Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MANUEL CAPELO | ||
Descritores: | MATÉRIA DE FACTO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO PODERES DA RELAÇÃO REAPRECIAÇÃO DA PROVA RECURSO DE APELAÇÃO REJEIÇÃO DE RECURSO LEI PROCESSUAL ERRO DE JULGAMENTO | ||
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Data do Acordão: | 11/30/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - O cumprimento dos ónus de impugnação da matéria de facto prevenidos no art. 640 do CPC não dispensa a alegação das razões de discordância não bastando que o impugnante sustente que determinados factos provados deverão ser julgados provados ou vice versa, limitando-se a apontar para documentos ou para segmentos transcritos de depoimentos. II - A possibilidade de impugnação da matéria de facto por blocos de factos e blocos de meios de prova apenas deverá ser admitida quando o recorrente alegue ou seja manifesto que esse conjunto de factos (v.g. pelo seu número e natureza) e de meios de prova correspondem a uma mesma realidade factual que deverá ser julgada com os mesmos meios de prova (os mesmos segmentos sinalizados dos depoimentos das várias testemunhas e os mesmos documentos). III - A possibilidade de o julgador sem indicação das razões de discordância poder apreciar a impugnação da matéria de facto apenas é admissível quando, tendo sido concretizado o facto impugnado, o concreto meio de prova oferecido e identificado e a decisão diversa que se propõe, seja evidente, por configurar um erro, que do concreto segmento da prova em questão (testemunhal ou documental) no confronto com o julgamento que foi feito desse facto, outra deveria ser a decisão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Relatório A Autora, “Withstyle - Indústria de Calçado, Lda.”, propôs ação de processo comum contra a Ré, “Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A,” pedindo a condenação desta a pagar-lhe o valor global de 229.124,87€, acrescido de juros contados desde a citação até efetivo e integral pagamento; Caso assim não se entenda, deve ser declarada nula e consequentemente excluída a cláusula 26ª, das condições gerais, documento 16 da p.i., mantendo-se o contrato de seguro válido, condenando-se a Ré a pagar a mesma quantia de 229.124,87€ acrescido de juros contados desde a citação até efetivo e integral pagamento. Em qualquer dos casos, deve a Ré ser condenada a pagar à Autora as quantias provenientes dos danos indicados em 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 35 da p.i., no valor que se venha a liquidar em execução de sentença. Alegou que celebrou o contrato de seguro do ramo “multirriscos negócio” com a Ré e que no dia ... de julho de 2020 ocorreu um incêndio, em parte das instalações da Autora, por causa acidental. Sofreu danos patrimoniais. A Ré não comunicou, leu e explicou à Autora o teor das cláusulas contratuais constantes do contrato de seguro, nomeadamente a cláusula 26º e que se a Autora tivesse tido conhecimento dessa cláusula, não teria aceitado celebrar aquele contrato com aqueles capitais. A Ré, na contestação impugnou os factos alegados pela Autora e refere que a referida cláusula contratual constante do art. 26º, reproduz o disposto no art. 134.º da LCS (DL 72/2008 de 16 de abril), não tendo a mesma de ser comunicada à Autora, já que o seu teor resulta da lei, tendo as cláusulas contratuais gerais sido disponibilizadas à Autora e esta não efetuou qualquer pedido de esclarecimento ou informação acerca do produto ou das condições gerais da apólice. Mais refere que a Autora celebrou o contrato de seguro em nome próprio, no seu interesse, como tomadora e segurada, na qualidade de proprietária dos bens seguros, apesar de não ser a sua proprietária, o que determina a nulidade parcial do contrato de seguro quanto à cobertura do imóvel, nos termos do disposto no art. 286.º e 292.º do C.Civil. Conclui que a ação deve ser julgada improcedente. Instruídos os autos foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente condenou a Ré Fidelidade Companhia de Seguros, S.A,” a pagar à Autora, “Withstyle – Indústria de Calçado, Lda.” a quantia de € 125.391,43, acrescida de juros legais, contados desde a citação até integral pagamento. Absolveu a Ré dos restantes pedidos. Inconformados com esta decisão dela interpuseram recurso a autora e a ré tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação da autora como parcialmente procedente a apelação da ré e, em consequência, confirmou a decisão recorrida, à exceção da parte relativa à condenação no pagamento dos juros de mora a partir da citação, sendo essa condenação no pagamento de juros integralmente revogada. Desta decisão interpõe a autora recurso de revista concluindo que: “ 1. Nos casos taxativamente previstos no art. 674.º, n.º 3, do CPC, o STJ pode sindicar a ofensa de disposição legal expressa que exija determinada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de lei de determinado meio de prova, e fiscalizar o cumprimento dos ónus de impugnação da matéria de facto do art. 640.º do CPC, que se inscreve nos fundamentos da revista por violação ou errada aplicação das leis de processo e na previsão do art. 674.º, n.