Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DA GRAÇA TRIGO | ||
Descritores: | ALIMENTOS ALIMENTOS PROVISÓRIOS EFEITOS DA SENTENÇA PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE REVISTA NULIDADE DE ACÓRDÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/17/2021 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I. Nos processos de jurisdição voluntária, das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência e de oportunidade não cabe recurso para o STJ (art. 988.º, n.º 2, CPC). Contudo, e de acordo com a jurisprudência consolidada do STJ, o recurso de revista é admissível, circunscrito, porém, à apreciação das questões que incidem sobre critérios de legalidade. II. Considerando que a acção de alteração ou de cessação dos alimentos judicialmente fixados assume a natureza de uma acção constitutiva, conforme o caso, modificativa ou extintiva (art. 10.º, n.º 3, al. c), CPC), na falta de disposição em contrário, a respectiva sentença só produzirá efeitos ex nunc. III. No caminho percorrido pela jurisprudência na delimitação do âmbito de aplicação do art. 2006.º do CC, constata-se que: (i) a atribuição de eficácia retroactiva às decisões que reconhecem ex novo o direito a alimentos constituiu uma opção legislativa no sentido mais favorável à tutela do credor de alimentos; (ii) a interpretação do art. 2006.º no sentido de a atribuição de eficácia retroactiva abranger as decisões judiciais que alteram o valor da prestação de alimentos, aumentando-o, teve o mesmo intuito de protecção do credor de alimentos, sem considerar, porém, a relevante diferença resultante do facto de, nestes casos e diversamente das situações contempladas em (i), existir uma decisão judicial anterior; (iii) a interpretação do art. 2006.º no sentido de a atribuição de eficácia retroactiva abranger também as decisões judiciais que alteram o valor da prestação de alimentos, reduzindo-o, apresenta-se tão somente como um corolário lógico da orientação enunciada em (ii); corolário lógico, porém, que veio criar o problema novo de saber qual o tratamento jurídico a dar aos alimentos recebidos após a propositura da acção, cuja resolução poderá comprometer o objectivo de protecção do credor de alimentos. IV. A aplicação do regime do art. 2006.º do CC às decisões, como a proferida pelo tribunal a quo, que reduzem o valor dos alimentos, apenas será admissível se for compatível com a natureza e finalidade próprias da obrigação de alimentos. V. Dada a natureza assistencial da obrigação de alimentos, com a inerente finalidade de “proporcionar ao alimentando a possibilidade de viver com autonomia e dignidade”, é indubitável que os alimentos se destinam a ser consumidos por quem deles carece. Atribuir eficácia retroactiva à decisão judicial que reduza o valor da prestação de alimentos e, concomitantemente, obrigar a restituir parte dos alimentos recebidos e, em regra, já consumidos, conduziria afinal a pôr em risco o sustento do alimentando e, por isso, subverteria a finalidade última da obrigação de alimentos. VI. Reconhece-se, assim, que a natureza e a finalidade da obrigação de alimentos implicam a aceitação de um princípio geral de não restituição dos alimentos recebidos, do qual o regime do n.º 2 do art. 2007.º do CC constitui manifestação, e em função do qual deve ser interpretada a norma do art. 2006.º do mesmo Código. VII. Atendendo ao princípio da estabilidade relativa do caso julgado, associado à continuidade da realização da prestação alimentar fixada, assim como ao objectivo de protecção do alimentando visado pelo art. 2006.º do CC, entende-se não poder ser este interpretado no sentido de abranger – atribuindo-lhes eficácia retroactiva à data da propositura da acção – as decisões judiciais que reduzam o valor da prestação de alimentos. VIII. Acresce que, à interpretação do art. 2006.º do CC, adoptada no acórdão recorrido, estaria subjacente o entendimento de que o conhecimento, ou cognoscibilidade, da pretensão deduzida em juízo implicaria que o demandado configurasse a possibilidade de procedência do pedido de redução e, de imediato, actuasse em conformidade. IX. No caso dos autos, uma vez que o pedido formulado pelo requerente foi no sentido de uma redução do valor dos alimentos em maior medida do que aquela que veio a ser decidida pela Relação, a tomada de providências adequadas à pretendida redução teria afinal uma elevada probabilidade de colocar em risco a satisfação das necessidades de sustento dos credores de alimentos, e, em particular, as necessidades de sustento e educação do filho menor. X. Tal consequência negativa contrariaria frontalmente a razão de ser da obrigação de alimentos, sendo, por isso, também por esta razão, e para além do fundamento enunciado nos pontos V a VII, de rejeitar que se atribua eficácia retroactiva à decisão dos autos que reduziu o valor dos alimentos definitivos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA instaurou, em 22 de Março de 2019, acção de alteração de regulação das responsabilidades parentais contra a requerida BB, pedindo que a pensão de alimentos devida à filha maior CC fosse reduzida de 900 para 200 euros e lhe fosse entregue directamente, e, a pensão de alimentos devidos ao filho menor DD cessasse ou, assim não se entendendo, fosse fixada em 250 euros, e as despesas de saúde e de educação fossem pagas em partes iguais. Os autos seguiram os seus termos e, em 10 de Julho de 2020, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu: - Cessar a pensão de alimentos devida à filha CC desde finais de Março de 2019, sem prejuízo de ser reiniciada, no montante de 200 euros, logo que a filha retomasse a pós-graduação ou outra actividade similar e, então, acrescida do pagamento das prestações escolares devidas; e, - Fixar a pensão de alimentos devidos ao filho DD em 600 euros desde 22 de Março de 2019 (data da propositura da acção), “sem prejuízo do disposto no art. 2007.º, n.º 2, do CC”, acrescida do pagamento das despesas escolares e de metade das despesas de saúde extraordinárias e não comparticipadas. A requerida interpôs recurso para o Tribunal da Relação …., pedindo a revogação da sentença e a manutenção do valor da prestação de alimentos fixado no acordo de regulação das responsabilidades parentais, celebrado em 2013; e, se assim não se entendesse, relativamente à filha CC, pedindo que seja fixada para esta pensão de alimentos não inferior a 500 euros. Também o requerente apelou pedindo que o valor da pensão de alimentos a pagar ao filho DD fosse reduzido para 58,19 euros, mantendo-se a sua obrigação de pagamento do seguro de saúde do menor, assim como do pagamento das despesas escolares e com explicações e de 50% das despesas de saúde não comparticipadas; e impugnando a decisão no que respeita à aplicação do art. 2007.º, n.º 2, do Código Civil. Por acórdão de 25 de Fevereiro de 2021, foi julgado improcedente o recurso apresentado pela requerida e parcialmente procedente o recurso apresentado pelo requerente, decidindo-se: - Fixar a pensão de alimentos devidos ao filho DD em 450 euros; - Revogar a decisão na parte que ressalva a aplicação do artigo 2007.º, n.º 2, do Código Civil; - Manter em tudo o mais o decidido na sentença. 2. Inconformada, veio a requerida interpor recurso de revista, por via normal, e, subsidiariamente, por via excepcional, formulando as seguintes conclusões: «1. O presente Recurso incide sobre o Acórdão proferido pelo T.R…., que julgou totalmente improcedente o recurso apresentado pela Requerida/Recorrente e julgou parcialmente procedente o recurso apresentado pelo Requerente, mediante o qual se alterou a sentença recorrida (que fixou o valor em €600,00), fixando-se em €450,00 o montante a ser entregue pelo Progenitor/Requerente a título de pensão de alimentos do filho de ambos menor, e por outro, revogando-a na parte em que ressalvou a aplicação do disposto no artigo 2007.º, n.º 2 do Código Civil, determinando-se, assim, que os valores seriam devidos desde a data da propositura da acção. 2. Funcionando este S.T.J. como segundo grau de jurisdição face a decisões tomadas ex novo pelos tribunais da Relação, sempre deverá o presente recurso de revista ser admitido nos termos gerais, atendendo ao valor da causa e à inexistência de dupla conforme. 