Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
16556/17.6T8LSB-I.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
EXTEMPORANEIDADE
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO
DIREITO AO RECURSO
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 04/20/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Independentemente da relevância que o recorrente/reclamante atribua à questão que pretendia levar à consideração deste Supremo Tribunal, dúvidas não restam, só sendo admissível a interposição do recurso de revista é que pode ser apreciada a questão neste Tribunal.

II - Não configura uma situação de inconstitucionalidade a fixação de limites ao recurso, nomeadamente a fixação de um prazo para recorrer.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes do Supremo do Tribunal de Justiça, 1ª Secção:


1 - AA, autor nos autos em que é ré Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., notificado (no mesmo dia) do acórdão da Relação, de 30-06-2021, que decidiu “Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar o douto despacho recorrido. Custas pelo Apelante. Registe e notifique”, veio interpor recurso de revista em 20-09-2021, quando o processo já havia baixado à 1ª Instância, considerando-se transitado em julgado em 06-09-2021.

2 - Por despacho do Sr. Desembargador relator, o recurso de revista não foi admitido, por julgar-se interposto extemporaneamente.

3 - Reclamando para a Conferência, do despacho de não admissão da revista, veio a ser proferido acórdão em que se decidiu manter o despacho reclamado.

4 - O recorrente apresenta recurso para o STJ (convolado pelo Sr. Desembargador relator e recebido como reclamação), onde o reclamante conclui:

“1. O prazo de interposição do recurso em questão não era de 15 dias, nos termos dos artigos 638º, nº 1, in fine, e 644º, nº 2, alínea g) do CPC.

2. O prazo para interposição do recurso era de 30 dias por se tratar de decisão que põe termo ao processo.

3. Deve ser aplicado o prazo geral para interposição de recursos ordinários que é de 30 dias, na apelação e na revista interpostos das decisões finais, conforme previsto no artigo 638º, nº 1 do CPC.

4. A negação do direito de recorrer viola o disposto nos artigos 2º, 202º nº 1 e 2, 18º nº 1 e 20º nºs. 1, 2 e 5 da CRP.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente e o recurso de revista objeto do mesmo deve ser admitido”.


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5 - É do seguinte teor o acórdão reclamado:

“(…)

É o seguinte o teor completo de tal decisão singular (a fls. 108 dos autos):

«Requerimento de fls. 97 a 103:

Não admito o Recurso de Revista ora interposto pelo Autor/ Apelante AA, com o seu requerimento e motivação de fls. 97 a 103 dos autos, por ter sido deduzido fora (para além) do respectivo prazo legal de interposição.

Pois o acórdão recorrido foi proferido a 30 de Junho de 2021 (fls. 77 a 88).

Nesse mesmo dia foi notificado à ilustre mandatária do Autor (a fls. 91).

Dispunha de um prazo de 15 dias para recorrer, nos termos do artigo 638.°, n.° 1, in fine, do Código de Processo Civil, pois que se tratava de um recurso de Apelação previsto no artigo 644.°, n.° 2, alínea g), desse Código ("De decisão proferida depois da decisão final -veja-se que o Apelante também assim veio a classificar o recurso para a Relação logo nas doutas alegações, a fls. 1 verso: "... que é de apelação, artigo 644.°, n° 2, alínea g), do CPC).

Decorrentemente, o trânsito em julgado ocorreu em 09 de Setembro, por o seu 15° dia ter caído num domingo, dia 05, e ter passado para uma 2.ª-feira, dia 06, acrescendo-lhe três dias úteis para a prática do acto mediante pagamento de uma multa (vide o artigo 139.°, n.ºs 5 e 6, do CPC).

Mas o recurso foi interposto em 20 de Setembro de 2021 (vide fls. 96) - levando-nos a crer ter o recorrente considerado o prazo de 30 dias para recorrer (erradamente, porém, como se viu).

Dessarte, mesmo a considerar-se que seria admissível in casu recurso para o STJ, o termo final do seu prazo estava inexoravelmente ultrapassado quando o Apelante veio praticar o acto (não tendo invocado qualquer justo impedimento).

Sem custas.

Notifique.»

Neste momento, por nada mais se oferecer acrescentar por este Colectivo à decisão que assim vem proferida pelo Relator do processo, restará confirmá-la.

Decidindo:

Assim, nos termos acabados de referir, acordam os juízes em conferência, nesta Relação, em não admitir o recurso de Revista interposto pelo Apelante”.


*


6 - Pelo relator foi proferido despacho no qual se indeferiu a reclamação, com os seguintes fundamentos:

“- DECIDINDO:

O recurso de apelação foi interposto ao abrigo do disposto no “(art. 644.º, n.º 2, al. g) do CPC)”, como diz o próprio recorrente.

