo destinado unicamente a fixar critérios interpretativos uniformes com a finalidade de garantir a unidade do ordenamento penal e, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei. Não está em causa a reapreciação da bondade da decisão (da aplicação do direito ao caso) proferida no acórdão recorrido (já transitado em julgado). Trata-se apenas de verificar, partindo evidentemente de uma factualidade equivalente, se a posição tomada no acórdão recorrido, quanto a certa questão de direito, seria a que o mesmo julgador tomaria, se tivesse que decidir no mesmo momento essa questão, no acórdão fundamento, e vice-versa. Por outro lado e como se assinala no Acórdão de 19/04/2017[7] deste Supremo Tribunal: “o recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excepcional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objectivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação. Do carácter excepcional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respectiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários”, obstando a que possa transformar-se em mais um recurso ordinário, contra decisões transitadas em julgado. Exigência que se repercute com intensidade especial na verificação dos dois pressupostos nucleares: a oposição dos julgados; e a identidade das questões decididas. Entendendo-se que são insuscetíveis de «adaptação», que poderia por em causa interesses protegidos pelo caso julgado, fora das situações expressamente previstas na lei[8]. Mas também se repercute na constatação dos demais pressupostos substantivos e bem assim dos requisitos formais. Como se referiu e é entendimento jurisprudencial uniforme[9], a oposição, expressa, tem de aferir-se pelo julgado e não pelos fundamentos em que assentou a decisão. E a questão de direito só será a mesma se houver identidade das situações de facto contemplados nas duas decisões[10].
c) no caso: i. recurso (essencialmente) ordinário: O vertente recurso extraordinário é, em substância, uma impugnação da decisão que, em 2ª instância, julgou improcedente o recurso interlocutório e que também confirmou a condenação do arguido. Não sendo legalmente admissível recurso ordinário em razão de o não admitirem os acórdãos da Relação que não conhecem a final do objeto do processo e por ter sido confirmada decisão que aplicou pena não privativa da liberdade (pena suspensa), o recorrente, sob o nomem juris em epígrafe, construiu uma “tríade”, finalisticamente encadeada a tentar reverter a condenação, ou diretamente, ou através da devolução do processado à fase anterior ao julgamento. Construção que, todavia, se reconduz à linear argumentação seguinte: não podia ser condenado porque a sua notificação pessoal, nos termos do art. 105º n.º 4 al.ª b) do RGIT, foi irregular (não completa). Se a questão dos elementos que deve conter aquela notificação, - ainda que, adianta-se, bem diversa da situação resolvida no acórdão fundamento -, retrata a decisão proferida no acórdão recorrido na parte em que julgou improvido o recurso interlocutório, as duas restantes não têm nenhuma correspondência com aí julgado e decidido. Efetivamente, no acórdão “impugnado” decidiu-se que a notificação em causa, com os elementos que continha era perfeitamente regular. Consequentemente, a questão dos efeitos sobre a condenação de uma pretendida, mas não mais que meramente imaginada irregularidade da notificação, está completamente à margem do julgado vertido no dispositivo do acórdão recorrido. O STJ, só poderia entrar na apreciação das duas restantes questões se previamente revogasse e invertesse totalmente a decisão que julgou completa e válida a notificação. O que está terminantemente excluído de poder fazer-se no recurso extraordinário em apreço. A efetiva pretensão absolutória do recorrente apresenta-se de tal modo explicita que desnecessário, por manifestamente abundante, seria evidencia-la com mais detalhe. Outro tanto vale para a incontestável prejudicialidade da primeira questão relativamente as duas restantes. O arguido não devia ignorar que, concluindo-se pela não identidade da questão fundamental de direito entre a decisão adotada no acórdão recorrido, no segmento em que julgou improcedente o recurso interlocutório e o julgado no acórdão fundamento que indica em primeiro lugar, resultavam não somente inócuas como também imediatamente prejudicadas as restantes. Em rigor, ainda que fosse reconhecida identidade e até oposição quanto a essa questão, não poderia, evidentemente, perfilar-se a reclamada oposição relativamente às demais porque aqui, neste procedimento excecional, repete-se, jamais poderia legitimamente ficcionar-se que a notificação que o acórdão recorrido julgou regulamente efetuada enfermava, afinal, da apontada – pelo arguido -, irregularidade. Manifestamente, o recorrente não foi capaz de conter-se de enxergar que, na ânsia impugnatória, postergava a finalidade normativa deste procedimento excecional, utilizando-o, abusiva e inutilmente, como recurso ordinário em matéria de direito. Assim criando todas as condições para a sua inevitável rejeição.
