Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
868/21.7T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
COLISÃO DE VEÍCULOS
VEÍCULO AUTOMÓVEL
CICLOMOTOR
DANOS PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
QUANTUM DOLORIS
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Data do Acordão: 01/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Não merece censura o acórdão recorrido que fundamentou a decisão de aumentar de € 47.500,00 para € 65.000,00 o valor da indemnização por danos não patrimoniais, neles incluindo o denominado “dano biológico” na sua vertente não patrimonial.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I - Relatório

1. AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de € 125.087,86 (cento e vinte e cinco mil e oitenta e sete euros e oitenta e seis cêntimos), assim discriminada:

«A) A quantia de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais emergentes das lesões sofridas e sequelas;

B) A quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) a título de dano biológico, na vertente dano patrimonial futuro;

C) A quantia de € 800,00 (oitocentos euros), a título de “Quantum Doloris”;

D) A quantia de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros), a título de Dano Estético;

E) A quantia que for determinada em sede de perícia médico-legal, para auxílio de terceira pessoa à autora, mas em montante não inferior a € 40.800,00 (quarenta mil e oitocentos euros);

F) A quantia de € 1.887,86 (mil oitocentos e oitenta e sete euros e oitenta e seis cêntimos) a título de outros danos patrimoniais alegados, designadamente, ciclomotor, despesas médicas, equipamentos ortopédicos;

G) O valor a fixar em sede de perícia a título de despesas futuras e medicamentosas, conexas com o acidente dos autos;

H) Os juros de mora sobre cada uma das referidas quantias, contados à taxa legal, desde a citação, até efetivo e integral pagamento.».

Como fundamento da referida pretensão a autora alegou, em síntese, que, foi vítima de um acidente de viação quando conduzia um ciclomotor, tendo este ciclomotor sido embatido pelo veículo seguro na ré por culpa exclusiva da sua condutora, que efectuou uma manobra de mudança de direcção que não devia ter realizado, com isso causando à autora diversos danos de natureza patrimonial, assim como “dano biológico” e danos de natureza não patrimonial dos quais pretende ser indemnizada.

A ré deduziu contestação, impugnando os factos alegados pela autora, imputando-lhe a responsabilidade pela produção do acidente; impugnou também os danos alegados e o valor indemnizatório peticionado.

Veio a ser proferida sentença, com o seguinte teor decisório:

«Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condena a R. Companhia de Seguros Allianz Portugal SA a pagar à A. AA:

a) a quantia de 47.500,00 euros (quarenta e sete mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais;

b) a quantia de 30.142,00 euros (trinta mil e cento e quarenta e dois euros) a título de indemnização pela necessidade de terceira pessoa;

c) a quantia de 775,14 euros (setecentos e setenta e cinco euros e catorze cêntimos) a título de danos patrimoniais;

d) a quantia que se vier a liquidar em incidente ulterior relativa ao valor do veículo ..-DT-.., identificado nos autos, à data do acidente, até ao montante peticionado de 750,00 euros (setecentos e cinquenta euros);

e) a quantia que se vier a liquidar em incidente ulterior relativamente a despesas com:

1- tratamentos médicos e de fisiatria relativos às sequelas resultantes deste acidente e acima dadas como provadas;

2- medicação para controlo das dores para o resto da vida, relacionada com as sequelas resultantes deste acidente;

f) juros de mora, sobre as quantias referidas, desde a data desta decisão relativamente à quantia referida em a) e desde a data da citação relativamente às restantes, à taxa de 4%, desde a presente data, até integral pagamento, aplicando-se qualquer alteração que venha a ser introduzida a esta taxa de juro até àquela data.

No mais, o Tribunal absolve a R. do restante pedido formulado.

Custas pela A. e pela R., na proporção do respectivo decaimento (art. 527º do C. Civil), considerando que o decaimento de cada uma das partes é de 50% em relação aos pedidos de 750,00 euros (ciclomotor) e de 10.000,00 euros (ilíquido).».

2. Inconformada, a autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a alteração da decisão de direito. Por acórdão de 21.05.2024 foi decidido o seguinte:

«Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Apelante, condenando-se a Apelada a pagar à Apelante a indemnização de €65.000,00 a título de danos não patrimoniais (nos quais se inclui o dano biológico), no mais se mantendo a sentença recorrida».

3. Desta decisão veio a ré interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

«1. A A., não se conformando com a douta sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, interpôs recurso do decidido no tocante ao quantum indemnizatório devido pelo dano patrimonial futuro.

2. Como fundamentos do recurso - ver conclusões L, M, N, Q e U do recurso de apelação supra transcritas - a recorrente alegou a perda de uma capacidade de ganho efetiva ou concreta, alegando que perante essa perda de capacidade de ganho era devida uma indemnização autónoma a título de dano patrimonial futuro no montante de Eur.35.000,00,

3. Não tendo impugnado a decisão quanto à fixação do quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos pela A..

4. Atento o exposto, é manifesto que o objeto do recurso foi delimitado pela A. quanto a uma indemnização que considerava devida a título de danos patrimoniais futuros, por perda de capacidade de ganho efetiva, indemnização essa que assenta em matéria de facto distinta de uma indemnização por danos não patrimoniais e tem fundamentos e propósitos indemnizatórios distintos de uma indemnização por danos não patrimoniais.

5. O interesse de uma A. no aumento da sua indemnização global, não afasta as limitações processuais oriundas da delimitação do objeto do recurso

6. A A., no seu requerimento, alegações e conclusões de recurso, limitou o objeto do recurso a uma indemnização autónoma devida a título de danos patrimoniais, nos termos e com os efeitos do artigo 635.º n.º 4 e 5 do Código de Processo Civil, o que condicionou a defesa apresentada pela R. nas alegações de resposta, limitando a sua defesa referente à indemnização impugnada em sede de recurso e limitando processualmente os poderes do Tribunal quanto ao conhecimento de matérias que extravasem o objeto do recurso.

7. Considerando tudo o supra exposto, ao analisar tal questão, o Tribunal da Relação do Porto violou o disposto nos artigos 635.º n.º 3 a 5 e 639.º do Código de Processo Civil e, julgando para além do objeto do recurso, a decisão do Tribunal da Relação constitui uma condenação ultra petitium, ferindo, por isso, de nulidade o Acórdão proferido, nos termos do disposto no artigo 615.º, al. e) do CPC, por remissão do artigo 666.º do mesmo Código.

8. Consequentemente, deve manter-se o decidido na douta sentença quanto à fixação da indemnização a título de danos não patrimoniais.

Caso assim não se entenda,

9. Analisados os acórdãos citados pelo Tribunal a quo na sua decisão e respetivas indemnizações, constatou-se que (ao contrário do referido pela Relação) as indemnizações não se cingem somente ao quantum doloris, dano estético e repercussão nas actividades de lazer, abarcando a totalidade do dano não patrimonial sofrido.

10. Por outro lado, não é possível fixar uma indemnização de um dano permanente sem ter em consideração a idade do lesado, uma vez que com um mesmo grau de gravidade, a extensão e influência de um dano permanente na vida remanescente do lesado será sempre superior num jovem de 17 anos do que num adulto de 65 anos, uma vez que o dano existe durante um período distinto de tempo, aumentando a influência do dano na vida do lesado,

11. Pelo que não aceita a Recorrente o entendimento da Relação de que “embora a idade dos lesados seja tomada em consideração nessa equação, não cremos que devam ser menos valorizados aqueles danos consoante a idade vai aumentando”.

12. Acresce que, desconhece a R. em que assenta o Tribunal a quo a convicção de que o avançar da idade significa uma menor tolerância à dor, não havendo qualquer evidência de que o envelhecimento, por si só, aumente ou diminua a tolerância da dor, nem tal resulta seja de evidências científicas, seja das regras da experiência comum.

13. A jurisprudência referida pelo Tribunal a quo (especialmente o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 19/09/2019 no processo judicial 2706/17.6T8BRG.G1.S1 disponível in www.dgsi.pt) vai ao encontro da indemnização fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância no montante de Eur. 47.500,00 quanto aos danos não patrimoniais, verba que se mostra justa e equilibrada para os danos não patrimoniais sofridos pela A.,

14. Uma vez que em tal acórdão a incapacidade permanente era superior à em causa nos presentes autos (concretamente uma incapacidade de 32 pontos); o lesado era 20 anos mais novo; sofreu um rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas de que ficou a padecer definitivamente, designadamente por não poder voltar exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional; e não só teve um quantum doloris no grau 5 como irá padecer de dores durante toda a sua vida, tendo nesse caso sido fixada uma indemnização no montante de Eur. 50.000,00 a título de danos não patrimoniais.

