Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
156/21.9T8OLR.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: TUTELA DA PERSONALIDADE
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
AMEAÇA
ILICITUDE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
CONHECIMENTO OFICIOSO
DILIGÊNCIA DE INSTRUÇÃO
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS HUMANOS
DIREITO INTERNACIONAL
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
DIREITO AO BOM NOME
DIREITO A HONRA
OFENSA DO CRÉDITO OU DO BOM NOME
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DIREITO DE CRÍTICA
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
LIBERDADE DE IMPRENSA
Data do Acordão: 06/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - O processo especial de tutela da personalidade, que vinha regulado nos arts. 1474.º e 1475.º do CPC de 1961, deslocou-se, com o CPC vigente (arts. 878.º ss.), do âmbito dos processos de jurisdição voluntária para os processos de jurisdição contenciosa.

II - Se na modalidade que se aproxima do procedimento cautelar (que visa “evitar a consumação de qualquer ameaça ilícita” - 1.ª parte do art. 878.º do CPC), cabe ao autor alegar e provar o perigo de ilícito, já na modalidade que visa “atenuar” ou “fazer cessar, os efeitos da ofensa já cometida” (2.ª parte do art. 878.º do CPC), cabe ao autor alegar e provar a ofensa directa e ilícita.

III - Não tem o tribunal de, oficiosamente (ao abrigo do princípio do inquisitório), levar a cabo diligências probatórias adicionais com vista ao “apuramento da verdade e à justa composição do litígio” - pelo que muito dificilmente se pode assacar responsabilidades ao tribunal por não ter requerido diligências de prova de factos que estão alocados ao ónus de prova dos autores.

IV - Os juízes nacionais estão vinculados à CEDH e em diálogo e cooperação com o TEDH; vinculados porque aquela Convenção, ratificada e publicada, constitui direito interno que deve, como tal, ser interpretada e aplicada, primando, nos termos constitucionais, sobre a lei interna; e vinculados também porque devem considerar as referências metodológicas e interpretativas e a jurisprudência do TEDH, enquanto instância própria de regulação convencional,

V - Relativamente à liberdade de expressão, são os seguintes os critérios interpretativos que têm vindo a ser adoptados pelo TEDH: i) a liberdade de expressão é um fundamento essencial de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso e do direito de manifestação de cada um; ii) a liberdade de expressão vale não somente para as informações ou ideias favoráveis, inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ofendem, chocam ou inquietam; iii) os limites da crítica aceitável são mais largos no caso de um político, ou de uma personalidade pública, em relação a um cidadão comum (pelo que, no âmbito do discurso político ou de questões de interesse geral» há pouco espaço para as restrições à liberdade de expressão, sobretudo quando não há apelo à violência, ao ódio e à intolerância).

VI - Atendendo a que o direito ao bom nome e à reputação não gozam de garantia autónoma por parte da CEDH, o processo decisório, em caso de conflito de tais direitos com o direito à liberdade de expressão, deverá centrar-se em controlar se a ingerência, enquanto restrição à liberdade de expressão, encontra razão justificativa pelos critérios fixados no n.º 2 do art. 10.º. Sendo que de acordo com esta perspectiva, tão-só são admitidas restrições ao exercício da liberdade de expressão que constituam providências necessárias numa sociedade democrática, à realização da proteção da honra ou dos direitos de outrem.

VII - A metodologia a adoptar pelos tribunais nacionais (que se encontram sujeitos à autoridade interpretativa do TEDH) na análise do caso concreto, passará por formular um juízo de prognose sobre a interpretação que certa norma convencional provavelmente irá merecer se o caso for ulteriormente colocado ao TEDH, partindo, na medida do possível, de uma análise da jurisprudência mais recente e actualizada desse órgão jurisdicional internacional, proferida a propósito de situação materialmente equiparável à dos autos.

VIII - A expressão de juízos de valor - cuja prova da sua veracidade é, naturalisticamente, impossível, apenas se exigindo ao seu autor a demonstração de que os mesmos assentam em alguma “base de facto suficiente” -, embora desagradáveis, sarcásticos e claramente ofensivos da honra e bom nome do visado, usados enquanto manifestação de desagrado quanto às suas ideias e modo de actuação na esfera pública, inserida num contexto de disputa eleitoral, na qual ele era candidato, não ultrapassam a fronteira do permitido, encontrando-se cobertas pela liberdade de expressão desde que provada aquela “base de facto suficiente”.

IX - Em igual contexto, quando a ofensa ao bom nome e reputação opere através da imputação de factos - não incumbindo sobre o réu um especial dever de indagação dos factos -, mesmo que não sejam inteiramente verdadeiros, sendo-o, porém, na sua substância, com alguma margem de erro, desde que desculpável, encontram-se abrangidos por causa de exclusão da ilicitude,

X - Em suma: a circunstância de as publicações do réu visarem os autores na qualidade de candidatos políticos, no contexto de uma campanha eleitoral, e de, referindo-se a matérias de interesse público, apresentarem uma base factual suficiente que permite excluir a gratuitidade dos ataques, leva a concluir, de acordo com o diálogo interjurisdicional efectuado com base nos critérios decisórios perfilhados pelo TEDH na matéria, não ser necessária, sob a óptica de uma sociedade democrática, a restrição do direito de liberdade de expressão do réu.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível



I – RELATÓRIO


AA, BB e CC,

intentaram Acção Especial de Tutela da Personalidade, contra DD.


Alegaram, em síntese, que, no decurso da passada campanha eleitoral para os órgãos autárquicos na área do Concelho ... e até ao presente, o Réu tem vindo a fazer diversas publicações na sua página da rede social Facebook, cujo acesso é público, com o propósito de denegrir a imagem dos Autores e de atingir estes na honra, consideração e respeitabilidade.

Pediram que, declarada a acção procedente, devesse o tribunal:

I. Reconhecer a ilicitude das ofensas ao direito à honra, à consideração, respeitabilidade e imagem dos Requerentes descritas na presente acção, que resultam dos escritos e da acção do Requerido, melhor descritos supra.

II. Condenar o Requerido a emitir uma declaração, escrita, de retratação pública, a ser publicada nos mesmos meios onde proferiu e escreveu os escritos supra referenciados, ofensivos dos direitos de personalidade dos Requerentes, no prazo de 5 dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória, com a sanção pecuniária compulsória de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso no seu cumprimento.

II. Condenar o Requerido a eliminar todas as publicações referidas na presente acção e, bem assim, as que venha posteriormente a publicar referentes aos Requerentes, que ofendem o direito à honra, à consideração, respeitabilidade e imagem dos Requerentes, no prazo de 5 dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória, com a sanção pecuniária compulsória de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso no seu cumprimento.