ii. três questões de direito/dois acórdãos fundamento: Rejeição que se impõe também porque a requerimento do arguido, também não cumpre com as exigências consagradas no regime legal porque o recorrente, no mesmo recurso, demanda a fixação de jurisprudência relativamente às três questões de direito, indicando dois acórdãos fundamento, ainda que um para as duas primeiras e o outro para a terceira. Entende-se que não é legalmente admissível cumular questões de direito no mesmo recurso extraordinário, nem indicar mais que um acórdão fundamento, não podendo uniformizar-se, ao mesmo tempo, interpretações judiciais essencialmente “normativas” sobre mais que uma questão de direito, Entendimento que tem suporte, desde logo, na interpretação literal. Efetivamente, o elemento gramatical é inequivocamente nesse sentido. O legislador expressou o seu pensamento no texto da lei servindo-se, repetidamente da categoria singular. Assim sucede no art. 437º: no n.º 1, com a expressão: “relativamente à mesma questão de direito”; e no n.º 3 com a expressão: “resolução da questão de direito controvertida”. Identicamente se expressou nos arts. 437.º 4, 438º n.´1, 440º n.º 2, socorrendo-se do singular: “o acórdão”. Bem como no art. 445º n.º 3, designando “o conflito” (e não os conflitos). Assente também na incontornável exigência legal – como acabamos de ver e a jurisprudência do STJ sufraga - de o recorrente não poder indicar mais que um acórdão fundamento. Igualmente no mesmo sentido aponta o caráter extraordinário deste recurso, a implicar interpretação estrita do quadro normativo disciplinador inerente à respetiva excecionalidade. E suporta-se, decisivamente, na teleologia do recurso em causa. A finalidade deste meio procedimental extraordinário não é a justiça do caso concreto sobre que versou o acórdão recorrido. Não se destina a verificar se o acórdão recorrido violou o precedente judiciário que o recorrente pretende, na realidade, que se atribua ao acórdão fundamento. No nosso sistema, o julgado no acórdão fundamento não é a stare decisis que teria de ser seguida no acórdão recorrido. A fixação de jurisprudência visa essencialmente obstar a que se propague o dissídio surgido entre dois arestos firmes que aplicando o mesmo regime normativo, resolveram antagonicamente duas realidades idênticas. Se é exato que o CPP estabelece que a resolução do conflito tem eficácia no processo onde é tirado o AUJ, todavia, em substância, só assim sucede quando a jurisprudência fixada implique alteração ou revogação do acórdão recorrido. Caso em que o STJ revê a decisão ou reenvia o processo para que o tribunal competente a reveja, aplicando a jurisprudência fixada. Sempre que a resolução do dissenso jurisprudencial vai no sentido do julgado no acórdão recorrido, nada há a rever. A decisão nele proferida era e, nesse caso, continua firme e exequível, não carecendo de confirmação. Deste modo, o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência não pode ser admitido com a finalidade de alçar o caso ao reexame extraordinário da regularidade processual ou do mérito da decisão recorrida. O que acabaria sucedendo, inegavelmente, se o recorrente pudesse, no mesmo recurso extraordinário, requerer, cumulativamente, a fixação de jurisprudência sobre as múltiplas questões de direito que tivessem sido decididas no acórdão impugnado na tentativa de que alguma pudesse ter êxito e, assim, obter a revisão do julgado. Admitindo-se tão possibilidade, ficaria subvertida a lógica deste recurso extraordinário, fazendo prevalecer