Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO | ||
Descritores: | PROCURAÇÃO MANDATO NEGÓCIO UNILATERAL REPRESENTAÇÃO CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA CONTRATO DE COMPRA E VENDA PRAZO CERTO MORA PREÇO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ESCRITURA PÚBLICA FORÇA PROBATÓRIA PLENA PROVA TABELADA DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
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Data do Acordão: | 03/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA | ||
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Sumário : | Sumário elaborado pelo relator nos termos do art.º 663.º, n.º 7, do CPC I - A nulidade a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, c), do CPC, só ocorre quando se verifica “contradição lógica” entre os fundamentos e a decisão. II - A nulidade por omissão de pronúncia [artigo 615.º, n.º l, d)], sancionando a violação do estatuído no n.º 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer “questões temáticas centrais”, ou seja, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e excepções. III- A nulidade a que se reporta a alínea e), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C., só se verifica quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. IV- A interferência do STJ, na qualidade de tribunal de revista, no julgamento da matéria de facto é residual, circunscrevendo-se à sindicância da desconformidade com direito probatório material (art. 674.º/3 do CPC), à possibilidade de ordenar a ampliação da matéria de facto com vista a que a mesma constitua base suficiente para a decisão de direito ou à possibilidade de ordenar a sanação de contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito (art. 682.º, n.os 2 e 3, do CPC). V- No confronto entre “procuração” e “mandato”, a procuração inclui sempre e apenas poderes representativos, ao passo que o mandato, ligado à ideia de agir por conta doutrem, pode ou não envolvê-los. VI - A procuração é um negócio jurídico formal e unilateral, que outorga poderes de representação (art. 262.º do CC), cuja interpretação está sujeita às regras definidas pelo art. 238.º do CC (…)”. VII- O mandato é um contrato; a procuração é um acto unilateral. O primeiro impõe a obrigação de celebrar actos jurídicos por conta de outrem. O segundo confere o poder de os celebrar em nome de outrem. | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc.º n.º Processo: 3455/20.3T8VCT.G1.S1 ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I.- Relatório Recorrente: AA Recorridos: BB e Winnerchoice, S.A., 1.- AA, natural do Reino Unido, de nacionalidade israelita, viúva, titular do passaporte nº...39, emitido em 2014.02.09 pelas autoridades competentes de AKKO, com validade até 2024.03.08, titular do nº de identificação fiscal ...43, residente em ..., veio instaurar a presente ação declarativa de condenação, com processo comum contra BB (NIF ...93), solteiro, titular do cartão de cidadão nº ...87, residente na Rua ... e WINNERCHOICE, S.A. (NIPC 514 131 098), com sede na Rua ..., ..., pedindo que sejam os Réus condenados a proceder ao pagamento à Autora do montante de € 412.218,00 (quatrocentos e doze mil, duzentos e dezoito euros), acrescida de juros de mora, sendo, desde 2017.12.06, quanto a € 155.000,00 (€130.000,00 + € 25.000,00), desde 2018.09.17, quanto a € 180.000,00, desde 2019.01.09, quanto a € 17.428,00 (€ 7.000 +10.428,00), desde 2019.03.06, quanto a € 18.000,00 e desde 2019.06.19, quanto a € 32.000,00 (existe um lapso na p.i. no que respeita à soma dos valores parcelares e erro de escrita no valor das rendas). Alegou a A., resumidamente, que o Réu a incentivou a recorrer a um investimento em Portugal (quando tal não era a sua intenção), tendo condicionado a sua vontade para a compra de uma loja e que, desde o início, controlou as suas contas bancárias, às quais a A. não tinha acesso, bem como realizou ordens de transferência e pagamentos, à sua completa revelia e contra o seu interesse, causando-lhe graves danos patrimoniais. A A. juntou, com a p.i., vinte e sete documentos aos autos para prova do alegado. 2. Os RR. Citados apresentaram contestação. Os RR. impugnaram os factos alegados pela A. e deduziram pedido reconvencional. Os RR. pugnam pela improcedência da ação e pedem que a A. seja condenada a pagar, a título de reconvenção, uma indemnização de valor não inferior a € 3.515.000,00; pedem ainda a condenação da A. como litigante de má fé, em multa e indemnização condignas de 10.000 €. Alegam os RR., resumidamente, que foi o filho da A. que manifestou interesse em investir em Portugal, embora, depois, tenha sido a Autora a avançar com o investimento. Referem que foi a Autora a escolher o prédio que pretendia adquirir, consciente do seu preço, tendo sempre autorizado todas as transferências que foram feitas e necessárias à aquisição. Alegam os RR. que a tese sustentada pela Autora se estriba em factos manifestamente falsos e/ou totalmente deturpados/descontextualizados. Os RR., com a sua contestação, juntaram vinte e nove documentos aos autos. 3. - A A. veio apresentar resposta, impugnou os fundamentos da reconvenção apresentada pelos RR. e deduziu um pedido de condenação dos RR. como litigantes de má fé, nunca inferior a €10.000,00 €.” 4.- Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “ Decide-se assim julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada, condenando os Réus a pagar à Autora a quantia de 337.728,00 € (trezentos e trinta e sete mil, setecentos vinte e oito euros) acrescida de juros de mora, sendo: desde 2017.12.06, quanto a € 90.000,00 (€65.000,00 + €25.000,00); desde 2018.09.17, quanto a €180.000,00; desde 2019.01.09, quanto a €17.428,00 (€7.000 + €10.428,00); desde 2019.03.06, quanto a €18.000,00; e desde 2019.06.19, quanto a €32.300,00. Mais se decide julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido reconvencional. Custas pela A. e pelos RR. (na proporção do seu decaimento).” 5.- Apelaram os RR. por acórdão de 17/10/2024 a Relação de Guimarães, por unanimidade emitiu o seguinte dispositivo: A) julgar a apelação parcialmente procedente, na parte referente à impugnação da matéria de facto, alterando a decisão relativa à matéria de facto nos termos supra expostos; B) e, na sequência da alteração da matéria de facto, revoga-se, na parte impugnada, a decisão da sentença recorrida e no mais mantém-se e condenamse os RR a pagar a autora a quantia de € 240.428, acrescida de juros de mora, sendo: desde 2017.12.06, quanto a €25.000,00; desde 2018.09.17, quanto a €180.000,00; desde 2019.01.09, quanto a €17.428,00 (€7.000 + €10.428,00); desde 2019.03.06, quanto a €18.000,00. C) Custas pela A e RR na proporção do decaimento, seja na ação, seja no recurso. 6- A A.AA, interpôs recurso de revista do referido acórdão, tendo elaborado as seguintes conclusões, que se transcrevem: “DO PREENCHIMENTOS DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL I- Analisada a decisão quanto à matéria de facto e em particular os pontos 11, 17, 18, 21, 25, 28, 39, 43, 45, 57, 59 e 78, dos factos provados que a Recorrente assinou uma procuração a favor do Recorrido – que esteve em vigor entre 2017.10.05 e 2019.07.02 – conferindo-lhe poderes para a outorga da escritura pública de compra e venda relativo à autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em ..., no Largo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de... sob o nº ...75 da freguesia da ..., e inscrita na matriz predial urbana da mesma Freguesia, sob o artigo 16, bem como os poderes para praticar todos os atos necessários a essa mesma realização; II- Todavia, apesar da outorga da referida procuração por parte da Recorrente e do Recorrido exercer, à data dos factos, as funções de presidente do conselho de administração da Recorrida Winnerchoice, certo é que nenhum ato praticou com vista à outorga do contrato definitivo, a cuja celebração se tinha comprometido com a Recorrente, III- Tendo protelado a outorga da escritura de compra e venda do imóvel em causa nos autos até 2019.06.19; IV- Com efeito, resulta da decisão quanto à matéria de facto e em particular dos pontos supra elencados que as partes celebraram um contrato de mandato com representação tendente à compra do imóvel em causa nos autos; V- Estatui o artº. 1157º. do CC que se designa por mandato o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra; VI- Quer isto dizer que o mandato é um contrato típico e bilateral pelo qual uma das partes se obriga perante a outra a praticar um ou mais atos jurídicos de natureza judiciária, civil, comercial ou administrativa, VII- Apresentando, assim, como elemento essencial a assunção pelo mandatário da obrigação de praticar atos jurídicos; VIII- E que, nos termos do artº. 1159º., nºs. 1 e 2 do CC, tanto pode consistir num mandato geral que compreende apenas os atos de administração ordinária, como especial que abrange, além dos atos nele referidos, todos os demais atos necessários à sua execução; IX- Situação esta que se verifica no caso sub judice, pois que de acordo com o ponto 25 dos factos provados, a Recorrente emitiu uma procuração a favor do Recorrido através da qual lhe concedeu poderes para, em seu nome e representação, celebrar o contrato de compra e venda sobre o imóvel em causa nos autos e ainda para praticar todos os atos necessários à sua efetiva outorga, bem como para movimentação da conta bancária de que é titular junto do Banco Comercial Português, S.A. X- Ora, apesar de a procuração não se confundir com o contrato de mandato, certo é que aquela não só é o meio adequado para exercer o mandato como representa a exteriorização do poder negocial que é conferido ao mandatário por parte do mandante; XI- A este respeito, dispõe o artº. 1178º., nº. 2 do CC que o mandatário a quem hajam sido conferidos poderes de representação tem o dever de agir não só por conta, mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada; XII- Assim, por força do acordo alcançado entre a Recorrente e o Recorrido, exteriorizado na procuração emitida por aquela a favor deste, sempre se teria de concluir que o caso em causa nos autos consubstancia um mandato com representação; XIII- A relação de mandato assim estabelecida pressupõe uma relação de confiança, de competência e de resultado que gera uma relação jurídica de responsabilidade civil contratual à qual se aplicam as regras respetivas; XIV- A este propósito, dispõe o artº. 1161º. do CC que consubstanciam, entre outras, as obrigações do mandatário praticar os atos compreendidos no mandato e comunicação ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se não o tiver executado, o respetivo motivo; XV- Obrigações estas que manifestamente não foram cumpridas no caso dos autos, desde logo, porque o Recorrida, em 2017.10.07, comunicou à Recorrente que o negócio estava fechado com o vendedor; XVI- Quando, na verdade apenas em 2017.12.20 celebrou o contrato-promessa com a Recorrida Winnerchoise, S.A., de que era administrador, estipulando que o contrato definitivo fosse celebrado até 2018.03.31 e sem que, em momento algum, tivesse comunicado tal facto à Recorrente; XVII- Por outro lado, apesar de ter celebrado o contrato-promessa com a Recorrida Winnerchoice, S.A. e ter estipulado a data- limite de 2018.03.31 para celebração do contrato definitivo, certo é que não diligenciou pela outorga da escritura pública de compra e venda em questão; XVIII- Antes pelo contrário, sabendo da existência do contrato de arrendamento sobre o dito imóvel e da obrigação da sociedade “R..., Lda.”, pagar mensalmente o montante de € 1.900,00 ao proprietário do imóvel – a Recorrida Winnerchoice, S.A. da qual era o legal representante – decidiu protelar a assinatura do contrato definitivo; XIX- De onde resulta que o Recorrido, ao arrepio dos deveres e obrigações a que se encontrava contratual e legalmente adstrito não diligenciou pela outorga da escritura pública de compra e venda relativa ao imóvel em causa nos autos, inviabilizando, assim, que a Recorrente pudesse começar a receber as rendas relativas ao contrato de arrendamento que incidia sobre o dito imóvel; XX- Estatui o artº. 798º., nº. 1 do CC que o devedor que falte culposamente ao cumprimento das suas obrigações torna-se responsável pelo prejuízo causado ao credor; XXI- E, dispõe o artº. 799º., nº. 1 do CC que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua; XXII- Em face desta presunção de culpa, não incumbia à Recorrente provar que o atraso na celebração do contrato definitivo se verificou por responsabilidade do Recorrido, pois que, contrariamente ao que decorre da decisão recorrida, não teria aplicação o disposto no artº. 342º., nº.1 do CC, XXIII- Mas antes o disposto no artº. 344º., nº. 1, do mesmo diploma legal, que estatui que as regras relativas ao ónus da prova invertem-se quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova; XXIV- Quer isto dizer que, por força da presunção de culpa a que alude o artº. 799º. do CC, impunha-se que o Recorrido demonstrasse que o atraso na celebração do contrato definitivo não lhe era imputável, o que em face dos factos provados, manifestamente não se verificou; XXV- Aqui chegados, dispõe artº. 562º., do CC, que aquele que estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação; XXVI- Reparação essa que, nos termos do artº. 564º., nº. 1 do CC, engloba não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão; XXVII- De onde se conclui que o Recorrido é responsável perante a Recorrente pelo pagamento do valor das rendas que esta deixou de auferir no período de 2018.01.08 e 2019.06.19, cujo valor ascende à quantia de € 32.300,00; XXVIII- De igual modo, a Recorrida ao não ter procedido à marcação da escritura pública de compra e venda – tal como previamente estipulado no contrato-promessa – incumpriu a obrigação que sobre si incidia, constituindo-se em mora e na obrigação de reparar os danos causados à Recorrente, nos termos e para os efeitos do artº. 804º., nºs. 1 e 2 do CC, XXIX- Danos esses que, também quanto à Recorrida, se reconduzem ao montante das rendas que a Recorrente deixou de auferir pela não celebração do contrato definitivo dentro do prazo fixado no contrato-promessa; DA NULIDADE POR CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO XXX- Por outro lado, não se pode deixar de salientar que apesar de o Tribunal a quo ter concluído que o Recorrido tinha poderes de representação da Recorrente para efeitos de celebração do contrato de compra e venda relativamente ao imóvel em causa nos autos e, bem assim, para praticar todos os atos necessários para o efeito, concluiu não existir qualquer vínculo contratual suscetível de fundar qualquer responsabilidade civil contratual; XXXI- E, relativamente à Recorrida Winnerchoice concluiu pela existência de mora no cumprimento do contrato-promessa celebrado pelo Recorrido, em nome e representação da Recorrente, para depois concluir pela inexistência de qualquer obrigação de indemnização pelos danos resultantes do atraso na outorga do contrato definitivo; XXXII- Quando, na verdade, resultou provado que em face do atraso na outorga do contrato definitivo, a Recorrida Winnerchoice continuou a auferir o valor das rendas devidas por força do contrato celebrado com a sociedade “R..., Lda.”, ficando a Recorrente impedida de auferir tais rendimentos; XXXIII- Assim e conforme o disposto no artº. 615º., nº. 1, alínea c) do CPC, é forçoso concluir pela existência de uma nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão, o que implica a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que condene os Recorridos no pagamento à Recorrente do montante de € 32.300,00, acrescido de juros de mora vencidos até efetivo e integral pagamento; DOS MONTANTES INDEVIDAMENTE TRANSFERIDOS PARA CC XXXIV- Quanto à compensação paga à testemunha DD, cujo montante foi transferido para a conta de CC, considerou o Tribunal a quo que tal montante não chegou a ser peticionado, excluindo tal quantia na compensação arbitrada a favor da Recorrente; XXXV- Contudo, quando analisado o pedido formulado em sede de petição inicial facilmente se constata que aí vem indicado um valor global de € 412.218,00 que não discrimina os concretos valores que integram o montante total do pedido; XXXVI- Ora, estatui o artº. 5º., nº. 1 do CPC que às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aquelas em que se baseiam as exceções invocadas; XXXVII- E, por sua vez, dispõe o artº. 615º., nº. 1, alínea e) do CPC, aplicável por via da remissão efetuada pelo artº. 666º., nº. 1 do mesmo diploma legal, que a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido; XXXVIII- Assim, por força do princípio do dispositivo, o Tribunal apenas se encontra impedido de conhecer de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes ou condenar em montante superior ao peticionado, XXXIX- Pelo que, integrando a transferência abusiva para a referida DD a causa de pedir alegada pela Recorrente e encontrando-se tal valor abrangido pelo valor global do pedido formulado em sede de petição inicial – o que manifestamente se verifica –, o Tribunal a quo nunca poderia excluir a condenação dos Recorridos no pagamento de tal quantia desde que os factos provados permitissem sustentar a decisão de direito a proferir; XL- Ora, da leitura do elenco dos factos provados fixados pelo Tribunal a quo resulta que a Recorrente não só não teve prévio conhecimento da transferência da dita quantia de € 12.300,00, como o único acordo que terá existido foi entre o Recorrido e EE e apenas quanto ao pagamento de uma eventual compensação sem que fosse estipulado ou acordado qualquer valor para o efeito; XLI- Situação esta que, pura e simplesmente, não é idónea a comprovar a existência de qualquer acordo da Recorrente para a transferência de tal montante, pois que conforme resulta do ponto 10 dos factos provados, os montantes depositados na conta bancária aberta por esta junto do Millennium BCP eram propriedade desta e não do referido EE; XLII- Por conseguinte, tendo em conta o ónus da prova fixado no artº. 342º., nº. 1 do CC, o Tribunal a quo nunca poderia considerar justificado a transferência de tal montante e consequentemente deduzir tal valor ao valor da compensação a pagar pelos Recorridos à Recorrente; XLIII- Todavia, ao não conhecer desta questão com fundamento no facto de o montante em causa não ter sido peticionado, o Tribunal a quo incorreu numa omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do artº. 615º., nº. 1, alínea d) do CPC, o que acarreta a nulidade da decisão recorrida; DA DIFERENÇA ENTRE O VALOR ACORDADO E O PREÇO DE VENDA DO IMÓVEL XLIV- Quanto a este específico ponto, o Tribunal concluiu pela inexigibilidade do valor correspondente à diferença entre o valor acordado entre a Recorrente e o Recorrido para aquisição do imóvel e o seu efetivo preço de venda; XLV- Para tanto, o Tribunal a quo socorreu-se do teor contrato de compra e venda outorgada entre o Recorrido, em representação da Recorrente, e FF, em representação da Recorrida Winnerchoice, para, com base nele, dar como provado quer o efetivo preço de venda do imóvel em causa nos autos, quer para dar como não provado que o valor indicado pelo Recorrido à Recorrente para venda do imóvel em causa nos autos se cifrava no montante de € 500.000,00; XLVI- Contudo, contrariamente ao que vem afirmado pelo Tribunal a quo, o contrato de compra e venda da loja em causa nos autos não faz prova plena quer quanto ao efetivo preço de aquisição do imóvel, quer quanto ao montante que o Recorrido se encontrava autorizado a gastar para concretizar a referida aquisição; XLVII- Pois que, nos termos conjugados dos artºs. 