15. Destarte, ao decidir como decidiu quanto à indemnização por danos não patrimoniais, o Tribunal da Relação violou a lei substantiva, concretamente a disposta nos artigos 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil, o que se invoca nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 674.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil».

Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente.

4. A recorrida contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

«I - Quanto à alegada nulidade do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, por alegadamente ter condenado em objeto diverso do peticionado no recurso.

A–Dizer que o recurso de apelação apresentado pela autora, então recorrente, se reportou apenas à absolvição da ré, quanto ao pedido formulado pela autora, de que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 35.000,00, a titulo de dano biológico, na vertente dano patrimonial futuro, e que constituiu o objeto do recurso, isto é, saber se a autora, aí recorrente, tinha direito a ser ressarcida pelo dano biológico, na vertente dano patrimonial futuro.

B - O Tribunal da Relação do Porto aceitou, em parte, os argumentos apresentados pela autora, mas “… ainda que com fundamentos não inteiramente idênticos aos argumentos recursivos”, mas não ocorreu alteração do objeto do recurso.

C – A diferença resultou de ter alterado a qualificação jurídica do dano biológico, que classificou como dano de natureza não patrimonial, e não como dano patrimonial futuro.

D - Estando perante uma matéria exclusivamente de direito, relacionada com a interpretação da natureza do dano, com elevado respeito se afigura que os Senhores Juízes têm plena autonomia para, em matéria de direito, proferirem a sua decisão, ainda que não pelos exatos fundamentos constantes do direito.

E – Além de que, quer na doutrina e na jurisprudência, não existe consenso relativamente à sua qualificação, podendo ser entendido como não patrimonial, como dano patrimonial futuro, ou até um “tertium genus”, nem sendo consensual se, sendo dano biológico como dano de natureza não patrimonial, o mesmo deve ser indemnizado de forma autónoma dos demais danos comummente apelidados de danos morais ou danos não patrimoniais propriamente ditos,

F – O objeto do recurso apresentado pela autora, recaindo sobre a questão da compensação pelo dano biológico, inclui a apreciação sobre se a indemnização globalmente fixada valorou devidamente aquele dano, pois a pretensão foi o incremento do montante indemnizatório fixado na sentença recorrida para mais € 35.000,00.

G – Tendo decidido o Tribunal da Relação alterar a compensação devida pelos danos não patrimoniais que fora fixada na sentença recorrida em € 47.500,00, para a importância global de € 65.000,00 (dos quais €35.000,00 equivalem à compensação pelo dano biológico), englobando essa quantia nos danos não patrimoniais já fixados.

H – A alteração da qualificação jurídica da natureza do dano biológico, bem assim como a opção de englobar os valores, em nada prejudicou a ré recorrente que teve ampla oportunidade de responder ao recurso apresentado, nem ocorreu uma “decisão surpresa”,

I - Uma vez que a decisão apenas implicou uma diversa (e nem sempre unanime) interpretação da qualificação jurídica, e um aumento do quantum indemnizatório, peticionado no recurso apresentado.

J - Assim, o douto Acórdão não se pronunciou sobre matéria distinta, ou objeto diferente, sendo certo que o que estava em causa foi sempre o quantum indemnizatório pelos danos sofridos pela autora, sejam patrimoniais ou não patrimoniais.

K – Pelo que, com a devida vénia e respeito por diversa opinião, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto não se encontra ferido da invocada nulidade:

Vide, a propósito, A. STJ, Prcº 21704/18.2T8PRT.P1. S1: “Só pode equacionar-se a hipótese de haver nulidade por condenação em objeto diverso do pedido, por alteração da qualificação jurídica, desde que a convolação qualificativa seja tão ampla que conduza a um modo de tutela de conteúdo essencialmente diferente do pretendido pelas partes”.

II. QUANTO À ALEGADA VIOLAÇÃO DA LEI SUBSTANTIVA,

L - O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, entendeu alterar de € 47.500,00 para € 65.000,00, a quantia a pagar a título de danos não patrimoniais, englobando nessa quantia os danos biológicos, que qualificou como não patrimoniais, considerando, no essencial,

O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 26 pontos, com repercussão em quase todos os atos do dia a dia da vida da autora recorrida,

As dores que a autora recorrida sofreu decorrentes das lesões, os tratamentos efetuados até à sua estabilização, as lesões sofridas, o período de tratamento muito longo de mais de um ano, o dano estético permanente decorrente das cicatrizes e claudicação,

A repercussão das sequelas de que padece, nas atividades desportivas e de lazer que fazia, e que irão sofrer agravamento, a submissão a duas cirurgias, e os 30 dias de internamento,

A idade de 72 anos da autora, que passou a utilizar duas canadianas para se deslocar, situação que ainda se mantém,

As constantes dores nos membros inferiores e na região lombar, com graves limitações motoras que muito a afetam nas atividades da sua vida diária, tendo que se sentar imediatamente e se tiver necessidade de caminhar tem que o fazer muito devagar, amparada e parar frequentemente para descansar, não conseguindo caminhar por mais de 10 minutos, tendo que se sentar e até deitar-se, não conseguindo dormir normalmente,

Passou, no seu dia-a-dia, a necessitar de ajuda de terceiros para a lide da casa, cozinhar, limpar, passar a ferro, lavar e limpar a louça, fazer arrumações, estando dependente para fazer a sua higiene pessoal, como tomar banho, ir à casa de banho, cortar as unhas, para se vestir da cinta para baixo, não se conseguindo calçar, o que muito a incomoda e embaraça,

Não mais podendo ajudar o marido, que não é autónomo e era ela quem dele tratava antes do

acidente, assim como cuidava da casa e dos netos, o que deixou de poder fazer, tendo perdido a liberdade de se movimentar de ciclomotor, de andar a pé como se provou adorar fazer, o que lhe causou angústia, tristeza a e revolta, sabendo que irá padecer deste sofrimento e destas limitações extremamente relevantes para o resto da vida.

M – O dano biológico, representando um aumento da penosidade em qualquer ato funcional e consequente perda de qualidade de vida, pela sua gravidade, mereceu uma alteração em termos de compensação indemnizatória.

N – Considerando o circunstancialismo do caso em apreço acima mencionado, com recurso à equidade, a indemnização devida pelo dano biológico em função também do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 26 pontos, entendeu o Tribunal da Relação do Porto que a sentença recorrida, ao fixar a indemnização de € 47.500, 00 por todos os danos de natureza não patrimonial, não englobou a indemnização pelo dano biológico.

O – Assim, é ajustada a alteração da compensação devida pelos danos não patrimoniais que fora fixada na sentença recorrida em € 47.500,00, para a importância global de € 65.000,00 dos quais € 35.000,00 equivalem à compensação pelo dano biológico,

P - Em nada ofendendo a Lei substantiva, e cujo valor global fixado - € 65.000,00 – se afigura justo, e adequado aos danos sofridos pela autora recorrida, devendo manter-se a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto.».

5. Por acórdão da conferência de 08.10.2024, o Tribunal a quo pronunciou-se no sentido da não verificação da invocada nulidade do acórdão recorrido.

II – Objecto do recurso

Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso.

Deste modo, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

• Nulidade do acórdão recorrido ao condenar em objecto diferente do pedido;

• Erro de julgamento do acórdão recorrido ao fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 65.000,00, devendo a mesma ser reduzida para o montante de € 47.500,00 fixado pela sentença da 1.ª instância.

III - Fundamentação de facto

1. No dia 20 de junho de 2018, cerca das 14 horas e 50 minutos, na Avenida ..., ..., concelho de ..., frente ao número ...5, ocorreu um acidente de viação.

2. Foram intervenientes no acidente o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Peugeot, com a matrícula ..-LV-.. e o veículo ciclomotor, de marca MBK Oveto, com a matrícula ..-DT-...

3. O veículo automóvel ..-LV-.. pertencia a BB e era conduzido por esta.

4. A proprietária do veículo de matrícula ..-LV-.. tinha, à data do acidente, transferida a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação com a circulação do mesmo, para a R., mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº...00.

5. O veículo ciclomotor matrícula pertencia A. e era conduzido por esta.

6. No local do acidente a estrada era composta por uma faixa de rodagem, com duas vias de trânsito, uma no sentido Sul-Norte e outra via no sentido Norte-Sul.

7. As vias de trânsito estavam separadas por uma raia oblíqua delimitada por linha contínua, com cerca de 1,60 metros de largura, devidamente assinalada no pavimento, separando ambos os sentidos da circulação

8. Estando vedado aos veículos transpor ou sequer pisar a área por ela abrangida pela existência do sinal M17 do Regulamento do Código da Estrada.