III. Condenar o Requerido a abster-se de proferir ou divulgar, no futuro, declarações ou publicações, escritas ou orais, de conteúdo idêntico às declarações ofensivas do bom nome, consideração e respeitabilidade dos Requerentes na presente acção, com a sanção pecuniária compulsória de € 10.000,00 por cada infração.

V.   Condenar o Requerido a diligenciar pela publicação da sentença condenatória no prazo de 5 dias após o seu trânsito em julgado, com a sanção pecuniária compulsória de € 50,00 por cada dia de atraso no seu cumprimento.


Atento ao disposto no artigo 879.º, n.º 5 do CPC, mais requereram que fossem, desde já,  apreciadas as provas que resultam do requerimento – no caso, as transcrições retiradas do perfil do Facebook de DD, ainda que, caso se mostre necessário, seja consultado este perfil, que é público e, seguidamente, em face dessas provas, proferida uma decisão provisória que reconheça a lesão em curso e a continuação desta (eminente, continuada e pública), da personalidade moral dos Autores, condenando-se o Réu, ainda que provisoriamente, nos pedidos formulados, tudo com as legais consequências.


**


Produzida a prova oferecida pelos autores, a 15-11-2021 foi proferida a seguinte

DECISÃO PROVISÓRIA:

“V. DECISÃO

Face ao exposto, ao abrigo do disposto nos artigos 878.º e 879.º, n.º 5, ambos do Código de Processo Civil, decide-se julgar parcialmente procedente esta acção e, em consequência, decide-se, provisoriamente:

A) Reconhecer a consumação, pelo Réu, DD, de ofensa à personalidade moral, concretamente, à honra e ao bom nome, dos Autores, AA, BB e CC;

B) Condenar o Réu, DD, a emitir uma declaração escrita de retractação, a ser publicada através do mesmo meio pelo qual efectuou as publicações referidas no elenco da factualidade provada (publicação na rede social Facebook), no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado da decisão proferida nestes autos que eventualmente confirme esta condenação (nos termos do disposto no artigo 879.º, n.º 5, do Código de Processo Civil), mais se condenando o Réu na sanção pecuniária compulsória de 50,00 (cinquenta euros), por cada dia de atraso no respectivo cumprimento;

C) Condenar o Réu, DD, a eliminar todas as publicações referidas no elenco da factualidade provada, no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado da decisão proferida nestes autos que eventualmente confirme esta condenação (nos termos do disposto no artigo 879.º, n.º 5, do Código de Processo Civil), mais se condenando o Réu na sanção pecuniária compulsória de 50,00 (cinquenta euros), por cada dia de atraso no respectivo cumprimento;

D) Condenar o Réu, DD, a publicar o dispositivo da presente decisão, caso este venha a ser confirmado (nos termos do disposto no artigo 879.º, n.º 5, do Código de Processo Civil), através do mesmo meio pelo qual efectuou as publicações referidas no elenco da factualidade provada (publicação na rede social Facebook), no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado da decisão proferida nestes autos que eventualmente confirme esta condenação (nos termos do disposto no artigo 879.º, n.º 5 do Código de Processo Civil), mais se condenando o Réu na sanção pecuniária compulsória de 50,00 (cinquenta euros), por cada dia de atraso no respectivo cumprimento;

E) Condenar o Réu, DD, a abster-se de proferir ou divulgar, no futuro, a contar do trânsito da presente decisão, declarações escritas, de conteúdo análogo ao das publicações referidas no elenco da factualidade provada (ofensivas da honra e do bom nome do Autores, AA, BB e CC), mais se condenando o Réu na sanção pecuniária compulsória de 1.000,00 (mil euros), por cada infracção.”


Citado o Réu, veio deduzir CONTESTAÇÃO, invocando, em síntese, que as expressões proferidas se enquadram no âmbito da liberdade de expressão.


*


Realizada audiência final, foi proferida SENTENÇA que culmina com o seguinte dispositivo:

“ Por todo o exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência:

a) Reconhece-se a consumação pelo Réu, DD, de ofensa à personalidade moral, concretamente, ao bom nome, honra e reputação do Autor AA, no que diz respeito às publicações referidas no facto provado n.º 38., do Autor BB, no que diz respeito à publicação referida no facto provado n.º 44., e do Autor CC, no que diz respeito às publicações referidas nos factos provados n.ºs 49., 51., 54., 57. e 60.

b) Condena-se o Réu DD a eliminar as publicações supra referidas na alínea a) do presente dispositivo, no prazo de 5 dias após o trânsito em julgado da presente sentença, com a sanção pecuniária compulsória de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso no seu cumprimento.

c) Condena-se o Réu DD a emitir uma declaração escrita de retratação, a ser publicada através do mesmo meio pela qual efetuou as publicações referidas na alínea a) do presente dispositivo, na rede social Facebook, no prazo de 5 dias após o trânsito em julgado da presente sentença, com a sanção pecuniária compulsória de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso no seu cumprimento.

d) Condena-se o Réu DD a abster-se de proferir ou divulgar, no futuro, declarações escritas, de conteúdo análogo ao das publicações referidas na alínea a) do presente dispositivo, mais se condenando o Réu na sanção pecuniária compulsória de € 500,00 (quinhentos euros) por cada infração.

e) Absolve-se o Réu do demais peticionado.”.


Inconformado com tal decisão, o Réu interpõe recurso de Apelação, vindo a Relação de Coimbra, em acórdão, a julgar a Apelação totalmente procedente, revogando a sentença recorrida e absolvendo o réu da totalidade dos pedidos contra si formulados.”.


**


Por sua vez inconformados, vêm os Autores/recorridos CC, BB e AA, interpor recurso de revista, apresentando alegações que rematam com as seguintes


CONCLUSÕES

 A. É entendimento dos Recorrentes que o acórdão recorrido interpretou incorretamente o quadro legal aplicável, designadamente no que concerne ao confronto que faz entre o que é o direito à “liberdade de expressão”, “o entendimento que o TEDH tem deste direito à Liberdade de Expressão”, com o que considera ser “o direito à honra, consideração e respeitabilidade, previstos e protegidos no nosso ordenamento jurídico.