371º., nº. 1 e 377.º do CC, os documentos autênticos e autenticados apenas fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que são atestados no documento com base nas perceções da entidade documentadora; XLVIII- Por outro lado, tendo os outorgantes do contrato de compra e venda afirmado que o preço declarado de € 565.000,00, já havia sido recebido nos moldes aí indicados, sempre se terá de concluir que tal declaração consubstancia uma confissão extrajudicial, nos termos e para os efeitos do artº. 358º., nº. 2 do CC; XLIX- Quer isto dizer que com base em tal documento, o Tribunal a quo apenas poderia dar como provado que os outorgantes declararam um preço de venda de € 565.000,00 e que tal montante foi liquidado nos moldes indicados no dito contrato de compra e venda; L- Por conseguinte, o aludido documento nunca poderia servir para dar como provado o montante acordado entre a Recorrente e Recorrido para aquisição do imóvel em questão e muito menos permitiria afastar os demais elementos de prova carreados para os autos a este respeito, pelo que, tendo-o feito, o Tribunal a quo violou o disposto nos artºs. 358º., nº. 2 e 371º., nº. 1 do CC; LI- Por outro lado, da conjugação dos artº. 342º., nºs. 1 e 2 do CC, resulta que incidia sobre a Recorrente o ónus de demonstrar a efetiva celebração do contrato de mandato e respetivo âmbito; LII- E, por sua vez, incidia sobre o Recorrido a obrigação de demonstração do cumprimento das obrigações a que se encontrava adstrito por via da celebração do contrato de mandato em questão; LIII- Ora, conforme resulta do disposto no artº. 1161º., alínea a) do CC, entre tais obrigações encontrava-se, desde logo, a prática dos atos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandate, ou seja, a aqui Recorrente; LIV- Dito de outro modo, incumbia ao Recorrido demonstrar que o preço de venda declarado na escritura pública de compra e venda por este outorgado, em nome e representação da Recorrente, o foi dentro dos limites previamente acordados com esta última, o que não logrou fazer; LV- Sem conceder, diga-se ainda, que da leitura da decisão recorrida resulta que a Recorrente referiu em sede de audiência que o valor acordado com o Recorrido para aquisição do imóvel ascendia a € 500.000,00, afirmação que foi corroborada por EE que sustentou que o réu não foi autorizado a gastar mais de € 500.000,00; LVI- Tendo o Tribunal a quo concluído afirmado que o referido EE tinha perfeito conhecimento dos valores e do negócio que se encontrava em curso para depois excluir o respetivo depoimento, o que evidencia uma manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão; LVII- Por conseguinte, andou mal o Tribunal ao dar como não provado o ponto 20 dos factos provados na sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância com fundamento no valor probatório do contrato de compra e venda em causa nos autos; LVIII- Ainda assim sempre se diga que os factos dados como provados pelo Tribunal a quo e, em particular os pontos 12, 15, 17, 18, 25, 28, 35, 36, 44, 45, 46, 47, 51 e 82, impunham que se tivesse mantido a decisão do Tribunal de Primeira Instância na parte em que se havia concluído que o Recorrido não tinha autorização para despender mais de € 500.000,00 com a aquisição do imóvel; LIX- Porquanto, dos pontos 12 e 15, é possível concluir que a Recorrente não pretendia despender mais de € 500.000,00 na aquisição do imóvel em causa nos autos; LX- Conclusão que é reforçado pelo ponto 82 em que consta que a Recorrente anuiu em vender o imóvel pelos mesmos € 500.000,00, o que é demonstrativo do valor do imóvel em questão; LXI- Por sua vez, resulta dos pontos 44 e 45 que o valor de € 565.000,00, indicado aquando da outorga do comtrato de compra e venda, apenas foi conhecido pela Recorrente aquando da obtenção de cópia da referida escritura; LXII- E, resulta dos pontos 47 que as transferências efetuadas para a Winnerchoice apenas foram conhecidas pela Recorrente aquando da obtenção dos respetivos extratos bancários em 2019, situação que originou o pedido de esclarecimentos efetuado pela Recorrente ao Recorrido, a que se reporta o ponto 52 dos factos provados; LXIII- Por conseguinte, em face da decisão quanto à matéria de facto a que supra se fez referência, nunca o Tribunal a quo poderia dar como provado que a Recorrente deu o seu aval e tinha conhecimento que a compra da loja em questão seria efetuada pelo montante de € 565.000,00, ou seja, o Tribunal a quo não podia concluir pela inexigibilidade do montante de € 65.000,00, a que os Recorridos haviam sido condenados em primeira instância, LXIV- Porquanto, não tendo havido autorização da Recorrente para que o Recorrido adquirisse a loja pelo montante declarado no contrato de compra e venda, ou pelo menos não se tendo provado tal autorização, sempre aquele estaria obrigado a proceder à devolução de tal montante, nos termos conjugados dos artºs. 798º., 562º. e 563º. do CC; LXV- Em face de tudo quanto vem exposto nas alegações de recurso, o Tribunal a quo violou o disposto nos artºs. 1157º., 1159º., nºs.1 e 2, 1161º., 1178º., nº. 2, 798º., nº. 2, 799º., nº. 1, 342º., nº.1, 344º., nº. 1, 350º., nº. 1, 358º., nº. 2, 371º., nº. 1, 562º., 564º., nº. 1 do CC e dos artºs. 5º., nº. 1, 615º., nº. 1, alíneas c), d) e e) e 666º., nº. 1 do CPC. Nestes termos e demais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, com a necessária alteração da decisão recorrida na parte em que absolveu os Recorridos do pagamento à Recorrente dos montantes de (i) € 32.300,00, correspondente ao valor global das rendas que a Recorrente deixou de auferir entre janeiro de 2018 e junho de 2019, (ii) € 12.300,00, correspondente ao valor indevidamente transferido da conta da Recorrente para a conta de CC e de que foi beneficiária a testemunha DD e (iii) € 65.000,00, correspondente ao valor transferido pelo Recorrido para a Recorrida e que excedia a autorização concedida por esta quanto ao montante a despender para aquisição da loja em causa nos autos, acrescidos dos respetivos juros de mora até efetivo e integral pagamento, Assim se fazendo como sempre a tão acostumada JUSTIÇA! 7.- Os AA. - BB e WINNERCHOICE, S.A., contra-alegaram, tendo rematado com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1. O presente recurso de revista foi interposto pela Recorrente por, em suma, discordar quer da subsunção fáctico-jurídica operada pelo Tribunal da Relação de Guimarães face a certos pontos da matéria de facto, quer da aplicação das regras de distribuição do ónus da prova nos termos consignados no douto Acórdão, que resultou na redução do valor da indemnização em que os Recorridos foram condenados em primeira instância. 2. Pretende, portanto, repristinar a decisão proferida pelo Juízo Central Cível de .... 3. Os Recorridos não têm a mínima dúvida de que a revisão e a alteração da matéria de facto e da subsequente decisão de direito proferida em sede de recurso de apelação respeitou, na íntegra, todos os princípios processuais e materiais em que se baseia o nosso Direito, devendo, por isso, ser mantida. I) DO SUPOSTO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL QUANTO AO PEDIDO DE CONDENAÇÃO NO PAGAMENTO DAS RENDAS VENCIDAS ENTRE JANEIRO DE 2018 E JUNHO DE 2019 4. O Tribunal a quo considerou que a Recorrente não cumpriu o ónus de prova que lhe incumbia, ao abrigo da responsabilidade civil delitual, quanto ao requisito da (pretensa) culpa do Recorrido no hiato temporal decorrido entre a celebração do contrato promessa e a outorga da escritura definitiva de compra e venda. 5. A Recorrente discorda desse entendimento, argumentando que entre as partes havia sido celebrado um contrato de mandato com representação e que, nessa medida, deverão aplicar-se as regras da responsabilidade civil contratual ao caso em apreço e, à luz do art. 799.º do CC, presumir-se a culpa do Recorrido. 6. No seu dizer em sede de revista, quando a Recorrente outorgou a procuração a favor do Recorrido, celebrou-se entre as partes um contrato de mandato com representação, no âmbito do qual o Recorrido teria ficado incumbido de a representar também na escritura de compra venda do imóvel e de, face a esse negócio, tomar todas as providências necessárias. 7. Nesse sentido, requer a este Tribunal ad quem que, aplicando o regime da responsabilidade civil contratual ao caso sub judice, recorra à regra da inversão do ónus de prova quanto à culpa presumida do devedor e, dessa forma, considere que era ao Recorrido que incumbia provar a ausência dessa culpa, pelo que, não o tendo feito, terá que ser condenado ao abrigo desse regime. 8. Os Recorridos não podiam discordam mais de semelhante tese, quer por contrariar a apreciação da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal a quo (insindicável por este Tribunal ad quem), quer porque a sua aceitação implicaria uma alteração da causa de pedir e/ou do objeto para o regime da responsabilidade civil contratual, com flagrante violação e/ou desconsideração do ónus de alegação de factos essenciais e de outros princípios basilares do nosso processo civil, como são o princípio do dispositivo e da autorresponsabilidade, o princípio da igualdade e os princípios do contraditório e da proibição de decisões surpresa. 9. Em primeiro lugar, na fixação da matéria factual, ao contrário do que a Recorrente advoga, o Tribunal a quo deu como não provado que o Recorrido se tivesse obrigado, em representação dela, a celebrar o contrato de compra e venda do imóvel, pagar o preço e tratar de todos os aspetos relacionados com o contrato com o comprador, 10. pelo que, ainda que se aceitasse a celebração de um qualquer contrato de mandato entre as partes – o que veementemente se repudia –, jamais o mesmo abrangeria essa obrigação, atenta a matéria de facto assente e não assente. 11. Mas, independentemente disso, a existência de um qualquer vínculo contratual entre as partes constitui um facto essencial constitutivo da causa de pedir num pedido de indemnização fundado na responsabilidade civil contratual, razão pela qual careceria de ter sido alegada, nos termos dos arts. 3.º, n.º 3 e 5.º do CPC, logo na petição inicial. 12. A Recorrente não só não alegou este vínculo contratual ao longo de todo o processo, como nem sequer juntou aos autos a procuração a que agora alude para tentar fundamentar a existência dessa relação! 13. A relação material controvertida nunca foi configurada no quadro de um contrato entre as partes, não foi sequer conjeturada ao longo de todo o processo. 14. A Recorrente não formulou na sua petição inicial pedidos alternativos ou subsidiários que, de alguma forma, fossem suscetíveis de articular a ideia de um contrato e/ou que, nessa medida, pudessem sustentar uma ampliação do objeto da causa. 15. Ao invés, tanto na petição inicial, como na sua reposta às alegações de recurso de apelação, a Recorrente taxativa e expressamente invocou sempre o regime da responsabilidade civil extracontratual, estribando o seu pedido no art. 483.º do CC! 16. Os Recorridos nunca tiveram oportunidade de se pronunciar quanto a esta novíssima questão, já que foram surpreendidos com semelhante arguição apenas em sede de recurso de revista. 17. Do que naturalmente se conclui que a alegação, nesta fase, de um vínculo contratual que até ao momento jamais foi sequer equacionado pela própria Recorrente, mais não representa do que a derradeira tentativa de ultrapassar o insucesso no cumprimento do ónus de prova de todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, de que dependia (e depende) a procedência do seu pedido. 18. Salvo o devido respeito, é mais do que notório que, com o pretexto de se tratar apenas de uma discussão de “matéria de direito” (e, nessa medida, supostamente dentro dos poderes de cognição deste Tribunal ad quem), a Recorrente tenta agora subverter o sistema e introduzir, sob essa falsa égide, factos novos e essenciais e/ou uma nova configuração desses factos, de forma totalmente inédita para os Recorridos, que não estavam incluídos na causa de pedir. 19. Aceitar-se a introdução de um facto essencial (celebração de um contrato entre as partes) nesta sede – o que apenas por mera hipótese académica se questiona – equivaleria a alterar a matéria de facto e a causa de pedir, colocando a discussão jurídica num plano totalmente distinto daquele que até aqui – note-se, até ao recurso de revista – foi levado a cabo por ambas a partes. 20. Por outras palavras, representaria a aceitação das decisões-surpresa no nosso ordenamento jurídico, o que, como é consabido, é absolutamente vedado pelos arts. 3.º, n.º 3 e 4.º do CPC. 21. Também a nossa jurisprudência é extensa e corroborativa deste entendimento, sendo disso exemplos os Acórdãos citados ao longo do corpo das alegações, para cujas passagens com interesse se remete supra (cfr., entre outros, Acórdão do STJ, de 01.02.2011, processo n.º 2005/03OTVLSB.L1.S1; Acórdão do STJ, de 29.01.2014, processo n.º 1206/11.2TBCHV.S1; Acórdão do TRL, de 15.05.2014, processo n.º 26903/13.4SNT.L1-2; Acórdão do TRL, de 14.04.2005, processo n.º 384/2005-8; Acórdão do TRG, de 16.11.2005, processo n.º 1748/05-2; Acórdão do TRC, de 26.06.2012, processo n.º 7026/04.3TJLSB.C1, Acórdão do TRP, de 02.12.2019, processo n.º 14227/18.8T8PRT.P1). 22. Em suma e por todos, “cabem no âmbito das decisões-surpresa aquelas que, embora, juridicamente, possíveis, não foram peticionadas, e que as partes não tinham o dever de prognosticar, antes estabelecem uma relação colateral com o pedido formulado para a concreta decisão da causa” – Acórdão do STJ, de 01.02.2011, processo n.º 6845/07.3TBMTS.P1. 23. Por todos estes motivos, à luz do princípio do dispositivo, do contraditório e do dever de cumprimento do ónus de alegação de factos essenciais, deve o recurso de revista improceder neste concreto ponto, mantendo-se na íntegra a douta decisão do Tribunal a quo quanto à aplicação, ao caso concreto, do regime da responsabilidade civil por factos ilícitos e do ónus de distribuição da prova quanto aos respetivos pressupostos. Sem prescindir, 24. Para a eventualidade de se aceitar a alegação deste novo facto essencial e a subsequente alteração da causa de pedir /objeto da causa – o que não se concebe, nem se concede e apenas por mero dever de patrocínio se equaciona –, importa esclarecer, para efeitos da interpretação da vontade negocial das partes quanto à pretensa celebração de um contrato de mandato, que constitui matéria de facto (por isso, não suscetível de ser conhecida em recurso de revista) o apuramento da vontade real das partes, declarante e declaratário (Recorrente e Recorrida), no escopo das negociações – cfr., por todos, os citados Acórdão do STJ, de 04.05.2010, processo n.º 2066/04.5TJ.VNF.P1.S1 e Acórdão do TRG, de 19.09.2024, processo n.º 1713/21.9T8VRL.G1. 25. Restar-nos-ia, por isso, o apuramento da vontade negocial das partes à luz da teoria da impressão do destinatário, nos termos dos arts. 236.º ss do Código Civil – “[...] o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. [...] deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações, a determinados tópicos, ou seja, “à ordem envolvente da interacção negocial”, como a letra do negócio, as circunstâncias do tempo, lugar e outras que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respetivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei, os usos e costumes por ela recebidos, bem assim o comportamento posterior dos contraentes.” – vide Acórdão do TRG, de 14.09.2010, processo n.º 5191/08.0TBLRA.C1. 26. Mesmo neste cenário de interpretação da vontade das partes à luz do art. 236.º ss do CC, a resposta quanto à celebração de um contrato de mandato sempre teria que ser negativa. 27. Contrato de mandato e procuração não se confundem nem são figuras coincidentes! 28. Por via da celebração do contrato de mandato, surge a obrigação de celebrar contratos ou praticar atos jurídicos por conta de outra pessoa (o mandante); já a outorga da procuração faz nascer a obrigação de celebrar esses atos em representação de outrem. Daí que possam coexistir as figuras de mandato sem procuração e de procuração sem mandato – veja-se a vasta jurisprudência a esta respeito, para cuja citação no corpo das alegações se remete: Acórdão do STJ, de 13.05.2022, processo n.º 1021/16.7T8CSC.L2.S1; Acórdão do STJ, de 30.05.2013, processo n.º 4576/07; Acórdão do STJ, de 17.06.2003, disponível para consulta em CJ/STJ/2003, 2.º- 109 e Acórdão do TRL, de 27.10.2015, processo n.º 25453/12.0T2SNT.L1-1. 29. No caso sub judice, resulta de todo o circunstancialismo fáctico trazido aos autos, bem como da prova oportunamente produzida, que a Recorrente apenas outorgou a procuração a favor do Recorrido assim que optou pela compra daquele específico imóvel, para que ele a representasse nesse concreto negócio – cfr. arts. 18), 21) e 25) dos factos provados. 30. A concessão de poderes de representação ao Recorrido para intervir naquele negócio em sua representação teve como pressuposto ela ter optado pela compra da que tinha com ele visitado (sobre a qual a Recorrida Winnerchoice, S.A. tinha já celebrado um contrato-promessa de compra e venda com a anterior proprietária), para efetuar o investimento de que necessitava com vista à obtenção do visto gold. 31. A isso acresceu, como resultou provado (cfr. arts. 28 e 29 dos factos provados), o facto de a Recorrente ter regressado ao seu país de origem, Israel, ainda antes de o negócio de compra e venda definitivo entre a Recorrida Winnerchoice, S.A. e a A..., Lda. ter sido efetivamente celebrado. 