o interesse pessoal do recorrente, em detrimento da eficácia externa que acabaria remetida a plano secundário. Não é isso que o legislador, seguramente, pretendeu. Finalmente, ainda no mesmo sentido, apontam razões de praticabilidade e da necessária coerência lógica que as decisões judiciais têm de observar. Por um lado, a fixação de jurisprudência culmina um procedimento marcado por ampla discussão com argumentos, muitas vezes inconciliáveis, sobre a mesma questão de direito e não raramente sobre o seu exato sentido e alcance. Discussão que perderia clareza se houvesse que fixar jurisprudência sobre mais que uma questão de direito no mesmo recurso. Por outro lado, num recurso normativo, que não se atem ao caso concreto e numa decisão largamente colegial, como é a que fixa jurisprudência, não seria incomum formarem-se maiorias que poderiam variar de uma para outra das múltiplas questões de direito a uniformizar. Pelo que poderia fixar-se jurisprudência que na eficácia intra-processual, isto é, aplicada na resolução do julgado no acórdão recorrido, poderia revelar-se impraticável. Exemplificando com o vertente recurso: ainda que, por mera hipótese, se viesse a fixar jurisprudência relativamente às duas primeiras questões, no sentido pretendido pelo recorrente, nenhum efeito teria na decisão condenatória se, também hipoteticamente, para a última fosse fixada jurisprudência em sentido contrário ao reclamado pelo arguido. É certo que a admissibilidade de o recorrente poder requerer, no mesmo recurso extraordinário, a fixação de jurisprudência relativamente a mais que uma questão de direito, com a indicação de apenas um acórdão fundamento para cada questão e, assim, no total poder indicar mais que um, não tem encontrado solução uniforme na jurisprudência das secções criminais deste Supremo Tribunal.
iii. na jurisprudência: A corrente largamente maioritária, adotada nos acórdãos de 12/3/2003 (proc. nº 4623/02), de 4/03/2004 (proc. 03P2387), de 4-04-2010 (proc. 242/08.0TTCSC.L1.S1), de 21/03/2013 (proc. 465/07.0TALSD.P1.L1), de 4/07/2013 (proc. nº 712/00.9JFLSB-U.L1-A.S1), de 21/03/2013 (proc. 465/07.0TQLSD.P1-A.S1), de 19/06/2013 e de 16/10/2014 (proc. 113/07.8IDMGR.C1-B.S1), vai na linha que acima se expôs. Assim, no mencionado Ac. de 4/07/2013 expende-se (sublinha-se para realçar): “a partir da caracterização do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência como um “recurso categorialmente designado de normativo, que não tem por objecto a decisão de uma questão ou causa, mas apenas a definição do sentido de uma norma, - no rigor a construção jurisprudencial de uma norma ou quase-norma perante divergências de interpretação” afirmou-se no recente acórdão de 21-03-2013 – Proc. 465/07.0TALSD.P1.L1 – que o mesmo “pressupõe no entanto a identificação da fonte normativa e da questão que determina a oposição de decisões, de modo unitário e não múltiplo ou complexo”. No acórdão indicado em último – da 3ª secção -, decidiu-se (sublinhamos para realçar): “I- nos recursos para fixação de jurisprudência, as exigências legais formais, quer a nível da génese fáctico-jurídica do recurso, quer a nível da tramitação processual (decorrentes dos arts. 437.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 438.º, n.