B.  De facto, o Acórdão Recorrido veio a considerar o recurso procedente por, genericamente, ter entendido que na situação em apreço se verificava a “exclusão da ilicitude”, sumariando a seguinte matéria:

i. “De acordo com a orientação estabelecida pelo TEDH e a que os tribunais se encontram vinculados, as condicionantes à liberdade de expressão e de imprensa devem ser objeto de uma interpretação restritiva ea sua necessidade deve ser estabelecida de forma convincente”.

ii. “As figuras públicas ou pessoas que exerçam cargos públicos encontrar-se-ão mais sujeitas à exposição e às críticas, impondo-se uma maior tolerância no espaço de debate quanto às suas ações, posições, ou quanto à sua pessoa atuante no espaço publico”

iii. “A expressão de juízos de valor, embora desagradáveis, sarcásticos e claramente ofensivos da honra e bom nome do visado, usados enquanto manifestação de desagrado quanto às suas ideias e modo de atuação na esfera publica, inserida num contexto de disputa eleitoral, na qual ele era candidato, não ultrapassam a fronteira do permitido, encontrando-se cobertas pela liberdade de expressão”

iv. “Em igual contexto, quando a ofensa ao bom nome e reputação opere através da imputação de factos – não incumbindo sobre o réu um especial dever de indagação dos factos –, mesmo que estes não sejam inteiramente verdadeiros, desde que o sejam na sua substância, com alguma margem de erro, desde que desculpável, encontram-se abrangidos por causa de exclusão da ilicitude”

C.     Para chegar a estas conclusões, resulta do acórdão recorrido um percurso argumentativo que coloca em confronto o conceito de liberdade de expressão, com o entendimento que o TEDH tem desta Liberdade de Expressão, com o que vem sendo entendido como o direito à honra, consideração e respeitabilidade; e com fundamento no que considera ser uma base factual sólida que excluí a ilicitude de tais publicações, dá prevalência ao direito de liberdade de expressão em detrimento daqueles direitos.

D.     Os Recorrentes discordam deste entendimento porque, conforme resulta de forma clara dos autos, em causa estão ofensas gratuitas, desproporcionais e desproporcionadas; que apesar dos visados serem candidatos autárquicos, tais publicações não se inserem no que é a correspondência com o interesse geral.

E.    O entendimento sufragado pelo Acórdão recorrido leva ao extremo a interpretação do conceito de “liberdade de expressão”, ao sufragar um entendimento permissivo e perigoso, que leva ao extremo aquela direito apesar do Recorrido não ser “interlocutor político - no sentido de não ter sido candidato ou sequer eleitor em ... – e de nunca, em momento algum, ter existido  resposta a qualquer das publicações colocadas em referencia – que ainda assim lhe é permitido fazer as publicações que faz, porquanto não incumbia sobre o réu um especial dever de indagação dos factos, permitindo-se que este, no exercício daquele pretenso direito, publique factos e juízos de valor, que nas palavras utilizadas pelo acórdão, não são inteiramente verdadeiros, mas tem na sua substância alguma margem de erro desculpável”.

F. No que especificamente se refere às regras do ónus da prova, importa que se atenda quer à natureza do processo de tutela da personalidade e às características deste processo e o processo especial de tutela da personalidade previsto no Artigo 878º e seguintes do CPC não tem como requisito de procedência ou pressuposto a prova da existência de danos, tão pouco quais são esses danos, mas apenas de factos demonstrativos de perigo de ilícito.

G.    Por isso, se considera que é excessivo e merecedor de censura o entendimento que resulta do acórdão que, no fundo, incumbia aos Autores, ora Recorrentes, prognosticar a defesa que será apresentada pelo Réu, ora Recorrido; e, ainda, que sobre estes autores impele o ónus de alegar e invocar factos que infirmem a defesa que este venha a apresentar (e que estes não conhecem quanto intentam a ação)

H.    Na situação em apreço os factos demonstrativos de perigo de ilícito são as próprias publicações efetuadas pelo Recorrido que, conforme adiante se concretizará e se fez notar, são despropositadas, descabidas, infundadas e imputam e referem factos totalmente falsos, para mais porque, conforme se notou anteriormente, nem sequer resultam de um qualquer diálogo que haja sido estabelecido como o Recorrido por qualquer dos Recorrentes (ou, sequer, que no decurso da campanha eleitoral se tivesse suscitado qualquer controvérsia nas redes sociais que, por exemplo, “legitimassem” esta publicação).

I. Bem sabem os Recorrentes que no domínio dos processos da tutela da personalidade, o Tribunal está vinculado aos princípios do inquisitório e da equidade, atento a que, pelas especificidades do processo, pode mesmo vir a determinar soluções que considere mais convenientes e oportunas para a resolução do caso concreto (Cfr artigos 878º e 879º do CPC).

J. Especificamente no que concerne ao princípio do Inquisitório, vem sendo entendido que este se consuma na Incumbência do juiz realizar ou ordenar mesmo oficiosamente, toda as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”; não se está perante um poder de exercício discricionário por parte do juiz, mas perante um poder-dever que se lhe impõe com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, que se aplica tanto ao nível da primeira instância, como da Relação.

K. Coloca-se em apreço esta questão porque, atento o que consta do acórdão, parece que aos Autores, parece que aos Recorrentes se impunham especiais deveres de alegação de factos que não cumpriram; ou melhor, que se lhes impunha um juízo de prognose quanto àquela que seria a defesa / contestação do Réu e definirem ou esclarecerem os aspetos ou factos que resultariam desta e que não o tendo feito que, no fundo “ se colocaram a jeito” para que o Tribunal viesse a entender, como de facto veio a entender, que o Réu “poderia reputar esses factos como verdadeiros”.

L. A este respeito, atenda-se, por exemplo, que contrariamente aos que se extrai do acórdão, o Recorrente AA, em sede de Petição Inicial (Vide artigos 47º e seguintes) referiu o contexto em que se demitiu de membro da Direcção da Associação dos Bombeiros Voluntários de ..., quando referiu, cmo referiu, referiu, que “essa demissão se deveru, sobretudo, com o desconforto que sentia (que manifestou e referiu em locais próprios), de diversos dos membros dos órgãos sociais desta instituição estarem a realizar negócios com a instituição de que eram membros da direção; e, ainda, de haver necessidade de existir uma clarificação destes negócios”.

M. No mais, este Recorrente, como se impunha, invocou que as imputações e  juízos que resultam das publicações do Recorrido são falsos (e são ofensivos da honra, consideração e respeitabilidade dos Autores, como o seria de qualquer pessoa de bem)

N.    E se alguma dúvida se suscitasse – como parece suscitar-se no que se extrai do acórdão sob censura - acerca das insinuações e alegações do Réu em sede de audiência de julgamento, ou do que foi referido por qualquer das testemunhas, por confronto com o que se referiu em sede de Petição Inicial, impunha-se que fossem determinadas outras diligencias de prova, designadamente a reinquirição do ou dos autores ou até que a companhia de seguros viesse esclarecer cada uma daquelas comunicações que se colocaram em apreço .