3. Pese embora a restrição de recorribilidade ínsita no n.º 2 do art. 988.º do C.P.C, aplicável ex vi do artigo 12.º do R.G.P.TC., por se tratar de um processo de jurisdição voluntária, importa ter em linha de conta que a presente impugnação não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelo Tribunal a quo, questionando-se, isso sim, a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza a decisão recorrida. 4. No caso presente, a Recorrente/Requerida pretende a sindicância por este Alto Tribunal das seguintes questões: a viciação do acórdão recorrido por excesso de pronúncia e contradição entre os fundamentos e a decisão e a violação da lei processual, consistente em inobservância dos critérios previstos no artigo 987.º do C.P.C., por inaplicabilidade do 2007.º, n.º 2, do Código Civil, no que respeita à retroactividade do valor dos alimentos que são devidos, à data da propositura da acção, tudo conforme art. 674.º, n.º 1, al. c) e b), respectivamente. 5. No que respeita à invocada violação das disposições processuais, tem vindo a ser entendido pela jurisprudência corrente do Supremo Tribunal de Justiça que esse fundamento não concorrerá para a formação da dupla conforme prevista no n.º 3 do citado artigo 671.º, na medida em que tal violação seja imputada apenas à Relação, caso em que não ocorrerá, nessa parte, coincidência com a decisão da 1.ª instância, não sendo, portanto, a recorribilidade alcançada pelo impedimento da dupla conforme ali prescrito. 6. Não obstante, sempre se dirá que, quanto à segunda questão acima aludida, não só não se verificou a ocorrência de dupla conforme - pois a mesma não foi confirmada pelo Acórdão recorrido - como o valor da causa excede a alçada deste Tribunal e, ademais, nos termos do artigo 629.º do C.P.C., o valor da sucumbência representa €22.650,00 (valor devidamente destrinçado no corpo do presente). 7. Pelo que, verificados que estão os requisitos de revista ordinária, deverá o presente Recurso ser admitido como tal. 8. De todo o modo, e para os devidos efeitos legais, não sendo aceite a dupla jurisdição, nos termos ora invocados, desde já se suscita a correspondente inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, quando se interprete o artigo 671.º do C.P.C. no sentido de não se aceitar recurso para o S.T.J. de questões decididas, ex novo, pelo Tribunal da Relação. [excluem-se as conclusões respeitantes à admissibilidade da revista por via excepcional] 14. Acresce ainda, salvo melhor opinião, que a decisão desta questão pela instância anterior revela-se ostensivamente errada, juridicamente insustentável e, quanto a nós, com o devido respeito, suscita fundadas dúvidas acerca da sua bondade, nomeadamente ao assentar ela própria em critérios de legalidade estrita, colocando em causa o superior interesse do menor, atenta a clamorosa diminuição do valor da pensão de alimentos e revogação da decisão de 1.ª instância no que concerne à aplicação do n.º 2 do artigo 2007.º do C.C.. 15. Sucintamente, o Progenitor/Requerente, estava obrigado a liquidar a quantia de €1.800,00 a título de pensão de alimentos dos seus filhos, alterando-se esse valor, em sede de 1.ª instância para €600,00 e, por Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, para €450,00. 16. Nesta última fase, o Tribunal a quo considerou, para efeitos de cálculo do valor da pensão de alimentos, uma parcela que, não só não se confunde com aquele valor, como a ele é completamente alheio, e que representa a média do valor respeitante às despesas de educação com o apoio escolar das explicações. 17. Valor esse que, quer no primitivo Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais, quer na Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, quer ainda no pedido formulado pelo Progenitor/Requerente no âmbito do seu recurso, foi fixado como completamente autónomo do valor da pensão de alimentos. 18. Por outro lado, entendeu o Tribunal a quo, contrariamente ao decidido pelo Tribunal de 1.ª instância, que não tinha aplicabilidade ao caso, o teor do n.º 2 do artigo 2007.º do Código Civil, decidindo-se, neste conspecto, revogar a Sentença de 1.ª instância, determinando-se que, nos termos do artigo 2006.º, os alimentos seriam devidos desde a data da propositura da acção, o que implica um encontro de contas /compensação, no valor de €22.650,00! 19. Neste sentido, se a breve exposição do caso, assim descrito, ofende a solução de direito encontrada – ofensa aos “critérios de conveniência e oportunidade” e do Princípio do Superior Interesse do Menor –, porque não tem respaldo nos critérios processualmente fixados, rapidamente se constata que tal solução jurídica alcançada pelo Tribunal recorrido é iníqua e ofensiva daquele princípio. 20. Com a decisão proferida, o Tribunal da Relação de Lisboa atingiu uma solução injusta em si mesma e violadora quer da norma, quer do princípio que norteia este tipo de processos, pela errada conceptualização e valoração da noção jurídica dos critérios que devem presidir os processos de jurisdição voluntária, frustrando o legítimo direito do menor, ao arrepio da efetiva prestação e solvência de cuidados básicos diários (alimentação, higiene, habitação), contrariando a salvaguarda do superior interesse da criança que impõe que se alcance a solução que melhor promova o harmonioso desenvolvimento físico, intelectual e moral, bem como sua a estabilidade emocional, tendo em conta a idade, o seu enraizamento ao meio sociocultural e a disponibilidade e capacidade dos progenitores em assegurar tais objetivos, o que passa, também, pela garantia de condições materiais que tornem possível o são desenvolvimento da sua personalidade. 21. Concretizando: a Recorrente não pode concordar com o método quantitativo que subjaz ao apuramento do valor da pensão de alimentos do menor DD e, muito menos, com a conclusão alvitrada, isto é, com o montante fixado a final. 22. O Tribunal a quo, para aferir do valor da pensão de alimentos, teve em consideração um triplo vértice, a saber: o dobro de 50% do valor do indexante dos apoios sociais (0.5x438.81x2); o valor correspondente a 50% do vencimento da empregada doméstica; e a média das despesas de educação com o apoio escolar das explicações. 23. Começando por referir que, face àquele cálculo, o Progenitor/Requerente teria de liquidar, a título de pensão de alimentos do filho menor, o valor de €666,66, concluindo, depois, que “Como nas despesas do DD está incluído o valor das despesas com as explicações que o pai paga directamente, no montante de €235,00 importa retirar esta quantia do montante de € 666,66 e chegamos assim ao valor de €431,66.” 24. Primeiramente, entende a Recorrente que, a consideração do valor referente às explicações para efeitos do cálculo da pensão de alimentos, fere o Acórdão de nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos da alínea d) do artigo 615.º do Código de Processo Civil, pois o Tribunal pronunciou-se sobre uma questão cujo conhecimento lhe estava vedado, em virtude de não ter sido objecto de recurso. 25. Isto porque, conforme tivemos oportunidade de referir, em lado nenhum (Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais, Sentença de 1.ª Instância ou ainda no recurso interposto pelo Progenitor Requerente – cfr. pedido devidamente transcrito para o corpo do presente) aquele valor estava contemplado no montante a liquidar a título de pensão de alimentos, pelo contrário: trata-se de um valor extrínseco, cuja alteração ou o seu suprimento não foi submetida à apreciação do Tribunal a quo! 26. Posto isto, o Acórdão reclamado excedeu os limites do respectivo conhecimento ao ter em consideração um valor que não podia ter sido levado em linha de conta, em desfavor das necessidades do menor, cuja alteração não foi submetido à apreciação deste Tribunal, pelo que se invoca a nulidade do Acórdão, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C., por excesso de pronúncia. 27. Por seu turno, entende ainda a Requerida que o Acórdão padece do vício ínsito na alínea c) do artigo 615.