9. A referida Avenida ..., frente ao nº ...5, no local e à data do embate, tinha cerca de 9,20 metros de largura, sendo composta por uma via de transito no sentido Sul-Norte, com cerca de 3,80 metros de largura, e uma outra via de transito no sentido contrário, Norte-Sul, com cerca de 3,80 metros de largura, divididas pela raia referida.

10. Na berma de ambas as vias de trânsito, no local onde ocorreu o embate, existiam lugares para estacionamento de veículo, perpendiculares à via de trânsito.

11. O ciclomotor ..-DT-.., conduzido pela A., circulava no sentido Sul-Norte da referida Avenida ..., seguindo atrás da viatura ..-LV-.. quando a condutora deste quase se imobilizou e virou para a esquerda, atravessando-se em cima da raia oblíqua delimitada por linhas contínuas que separam as vias.

12. A condutora do LV deu o sinal de pisca para virar à esquerda.

13. Com tal manobra era intenção da condutora do ..-LV-.. estacionar no lado oposto ao sentido da sua marcha, e ocupar uma vaga no lugar de estacionamento.

14. A A., que seguia atrás da viatura ..-LV-.., em face da quase imobilização deste, travou de imediato mas, ao verificar que não conseguia parar em tempo útil, desviou-se para a esquerda, no intuito de passar pela esquerda do ..-LV-.. e evitar o embate mas, ao mesmo tempo, o veiculo ..-LV-.. virou à esquerda, ficando atravessado em cima da referida raia oblíqua delimitada por linhas contínuas, e que separava ambas as vias, e bloqueando a passagem à A., que se tentara desviar.

15. A condutora do LV deixou livre, na via por onde circulavam ambos os veículos, cerca de 3 metros de faixa de rodagem livre, do seu lado direito

16. A A. não conseguiu evitar o acidente, embatendo com o motociclo que conduzia no veículo ..-LV-.., sensivelmente a meio, junto à porta lateral esquerda do mesmo, que dá acesso ao banco traseiro.

17. Ao embater na parte lateral esquerda da viatura ..-LV-.., o ciclomotor conduzido pela A., acabou por se projectar e cair no meio da via contrária, cerca de 2,70 metros à frente do veículo ..-LV-...

18. A A., com o embate, foi projetada sobre o capot da viatura ..-LV-.., e caiu desamparada no pavimento, imobilizando-se cerca de 3,90 metros à frente da viatura ..-DT-.., junto a um dos lugares de estacionamento.

19. À data e hora do acidente, o local era perfeitamente visível, com bastante claridade, até porque era de dia.

20. O estado do tempo era bom, e encontrava-se seco, bem como o piso da via.

21. O piso era em asfalto, que estava em boas condições.

22. A velocidade máxima permitida no local era de 50 Km/h, sendo que, à hora em que ocorreu o acidente o trânsito era pouco, e fluía normalmente.

23. A condutora do ..-LV-.. não cuidou de prevenir e assegurar que poderia parar e estacionar o veículo em segurança, de modo a não colocar em perigo, com a brusca diminuição da velocidade, os veículos que circulavam atrás de si.

24. A A., na sequência do referido acidente de viação ficou gravemente ferida, caída no chão, sem se conseguir mexer, com muitas dores.

25. Foram chamados, de imediato, os meios de emergência médica, nomeadamente o INEM socorrem a A. que, depois de estabilizada, foi de imediato transportada para o serviço de urgência do Hospital 1, em ..., onde deu entrada pouco depois.

26. Chegada à urgência do Hospital 1, a A. realizou diversos exames, nomeadamente um Raio X, uma ecografia abdominal e renal e um TAC cerebral.

27. A A. sofreu uma ferida traumática no joelho esquerdo, suturada com diversos pontos.

28. Foi nesse mesmo dia submetida a uma intervenção cirúrgica à perna direita, de redução fechada de fractura do fémur, sem fixação interna, com colocação de osteotaxia, ou seja, foi colocado um fixador externo à A., numa fase inicial, com ferros e parafusos.

29. No dia 03 de julho de 2018, na sequência da cirurgia anterior, a A. foi submetida a uma segunda cirurgia, esta de redução fechada de fractura com fixação interna fémur, removendo-se o fixador externo que lhe havia sido colocado no dia 20de junho, ecolocada fixação interna com placa anatómica Axsos, e receitada medicação.

30. Entre o dia 20 de junho de 2018 e o dia 19 de julho de 2018, a A. foi sujeita a diversos cuidados de enfermagem.

31. A A. esteve internada até ao dia 19 de julho de 2018, data em que teve alta médica para o domicílio.

32. Após a alta hospitalar a A. fez tratamentos de fisioterapia, no Hospital 1, cerca de duas vezes por semana, pelo menos até janeiro de 2019, o que perfaz cerca de 50 tratamentos, e que depois passou a fazer mais espaçadamente.

33. Desde 19 de julho de 2018, e até janeiro de 2019, a A. andava de andarilho e cadeira de rodas, com apoio para a perna para a mesma ficar esticada, pois não podia fazer qualquer força nos membros inferiores, em especial na perna e no joelho direito.

34. Após janeiro de2019, a A. passou a utilizar duas canadianas para se deslocar, situação que ainda se mantém.

35. A A. realizou mais dois Tacs.

36. A data da consolidação médico legal das lesões ocorreu em 14/08/2019, considerando o tipo de lesões resultantes e o tipo de tratamentos efetuados.

37. Sofreu um défice funcional temporário total de 30 dias e parcial de 391 dias.

38. A A. sofreu um quantum doloris fixável em 5, numa escala de gravidade crescente de 7 graus.

39. A A., em consequência do referido acidente e das lesões que sofreu continua com fortes e constantes dores nos membros inferiores e na região lombar, com graves limitações motoras, que muito a afectam nas actividades da sua vida diária.

40. A A., em pé, não consegue suportar as dores e tem que se sentar imediatamente e, se tiver necessidade de caminhar, tem que o fazer muito devagar, amparada, e parar frequentemente para descansar, mas não consegue caminhar por mais de 10 minutos, tendo que se sentar e até deitar-se.

41. Mesmo deitada, as dores são constantes, sendo rara a noite que consegue dormir sossegada, uma vez que, em regra, não consegue dormir mais do que duas horas seguidas, pois não tem posição para dormir, em face das dores, em especial na perna direita, mas também nas costas, ao nível da coluna.

42. A A. apresenta no membro inferior direito cicatriz entre o terço médio da face lateral da coxa ao terço proximal da face anterior da perna, vertical, hipocrómica, com 25 cms de comprimento.

43. Cicatriz na face anterior do joelho direito, hipocrómica, com 3 cms de diâmetro.

44. Apresenta ainda mobilidade globalmente dolorosa da anca, com abdução 30º, adução 35º, rotação externa preservada, rotação interna quase abolida e extensão de 18º.

45. No joelho direito apresenta rótula fixa, sem mobilidade, com palpação da interlinha articular interna dolorosa e com mobilidades muito dolorosas: extensão -12º, 25º activa e 20º passiva, com valgo de cerca de 10º.

46. No membro inferior esquerdo apresenta cicatriz hipocrómica na face anterior do joelho com 3 cms de diâmetro, com hiperestesia ao toque.

47. Apresenta ainda mobilidade globalmente dolorosa da anca, com abdução 30º, adução 30º, rotação externa 25º, rotação interna 10º, extensão de 10º.

48. No joelho direito apresenta mobilidade dolorosa, extensão -10º, flexão 130º, com valgo de cerca de 5º.

49. A A. apresenta um défice funcional permanente da integridade física de 26 pontos, tendo sido desvalorizada em 23 pontos pelo capítulo III, Mc612, 2 pontos pelo capítulo III Mf502 e 2 pontos pelo capítulo III Mc 0703.

50. A A. claudica na marcha em consequência da dor no joelho direito.

51. Apresenta um dano estético de grau 5 numa escala de gravidade crescente de 7 graus, considerando que claudica na marcha, que necessita de ajudas técnicas e as cicatrizes que exibe.

52. As dores de que padece obrigam-na a tomar regularmente medicação para a mesma e, em regra, sempre que faz algum esforço.

53. A A. tem grandes dificuldades de movimento com o joelho direito, nomeadamente quando se levanta, sobe ou desce escadas, ou até em pequenas deslocações.

54. Em consequência das referidas lesões e das intervenções cirúrgicas a A. teve que se socorrer do auxílio de terceira pessoa para a realização das actividades indispensáveis do seu dia-a-dia, para a lide da casa, cozinhar, limpar, passar a ferro, lavar e limpar a louça, proceder a arrumações, etc

55. No que respeita aos membros inferiores, a A. é totalmente dependente, sofrendo fortes dores para fazer a sua higiene pessoal, seja para tomar banho, ir à casa de banho, cortar as unhas, para o que necessita da ajuda de terceiro.