O.    Decerto que aquelas diligencias se impunham para a conclusão a que Chegaram os Exmos Desembargadores teriam permitido concluir-se que sendo este Recorrente um mediador de seguros, que os pagamentos à Companhia de Seguros são efetuados periodicamente, por atacado (conjunto de viaturas cujas apólices se venceram naquele período); que o seguro que a Associação dos Bombeiros Voluntários tinha subscrito era um frota (conjunto de viaturas), o seguro daquela viatura, por ter sido adquirida maisrecentemente, foi inicialmente incluída numa apólice autónoma e não naquele seguro de frota.

P.     De igual modo, no tocante ao Autor BB, caso se tivesse presente o princípio do inquisitório, ter-se-ia verificado que contrariamente ao que refere o acórdão Recorrido e ao que resulta das publicações, este sempre votou contra a obra das “devesas altas” pelo volume de recursos que a obra consumia e por entender que o concelho deveria ter outras prioridades; que esta posição resulta exposta em diversas atas, de consulta publica; e que a votação a que o Recorrido se refere para o qualificar com de “mentiroso” (entre outros epítetos) não se refere à obra em si, mas sim à escolha da empreiteira em resultado do concurso público realizado pelos serviços da autarquia.

Q. E no tocante ao Autor CC a censura é ainda maior, pois bastaria atender às declarações prestadas pela testemunha do Recorrido, no caso a testemunha EE, ... da Câmara Municipal, para se verificar que a filha deste Autor foi admitida como funcionária da Autarquia porque ficou em primeiro lugar num concurso público que teve inúmeros outros concorrentes e que o filho deste Autor se limitou a fazer um estágio curricular, previsto no próprio plano de estudos.

R. Ou seja, não se pode concluir, como se concluiu no Acórdão recorrido, que existisse uma base factual que excluísse a ilicitude de tais publicações, quando para fundamentar esta base factual se atende unicamente às declarações prestadas pelo Recorrido e quando o invocado princípio do inquisitório impunha uma análise critica, que os Exmos Desembargadores não tiveram.

S. Para que aqueles factos pudessem ser considerados como de “base fatual sólida”, impunha-se a realização de outras diligencias probatórias e não o tendo feito e tendo aqueles factos sido considerados base fatual sólida, o acórdão recorrido merece a censura e os reparos que lhe vão assacados.

T.    Merece, ainda, censura a concussão, que se extrai do acórdão recorrido, que densidade dos direitos colocados em apreço permitem concluir pela supremacia do direito de liberdade de expressão do Recorrido a fazer as publicações que fez, porque essas publicações sacrificam de forma não legítima o direito ao bom-nome e reputação dos Recorrentes.

U.   Apesar de no debate político ser admissível o emprego de uma linguagem mais agressiva, exagerada e até excessiva, essa permissividade tem um âmbito subjetivo atinente aos protagonistas da discussão política e não as de terceiros não assumem tal estatuto de interlocutores políticos, como aliás, resulta claro do entendimento sufragado no Acórdão proferido no âmbito do processo 8777/21....

V.     Conforme notado supra, o Recorrido não foi interlocutor político nas eleições autárquicas em apreço, no sentido que não foi candidato, tão pouco era eleitor do concelho em causa. Para além disso, conforme também notado, inexistiu qualquer controvérsia em termos de redes sociais (designadamente no Facebok ou qualquer outra) que legitimassem quaisquer publicações da índole das que estão em apreço nos autos.

W.   E não sendo o Recorrido ator político - no sentido que não foi candidato e nem sequer era eleitor do Município em apreço – as circunstâncias concretas por si invocadas em sede de Contestação e recurso não podem permitir o sacrifício pleno dos direitos dos Recorrentes (honra, consideração, respeitabilidade) por confronto com o seu direito à liberdade de expressão.

X.   De outro modo, o Recorrido para o exercício daquele seu direito de liberdade de expressão não carecia, em absoluto, da formulação dos juízos ofensivos que formulou!

Y.    E, por isso, não se pode concluir, como se extrai do acórdão que se coloca sob censura, que se está em causa o debate político próprio de cidadãos livres; O que está em causa não é o debate político, mas “a ofensa pela ofensa”, sem qualquer suporte na dignidade, verticalidade ou educação que devem ser apanágio de qualquer debate, seja este qual seja.

Z.   Por isso se refere, como o fazem os Recorrentes, que qualquer liberdade de expressão, designadamente o direito invocado pelo Recorrido, não se pode (nem deve) sobrepor à honra, consideração e respeitabilidade dos Recorrentes, tão pouco as publicações realizadas são compagináveis com o exercício legítimo daquela invocada liberdade de expressão.

AA.   A apreciação que resulta do Acórdão sob censura acerca do que será um conflito de direitos, também merece os maiores reparos, atento aqueles que são os três pressupostos que permitem derimir este conflito, a saber: (i) a pluralidade de direitos; (ii) a sua pertença a diferentes titulares; e (iii) a impossibilidade de exercício simultâneo e integral dos direitos (isto até por confronto com o que se extrai do artigo 336.º do Código Civil)

BB.   Conforme vem sendo entendido, o sacrífico ou numa limitação dos direitos, haverá de ser proporcional, haverá de atender à necessidade, à adequação e, bem assim, à proporcionalidade que as restrições do exercício do direito em confronto imponha.

CC.  Conforme notado, as publicações colocadas sob censura além de só terem cessado com a notícia dos presentes autos, não se mostravam necessárias para o Recorrido poder exprimir-se, tão pouco são as adequadas ao fim visado (apoio a uma candidatura que seria merecedora da sua simpatia, mas da qual nem sequer fazia parte)

DD.   Não se desconhecendo que a liberdade de expressão é um dos garantes de um efetivo e amplo debate democrático, realizado sem constrangimentos indevidos, não será menos verdade que na dimensão fundamental dos direitos individuais de personalidade que possam ser afetados pelo exercício excessivo da referida liberdade, haverão de ser considerados limites, que haverão de ser a partir do caso concreto

EE.   E, conforme notado, na situação em concreto, não obstante os Recorrentes serem candidatos autárquicos, o Recorrido não só não foi candidato, como não era sequer eleitor local; por outro lado, as publicações efetuadas pelo Recorrido além de constituírem ataques pessoais gratuitos, sem qualquer correspondência com qualquer anterior publicação destes ou de quem quer que seja, também não primam pela dignidade e verticalidade; e, por isso, a liberdade de expressão invocada pelo Recorrido não se pode sobrepor à honra, consideração e respeitabilidade dos Recorrentes

FF.    Apesar dos Recorrentes não ignoram que há quem atribua à luta política um efeito diluente da ofensada honra, consideração e respeitabilidade, não é menos certo que o conceito de honra não depende da qualidade do político, de quem faz da injúria uma arma de propaganda, ou de quem, pelo facto de pertencer a determinado grupo/partido está sujeito a vexames.