º do Código de Processo Civil pois há uma clara e evidente oposição entre os fundamentos apresentados e a decisão plasmada a final, em concreto, o valor alcançado. 28. Com efeito, o Tribunal começa por considerar que o valor pago a título de despesas com as explicações é inteiramente suportado pelo progenitor, para depois, surpreendentemente, o incluir no cômputo da pensão de alimentos! 29. Ao fazê-lo, o Tribunal a quo retirou do valor alcançado a título de pensão de alimentos - no qual, reitera-se, não estão incluídas as despesas escolares e com explicações - um montante que lhe é dissociável e completamente autónomo, diminuindo, assim, substancialmente, o montante que o mesmo considerou como adequado face às necessidades do menor – o que, reiteramos, contende com os critérios norteadores dos processo de jurisdição voluntária (artigo 987.º do C.P.C.) e ainda com o superior interesse do menor. 30. Razão pela qual igualmente se invoca a nulidade da sentença ora recorrida, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do C.P.C., por oposição entre os fundamentos e a decisão. 31. Por outro lado, crê ainda a Recorrente que há, no concreto ponto que pelo presente se pretende “censurar” – método de quantificação do valor da pensão de alimentos a pagar pelo Progenitor/Requerente –, uma ausência de motivação jurídica. 32. Pese embora o Tribunal tenha, a páginas tantas, decidido adoptar um método de quantificação das despesas do menor, nomeadamente, recorrendo a cálculos aritméticos, a verdade é que uma decisão não é, nem pode ser, um ato discricionário, devendo antes constituir a concretização da vontade abstrata da lei ao caso concreto, com a indicação dos parâmetros determinativos da resolução inerente. 33. Relativamente à primeira parcela, que teve por base o valor actual do IAS, o Tribunal a quo teve em consideração a equivalência daquele valor para um menor (à razão de 0,5), amparando-se, para esse efeito, no critério de cálculo da capitação dos rendimentos. 34. Numa óptica objectiva, tal valor poderia dar resposta às efectivas necessidades de um menor, porém, no caso concreto, está em causa um menor de 16 anos, cujas despesas, designadamente, com a alimentação ou vestuário, e como se intui, não se assemelham às despesas de um menor de 7 ou 8, ou ainda 10 ou 12 anos. 35. De facto, pese embora o Tribunal a quo tenha centrado a sua atenção em critérios objectivos e de legalidade estrita, é neste campo que era necessário e adequado o recurso à equidade e a soluções convenientes e oportunas. 36. Pelo que, entende a Recorrente que se revelaria adequado, à luz daqueles critérios, e tendo em conta que, nos termos do artigo 5.º do DL 70/2021 de 16 de Junho, se atribuiu 0,7 para cada maior, e 0,5 por cada menor, considerar que a equivalência para o menor em causa - que, reiteramos, conta já com 16 anos – terá de ser de 0,6 e não 0,5. Concluindo, assim, que o valor da primeira parcela deveria representar € 526,00 [263.29x2] e não €440,00. 37. Retomando o percurso lógico acima descrito, entende a Recorrente que o Tribunal a quo não poderia ter em consideração o valor das despesas das explicações para efeitos de cálculo da pensão de alimentos, pelo que deveria calcular aquele montante tendo por base apenas o valor do dobro da metade do valor do IAS e o correspondente a 50% do vencimento da Empregada. 38. E se assim fosse, chegaria à conclusão de que o menor DD necessita actualmente de cerca de €851,00 (438.81x0.6x2+325). 39. Ora, tendo por base a proporção que o Tribunal a quo entendeu ser adequada face aos rendimentos e despesas dos progenitores (o Requerente deverá contribuir com 2/3 das despesas e a Requerida com cerca de 1/3) e, levando em linha de conta o valor necessário de €851,00 mensais necessários para o sustento do DD, caberia ao Progenitor/Requerente suportar o valor de €567,33. 40. O qual, adoptando a lógica de arredondamento perfilhada por este Tribunal, perfazia o montante de €600,00. 41. Mas ainda que não se entenda aplicar a razão de 0,6 do valor do IAS, sugerido pelo presente e supra melhor densificado, mantendo-se a razão de 0,5 – o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sem conceder, por se considerar inadequada - chegamos à conclusão que o cálculo seria o seguinte: 2/3 de €440,00+€325,00. 42. Aplicando-se novamente a lógica de arredondamento perfilhada pelo Tribunal, chegamos ao montante de €550,00. O qual, recorrendo a critérios de equidade, atingiria o valor fixado pelo Tribunal de 1.ª Instância, isto é, €600,00. 43. Por fim, revogando a Sentença de 1.ª Instância, entendeu o Tribunal a quo que, no caso concreto não tem aplicabilidade o n.º 2 do artigo 2007.º do C.C., por entender que tal normativo apenas se aplica aos alimentos provisórios. 44. Ora, se é certo que o artigo 2007.º n.º 2 do Código Civil se reporta à restituição dos alimentos provisórios, também é certo que, como vimos reiteradamente a aludir, o artigo 987.º do C.P.C. impõe que, neste tipo de processos, o Tribunal adopte a solução que julgue mais conveniente e oportuna – e foi o que o Tribunal de 1.ª Instância fez. 45. E no presente caso, a única solução que acautela, na sua plenitude, o superior interesse da criança (e, neste caso, dos dois filhos) é a aplicação daquela disposição, pois, a não ser assim, coloca-se em causa um encontro de contas que se situa no valor de €22.650,00! 46. Ora tal solução, baseada em critérios de legalidade estrita, está longe de representar aquela que se revela mais conveniente à prossecução do interesse dos filhos de ambos. 47. Pese embora não tenha havido lugar a qualquer alteração provisória, tal circunstância não é impeditiva de se entender que se aplicam aos alimentos definitivos o regime dos alimentos provisórios e, em concreto o n.º 2 do artigo 2007.º, isto porque, o princípio de que “os alimentos não se restituem”, é inerente à própria natureza da obrigação de alimentos, sejam os alimentos provisórios ou definitivos. 48. O que, no presente caso, face ao valor alcançado, e acima indicado, se revela da maior pertinência, em prol do superior interesse dos filhos de ambas as partes. 49. Mas ainda que não se perfilhe a posição da doutrina acima indicada, sempre se reiterará que a decisão do Tribunal a quo, viola gritantemente o teor do artigo 987.º do Código de Processo Civil pois os critérios que a presidem prendem-se com critérios de legalidade estrita, em manifesta oposição com o que a aquela norma expressamente dispõe. 50. Com efeito, bem se compreende a solução adoptada pelo Tribunal de 1.ª instância, pois, de facto, é aquela que se revela mais conveniente e oportuna. Se assim não for, está em causa o suprimento da pensão de alimentos (por via de uma eventual compensação) correspondente ao valor hercúleo de €22.650,00, ao qual acresce a diminuição determinada pelo Tribunal a quo, o que, como se intui, comportará consequências nefastas para a vida do menor! 51. Face ao que supra se aludiu, deve o Acórdão ser revogado nesta parte devendo a Sentença de 1.ª Instância, neste aspecto, ser confirmada, mantendo-se o aí fixado.» Termina pedindo que o recurso seja admitido e, em consequência, que: a) Sejam conhecidas as nulidades suscitadas, substituindo-se o acórdão recorrido por outro que conheça das questões invocadas, alterando-se o valor da pensão de alimentos nos termos elencados; b) Seja o acórdão recorrido revogado por violação da lei processual consistente em inobservância dos critérios previstos no artigo 987.º do Código de Processo Civil, por inaplicabilidade do 2007.º, n.º 2, do Código Civil, no que respeita à retroactividade do valor dos alimentos que são devidos, à data da propositura da acção. Mais requer a produção de alegações orais, ao abrigo do artigo 681.º do Código de Processo Civil, limitando-se a invocar que tal se destina a “discutir os pontos recursivos” enunciados. O requerente contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso, e, subsidiariamente, pela manutenção do acórdão recorrido. 3. Por acórdão da conferência de 15 de Abril de 2021, o tribunal a quo pronunciou-se no sentido da não verificação das nulidades invocadas. 