56. Precisa de ajuda de terceiros para se vestir, da cinta para baixo, concretamente, saias, calças, cuecas, meias, o que muito a incomoda e embaraça.

57. Não se conseguindo calçar, sem ser com a ajuda de terceiros, o que muito a envergonha.

58. Após o período inicial de ajuda de uma Associação, até à propositura da acção, a A. contou com a ajuda de pessoas de família que se disponibilizaram, com sacrifício pessoal e profissional, para lhe dar apoio.

59. O filho da A. trabalha e ausenta-se por longos períodos e o seu marido não é autónomo, pelo que não a pode ajudar.

60. A A. necessita do auxílio de terceira pessoa 7 dias por semana, pelo período de 2 horas por dia.

61. A A. nasceu no dia ... de ... de 1952.

62. À data do acidente, era a A. quem cuidava de seu marido, que necessita do seu apoio, uma vez que não é autónomo, pois sofre de stress pós-traumático, em consequência de sequelas que lhe ficaram da guerra do ultramar, tendo sido tratado no Hospital 2 e no Hospital 3, mas de que nunca recuperou totalmente, ajuda que a A. já não consegue prestar.

63. Era a A. quem cuidava das lides da casa, fazendo as refeições diárias, cuidando da casa, da sua limpeza, que sempre estiveram a seu cargo.

64. A A. brincava com os seus netos.

65. A A. fazia voluntariado junto das pessoas que viviam peto de si, em ..., ajudando em especial os mais idosos e incapacitados, a tratarem dos seus assuntos, levando-lhes apoio, comida, companhia, tratando-lhes de assuntos, nas finanças, na segurança social e acompanhando-os ao médico e no que necessitasse, levar e trazer papéis, ir aos correios, fazer recados, etc.

66. A A. fazia-se transportar no seu ciclomotor, o que lhe dava grande liberdade e mobilidade.

67. A A. adorava andar a pé e, se próximo, deslocava-se sempre a pé para onde tivesse que ir, o que deixou de fazer, pois não consegue permanecer em posição de pé, exceto por curtíssimos períodos de tempo.

68. A A. está, pelas sequelas do acidente, impedida de praticar estas actividades.

69. As sequelas de que padece têm uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixáveis em grau 2 numa escala de gravidade crescente de 7 graus.

70. A A. sente-se, por isso, triste, desanimada e inútil.

71. Sente-se revoltada, por viver continuamente com fortes dores, que apenas aliviam com recurso a medicação.

72. A A. sente a angústia que decorre de saber que vai padecer deste sofrimento para o resto da sua vida.

73. À data do acidente, a A. encontrava-se já reformada.

74. O ciclomotor conduzido pela A. ficou parcialmente destruído, na parte dianteira, ao nível do volante, suspensão, roda dianteira.

75. A sua reparação orçava valor indeterminado.

76. O veículo ciclomotor da A. com duas rodas, de 2007, com a marca BMK Oveto tinha, à data do acidente, valor comercial não apurado.

77. A A. não poderá voltar a andar de ciclomotor.

78. A A. recorreu a consulta de ortopedia tendo em vista a obtenção de relatório para avaliação médico-legal do dano, tendo despendido a quantia de 220,00 euros.

79. A A., em 18 de julho de 2018, em consequência do acidente dos autos, teve que comprar uma prancha/bacia de banheira para poder tomar banho, bem assim como uma tala imobilizadora (Tala Duey) para o joelho direito, recomendada pelo médico, e uma andadeira fixa anatómica, com o que despendeu a quantia de 140,72 euros.

80. A A. comprou, ainda, em 20 de julho de 2018, uma cadeira de rodas com um par de patins para apoio da perna, para se poder deslocar, no valor de 277,00 euros.

81. No dia 20 de julho de 2018, a A. comprou uma poltrona, gel de banho e creme hidratante para aplicar na pele dorida, para poder repousar de uma forma mais confortável, e tratar da pele, com o que despendeu a quantia de 350,00 euros, e ainda 8,14 euros, uma vez que a A., em face da lesão que sofreu, não conseguia estar sentada nas cadeiras que tinha em sua casa.

82. Entre julho e setembro de 2018 contou com a ajuda de uma instituição “R...” que ia a casa da A., cuidava da sua higiene, auxiliava no banho, limpava a casa, passar a ferro, e já trazia o almoço e o jantar, pagando a A. a quantia de 142,00 euros / mês para o efeito.

83. Tendo acabado por dispensar os serviços da referida instituição, pois não tinha condições financeiras para continuar a pagar.

84. A A. continua a fazer exames, consultas e fisioterapia, que se encontram a ser suportadas por si e pelo sistema nacional de saúde.

85. A A. necessita de medicação, e tratamentos de fisioterapia para o resto da vida, para evitar que a rigidez do joelho direito aumente acentuadamente e se torne muito dolorosa, e para evitar lesões em membros conexos, como o joelho esquerdo e a coluna.

86. É previsível que as sequelas de que padece venham a sofreu um agravamento.

Foram dados como não provados os seguintes factos:

1 - os demais danos alegados pela A..

2 - a velocidade a que circulavam ambos os veículos.

3 - a condutora do LV não tenha accionado o pisca-pisca para a esquerda.

4 - o concreto valor da reparação e da desvalorização do veículo.

IV - Fundamentação de direito

1. Recorde-se que o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

• Nulidade do acórdão recorrido por, alegadamente, ter condenado em objecto diverso do peticionado no recurso de apelação (art. 615.º, n.º 2, alínea e), do CPC);

• Erro de julgamento do acórdão recorrido ao fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 65.000,00, devendo a mesma ser reduzida para o montante de € 47.500,00 fixado pela sentença da 1.ª instância.

2. Suscitou a recorrente a questão da nulidade do acórdão recorrido por, alegadamente, ter condenado em objecto diverso do peticionado no recurso de apelação (art. 615.º, n.º 2, alínea e), do CPC), a qual foi apreciada, no acórdão da conferência do Tribunal da Relação, nos seguintes termos que merecem a nossa inteira concordância:

«Nulidade do Acórdão

O Apelante sustenta que o Acórdão padece da nulidade prevista no art. 615º nº 1 al. e) ex vi do art. 666º do CPC, sustentando que a A., no seu requerimento, alegações e conclusões de recurso, limitou o objeto do recurso a uma indemnização autónoma devida a título de danos patrimoniais, nos termos e com os efeitos do artigo 635.º n.º 4 e 5 do Código de Processo Civil, não tendo impugnado a decisão quanto à fixação do quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais, o que condicionou a defesa apresentada pela R. nas alegações de resposta, limitando a sua defesa referente à indemnização impugnada em sede de recurso e limitando processualmente os poderes do Tribunal quanto ao conhecimento de matérias que extravasem o objeto do recurso, pelo que, ao analisar tal questão, este Tribunal da Relação violou o disposto nos artigos 635.º n.º 3 a 5 e 639.º do Código de Processo Civil e, julgando para além do objeto do recurso, a decisão do Tribunal da Relação constitui uma condenação ultra petitium.

Segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. e) do CPC é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Está correlacionado com o disposto no art. 609º nº 1 do CPC que estabelece oslimites da condenação, referindo que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

A Recorrente defende que este Tribunal da Relação condenou para além do pedido ao integrar, neste caso concreto, o dano biológico nos danos de natureza não patrimonial e ao condená-la numa importância pela violação desse dano quando a Autora se conformara com a indemnização fixada pela 1ª Instância a título de danos de natureza não patrimonial.

A Autora recorrera apenas da parte da sentença proferida pelo tribunal de 1ª Instância em que decaiu, que decidiu absolver a Ré do pedido formulado pela autora quanto ao valor de € 35.000,00, peticionado na P.I. a título de dano biológico na vertente de dano patrimonial futuro precisamente porque entendeu que na indemnização atribuída pelo tribunal de 1ª Instância a título de danos não patrimoniais não havia sido devidamente valorado aquele dano, que deles devia ser autonomizado.

A esse propósito ficou esclarecido no Acórdão agora sob recurso que “o que a Apelante entendeu não consubstanciar dano de natureza não patrimonial foi o dano biológico, reclamando a indemnização de €35.000,00 como dano patrimonial futuro, qualificação essa não secundada pelo tribunal a quo, porém apesar dessa disparidade de qualificações não se pode afirmar que a Apelada tenha sido absolvida do pedido indemnizatório relativo ao dano biológico, porque a Apelada foi condenada a indemnizar tal dano, embora não a título de dano patrimonial futuro.