32. Vale isto por dizer que a outorga da referida procuração ocorreu num cenário em que era imperativo que alguém a representasse na formalização do negócio posterior, porquanto aquele com o primitivo proprietário ainda não estava celebrado com a Recorrida Winnerchoice, S.A. 33. Coisa distinta aconteceria se entre a Recorrente e o Recorrido tivesse existido um acordo prévio e expresso, de forma tal que a primeira o tivesse mandatado e incumbido de diligenciar, por sua conta, por todas as providências necessárias à obtenção do visto gold, como seriam a escolha do meio de investimento para a sua obtenção, as prévias seleção e pesquisa imobiliária, o contacto direto com todos os agentes imobiliários, o agendamento e a realização das respetivas visitas aos imóveis previamente selecionados, a negociação dos preços e das condições dos eventuais negócios diretamente com a contraparte, por conta dela, etc. 34. Para além de ter sido a Recorrente a visitar todos os anteriores imóveis que considerou para o investimento e de ter sido ela quem optou por esta concreta loja, bem como que acordou com o Recorrido todas as condições do negócio (tanto é que as versões de ambos divergem quanto ao preço acordado), existe nos autos vasta prova documental de que, antes de escolher este imóvel, chegou mesmo a negociar as condições de compra relativamente a outros, sendo o Recorrido completamente alheio a essa circunstância. 35. Donde se concluí que os únicos motivos pelos quais a Recorrente emitiu a procuração a favor do Recorrido, no momento e nas circunstâncias em que o fez, foram o facto de a sua escolha para investimento ter recaído naquela concreta e particular loja, sobre a qual sabia que ele já tinha um negócio em curso, 36. ao que se somou a necessidade de fazer-se representar no momento da respetiva outorga, por não se mostrar possível a celebração do contrato promessa de compra e venda no espaço temporal em que a Recorrente ainda se encontrava no nosso país. 37. Posto isto, na perspetiva de declarante da Recorrente, ressalta à evidência que ela não teve a consciência (muito menos a vontade) de estar a emitir uma declaração negocial convergente com a celebração de um contrato de mandato – até porque foi a própria quem, a fim de responsabilizar o Recorrido na sua atuação, configurou a relação interpartes, quer em primeira, quer em segunda instância, no âmbito da responsabilidade delitual ou aquiliana. 38. De igual modo e por mera cautela, dir-se-á que decorre também de todo circunstancialismo vindo de expor, a par dos factos dados como provados, que o Recorrido nunca sequer cogitou essa hipótese, tendo sempre agido no pressuposto de que apenas estaria a cumprir a função de representação da Recorrente no contrato promessa quanto a este específico contrato promessa, por ela se encontrar no estrangeiro e não poder deslocar-se a Portugal para o efeito. 39. Por outras palavras, mesmo que se aplicasse ao caso sub judice a teoria da impressão do declaratário à luz do art. 236.º do CC, dúvidas não restariam de que jamais um declaratário minimamente diligente, colocado na posição do real declaratário (o Recorrido), teria interpretado ou tido a obrigação de interpretar a vontade da Recorrente como uma proposta contratual para a celebração de um contrato de mandato, muito menos de um que o obrigasse a celebrar a escritura de compra e venda por sua conta – o que, como resulta da douta decisão em crise, não resultou provado! 40. Sem prejuízo do que vem de dizer-se, resultou da matéria de facto não provada (pp. 86 e 87 do douto Acórdão em crise): (i) que o Recorrido tivesse ficado de celebrar o contrato definitivo em representação da Recorrente; e, (ii) que ela tivesse tomado qualquer iniciativa, previamente a junho de 2019, quer para diretamente requerer a celebração do contrato definitivo à Recorrida Winnerchoice, S.A., quer para solicitar ao Recorrido que, em sua representação, o fizesse e interviesse na respetiva outorga (como veio a suceder naquela altura). 41. Para chegar as estas conclusões, o Tribunal a quo socorreu-se de toda a prova documental junta aos autos, bem como das declarações e depoimentos de partes e de testemunhas, a par de presunções judiciais, com base nas regras da experiência comum: “Ou seja, conjugada toda essa prova, apenas uma hipótese se perfila, dentro das regras da experiência comum e comportamento normais, aquelas ordens de transferência assinadas pela autora e da sua conta bancária da suíça para a sua conta bancária no BCP [leia-se, em julho, agosto e setembro de 2018], apenas poderão ter sido dadas pela própria autora. Estas comunicações eletrónicas igualmente colocam em causa a versão da autora quando em declarações afirmou que desde 2017 até 2019 nunca mais teve contactos com o réu. [...] Mas já o mesmo não ocorre a respeito das quantias referentes às rendas do contrato de arrendamento da loja em causa, porquanto não se provou que foi por causa imputável ao réu que o contrato prometido de compra e venda não se realizou anteriormente à data que veio a ser realizado – 19-06-2019. Pelo exposto, e por não existir qualquer responsabilidade contratual (muito menos extracontratual) improcederá, neste particular, a indemnização peticionada das rendas não recebidas, pelo que se a autora nada fez desde Março de 2018 (data limite para ser marcada a realização do contrato prometido) até junho de 2019 (data da realização efetiva do contrato prometido), nomeadamente não converteu a mora em incumprimento definitivo, sibi imputet “(destacado nosso). 42. E sobre o uso de presunções judiciais pelas instâncias para a fixação da matéria de facto provada e não provada e a impossibilidade de sindicância, via de regra, pelo Tribunal de Revista, existe também diversa jurisprudência que unanimemente o estipula – cfr. o supra citado Acórdão do STJ, de 30.11.2021, processo n.º 212/15. 43. Assim, uma vez que, por um lado, não se provou que o Recorrido tivesse ficado de representar a Recorrente na escritura de compra e venda do imóvel e, por outro, a Recorrente não logrou provar que, previamente a junho de 2019, tivesse solicitado à contraparte a marcação da escritura e/ou ao Recorrido que o fizesse e nela interviesse em sua representação, 44. bem andou o Tribunal a quo ao julgar como improcedente, em virtude da aplicação das regras gerais do ónus de prova, o pedido de condenação do Recorrido ao pagamento das rendas vencidas entre janeiro de 2018 e junho de 2019. II) DOS MONTANTES TRANSFERIDOS PARA CC 45. O Tribunal a quo não apreciou a eventual responsabilidade do Recorrido na transferência da quantia de € 12.300,00 para a conta de CC, que veio a beneficiar a sua filha, DD, por estar vinculado ao princípio do pedido e a mesma não ter sido peticionada pela Recorrente. 46. A Recorrente impugna este segmento do Acórdão, argumentando que essa quantia está incluída no valor global do pedido, sendo que apenas não se indicou a data a partir da qual se deveriam contar os respetivos juros de mora. 47. Ora, basta um simples cálculo aritmético para se constatar que isso não corresponde à verdade e que, uma vez mais, bem andou o Tribunal a quo no segmento decisório que fundamentou a improcedência dessa pretensão. 48. O pedido a final formulado na petição inicial (excluindo a contabilização os juros de mora) ascende a € 412.218,00 (quatrocentos e doze mil e duzentos e dezoito euros). 49. Operando-se a soma aritmética de todos os valores elencados nos arts. 77.º a 81.º da petição inicial (entre os quais não figura o montante de € 12.300,00) apura-se precisamente o valor global do pedido de € 412.218,00 = (€ 130.000,00 + € 9.490,00 + € 25.000.00 + € 32.300,00 + 215.428,00), 50. pelo que é manifestamente falso que o valor global do pedido tenha incluído esse montante. 51. Assim, à semelhança do que ocorreu com outras quantias a que a recorrente aludiu na sua petição inicial e que não foram englobadas no valor do pedido, não poderá o pedido de pagamento deste montante ser julgado procedente, sob pena de tal procedência configurar uma nulidade do acórdão, por condenação em valor superior ao peticionado, à luz dos arts. 609.º, n.º 1 e 615, n.º 1, e) do CPC. III) DA DIFERENÇA ENTRE O VALOR (SUPOSTAMENTE) ACORDADO DE € 500.000,00 E O PREÇO DE VENDA DO IMÓVEL 52. Contrariamente ao que a Recorrente advoga, o Tribunal a quo não estribou a sua decisão quanto à fixação da quantia acordada entre as partes para a compra do imóvel em € 565.000,00, unicamente no valor de prova plena que se atribui ao documento público que configura a respetiva escritura de compra e venda. 53. A par de uma extensa fundamentação e análise de todos os restantes meios de prova carreados para os autos quanto a essa temática (declarações e depoimentos de parte, depoimentos de testemunhas, prova documental e prova por presunção judicial), o douto Acórdão salienta que nenhuma das partes logrou demonstrar que o valor do negócio acordado tivesse sido distinto daquele pelo qual foi escriturado e veio a ser celebrado – cfr. pp. 43 a 51 da decisão em crise. 54. Por outras palavras, o Tribunal a quo socorreu-se, como a lei lhe impunha, do princípio da livre apreciação de prova nos exatos termos e com as limitações previstos no art. 607.º, n.º 5 do CPC: “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.” 55. E, neste particular, ressalve-se que a decisão em crise teve até o cuidado de perscrutar e comparar os valores e as datas das transferências operadas entre as contas da Recorrente e do filho, EE, na Suíça e a conta daquela, no Banco Millenium Bcp, constatando que ascendiam, já em 2017, aquando do acordo entre as partes, ao montante de € 565.000,00. 56. Foi à luz do princípio da livre apreciação de prova, em conjugação com as regras da experiência comum que o Tribunal a quo analisou desenvolveu as seguintes linhas de raciocínio relativamente ao valor fixado pela compra e venda do imóvel: 1) Quanto à versão dos factos constante da petição inicial (€ 435.000,00), disse o Tribunal a quo: - Não se afigura de todo verosímil que uma sociedade comercial, com escopo lucrativo, adquira um imóvel por € 435.000,00 para posteriormente o revender por esse mesmo valor, arcando com o respetivo prejuízo (sendo certo que a Recorrente nem sequer aventou qualquer motivo específico para o efeito). - Ainda que assim não fosse, pressuposto que a motivação da Recorrente para a celebração do negócio foi a obtenção do visto gold, o valor mínimo de investimento jamais poderia ficar aquém dos € 500.000,00, sob pena de se invalidar ab initio essa pretensão. 2) Em relação à nova versão dos factos trazida a julgamento (€ 500.000,00), disse o Tribunal a quo: - Existem nos autos provas (e-mails trocados entre a Recorrente, o filho e vários agentes imobiliários) de que a primeira andou a negociar a compra de outros imóveis por montantes superiores a € 500.000,00 (que ascenderam pelo menos e segundo esses documentos, a € 565.000,00 e a € 580.000,00), pelo que não se vislumbra que alguma vez tivesse estipulado o teto máximo e/ou intenção de não ultrapassar os € 500.000,00. - As declarações prestadas pela Recorrente foram, para além de incongruentes, desmentidas e/ou não corroboradas pela prova documental oferecida, designadamente no que concerne ao segmento temporal e ao montante das transferências operadas entre as suas contas e a do seu filho, EE, abertas no LGT Bank e a conta dela no Millenium Bcp. 57. E, sobre o valor da prova por presunção judicial, para evitar repetições fastidiosas, os Recorridos remetem e dão por integralmente reproduzido tudo quanto ficou dito supra, designadamente quanto ao facto de o Douto Tribunal de Revista estar vedada a sindicância do seu uso pelas instâncias, salvo em casos de manifesta ilogicidade e/ou violação de normas probatórias, o que manifestamente não sucedeu in casu. 58. Também nos arts. 115.º a 120.º e 125.º a 127.º das alegações da Recorrente não lhe assiste qualquer razão, porquanto ela se limita a extrair da matéria de facto provada conclusões que lhe seriam benéficas, mas que não encontram qualquer respaldo matéria que foi efetivamente fixada pelo Tribunal a quo. 59. Neste particular, remetendo-se para tudo o que ficou supra exposto acerca deste assunto, reitera-se apenas, para comprovar a inveracidade e ilogicidade das conclusões ali retiradas pela Recorrente, que basta uma leitura atenta dos concretos pontos da matéria de facto provada a que ela alude para se perceber que não é, de todo, o que dali resulta. 60. Tudo visto, verifica-se que também a análise e fixação da matéria de facto quanto ao valor acordado para a compra do imóvel, atendendo aos elementos de prova constantes dos autos, respeitou na íntegra os limites e as balizas do direito probatório material, do princípio da livre apreciação de prova, aplicado em conjugação com as regras da experiência comum. 61. Por outras palavras, atento os poderes de cognição deste Tribunal ad quem os limites previstos no art. 674.º, n.º 3 do CPC, a fixação da matéria de facto em relação a esta quantia não é sindicável em sede de recurso de revista. 62. Em face de todo o exposto, aos Recorridos não resta a mínima dúvida de que o Douto Acórdão em crise, ainda que não tenha proferido uma decisão que lhes fosse totalmente favorável, julgou a matéria de facto e aplicou o respetivo Direito de maneira correta, no respeito pelas regras de direito processual e material probatório e mediante uma análise detalhada e ponderada de todos os elementos de prova carreados para os autos. 63. Nessa exata medida, por não merecer qualquer censura e/ou reparo, mantendo na íntegra o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, farão V. Exas. a tão acostumada e clamada JUSTIÇA!” 8.-Em 10/1/2025 foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor: Considerando que a decisão é recorrível e a recorrente tem, para tanto, legitimidade, e está em tempo, admito o recurso interposto (arts. 627º, 629º, n.º 1, 631º, 637º e 638º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil). O recurso é de revista normal, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, para o Supremo Tribunal de Justiça (arts. 671º, n.º 1 e 3, este por interpretação “a contrario”, 674º, 675º, n.º 1, 676º, n.º 1, este por interpretação “a contrario”, todos do Código de Processo Civil). Notifique. * Antes, contudo, vista a arguição de nulidade do acórdão: à conferência na sessão de 23-01-2025 (art. 666º, n.º 2 do Cód. Processo Civil). 9.- Em 23/1/2025 foi proferido acórdão onde apenas se pronunciou, quanto à violação da alínea c), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C., referindo, não se verificar a mesma, terminando com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, pronunciando-se sobre as invocadas nulidades, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a nulidade invocada. Condenar a apelante em custas por este incidente, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.Cs. (cf. arts. 527º do Código de Processo Civil, 7º, nº 4, e Tabela II, do R.C.P.), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie”. Muito embora, o citado acórdão não tenha observado o n.º 1, do art.º 617.º, do C.P.C., na sua plenitude, porquanto não tomou posição, sobre a violação das alíneas d) e e), do n.º 1, do art.º 615.º, invocadas pela recorrente. Porém, este Tribunal, conhecerá das mesmas e não envia os autos ao tribunal “a quo”, por não o entender imprescindível (cfr. n.º 5, do citado art.º 617.º, do C.P.C.) 9.- Foram colhidos os vistos legais. II- Delimitação do objecto do recurso Nada obsta à apreciação do mérito da revista. * Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir consistem em saber: A)- Se o acórdão é nulo por violação das alíneas c), d) e e), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C. C) Se o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que condene os RR. nos seguintes montantes: (i) € 32.300,00, correspondente ao valor global das rendas que a Recorrente deixou de auferir entre janeiro de 2018 e junho de 2019, (ii) € 12.300,00, correspondente ao valor indevidamente transferido da conta da Recorrente para a conta de CC e de que foi beneficiária a testemunha DD e (iii) € 65.000,00, correspondente ao valor transferido pelo Recorrido para a Recorrida e que excedia a autorização concedida por esta quanto ao montante a despender para aquisição da loja em causa nos autos, acrescidos dos respetivos juros de mora até efetivo e integral pagamento. * III- Fundamentação 1.- Factos Factos provados Pelo Tribunal da Relação foram considerados provados os seguintes factos (mantendo-se a ordenação e respetiva formulação linguística e atendendo à parcial procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto): 1) O Réu era gestor de conta do filho da Autora, EE, desde, pelo menos, o ano de 2012. 2) A Autora, à data da propositura da ação, era titular de uma conta bancária no LGT Bank (Switzerland) Ltd, com sede em Rue ..., Suíça, com o n.º ...08. 3) O gestor da referida conta era o Réu. 4) A Autora tinha acesso à sua conta bancária através do Réu, seu gerente de conta, a quem ordenava as transferências bancárias. 8) Contudo, a situação pessoal do filho da Autora alterou-se em virtude do seu divórcio. 9) A Autora e o seu filho decidiram que seria a primeira a prosseguir com o processo de aquisição de residência para autorização de investimento em Portugal. 10) O filho da Autora decidiu doar-lhe o dinheiro necessário ao investimento. 11) No final de Setembro de 2017, a Autora deslocou-se a Portugal a fim de escolher o imóvel a adquirir, com a ajuda de uma agente imobiliária, de seu nome DD, a qual lhe foi indicada pelo Réu. 12) A referida DD mostrou à Autora alguns apartamentos em ..., todos, no entanto, acima do preço de € 500.000,00”.. 13) A A abriu uma conta junto do Banco Comercial Português, S.A. (doravante BCP), em ..., à qual foi atribuído o n.º ...50. 14) Sendo a sua gestora de conta no BCP a Senhora GG, conhecida do Réu. 15) Durante a estadia da Autora em Portugal, que se prolongou até 7 ou 8 de Outubro de 2017, a Autora fez pesquisas de imóveis em websites da especialidade e descobriu que o preço dos apartamentos que lhe tinham sido indicados pela DD era inferior ao que esta lhe tinha comunicado, tendo-a confrontado com tal facto. 16) DD não gostou de ser confrontada pela A. e deixou de querer prestar-lhe os seus serviços. 17) O Réu, em 4 de Outubro de 2017, contactou a Autora referindo estar em ... e pretender encontrar-se com ela. 18) A Autora acedeu e encontrou-se com o Réu no dia seguinte, ou seja, em 5 de Outubro de 2017, e foram visitar um imóvel específico, concretamente uma loja situada no centro de ..., no Largo .... 21) Nesse mesmo dia, a autora decidiu avançar com a aquisição da loja e que proporcionava um rendimento mensal de 1.900,00 €, decorrente de um contrato de arrendamento. 