GG.   Como vem sendo entendido em termos jurisprudenciais, a luta política apenas poderá relevar como critério de justificação, naqueles casos que se situam em zonas limites, e ainda, na medida em que a potencial ofensa da honra e consideração se situe numa relação direta com tal luta, o que nem sequer é o caso dos autos, em que, conforme notado, o Réu nem sequer era candidato ou sequer votante naquelas eleições.

HH.    Há ofensa à personalidade dos visados, ora Recorrentes, quando o “leitor médio”, ao ser confrontado com tais expressões, retira claramente do seu conteúdo um significado de achincalhamento, de rebaixamento, de ataque gratuito e de menorização, de do bom nome e da reputação pessoal, social e política dos visados.

II.   No caso dos autos, os escritos postados e colocados em apreço pugnam não apenas por um conflito, mas apelam igualmente a sentimentos de ódio, o que nem sequer é consentâneo com o que de facto se verificou na disputa autárquica em ..., em que independentemente das diferenças, o relacionamento dos Recorrentes com os demais candidatos (e destes demais candidatos para com os Autores e outros candidatos do Movimento) decorreu com a correção e normalidade própria de um qualquer ato eleitoral entre pessoas de bem!

JJ.    De outro modo, a permitir-se a interpretação que se extrai do acórdão Recorrido ao que é e deve ser a liberdade de expressão, é claramente abrir portas aos extremismos, a autores (e atores) de falsas notícias para se deturparem o atos eleitorais democráticos, com o evidente propósito de os rebaixar e aviltar cidadãos “de bem”, que o facto de entrarem na discussão política, qualquer que esta seja, não os pode tornar cidadãos de segunda, sem os correspondente direito à qualidade e à dignidade humana

KK.    Com as atuações supra descritas a atuação do Recorrido extravasou (extravasa) os limites da liberdade de expressão e, por isso, o acórdão recorrido merece a censura e os reparos que resultam do presente recurso, devendo a sentença referida pelo Tribunal de 1.ª Instância ser confirmada, tudo com as legais consequências.

LL.   O acórdão Recorrido viola o disposto nos artigos 10.º, n.º 2 da DHDH, artigos 18.º, 26.º, 37.º da CRP, Artigos 70.º e seguintes, e 334.º do Código Civil e 411.º, 878.º e 879.º do CPC. 

MM.   Para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 671.º e 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e C) do CPC, as razões pelas quais o recurso se impõe constam das conclusões A), E), H), K), S), V) X) BB) DD) e JJ, no mais, está em apreço o conceito de interlocutores políticos, sufragado no Acórdão proferido no âmbito do processo 8777/21.....

Nestes termos,

E nos mais de direito, sempre com o mui douto suprimento, que desde já se invoca, deve o presente recurso ser recebido e após a sua normal tramitação considerado procedente, por provado, revogando-se o acórdão recorrido e confirmando-se a sentença de primeira instância, tudo com as legais consequências, pois assim se fará a

costumada JUSTIÇA!


**

Contra-alegou o Réu/Recorrido DD, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


**

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO


Nada obsta à apreciação do mérito da revista.

Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).


**


Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões são:

1.   Da (alegada) violação das regras do ónus da prova e do princípio do inquisitório (consubstanciada na suposta omissão de adicionais diligências probatórias essenciais - Conclusões F a S);

2.   Do (alegado) erro de julgamento do Tribunal a quo quanto à ponderação entre o direito à honra e a liberdade de expressão (restantes Conclusões – ou seja, da eventual necessidade de restrição do direito de liberdade de expressão do réu para salvaguarda do núcleo essencial dos direitos à honra e ao bom nome dos autores).


**



III – FUNDAMENTAÇÃO


III. 1. FACTOS PROVADOS


Foram os seguintes os factos considerados provados pelo tribunal da Relação:

1) O Réu não foi candidato em qualquer lista das eleições autárquicas de 2021, em ....

2) O primeiro Autor foi cabeça de lista ao executivo da Câmara Municipal ..., o segundo foi cabeça de lista à Assembleia Municipal ... e o terceiro foi o primeiro candidato à Assembleia de Freguesia ..., todos pelo Grupo de Cidadãos Eleitores Mais Concelho ....

3) Nas eleições autárquicas de 26 de Setembro de 2021, este Grupo de Cidadãos Eleitores elegeu trinta dos seus candidatos aos mais diversos órgãos, incluindo dois vereadores (o segundo e o quarto dos cinco que compõem o executivo Municipal) e sete dos quinze eleitos para a Assembleia Municipal.

4) O primeiro Autor – AA – é empresário, tem formação superior e desde sempre que exerceu a sua atividade a partir de ..., onde sempre residiu, na área das ..., M..., consultadoria ..., elaboração de projetos e comércio de veículos automóveis e ... (este herdado já da atividade exercida pelo seu pai).

5) O segundo Autor – BB – é ... desde 1995, é administrador e consultor de empresas, exerce a sua atividade a partir de uma sociedade de ... com escritórios em ..., ..., C..., ..., ..., ... e ... e desde há mais de quinze anos que tem centrado a sua atividade na área do ... e do ..., acompanhando, nesta área, algumas das empresas de referência do sector, incluindo cotadas em bolsa.

6) O terceiro Autor – CC – é ... desde há décadas e desde há mais de trinta anos que tem exercido funções ... e de dirigente ... no Concelho ....

7) Todos os Autores residem em ..., onde desde há muitos anos se envolveram, e envolvem, na vida local, com participação ativa em diversas instituições, de que se destaca a Filarmónica, os Bombeiros, a Casa do ..., a Associação ..., a ... e outras instituições de solidariedade social, sempre pro bono.

8) No decurso da campanha eleitoral de 2021 para os órgãos autárquicos na área do Concelho ..., os Autores foram tendo conhecimento, através de terceiros, seus conhecidos e amigos, alguns deles também candidatos aos órgãos autárquicos, que o Réu, na sua página do Facebook, se referia aos Autores em termos considerados ofensivos.

9) Assim, quando terminou o período de campanha eleitoral, os Autores acabaram por aceder aos referidos conteúdos de tal página de Facebook.

10) Tais conteúdos são públicos, no sentido de que não foram publicados em qualquer página ou publicação reservada, mas antes numa página a que qualquer cidadão que tenha conta aberta na rede social Facebook pode aceder.