Assim sendo, devidamente interpretada a pretensão da Apelante, afigura-se-nos que o objecto do recurso para além de recair sobre a questão da compensação pelo dano biológico dever ser autonomizado da indemnização fixada pelos demais danos não patrimoniais, inclui a apreciação sobre se a indemnização globalmente fixada valorou devidamente aquele dano, uma vez que o objectivo da Apelante é, sem dúvida, o incremento do montante indemnizatório fixado na sentença recorrida para mais €35.000,00.

Isto porque faria muito pouco sentido fixar-se o objecto do recurso na mera discussão académica sobre como deve ser qualificado o dano biológico e, se deve ou não ser autonomizado dos demais danos de natureza não patrimonial, quando resulta evidente que o que a Autora efectivamente pretendia com o recurso por si interposto, qualquer que fosse a qualificação a atribuir ao dano biológico por si sofrido, era sem dúvida o aumento do valor indemnizatório pelo dano biológico em mais €35.000,00.

Por conseguinte, concluímos que constituía objecto do recurso que apreciamos, para além da apreciação da qualificação do dano biológico seguida na sentença recorrida e a sua inclusão na indemnização sem estar autonomizado, aferir também se devia ser aumentado o valor da indemnização fixada na sentença proferida pelo tribunal de 1ª Instância pela violação do dano biológico mesmo que a qualificação preconizada na sentença estivesse correcta.

Se esse dano assumia natureza não patrimonial como qualificara o tribunal de 1ª Instância, ou natureza [de dano] patrimonial futuro como defendeu a Autora, contendia apenas e só com a mera qualificação jurídica desse dano, que em bom rigor no caso em apreço, em que a Autora já está reformada, é praticamente indiferente para o cálculo da indemnização a atribuir.

Tendo o recurso, a nosso ver, tal amplitude, não consideramos que a decisão por nós proferida tenha condenado em objecto diverso do que foi pedido, pois que a indemnização que foi atribuída nesta instância diz respeito única e exclusivamente ao dano biológico de que a Autora ficou a padecer e que era sem dúvida o cerne do objecto do recurso.

O que este Tribunal da Relação fez foi manter a qualificação daquele dano como um dano não patrimonial, como fizera o tribunal da 1ª Instância, mas, reformular o valor indemnizatório a esse título atribuído pelo tribunal de 1ª Instância para compensar devidamente o dano biológico de que a Autora ficou afectada.

Também o valor da indemnização atribuída especificamente pelo dano biológico contém-se dentro do pedido formulado pela Autora em sede do recurso interposto para este Tribunal e, a indemnização total fixada está contida dentro do pedido global formulado na petição inicial, não tendo havido condenação ultra petitum.

Deste modo não reconhecemos que o Acórdão proferido nos autos padeça da nulidade que lhe é assacada, por considerarmos não ter havido violação dos preceitos legais invocados pela recorrente.». [negritos nossos]

Não obstante a clareza desta explanação que torna praticamente desnecessária qualquer explicação adicional, sempre se dirá sinteticamente o seguinte:

• Na petição inicial a autora perspectivou o denominado “dano biológico” como um tertium genus em relação aos danos patrimoniais e aos danos não patrimoniais;

• A sentença da 1ª instância integrou tal dano no âmbito dos danos não patrimoniais, fixando uma indemnização global de € 37.500,00 por todos os danos não patrimoniais da autora sem autonomizar a quantia devida pelo “dano biológico”;

• Considerando que o “dano biológico” invocado não tinha sido devidamente atendido, a autora interpôs recurso de apelação, insistindo na autonomização do “dano biológico” como dano patrimonial futuro e pugnando para que a indemnização global fixada fosse elevada em € 35.000,00, quantia correspondente ao que fora por si peticionado a título de “dano biológico”;

• O acórdão recorrido, interpretando correctamente o recurso de apelação, entendeu que o objecto do mesmo consistia na impugnação da indemnização fixada a título de “dano biológico”, independentemente da sua qualificação como dano patrimonial ou como dano não patrimonial.

Deste modo, estando em causa uma questão de qualificação jurídica (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC) – e encontrando-se o valor em que a indemnização foi aumentada pelo tribunal a quo contido dentro do valor do pedido formulado pela autora em sede de recurso de apelação; e o valor da indemnização total fixada pelo acórdão recorrido contido dentro do pedido global formulado na petição inicial – forçoso é concluir pela não verificação da invocada nulidade por condenação em objecto diverso do peticionado.

3. Invoca ainda a recorrente padecer o acórdão recorrido de erro de julgamento ao fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 65.000,00, devendo a mesma ser reduzida para o montante de € 47.500,00 fixado pela sentença da 1.ª instância. Contesta a recorrente a fundamentação do acórdão recorrido para aumentar em € 17.500,00 o valor da indemnização por danos não patrimoniais, neles incluindo o denominado “dano biológico” na sua vertente não patrimonial (tal como resulta da resolução da questão anterior, objecto do presente recurso).

Diversamente, pugna a recorrida pelo correcta fundamentação do acórdão recorrido.

Quid iuris?

De acordo com a orientação consolidada da jurisprudência deste Supremo Tribunal, sintetizada de forma clara e rigorosa na fundamentação do acórdão de 20.11.2019 (proc. n.º 107/17.5T8MMV.C1.S1), disponível em www.dgsi.pt, e assim traduzida no respectivo sumário:

«I. - Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro coisas.

II.— Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estavam preenchidos os pressupostos do recurso à equidade. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, o Supremo deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.

III. — O recurso à equidade tem de qualquer forma um sentido de todo em todo distinto, consoante estejam em causa danos patrimoniais ou danos não patrimoniais.

IV. — Em relação aos danos patrimoniais, designadamente aos danos patrimoniais futuros, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com os princípios e com as regras dos arts. 562.º ss. do Código Civil. A equidade funciona como último recurso, “para permitir alcançar uma definição concreta do conteúdo de um direito subjectivo”, designadamente do direito a uma indemnização, “quando o valor exacto dos danos não foi apurado”.

V. — Em relação aos danos não patrimoniais, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade (art. 496.º, n.º 4, do Código Civil). A equidade funciona como único recurso, “ainda que não descurando as circunstâncias que a lei manda considerar, a saber: o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (por exemplo, a natureza e a intensidade e da lesão infligida)”.». [negritos nossos]

Tendo presente estes parâmetros, consideremos a factualidade dada como provada relevante:

24. A A., na sequência do referido acidente de viação ficou gravemente ferida, caída no chão, sem se conseguir mexer, com muitas dores.

25. Foram chamados, de imediato, os meios de emergência médica, nomeadamente o INEM socorrem a A. que, depois de estabilizada, foi de imediato transportada para o serviço de urgência do Hospital 1, em ..., onde deu entrada pouco depois.

26. Chegada à urgência do Hospital 1, a A. realizou diversos exames, nomeadamente um Raio X, uma ecografia abdominal e renal e um TAC cerebral.

27. A A. sofreu uma ferida traumática no joelho esquerdo, suturada com diversos pontos.

28. Foi nesse mesmo dia submetida a uma intervenção cirúrgica à perna direita, de redução fechada de fractura do fémur, sem fixação interna, com colocação de osteotaxia, ou seja, foi colocado um fixador externo à A., numa fase inicial, com ferros e parafusos.

29. No dia 03 de julho de 2018, na sequência da cirurgia anterior, a A. foi submetida a uma segunda cirurgia, esta de redução fechada de fractura com fixação interna fémur, removendo-se o fixador externo que lhe havia sido colocado no dia 20de junho, ecolocada fixação interna com placa anatómica Axsos, e receitada medicação.

30. Entre o dia 20 de junho de 2018 e o dia 19 de julho de 2018, a A. foi sujeita a diversos cuidados de enfermagem.

31. A A. esteve internada até ao dia 19 de julho de 2018, data em que teve alta médica para o domicílio.

32. Após a alta hospitalar a A. fez tratamentos de fisioterapia, no Hospital 1, cerca de duas vezes por semana, pelo menos até janeiro de 2019, o que perfaz cerca de 50 tratamentos, e que depois passou a fazer mais espaçadamente.

33. Desde 19 de julho de 2018, e até janeiro de 2019, a A. andava de andarilho e cadeira de rodas, com apoio para a perna para a mesma ficar esticada, pois não podia fazer qualquer força nos membros inferiores, em especial na perna e no joelho direito.

34. Após janeiro de2019, a A. passou a utilizar duas canadianas para se deslocar, situação que ainda se mantém.

35. A A. realizou mais dois Tacs.

36. A data da consolidação médico legal das lesões ocorreu em 14/08/2019, considerando o tipo de lesões resultantes e o tipo de tratamentos efetuados.