º 1, al. b), do CPC. 2. O Tribunal à quo, ao rejeitar o recurso relativo à impugnação da matéria de facto e ao não apreciar sequer a factualidade (porquanto resultava da respetiva prova) que se pretendia ver aditada, por considerar que não foi cumprido o ónus processual a que se refere o artigo 640.º do CPC, fez errada aplicação das leis de processo. 3. A Recorrente cumpriu o ónus imposto pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil. 4. Quando o conjunto de factos impugnados se refere à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados pelo recorrente sejam comuns a esses factos, a impugnação dos mesmos, ainda que em bloco, não obstaculiza a perceção da matéria que se pretende impugnar, pelo que deve ser admitida a impugnação. 5. A Recorrente indicou concretamente os factos que pretendia impugnar, a prova que impunha decisão diversa (prova gravada com indicação concreta das passagens e prova documental), bem como a decisão a proferir. 6. O Tribunal da Relação fez errada aplicação das leis de processo, pelo que deve este Tribunal (nos poderes que lhe são conferidos) proferir decisão em conformidade, no sentido de ser admitida e apreciada pelo Tribunal da Relação a impugnação da matéria de facto. 7. Quanto à questão dos juros de mora, de acordo com o texto da lei, o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os atos necessários ao cumprimento da obrigação (artigo 813º do Código Civil). 8. A norma estabelece dois requisitos para a mora do credor: a recusa da prestação ou não realização da colaboração necessária para que o devedor possa cumprir e a ausência de motivo justificado para essa recusa ou falta de colaboração. 9. O credor pode ter motivo justificado para recusar a prestação, como sucede quando esta não coincida plenamente com a obrigação a que o devedor se vinculou. 10. Acresce que, para haver mora do credor não basta qualquer recusa de colaboração deste. 11. Estando provado, in casu, que a Ré emitiu três recibos com valores parciais e que comunicou ao mediador a disponibilidade dos valores (cfr. factos provados 36 e 37), não pode considerar-se simplesmente que houve recusa injustificada por parte da A., porquanto a comunicação foi feita ao mediador e ainda que a A. não aceitasse os valores (por considerar que os valores – como considerou ao intentar a presente ação e não aceitar a decisão proferida – eram muito inferiores aos valores que efetivamente tinha direito), a Ré sempre poderia ter-se livrado da sua obrigação mediante a consignação em depósito – artº 841º, nº 1 do CC. 12. De facto, em caso de verificação de uma situação de mora do credor, a lei faculta ao devedor um meio de se exonerar da obrigação que quer cumprir, a saber, a consignação em depósito, processo especial previsto no art.º 916.º e ss. do CPC, através do qual o devedor deposita a quantia que entende ser devida ao credor. 13. O que não aconteceu. 14. Como tal, não existiu mora credendi. 15. Por outro lado, não obstante, se considerar que a mora do credor, ao invés da do devedor, não pressupõe a culpa daquele, é requisito da mora credendi que os actos não praticados pelo credor, ou por ele voluntariamente omitidos, sejam atos de cooperação essenciais; de outro modo, cair-se-ia num campo movediço pela falta de critério objetivo pelo qual se aferisse se o seu comportamento era essencial para o cumprimento pelo devedor. 16. No caso concreto, nunca o devedor (Ré) ficou impedido de realizar a prestação, porquanto sempre teve ao seu alcance todos os meios legais de se exonerar da obrigação que queria cumprir. 17. E, assim, efetivamente, do conspecto factual não se respiga qualquer ato material ou jurídico, positivo ou negativo, da responsabilidade do credor que, à luz de qualquer cláusula contratual ou da lei, tenha impossibilitado ou dificultado, sem motivo justificado, o não cumprimento da obrigação por parte dos devedores e que seja passível de ser integrado na zona de atuação da mora do credor. 18. A falta de pagamento da prestação principal e dos juros respetivos não pode ser assim imputável ao credor, que não manteve qualquer atuação axiologicamente negativa que violasse um direito subjetivo do devedor. 19. Pelo que, tendo a Ré se constituído na obrigação de reparar os danos causados à A., além da satisfação da indemnização, deverá também ser condenada no pagamento dos juros de mora, devendo revogar-se a decisão do Tribunal da Relação por ausência de fundamento legal. 20. Quanto ao contrato de seguro em crise nestes autos, apenas resulta que as clausulas apenas estavam disponíveis on-line no link da internet (factos provados 9 e 10). 21. O art. 5º, nº 1 e nº 2 do Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, dispõe que as «cláusulas contratuais gerais, devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las», sendo que «a comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência», o que não aconteceu no presente caso. 22. Logo, neste dever de comunicação «não está em causa tão só a exigência de transmitir ao aderente as condições gerais, pois essa exigência vai funcionalizada ao propósito de tornar possível o real conhecimento das cláusulas pelo parceiro contratual do utilizador. (...) E ao dever de comunicação acresce um dever de informação, isto é, «o contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique», devendo ainda «ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados» (art. 6º, nº 1 do do Dec-Lei nº 446/85, de 25 de outubro). 