25) A Autora assinou uma procuração a favor do Réu, conferindo-lhe poderes para realizar o negócio de compra e venda da loja e praticar todos atos necessários àquele, e bem assim os poderes para movimentação das contas da Autora abertas junto do BCP. 28) No dia 7 de Outubro de 2017, o Réu informou a Autora de que tinha fechado o negócio com o vendedor. 29) Com essa informação, a Autora abandonou Portugal e viajou para Israel, na convicção de que tudo estava acertado e de que faltaria apenas formalizar o negócio. - 33- A- Todas as transferências efetuadas entre a conta da Autora e a conta do filho da autora, ambas as contas na Suíça, e a conta do Millenium Bcp aberta para o efeito, foram ordenadas e confirmadas pela Autora ou pelo seu filho, EE, respetivamente, através de um sistema “triple check”” -33-B- Por via do qual a Autora e o filho, respetivamente, ordenavam a transferência do dinheiro, através da aposição das suas assinaturas no documento para o efeito, confirmando posteriormente por vezes por e-mail. 34) o filho da Autora deslocou-se a Portugal, no final de Maio de 2019, para obter informações sobre o estado do processo de aquisição do imóvel e de obtenção do visto gold. 35) Já em ..., o filho da Autora contactou a advogada que havia antes sido indicada pelo Réu à Autora como estando a tratar do processo do registo do imóvel, a qual o informou de que este não tinha avançado ainda, pelo facto de o Réu ainda não ter enviado a escritura de aquisição do imóvel. 36) Pelo menos em 2019, a Autora solicitou ao Réu a confirmação de que a loja tinha sido comprada e questionou o mesmo acerca das rendas que nunca recebeu. 37) Tendo o Réu, em 2019.06.20, confirmado à Autora, apenas, que a loja havia sido adquirida. 39) A Autora constatou que, em 2017.12.20, o Réu celebrou, em representação da aqui Autora, um contrato-promessa de compra e venda com a Ré Winnerchoice, S.A., nos termos do qual a aqui Autora se comprometeu a comprar à Winnerchoice, e esta a vender àquela, livre de quaisquer ónus, encargos e/ou responsabilidades, com exceção do contrato de arrendamento existente, a fração autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em ..., no Largo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...75 da freguesia da ..., e inscrita na matriz predial urbana da mesma Freguesia, sob o artigo 16, nela se incluindo o estacionamento número 1 e a arrecadação n.º 44. 40) Nos termos do referido contrato-promessa, sobre a fração incidia um contrato de arrendamento, em que a inquilina era a sociedade “R..., Lda.”, o qual se manteria em vigor, e que ficou anexo ao contrato. 41) De acordo com o contrato de arrendamento, este tinha o prazo de 10 anos, com início em 2017.03.15 e termo em 2027.03.14, renovável automaticamente, sendo a renda mensal de € 1.900,00. 42) No que diz respeito ao preço da compra da loja, ficou estipulado que o mesmo seria de € 607.000,00, a ser pago nas seguintes datas e condições: a) Até 2017.10.17, a quantia de € 175.000,00, a título de reserva; b) Até 2017.10.20, a quantia de € 87.000,00, a título de sinal; c) Até 2017.12.07, a quantia de € 303.000,00, d) Até 2018.03.31, a quantia de € 42.000,00, com a outorga de eficácia real ao contrato de promessa de compra e venda. 43) No referido contrato, ficou ainda estabelecido que a escritura de compra e venda, a agendar pela Ré Winnerchoice, seria realizada até 2018.03.30, em hora e local a indicar por aquela. 44) O Réu apenas outorgou a mesma em 2019.06.19. 45) A compra da loja pela Autora, também neste ato representada pelo Réu, veio a ser feita pelo preço de € 565.000,00, valor inferior ao estabelecido no contrato-promessa e que já havia sido integralmente pago no final de 2017. 46) Em 2019, a Autora solicitou à sua gestora de conta no BCP, GG, o extrato da sua conta bancária desde a sua abertura. 47) Perante o extrato entregue, a Autora verificou que o Réu transferiu da conta da Autora no BCP para a conta da “Winnerchoice” as seguintes quantias: a) € 175.000,00, em 2017.10.16; b) € 87.000,00, em 2017.10.20; c) € 303.000,00, em 2017.12.06. 48) E mais tomou conhecimento de que o Réu, em 2017.10.16, transferiu a quantia de € 12.300,00, para a conta de CC (mãe de DD). 49) Procedendo, ainda, em 2017.12.06, à transferência da quantia de € 25.000,00, para uma conta da sua própria titularidade. 50) O Réu transferiu ainda as seguintes quantias para a conta de uma sociedade designada “E..., S.A.” (doravante E...), com a qual a Autora não tem qualquer relação, nem sequer nunca ouviu falar: a) € 180.000,00, em 2018.09.17; b) € 10.428,00, em 2019.01.09; c) € 7.000,00, em 2019.01.09; d) € 18.000,00, em 2019.03.06. 51) Confrontados com as referidas transferências, a Autora e o seu filho solicitaram esclarecimentos ao Réu sobre as mesmas, tendo aquele referido que as transferências para a Winnerchoice e para a E... se trataram de pagamentos feitos por conta do preço da loja. 52) Após algumas averiguações, apurou a Autora que, tendo nacionalidade britânica, não tinha afinal qualquer necessidade de obter um visto gold. 53) Posteriormente, a Autora apurou ainda que a sociedade a quem adquiriu a loja, a Winnerchoice, tinha como respetivo Presidente do Conselho de Administração, à data da celebração dos contratos, e até 2019.07.31, data em que renunciou ao cargo, o próprio Réu. 54) Tendo então igualmente como administrador o Pai do Réu, FF, que foi quem representou a Winnerchoice, tanto na celebração do contrato-promessa da loja, como na escritura de compra e venda da mesma, ambos celebrados pela Autora, representada pelo Réu. 55) O que o Réu ocultou da Autora. 56) Ficou ainda a Autora a saber que a Ré Winnerchoice comprou a loja à sociedade “A..., Lda. (“A...”), em 2018.01.08, e pelo preço de € 435.000,00, a ser pago da seguinte forma: a) € 10.000,00, em 2017.10.18, a título de reserva; b) € 120.500,00, em 2017.09.20, a título de sinal; c) € 305.500,00, em 2017.12.07. 57) Tendo a Ré Winnerchoice sido, nesse ato, representada pelo Réu, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração. 58) Essa compra pela Ré Winnerchoice foi objeto de intervenção do mediador imobiliário “I..., Unipessoal, Lda.”, de que o Réu é também sócio e gerente único. 59) Em 2017.12.20, a Winnerchoice, de que o Réu era administrador, prometeu vender à Autora a loja, e recebeu a maior parte do preço da mesma (€ 565.000,00 de € 607.000,00), quando ainda não era proprietária. 60) A Winerchoice adquiriu à A..., em 2018.01.08, a mesma loja pelo preço de € 435.000,00. 61) E revendeu a mesma à Autora, em 2019.06.19, pelo preço de € 565.000,00. 62) A Ré Winnerchoice recebeu a diferença entre o preço da compra e da revenda, no montante de € 130.000,00. 63) A Ré Winnerchoice continuou a auferir as rendas da loja, no valor mensal de € 1.900,00, entre Janeiro de 2018 e Junho de 2019, inclusive. 64) O património da Ré Winnerchoice é constituído, na sua maioria, por prédios que lhe foram doados pelo próprio Réu, pelo seu Pai e pelos seus irmãos e que até constituem o domicílio pessoal dos mesmos. 65) O Réu, o seu pai e irmão, doaram à Ré os seguintes imóveis, de que a mesma é titular inscrita: a) Prédio rústico denominado Bouça da ... com 1800m2, composto por terreno de pastagem confrontando a norte com caminho, a sul com HH, a nascente com II e a poente com JJ, na freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...60 e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...65; b) Prédio rústico denominado Bouça do ..., composto por mata de carvalhos, confrontando a norte com KK, a sul com herdeiros de LL, a nascente com herdeiros de LL e a poente com herdeiros de LL, situado em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...67 e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...52; c) prédio rústico denominado Campo da ..., composto por cultura, confrontando a norte com casa do próprio, a sul com caminho a nascente com MM e a poente com NN, situado em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sobre o n.º ...68 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo...64; d) prédio rústico denominado Terreiro ..., composto por terreno de cultivo, confrontando a norte, sul e nascente com Herdeiros de OO e a poente com PP, situado em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sobre o n.º ...8 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...31; e) prédio rústico denominado Campo da ..., composto por terreno de cultura, confrontando a norte com QQ, a sul com RR, a nascente com SS e a poente com TT, situado em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sobre o n.º ...05 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...35; f) prédio rústico denominado Campo de ..., composto por terreno de cultura, confrontando a norte com levada, a sul com UU, a nascente com VV e a poente com WW, situado em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sobre o n.º ...15 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...70; g) prédio rústico denominado Bouça de ..., composto por terreno de pinhal, confrontando a norte com caminho, a sul com levada a nascente com UU e a poente com XX, situado em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sobre o n.º ...17 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...93; h) prédio rústico denominado Campo da ..., composto por terreno de cultivo, confrontando a norte com YY, a sul com ZZ, a nascente com SS e a poente com PP, situado em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sobre o n.º ...21 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...34; i) prédio rústico denominado Bouça de ..., composto por terreno de pinhal, confrontando a norte e poente com caminho, a sul com levada de consortes e a nascente com AAA, situado em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sobre o n.º ...24 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...96; j) prédio rústico denominado Campo de ..., composto por terreno de cultivo, confrontando a norte levada de consortes a sul com UU, a nascente com caminho e a poente com RR, situado em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sobre o n.º ...25 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...71; k) prédio misto denominado Casa de ..., composto por rés-do-chão, 1.º andar e garagem, rossios e cultura, confrontando a norte com ZZ, a sul com QQ , a nascente com SS e a poente com PP, situado em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sobre o n.º ...24 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob os artigos ...14 e ...33; l) Prédio rústico denominado Bouça do ..., composto por terreno de pinhal e mato, confrontando a norte com caminho, a sul com BBB, a nascente com CCC e poente com DDD, situado em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ...25 e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...64; m) Prédio rústico denominado Campo da ..., composto por terreno de cultura, confrontando a norte com EEE, a sul com FFF, a nascente com caminho e a poente com GGG, situado em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ...26 e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...66; n) Prédio urbano composto por casa destinada a moinho, confrontando a norte com caminho público, a sul e nascente com HHH e a poente com levada, situado em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ...6 e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ...7; o) Prédio rústico denominado Campo de ... composto por terreno de cultura, confrontando a norte e nascente com caminho, a sul com III e a poente com ribeiro, situado em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ...50 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...73; p) Prédio rústico denominado Campo ... composto por terreno de pastagens, confrontando a norte, sul, nascente e poente com JJJ, situado em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ...44 e inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo ...41. 67) A Autora intentou procedimento cautelar de arresto contra os Réus, o qual correu termos no Juiz Central Cível de ... – J..., sob o nº. 1161/20.8... 68) O referido procedimento cautelar foi julgado procedente e, consequentemente, foi decretado o arresto sobre os supra identificados imóveis. 69) A 2ª Ré tem e teve como únicos administradores o Réu e seus familiares, todos residentes na Rua ... .... 70) Sendo os imóveis que integram o ativo da 2ª Ré bens anteriormente pertencentes ao Réu e/ou aos seus familiares. 71) Após as doações por si feitas a favor da 2ª Ré, o Réu não mantém na sua titularidade imóveis de valor. 72) A administração da 2ª. Ré é assegurada por KKK, após as renúncias registadas, no ano de 2020, de FF e (NIF ...84) e LLL (NIF ...58). 73) O filho da A. concordou com o Réu que a agente DD deveria ser compensada pelo tempo perdido, mas não foi acordado um montante específico. 75) Em 04/07/2019, o Réu creditou na conta da Autora a quantia de 6.331,62 €, relativos a devolução das comissões referentes à utilização dos cartões denominados por “Traveller Check” erradamente debitados. 76) A 24 de agosto de 2018, a segunda Ré e a sociedade E..., S.A. celebraram um contrato de empreitada, no âmbito do qual a primeira contratou a segunda para a execução da obra “Construção de Edifício Unifamiliar”, sita em ... – .... 77) A segunda Ré celebrou com a “A..., Lda. um contrato-promessa de compra e venda da loja em causa nos autos, em 20 de setembro de 2017. 78) A procuração que a A. outorgou a favor do 1º Réu foi revogada em 2 de julho de 2019. 79) Antes de recorrer ao procedimento cautelar de arresto, a Autora remeteu uma carta de interpelação ao LGT Bank. 80) Foi aberta uma investigação/auditoria interna para averiguar da veracidade das alegações da Autora. 81) O contrato de trabalho entre o 1º Réu e o LGT Bank cessou, porque foi assinado um acordo de revogação do mesmo. 82) Em sete de junho de 2023, a Autora vendeu a MMM a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao piso zero ou rés-do-chão – Loja 1, com entrada pelo número 1 F do Largo ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... com o número ...75 e inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...6º, da freguesia da ..., com o valor patrimonial de € 142.237,84, pelo preço de quinhentos mil euros. Factos não provados Pelo Tribunal da Relação foram considerados não provados os seguintes factos (mantendo-se a ordenação e respetiva formulação linguística e atendendo à parcial procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto): I.O Réu referiu à A. que o preço da loja era € 435.000,00, acrescido dos impostos devidos. II. EE – por volta do ano de 2015 – abordou o Réu, no sentido de pretender obter uma Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI) em Portugal. III. Aquando da abertura da conta da A., foram-lhe disponibilizados os códigos e/ou credenciais para o acesso online, a partir do qual podia consultar todos os extratos e todas operações realizados. IV. Aquando da abertura de conta por qualquer cliente junto daquela instituição financeira, o LGT Bank entrega ao respetivo titular uma cópia de toda a documentação em causa – nomeadamente da procuração que a Autora outorgou a favor do Réu – entre a qual constam as credenciais para esse acesso. V. A Autora sempre teve acesso à sua conta via e-banking, através da plataforma online, via telefone e via e-mail, podendo realizar as transferências e operações bancárias que bem entendesse. VI. O impulso de todo o processo de aquisição de ARI e de opção pelo investimento em Portugal proveio de EE, filho da Autora. VII. Consciente do propósito de aquisição do prédio que procuravam, DD apresentou à Autora vários imóveis, na área de ..., que se enquadravam dentro do valor de aquisição de € 500.000,00 (quinhentos mil euros). VIII. A Autora não ficou satisfeita com nenhuma das visitas realizadas, rejeitando à partida todos os imóveis que lhe foram exibidos dentro daquele orçamento, por considerar que não preenchiam os requisitos de luxo, qualidade e rentabilidade que procurava. IX. Foi a Autora quem, por sua conveniência e vontade, optou por aumentar o valor do orçamento inicialmente previsto (v.g. € 500.000,00). X. Sabendo que o Réu tinha negócios no ramo imobiliário, a Autora sugeriu-lhe que fosse a empresa dele a vender-lhe a propriedade que ela pretendia adquirir, porquanto tinha conhecimento que a sociedade possuía imóveis que cumpriam os requisitos que ela procurava. XI. No entanto, o Réu recusou-se a fazê-lo, já que não pretendia envolver a sua empresa e a atividade comercial da sua família nesta situação. XII. Isto porque, conforme havia sido acordado entre as partes, o Réu celebraria em representação da Autora o contrato-promessa de compra e venda do imóvel que ela viesse a escolher. XIII. Neste circunstancialismo, o Réu desde logo se sentiu desconfortável com a possibilidade de ser a segunda Ré a vender o imóvel à Autora, na medida em que bem sabia que, no cargo que, à data, detinha como Presidente do Conselho de Administração da sociedade, se celebrasse o contrato-promessa de compra e venda nos termos acordados – rectius, em representação da Autora – estaria, na verdade, a celebrar um “negócio consigo mesmo”. XIV. Foi por estes motivos que, ab initio, o Réu descartou essa possibilidade, dando conta à Autora dos motivos da sua recusa. XV. Mais tarde foi contactado pelo EE que, invocando novamente o longo historial de relação comercial e confiança existente entre ele e o Réu, lhe rogou que acedesse ao pedido que lhe fora dirigido pela mãe, argumentando que necessitava que fosse aprovada a autorização ARI, pois pretendia urgentemente obter rendimento através do investimento realizado em Portugal. XVI. Em concreto, o EE e a Autora tinham conhecimento de que a empresa do Réu havia celebrado um negócio relativamente a dois espaços comerciais sitos no Largo ..., os quais estavam arrendados, sendo que, em virtude desta circunstância, ambos demonstraram grande interesse em adquirir um deles. XVII. Constrangido pela insegurança de realizar semelhante negócio e o sentido de responsabilidade, confiança e amizade que o unia ao seu cliente de anos (e, por extensão, à sua mãe), o Réu acabou por aceder ao pedido. XVIII. Para garantir que o contrato definitivo de compra e venda seria celebrado entre a segunda Ré e a Autora, em nome próprio, ficou combinado que o Réu apenas outorgaria em representação dela o contrato-promessa, posto o que ela viria a Portugal, na própria pessoa, para intervir na escritura, a celebrar até ao final de março de 2018. XIX. Após a outorga da escritura do contrato de compra e venda e subsequente registo de aquisição a favor da Autora que, previsivelmente, ocorreria até ao final de março de 2018, ela passaria naturalmente a auferir o valor das rendas decorrentes do contrato de locação de que a loja era objeto. XX. A par disto, foram acordadas entre