11) A tais conteúdos muitos cidadãos, incluindo eleitores em ..., acederam e partilharam. 12) Todas as publicações do Réu ora em causa foram escritas em letras maiúsculas.

13) Durante o período de campanha para as eleições autárquicas de 2021, o Réu assumiu o seu apoio à candidatura apresentada pelo ... – ....

14) Neste contexto, o Réu passou a visar nas suas publicações de Facebook diversos candidatos do Grupo de Cidadãos Eleitores Mais Concelho ....


No tocante ao Autor AA

15) O Autor AA é também conhecido, e reconhecido, em ..., como sendo FF.

(…)

38) O Réu, no dia ...-09-2021, fez uma publicação na rede social Facebook, da qual consta: BOA TARDE, TERMINA HOJE A CAMPANHA PARA AS AUTARQUICAS. EM ... O ... COM O DR. AA Á CABEÇA TEM OBRA, MUITA OBRA PARA MOSTRAR. PARA ALÉM DISSO MOSTROU UMA VITALIDADE RARAMENTE VISTA. DESNECESSÁRIO SERÁ FALAR DE QUEM É O NOSSO .... GOSTAVA SÓ DE ACRESCENTAR QUE TEM UMA PACIÊNCIA DE SANTO PARA ATURAR ''...''. O CANDIDATO DA OPOSIÇÃO PARA ALÉM DE UMA AUSÊNCIA TOTAL DE IDEIAS, DE CAPACIDADE, CADA VEZ QUE ABRIA A BOCA MAIS NÃO FAZIA QUE LER ALGO QUE OUTROS LHE TINHAM ESCRITO. O DR. AA DEVE TER A MAIOR FORTUNA DO DISTRITO DE ... E FOI ELE QUE A CONSTRUIU. TEM MUITO PARA ENSINAR, SABE O QUE FAZER, SABE POR QUE CAMINHOS SE MOVIMENTAR. JÁ O ''RAPAZITO'' QUE SE LHE OPÕE TODOS LHE CONHECEMOS O PERCURSO. TODOS SABEM O QUE SE PASSOU NA CLINICA, TODOS SABEM QUE FUGIU DA DIRECÇAÕ DOS BOMBEIROS DEPOIS DE SE SABER QUE TINHA GASTO O DINHEIRO DOS SEGUROS DAS AMBULÂNCIAS ANDANDO ESTAS NUM PERIGO IMENSO E PONDO TODOS EM RISCO POIS NÃO TINHAM SEGUROS. SEI DO QUE FALO POIS JÁ TIVE UMA CARTEIRA DE SEGUROS. QUALQUER HOMEM RESPONSÁVEL DESDE LOGO NÃO FAZIA O QUE ELE FEZ. MAS SE POR UMA HORA MÁ DO DESTINO O TIVESSE FEITO DE CERTO QUE NÃO SE METIA EM POLITICAS. FICARAM AS CRITICAS DESTRUTIVAS, FICARAM AS METIRAS, MIL MENTIRAS, COMO QUANDO DISSE QUE ERA ''...''. “NOS POLITÉCNICOS NÃO HÁ LICENCIATURAS DE .... ... OU TÉCNICO NO MÁXIMO. FICA AINDA PARA MIM O PRETENCIOSISMO. A EXPRESSÃO QUE USOU PARA SE REFERIR Á NOSSA RIBEIRA E RIO, '' ASSUNTOS RIPICULAS '' FICAR-ME-Á NA RETINA POR MUITO TEMPO. UM HOMEM EM BICOS DE PÉS TEM A MESMA ALTURA SÓ QUE FICA MAIS INSTÁVEL, PODE ATÉ DESEQUILIBRAR-SE COMO PENSO TER SIDO O CASO. ESTE ''ESTATELOU-SE TODO AO COMPRIDO. O MEU OBRIGADO AO DR. AA POR APESAR DE SER QUEM É SE SUJEITAR A TANTO E POR APESAR DOS SEUS PROBLEMAS DE SAÚDE NUNCA VIRAR AS COSTAS Á LUTA. UMA GRANDE ABRAÇO PARA TODOS OS QUE PARTICIPARAM NESTA CAMANHA. GOSTAVA DE TER ESTADO CONVOSCO MAS MESMO AUSENTE DEVO SER O ... MAIS PRESENTE TANTO NAS ELEIÇÕES COMO EM TUDO O QUE TEM A VER COM A NOSSA TERRA .... BEM HAJA A TODOS E QUE DEUS VOS ABENÇOE.

39) As publicações do Réu de ...-09-2021 e ...-09-2021 refletem a opinião pessoal do Réu quanto à forma de ser e estar do Autor AA nos debates em que participou e quanto à sua prestação enquanto ... da Junta de Freguesia ....

40) A Direção dos Bombeiros Voluntários de ... produziu uma declaração, da qual consta o seguinte: “DECLARAÇÃO a fim de instruir o processo 156/21.... declaro que no dia 21.ago.2019 a Fidelidade Seguros informou a S..., Lda., da cessação do contrato de seguro por falta de pagamento do prémio relativo a apólice ...15 da nossa ambulância Mercedes Benz 316 DCI matrícula .. VU ... Mais informou que apesar das diligências de cobrança o prémio de seguro não foi pago até 11.ago.2019 data do seu vencimento, assim o contrato cessará automaticamente. Mais declaro que a AHBV... pagou atempadamente este prémio de seguro ao representante da Fidelidade em ... na pessoa de AA na sede de S... Lda. no bairro ..., ...,46h do dia 29.julho.2019 no balcão LJ F .... Concluímos, assim, que a nossa ambulância transitou algum tempo sem seguro válido, pese embora a direção ter pago este prémio de seguro, atempadamente. Mais declaro que este documento se destina somente a instruir o processo acima referido. Ficando os originais à disposição do Tribunal. AHBV..., 10.dezembro.2021.” O Presidente da Direção GG

41) Em data posterior, a Companhia de Seguros informou que o prémio devido se encontrava pago, que por lapso não tinha sido considerado.