23. Estes deveres de comunicação e de informação devem estar cumpridos no momento da celebração do contrato, isto é, no momento da emissão pela contraparte da declaração que a vincula (sendo irrelevante que lhe seja possibilitado, em momento ulterior, nomeadamente pela cópia das ditas condições gerais, o acesso e análise do seu clausulado). 24. A Ré não logrou provar, como lhe competia, que à data da subscrição da apólice de seguro, a A. tinha pleno e efetivo conhecimento da cláusula 26 das condições gerais (“salvo convenção em contrário, se o capital seguro pelo presente contrato for, na data do sinistro, inferior ao determinado nos termos da cláusula 24.º, o Segurador só responde pelo dano na respetiva proporção, respondendo o Tomador do Seguro ou o Segurado pela restante parte dos prejuízos como se fosse segurador”. 5. A referida cláusula limitativa dos direitos da A. é nula nos termos do DL446/85 de 25 de outubro e não lhe pode ser oponível, devendo antes ser considerada não escrita e excluída do contrato, mantendo-se o contrato válido, já que foram violados os deveres de comunicação e esclarecimento, na íntegra, do conteúdo negocial estão previstos nos arts. 5.º e 6.º do DL 446/85 e resultam diretamente do princípio da boa-fé contratual consagrado no art. 227.º do Código Civil, estendendo-se a todas as partes dos contratos que tenham poder de impor cláusulas negociais ao consumidor, pelo que tal cláusula deve ser excluída do contrato do seguro mantendo-se o mesmo válido. 26. Nestes termos deverá ser proferida decisão em conformidade, declarando- se a nulidade da clausula e condenando-se a Ré nos termos reclamados na PI.” A recorrida contra alegou defendendo a rejeição parcial da revista e, em qualquer caso, a sua improcedência. Cumpre decidir Fundamentação Está provada a seguinte matéria de facto: “ 1 - O imóvel sito em ..., ..., ..., encontrava-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 9169, a favor de AA, casado com BB, com a licença de construção 41-E/88, licença de utilização nº 404/97, emitida pela Câmara Municipal de ... em .../.../1988 e inscrito na respetiva matriz predial (urbana/rústica) sob o art. 26º do Dec. Lei 445/91, freguesia de ..., concelho de ..., através do qual foi autorizada uma ocupação para indústria com 253 m2. 2 - A Autora foi constituída em .../1/2013, tendo como sócios AA e seus filhos CC e DD, sendo nomeado sócio-gerente AA, tendo a inscrição da Autora na Conservatória do Registo Comercial ocorrido em 4/1/2013. 3 - A Autora dedica-se à produção de calçado e prestação de serviços relacionados. 4 - AA cedeu à Autora o referido imóvel para esta aí exercer a sua atividade, através do contrato de comodato, datado de .../1/2013, junto na p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido. 5 - Por averbamento (AV.03 – Of. 170892) à descrição do referido imóvel foi desanexado o nº 00392/140792. 6 - Da descrição predial nº 392/19920714 consta a identificação física, económica e fiscal de dois prédios: - O primeiro com o artigo matricial nº 311º, composto por casa de cave e rés do chão, dependência, com uma área de 143 m2, loja de 21,60 m2 e garagem de 8,80 m2, com um valor tributável aposto de € 4.147,78. - O segundo com o artigo matricial nº 548º, composto por casa de rés do chão e quintal, com a área de 250 m2, com o valor tributável aposto de € 95.511,62. 7 - O imóvel cedido à Autora, pelo seu sócio-gerente, corresponde a um pavilhão industrial implantado em zona urbana, nos arredores da cidade de .... 8 - A Autora, por intermédio do mediador, EE, contactou a Ré, em 5/12/2013, com vista à transferência de um seguro multirrisco que possuía contratado com a seguradora AXA (atual AGEAS). 9 - A Ré, além de disponibilizar on-line o clausulado em causa, determina que os mediadores disponham dos clausulados em papel para facultarem aos candidatos a tomadores esse clausulado para o lerem e, naturalmente, colocarem as objeções que o mesmo suscita. 10 - O mediador colocou à disposição da Autora o clausulado contratual geral, o qual, a Autora sempre teve à disposição no referido link da internet indicado na apólice que veio a subscrever. 11 - Em momento algum do período de negociação entre Autora, mediador e seguradora, jamais chegou à Ré qualquer pedido de esclarecimento ou informação acerca do produto ou das condições gerais da apólice, nem foi informado pelo mediador que tivesse havido qualquer dúvida informativa, tendo a proposta sido aceite para vigorar por um ano e seguintes. 12 - Entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato de seguro do ramo “multirriscos negócio” que se regem pelas condições gerais e especiais n.º 202(FI003), titulado pela apólice n.º ME......81, com início a .../1/2014, relativo ao pavilhão industrial a que se alude no ponto 7. 13 - O capital seguro adveniente destas coberturas contratadas com a Ré: - O imóvel tem o valor seguro de 45.046,50€. - Mobiliário tem o valor seguro de 5.630,81€. - Equipamentos tem o valor seguro de 157.662,74€. - Existências tem o valor seguro de 11.261,62€. - Demolição e remoção de escombros de 2.252,33. 14 - A Autora celebrou o contrato de seguro como tomador e segurada na qualidade de proprietária dos bens seguros. 15 - No dia ... de julho de 2020, entre as 01h30m e as 04h30m, ocorreu um incêndio, em parte das instalações da Autora, sitas em ... 