as partes as restantes condições do negócio a realizar, designadamente o seu valor global. XXI. Ficou estipulado que o montante total era de € 805.000,00 (oitocentos e cinco mil euros), incluindo o valor da loja, do parque de estacionamento que lhe estava adjacente e ainda a comissão, no montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), devida ao Réu. XXII. Quando a Autora se apercebeu de que o montante de imposto que teria de liquidar por força aquisição seria calculado sobre o valor do negócio, recusou-se terminantemente a ter que arcar com uma despesa tão avultada, pelo que insistiu que, para diluir esse custo, fosse ficcionado o respetivo valor, diminuindo-o para € 565.000,00 (quinhentos e sessenta e cinco mil euros). XXIII. Constrangido pelas circunstâncias que envolviam o negócio, o Réu acabaria por aceder a ficcionar esse valor no contrato promessa, pelo que assim ficou combinado entre ambos. XXIV. Estava firmemente convicto de que ela viria a Portugal no mês seguinte para celebrar a escritura do contrato definitivo. XXV. Apesar dos inúmeros questionamentos e insistências por parte do Réu e dos próprios advogados para que a Autora cumprisse o acordado, e viesse celebrar a escritura do contrato definitivo, ela não mais regressou a Portugal, entrando em claro incumprimento do contrato-promessa. XXVI. O Réu ficou numa posição bastante delicada pois que, embora a Autora estivesse em claro incumprimento daquilo que havia sido contratualizado, tanto pela amizade que o ligava ao filho, como pelo facto de a Autora já ter dado as ordens de transferência da totalidade do preço da loja, optou por não resolver o contrato, nem recorrer à execução específica do mesmo, crente de que a situação resolver-se-ia dentro dos ditames de bom senso e da boa fé. XXVII. Foi insistindo várias vezes junto do filho da Autora, EE, no sentido de que a mãe viesse com a máxima urgência a Portugal, a fim de realizar as diligências necessárias para a concretização do processo da autorização ARI e celebrar o contrato de compra de venda. XXVIII. Entretanto, já em 2019, numa viagem que realizou à Suíça, onde se encontrou com o Réu, o EE confidenciou-lhe que estava com bastantes problemas financeiros, decorrentes do seu divórcio, e que necessitava com urgência do rendimento mensal que o contrato de arrendamento, que incidia sobre a loja, traria. XXIX. Por isso, com a anuência da Autora, solicitou ao Réu que, à semelhança do que havia sucedido com o contrato-promessa, interviesse ele, em representação da sua mãe, na escritura de compra e venda da loja. XXX. Por forma a que, com a máxima urgência, o contrato fosse celebrado e o imóvel registado na titularidade da Autora, posto o que, nessa medida, esta passaria a auferir a renda mensal de € 1.900,00. XXXI. Uma vez mais, o Réu recusou-se a intervir no negócio nessas condições, pois que, para além das razões já supra expostas, desde o início que tinha ficado bem claro que quem interviria no contrato definitivo seria a própria Autora. XXXII. De todo o modo, a A. e o seu filho continuaram ininterruptamente a solicitar ao Réu que fosse ele a celebrar a dita escritura. XXXIII. O Réu continuou a recusar-se a celebrar o contrato em representação da Autora, mas, fruto da constante pressão a que estava sujeito por ela e pelo filho e, sobretudo, no intuito de os ajudar e, finalmente, dar por concluído o negócio que há muito deveria ter-se concretizado, o Réu acabou por aquiescer e marcar a celebração da escritura de compra e venda. XXXIV. Destarte, em junho de 2019, a pedido da Autora e do seu filho, o Réu celebrou com a segunda Ré a escritura de compra e venda da loja, em representação daquela. XXXV. O Réu acreditou que a ajuda e intervenção que lhe haviam tão insistentemente solicitado estava assim concretizada. XXXVIII. O filho da Autora viu-se envolvido em alguns problemas no seu país de origem, o que lhe causou vários transtornos de ordem financeira. XXXIX. Perante esses problemas, em nome da amizade e relação de confiança que mantinha com o Réu, ele solicitou-lhe o empréstimo de algum dinheiro, para fazer face às suas despesas correntes. XL. Porque confiava nele e mantinham uma relação profissional há já vários anos, o Réu decidiu emprestar-lhe um total de cerca de € 30.000,00 (trinta mil euros). XLI. Houve três transferências de € 10.000,00 (dez mil euros) que foram efetuadas para pagar os empréstimos – e respetivos custos/despesas – que o Réu tinha concedido ao filho da Autora. XLII. À semelhança de todas as restantes, também foram devidamente ordenadas pela Autora e/ou pelo seu filho. XLIII. O Réu não decidiu, a seu bel prazer e sem motivo justificativo, transferir para a conta de que é titular a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros). XLIV. Esse valor fora, expressa e previamente, acordado entre a Autora, o seu filho e o Réu, a título de comissão devida a este último pela venda da loja que veio a ser objeto do investimento, com o bónus da taxa de rentabilidade que a mesma gera, através do valor da renda mensal. XLV. A agente imobiliária DD viu a sua imagem e o seu trabalho profundamente prejudicados na sequência da conduta desleal adotada pela Autora. XLVI. A Autora e o seu filho entenderam que seria devida à DD uma indemnização de € 12.300,00 (doze mil e trezentos euros). XLVII. Os termos do negócio acordado entre as partes foram, clara e inequivocamente, os seguintes: € 780.000,00 (setecentos e oitenta mil euros) pela compra do imóvel; € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), referentes à comissão devida ao Réu; €12.300,00 (doze mil e trezentos euros), a título da compensação devida à DD. XLVIII. O único motivo pelo qual os valores previstos no contrato-promessa e, posteriormente, no contrato de definitivo de compra e venda não coincidem com o valor real do negócio (€ 780.000,00) foi o facto de a Autora e o seu filho terem querido simular uma quantia, a fim de aliviar a carga fiscal a liquidar sobre o valor global da venda. XLIX. A principal preocupação da Autora e do seu filho foi sempre a de tentar diminuir ao máximo os custos e despesas decorrentes de todo o processo, razão pela qual se fixou, ab initio, o valor de € 607.000,00 (seiscentos e sete mil euros) para o contrato-promessa. L. Sendo que, logo que a Autora se apercebeu do montante que, ainda assim, teria que liquidar a título de impostos, acabou por insistir e dar instruções para que fosse reduzido para a quantia de € 565.000,00 (quinhentos e sessenta e cinco mil euros), aquando da concretização do contrato definitivo. LI. Nunca o Réu beneficiou do preço pago pela Autora à segunda Ré. LII. A renúncia do Réu ao cargo de Presidente do Conselho de Administração da segunda Ré, embora tenha coincidido temporalmente com a conclusão do negócio, decorreu de uma decisão estritamente pessoal e bastante ponderada, devido a problemas de saúde que, na altura, enfrentou e em função dos quais optou por se afastar da liderança. LIII. A A. age movida por propósitos mesquinhos, ilícitos e abusivos, com o único intuito de se locupletar injustamente à custa dos Réus. LIV. Na sequência da averiguação interna ocorrida no LGT Bank, não foi detetada qualquer irregularidade na conduta do Réu. LV. Por causa da atuação dolosa da Autora, que foi determinante e causa única e adequada para a cessação do contrato de trabalho do Réu, ele perdeu o seu rendimento mensal. LVI. Até às suspeitas levantadas pela Autora, nunca o 1º Réu havia sido alvo de qualquer investigação, procedimento disciplinar e/ou outro equivalente. LVII. Fruto desta situação, o 1º R. anda triste, angustiado e revoltado. LVIII. Em virtude do arresto, a segunda Ré acabou por ficar prejudicada no desenvolvimento das relações negociais que tinha em curso quanto a outros imóveis. LIX. Unicamente por causa do dito arresto, foi negada à 2ª Ré a concessão de crédito que tinha solicitado ao Novo Banco. LX. A Autora deturpa e falseia, de forma consciente e propositada, a realidade dos acontecimentos e o circunstancialismo em que se verificaram. LXI. Escamoteando e adulterando uma parte substancial da matéria factual, com decisiva importância para a descoberta da verdade material. LXII. Deduzindo uma pretensão cuja falta de fundamento não podia nem devia ignorar. LXIII. Enquanto trabalhador do LGT Bank, o 1º Réu auferia mensalmente cerca de € 10.018,85 (dez mil, dezoito euros e oitenta e cinco cêntimos). LXIV. A Autora agiu sempre a favor do seu filho EE. * Mais não se provou: -Em Maio de 2017, o Réu sugeriu ao filho da Autora, como investimento a realizar, a aquisição de um imóvel em Portugal, sob o pretexto de que poderia, assim, obter um visto gold e, consequentemente, autorização para residir em Portugal, assim como um conjunto de benefícios fiscais. -O Réu disse ao filho da A. que esse seria um investimento que lhe geraria um bom retorno. -O filho da Autora, confiando no Réu, e na informação que este lhe tinha prestado, decidiu aceitar a sugestão de realizar o referido investimento * - O Réu contou-lhe que estava em ... para comprar duas lojas, mas que ele compraria uma e ela a outra. - O preço da loja atingia os 500.000 €. - A Autora decidiu avançar com a aquisição da referida loja, tendo-se o Réu oferecido para tratar de todo o processo em Portugal, atendendo a que a Autora residia em Israel. - Ao que a Autora assentiu, por não ter qualquer conhecimento do sistema jurídico e fiscal Português, e confiar no Réu. - A Autora, confiando no Réu, procedeu à assinatura de vários documentos em Português - língua que desconhece totalmente - e que este lhe apresentou logo no dia seguinte (6 de Outubro de 2017), referindo serem necessários para tratar do processo. - O Réu não entregou à Autora cópia de nenhum dos documentos por ela subscritos. - O Réu ficou de celebrar o contrato de compra e venda do referido imóvel em representação da Autora, de pagar o preço, e de tratar de todos os aspetos relacionados com o contrato com o comprador, o qual a Autora nunca chegou a conhecer ou sequer lhe foi dada informação de quem era. * Ao longo dos anos de 2018 e 2019, a Autora e o seu filho, EE, foram questionando, por telefone, o Réu sobre quando é que a propriedade da loja seria registada no nome da Autora e poderiam começar a receber as rendas, tendo o Réu referido sempre que estava a tratar do assunto e para não terem pressa. -A Autora estava convencida de que já era titular do imóvel, apenas não estando este registado a seu favor. - Em Maio de 2019, estranhando a ausência de qualquer informação por parte do Réu e a demora no andamento do processo e no recebimento das rendas, o filho da Autora deslocou-se ao LGT Bank para obter um extrato da conta, uma vez que a informação disponível online não permitia consultar os movimentos. * Constatando, então, que o Réu havia transferido as seguintes quantias da conta da Autora no LGT Bank para a conta aberta por esta no BCP, sem o seu conhecimento e autorização: a) € 200.000,00, em 2017.10.13; b) € 100.000,00, em 2017.10.19; c) € 340.021,57, em 2017.11.09; d) € 10.000,00, em 2018.07.18; e) € 192.000,00, em 2018.08.15; f) € 10.000,00, em 2018.09.26; g) € 10.000,00, em 2018.12.07 * A Autora veio a obter cópia da escritura de compra e venda da loja, em 2019.07.03, assim como de um contrato-promessa referente à mesma loja, celebrado previamente, por lhe terem sido enviados pelo referido escritório de advogados. * Ao valor de compra do imóvel pela Autora, representada pelo Réu, acresceu o montante de € 9.490,00, relativo ao acréscimo de imposto pago em virtude de a aquisição da loja ter sido efetuada por preço superior ao autorizado. * O filho da A. assinou documentos “em branco” que lhe foram enviados pelo Réu, achando que era para transferir dinheiro da sua conta para a conta da sua mãe.” 2. O Direito Tendo presente que são várias as questões a decidir, por uma questão de método iremos apreciar cada uma de per si. Assim. 2.1. – Saber se o acórdão recorrido é nulo por violação das alíneas c), d) e e), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C. Vejamos cada uma delas. Violação da alínea c). A recorrente para defender o seu ponto de vista, entre o mais, refere: “O Tribunal a quo apesar de ter concluído que o Recorrido tinha poderes de representação da Recorrente para efeitos de celebração do contrato de compra e venda relativamente ao imóvel em causa nos autos e, bem assim, para praticar todos os atos necessários para o efeito, concluiu pela inexistência de qualquer vínculo contratual entre a Recorrente e o Recorrido suscetível de originar uma responsabilidade civil contratual; E que, relativamente à Recorrida concluiu pela existência de mora no cumprimento do contrato-promessa celebrado pelo Recorrido, em nome e representação da Recorrente, para depois concluir pela inexistência de qualquer obrigação de indemnização pelos danos resultantes do atraso na outorga do contrato definitivo; - Quando, na verdade, resultou provado que em face do atraso na outorga do contrato definitivo, a Recorrida continuou a auferir o valor das rendas devidas por força do contrato celebrado com a sociedade “R..., Lda.”, ficando a Recorrente impedida de auferir tais rendimentos; - Assim, em face do que supra vem exposto, sempre terá de se concluir pela nulidade da decisão recorrida que terá assim de ser revogada e substituída por outra que condene os Recorridos no pagamento à Recorrente do montante de € 32.300,00, acrescido de juros de mora vencidos até efetivo e integral pagamento”. Opinião oposta têm os recorridos, que pugnam pela improcedência da mesma. Também o tribunal “a quo” vai no sentido da sua não verificação. Apreciando. O artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, dispõe: “É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”. Esta nulidade respeita à estrutura da sentença/acórdão (cfr. artigo 666.º CPC), não podendo haver “contradição lógica” entre os fundamentos e a decisão, isto é, quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e, em vez de a tirar, o tribunal decidir noutro sentido, oposto ou divergente, ainda que juridicamente correcto. A sentença é nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, isto é, quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença expressa – cf. Alberto dos Reis, Cód. Proc. Civil anotado, 5.º/141. Como escrevem Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 671, “A lei refere-se, na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º (actual 615.º), à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. Neste caso, efectuada por despacho a correcção adequada, nos termos do artigo 667.º, a contradição fica eliminada. Nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.”. Ou seja, entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição. Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, ou seja, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos – cfr. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, 2000, pg. 298. Lendo e relendo o acórdão recorrido, não vislumbramos, que haja nele, qualquer contradição ou que o mesmo seja obscuro. Na verdade, o acórdão recorrido, seguiu no sentido de não se estar no domínio da responsabilidade contratual, e manteve o mesmo, tanto assim, que refere que o ónus da prova cabia à A. Ou seja, em momento algum o acórdão recorrido defendeu a existência de qualquer contrato, mormente o contrato de mandato com representação, onde assenta fundamentalmente a motivação e as conclusões da recorrente. No que concerne às rendas do contrato de arrendamento da loja em causa, também, não vislumbramos qualquer contradição, pois refere, não se provou que foi por causa imputável ao réu que o contrato prometido de compra e venda não se realizou anteriormente à data que veio a ser realizado- 19-06-2019. Podemos concordar ou discordar do entendimento, jurídico, seguido pelo acórdão recorrido, não podemos é dizer que o mesmo é contraditório ou ambíguo. Assim, sem mais considerandos, esta sua pretensão, nesta vertente improcede. Vista a questão da alínea c), passemos à alínea d). Violação da d). Para defender o seu ponto de vista de que há omissão de pronuncia, entre o mais, refere a recorrente: “Quanto à compensação paga à testemunha DD, cujo montante foi transferido para a conta de CC, considerou o Tribunal a quo que tal montante não chegou a ser peticionado, excluindo tal quantia na compensação arbitrada a favor da Recorrente; Contudo, quando analisado o pedido formulado em sede de petição inicial facilmente se constata que aí vem indicado um valor global de € 412.218,00 que não discrimina os concretos valores que integram o montante total do pedido; Ora, estatui o artº. 5º., nº. 1 do CPC que às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aquelas em que se baseiam as exceções invocadas. Assim, por força do princípio do dispositivo, o Tribunal apenas se encontra impedido de conhecer de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes ou condenar em montante superior ao peticionado, Pelo que, integrando a transferência abusiva para a referida DD a causa de pedir alegada pela Recorrente e encontrando-se tal valor abrangido pelo valor global do pedido formulado em sede de petição inicial – o que manifestamente se verifica –, o Tribunal a quo nunca poderia excluir a condenação dos Recorridos no pagamento de tal quantia desde que os factos provados permitissem sustentar a decisão de direito a proferir; Ora, da leitura do elenco dos factos provados fixados pelo Tribunal a quo resulta que a Recorrente não só não teve prévio conhecimento da transferência da dita quantia de € 12.300,00, como o único acordo que terá existido foi entre o Recorrido e EE e apenas quanto ao pagamento de uma eventual compensação sem que fosse estipulado ou acordado qualquer valor para o efeito”; Assim, entende a recorrente que o tribunal “a quo” tinha de atender a tal valor, ao não fazê-lo cometeu a nulidade da al.ª d), do n.º 1, do art.º 615, por omissão de pronuncia. Por sua vez os recorridos, pugnam pela improcedência de tal nulidade, desde logo, por o “Tribunal estar vinculado ao princípio do pedido formulado, e a recorrente não o ter feito. Basta um simples cálculo aritmético para se constatar que a recorrente não formulou tal pedido. O pedido a final formulado na petição inicial (excluindo a contabilização os juros de mora) ascende a € 412.218,00 (quatrocentos e doze mil e duzentos e dezoito euros). Operando-se a soma aritmética de todos os valores elencados nos arts. 77.º a 81.