No acórdão da Relação foi decidido “Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar o douto despacho recorrido. Custas pelo Apelante. Registe e notifique”.

Nesse acórdão decidia-se do recurso interposto de despacho com o seguinte teor: “Despacho proferido em 30.06.2020 no qual decidiu-se o seguinte, que se transcreve: "Tomei conhecimento do teor da decisão que antecede. Dê conhecimento da baixa dos autos. Oportunamente, liquide, devendo os autos aguardar o eventual trânsito da decisão final proferida nos autos principais e eventual decisão de retirada do apoio judiciário".

Verifica-se que o despacho sobre o qual incidiu a apelação nada decidiu e, por conseguinte, também o acórdão da relação ao confirmá-lo, nada decidiu. Mais não é que despacho de mero expediente e que não admite recurso, conforme art. 630º, nº 1, do CPC.

Pelo menos nada decide do previsto no nº 1 do art. 671º do CPC, não conhece do mérito da causa, não põe termo ao processo, não absolve da instância.

Pelo que não tem qualquer razão o reclamante ao alegar que o prazo para interposição do recurso era de 30 dias por se tratar de decisão que põe termo ao processo.

Refere Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª ed., pág. 352 que “Para aferição da admissibilidade de revista, é atribuído relevo ao efeito extintivo da instância que emana do acórdão da Relação, independentemente daquele que produziria a decisão da 1ª instância sobre que incidiu. Aqui se integra o acórdão que, conquanto não aprecie o mérito da causa (situação já contida no primeiro segmento do preceito), ponha termo (total ou parcial) ao processo quanto a todos ou algum dos réus ou quanto a todos ou algum dos pedidos ou pedido reconvencional”.

E acrescenta a pág. 358, “Em regra, não admitem recurso de revista os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias da 1ª instância sobre questões de natureza adjetiva (art. 671º, nº 2). Tratando-se de acórdão da Relação que incidem sobre decisões da 1ª instância de natureza interlocutória (isto é, de decisões não finais) que versam sobre matéria adjetiva (previstos no art. 644º, nº 2), considera-se que, em regra, é bastante o duplo grau de jurisdição, tal como já ocorria no âmbito do sistema dualista relativamente ao recurso de agravo que também só era admitido, sem entraves, até à Relação”.

Como se verifica das alegações do recurso de apelação, o recurso foi interposto ao abrigo do disposto no art. 644º, nº 2, al. g), do CPC.

No caso, porque a decisão proferida pelo acórdão recorrido é interlocutória, a ser admissível recurso de revista, deveria ser interposto no prazo de 15 dias, conforme art. 677º do CPC.

No caso vertente, sendo o acórdão recorrido prolatado e notificado a 30 de junho de 2021 e, sendo o prazo de recurso de 15 dias, “o trânsito em julgado ocorreu em 09 de Setembro, por o seu 15° dia ter caído num domingo, dia 05, e ter passado para uma 2.ª-feira, dia 06, acrescendo-lhe três dias úteis para a prática do ato mediante pagamento de uma multa (vide o artigo 139°, n.ºs 5 e 6, do CPC)”.

Sendo o recurso interposto em 20 de setembro de 2021, é manifesto que o foi extemporaneamente.

Pelo que bem andou o Tribunal da Relação ao não admitir o recurso de revista interposto.

Decisão:

Em face do exposto, julga-se a reclamação improcedente, mantendo-se o despacho reclamado.

Custas a cargo do reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 2 Ucs, tendo em conta que beneficia de apoio judiciário.

Notifique”.


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7 - Notificado o reclamante, mas de novo inconformado, vem impugnar a decisão de manutenção do despacho reclamado, ao abrigo do disposto no art. 643º nº 4, parte final, do CPC, reclamando para a conferência.

Alega no seu requerimento formulado nos termos do art.652º, nº 3, do CPC, que reclama para a conferência:

- porquanto se considera prejudicado pela mesma, atendendo à matéria que está em causa relacionada com uma eventual retirada do apoio judiciário, na sequência de uma condenação como litigante de má-fé.

- considera o reclamante que estando na génese de qualquer decisão uma condenação por litigância de má-fé em fundamento legal, não pode tal decisão tornar-se definitiva.

- existindo fundamento para interposição de recurso devendo inclusive ser objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional por incorreta aplicação da lei, deve a questão ser previamente apreciada pela conferência sendo proferido o competente Acórdão.

- Pede Deferimento.


8 - Não houve resposta.


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A questão a decidir nesta sede respeita, unicamente, à admissibilidade, ou não, do recurso de revista.