16 - A Autora de imediato contactou as autoridades policiais e os Bombeiros Voluntários de ..., 17 - E formalizou denúncia do ocorrido, dando origem ao processo n.º 3077/20.9..., que correu termos nos serviços do Ministério Público de ..., tendo sido efetuadas diligências de inquérito, tendo-se concluído que o sinistro teve causa acidental, o que levou ao arquivamento do inquérito. 18 - À data da deflagração do incêndio o imóvel divide-se em três áreas distintas representadas na pág. 5 do relatório do GEP como zona A, B e C. 19 - A zona A que corresponde à principal área do imóvel, onde se desenvolve todo o processo produtivo e tem uma área de cerca de 276,5 m2. 20 - Trata-se de um edifício com uma estrutura autoportante em bloco de granito, sendo a cobertura constituída por estrutura metálica, revestida por dupla camada de chapa de fibrocimento intercalada por uma camada de isolamento em lã de rocha. 21 - É nesta área que se localiza a entrada principal, constituída por um portão duplo. 22 - Este espaço, para além de duas portas individuais que dão acesso aos terrenos envolventes do edifício, sendo consideradas saídas de emergência, existe ainda uma porta interior que dá acesso a zona C visível na última foto da pág. 6 do referido relatório do GEP, que aqui se dá por integralmente reproduzida. 23 - A zona C trata-se de um anexo tipo coberto, integralmente fechado que se desenvolve ao longo do alçado lateral norte do edifício principal que tem uma área de cerca de 102,4 m2. 24 - Possui uma estrutura metálica e fachada e cobertura revestidas a painéis sandwich, sendo um espaço usado como armazém, sendo usado essencialmente para produtos acabados. 25 - A zona B é um espaço onde funciona a área administrativa de suporte à atividade operacional, que tem uma área de cerca de 15 m2. 26 - A zona C destinada a armazém foi construída em data não concretamente apurada, mas após a subscrição do seguro e antes da deflagração do referido incêndio. 27 - O incêndio levou à destruição parcial das instalações da Autora, designadamente à destruição da sua parte produtiva, identificada como zona A do relatório do GEP, pág. 5, junto na contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido, composta pela superfície de trabalho, maquinarias, matérias-primas e instalação elétrica. 28 - O incêndio causou os danos descritos no referido relatório do GEP, na zona A, tendo a zona B acabado por ser afetada pela ação dos meios empregues no combate às chamas, para além da afetação do fumo e calor, tendo a zona C (armazém) ficado afetada apenas pela ação do fumo. 29 - O referido incêndio impossibilitou a Autora de exercer a sua atividade profissional, tendo perdido encomendas e clientes, o que lhe causou prejuízos não concretamente apurados. 30 - Por causa do incêndio, a Autora sofreu, pelo menos, um prejuízo total de € 173.837,47, por categoria de bens nos seguintes valores: - Imóvel € 39.433,11 - Mobiliário € 8.764,28 - Equipamentos € 104.302,88 - Existências € 18.314,70 - Demolição e remoção Escombros € 3.022,50 31 - Entre os bens danificados foram identificados bens com valor de mercado no estado de “salvado” descritos e discriminados na pág.33 do relatório do GEP, com o valor total de € 7.595,00, valor este indicado pelo próprio representante da Autora que manifestou interesse na sua manutenção por esse valor. 32 - À data do incêndio, o imóvel tinha um valor de mercado de € 108.680,00. 33 - O mobiliário existente à data do incêndio tinha o valor de € 13.581,19. 34 - Os equipamentos existentes à data do incêndio tinham um valor de € 114.896,97. 35 - As existências e produto acabado à data do incêndio tinha o valor de € 31.962,44. 36 - A Ré emitiu três recibos com valores parciais de 16.344,53€, relativo à regularização dos prejuízos referentes ao imóvel, no valor de 105.413,20€, referente à regularização da cobertura de incêndio, queda de raio e explosão, bem como à demolição e remoção de escombros e outro no valor de 3.633,07€, referente à regularização da cobertura de mobiliário. 37 - Desde novembro de 2020 que a Ré comunicou ao mediador a disponibilidade dos valores a que se aludem no ponto 32, que colocou à disposição da Autora, sem que esta promovesse o seu recebimento, por não concordar com os valores propostos pela Ré. … … Foi julgada como não provada a seguinte matéria de facto a) Por não se tratar de um seguro novo, mas de uma transferência de companhia, a Autora conhecia as condições gerais da antecessora AXA que são em tudo similares às condições gerais do seguro celebrado com a Ré. b) Que as negociações a que se aludem no ponto 11 duraram cerca de um mês. c) Para além do referido no ponto 26 que o incêndio não afetou a parte em construção iniciada recentemente, que é uma zona diferenciada e não incorporada no pavilhão em pedra, zona de produção, onde se deu o incêndio, sendo uma construção independente, metálica, em ferro e com uma entrada independente que, quando finalizada se destinará, exclusivamente, ao armazenamento de matérias-primas e de produto acabado. d) Para além do referido no ponto 30 que por força do incêndio, foram destruídos e/ou danificados os seguintes bens: - Matérias primas no montante de 19.048,36€. - Produtos acabados no valor de 1.094,10€. - Equipamentos no valor de 134.874,01€. - Mobiliário no valor de 