º da petição inicial (entre os quais não figura o montante de € 12.300,00) apura-se precisamente o valor global do pedido de € 412.218,00 = (€ 130.000,00 + € 9.490,00 + € 25.000.00 + € 32.300,00 + 215.428,00), Assim, o Tribunal a quo não apreciou a eventual responsabilidade do Recorrido na transferência da quantia de € 12.300,00 para a conta de CC, que veio a beneficiar a sua filha, DD, por estar vinculado ao princípio do pedido e a mesma não ter sido peticionada pela Recorrente” Apreciando. O artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, determina que é nula a sentença quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. A nulidade prevista na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º está directamente relacionada com o dever do juiz estabelecido no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” Cumpre referir, quanto à omissão de pronúncia, que “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737). Sobre esta matéria refere-se no Acórdão da Rel. de Guimarães, proc.º n.º 1799/13.0TBGMR-B, “Devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes) cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC) (cfr. Neste sentido Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143). Assim, já referia Alberto dos Reis, in Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143, impõe-se distinguir, por um lado entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “…Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”. Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões. Acresce que a jurisprudência é uniforme no sentido de que a nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (cfr. Acs. STJ. de 01/03/2007. Proc. 07A091; 14/11/2006, Proc. 06A1986; 20/06/2006, Proc. 06A1443,in base de dados da DGSI.). Significa isto, que caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, mas o que poderá existir é um mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável”. A nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea d) do n.º 1 do preceito em referência, sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º do CPC, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais, importando não confundir questões com factos, argumentos, razões ou considerações (cfr. neste sentido, entre outros, Ac. Rel. do Porto, de 20/5/2024, proc.º 3489/22.3T8VFR.P1, relatado por Germana Ferreira Lopes e Ac. STJ, de 8/2/2024, proc.º n.º 995/20.8T8PNF.P1.S2, relatado por Nuno Pinto Oliveira). Em suma esta nulidade apenas se verifica quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar. Temos para nós, não se verificar tal nulidade, desde logo, por o tribunal “a quo” se ter pronunciado quanto a tal matéria. Na verdade, é a própria recorrente que refere: “Quanto à compensação paga à testemunha DD, cujo montante foi transferido para a conta de CC, considerou o Tribunal a quo que tal montante não chegou a ser peticionado, excluindo tal quantia na compensação arbitrada a favor da Recorrente”. O tribunal “a quo” pronunciou-se, não condenou em tal pagamento, por entender não ter sido peticionado. Mas tal não implica omissão de pronuncia. A recorrente pode discordar do entendimento, não pode é dizer que houve omissão de pronuncia. Assim, pelo exposto, esta sua pretensão não pode proceder. Passemos à invocada alínea e). Violação da alínea e). Refere a recorrente que o tribunal “a quo” violou a citada alínea, desde logo por: “…Estatui o artº. 5º., nº. 1 do CPC que às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aquelas em que se baseiam as exceções invocadas; E, por sua vez, dispõe o artº. 615º., nº. 1, alínea e) do CPC, aplicável por via da remissão efetuada pelo artº. 666º., nº. 1 do mesmo diploma legal, que a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido; Assim, por força do princípio do dispositivo, o Tribunal apenas se encontra impedido de conhecer de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes ou condenar em montante superior ao peticionado”, o que no entender da recorrente não foi o caso. Por sua vez os recorridos pugnam pela improcedência de tal nulidade, referindo: “É manifestamente falso que o valor global do pedido tenha incluído esse montante. Assim, à semelhança do que ocorreu com outras quantias a que a recorrente aludiu na sua petição inicial e que não foram englobadas no valor do pedido, não poderá o pedido de pagamento deste montante ser julgado procedente, sob pena de tal procedência configurar uma nulidade do acórdão, por condenação em valor superior ao peticionado, à luz dos arts. 609.º, n.º 1 e 615, n.º 1, e) do CPC.” Apreciando. Preceitua a alínea e), do n.º 1, do art.º 615.º do C.P.C., “ 1- É nula a sentença quando, e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”. Operando à leitura do acórdão não vislumbramos, que o acórdão recorrido, tenha condenado em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Assim, sem mais delongas improcede esta pretensão da recorrente. Aqui chegados, passemos ao ponto seguinte. 2.2. Se houve violação da lei na apreciação da matéria de facto, mormente dos art.ºs artºs. 371º., nº. 1 e 377.º do CC. No que concerne ao pedido formulado pela autora de condenação no pagamento de uma quantia correspondente à diferença entre o valor acordado (€500.000,00), com o réu NNN para aquisição da loja em causa nos autos e o montante declarado por este último na escritura pública de compra e venda (€565,000,00), o Tribunal da Relação reverteu a decisão do Tribunal de Primeira Instância, que o julgou parcialmente procedente, por ter resultado provado que a diferença entre o valor acordado entre as partes para a alienação e o preço de compra ascendeu a (€65.000,00). Afastando-se deste posicionamento, o Tribunal “a quo” contrapôs: “em relação aos alegados prejuízos que a autora indicou na petição inicial que teve com a celebração da compra e venda da loja em causa, não se provaram os mesmos, sendo certo que incumbia à autora essa prova, nomeadamente da quantia de 130.000 euros de diferença entre o preço pago- 565.000 euros e o que deveria pagar conforme acordado, quando se provou que simplesmente o preço da compra e venda se cifrou em 565.000€, tal como ressuma do contrato definitivo de compra e venda, e nada tem a pagar pela diferença entre o que a 2ª ré comprou e a autora comprou, porquanto estamos no âmbito da liberdade contratual e nada mais se provou a que título fosse, nomeadamente de algum enriquecimento sem causa.” Subjacente a este entendimento encontra-se a alteração realizada na decisão da matéria de facto, mediante a qual a Relação fez transitar do elenco de factos provados para o acervo de factos não provados o facto, que indicava que a autora e o réu NNN tinham acordado que a loja seria adquirida por €500.000,00. Para tal, o Tribunal da Relação valorou as declarações de parte prestadas pela autora e ponderou a sua credibilidade à luz das regras da experiência comum; analisou, de modo conjugado, documentos descritivos de transferências monetárias e e-mails da autora da sua conta bancária da Suíça para a sua conta bancária no BCP a dar ordens de transferência; apreciou o conteúdo do contrato-promessa e o próprio teor do contrato prometido. Relativamente a este último convénio, considerou o acórdão recorrido: “o contrato de compra e venda definitivo da loja em causa foi realizado em 19-06-2019, através de documento autenticado e o preço cifrou-se em 565.000 euros, consignando-se aqueles pagamentos do preço de 565.000€ e com referência àquelas datas de pagamento e valores e identificação das contas bancárias ( cfr. doc. 7 da pi). Ou seja, mais uma vez coincide pelo menos o valor total de 565.000 euros e cujo pagamento ocorreu em 2017, e atento o rasto do dinheiro, pago com o dinheiro transferido da conta da suíça do filho da autora para a conta da autora no BCP e desta para a conta da 2ª ré. Por tudo o exposto, e fazendo prova plena é este o preço que vale como provado ( cfr. art. 363º, nº3, 376º 377º do CPC).” Rematou, a este respeito, o Tribunal da Relação, para fundar o seu juízo decisório negativo a respeito da factualidade em crise: “Em suma: as declarações da autora não foram consistentes, nem corroboradas de modo consistente pelo depoimento do filho EE, nem sequer explicaram de modo claro todas as transferências de dinheiros ocorridas de cada uma das contas, tal como se impunha que se fizesse num caso como o dos autos. (…) Em suma, perante várias contradições e falta de coerência em ambas as versões avançadas pelo réu e pela própria autora, a dúvida sobre os factos continua a pairar, pelo que a este tribunal ad quem apenas restará seguir as regras do non liquet, o que reverte contra quem tem o ónus de provar: - no caso a autora teria de provar que o preço acordado não foi aquele constante do contrato de compra e venda, o que não fez (…)” A recorrente insurge-se contra esta decisão de alteração factual, afirmando que a mesma assentou na análise do teor do contrato de compra e venda e que este não faz prova plena quanto ao efetivo preço de aquisição do imóvel nem quanto ao montante que o recorrido se encontrava autorizado a gastar para concretizar a referida aquisição. Acrescenta que, com base em tal documento, o Tribunal “a quo” apenas poderia dar como provado que os outorgantes declararam um preço de venda de € 565.000,00 e que tal montante foi liquidado nos moldes aí descritos, concluindo que “o aludido documento nunca poderia servir para dar como provado o montante acordado entre a Recorrente e Recorrido para aquisição do imóvel em questão e muito menos permitiria afastar os demais elementos de prova carreados para os autos a este respeito, pelo que, tendo-o feito, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 358º., nº. 2 e 371º., nº. 1 do CC.” Apreciando. Preliminarmente, importa realçar que a interferência do STJ, na qualidade de tribunal de revista, no julgamento da matéria de facto é residual, circunscrevendo-se à sindicância da desconformidade com direito probatório material (art. 674.º/3 do CPC), à possibilidade de ordenar a ampliação da matéria de facto com vista a que a mesma constitua base suficiente para a decisão de direito ou à possibilidade de ordenar a sanação de contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito (art. 682.º, n.os 2 e 3, do CPC). A factualidade cujo juízo probatório é disputado pela recorrente, tal como consta da redação expressa na fundamentação de facto, respeita ao preço da loja acordado entre as partes, sendo diversa, do ponto de vista fenomenológico, da facticidade atinente ao preço declarado pelas partes pela aquisição do imóvel. É insofismável que a escritura pública que titulou o contrato de compra e venda em análise consubstancia um documento autêntico, nos termos definidos no n.º 1 do art. 369.º do CC. A sua força probatória considera-se, desde logo, estabelecida quanto à sua autenticidade (art. 370.º/1/2 do CC), a qual só pode ser disputada pela via da falsidade. No que concerne à sua força probatória material, haverá que proceder à distinção de dois planos: considera-se existir prova plena, tão-só suscetível de ser afastada pela prova da falsidade, no que respeita à veracidade dos factos atestados pelo funcionário documentador nos limites da sua competência e na medida em que o conteúdo incida sobre atos praticados pelo próprio (arts. 371.º e 372.º do CC); existe, no entanto, plena liberdade de valoração probatória no que respeita à veracidade, ausência de vícios ou anomalia do que foi transmitido ao funcionário e vertido no documento e igualmente quanto às atestações deste fora dos seus limites de competência. Este é um entendimento que encontra amplo eco na doutrina (Cfr., entre outros, Pires de Lima de Lima/ Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pp. 327-328; Maria dos Prazeres Beleza, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pp. 852-853), e na jurisprudência do STJ (cfr., entre muitos outros, os acórdãos de 04-02-2010, Processo n.º 4114/06.5YXLSB.S1, relatado por Álvaro Rodrigues, de 23-02-2010, Processo n.º 566/06.1TVPRT.P1.S1, relatado por Alves Velho, disponíveis em www.dgsi.pt), de 02-03-2011, Processo n.º 888/07.4TBPTL.G1.S1, relatado por João Bernardo, inédito, de 20-05-2014, Processo n.º 1618/11.1TVLSB.L1.S1, relatado por Maria Clara Sottomayor, inédito, de 09-07-2014, de Processo n.º 28252/10.0T2SNT.L1.S1, relatado por Paulo Sá e de 23-05-2019, Processo n.º 3583/16.40T8BR.C1.S2, relatado por Acácio Neves, disponíveis em www.dgsi.pt). Caso a força probatória plena não resulte do documento autêntico, a mesma poderá ainda ser alcançada por via da confissão, por aplicação do disposto no n.º 2 do art. 358.º do CC, que dispõe que “a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.” No caso, em apreço, o facto declarado pelos outorgantes apenas se reportou ao preço da compra e venda (€565.000,00), É, pois, incontroverso, tal como defende a recorrente, que apenas este facto declarado, seja por via da força probatória material do documento autêntico, seja por via do regime da confissão, poderia ser considerado plenamente demonstrado. No entanto, foi diverso o facto que o Tribunal, exercitando o seu poder de livre apreciação probatória, considerou não demonstrado, contendendo este com o preço da loja acordado previamente entre as partes. Este facto não se identifica, do ponto de vista fenomenológico, com o montante do preço declarado pelas partes no contrato de compra e venda outorgado por escritura. A força probatória plena apenas cobre o facto consistente neste preço declarado – e não, naturalmente, o facto consistente no acordo prévio das partes quanto ao “quantum” de tal preço. Para a formação da convicção acerca deste facto, o Tribunal não se encontrava impedido de considerar, como fez, o teor do contrato de compra e venda e o preço declarado pelas partes, confrontando-o com os demais meios de prova produzidos, de molde a formar um convencimento acerca da realidade da materialidade probanda. Com efeito, ao contrário do que argumenta a recorrente, o Tribunal “a quo” não julgou não provado o facto sob escrutínio apenas por referência ao conteúdo da escritura pública de compra e venda. Ao invés, considerou que, tendo ficado provado que o preço declarado pelas partes ascendeu a €565.000, a autora não logrou provar que acordara com o réu a celebração da venda por montante inferior, tendo em conta a análise conjugada dos restantes meios de prova produzidos (prova por declarações de parte, prova testemunhal e prova por documentos particulares). Por assim ser, não se vislumbrando “in casu” a violação pela decisão recorrida das regras atinentes a prova com força legalmente vinculativa, o juízo efetuado pela Relação a este respeito é um juízo cujo acerto, por se mover no âmbito da liberdade de apreciação de prova (cfr. arts. 362.º, 366.º e 396.º do CC e 466.º/3 do CPC) - designadamente no que tange às declarações de parte da autora e da testemunha EE, indicadas pelas recorrente - o STJ se encontra impedido de examinar, nos termos do disposto nos arts. 662.º/4 e 674.º/3, 1.ª parte, do CPC. Estando vedado ao STJ o exame do mérito do juízo probatório em análise, sempre se realce, sob outra ótica, que não se vislumbra qualquer contradição na decisão sobre a matéria de facto (em concreto, em relação ao facto em apreço, que foi considerado não provado, e os factos 12, 15, 17, 18, 25, 28, 35, 36, 44, 45, 46, 47, 51 e 82) inviabilizadora da decisão jurídica do pleito, que admitia a intervenção deste Tribunal no âmbito do julgamento da matéria de facto, nos termos da parte final do n.º 3 do art. 682.º do CPC. Aliás, o acórdão recorrido, não assentou, como já referimos, apenas no contrato compra e venda, como parece referir a recorrente, mas sim na conjugação da prova no seu conjunto, como resulta do segmento que se transcreve, que em certa medida já referimos: “O que ocorre in casu são as dissonâncias na versão apresentada seja pela autora, seja pelo 1º réu, de tal modo que nem uma nem outra são convincentes e verosímeis ( tal como ocorre com os depoimentos testemunhais que corroborariam a tese respetiva), restando-nos apenas o que ressuma dos documentos e o teor dos mesmos, como adiante analisaremos. A versão apresentada pela autora, começa por sustentar que acordou com o réu e autorizou-o a comprar a loja pelo preço de 435.000€, o que não é de todo verosímil, porquanto esse é o preço pelo qual foi comprada a loja pela 2ª Ré, a qual é uma sociedade comercial e que tem por escopo o lucro, pelo que não se vislumbra a razão ( nem sequer foi ventilada) pela qual, neste caso em concreto, prescindiria do lucro; por outro lado, e se a motivação era ( não discute se estava bem ou mal informada da sua necessidade, atenta a sua nacionalidade britânica apesar de se ter apresentado a todos com passaporte israelita) a obtenção dos vistos gold, então teria de ser uma compra superior a esse preço, ou seja, superior a 500.000 euros, como é do conhecimento comum. Acresce dizer que compulsadas as várias mensagens de telemóvel trocadas entre a autora e outros mediadores-cfr. fls. 220 a fls. 226- (além da testemunha DD), as mesmas atestam que a autora procurava imóveis com preços superiores a 500.000 euros, de tal modo que o filho EE numa mensagem trocada com a autora, sua mãe, em 04-10-2017 lhe responde quanto a uma proposta ( se preferia 580.000€ ou 565.000 e mobília) avançada pela sua mãe :“ O contrato de 565.000 é melhor, eu acho. Discute com a OOO. Você decide” ( cfr. tradução apresentada no requerimento de 10-09-2021). Em declarações, a autora já apresenta versão diferente: sustenta que o preço que acordaram comprar atingiria os 500.000 euros; o filho EE também sustentou que o réu não foi autorizado a gastar mais de 500.000 euros. Por outro lado, a autora alegou que não deu autorização para as transferências de dinheiros que ocorreram nas suas contas bancárias e alega várias transferências como se fossem todas das suas contas bancárias e todas feitas pelo réu sem autorização da autora ( cfr. art. 28º da p.i.). E compulsados os documentos juntos aos autos, nem sequer a alegação aduzida pela autora logo na petição inicial reflete a realidade, pois as transferências de dinheiros das contas da Suíça em 2017 são da conta do seu filho EE e as transferências ocorridas em 2018 já são transferências de outra conta da suíça e esta sim atribuída à autora. Com efeito, dos autos constam várias contas bancárias: -a conta bancária na suíça do filho EE com nº ...66 ( doc. 7, 8 e 9 da contestação); - a conta na suíça da autora com o número ...30 ( doc. nº 1 da p.i); - e a conta do BCP da autora e aberta em 06-07-2017 ( doc. 2 da p.i.). Por outro lado, temos juntos aos autos documentos assinados pela testemunha EE, filho da autora e que atestam a veracidade das ordens de transferência de dinheiro da sua conta na suíça (nº ...66) para a conta da autora no BCP ( cfr. fls. 193 a 195- tradução), aliás a testemunha em depoimento já nem sequer coloca em causa a sua assinatura nos documentos- e nisto já vamos numa outra versão dos factos- e alega que “ assinou em branco”, o que não é muito verosímil sequer quando tratamos de valores de milhares de euros e ainda mesmo para quem diz ter na conta “ um milhão e cem mil euros”. Por outro lado, tais documentos foram verificados por outros funcionários do banco suíço, além do réu, tal como ressuma ostensivamente da simples análise daqueles documentos. Acresce ainda o seguinte e que ressuma do teor dos documentos juntos aos autos ( cfr. doc. 8 da p.i.): temos as entradas de tais dinheiros na conta do BCP aberta em nome da autora, mãe: - em 13-10-2017- de 200.000 €; - em 19-10-2017- de 100.000€; - em 10-11-2017- de 340.000€. E as saídas dessa conta BCP nos seguintes valores e em datas e valores muito próximos: - em 16-10-2017- de 175.000 € ( para a 2ª ré); - em 20-10-2017- de 87.000 € ( para a 2ª R); - 06- 12-2017- de 303.000 € ( para a 2ª ré). Por outro lado, temos o contrato promessa de compra e venda da dita loja com data de 20-12-2017, em que se fez consignar que a 2ª ré promete vender à autora a loja pelo preço de 607.000 euros e cujos pagamentos são daqueles mesmos valores e com referência às datas de 17-10-2017 ( € 175.000), 20-10-2017 ( € 87.000) e 07-12-2017 ( € 303.000) ( mais o valor de 42 mil euros a ser pagos na escritura), ou seja, no valor total já pago de 565.000 euros. Ou seja, os valores pagos à 2ª ré pela autora, coincidentemente, são muito próximos dos montantes das transferências ordenadas pelo filho da autora para a conta da sua mãe no BCP, o que inculca desde a logo a ideia de que, pelo menos, o filho da autora sabia dos valores e do negócio que se encontrava em curso e nada mais ocorrendo e sendo esclarecido pela autora e filho, apenas uma hipótese se perfila, dentro das regras da experiência comum: o filho doou aquele dinheiro a sua mãe. O contrato de compra e venda definitivo da loja em causa foi realizado em 19-06- 2019, através de documento autenticado e o preço cifrou-se em 565.000 euros, consignando-se aqueles pagamentos do preço de 565.000€ e com referência àquelas datas de pagamento e valores e identificação das contas bancárias ( cfr. doc. 7 da pi).. Ou seja, mais uma vez coincide pelo menos o valor total de 565.000 euros e cujo pagamento ocorreu em 2017, e atento o rasto do dinheiro, pago com o dinheiro transferido da conta da suíça do filho da autora para a conta da autora no BCP e desta para a conta da 2ª ré”. Assim, face ao exposto não vislumbramos que assista razão à recorrente. Aqui chegados passemos à analise do ponto seguinte. 