ºs 1 e 2, do CPP) integram especificidade ou excepcionalidade dos meios procedimentais, e, são de taxativa e rigorosa aplicação, vinculando todos os sujeitos processuais. V- no caso vertente o requerimento de interposição do recurso de fixação de jurisprudência, não se encontra motivado de harmonia com as exigências expressas da lei o que, desde logo, resulta do facto de deduzir pretensão de que seja fixada jurisprudência em relação a três questões de direito autónomas o que não é admissível processualmente. De tal patologia deriva a circunstância de o recorrente se referir a três acórdãos fundamento sendo certo que o recurso de fixação de jurisprudência exige a indicação de um só acórdão fundamento. A indicação de mais do que um acórdão fundamento implica a rejeição do recurso por inadmissibilidade do mesmo”[11]. A corrente minoritária é adotada nos acórdãos de 4/11/2010, 3/07/2014 (proc. 1431/11.6PEARVR.C1-A.S1), de 22/10/2014 (proc. 154/11.0PAPNI.L1-A.S1) e de 8/10/2015 (proc. 804/03.2TAALM-B.S1). Contudo, acaba concedendo que que se reconheceu haver oposição relativamente a cada questão de direito tem de, seguidamente, instaurar-se processo separado para apreciação atutónoma. Assim, no mencionado Ac. de 4/11/2010 (5ª secção), expende-se: “se o objectivo de unificação jurisprudencial aponta, por razões pragmáticas ponderosas, para a multiplicação de tantos processos e portanto de decisões, quantas as questões de direito invocadamente em oposição, já a ponderação do efeito interno do acórdão de fixação de jurisprudência aconselharia a posição contrária. Ou seja, a resolução da oposição, das mais do que uma questão de direito, tratadas na mesma decisão recorrida, reclamaria uma só decisão de fixação, por ser a que melhor proporcionaria efeitos concomitantes sobre a dita decisão recorrida. Estar-se-ia aqui perante uma “cumulação de pedidos” sem incompatibilidade entre si, e que proporcionariam a unidade decisória. “(…) a invocação de um único acórdão fundamento em cada recurso, como vem sendo pacificamente exigido no STJ, obrigaria necessariamente a que cada questão de direito fosse resolvida na sua própria decisão de fixação. Depois, e sobretudo, a lógica do recurso extraordinário em foco é a de se atender preferencialmente à eficácia externa da uniformização de jurisprudência, ao serviço da segurança do direito, para todos. Nesta linha, as vantagens do tratamento de uma única questão por recurso são inegáveis. (…) Somos, portanto levados a interpretar literalmente o nº 1 do artº 437º do C P P: soluções opostas quanto à mesma questão de direito, uma só, plasmadas em dois acórdãos, só dois”. (…) A exigência de processos separados, e de decisões autónomas de fixação de jurisprudência, justifica-se se, a partir do exame preliminar, o processo houver de prosseguir” [12]. No Ac. de 22/10/2014 – 3ª secção -, decidiu-se: “o art. 437.º do CPP não afasta a possibilidade de existirem várias questões de direito no recurso interposto. Em parte alguma a lei fala de uma única questão. É certo que impõe que a oposição incida sempre sobre a mesma questão. Porém, essa exigência não impede que sejam suscitadas várias oposições. O que impõe é que, sendo várias, relativamente a cada uma delas seja indicada uma decisão que se oponha ao acórdão recorrido”[13].~ Conforme se expôs, entendendo este Tribunal Supremo que não é viável peticionar, no mesmo recurso extraordinário, a fixação de jurisprudência relativamente a mais que uma questão de direito, não resta senão concluir pela rejeição do vertente recurso, porque o recorrente requereu a fixação de jurisprudência sobre três questões de direito, indicando dois acórdãos fundamento, não sendo possível convida-lo a corrigir tais patologias. Com o que ficaria prejudicado o conhecimento da alegada contradição de julgados.