5.100,00€. - Danos no edifício, no valor de 49.998,40€. - Danos na instalação elétrica, no valor de 9.500,00€. - Demolição e remoção de escombros da cobertura, no valor seguro de 2.040,00€ - Demolição e remoção de escombros dos equipamentos, no valor seguro de 7.470,00€. e) Para além do referido no ponto 30 que a Autora, devido aos factos ocorridos, sofreu prejuízos, no montante global de 229.124,87€. f) A postura da Ré impossibilitou a Autora de exercer a sua atividade profissional. g) A Ré leu e explicou à Autora o teor das cláusulas contratuais constantes do contrato de seguro, nomeadamente a clausula 26º. h) Só após o incêndio, a Ré entregou à Autora, quer a proposta, quer o contrato de seguro, quer as condições gerais. i) Se a Autora tivesse tido conhecimento da cláusula 26º, não teria aceitado celebrar aquele contrato com aqueles capitais. … … O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil. O conhecimento das questões a resolver na presente Revista consiste em saber se deveria ter sido apreciada a impugnação da matéria de facto por o recorrente ter cumprido os ónus de impugnação; se assiste à autora o direito de receber juros contra o que foi decidido; se a cláusula 26 do contrato de seguro deveria ser julgada nula. … … Começando por delimitar o que pode conhecer-se nesta revista, verificamos que nem tudo o que a recorrente pretende que se aprecie é legalmente admissível. Na petição inicial a autora aqui recorrente formulou o pedido de ser “declarada nula e consequentemente excluída a cláusula 26ª, das condições gerais, documento 16 desta p.i., mantendo-se o contrato de seguro válido (…)” . E conhecendo deste pedido, a sentença julgou-o improcedente tendo decidido que “a autora sociedade comercial que explora uma indústria que contratou um seguro no âmbito da sua atividade empresarial, antes de se vincular pela proposta que subscreveu, teve à sua disposição o teor integral das condições gerais n.º 202 do ramo “multirriscos negócios”, não tendo suscitado qualquer dúvida interpretativa da cláusula em questão, sendo que a mesma reproduz, conforme já tivemos oportunidade de referir, a citada disposição legal, pelo que não se pode considerar que no caso ocorreu qualquer violação dos deveres de informação por parte da Ré.” Tendo a autora interposto recurso de apelação, não incluiu nas alegações nem nas conclusões qualquer oposição à decisão proferida quanto à improcedência da nulidade da cláusula 26 do contrato e, não tendo igualmente a recorrente ré recorrido dessa parte, tem-se por definitivamente decidido esse segmento. Se do recurso de revista só podem ser objeto questões que tenham sido apreciadas anteriormente pela Relação, percebe-se, sem necessidade de outras explicações, que não possa conhecer-se da questão da nulidade da cláusula de seguro que a recorrente pretendia ver discutida. Assim, por não ser legalmente admissível, indefere-se nesta parte o conhecimento da revista. … … Quanto à questão dos juros, a recorrida veio opor que esse conhecimento não era admissível por a questão não ter valor/sucumbência. Dispõe o art. 629 nº1 do CPC que o recurso só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal. Sabemos que sendo o valor da ação de 229.124,87 €, o da sucumbência relevante para o recurso deverá ser superior a 15.000,00 € por a alçada do tribunal de que se recorre (o da Relação) ser de 30.000,00 €. Por outro lado, no cômputo do valor da sucumbência, para efeitos de admissibilidade do recurso, não deve ter-se em conta o valor dos juros vencidos na pendência da ação, como decidido no ac. do STJ de 14-12-2006 - no proc. 06S2573, disponível em www.dgsi.pt. - o que decorrer do n.º 2, segunda parte, do artigo 297.º do Código de Processo Civil, onde se estabelece que “quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos”. A circunstância de o pedido de condenação em juros não constituir o objeto próprio da ação sendo apenas consequência da dedução do pedido principal justifica que se por regra não releva para a determinação do valor da causa – nomeadamente quando são pedidos a partir da citação - também não pode ser tido em conta para achar o valor do decaimento do pedido com vista a apurar se a decisão é recorrível ou não, conforme se decidiu no ac. do STJ citado onde se advertiu para que a não ser assim, poderia acontecer que numa ação de valor inferior à alçada da Relação, portanto, sem recurso ordinário para o Supremo, o mesmo viesse, afinal, a ter lugar, bastando que em resultado do pedido acessório de juros a contar da citação, a soma destes com o valor da ação, ou com o da sucumbência, suplantasse a referida alçada. Assim, no caso, porque pedidos a partir da data da citação os juros nunca constituiriam fundamento do recurso quanto ao valor e sucumbência, para alem do que, o valor do pedido dos juros que a Relação recusou à recorrente sempre se traduziria numa quantia global inferior à exigível para poder recorrer - a condenação foi em 125.000,00, a taxa legal fixada foi de 4% ao ano e a ação deu entrada em 25/2/2021 o que equivaleria a um valor global de 13.287,67 €. Acresce que, ser o recurso de revista admissível quanto à verificação do cumprimento dos ónus de impugnação da matéria de facto estabelecidos no art. 640 nº1 do CPC - que inscreve nos fundamentos da revista por violação ou errada aplicação