Independentemente da relevância que o recorrente/reclamante atribua à questão que pretendia levar à consideração deste Supremo Tribunal, dúvidas não restam, só sendo admissível a interposição do recurso de revista, e interposto no decurso do prazo legal, é que pode ser apreciada a questão neste Tribunal.

Mas o reclamante nada de novo traz aos autos (como se constata supra), continua a insistir na relevância da questão, sem alegar qualquer motivo que fundamente a admissibilidade do recurso de revista.

Há requisitos processuais a observar para ser admissível o recurso de revista e apenas quando admitido o recurso pode ser apreciada a questão.

Como salienta Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág. 348, “com o CPC de 2013 encontra-se consolidada a ideia de que o triplo grau de jurisdição em matéria cível não constitui uma garantia generalizada. Ainda que ao legislador ordinário esteja vedada a possibilidade de eliminar em absoluto a admissibilidade do recurso para o Supremo (possibilidade que implicitamente decorre da previsão constitucional de uma hierarquia de tribunais judiciais, tendo como vértice o Supremo Tribunal de Justiça), ou de elevar o valor da alçada da Relação a um nível irrazoável e desproporcionado que tornasse o recurso de revista praticamente inatingível para a grande maioria dos casos, o Tribunal Constitucional tem considerado que não existem impedimentos absolutos à limitação ou condicionamento de acesso ao Supremo”.

O direito ao recurso, designadamente o de interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pode ser limitado pelo legislador ordinário, como vem sendo afirmado, de forma unânime, pela jurisprudência (cfr., entre outros, ac. do STJ de 19/5/2016, proc. 122702/13.5YIPRT.P1.S1 in www.dgsi.pt.).

Existe é um genérico direito ao recurso de atos jurisdicionais, cujo conteúdo pode ser traçado pelo legislador ordinário, com maior ou menor amplitude, ainda que seja vedada a redução intolerável ou arbitrária desse direito.

E refere Lopes do Rego in “O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil”, inserido em Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, pág. 764 que, as “limitações derivam, em última análise, da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os Tribunais Superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais”.

Não configura, pois, uma situação de inconstitucionalidade a fixação de limites ao recurso, nomeadamente a fixação de um prazo para recorrer.

E tem referido o Tribunal Constitucional, “É jurisprudência firme e abundante do Tribunal Constitucional que o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Por maioria de razão, a Constituição não exige a consagração de um sistema de recursos sem limites ou ad infinitum (Ac.nº125/98) A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos “patamares” de recurso (Acs. Nºs 72/99, 431/02 e 106/06….”.

No caso concreto:

Não se pôs em causa a relevância da questão que a recorrente pretendia que fosse analisada por este STJ. No entanto, um tribunal de recurso só pode pronunciar-se sobre o objeto desse mesmo recurso, quando o recurso for admitido, por admissível, e para tal acontecer é necessário verificarem-se os respetivos requisitos/pressupostos de admissão, incluindo a observância do prazo legal para essa interposição.

Há um formalismo processual previsto na lei de processo e que é necessário observar.

No despacho do relator, que ora se confirma em conferência, resulta comprovado não se verificarem os requisitos de admissibilidade do recurso, nomeadamente no que respeita à tempestividade.

Este tribunal não tem de se pronunciar sobre a relevância da questão porque, para o fazer, teria o recurso de ser admitido.

A interpretação das normas relativas à admissibilidade do recurso de revista deve ser feita de forma conjugada e atendendo a todos os elementos de interpretação da teoria do direito.

Daí que, in casu, não se violou o direito do reclamante ao acesso ao direito e aos tribunais.

Por tudo o exposto concluímos, como no despacho proferido, que não é admissível recurso de revista, por extemporâneo.

Assim que, o recurso de revista interposto não é admissível, mantendo-se o despacho do relator.


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Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art. 663 nº 7 do CPC:

I - Independentemente da relevância que o recorrente/reclamante atribua à questão que pretendia levar à consideração deste Supremo Tribunal, dúvidas não restam, só sendo admissível a interposição do recurso de revista é que pode ser apreciada a questão neste Tribunal.

II - Não configura uma situação de inconstitucionalidade a fixação de limites ao recurso, nomeadamente a fixação de um prazo para recorrer.


Decisão:

Acordam os Juízes desta Secção em julgar improcedente a impugnação e confirmar o despacho de 23-02-2022, que manteve a não admissão do recurso.

Custas pelo impugnante com taxa de justiça de 4 Ucs, nos termos do art. 7 nº 4 do RCP e Tabela II anexa.


Lisboa, 20-04-2022


Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo– Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua – Juiz Conselheiro 2º adjunto