Quanto ao Autor BB:

(…)

44) O Réu, no dia ...-09-2021, fez uma publicação na rede social Facebook, da qual consta: ..., ASSEMBLEIA MUNICIPAL, DR. HH. ... VAI TER, COM TODA A CERTEZA UM REPUTADÍSSIMO ... COMO ... DA ASSEMBLEIA MUNICIPAL, O DR HH. EXERCEU OS MAIS ALTOS CARGOS POSSÍVEIS NO MINISTÉRIO DAS .... MAIS TARDE RECOMEÇOU A EXERCER O QUE FAZ AINDA HOJE. DISPÔS-SE A AJUDAR A SUA TERRA ... COM PREJUIZO QUER FINANCEIRO QUER A NÍVEL DA SUA VIDA PESSOAL. MAS QUIS AJUDAR PONDO TODO O SEU SABER E EXPERIÊNCIA AO SERVIÇO DO CONCELHO. ESTE SENHOR, ESTE GRANDE SENHOR É DOS QUE DÁ, É DOS QUE VEM PARA CRIAR, PARA FAZER E NÃO PARA TIRAR PARTIDO DO QUE QUER QUE SEJA POIS TEM UMA VIDA PARA LÁ DE CONFORTÁVEL. OPÕE-SE-LHE OUTRO ..., MAS DE DIFERENTE NÍVEL. TODOS O CONHECEMOS, TODOS SABEMOS DO QUE É CAPAZ PARA ATINGIR OS SEUS FINS. MENTIROSO ATÉ Á MEDULA. CAPAZ DE DIZER UMA COISA E NUM VIRAR DE COSTA DESMENTI-LA. O II E O JJ DÃO-LHE LIÇÕES DE HONESTIDADE.....ANDANDO.........QUANDO É QUE TE VAIS EMBORA DE ... COMO ME DISSESTE UMA VEZ??? EU PAGO O BILHETE NEM QUE SEJA EM PRIMEIRA CLASSE. UMA BOA NOITE E DOMINGO VOTEM DR. HH PARA A ASSEMBLEIA MUNICIPAL OU SEJA .... DD.

45) Junto à publicação referida em 44., na parte inferior, encontrava-se uma fotografia referente a uma intervenção pública do partido apoiado pelo Réu, ocorrida em período de campanha eleitoral.


Quanto ao Autor CC:

(…)

49) O Réu, no dia ...-09-2021, fez uma publicação na rede social Facebook, da qual consta: BOM DIA, BOM DIA MEUS AMIGOS E MAIS UMA VEZ UM BOM DIA EM PARTICULAR PARA OS .... ADORO ESTA MÚSICA. HÁ UNS TEMPOS LI UM TEXTO EM QUE ALGUÉM DIZIA '' AQUELES QUE HOJE CLAMAM MAIS POR LIBERDADE, IGUALDADE E TUDO MAIS VÃO SER OS DITADORES DO FUTURO''. O SENTIDO ERA ESTE AS PALVRAS PODIAM SER OUTRAS. TODOS CONHECEM O .... CC (MAIS CONHECIDO POR KK). TRATA-SE DE UM RETARDADO POLITICO QUE PROCURA SEMEAR O ÓDIO ENTRE OS ... COM MENTIRAS E INJURIAS A TODOS QUANTOS SE LHES OPONHAM. RECORDO-ME DO DIRCURSO NAS ANTERIORES ELEIÇÕES ONDE DIZIA PARA AS PESSOAS NÃO TEREM MEDO E MUITO MAIS. MAS AS PESSOAS NUNCA TIVERAM MEDO DAÍ AS VOTAÇÕES TÃO DIFERENCIADAS NO Concelho ... E EM PARTICULAR NA FREGUESIA SEDE. CLAMA ESTE SENHOR QUE '' ELES COMEM TUDO, ELES COMEM TUDO E NÃO DEIXAM NADA'' BEM VEJAMOS ENTÃO, O QUE COMERAM OS TRÊS AUTARCAS DO .... O DR. CC MAIS DO QUE RECEBER DÁ. DÁ CAPACIDADE DE GESTÃO, DÁ TRABALHO, MUITO TRABALHO, DÁ APOIO, DÁ ATÉ DINHEIRO. O VICE ... LL ESTEVE 12 ANOS NA ASSEMBLEIA MUNICIPAL, MAIS 12 COMO VEREADOR A TEMPO INTEIRO E MAIS 8 COMO VICE .... PARA ALÉM DO SEU SALÁRIO O QUE GANHOU ELE??? A MULHER TRABALHA NA ...?? NÃO!!! AS FILHAS TRABALHAM NA ... OU FORAM BENEFICIÁRIAS DE ALGUM FAVOR??? NÃO!!!! FOI BENEFICIÁRIO ELE OU ALGUÉM DA SUA FAMILIA PRÓXIMA DE ALGUM DINHEIRO EM PROJECTOS COM APOIOS COMUNITÁRIOS, MUNICIPAIS OU OUTROS??? NÃO!!! O MM PARA ALÉM DO SEU SALÁRIO, MULHER FILHO OU NEGÓCIOS??? NADA!!! VEJAMOS ENTÃO ESTE SR. CC DE PROFISSÃO .... OITO ANOS NA ASSEMBLEIA MUNICIPAL, REPITO SÓ OITO ANOS NA ASSEMBLEIA MUNÍCIPAL!!! CONSEGUIU QUE OS DOIS FILHOS FOSSEM TRABALHAR PARA A ... (ESTES DOIS SÃO COMPETENTES E TODOS OS OUTROS SÃO UNS INÚTEIS), FOI A FILHA BENEFICIÁRIA DE CENTENAS DE MILHARES DE EUROS, VOLTO A REPETIR DE CENTENAS DE MILHARES DE EUROS EM FUNDOS PÚBLICOS. MAS AQUI É QUE A "PORCA TORCE O RABO" COMO DIZ O POVO. POIS MEUS AMIGOS O VOLUME DE APOIOS RECEBIDOS FACE AO INVESTIMENTO SÓ PODE TÊ-LO SIDO AO ABRIGO DO ESTATUTO DE JOVEM EMPRESÁRIO E ESSE OBRIGA A CINCO ANOS DE TRABALHO EM EXCLUSIVIDADE E ESTA SENHORA SIMULTÃNEAMENTE TORNOU-SE FUNCIONÁRIA PÚBLICA. TRABALHEI, AINDA NA DÉCADA DE OITENTA NUMA EMPRESA QUE MONTAVA PROJECTOS PARA POSTERIOR CANDIDATURA AOS FUNDOS COMUNITÁRIOS E ISTO ERA CLARO COMO A ÁGUA. POIS É SR. ... ''ELES COMEM TUDO, ELES COMEM TUDO E NÃO DEIXAM NADA...." ELES NÃO!!! ELES NÃO!!! O SENHOR E A SUA FAMÍLIA SIM??? ESTE INDIVIDUO PROCURA CRIAR ÓDIO ENTRE OS ... E IA DIZER '' PELA CALADA DA NOITE'' MAS NÃO, O CORRECTO É DIZER Á FRENTE DE TODOS E Á LUZ DO DIA PROCURA ENCHER OS BOLSOS COM AQUILO QUE É DE TODOS!! NUNCA UMA ELEIÇÃO EM ... FOI DE TÃO FÁCIL DECISÃO, (…) ASSEMBLEIA MUNICIPAL......DR. HH (ESTE SIM UM GRANDE ...) UM ABRAÇO PARA TODOS OS ..., DD

50) Junto à publicação referida em 49., na parte inferior, encontrava-se uma fotografia do cantor Zeca Afonso, com referência à canção Vampiros.