2.3. - Se o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que condene os RR. nos seguintes montantes: (i) € 32.300,00, correspondente ao valor global das rendas que a Recorrente deixou de auferir entre janeiro de 2018 e junho de 2019, (ii) € 12.300,00, correspondente ao valor indevidamente transferido da conta da Recorrente para a conta de CC e de que foi beneficiária a testemunha DD e (iii) € 65.000,00, correspondente ao valor transferido pelo Recorrido para a Recorrida e que excedia a autorização concedida por esta quanto ao montante a despender para aquisição da loja em causa nos autos, acrescidos dos respetivos juros de mora até efetivo e integral pagamento. Segundo a recorrente o tribunal “a quo” errou de direito ao não condenar os RR., fazendo errada aplicação do direito. Atendendo que a recorrente coloca esta sua pretensão em três pontos, por uma questão de método iremos analisar cada um de per si. Assim, 2.3.1.- Quanto ao ponto i) Neste ponto entende a recorrente ter direito a € 32.300,00, correspondente ao valor global das rendas que a Recorrente deixou de auferir entre janeiro de 2018 e junho de 2019. Apreciando. Começa a autora por se insurgir contra a decisão do Tribunal “a quo” revogatória da decisão do primeiro grau de jurisdição, que condenou os réus a pagar-lhe a quantia de €32.300,00, relativa ao valor das rendas correspondentes ao gozo do imóvel por si adquirido e que a recorrente deixou de auferir em virtude do protelamento da outorga da escritura de compra e venda. O Tribunal de Primeira Instância, enquadrando a responsabilidade dos réus no âmbito delitual, considerou ter resultado “provado que o protelamento da outorga da escritura de compra e venda por parte do Réu teve como consequência que a Autora deixasse de auferir o valor das rendas sobre o imóvel, provocando assim um prejuízo de € 32.300,00 (facto 63)(em benefício da 2ª Ré).” Já o Tribunal da Relação, ainda que sem particular desenvolvimento, afastou o preenchimento dos pressupostos atinentes à responsabilidade contratual ou extracontratual por não se ter provado que foi por causa imputável ao réu que o contrato prometido de compra e venda não se realizou anteriormente à data de 19-06-2019, concluindo que «se a autora nada fez desde Março de 2018 (data limite para ser marcada a realização do contrato prometido) até junho de 2019 (data da realização efetiva do contrato prometido), nomeadamente não converteu a mora em incumprimento definitivo, sibi imputet.» Recuperemos a factualidade relevante. No caso, resultou provado que a autora, na sequência de um encontro com o réu em 5 de outubro de 2017, foi visitar um imóvel - uma loja situada no centro de ..., no Largo ... -, tendo decidido avançar com a aquisição da mesma, que proporcionava um rendimento mensal de 1.900,00 € decorrente de um contrato de arrendamento (pontos 18 e 21 da matéria assente). Neste conspecto, ficou provado que a autora assinou uma procuração a favor do réu (apenas revogada em 2 de julho de 2019), conferindo-lhe poderes para realizar o negócio de compra e venda da loja e praticar todos atos necessários àquele e, bem assim, os poderes para movimentação das contas da autora abertas junto do BCP (ponto 25), tendo o réu, no dia 7 de outubro de 2017, informado a autora de que tinha fechado o negócio com o vendedor (ponto 28). Ficou, por outro lado, demonstrado que a autora constatou que, em 2017.12.20, o réu celebrou, em sua representação, um contrato-promessa de compra e venda com a ré Winnerchoice, S.A., nos termos do qual a autora se comprometeu a comprar à Winnerchoice, e esta a vender àquela, livre de quaisquer ónus, encargos e/ou responsabilidades, com exceção do contrato de arrendamento existente, a fração autónoma em causa (ponto 39). Nos termos do referido contrato-promessa, sobre a fração incidia um contrato de arrendamento, em que a inquilina era a sociedade “R..., Lda.”, o qual se manteria em vigor, e que ficou anexo ao contrato. Tal contrato de arrendamento tinha o prazo de 10 anos, com início em 2017.03.15 e termo em 2027.03.14, renovável automaticamente, sendo a renda mensal de € 1.900,00 (pontos 40 e 41 da matéria de facto provada). Ora, não obstante no referido contrato ter ficado estabelecido que a escritura de compra e venda, a agendar pela Ré Winnerchoice, seria realizada até 2018.03.30, em hora e local a indicar por aquela, o réu apenas outorgou a mesma em 2019.06.19 (pontos 43 e 44 da materialidade assente). Resultou adquirido que a compra da loja pela autora, também neste ato representada pelo réu, veio a ser feita pelo preço de € 565.000,00, valor inferior ao estabelecido no contrato-promessa e que já havia sido integralmente pago no final de 2017 (pontos 45 e 59). Ante este quadro factual, a recorrente começa por sustentar que o réu NNN incumpriu as obrigações advenientes do contrato de mandato com representação consigo celebrado por não ter diligenciado pela outorga da escritura pública de compra venda relativa ao imóvel em causa nos autos, inviabilizando, assim, que a mesma pudesse começar a receber as rendas relativas ao contrato de arrendamento que incidia sobre a fração. Importa, neste âmbito, estabelecer uma distinção entre as figuras jurídicas do mandato e da procuração: enquanto que o mandato é um contrato mediante o qual o mandatário assume a obrigação de praticar atos jurídicos por conta do mandante, isto é, com intenção de atribuir a este os efeitos do ato celebrado, podendo assumir as vestes de mandato com ou sem representação, consoante a forma de repercussão dos efeitos jurídicos na esfera do mandante (arts. 1178.º e 1180.º e seguintes do CC), a procuração avulta como negócio jurídico unilateral autónomo, pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos (art. 262.º/1 do CC). A respeito da delimitação destas figuras, a jurisprudência do STJ tem enunciado as seguintes proposições conclusivas: - acórdão de 23-09-2004, Processo n.º 2716/04, relatado por Salvador da Costa, acessível em www.dgsi: “(…) II - Enquanto o mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra, a procuração é o acto pelo qual uma pessoa atribui a outra poderes representativos funcionalmente dirigidos à realização de fins e interesses da primeira”; - acórdão de 14-11-2006, Processo n.º 3592/06, relatado por João Camilo, disponível em www.dgsi: “I - A procuração pode ser o meio de executar um contrato de mandato que tenha sido celebrado, mas, por se tratar de um acto unilateral, nunca pode ser considerada um mandato, com ou sem representação, que é uma figura contratual, logo bilateral. II - Pelo mandato constitui-se um vínculo, através do qual o mandatário se vincula à prática de um ou mais actos jurídicos. Mas a procuração não tem o efeito de obrigar o representante a uma actividade de gestão: este fica simplesmente legitimado perante terceiros e autorizado ao desenvolvimento da gestão (…)”; - acórdão de 16-04-2009, Processo n.º 77/07.8TBCTB.C1.S1, relatado por Maria dos Prazeres Beleza, inédito: “(…) I - Não se confundem a procuração e o mandato; podem coexistir, e haverá mandato com representação, ou não, e existirá eventualmente, ou um mandato sem representação, ou uma procuração relacionada com qualquer outro acto jurídico (…)”; - acórdão de 29-06-2010, Processo n.º 2040/07.0TBVCT.G1.S1, relatado por Mário Cruz, inédito: “I - A obrigação de praticar actos jurídicos é elemento essencial do contrato de mandato, de acordo com o disposto no art. 1157.º do CC. II - Não resultando da prova produzida que o réu se tenha obrigado a praticar qualquer dos actos constantes da procuração, antes que o réu ficou autorizado a praticá-los em nome dos autores, a relação assumida entre as partes não consubstancia um contrato de mandato, pelo que, ao praticar os actos indicados como autorizados na procuração, o réu actuou em nome dos autores, seus representados, mas não como seu mandatário (…)”; - acórdão de 30-01-2013, Processo n.º 1705/08.3TBVNO.C1.S1, relatado por Salazar Casanova, disponível em https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2013:1705.08.3TBVNO.C1.S1.3E?search=sSZ_EvlrDTqPUeisA1Y: “(…)- III - A procuração não impõe a obrigação de celebrar atos jurídicos por conta de outrem, confere o poder de os celebrar em nome de outrem e, por conseguinte, a obrigação de prestação de contas apenas advém para o procurador quando pratica atos de administração ao abrigo da procuração que lhe foi conferida (art. 1014.º do CPC). IV - A outorga de procuração não é constitutiva de contrato de mandato, podendo valer como proposta de mandato, formando-se o contrato nos termos gerais dos contratos (…)”; - acórdão de 30-05-2013, Processo n.º 4576/07.3TVLSB.L1.S1, relatado por Lopes do Rego, inédito.: “(…) I - O mandato e a procuração são figuras jurídicas bem diferenciadas, não se podendo do simples facto de certo interessado ter outorgado procuração, ainda que irrevogável, a outro interessado concluir pela existência de um contrato daquela natureza (…); - acórdão de 02-12-2013, Processo n.º 468/09.0TBPFR.P1.S1, relatado por Azevedo Ramos, disponível em https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2013:468.09.0TBPFR.P1.S1.5B?search=1p34Vi5dk7k1U2DciS4: (…) II - Procuração e mandato são figuras distintas, que podem coexistir, mas não necessariamente. III - A procuração é um acto unilateral, enquanto o mandato é um contrato. IV - O mandato impõe a obrigação de celebrar actos jurídicos por conta de outrem; a procuração confere o poder de os celebrar em nome de outrem”; - acórdão de 08-09-2016, Processo n.º 2900/08.0TVLSB.L2.S1, relatado por Olindo Geraldes, acessível em https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2016:2900.08.0TVLSB.L2.S1.76?search=NC59LYeCTs4e2vt6BMc:“(…) IV - A distinção entre o mandato e a procuração é clara, pois enquanto aquele constitui um contrato de prestação de serviços destinado à prática de atos jurídicos, independentemente da representação, a procuração é um negócio jurídico através do qual se conferem poderes de representação, não carecendo da coexistência do mandato”; - acórdão de 12-09-2017, Processo n.º 420/10.2TBALQ.L1.S1, relatado por José Raínho, inédito: “I - Mandato e representação voluntária mediante procuração são realidades jurídicas diferentes (embora andem frequentemente juntas). No primeiro caso, estamos perante um contrato, tendo o mandatário o dever de exercer o mandato, enquanto na procuração (negócio unilateral não recipiendo) o procurador não tem esse dever, mas sim a possibilidade de agir nos termos visados (…)”; - acórdão de 10-09-2019, Processo n.º 1546/15.1T8CTB.C1.S1, relatado por Assunção Raimundo, acessível em https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2019:1546.15.1T8CTB.C1.S1.36?search=6_MMWmYZqF70gHuFsnc “No confronto entre “procuração” e “mandato”, a procuração inclui sempre e apenas poderes representativos, ao passo que o mandato, ligado à ideia de agir por conta doutrem, pode ou não envolvê-los. II - A procuração é um negócio jurídico formal e unilateral, que outorga poderes de representação (art. 262.º do CC), cuja interpretação está sujeita às regras definidas pelo art. 238.º do CC (…)”. Do enquadramento teórico e jurisprudencial que se deixa exposto concluiu-se que a existência de uma procuração não se confunde com a existência de um contrato de mandato – sendo configurável um contrato de mandato sem a existência de uma procuração, assim como uma procuração desprovida de mandato (cfr. Cfr. Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, A Procuração Irrevogável, 2.ª edição, 2016, Coimbra, Almedina, pp. 47-48 e Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações – Contratos em Especial, volume III, Coimbra, Almedina, 2009, p. 455-464. Na verdade, como feito notar pelo acórdão do STJ de 15-12-2020, Processo n.º 1797/07.2TVLSB.L2.S1, relatado por Olinda Garcia, disponível em www.dgsi, “embora a procuração se baseie, frequentemente, no mandato, existem, porém, outros quadros jurídicos suscetíveis de justificar a existência da procuração, a qual poderá assumir uma função instrumental à concretização de um negócio projetado, que, de imediato, não possa ser concluído (…).” É, justamente, esta última alternativa que se crê poder recortar-se da matéria de facto assente nos autos. Com efeito, não ficou provado que o 1.º réu tivesse assumido a obrigação de praticar atos jurídicos por conta da autora, tendo resultado tão-só provado que esta lhe atribuiu poderes representativos para realizar atos jurídicos. Concretizemos. A procuração é um negócio jurídico incompleto, pretendendo-se, com esta afirmação, “traduzir a ideia de que, em princípio, a procuracão encontra-se sempre integrada num negócio global, não operando de um modo independente. Esta funciona em conjunto corn uma relação jurídica que lhe está subjacente.” (cfr. Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, A Procuração Irrevogável, 2.ª edição, 2016, Coimbra, Almedina, p. 58. A relação subjacente não deve ser confundida com o negócio a celebrar (normalmente celebrado entre o procurador, em representação do ”dominus”, e um terceiro). Na definição de Pedro Pais de Vasconcelos, a relação subjacente deverá ”consistir num negócio que se destine a regular a relação que resulta da procuração, a relação de representação. Deverá consistir num negócio que esteja estruturalmente concebido de modo a dele se poder retirar o critério de atuação, pelo qual os sujeitos da relação de representação se deverão reger. Deverá ser um negócio que tenha por objeto a celebração de outros negócios, ou a prática de outros atos, e que exija a procuração como algo necessário ou útil a esse negócio. O dominus e o procurador deverão ser partes no negócio que constitui a relação subjacente, podendo embora verificar-se a intervenção de mais pessoas ou mais partes.” (cfr. Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, A Procuração Irrevogável, 2.ª edição, 2016, Coimbra, Almedina, p. 61). Em suma. Podemos dizer que a figura da procuração aproxima-se, assim, muito do mandato (artigo 1157º e seguintes do Código Civil). E de tal modo que as diferenças entre si são ténues. Adriano Vaz Serra, in n RLJ, Ano 122º, a páginas 222 – em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08.02.79, relatado por Octávio Dias Garcia, explicou assim a fronteira entre elas: «Efectivamente, o mandato não se identifica com a procuração, como claramente se verifica confrontando os arts. 262º e segs. e 1157º e segs. do CC (…). A procuração é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa confere a outra poderes de representação, isto é, para, em nome dela, concluir um ou mais negócios jurídicos (art. 262º, nº 1; o mandato, diversamente, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (art. 1157º) (…) A procuração é, pois, o acto pelo qual alguém confere a outrem poderes de representação, tendo por consequência que, se o procurador celebrar o negócio jurídico para cuja conclusão lhe foram dados esses poderes, o negócio produz os seus efeitos em relação ao representado (…) O mandato é um contrato; a procuração é um acto unilateral. O primeiro impõe a obrigação de celebrar actos jurídicos por conta de outrem. O segundo confere o poder de os celebrar em nome de outrem. O mandato e a procuração podem coexistir ou andar dissociados: aquele sem esta, esta sem aquele (cfr. Pessoa Jorge, ob. cit., nº 3; Ferrer Correia, A procuração na teoria da representação voluntária, no Bol. da fac. de Direito de Coimbra, CCIV, pág. 253 e RLJ, ano 109º-125 e 112º-219 ss. O que, efectivamente, origina os poderes existentes no mandatário não é a procuração; a procuração, no sistema do CC actual, mais não é que o meio adequado para exercer o mandato. Como negócios que poderão constituir a relação subjcente poder-se-ão nomear, a título exemplificativo, o contrato de mandato, o contrato de agência, o contrato de trabalho, a autorização, a preposição ou a gestão de negócios. Ora, no presente caso, a autora não alegou – e, por conseguinte, não demonstrou – factos constitutivos de um negócio jurídico suscetível de consubstanciar a relação subjacente. Não tendo a recorrente logrado provar, enquanto facto constitutivo do direito alegado (art. 342.