37. Sofreu um défice funcional temporário total de 30 dias e parcial de 391 dias.

38. A A. sofreu um quantum doloris fixável em 5, numa escala de gravidade crescente de 7 graus.

39. A A., em consequência do referido acidente e das lesões que sofreu continua com fortes e constantes dores nos membros inferiores e na região lombar, com graves limitações motoras, que muito a afectam nas actividades da sua vida diária.

40. A A., em pé, não consegue suportar as dores e tem que se sentar imediatamente e, se tiver necessidade de caminhar, tem que o fazer muito devagar, amparada, e parar frequentemente para descansar, mas não consegue caminhar por mais de 10 minutos, tendo que se sentar e até deitar-se.

41. Mesmo deitada, as dores são constantes, sendo rara a noite que consegue dormir sossegada, uma vez que, em regra, não consegue dormir mais do que duas horas seguidas, pois não tem posição para dormir, em face das dores, em especial na perna direita, mas também nas costas, ao nível da coluna.

42. A A. apresenta no membro inferior direito cicatriz entre o terço médio da face lateral da coxa ao terço proximal da face anterior da perna, vertical, hipocrómica, com 25 cms de comprimento.

43. Cicatriz na face anterior do joelho direito, hipocrómica, com 3 cms de diâmetro.

44. Apresenta ainda mobilidade globalmente dolorosa da anca, com abdução 30º, adução 35º, rotação externa preservada, rotação interna quase abolida e extensão de 18º.

45. No joelho direito apresenta rótula fixa, sem mobilidade, com palpação da interlinha articular interna dolorosa e com mobilidades muito dolorosas: extensão -12º, 25º activa e 20º passiva, com valgo de cerca de 10º.

46. No membro inferior esquerdo apresenta cicatriz hipocrómica na face anterior do joelho com 3 cms de diâmetro, com hiperestesia ao toque.

47. Apresenta ainda mobilidade globalmente dolorosa da anca, com abdução 30º, adução 30º, rotação externa 25º, rotação interna 10º, extensão de 10º.

48. No joelho direito apresenta mobilidade dolorosa, extensão -10º, flexão 130º, com valgo de cerca de 5º.

49. A A. apresenta um défice funcional permanente da integridade física de 26 pontos, tendo sido desvalorizada em 23 pontos pelo capítulo III, Mc612, 2 pontos pelo capítulo III Mf502 e 2 pontos pelo capítulo III Mc 0703.

50. A A. claudica na marcha em consequência da dor no joelho direito.

51. Apresenta um dano estético de grau 5 numa escala de gravidade crescente de 7 graus, considerando que claudica na marcha, que necessita de ajudas técnicas e as cicatrizes que exibe.

52. As dores de que padece obrigam-na a tomar regularmente medicação para a mesma e, em regra, sempre que faz algum esforço.

53. A A. tem grandes dificuldades de movimento com o joelho direito, nomeadamente quando se levanta, sobe ou desce escadas, ou até em pequenas deslocações.

54. Em consequência das referidas lesões e das intervenções cirúrgicas a A. teve que se socorrer do auxílio de terceira pessoa para a realização das actividades indispensáveis do seu dia-a-dia, para a lide da casa, cozinhar, limpar, passar a ferro, lavar e limpar a louça, proceder a arrumações, etc

55. No que respeita aos membros inferiores, a A. é totalmente dependente, sofrendo fortes dores para fazer a sua higiene pessoal, seja para tomar banho, ir à casa de banho, cortar as unhas, para o que necessita da ajuda de terceiro.

56. Precisa de ajuda de terceiros para se vestir, da cinta para baixo, concretamente, saias, calças, cuecas, meias, o que muito a incomoda e embaraça.

57. Não se conseguindo calçar, sem ser com a ajuda de terceiros, o que muito a envergonha.

60. A A. necessita do auxílio de terceira pessoa 7 dias por semana, pelo período de 2 horas por dia.

61. A A. nasceu no dia ... de ... de 1952.

62. À data do acidente, era a A. quem cuidava de seu marido, que necessita do seu apoio, uma vez que não é autónomo, pois sofre de stress pós-traumático, em consequência de sequelas que lhe ficaram da guerra do ultramar, tendo sido tratado no Hospital 2 e no Hospital 3, mas de que nunca recuperou totalmente, ajuda que a A. já não consegue prestar.

63. Era a A. quem cuidava das lides da casa, fazendo as refeições diárias, cuidando da casa, da sua limpeza, que sempre estiveram a seu cargo.

64. A A. brincava com os seus netos.

65. A A. fazia voluntariado junto das pessoas que viviam peto de si, em ..., ajudando em especial os mais idosos e incapacitados, a tratarem dos seus assuntos, levando-lhes apoio, comida, companhia, tratando-lhes de assuntos, nas finanças, na segurança social e acompanhando-os ao médico e no que necessitasse, levar e trazer papéis, ir aos correios, fazer recados, etc.

66. A A. fazia-se transportar no seu ciclomotor, o que lhe dava grande liberdade e mobilidade.

67. A A. adorava andar a pé e, se próximo, deslocava-se sempre a pé para onde tivesse que ir, o que deixou de fazer, pois não consegue permanecer em posição de pé, exceto por curtíssimos períodos de tempo.

68. A A. está, pelas sequelas do acidente, impedida de praticar estas actividades.

69. As sequelas de que padece têm uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixáveis em grau 2 numa escala de gravidade crescente de 7 graus.

70. A A. sente-se, por isso, triste, desanimada e inútil.

71. Sente-se revoltada, por viver continuamente com fortes dores, que apenas aliviam com recurso a medicação.

72. A A. sente a angústia que decorre de saber que vai padecer deste sofrimento para o resto da sua vida.

73. À data do acidente, a A. encontrava-se já reformada.

Consideremos os termos em que, com base na factualidade provada transcrita, o acórdão recorrido – de forma, assinale-se, particularmente detalhada e desenvolvida – fundamentou a decisão de aumentar em € 17.500,00 (de € 47.500,00 para 65.000,00) o valor da indemnização por danos não patrimoniais, neles incluindo o denominado “dano biológico” na sua vertente não patrimonial:

«Concordamos com a asserção de que sendo o dano biológico em si mesmo uma violação da integridade físico-psíquica do lesado, o dano existe em qualquer situação de lesão dessa integridade, mesmo que o lesado não desempenhe actividade profissional ou, desempenhando-a a repercussão do dano se traduza em esforços suplementares, embora sem redução de remuneração.

No caso sob apreciação a Apelante já tinha 65 anos à data do acidente, estava reformada e não demonstrou ser previsível que naquela fase da vida viesse a desenvolver outra actividade profissional, de modo que não podemos falar propriamente de perda da capacidade aquisitiva futura, ou dano patrimonial futuro, compreendendo-se o percurso argumentativo vertido na sentença recorrida que afastou a indemnização desse dano enquanto dano patrimonial futuro, preferindo qualificá-lo como dano não patrimonial, opção essa perfeitamente admissível, como vimos, quiçá mesmo preferível no caso em apreço, a qual não traduz qualquer erro de julgamento que cumpra corrigir.

Essa hipótese, nos casos em que o lesado estava já reformado aquando do sinistro, foi expressamente admitida no referido Ac STJ de 7.03.2023, onde ficou escrito que, “ se é verdade que ao ressarcimento do dano biológico inclui o sobre esforço no exercício da atividade diária e corrente do lesado e visa compensar e ultrapassar as deficiências funcionais que resultaram como sequela irreversível das lesões, deve aceitar-se igualmente que a fixação da indemnização deste dano, quando só esta afetação esteja presente e não já a reportada a uma atividade profissional, condiciona em termos de equidade o montante a fixar, cerzindo a indemnização a uma dimensão essencialmente não patrimonial mas distinta dos danos morais de acordo com a distinção clássica que se realizava quando não se procedia à avaliação do dano biológico.”

Também não é consensual se, optando-se pela qualificação do dano biológico como um dano de natureza não patrimonial, o mesmo deva ser indemnizado de forma autonomizada dos demais danos comummente apelidados de danos morais ou danos não patrimoniais propriamente ditos.

Tal como se extrai da fundamentação da sentença recorrida e, em função dos factos dados como provados, embora o tribunal a quo não tenha atribuído uma indemnização autónoma pelo dano biológico, como a Apelante reclama, não deixou de a ele atender, embora o tenha integrado nos danos de natureza não patrimonial, devido ao facto de não existir evidência de perda de ganhos, ou esforços suplementares na actividade profissional porque a lesada já não a exercia à data, mas consubstanciando maior penosidade e esforço nos actos do quotidiano, sendo tal dano habitualmente referenciado como uma diminuição somático-psíquica funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal.