d) recurso manifestamente infundado: i. diversidade das situações de facto: Todavia, ainda que brevemente, acrescenta-se que sempre haveria de rejeitar-se por não verificação do requisito substancial consistente na identidade ou semelhança da questão de facto sobre que versou o acórdão recorrido e a questão de facto sobre que versaram os dois acórdãos invocados como fundamento. No caso em apreço no acórdão primeiramente indicado para fundamentar a oposição, da notificação efetuada ao ali arguido nos termos do art. 105º n.º 4 alª. b) do RGIT, mais não constava que a advertência para, querendo, pagar a coima legalmente prevista. A referida notificação, era do seguinte teor: (transcreve-se daquele aresto com sublinhado para realçar): “fica notificado para no prazo de trinta dias, por si singularmente e em representação da sociedade proceder ao pagamento da coima mínima prevista no artigo 114º/1 do RGIT (artigo 105º/4 alínea b) e artigo 2º/4 C Penal, devendo juntar aos autos a respectiva prova documental” Neste circunstancialismo fáctico conclui-se no acórdão recorrido que a notificação assim efetuada é omissa, incompleta porque o pagamento da coima seria insuficiente; “seria ainda necessário efetuar o pagamento das prestações em dívida e respectivos juros de mora. Só pela totalidade destes pagamentos, poderia a notificação surtir o efeito útil (de arrecadação de receita pelo Estado) e o notificando esperar a extinção da responsabilidade penal”. Concluindo pela manifesta irregularidade daquela notificação, decidiu anular o processado, determinando que fosse “retomado com a prolação do despacho que, atendendo à redacção dada pela Lei 53-A/2006 de 29DEZ, à alínea b) do nº. 4 do artigo 105º do RGIT, ordene a notificação, nos termos e para os efeitos aí definidos”. Sem perder de vista o teor exato da notificação ali em causa – que é o que releva -, antes de avançar para a verificação da situação fáctica e o julgado no acórdão recorrido, impõe-se evidenciar a imprestabilidade da argumentação desenvolvida no convocado acórdão para amparar a alegada ofensa do direito de defesa, porque frontalmente contra jurisprudência estratificada do Tribunal Constitucional. Ao invés do sustentado naquele acórdão da 2ª instância, o Tribunal a quem compete a última “palavra” sobre a conformidade da interpretação e aplicação das normas legais com a nossa Magna Carta, entende que a notificação em apreço não carece, sem atentado do daquele direito fundamental do arguido, de todas as especificações mencionadas no acórdão invocado como fundamento. Assim, no Ac. n.º 242/09 (proc. 250/09) de 12/05/2009, - entre outros, alguns aí mesmo convocados -, expendeu (sublinhamos para realçar): “Nada na lei nos permite concluir pela exigência acrescida de que o concreto montante em que as prestações, os juros e a coima a pagar se traduzem seja indicado na própria notificação. O que o legislador teve em vista, na prossecução de objectivos de política criminal e fiscal que visavam não só a diminuição de processos, mas sobretudo uma mais rápida e fácil arrecadação de receitas, foi, tão‑só, dar aos agentes devedores uma segunda oportunidade de efectuarem o pagamento das quantias devidas a cada um daqueles títulos, interpelando‑os para o efeito, e oferecendo‑lhes como contrapartida (caso correspondam positivamente a essa interpelação), a impunibilidade criminal das respectivas condutas. Ora, os devedores tributários que estejam interessados em fazê‑lo dispõem de tempo mais do que suficiente para diligenciarem no sentido de, junto da entidade própria e que também é naturalmente aquela junto da qual o pagamento há‑de ser efectuado, averiguarem o montante concreto e total que devem pagar, sendo certo que, pelo menos o montante das prestações ou contribuições já o saberão, além do mais porque já as declararam. E é evidente que, no caso de sentirem dificuldades em obter as informações necessárias junto daquelas entidades, sempre poderão transmiti‑las ao tribunal, que não deixará de providenciar para que daí não resulte prejuízo para aqueles que só não efectuem o pagamento atempado devido a falhas que não sejam da sua responsabilidade. Alcançam-se, assim, muito bem as razões pelas quais o arguido não recorreu para o Tribunal Constitucional, invocando a inconstitucionalidade da interpretação da norma do art. 105º n.º 4 al.