4. Importa começar por apreciar a questão da admissibilidade do recurso. 4.1. A presente acção destina-se a alterar a regulação das responsabilidades parentais, pelo que, nos termos dos arts. 1.º, 3.º, alínea c), e 12.º, todos do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro), reveste a natureza de processo de jurisdição voluntária. Ora, nos processos de jurisdição voluntária, das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência e de oportunidade não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 988.º, n.º 2, do CPC). A respeito da interpretação desta última regra, convoca-se a fundamentação do acórdão deste Supremo Tribunal de 16.03.2017 (proc. n.º 1203/12.0TMPRT-B.P1.S1), consultável em www.dgsi.pt: «Cumpre recordar que, ao incluir na competência dos tribunais o julgamento dos chamados processos de jurisdição voluntária ou graciosa, cujas regras gerais se encontram nos artigos 986º a 988º do actual Código de Processo Civil, o legislador pretendeu que a prossecução de determinados interesses, em si mesmos de natureza privada, mas cuja tutela é de interesse público, fosse fiscalizada por entidades cujas características são garantia de uma protecção adequada à sua natureza. Com essa finalidade, conferiu-lhes os poderes necessários para o efeito, afastando, quando conveniente, certos princípios, conformadores do processo civil em geral, que disciplinam a sua intervenção enquanto órgãos incumbidos de resolver litígios que se desenrolam entre partes iguais, perante as quais os tribunais têm de adoptar uma posição de rigorosa imparcialidade. Assim, no domínio da jurisdição voluntária, os tribunais podem investigar livremente os factos que entendam necessários à decisão (artigo 986º, nº 2), recolher as informações e as provas que entendam pertinentes, rejeitando as demais (mesmo 986º, nº 2), decidir segundo critérios de conveniência e de oportunidade (artigo 987º), e, na generalidade dos casos, adaptar a solução definida à eventual evolução da situação de facto (artigo 988º, nº 1). (...) Explica-se desta forma que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal especialmente encarregado de controlar a aplicação da lei, substantiva ou adjectiva (cfr. artigo 674º do Código de Processo Civil), não possa, nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, apreciar medidas tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade, ao abrigo do disposto no artigo 987º do Código de Processo Civil. Com efeito, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram; não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação (cfr. artigos 674º e 682º do Código de Processo Civil), a lei restringiu a admissibilidade de recurso até à Relação (artigo 988º, nº 2). A verdade, todavia, é que esta limitação não implica a total exclusão da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nestes recursos; apenas a confina à apreciação das decisões recorridas enquanto aplicam a lei estrita. (...)» [negritos nossos] Deste modo, o presente recurso será admissível desde que as questões suscitadas incidam sobre critérios de legalidade e não de oportunidade ou de conveniência. Para o efeito, importa elencar as questões enunciadas nas conclusões do recurso, as quais, nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, delimitam o respectivo objecto: (i) Nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão; (ii) “Ausência de motivação jurídica” do acórdão recorrido; (iii) Erro de julgamento, “por inaplicabilidade do 2007.º, n.º 2, do Código Civil, no que respeita à retroactividade do valor dos alimentos que são devidos, à data da propositura da acção”. As questões (i), e (iii) envolvem apenas critérios de legalidade, e não critérios de oportunidade ou de conveniência. Com efeito, o acórdão será nulo se o teu teor evidenciar excesso de pronúncia ou contradição entre os fundamentos e a decisão, casos legalmente tipificados como geradores da nulidade das decisões judiciais (art. 615.º, n.º 1, do CPC); e, evidenciará erro de direito se se considerar que o regime do art. 2007.º, n.º 2, do CC também se aplica aos alimentos definitivos. Diversamente, a questão (ii), enunciada nas conclusões recursórias 31 a 42, sob a designação algo equívoca de “Ausência de motivação jurídica”, pretende pôr em causa a decisão de fixação do valor dos alimentos a prestar ao filho menor DD, impugnando os critérios de oportunidade e conveniência utilizados pelas instâncias, sendo, por isso, insindicável por este Supremo Tribunal. O facto de, em tal juízo de oportunidade e conveniência, ter sido convocado o índice de apoio social (IAS) - previsto no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho - em nada altera este entendimento, uma vez que a ponderação desse parâmetro não corresponde a um critério normativo de fixação do montante da prestação de alimentos. Os critérios normativos aplicáveis são exclusivamente aqueles que constam dos arts. 2003.º e 2004.º do Código Civil e a sua violação não foi invocada.
4.2. Quanto aos pressupostos gerais de recorribilidade, verifica-se que o valor da acção, fixado na sentença (€ 30.000,01), é superior ao valor da alçada da Relação e que a recorrente tem legitimidade e interesse em recorrer, porque ficou vencida no recurso de apelação que apresentou e parcialmente vencida no recurso de apelação apresentado pelo requerente. Quanto ao valor da sucumbência - e para além do valor, não claramente quantificável, em que a decisão de fixação da pensão, alegadamente nula, é desfavorável à recorrente - verifica-se que a decisão de não aplicação do n.º 2 do art. 2007.º do Código Civil, ora impugnada, se traduz na diferença entre o valor total da pensão mensal de alimentos paga pelo requerente desde a propositura da acção (a 22.03.2019) até à prolação do acórdão recorrido (a 23.02.2002) - sendo € 1.800,00 mensais até à prolação da sentença (cfr. ponto 4. dos factos provados), a 14.07.2020, e, € 600,00 mensais desde então até ao acórdão - e o valor total da pensão de alimentos que veio a ser fixada (€ 450,00) nesse mesmo período, por o acórdão ter entendido fazer retroagir ao momento da propositura da acção o efeito da redução do montante da pensão arbitrada. Temos assim, que 16 meses (08.04.2009 a 08.07.2020) x € 1.800 + 7 meses (08.08.2020 a 08.02.2021) x € 600 – 23 meses (08.04.2009 a 08.02.2021) x € 450 = € 28.800 + € 4.200 - € 10.350 = € 22.650. Deste modo, o valor da sucumbência, para além do montante em que a decisão de fixação da pensão, alegadamente nula, é desfavorável à recorrente, corresponde a, pelo menos, € 22.650, sendo, por isso, superior a metade da alçada da Relação (cfr. art. 629.º, n.º 1, do CPC). Por fim, constata-se não existir dupla conforme entre as decisões das instâncias (cfr. art. 671.º, n.º 3, do CPC). Conclui-se assim pela admissibilidade do recurso, circunscrito à apreciação das questões (i) e (iii) enunciadas supra, no ponto 4.2. 5. Por despacho da relatora, que o presente colectivo entende ser de manter, considerou-se desnecessária a requerida realização de audiência para produção de alegações orais, uma vez que as questões recursórias a apreciar são perfeitamente identificáveis e compreensíveis. 6. Com relevância para a resolução das questões a apreciar, vem provado o seguinte (mantêm-se a numeração e a redacção das instâncias): 3) Por sentença homologatória de 20.9.2013, na sequência de acordo, no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais n.º 1601/13.2TBTVD, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais relativamente aos então menores CC e DD, que ficaram à guarda e a residir com a mãe. 4) No âmbito do acordo mencionado em II-I-3), e no que concerne aos alimentos devidos aos menores, ficou acordado, que o progenitor contribuirá mensalmente com a quantia de 1.800,00€, até ao dia 8 de cada mês. 5) No âmbito do acordo mencionado em II-I-3), ficou estipulado que as despesas escolares e as explicações do menor DD serão suportadas pelo progenitor, que fará o pagamento diretamente às respetivas instituições, e ainda que, as despesas de saúde extraordinárias e não comparticipadas serão divididas em partes iguais por ambos os progenitores. 