Não obstante, não sendo de censurar no caso sub judice a qualificação atribuída ao dano biológico, melhor teria sido que na sentença recorrida ainda que não tivesse sido fixada a indemnização pelo dano biológico de forma autónoma, tivesse sido feita a destrinça entre o valor da indemnização destinado a compensar aquele dano, e o valor destinado a compensar os demais danos de natureza não patrimonial (quantum doloris, dano estético, repercussão nas actividades de lazer em função do grau de severidade numa escala de 0 a 7 de gravidade crescente), permitindo ao lesado aferir da justeza da compensação equitativamente calculada para o dano biológico, de difícil compreensão por ter sido integrada na importância global da indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais.

Não temos dúvidas que ficou suficientemente demonstrado que a Apelante ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 26 pontos, e que o mesmo assume uma abrangência transversal ao quotidiano da Apelante por assumir repercussão em quase todos os actos da vida da lesada atendendo à localização das lesões que a tornam totalmente dependente no que respeita aos membros inferiores.

Ficou apurado que após janeiro de 2019 a Apelante passou a utilizar duas canadianas para se deslocar, situação que ainda se mantém, continua com fortes e constantes dores nos membros inferiores e na região lombar, com graves limitações motoras que muito a afectam nas actividades da sua vida diária, em pé não consegue suportar as dores e tem que se sentar imediatamente e se tiver necessidade de caminhar tem que o fazer muito devagar, amparada e parar frequentemente para descansar, não conseguindo caminhar por mais de 10 minutos, tendo que se sentar e até deitar-se, e mesmo deitada as dores são constantes, apresenta mobilidade globalmente dolorosa da anca, no joelho direito apresenta rótula fixa, sem mobilidade, claudica, sendo paradigmático das repercussões dessas limitações no seu dia-a-dia o facto de necessitar de ajuda de terceiros para a lide da casa, cozinhar, limpar, passar a ferro, lavar e limpar a louça, fazer arrumações, está totalmente dependente para fazer a sua higiene pessoal, como tomar banho, ir à casa de banho, cortar as unhas, para se vestir da cinta para baixo, não se conseguindo calçar, o que muito a incomoda e embaraça, sendo que o marido não é autónomo e era ela quem dele tratava antes do acidente, assim como cuidava da casa e dos netos, o que deixou de poder fazer.

Não será demais referir que mesmo que lhe tenha sido atribuída indemnização para suportar o encargo com a ajuda de terceira pessoa, isso não lhe restituirá a liberdade que tinha de se cuidar, de cuidar da casa, dos netos, do marido, de fazer o voluntariado que fazia junto das pessoas idosas e incapacitadas que viviam perto de si, de sentir a liberdade de se movimentar de ciclomotor, de andar a pé como se provou adorar fazer, sendo compreensível o desânimo, tristeza, inutilidade e revolta que se provou sentir e a angústia de saber que, atenta a sua idade, irá padecer deste sofrimento e destas limitações extremamente relevantes para o resto da vida.

Sendo a Apelante uma pessoa perfeitamente autónoma antes do acidente, de um momento para o outro, por acto exclusivamente imputável à segurada da Apelada, viu-se privada dessa autonomia e liberdade de movimentos e tornou-se ela própria dependente de forma permanente da ajuda de terceira pessoa para os actos mais básicos do quotidiano, e esse dano biológico, independente do quantum doloris e do dano estético, traduzido no aumento da penosidade em qualquer acto funcional e consequente perda de qualidade de vida, assume gravidade que demanda uma atendibilidade específica em termos de compensação indemnizatória.

Não obstante o Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psiquica de 26 pontos atribuído à Apelante não ter implicado perda de rendimento, dá-lhe igualmente direito a ser indemnizada pela diminuição acentuada da sua condição física, para mais numa fase da idade em que as limitações físicas começam a ser mais difíceis de suplantar e relativizar porque tornam muito mais penoso qualquer simples acto do quotidiano e, como tal, afigura-se-nos ser um dano que deve merecer um tratamento específico e ser autonomamente indemnizável, mesmo que se considere assumir apenas natureza não patrimonial, sob pena de no conjunto dos demais danos dessa natureza poder aparentar ter sido de alguma forma desvalorizado.

O cálculo indemnizatório será, todavia, sempre feito com recurso à equidade, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto- artº 564º, nº 2 e 566º, nº 3 CC- designadamente a idade da Apelante, que tinha 65 anos na data do acidente, a esperança média de vida para pessoas do sexo feminino da idade da Apelante em Portugal, que se situa nos 83,5 anos, que o montante a atribuir à Apelante significa uma antecipação de um capital por um período que se prolongaria previsivelmente por cerca de 18,5 anos e, em consonância com as decisões dos tribunais superiores em situações similares, parâmetros esses que foram mencionados também na sentença recorrida como factores de referência.

Se atentarmos que o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 26 pontos, já de si significativo, atendendo à idade actual da Apelante (72 anos) é especialmente relevante, que apresenta um dano estético de grau 5 numa escala de gravidade crescente de 7 graus, que sofreu um quantum doloris também fixável em grau 5 , que foi submetida a duas cirurgias e esteve internada 30 dias, que as sequelas de que padece têm uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixáveis em grau 2, sendo previsível que venham a sofrer agravamento, mesmo que se optasse por não autonomizar o dano biológico, como o fez o tribunal a quo, a indemnização globalmente fixada em €47.500,00 afigura-se-nos não compensar devidamente todos os danos de natureza não patrimonial (neles tendo sido incluído o dano biológico) de que a Apelante ficou a padecer.

Quanto aos danos não patrimoniais não se pode falar com propriedade duma indemnização mas antes mais duma “satisfação”, porquanto estes danos só podem ser compensados com uma obrigação pecuniária imposta ao agente.

A nossa lei (art. 496º nº 1 CC) permite a reparação dos danos não patrimoniais, no campo da responsabilidade civil extracontratual, desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

A gravidade há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)

A indemnização (compensação) é calculada sempre segundo critérios de equidade- art. 496º nº3 CC, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, tendo sempre presente os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.

Tal como já se decidiu no Ac RP de 27.09.2018, “os componentes de maior relevância do dano não patrimonial são:

a) o dano estético: traduzido no prejuízo anatomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima;

b) o prejuízo de afirmação social: dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica);

c) o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”: nele se destacam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida;

d) o pretium juventutis: que compreende a frustração de viver em pleno a designada “primavera da vida”;

e) e o pretium doloris - que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária.”

Salientamos que só a fixação do grau 5 de quantum doloris, grau 5 de dano estético e grau 2 de repercussão nas actividades de lazer de que ficou a padecer a Apelante têm sido compensados na jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça, em valores que oscilam entre 25.000,00 e 75.000,00 [nota 5: Ac STJ de 30.05.2019, Proc. Nº 3710/12 ( indemnização de €25.000,00 por quantum doloris de grau 5, dano estético de grau 3 e repercussão nas actividades de lazer em grau 1); Ac STJ de 17.10.2019, Proc. Nº 3717/16 (indemnização de €32.000,00 por quantum doloris grau 4, dano estético grau 3 e repercussão nas actividades de lazer grau 5); Ac STJ de (indemnização de €30.000,00 por quantum doloris grau 4, dano estético grau 3 e repercussão nas actividades de lazer grau 3); Ac STJ de 19.09.2019, Proc. Nº 2706/17 (indemnização de €50.000,00 por quantum doloris grau 5, dano estético grau 3 e repercussão nas actividades de lazer grau 3); Ac STJ de 10.09.2019, Proc. Nº 16/3 (indemnização de €75.000,00 por danos não patrimoniais diferenciados do dano biológico) Ac STJ de 23.05.2019, Proc. Nº 2476/16 ( indemnização de €75.000,00 por quantum doloris grau 5 e dano estético grau 2), todos www.dgsi.pt], e embora a idade dos lesados seja tomada em consideração nessa equação, não cremos que devam ser menos valorizados aqueles danos consoante a idade vai aumentando, sendo, como é, do senso comum que a tolerância à dor e a frustração pela impossibilidade de manter as actividades de lazer assume grande significado com o avançar da idade.

Tendo em conta os factos dados como provados a esse título, a culpa do lesante, as referidas sequelas de que a Apelante ficou a padecer, e os critérios acima mencionados de fixação de indemnização deste tipo de danos de natureza não patrimonial, cuja gravidade merecem compensação, sopesando o grau de dor - grau 5 (em 7 de gravidade) e dano estético - grau 5 (em 7 de gravidade), repercussão nas actividades desportivas e de lazer - grau 2 (em 7 de gravidade), ponderando os direitos de personalidade violados, afigura-se-nos que a compensação justa e equitativa seria de €30.000,00, valor esse que não se afasta dos parâmetros vertidos na jurisprudência em casos similares, embora cada caso concreto assuma contornos particulares que não devem ser descurados.