ª b) do RGIT, na interpretação adotada no acórdão recorrido, quando no respetivo recurso tinha invocado, expressamente, que a norma aplicada com tal sentido violava o disposto no art. 32º da Constituição da República (cfr. cls. 6 e 7 das conclusões do recurso então interposto). Se outra razão não houvera –mas também existe -, não poderia, evidentemente, aquele acórdão, contrário à jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, prestar-se para servir de fundamento à tentativa de reversão de decisão judicial que assentou em notificação que não só respeitou o entendimento do órgão judicial que fiscalizada a conformidade constitucional das normas legais e da sua aplicação concreta, como foi mesmo especifica, como vamos ver de seguida. Sucede – como se viu - que a situação fáctica sobre que versou o segmento impugnado da decisão recorrida, é bem diversa daquela que estava em apreço no acórdão invocado como fundamento. Do acórdão recorrido consta (realçamos com): “resulta dos termos deste processo que o ora recorrente AA foi notificado no âmbito do Inquérito nos termos e para os efeitos do disposto na al. b) do nº 4 do art.º 105º do RGIT, com a indicação do capital que estava em dívida na investigação – indicando-se concretamente o valor de 17.551,61 € a que deveriam acrescer os respectivos juros de mora a vencer até integral cumprimento e o pagamento da coima aplicável (cfr. fls. 252).” Daqui resulta claramente que o arguido teve conhecimento da faculdade de, no prazo de 30 dias posteriores à notificação, poder proceder ao pagamento da contribuição devida, acrescida de juros e da coima aplicável. Motivando, em total sintonia com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, acrescenta: “indo agora mais directamente ao essencial da questão colocada pelo recorrente - de que a notificação revela insuficiente informação, mostrando-se violado o seu direito de defesa - diremos que não há qualquer exigência no sentido de a notificação dever indicar os valores concretamente em dívida, desde logo porque esses montantes são já conhecidos do arguido pois enquanto devedor não pode desconhecer o valor base das prestações comunicadas. Em conformidade, decidiu que a notificação nos termos efetuada nos autos – nos termos referidos -, não enferma de “qualquer nulidade ou irregularidade, e não se mostram efectadas as garantias de defesa do arguido, assim se desatende, por infundada, a pretensão do recorrente de ver repetida a notificação prevista na al. b) do nº 4 do art.º 105º do RGIT”. Tão evidente é a diversidade das situações de facto sobre que incidiram os acórdãos invocados como fundamento e o acórdão recorrido que abundante seria acrescentar mais para aqui a demonstrar. Finalmente, conforme supra se deu conta, o conhecimento das duas restantes questões, artificialmente criadas pelo recorrente, fica prejudicado. E, acrescente-se, porque implicava, necessariamente, alteração das decisões recorridas, jamais podia conhecer-se em recurso extraordinário para fixação de jurisprudência. Nesta sede é inútil a afirmação de antagonismo que só o recorrente vislumbra, segundo a sua interpretação pessoal e interessada dos julgados. Com tão patente diversidade, só por deslealdade processual pôde o arguido enveredar pelo vertente recurso extraordinário, asseverando a identidade ou semelhança das duas notificações. No caso, a convocação da situação decidida no acórdão invocado como fundamento não tem qualquer justificação minimamente aceitável. Manifestamente, parece tratar-se de um mero tramite para poder avançar com o real escopo do vertente recurso: a reversão, a qualquer título, da condenação. Assim, no caso, à patologia verificado nos requisitos de ordem formal, nos termos acima expostos, acresce a não verificação de requisitos substanciais, concretamente a não oposição de julgados. Em consonância com o exposto impõe-se rejeitar o vertente recurso, nos termos do art 441º nº 1 do CPP. Aplicando-se o disposto nos artigos 448º e 420º n.º 3 do CPP, gradua-se a quantia a pagar pelo recorrente em 9UCs.
C. DECISÃO: O Supremo Tribunal de Justiça, 3.ª secção criminal, acorda em: a) rejeitar, por manifestamente infundado, o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo recorrente –art. 437º n.ºs 2 e 4, e 441º n.º 1, ambos do CPP; b) condenar o recorrente a pagar 9UCs, nos termos dos arts. 448º e 420º n.º 3 do CPP. * Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs – arts. 513º n.º 1 do CPP, 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais. * Lisboa, 24 de março de 2021 Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator) (Atesto o voto de conformidade do Ex.mº Sr. Juiz Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha – art. 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março na redação dada pelo DL n.º 20/2020 de 1/05 aplicável ex vi do art.º 4 do CPP)[14] Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro adjunto) ________ [1] Ac. STJ de 9-10-2013, 3ª sec., proc. 272/03.9TASX, www.dgsi.pt/jstj. |