7. A requerida, ora recorrente, invoca nulidades do acórdão recorrido, alegando essencialmente que: - Tanto no acordo de regulação das responsabilidades parentais, como na sentença, ficou decidido que o progenitor teria de pagar o valor das explicações do menor DD directamente a quem as ministrasse; - O requerente não colocou em causa o decidido pela 1.ª instância; - Acontece que o acórdão recorrido englobou esse valor na determinação dos alimentos devidos; - Como tal, “o Acórdão reclamado excedeu os limites do respectivo conhecimento ao ter em consideração um valor que não podia ter sido levado em linha de conta, em desfavor das necessidades do menor, cuja alteração não foi submetida à apreciação deste Tribunal”, pelo que é nulo por excesso de pronúncia; e, - “[O] Tribunal começa por considerar que o valor pago a título de despesas com as explicações” é inteiramente suportado “pelo progenitor (…) mas, face àquela premissa, não se alcança a conclusão alvitrada por este Tribunal, quando decide retirar ao valor a pagar pelo Requerente (€ 666,66), o montante das despesas com as explicações que o pai paga directamente às instituições, que, conforme consignado pelo próprio Tribunal, é da exclusiva responsabilidade do progenitor”, pelo que o acórdão recorrido é também nulo por contradição entre os fundamentos e a decisão. A título preliminar, refira-se que estes vícios, determinantes da nulidade da sentença, se circunscrevem aos casos, respectivamente, em que o tribunal conhece de uma questão da qual não podia tomar conhecimento, por não ter sido suscitada pelas partes nem ser de conhecimento oficioso (cfr. arts. 615.º, n.º 1, alínea d), e 608.º, n.º 2, ambos do CPC) ou em que as premissas enunciadas na fundamentação da decisão conduzem a um resultado ou decisão logicamente oposto ao tomado, que se mostra contraditório com aquelas (cfr. art. 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC). Ora, no caso concreto, a recorrente não tem qualquer razão, como se passa a demonstrar: - No recurso de apelação foi colocada a questão “do valor da prestação de alimentos do menor DD” e a Relação, no seguimento da definição legal segundo a qual os alimentos englobam tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do alimentado menor (art. 2003.º, n.ºs 1 e 2, do CC), começou por determinar o valor total dos alimentos do menor DD, neles incluindo o valor das explicações por serem necessárias à instrução e educação, metodologia que não oferece qualquer reparo; - A Relação não podia alterar o segmento decisório, transitado em julgado, segundo o qual era o progenitor que pagaria directa e exclusivamente o custo de tais explicações aos ministrantes e, efectivamente não o fez, como a clareza da redacção do acórdão o confirma: «Atento o que fica exposto, chegamos à conclusão de que o DD necessita atualmente de cerca de € 1.000,00 (€ 440,00 + € 325,00 + € 235,00) mensais para o seu sustento. Importa então avaliar as possibilidades de cada um dos progenitores para se estabelecer a medida em que cada deve participar nesse encargo, tendo também presente que o DD vive com a mãe praticamente a tempo inteiro, estando com o pai apenas 5 ou 6 vezes por ano. (…) Neste quadro, considera-se que a situação económica e financeira do Requerente é, com alguma expressão, mais favorável do que a da Requerida, pelo que o mesmo deverá comparticipar numa maior proporção no sustento do seu filho, conforme o disposto no art.º 2004.º do C.Civil que determina que cada um dos progenitores contribua para esse sustento em razão das suas possibilidades, afigurando-se adequado, em função dos elementos referidos que o Requerente contribua em cerca de 2/3 das despesas do seu filho e a Requerente em cerca de 1/3. Assim sendo, levando em conta o valor de € 1.000,00 mensais necessários para o sustento do DD e tendo em conta aquela proporção, caberá ao pai suportar o valor de € 666,66 e à mãe € 333,33. Como nas despesas do DD está incluído o valor das despesas com as explicações que o pai paga diretamente, no montante de € 235,00, importa retirar esta quantia do montante de € 666,66 e chegamos assim ao valor de € 431,66. Arredondando este valor a que se chega temos como adequado em fixar em € 450,00 a pensão de alimentos que o Requerente deverá prestar mensalmente a favor do filho, sem prejuízo de continuar a suportar as despesas com a sua educação que já suporta atualmente e 50% das despesas de saúde extraordinárias, conforme decidiu o tribunal da 1ª instância». [negrito nosso] - Temos, pois, que a Relação não alterou o valor das despesas com as explicações do menor DD e o dever de o progenitor as suportar exclusivamente, nem desfavoreceu as necessidades do menor, pelo que não ocorreu qualquer excesso de pronúncia; e, - Também não chegou a uma decisão contrária às premissas que enunciou, visto que nestas o tribunal começou por determinar o valor global dos alimentos do menor: 1.000,00 euros, onde incluiu o custo das explicações no montante de 235,00 euros; depois, em face dos rendimentos de cada progenitor, responsabilizou-os no dever de os prestar nas proporções de 2/3 e 1/3, sendo 666,66 euros para o progenitor e 333,33 euros para a progenitora; por fim, subtraiu ao valor de 666,66 euros da responsabilidade do pai o valor das explicações de 235,00 euros; - Esta subtracção deve-se precisamente ao facto de este pagamento ter de ser feito pelo pai directamente às pessoas ou entidades que ministram as explicações, deduzindo-se assim ao valor dos alimentos a entregar à mãe. Deste modo, não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão. Conclui-se, assim, pela inexistência das invocadas nulidades do acórdão recorrido. 8. Passemos a apreciar a questão nuclear do presente recurso, qualificada pela recorrente como erro de julgamento “por inaplicabilidade do 2007.º, n.º 2, do Código Civil, no que respeita à retroactividade do valor dos alimentos que são devidos, à data da propositura da acção”. Impõem-se alguns esclarecimentos preliminares. 8.1. A sentença da 1.ª instância decidiu o seguinte: «O progenitor AA contribuirá com o pagamento mensal da quantia de 600,00€ a título de alimentos ao menor DD até ao dia 8 de cada mês, mediante depósito ou transferência bancária para conta da progenitora, a qual será devida a partir do dia 22 de março de 2019, sem prejuízo do disposto no art.º 2007.º, n.º 2 do Código Civil (...) 2 - O progenitor AA deixa de pagar as pensões de alimentos à sua filha CC desde que a mesma interrompeu os estudos (finais de março de 2019), sem prejuízo do disposto no art.º 2007.º, n.º 2 do Código Civil (...)». No recurso de apelação foi suscitada a questão da indevida aplicação do disposto no art. 2007.º, n.º 2, do Código Civil, tendo a Relação dado razão ao apelante e revogado a sentença nessa parte, essencialmente por entender que: - A norma do n.º 2 do art. 2007.º do CC respeita apenas aos alimentos provisórios e não aos alimentos definitivos; - Aplicar tal norma aos alimentos definitivos seria contraditório com o regime do art. 2006.º do mesmo Código, no qual, e segundo orientação comum da jurisprudência das Relações, está previsto o «entendimento de que os alimentos são devidos desde a propositura da ação, como prevê o art.º 2006. C.Civil, que sem fazer qualquer distinção se aplica no caso de uma alteração do valor dos alimentos quer seja no sentido do aumento dos alimentos fixados, quer no sentido da sua diminuição». Contra esta decisão, insurge-se a recorrente, pugnando pela repristinação da decisão de aplicar o preceito em causa, alegando que, “se é certo que o artigo 2007.º n.º 2 do Código Civil se reporta à restituição dos alimentos provisórios, também é certo que, como vimos reiteradamente a aludir, o artigo 987.º do Código de Processo Civil impõe que, neste tipo de processos, o Tribunal adopte a solução que julgue mais conveniente e oportuna. E no presente caso, a única solução que acautela, na sua plenitude, o superior interesse da criança (e, neste caso, dos dois filhos) é a aplicação daquela disposição. A não ser assim, coloca-se em causa um encontro de contas que se situa no valor de € 22.650,00”. Vejamos. Ainda que a questão recursória venha configurada, pela recorrente, como respeitando à aplicabilidade da norma do n.