Sendo assim, da importância atribuída na sentença recorrida como indemnização por todos os danos de natureza não patrimonial, nos quais foi englobado o dano biológico, resulta evidente que este último não foi indemnizado de forma equitativa nem ajustada ao circunstancialismo do caso concreto, nem se tomou por referência os valores atribuídos para um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psiquica de 26 pontos, pois se afectarmos da importância global atribuída de €47.500,00 aquele valor que consideramos equitativo de €30.000,00 para os danos não patrimoniais propriamente ditos- agrupados em quantum doloris, dano estético e repercussão nas actividades de lazer-, só restariam €17.500,00 para indemnizar o dano biológico de que ficou afectada a Apelante.

Valor esse parco para os 26 pontos que constitui o ponto de referência de cálculo do dano biológico no caso sub judice, porquanto na já citada jurisprudência do STJ foi atribuída compensação de €10.000,00 para um défice de 2 pontos, cerca de €36.000,00 para um défice de 11 pontos, cerca de €40.000,00 para um défice de 16 pontos e cerca de €75.000,00 para um défice de 21 pontos (embora com a ressalva de que os valores mais elevados foram atribuídos nos casos em que o lesado exercia ainda actividade profissional e o dano acarretou esforços suplementares), sendo de realçar que no recente Ac RP de 21.04.2024 para um défice de 12 pontos e estando a lesada sem exercer qualquer actividade profissional foi fixada a indemnização de €30.000,00, valores esses que sendo meramente indicativos dão nota que o valor fixado na sentença recorrida peca por defeito.

Assim sendo, ponderando todo o circunstancialismo do caso em apreço acima mencionado, a idade da Apelante, o período de esperança média de vida para as mulheres em Portugal, o tipo de lesões de que ficou a padecer e sua grave repercussão nos actos do dia-a-dia, em termos de limitações físicas importantes, que acarretam limitações ao nível da autonomia e liberdade de movimentos, com recurso à equidade, a indemnização devida pelo dano biológico em função também do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico- Psíquica de 26 pontos, não deve ser inferior à peticionada importância de €35.000,00, valor esse ponderado de acordo com o que vem sendo decidido pelos tribunais superiores em casos de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico- Psíquica inferiores àquele de que a Apelante ficou a padecer (entre outros, Ac. STJ de 26/5/2021, Proc. nº 763/17.4T8GRD.C1.S1; Ac. RP de 15/6/2020, Proc. nº 1230/17.1T8AVR.P1; Ac. RP de 8/3/2021, Proc. nº 3367/17.8T8PNF.P2, www.dgsi.pt) .

Concluindo, embora se mantenha o dano biológico integrado nos danos de natureza não patrimonial, decide-se alterar a compensação devida pelos danos não patrimoniais que fora fixada na sentença recorrida em €47.500,00, para a importância global de €65.000,00 (dos quais €35.000,00 equivalem à compensação pelo dano biológico) procedendo parcialmente o recurso ainda que com fundamentos não inteiramente idênticos aos argumentos recursivos.». [negritos nossos]

Analisadas atentamente as conclusões recursórias da recorrente (concls. 8ª a 14ª), verifica-se que a impugnação da fundamentação do acórdão da Relação assenta essencialmente nos seguintes argumentos:

• A comparação da indemnização fixada no caso dos autos com as decisões dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça aí referidos – afigura-se – na nota 5 do acórdão recorrido, em especial com a decisão do acórdão de 19/09/2019 (processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1, in www.dgsi.pt), não é inteiramente rigorosa;

• É destituída de fundamento «a convicção de que o avançar da idade significa uma menor tolerância à dor, não havendo qualquer evidência de que o envelhecimento, por si só, aumente ou diminua a tolerância da dor, nem tal resulta seja de evidências científicas, seja das regras da experiência comum.».

O que dizer?

Antes de mais, assinale-se que dada a especificidade da factualidade dada como provada nos diversos casos concretos apreciados e decididos pelos tribunais, assim como as condicionantes de ordem processual subjacentes a tais decisões, se torna extremamente difícil proceder a juízos comparativos inteiramente precisos e rigorosos.

O caso do acórdão deste Supremo Tribunal autonomizado pela recorrente entre aqueles que foram indicados na nota 5 do acórdão recorrido (o acórdão de 19/09/2019, proferido no processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1) é disso exemplo cabal. Com efeito, consideremos a respectiva fundamentação, na parte relevante:

«O acórdão recorrido fixou a indemnização por danos não patrimoniais em € 40.000,00.

Na revista, o autor pugna pela atribuição do valor fixado na 1ª instância, ou seja, € 50.000,00.

No caso em análise, com particular relevo para a decisão desta questão, há que ter em consideração o período de imobilização (cf. pontos 9 e 15, dos factos provados); os exames médicos e tratamentos a que foi submetido, em particular os vários ciclos de fisioterapia (cf. pontos 10, 11 e 15, dos factos provados); a intervenção cirúrgica a que foi sujeito (cf. ponto 13, dos factos provados); o internamento hospitalar (cf. ponto 14 dos factos provados); o défice funcional permanente fixado em 32 pontos de que ficou a padecer permanentemente (cf. ponto 21, dos factos provados); as dores físicas muito intensas sofridas, valoradas em grau 5 numa escala de 1 a 7 e as que vai continuar a sofrer durante toda a sua vida (cf. pontos 20, 26 e 27, dos factos provados); o dano estético de grau 3 numa escala de 1 a 7 e a repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de lazer, também de grau 3 numa escala de 1 a 7 (cf. ponto 23, dos factos provados);o rebate sofrido em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas de que ficou a padecer definitivamente, designadamente por não poder voltar exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional (cf. pontos 18, 22, 29 e 30, dos factos provados); a sua idade à data do sinistro (45 anos e 11 meses).

Neste contexto, afigura-se-nos equilibrado e adequado às circunstâncias do caso concreto fixar a indemnização, a título de dano não patrimonial, em € 50.000,00.». [negritos nossos]

Da leitura do teor da fundamentação deste acórdão resulta claramente que o objecto do recurso se encontrava, naquele caso, limitado pelo pedido do próprio autor recorrente. Tendo este pedido que o valor indemnizatório em causa fosse elevado para € 50.000,00, nunca poderia o tribunal conceder uma indemnização superior a este montante. Assim, e devido ao princípio do limite do pedido, da comparação com o caso dos autos não se pode extrair a conclusão que a recorrente pretende extrair.

Quanto ao segundo argumento invocado pela recorrente, assenta o mesmo numa leitura equivocada e descontextualizada da fundamentação do acórdão recorrido. Com efeito, aí se começa por afirmar o seguinte a respeito da relevância da idade da vítima:

«Não obstante o Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psiquica de 26 pontos atribuído à Apelante não ter implicado perda de rendimento, dá-lhe igualmente direito a ser indemnizada pela diminuição acentuada da sua condição física, para mais numa fase da idade em que as limitações físicas começam a ser mais difíceis de suplantar e relativizar porque tornam muito mais penoso qualquer simples acto do quotidiano e, como tal, afigura-se-nos ser um dano que deve merecer um tratamento específico e ser autonomamente indemnizável, mesmo que se considere assumir apenas natureza não patrimonial, sob pena de no conjunto dos demais danos dessa natureza poder aparentar ter sido de alguma forma desvalorizado.» [negrito nosso]

E, mais à frente, afirma-se:

Salientamos que só a fixação do grau 5 de quantum doloris, grau 5 de dano estético e grau 2 de repercussão nas actividades de lazer de que ficou a padecer a Apelante têm sido compensados na jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça, em valores que oscilam entre 25.000,00 e 75.000,00 [nota:..], e embora a idade dos lesados seja tomada em consideração nessa equação, não cremos que devam ser menos valorizados aqueles danos consoante a idade vai aumentando, sendo, como é, do senso comum que a tolerância à dor e a frustração pela impossibilidade de manter as actividades de lazer assume grande significado com o avançar da idade.». [negrito nosso]

Temos, assim, que, diversamente do invocado pela recorrente, o Tribunal da Relação não afirmou que o «avançar da idade significa uma menor tolerância à dor», mas antes que «não cremos que devam ser menos valorizados aqueles danos consoante a idade vai aumentando, sendo, como é, do senso comum que a tolerância à dor e a frustração pela impossibilidade de manter as actividades de lazer assume grande significado com o avançar da idade», não existindo razões para censurar tal afirmação.

Dentro dos poderes de sindicância das decisões de fixação de indemnização segundo juízos de equidade, conclui-se, deste modo, pela improcedência da pretensão da recorrente.

V – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2025

Maria da Graça Trigo (relatora)

Ana Paula Lobo

Orlando Nascimento