º/1 do CC), que o réu se tivesse obrigado a praticar qualquer dos atos constantes da procuração, não é possível enquadrar a relação estabelecida entre as partes num contrato de mandato representativo (ou mesmo num contrato de prestação de serviço – art. 1154.º do CC – ou outro) – um enquadramento jurídico que, de resto, como sublinhado pelos recorridos na sua resposta, foi mobilizado pela autora, de modo inovatório, no presente recurso de revista. Por conseguinte, ao atuar como representante voluntário da autora na outorga do contrato-promessa e do contrato de compra e venda do imóvel, o réu NNN, perante a factualidade adquirida, não atuou como mandatário da demandante, reconduzindo-se a sua atuação ao nível da simples atuação representativa, com fundamento na procuração outorgada. Numa formulação sintética: ficou provado que o réu estava autorizado a praticar os atos em causa, mas não que tinha obrigação de os executar. Por assim ser, o recorrido não tinha as obrigações de execução e de comunicação a que aludem as alíneas a) e c) do art. 1161.º do CC, cuja constituição pressupunha a existência de um contrato de mandato e, de modo inverso, na esfera da autora não se consolidou qualquer direito à realização de tais obrigações. Daí que o alegado protelamento da celebração do contrato de compra e venda e consequente retardamento na perceção das rendas devidas pelo seu gozo – em que a autora funda o seu pedido de indemnização – não seja suscetível de consubstanciar o incumprimento de qualquer obrigação contratual por banda do réu, sendo naturalmente inaplicável nesta sede a presunção de culpa a que alude o n.º 1 do art. 799.º do CC. Sob outro prisma, por não ter ficado provado que o réu NNN tivesse, neste domínio, atuado contra a autorização da autora, praticando atos abusivos, ou se tivesse prevalecido dos poderes representativos outorgados para fins diversos, inexistem elementos que o permitam responsabilizar, ao abrigo da responsabilidade civil extracontratual (art. 483.º/1 do CC). * Mas a análise do ponto vertente carece de posterior desenvolvimento. E isto porque a recorrente também pretende responsabilizar a sociedade ré pelo pagamento do valor das rendas devidas pelo gozo do imóvel alienado durante o período compreendido entre 08-01-2018 e 19-06-2019, argumentando que a mesma se constituiu em mora na obrigação de reparar os danos causados, nos termos do art. 804.º/1/2 do CC, por não ter procedido à marcação da escritura pública de compra e venda no prazo fixado no contrato-promessa. Em concreto, a qualificação do contrato, tal qual resulta da matéria de facto apurada, aponta precisamente para a existência de um contrato-promessa, i.e. uma convenção pela qual as partes se obrigaram a celebrar um futuro contrato (cfr. artigo 410.º/1 do CC), tendo a autora se obrigado a comprar e a ré sociedade se obrigado a vender um imóvel da propriedade desta última. Ao contrato-promessa, de acordo com o princípio da equiparação, aplicam-se as regras gerais da falta de cumprimento e da mora, estabelecidas nos artigos 798.º e seguintes do CC, como decorre do disposto no art. 410.º/1 do CC, que manda aplicar ao contrato-promessa as disposições legais relativas ao contrato prometido (com exceções que, no caso em apreço, não se verificam). No contrato-promessa celebrado, ficou estabelecido que a escritura de compra e venda, que deveria ser agendada pela ré sociedade, seria realizada até 30-03-2018, em local a agendar por aquela, tendo, no entanto, o contrato prometido, apenas sido outorgado a 19-06-2019. Como se retira dos primeiros dois números do art. 805.º do CC “1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. 2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação: a) Se a obrigação tiver prazo certo.” Estipula, por seu turno, o art. 804.º do mesmo diploma que “1. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor. 2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.” Não tendo ficada demonstrada a vontade real das partes indicativa de um sentido particular da declaração (art. 236.º, n.º 2 do CC), cremos que, no caso, a aplicação da teoria objetivista da impressão do destinatário, que confere prevalência ao sentido apreensível por um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário (art. 236.º, n.º 1 do CC) aponta para a conclusão de que o prazo estipulado pelas partes para a celebração da escritura de compra e venda não assume caráter essencial, necessário ou absoluto, apresentando a natureza de um prazo relativo. Nestes termos, a circunstância de tal prazo ter sido ultrapassado por omissão da ré sociedade, a quem competia, nos termos contratualmente estipulados, a marcação da escritura de compra e venda confere ao credor (neste caso, à autora) o direito de pedir a indemnização legal moratória. Como precisa Brandão Proença, a mora do devedor designa o atraso no cumprimento de uma obrigação validamente constituída, sob a exigência legal de que o incumprimento seja ilícito (o que não sucede se o devedor não cumpre excecionando o incumprimento alheio) e culposo, continuando o devedor com a possibilidade de cumprir por forma a satisfazer o interesse do credor (cfr. José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 319). Outros requisitos constitutivos da mora são enunciados, como a necessidade de a obrigação ser exigível, ser certa ou estar determinada (cfr. José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp. 321-322). A eficácia jurídica da mora encontra-se na dependência do seu momento constitutivo que, nos casos de mora automática (mora ex re) – como se verifica na presente situação, em que está em causa uma obrigação de prazo certo -, surge independentemente da intervenção do credor (cfr. José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp. 322). Assim, ao não ter marcado a escritura para outorga do contrato prometido até à data de 30-03-2018, a ré sociedade incumpriu ilicitamente a obrigação adveniente do contrato-promessa celebrado pela autora, não tendo tal ré ilidido a presunção de culpa inerente a tal comportamento que resulta do n.º 1 do art. 799.º do CC. O facto de autora nada ter feito no decurso do período temporal em causa, num contexto em que tinha abandonado Portugal e confiado a representação dos seus interesses ao réu NNN não é apto, à luz do princípio da boa-fé que deverá reger a execução do contrato (art. 762.º/2 do CC), a excluir a ilicitude da conduta da ré sociedade no retardamento da sua prestação. A mora, como se deixou já antever, constituiu-se de modo automático, sendo a inatividade da autora-credora, no espaço temporal de pouco mais de um ano, em que se encontrava a residir fora do país e em que se tinha feito representar neste domínio por um representante voluntário, inidónea a paralisar a eficácia de tal mora ou mesmo a criar convicção na promitente-vendedora de que os danos advenientes do incumprimento (ainda que não definitivo) não iriam ser reclamados. Este incumprimento culposo de uma obrigação não pecuniária redunda no dever de reparação dos prejuízos causados à autora, cujo montante indemnizatório deverá ser calculado por referência aos princípios gerais previstos nos arts. 562.º do CC e seguintes. Na situação vertente, ficou provado que o imóvel prometido vender gerava uma renda mensal de €1.900,00, pelo que, para calcular o prejuízo em causa dever-se-á multiplicar este valor pelo número de meses de atraso na celebração do contrato prometido, calculado por referência à data-limite prevista no contrato-promessa para a sua celebração e a data em que o mesmo veio a ser, efetivamente, outorgado (o que perfaz um total de 14 meses). Com efeito, caso o contrato prometido tivesse sido outorgado em 30-03-2018, a autora teria, pelo menos a partir do mês de abril de 2018 (data em que, aliás a ré sociedade já havia adquirido a loja a terceiro – ponto 56), na qualidade de proprietária do imóvel, passado a receber as rendas inerentes ao contrato de arrendamento – o que apenas terá sucedido a partir do mês de junho de 2019. Concluiu-se, pelo exposto, que, em virtude do protelamento da celebração do contrato prometido, a autora sofreu um dano, em termos de lucros cessantes (segunda parte do n.º 1 do art. 564.º do CC), de €26.600,00 – e não de €32.000,00, já que esta quantia foi calculada pressupondo que a autora deveria ter passado a auferir as rendas a partir de janeiro de 2018 quando, nos termos contratuais, o termo do prazo para a celebração do contrato prometido só ocorria posteriormente. Deverá, em suma em nosso entendimento, proceder parcialmente o recurso de revista neste particular, condenando-se a ré sociedade a pagar à autora a descrita quantia de €26.600,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contabilizados desde 2019.06.19. Visto este ponto passemos ao seguinte. 2.3.2. Quanto ao ponto ii Segundo a recorrente o tribunal “a quo” errou de direito ao não condenar os RR. no valor € 12.300,00, correspondente ao valor indevidamente transferido da conta da Recorrente para a conta de CC e de que foi beneficiária a testemunha DD. Argumenta que “integrando a transferência abusiva para a referida DD a causa de pedir alegada pela Recorrente e encontrando-se tal valor abrangido pelo valor global do pedido formulado em sede de petição inicial – o que manifestamente se verifica –, o Tribunal a quo nunca poderia excluir a condenação dos Recorridos no pagamento de tal quantia desde que os factos provados permitissem sustentar a decisão de direito a proferir.” Apreciando Importa, num primeiro momento, realçar que o Tribunal recorrido não incorreu em qualquer omissão de pronúncia nesta sede, como já referimos aquando da análise da nulidade do acórdão invocada, já que acabou por não analisar o mérito do pedido de condenação dos réus no pagamento da quantia transferida para CC por ter considerado tal análise prejudicada, tal como admitido pela primeira parte do n.º 2 do art. 608.º do CPC, pela circunstância de, em seu entendimento, tal quantia não ter sido peticionada na ação. O acerto de tal entendimento não poderá prescindir da atividade interpretativa dos termos do pedido, tal como formulado na petição inicial, uma atividade que, na medida em que incide sobre declarações das partes, formuladas por escrito, deverá efetuar-se de acordo com os critérios previsto nos arts. 236.º/1 e 238.º/1 do CC, tendo igualmente por referência a respetiva causa de pedir (cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 19-10-2004, Processo n.º 05B942, relatado por Salvador da Costa, acessível em www.dgsi e de 19-03-2009, Processo n.º 342/09, relatado por Salazar Casanova, disponível em). Ora, ao contrário do afirmado pela recorrente das suas alegações, o pedido de condenação dos réus no pagamento da quantia global de € 412.218,00 (que, aliás, enferma de erro de cálculo quanto à soma dos valores parcelares), apresenta a discriminação dos valores parcelares que o integram através da referência aos juros de mora, nos seguintes termos: “desde 2017.12.06, quanto a € 155.000,00 (€130.000,00 + € 25.000,00); desde 2018.09.17, quanto a € 180.000,00; desde 2019.01.09, quanto a € 17.428,00 (€ 7.000 +10.428,00); desde 2019.03.06 quanto a € 18.000,00; e desde 2019.06.19, quanto a € 32.000,00.” Se confrontarmos estas sub-quantias com os factos alegados como causa de pedir, constamos que as mesmas apresentam os seguintes fundamentos: - €130.000,00 – correspondente à diferença entre o preço da compra e da revenda do imóvel (art. 66.º da petição inicial); - € 25.000,00 – correspondente à transferência da conta da autora para uma conta da titularidade do réu pela angariação do negócio de aquisição da loja (art. 78.º da petição inicial); - € 180.000,00 – correspondente à transferência pelo réu da conta da autora para a conta de uma sociedade designada “E..., S.A.” (doravante E...) (art. 47.º da petição inicial); - € 7.000 - correspondente à transferência pelo réu da conta da autora para a conta de uma sociedade designada “E..., S.A.” (doravante E...) (art. 47.º da petição inicial); -€10.428,00 - correspondente à transferência pelo réu da conta da autora para a conta de uma sociedade designada “E..., S.A.” (doravante E...) (art. 47.º da petição inicial); - € 18.000,00 - correspondente à transferência pelo réu da conta da autora para a conta de uma sociedade designada “E..., S.A.” (doravante E...) (art. 47.º da petição inicial); - € 32.000,00 – correspondente às rendas devidas pelo gozo do imóvel alienado no período compreendido entre janeiro de 2018 e junho de 2019 (arts. 79.º e 80.º da petição inicial), verificando-se, neste particular, um erro de escrita quanto ao valor das rendas, devidamente sinalizado nos relatórios proferidos pelas instâncias. Deste elenco se comprova que, ainda que a autora tenha alegado, como causa de pedir, que “o Réu, em 2017.10.16, transferiu a quantia de € 12.300,00, para a conta de CC”, a verdade é que não fez refletir este facto alegado no pedido de condenação dos demandados no pagamento de tal montante. Não há que convocar a norma invocada pelo recorrente (art. 5.º/1 do CC) para o tratamento da questão sob escrutínio, uma vez que esta se reporta ao princípio da controvérsia no aspeto respeitante à formação do material fáctico da causa (cfr. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, p. 18). Se é certo que o autor deve expor, na petição inicial, os factos essenciais que constituem a causa de pedir (art. 552.º/1/d) do CPC), não é menos exato que tais factos só assumem relevância se apresentarem repercussão no pedido que determina o conteúdo da decisão e consubstancia o objeto do processo. Na verdade, como precisa Lebre de Freitas, “o objeto do pedido e o objeto da decisão coincidem, como resulta da articulação dos arts. 552.º-1-e, 607.º-2, 609.º-1 e 615.º-1-e: o juiz deve apreciar a pretensão e só em função dela pode condenar o réu.” (cfr. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil – Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 56, nota 3). Com efeito, uma das dimensões associadas ao princípio do dispositivo traduz-se, justamente, na liberdade das partes sobre a conformação do objeto do processo, exprimindo a relevância da autonomia da sua vontade na definição dos fins a prosseguir pelo processo (cfr. Francisco Manuel Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume I, Coimbra, Almedina, 2010, p. 238). Daí que o tribunal não possa deixar de atender aos limites que a própria parte estabeleceu à causa ao fixar os contornos do seu pedido. Assim, por não ter sido peticionada a condenação dos réus no pagamento de tal quantia, estava vedado ao tribunal, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, proferir, em violação do princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância, condenar em objeto diverso do peticionado – o que sucederia se os réus fossem condenados na realização de uma prestação que não apresenta respaldo no pedido formulado. Efetivamente, ainda que todos os pedidos parcelares se reportem à condenação no pagamento de quantias pecuniárias, alcança-se, da interpretação conjugada das diversas parcelas do segmento petitório com a causa de pedir invocada, que a autora não chegou a integrar a concreta quantia em causa no perímetro do pedido. Assim, improcede a argumentação recursória que lhe foi dirigida. Visto este ponto passemos ao ponto seguinte. 2.3.3. Quanto ao ponto iii No que concerne ao pedido formulado pela autora de condenação no pagamento de uma quantia correspondente à diferença entre o valor acordado com o réu NNN para aquisição da loja em causa nos autos e o montante declarado por este último na escritura pública de compra e venda, o Tribunal da Relação reverteu a decisão do Tribunal de Primeira Instância, que o julgou parcialmente procedente, por ter resultado provado que a diferença entre o valor acordado entre as partes para a alienação e o preço de compra ascendeu a €65.000,00. Afastando-se deste posicionamento, o Tribunal “a quo” contrapôs: “em relação aos alegados prejuízos que a autora indicou na petição inicial que teve com a celebração da compra e venda da loja em causa, não se provaram os mesmos, sendo certo que incumbia à autora essa prova, nomeadamente da quantia de 130.000 euros de diferença entre o preço pago- 565.000 euros e o que deveria pagar conforme acordado, quando se provou que simplesmente o preço da compra e venda se cifrou em 565.000€, tal como ressuma do contrato definitivo de compra e venda, e nada tem a pagar pela diferença entre o que a 2ª ré comprou e a autora comprou, porquanto estamos no âmbito da liberdade contratual e nada mais se provou a que título fosse, nomeadamente de algum enriquecimento sem causa.” Subjacente a este entendimento encontra-se a alteração realizada na decisão da matéria de facto, mediante a qual a Relação fez transitar do elenco de factos provados para o acervo de factos não provados, que a autora e o réu NNN tinham acordado que a loja seria adquirida por €500.000,00. É certo que a recorrente colocou tal entendimento em causa, referindo, na presente revista que o tribunal “a quo” tinha violada a lei, na apreciação da matéria de facto, pretensão onde não obteve vencimento, como se referiu in supra. Acrescente-se, por outro lado, que nenhum contrato de mandato celebrado entre a autora e o réu NNN ficou provado, daí que não competisse a este réu a prova, tal como defendido pela recorrente, de ter atuado segundo as instruções da mandante, demonstrando que “o preço de venda declarado na escritura pública de compra e venda por este outorgado, em nome e representação da Recorrente, o foi dentro dos limites previamente acordados com esta última.” Assim, por força do ónus da prova, cabia à recorrente tal prova (cfr. n.º 1, do art.º 342.º, do C.C.), ou seja, provar a ilicitude da conduta do réu, de atuação contrária às suas instruções nesta matéria, o que não fez. Em síntese: permanecendo indemonstrado que o 1.º réu, ao adquirir, em representação da autora, o imóvel vendido pela ré sociedade pela quantia de €565.000,00 tenha abusado dos seus poderes na efetivação do negócio (art. 269.º do CC), no que concerne à fixação do preço de aquisição do mesmo, soçobra igualmente este fundamento recursório. IV- Decisão Face ao exposto julga-se parcialmente procedente a revista e condena-se a R. (sociedade). a pagar à A. a quantia de €26.1000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contabilizados desde 19/6/2019, mantendo-se, no mais o acórdão recorrido, nos seus termos. Custas pela recorrente e recorrida (sociedade), nos termos do decaimento (art.º 527.º, do C.P.C. Lisboa, 25/3/2025 Pires Robalo (relator) António Magalhães (adjunto) Maria Clara Sottomayor (adjunta) |