º 2 do art. 2007.º do Código Civil à decisão dos autos que fixou o novo valor da pensão de alimentos, considera-se que, não estando o tribunal vinculado à qualificação de direito feita pelas partes (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC), se encontra em aberto não apenas a dúvida acerca da aplicabilidade de tal norma mas também a dúvida acerca da interpretação do art. 2006.º do CC no sentido de abranger decisões, como a dos autos, de redução do valor da prestação de alimentos. Posto por outras palavras, entende-se que, sendo a interpretação da regra do n.º 2 do art. 2007.º do CC indissociável da interpretação do regime do art. 2006.º do mesmo Código, a reapreciação da aplicabilidade daquela primeira norma implica necessariamente a reapreciação da aplicabilidade da segunda. O que vale também a respeito dos efeitos da impugnação do recurso de apelação apresentado pelo requerente, no qual, tendo sido posto em causa a aplicabilidade, pela sentença de 1.ª instância, da norma do n.º 2 do art. 2007.º do CC relativa aos alimentos provisórios, implicou também a reapreciação da aplicação da regra do art. 2006.º do CC. Temos, pois, que, tanto no recurso de apelação do requerente, como no presente recurso de revista da requerida estava/está em causa apurar se a decisão de redução do valor dos alimentos definitivos produz ou não efeitos retroactivos. Além do mais, convém esclarecer que a questão recursória em causa convoca critérios de legalidade estrita, razão pela qual, como se referiu supra, é susceptível de ser sindicada por este Supremo Tribunal. Na verdade, se, como pretende a recorrente, a apreciação de tal questão, envolvesse critérios de oportunidade ou conveniência, então o Supremo Tribunal de Justiça dela não poderia conhecer, em razão do impedimento previsto no n.º 2 do art. 988.º do CPC. Temos, pois, que a questão da obrigação de restituição (de parte) dos alimentos recebidos após a propositura da acção será apreciada, mas não exclusivamente nos termos em que vem apresentada pela recorrente, nem pelo prisma dos interesses de oportunidade ou conveniência pela mesma invocados.
8.2. Estamos no âmbito de uma pretensão tendente a alterar uma decisão de alimentos definitivos transitada em julgado, com fundamento em circunstâncias supervenientes nos termos previstos no art. 2012.º do CC e consentidos pelo art. 619.º, n.º 2, do CPC. Se a pretensão de alteração ocorrer no decurso de execução dos alimentos já judicialmente fixados, aquela deverá ser deduzida por apenso ao processo de execução, nos termos do art. 936.º, n.º 1, do CPC. Se ocorrer quando não haja execução, a pretensão deverá ser deduzida por dependência da acção condenatória em que os alimentos foram fixados (art. 936.º, n.º 4, do CPC). Por sua vez, o art. 282.º, n.º 1, do CPC orienta-se no mesmo sentido, embora referindo-se a “renovação da instância”, o que, neste particular, se afigura algo incoerente, uma vez que, em qualquer dos casos, o pedido de alteração e cessação de alimentos introduz uma nova instância com os efeitos inerentes à sua propositura. Mas sobre estes efeitos nem do art. 2012.º do CC nem das normas processuais pertinentes resulta menção alguma quanto ao momento a partir do qual a decisão de alteração ou de cessação produzirá os seus efeitos. Considerando que a acção de alteração ou de cessação dos alimentos judicialmente fixados assume a natureza de uma acção constitutiva, conforme o caso, modificativa ou extintiva (art. 10.º, n.º 3, alínea c), do CPC), na falta de disposição em contrário, a respectiva sentença só produzirá efeitos ex nunc, sendo que a referência feita no art. 282.º, n.º 1, do CPC a “renovação da instância” não terá a virtualidade de subverter este entendimento. Posto isto, impõe-se apurar se o disposto no art. 2006.º do CC tem também aplicação às acções destinadas a alterar ou fazer cessar a obrigação de alimentos anteriormente judicialmente fixada. Sob a epígrafe “Desde quando são devidos”, prescreve o art. 2006.º do Código Civil: «Os alimentos são devidos desde a proposição da acção ou, estando já fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituiu em mora, sem prejuízo do disposto no artigo 2273.º» As razões justificativas para este regime encontram-se explanadas em Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1995, pág. 585): «A disposição distingue, para esse efeito, três situações típicas. A primeira é aquela, mais corrente de todas, em que a obrigação nasce ex novo, a requerimento judicial do carecido. Várias soluções poderiam naturalmente ser concebidas pelo legislador, como por exemplo a de considerar os alimentos devidos desde o momento da existência da situação de carência do autor, em rigorosa conformidade com a sua ratio essendi (cfr. Bianchi (...)), ou a de os ter como exigíveis a partir da data em que a decisão proferida transitasse em julgado, por só então o devedor poder tomá-la como certa no seu orçamento familiar, em face da certeza (judicial) da verificação dos seus pressupostos. O artigo 2006.º optou por uma terceira solução, uma espécie de caminho intermédio, que é a de considerar os alimentos devidos desde a data da proposição da acção, mesmo que a situação de carência remonte a data anterior. Entende-se, por um lado, que, comprovando-se em juízo a situação de carência do autor, o demandado de algum modo podia e devia contar com a sua obrigação de supri-la, desde a data em que soou a campainha de alarme que é a propositura da acção. Por outro lado, quanto ao período ou momentos de carência anteriores à propositura da acção (aos quais se refere o § 1613, 2, do Código alemão (...)), que podem ter criado encargos mais ou menos pesados para o desprovido de meios, falhando o dever de assistência conjugal ou o poder paternal, só através do esquema estadual da segurança social será possível acudir-lhes.» [negrito nosso] Verifica-se, assim, que a solução legal adoptada, ao constituir um desvio à regra da eficácia ex nunc das sentenças constitutivas, pretendeu consagrar uma solução mais favorável ao credor de alimentos. Cfr., neste sentido, J. P. Remédio Marques, Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores), 2.ª ed., Coimbra Editora, 2007, págs. 173 e segs.) Afigura-se que, no labor interpretativo do art. 2006.º do CC, não poderá deixar de se ter presente este ponto de partida. Com efeito, tanto pela letra do preceito (“Os alimentos são devidos desde a proposição da acção(...)”) como pelas razões aduzidas na anotação de Pires de Lima/Antunes Varela – que, como se sabe, em larga medida reflectem as razões justificativas do legislador histórico – constata-se que o problema da eficácia rectroactiva das decisões judiciais relativas a alimentos foi essencialmente equacionado na óptica das decisões que reconhecem ex novo o direito a uma prestação de alimentos e não na óptica daquelas decisões que alteram o valor dessa prestação. Com o passar do tempo, foi sendo ponderada a questão também relativamente às acções nas quais se peticiona a alteração da prestação de alimentos. Encontramos uma explanação sintética das soluções que foram sendo encontradas em Rute Teixeira Pedro, (anotação ao artigo 2006.º, Código Civil Anotado, Vol. II, coord. Ana Prata, Almedina, 2017, pág. 909) «(...) Por aplicação da presente norma, tem sido entendido pela jurisprudência portuguesa que também a decisão que aumente o montante dos alimentos já fixados, nos termos do art. 2012.º, produzirá efeitos a partir da data da propositura da ação em que o pedido de alteração é formulado. Assim, nesse caso, provada uma alteração de circunstância que importe a decisão de subida do montante de alimentos já fixado, o aumento que venha a ser apurado é devido considerando todo o período que se inicia com a propositura da ação, ainda que o seu pagamento seja exigível apenas com o trânsito em julgado da decisão sobre os alimentos. Nesse sentido deporá, por um lado, a necessidade alimentar do Autor que subjaz a tal pedido e, por outro lado, a cognoscibilidade pelo Réu da possibilidade de procedência de tal pedido. Não é líquida a resposta à questão da aplicabilidade de tal regra à hipótese de a ação de alteração de alimentos se destinar à redução dos mesmos. Poderia defender-se que, à luz do disposto no art. 2006.