das leis de processo na previsão do art. 674 nº 1, al. b) do CPC - não implica que esta admissibilidade “arraste” automaticamente para o âmbito da admissibilidade o conhecimento da questão relativa aos juros, independentemente de não ter valor ou sucumbência. A cindibilidade, autonomia e independência destas duas questões desenvolve-se e afirma-se nas suas consequências tendo presente que, a entender-se que foram cumpridos os ónus de impugnação, tal decisão imporá que os autos baixem à Relação para que a impugnação da matéria de facto oposta pela recorrente seja apreciada e proferida nova decisão de direito, ficando sem efeito a que antes tinha sido proferido (nomeadamente quanto aos juros). Porém, se for entendido que não houve cumprimento dos ónus de impugnação, nesse caso, a revista é julgada improcedente nessa parte e, mantendo-se a decisão sobre matéria de facto, apenas ficaria para conhecer na revista a questão dos juros. Só que ao conhecimento desta questão, autónoma relativamente à anterior, importa a verificação liminar do valor e sucumbência o que faz concluir que não será admissível recurso dela por ser a recorrente ter ficado vencida em menos de metade do valor da sucumbência. Em qualquer caso o conhecimento da questão dos juros nunca será conhecido nesta revista porque, ou ficará prejudicada pela baixa do processo para apreciação da matéria de facto, ou será legalmente inadmissível por lhe faltar um requisito prescrito pelo art. 629 nº1 do CPC. Explicado o objeto conhecível como restrito à verificação do cumprimento dos ónus de impugnação da matéria de facto estabelecidos no art. 640 nº1 do CPC, a recorrente protesta que, contra o que o acórdão recorrido decidiu, indicou concretamente os factos que pretendia impugnar, a prova que impunha decisão diversa (prova gravada com indicação concreta das passagens e prova documental), bem como a decisão a proferir, pelo que deveria ter sido apreciada a e decidida a sua impugnação. Apreciando esta questão, temos presente que o exercício efetivo pelo Tribunal da Relação do duplo grau de jurisdição quanto à decisão da matéria de facto, incluindo a eventual reapreciação de depoimentos gravados prestados oralmente na audiência de discussão e julgamento, à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607 n.º 5, ex vi do artigo 663 n.º 2, do CPC, tem como contrapartida a imposição aos recorrentes de um rigoroso ónus de impugnação. Dispõe o art. 640 do C. P. Civil que: “ 1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.” Como tem sido enunciado pela jurisprudência deste STJ - ver por todos o ac. de 29.10.2015 no processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1 in dgsi.pt – este regime consagra um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. O ónus primário é integrado pela exigência de concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas als. a), b) e c) do nº1 do citado art.640º, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. O ónus secundário traduz-se na exigência de indicação das exatas passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na al. a) do nº 2 do mesmo art. 640 tendo por finalidade facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência. De acordo com esta delimitação entende-se que, não sendo consentida a formulação ao recorrente de um convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, deverá ter-se atenção se as eventuais irregularidades se situam no cumprimento de um ou outro ónus uma vez que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1 do referido art. 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, enquanto a falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, al. a) terá como sanção a rejeição apenas quando essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo do tribunal de recurso – vd. Abrantes Geraldes in “ Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, 5ª ed. , págs. 169 a 175. A leitura interpretativa do art. 640 do CPC processa-se seguindo a ideia base de no cumprimento dos ónus, reportando sempre a um caso concreto, preferir o mérito e a substância sobre os requisitos ou exigências puramente formais, não esquecendo nunca que estes requisitos de forma devem ser respeitados de forma a permitirem, sem necessidade de serem completados por qualquer esforço interpretativo da responsabilidade do julgador( e do recorrido), um acesso fácil e direto ao objeto da impugnação: aos concretos factos que se impugnam; aos concretos meios de prova e razões que impunham decisão diversa; e a decisão que diversamente se protesta dever ser proferida. Não se extraindo diretamente do enunciado do art. 640 do CPC que o recorrente quando impugne a matéria de facto tenha de replicar uma fundamentação igual ou semelhante à que que deve ser observada pelo julgador nos termos do art. 607 nº4 primeira parte do CPC - que reporta à análise crítica da prova e à especificação dos fundamentos decisivos para a convicção -, a aparente inexistência desta obrigação apenas pode ser entendida como advertência para que a impugnação que realize deva ser precisa, clara e completa, de acordo com o que a lei lhe exige e a finalidade a que se destina. Deve indicar quanto a cada facto impugnado os concretos meios de prova em que baseia a sua discordância, sendo que “concreto meio de prova” no que se refere às testemunhas não é a transcrição de todo o depoimento, mas apenas o segmento decisivo e relevante quanto ao facto singular impugnado, do mesmo modo que, quanto aos documentos, não é apenas a identificação do mesmo. Podemos então ver como contrapartida à obrigação de o tribunal fazer a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), aquela outra que impende sobre o recorrente ao ter de enunciar sobre cada concreto facto os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa – não esquecendo a necessidade de o julgador perceber das alegações a análise (necessariamente crítica) que o recorrente faz não bastando reproduzir um ou outro segmento dos depoimentos. Sendo mais ou menos exigível, segundo o caso, que o recorrente explicite a sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considere incorretamente julgados, certo é que as insuficiências, discrepâncias ou deficiências da prova produzida têm de resultar do que e como se alegue e conclua, no confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado. Afirmar-se simplesmente que, com base nos mesmos elementos probatórios de que o tribunal se serviu, a decisão sobre o facto impugnado deveria ser diversa, poderá por vezes permitir ao Tribunal da Relação que se pronuncie sobre esse facto por ser evidente e manifesto pelo próprio meio de prova a discrepância. Porém, a maior parte das vezes, a indagação do desacordo sem enunciação das respetivas razões dificilmente permitirá ao julgador conhecer da impugnação. A impugnação não é uma possibilidade de o recorrente obter uma segunda convicção sobre o mesmo facto identificando-o a ele e ao meio de prova, obrigando o juiz a ir à procura de eventuais razões de discordância que o recorrente não alegou. É pelo contrário a invocação de um erro sobre a matéria de facto com a indicação de qual é o facto, qual é o meio de prova, quais as razões de discordância e como deveria ser julgado. Na observação das alegações/conclusões de recurso da apelação verificamos que a recorrente não alegou as razões da sua discordância (dizer que uns factos provados deveriam ser julgados como não provados ou vice versa não é, como vimos, enunciação das razões do erro mas sim o resultado que se pretende) e não discriminou para cada facto isolado os concretos meios de prova (o segmento do depoimento ou o teor dos documentos ou parte do documento relevante), o que faz concluir que não cumpriu os ónus do art. 640 do CPC como estes são prescritos. Porém, deve perguntar-se também se o modo como realizou a impugnação permite atingir mesmo assim de forma fácil, direta e inteligível os objetivos de precisão e rigor que a lei pretende. O legislador indicou que o impugnante não deve limitar-se a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda ou parte da prova produzida em primeira instância e daí que há muito o STJ se pronuncie no sentido de não estar cumprido o ónus se o apelante, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna – vd. acs. de 19-12-2018, no proc. n.º 271/14.5TTMTS.P1. S1 e de 05-09-2018 no proc. n.º 15787/15.8T8PRT.P1. S2. E igual jurisprudência recomenda que esta problemática seja presidida pelo princípio da proporcionalidade com a preocupação de efetuar uma análise rigorosa em face de cada caso concreto no sentido de se poder aproveitar das alegações/conclusões o que, sem esforço ou excesso de interpretação do art. 640 do CPC, seja inteligível da impugnação e da possibilidade de a conhecer. Da jurisprudência deste tribunal, obtemos que quando a impugnação não tenha sido facto a facto mas sim por blocos de factos deverá, com base nas indicações fornecidas pelo recorrente e não da responsabilidade ou critério do julgador, decidir-se se esse conjunto de factos impugnados se refere à mesma realidade (que deverá ser enunciada) e se os concretos meios de prova indicados pelo recorrente são comuns a esses factos. Quando tal aconteça (e seja indicado) a impugnação poderá ser admissível – vd . ac. STJ de 19/5/2021, Processo 4925/17.6T80AZ.P1.S1 in dgsi.pt. - se os factos individuais do bloco se inserem, digamos assim, num facto maior da mesma natureza, respeitando a aspetos da mesma realidade e se os meios de prova, quanto a toda essa realidade concreta e concretizada são os mesmos. Em verdade nestas situações estamos ainda no domínio da impugnação de um único facto/realidade desmultiplicado em vários e cuja prova é servida pelos mesmos meios, conforme expressa indicação do recorrente. Não é o que ocorre no caso porque a recorrente não referiu que todos os factos impugnados como provados e não provados correspondiam (e não correspondem) à mesma realidade ou que os meios probatórios (com a devida concretização) eram os mesmos, não podendo, obviamente, tomar-se a não indicação como uma forma implícita de uniformização, ou seja, que se nada se disse todos os factos eram a mesma realidade e todos os meios de prova na sua extensão eram os mesmos. A imposição da indicação precisa dos meios de prova que devem conduzir à pretendida modificação dos factos concretamente impugnados, deve estar presente quer a impugnação se realize facto a facto, quer seja aportada a conjunto de factos com a mesma natureza temática e servida pelos mesmos meios probatórios. O que não pode é, como no caso em presença, pretender-se o um novo escrutínio indiscriminado e