º e por argumento a contrario do n.º 2 do artigo 2007.º, que os alimentos pagos a mais, no intervalo de tempo entre o momento da propositura da ação e o momento do trânsito em julgado da decisão que reduza o seu montante, deveriam ser restituídos, à luz do enriquecimento sem causa, desde que se provassem os respetivos requisitos, nomeadamente a verificação de um enriquecimento atual. Contra tal aplicação poderá, no entanto, ser invocado um princípio geral de insuscetibilidade de restituição de alimentos já prestados que, segundo certa doutrina e jurisprudência, vigora no ordenamento jurídico português (...)». [negritos nossos] Em sentido próximo se pronuncia Maria João Vaz Tomé (anotação ao artigo 2006.º e do Código Civil, Código Civil Anotado, Livro IV – Direito da Família, Almedina, Coimbra, págs. 1066-1067). Antes de prosseguir, convirá fazer um ponto da situação sobre o caminho percorrido pela jurisprudência na delimitação do âmbito de aplicação do art. 2006.º do CC: (i) A atribuição de eficácia retroactiva às decisões que reconhecem ex novo o direito a alimentos constitui uma opção legislativa no sentido mais favorável à tutela do credor de alimentos; (ii) A interpretação do art. 2006.º no sentido de a atribuição de eficácia retroactiva abranger as decisões judiciais que alteram o valor da prestação de alimentos, aumentando-o, teve o mesmo intuito de protecção do credor de alimentos, sem considerar, porém, a relevante diferença resultante do facto de, nestes casos e diversamente das situações contempladas em (i), existir uma decisão judicial anterior; (iii) Por fim, a interpretação do art. 2006.º no sentido de a atribuição de eficácia retroactiva abranger também as decisões judiciais que alteram o valor da prestação de alimentos, reduzindo-o (orientação seguida no acórdão recorrido, assim como, entre outros, nos acórdãos da Relação de Lisboa de 19.02.2013, proc. n.º 4861/08.7TBSXL.L1-1, de 02.11.2017, proc. n.º 14683/16.6T8LSB.L1-2, e de 05.03.2020, proc. n.º 840/14.3T8FNC-C.L1-2, consultáveis em www.dgsi.pt) apresenta-se tão somente como um corolário lógico da orientação enunciada em (ii); corolário lógico, porém, que veio criar o problema novo de saber qual o tratamento jurídico a dar aos alimentos recebidos após a propositura da acção, cuja resolução poderá comprometer o objectivo de protecção do credor de alimentos. Afigura-se que foi precisamente a necessidade de resolver tal problema sem, contudo, afectar a tutela dos interesses do alimentando que levou a doutrina supra referida, assim como alguma jurisprudência das Relações[1] a equacionar a aplicação extensiva ou analógica do regime do art. 2007.º do CC, relativo aos alimentos provisórios, no qual se dispõe o seguinte: «1. Enquanto se não fixarem definitivamente os alimentos, pode o tribunal, a requerimento do alimentando, ou oficiosamente se este for menor, conceder alimentos provisórios, que serão taxados segundo o seu prudente arbítrio. 2. Não há lugar, em caso algum, à restituição dos alimentos provisórios recebidos.» Rute Teixeira Pedro retoma a questão da aplicabilidade do n.º 2 do art. 2007.º na anotação a este último preceito (ob. cit., pág. 911): «A propósito do nº 2 do art. 2007.º, surge a questão de saber se a regra da insuscetibilidade de restituição de alimentos se aplica apenas aos alimentos provisórios já recebidos pelo credor ou se também se aplica aos alimentos definitivos já pagos, dado que a citada norma apenas respeita aos primeiros e que inexiste norma que, no ordenamento jurídico português, cure da mesma questão quanto aos alimentos definitivos. Há quem entenda que a norma do art. 2007.º, n.º 2, é de natureza execional, aplicando-se apenas aos alimentos provisórios (...). Noutra perspetiva, o disposto no n.º 2 do art. 2007.º é o corolário de um princípio geral que se aplica a todas as prestações de alimentos – mesmo que os alimentos não sejam provisórios – já cumpridas no passado, ainda que, por uma qualquer razão, o cumprimento se venha a revelar indevido. À luz de tal princípio, se afastará, quanto a quaisquer alimentos já recebidos a aplicação das regras do enriquecimento sem causa que, atento o caráter subsidiário da correspondente obrigação de restituição (art. 474.º), só operam se o ordenamento não dispuser diversamente, o que acontecerá quanto a valores pagos a título de alimentos, se se entender que o n.º 2 do art. 2007.º é um afloramento do princípio geral de não restituição das prestações alimentares já cumpridas. (...)» (Rute Teixeira Pedro, anotação ao artigo 2007.º, ob. cit., pág. 911). [negrito nosso] Em sentido próximo se pronuncia Maria João Vaz Tomé (anotação ao art. 2007.º do Código Civil, ob.cit., pág. 1070). Quid iuris? Acerca da regra do n.º 2 do art. 2007.º do CC, afirmam Pires de Lima /Antunes Varela (ob. cit., pág. 588): «O segundo traço característico deste meio instrumental posto ao serviço de obrigação alimentícia, que são os alimentos provisórios, está no n.º 2 do artigo 2007.º Aí se prescreve, em termos categóricos, que não há lugar, em caso algum, à restituição dos alimentos provisórios recebidos. Ainda que a acção principal improceda, não haverá, por força desta disposição substantiva, a obrigação de restituir ao demandado ou seus sucessores a importância das pensões recebidas. A disposição excepcional pode, à primeira vista, causar alguma estranheza, atento precisamente o carácter muito precário da prova exigida nos procedimentos cautelares. Mas três razões a podem justificar. Em primeiro lugar, pretende-se manifestamente evitar que o receio da devolução obrigatória das quantias recebidas possa servir de travão ao requerimento dos alimentos provisórios em situações de real necessidade. Em segundo lugar, é intuito da lei afastar ainda, em economias de relativa modéstia como em regra serão aquelas que vêm a juízo requerer alimentos provisórios, as graves dificuldades que nelas provocaria o encargo de restituir, de uma só vez, o montante de todas as prestações recebidas, quando a causa principal viesse a naufragar. Em terceiro lugar, confia-se naturalmente na possibilidade que o julgador sempre tem de repelir as pretensões de mais flagrante injustiça, se estiver devidamente atento, nos próprios procedimentos cautelares, aos indícios, aos simples vestígios ou aos puros começos de prova, que as partes tragam em juízo.» [negritos nossos] Bastará esta explanação de Pires de Lima/Antunes Varela para se confirmar que as razões justificativas para o regime do n.º 2 do art. 2007.º do CC radicam na própria natureza provisória da decisão em causa, bem como na sua inerente dependência em relação à decisão definitiva (cfr. arts. 364.º, 371.º e 373.º do CPC). Ora, por definição, tais razões justificativas, não valem quanto a decisões, como aquela que foi proferida no acórdão recorrido, sobre alimentos definitivos, sendo forçoso concluir que a solução para a questão que nos ocupa não passa pela aplicação, extensiva ou analógica, da regra do n.º 2 do art. 2007.º do CC, antes tem de ser procurada a partir do regime relativo aos alimentos definitivos, isto é, a partir do disposto na regra do art. 2006.º do mesmo Código, que aqui transcrevemos novamente: «Os alimentos são devidos desde a proposição da acção ou, estando já fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituiu em mora, sem prejuízo do disposto no artigo 2273.º» Regressamos, pois, ao ponto de partida. Como vimos, a orientação de atribuição de eficácia retroactiva às decisões que reduzam o valor dos alimentos constituiu apenas um corolário lógico da interpretação do art. 2006.