global da factualidade subjacente à causa. A recorrente alegou que os factos dados como provados em 1, 5, 6, 9, 10, 11, 18, 19, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28,29, 30, 32, devem ser dados como não provados. E os factos não provados sob as alíneas c), d), e), f), h) e i) devem ser considerados provados. A seguir e sem discriminar refere que relativamente aos concretos meios probatórios que impõem diversa decisão, atente-se às declarações seguintes testemunhas, transcrevendo da pág. 5 à pág. 34 das suas alegações partes dos depoimentos de 8 testemunhas que identifica sem referir qual a parte de cada depoimento que corresponde em seu entender a cada facto impugnado e sem mencionar as razões de discordância. Quanto aos documentos que seria de tomar em consideração, a recorrente não reporta nenhum deles a nenhum facto impugnado concreto referindo o conteúdo dos mesmos e a sua interceção com o depoimento de uma outra testemunha, mas em nenhuma situação concretiza qual o facto que deveria ser alterado por força desse documento e depoimento de testemunha (também não identificado no seu segmento) e o porquê. O máximo que realiza é, quanto ao doc. 4 referir que “o Tribunal andou mal ao seguir unicamente o relatório do GEP, que dividiu o pavilhão em 3 zonas (A, B e C)” , ou, repetindo esta mesma expressão, quanto no documento 12, que o “o Tribunal deu uma ênfase excessiva ao relatório da GEP e não considerou minimamente os orçamentos dos empreiteiros, nem a razão de ciência de cada um ou a dificuldades de execução dos trabalhos, que cada um deu preço para realizar.” Trata-se no entanto de uma expressão que não toma por referência qualquer facto concreto que pretenda ver alterados com essa observação, dirigindo-a a um meio probatório que o tribunal recorrido teria privilegiado sem concluir que matéria essa sobrevalorização afetou nem em que termos. Quanto ao aditamento da matéria de facto que pretendia ver incluída, para lá da alteração daquela outra julgada como provada e não provada, ainda que esta pretensão não constitua uma impugnação de matéria de facto, no sentido típico, o recorrente quando entender que a matéria de facto provada e não provada não está completa, para a boa decisão da causa, pode invocar essa desconformidade em recurso. Com essa pretensão, querendo o recorrente ver incluídos factos alegados e sobre os quais versou o julgamento na matéria de facto, a partir de alegações e meios de prova, deve igualmente indicar que factos são esses (o que realizou); quais os concretos meios de prova que determinavam a fixação desses factos como provados e as razões pelas quais esse aditamento deveria ser realizado. Nesta parte, a recorrente limitou-se a alegar que deveriam ser julgados como provados os factos que a seguir enumera e sem mencionar que os mesmos se encontravam articulados ou quais, para cada um deles, os meios probatórios produzidos em audiência (segmentos de depoimentos ou documentos) que determinavam a sua prova afirmativa e inclusão. Assim, como decidiu o acórdão recorrido, não é possível discriminar inteligivelmente as razões e os concretos meios de prova que, quanto a cada um dos 24 factos impugnados impunham diferente decisão e, por assim ser, na confirmação de não terem sido cumpridos os ónus de impugnação da matéria de facto, deve meter-se sem alteração a decisão recorrida. E, porque mantendo-se esta decisão, como antes decidimos, não pode conhecer-se a questão suscitada pela recorrente quanto aos juros fixados por falta se sucumbência nos termos do art. 629 nº1 do CPC. Em consequência improcedem na totalidade as conclusões de recurso devendo ser negado provimento à revista. … … Síntese Conclusiva - O cumprimento dos ónus de impugnação da matéria de facto prevenidos no art. 640 do CPC não dispensa a alegação das razões de discordância não bastando que o impugnante sustente que determinados factos provados deverão ser julgados provados ou vice versa, limitando-se a apontar para documentos ou para segmentos transcritos de depoimentos. - A possibilidade de impugnação da matéria de facto por blocos de factos e blocos de meios de prova apenas deverá ser admitida quando o recorrente alegue ou seja manifesto que esse conjunto de factos (v.g. pelo seu número e natureza) e de meios de prova correspondem a uma mesma realidade factual que deverá ser julgada com os mesmos meios de prova (os mesmos segmentos sinalizados dos depoimentos das várias testemunhas e os mesmos documentos). - A possibilidade de o julgador sem indicação das razões de discordância poder apreciar a impugnação da matéria de facto apenas é admissível quando, tendo sido concretizado o facto impugnado, o concreto meio de prova oferecido e identificado e a decisão diversa que se propõe, seja evidente, por configurar um erro, que do concreto segmento da prova em questão (testemunhal ou documental) no confronto com o julgamento que foi feito desse facto, outra deveria ser a decisão. … … Decisão Pelo exposto acordam os juízes que compõem este Tribunal, em julgar improcedente o recurso e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente Lisboa, 30 de novembro de 2023 Relator: Cons. Manuel Capelo 1º Adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Ferreira Lopes 2º Adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Sousa Lameira |