º do CC no sentido de este regime se aplicar, não apenas às decisões que reconhecem ex novo o direito a alimentos, mas também às decisões que aumentam o valor dos alimentos. Por exceder o objecto do presente recurso, não cabe aqui tomar posição acerca da correcção desta última interpretação, ainda que se assinale carecer a mesma de uma melhor sustentação em face de, em tais casos, existir uma decisão judicial anterior, diversamente do que ocorre nas acções destinadas à fixação dos alimentos ex novo. Com efeito, tal interpretação implica, de certo modo, uma restrição temporal ao caso julgado material anteriormente formado, com base numa circunstância aleatória como é a data da propositura da nova acção, sem a consistência da decisão que vier a ser proferida. Cabendo tomar posição acerca da aplicação do regime do art. 2006.º do CC às decisões, como a proferida pelo tribunal a quo, que reduzem o valor dos alimentos, entende-se que tal aplicação apenas será admissível se for compatível com a natureza e finalidade próprias da obrigação de alimentos. Aqui chegados, afigura-se que, dada a natureza assistencial da obrigação de alimentos, com a inerente finalidade de “proporcionar ao alimentando a possibilidade de viver com autonomia e dignidade” (Maria João Vaz Tomé, anotação ao artigo 2003.º do Código Civil, ob. cit., pág. 1057), é indubitável que os alimentos se destinam a ser consumidos por quem deles carece. Atribuir eficácia retroactiva à decisão judicial que reduza o valor da prestação de alimentos e, concomitantemente, obrigar a restituir parte dos alimentos recebidos e, em regra, já consumidos, conduziria afinal a pôr em risco o sustento do alimentando e, por isso, subverteria a finalidade última da obrigação de alimentos. Reconhece-se, assim, que a natureza e a finalidade da obrigação de alimentos implicam a aceitação de um princípio geral de não restituição dos alimentos recebidos (defendido, entre outros, por L.P. Moitinho de Almeida, «Os alimentos no Código Civil 1966», in Revista da Ordem dos Advogados, 1968, págs. 104 e segs.), do qual o regime do n.º 2 do art. 2007.º do CC constitui manifestação, e – para o que ora importa – em função do qual deve ser interpretada a norma do art. 2006.º do mesmo Código, a qual, aliás, e como se afirmou supra, corresponde a uma opção legislativa que, na sua origem, de dirigia a tutelar o credor de alimentos. Atendendo ao princípio da estabilidade relativa do caso julgado, associado à continuidade da realização da prestação alimentar fixada, assim como ao objectivo de protecção do alimentando visado pelo art. 2006.º do CC, entende-se não poder ser este interpretado no sentido de abranger – atribuindo-lhes eficácia retroactiva à data da propositura da acção – as decisões judiciais que reduzam o valor da prestação de alimentos.
8.3. Contudo, independentemente da interpretação do art. 2006.º do CC aqui propugnada, afigura-se que, numa situação com os contornos da situação sub judice, sempre seria de rejeitar que houvesse lugar à restituição de (parte) dos alimentos recebidos Vejamos porquê. Recorde-se que, na lição de Pires de Lima/Antunes Varela, supra convocada, o efeito rectroactivo, previsto no art. 2006.º do CC para as obrigações de alimentos declaradas ex novo, assenta no pressuposto de que, com a propositura da acção, a pretensão do demandante se tornou conhecida ou cognoscível do demandado, não podendo, consequentemente, este último deixar de contar com a possibilidade de uma decisão de procedência. No sentido de a cognoscibilidade, pelo demandado, do pedido de alteração dos alimentos assumir relevância determinante, se manifestou, entre outros, Vaz Serra, ainda na vigência do Código de Seabra (anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1963, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 96.º, 1964, pág. 363). A esta posição, subjaz o entendimento – a nosso ver muito discutível – de que, com o conhecimento ou cognoscibilidade da pretensão deduzida em juízo, caberá ao demandado o ónus de tomar as providências adequadas à possibilidade de a pretensão ser julgada procedente. Constata-se que em acções, como a presente, dirigidas à redução do valor da prestação de alimentos, poderá suceder que tal entendimento tenha, em si mesmo, consequências inaceitáveis porque (ainda mais) gravemente desrespeitadoras da natureza e finalidade da obrigação de alimentos. No caso dos autos, verifica-se que: - Por acordo de regulação das responsabilidades parentais relativo aos filhos comuns do requerente e da requerida, celebrado em 2013 e homologado por sentença judicial, o requerente ficou obrigado a pagar mensalmente à requerida a quantia de 1.800 euros, (ficando ainda estipulado que as despesas escolares e as explicações do menor DD seriam suportadas pelo requerente, que faria o pagamento directamente às respectivas instituições, e ainda que as despesas de saúde extraordinárias e não comparticipadas seriam divididas em partes iguais por ambos os progenitores); - Na presente acção, o requerente peticionou que a pensão de alimentos devida à filha maior CC fosse reduzida de 900 euros para 200 euros e lhe fosse entregue directamente, e que a pensão de alimentos devida ao filho menor DD cessasse ou, assim não se entendendo, fosse fixada em 250 euros, e as despesas de saúde e de educação fossem pagas em partes iguais; - O acórdão da Relação decidiu: o Manter a decisão da 1.ª instância de cessar a pensão de alimentos devida à filha CC, desde finais de Março de 2019, sem prejuízo de ser reiniciada, no montante de 200 euros, logo que a filha retomasse a pós-graduação ou outra actividade similar e, então, acrescida do pagamento das prestações escolares devidas; e, o Fixar a pensão de alimentos devida ao filho DD em 450 euros, mantendo a decisão da sentença, de acordo com a qual tal pensão será acrescida do pagamento das despesas escolares e de metade das despesas de saúde extraordinárias e não comparticipadas, quantificadas em 235 euros. Ora, à interpretação do art. 2006.º do CC, adoptada no acórdão recorrido, segundo a qual esta norma se aplica a todas as decisões judiciais relativas a alimentos definitivos, incluindo as decisões de redução do valor da prestação de alimentos, estaria subjacente o entendimento de que o conhecimento, ou cognoscibilidade, da pretensão deduzida em juízo implicaria que a aqui requerida configurasse a possibilidade de procedência do pedido de redução e, de imediato, actuasse em conformidade. Uma vez que o pedido formulado pelo requerente foi no sentido de uma redução do valor dos alimentos em maior medida do que aquela que veio a ser decidida pela Relação, a tomada de providências adequadas à pretendida redução teria afinal uma elevada probabilidade de colocar em risco a satisfação das necessidades de sustento dos credores de alimentos, e, em particular, as necessidades de sustento (e educação) do filho menor de ambos, requerente e requerida. Tal consequência negativa contrariaria frontalmente a razão de ser da obrigação de alimentos, sendo, por isso, também por esta razão, e para além da interpretação do art. 2006.º do CC em conformidade com o princípio geral de não restituição dos alimentos recebidos, de rejeitar que se atribua eficácia retroactiva à decisão dos autos que reduziu o valor dos alimentos definitivos. 9. Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, determinando-se que, não sendo de atribuir eficácia retroactiva à decisão que reduziu o valor da prestação de alimentos, não está a requerida obrigada a restituir o valor de alimentos recebidos após a propositura da presente acção. Custas pela recorrente e pelo recorrido, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente. Lisboa, 17 de Junho de 2021 Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade das Exmas. Senhoras Conselheiras Maria Rosa Tching e Catarina Serra que compõem este colectivo.
Maria da Graça Trigo (relatora) _________ [1] Tanto quanto foi possível apurar, o Supremo Tribunal de Justiça não foi, até à data, chamado a pronunciar-se directamente sobre a questão em causa. Assinale-se, em particular, que, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2009, publicado no Diário da República, I.ª Série, de 5 de Agosto de 2009 – respeitante ao momento do nascimento da obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor – entendeu o Pleno das Secções Cíveis que a solução não passava pela aplicação do regime do art. 2006.º do CC. |