51) O Réu, em ...-09-2021, fez uma publicação na rede social Facebook, da qual consta: ..., JUNTA DE FREGUESIA. O PRINCIPE E O OPORTUNISTA, A VIDA DO LL FALA POR ELE. MAIS DE TRINTA ANOS NA POLITICA, MUITA OBRA FEIRA, MUITA DEDICAÇÃO, UMA ÉTICA IRREPREENSÍVEL E ACIMA DE TUDO MÃOS LIMPAS. QUANDO ATÉ SE ESPERAVA QUE SE POSICIONA-SE PARA SER CANDIDATO A PRESIDENTE, SURPREENDENTEMENTE ACEITA MAIS UMA MISSÃO A DE COLOCAR TODA A SUA EXPERIÊNCIA AO SERVIÇO DOS SEUS CONTERRÃNEOS AGORA NA JUNTA DE FREGUESIA .... TEMOS PRESIDENTE, E QUE PRESIDENTE. DO OUTRO LADO TALVEZ O MAIS ODIOSO DOS .... SEMEIA ÓDIO, SEMEIA CONFUSÃO, PROCURA DIVIDIR MAS SEMPRE COM UM OLHO NO COFRE., OU MELHOR OS DOIS. COM UMA PASSAGEM DE OITO ANOS PELA ... MUNICIPAL QUE NINGUÉM RECORDA COM SAUDADE TANTOS FORAM OS SEUS ÊXAGEROS, OS SEUS DISPARATES E FALTAS DE RESPEITO PARA COM OS SEUS ADVERSÁRIOS. BEM MAS SAI COM A ''VIDINHA'' DA FAMILIA RESOLVIDA. ''ENCAIXOU OS DOIS FILHOS NA ... E PRINCIPALMENTE FOI BUSCAR CERCA DE 250 MIL EUROS, REPITO CERCA DE 250 MIL EUROS A FUNDO PERDIDO PARA UM PROJECTO EM NOIME DA FILHA QUE ENTRETANTO SE TORNOU FUNCIONÁRIA PÚBLICA. OU UMA COISA OU A OUTRA, POIS O ESTATUTO DE JOVEM EMPRESÁRIA OBRIGAVA-A A CINCO ANOS DE TRABALHO EM EXCLUSIVO NO PROJECTO BENEFICIADO COM OS FUNDOS. DIZIA-ME HÁ ALGUNS DIAS UM APOIANTE DOS ''INDEPENDENTES'', TUDO BEM, ELE FEZ ISSO MAS OS OUTROS TAMBÉM FAZEM. VERDADE!! O II E OUTROS BILTRES COMO ELE POIS QUE EM ... NEM DR. AA , NEM LL , NEM NN DERAM EMPREGO A FILHOS OU MULHERES E MUITO MENOS FORAM BENEFICIADOS COM FUNDOS DE QUALQUER NATUREZA. ESTA ELEIÇÃO É MUITO, MAS MESMO MUITO SIMPLES. POR UM LADO UM HOMEM COM UM PERCURSO IRREPREENSSÍVEL. POR OUTRO ALGUÉM QUE NA JUNTA OU ONDE QUER QUE ESTEJA SERÁ SEMPRE PIOR QUE PÔR UMA RAPOSA FAMINTA A GUARDAR UM GALINHEIRO. UMA BOA NOITE E DOMINGO VOTEM BEM. LL É O HOMEM DE QUEM SE FALA É O NOSSO PRESIDENTE!!! DD

54) O Réu, em ...-09-2021, após o ato eleitoral, fez uma publicação na rede social Facebook, da qual consta: BOM DIA BOM DIA... O OUTONO APROXIMA-SE A PASSOS LARGOS. O TRABALHO ENTRA NAS ROTINAS DO COSTUME. OS " FREGUESES" ANDAM AÍ E DE QUE MANEIRA. HÁ DOIS DIAS FIZ UM CONTRATO PROMESSA E UMA AVALIAÇÃO DE UM PALACETE QUE VENDI. ONTEM MOSTREI UM APARTAMENTO .... TUDO A ENTRAR NOS EIXOS.

NA MINHA TERRA O ... E O DR. CC GANHARAM COM MAIS UMA MAIORIA ABSOLUTA CONFORTÁVEL. ÚNICO ASPECTO NEGATIVO NA FREGUESIA ... O LL FOI PRETERIDO, EMBORA POR UM PUNHADO DE VOTOS, POR UM COMUNA DO PIOR, UM RADICAL, OPORTUNISTA, AGRESSIVO, MAU CARACTER, ODIOSO. FICA ... A PERDER E DE QUE MANEIRA. AGORA VAMOS AO TRABALHO. ALGUÉM TEM QUE O FAZER POIS VÊM AI MAIS 4 ANOS DE FESTAROLAS E FOGUETÓRIO NA FREGUESIA .... SAUDE PARA TODOS E EXCELENTE QUINTA FEIRA.

57) O Réu, em ...-10-2021, após o ato eleitoral, fez uma publicação na rede social Facebook, da qual consta: BOM DIA, BOM DIA..... HOJE ACORDEI A SENTIR-ME IMPORTANTE MAS AO MESMO TEMPO MUITO TRISTE, MAS MUITO TRISTE MESMO SEM QUALQUER ESPÉCIE DE IRONIA. ENTÃO NÃO É QUE ONTEM NA TOMADA DE POSSE DOS NOSVOS ELEITOS PARA A JUNTA DE FREGUESIA DE ... TIVE HONRAS DE CITAÇÃO POR PARTE DO "KK" .......QUE TRISTEZA. O QUE ASSUSTA TANTO ESTA DESPRESIVEL CRIATURA? COMO É POSSIVEL O MEU QUERIDO ... TER MUDADO TANTO AO PONTO DE ELEGEREM UMA ABERRAÇÃO DESTE TAMANHO? PASSOU NA ... FEZ TERRORISMO. Casa do ..., TERRORISMO. NA ... TODOS SÃO INCOMPETENTES EXCEPTUANDO OS SEUS FILHOS. É UM POÇO DE ODIO, VINGATIVO COMO SE VÊ E VAI VER MUITO MAIS. UM DESERTO DE IDEIAS E ALGUÉM QUE SÓ SERVE OS SEUS PROPRIOS INTERESSES. BEM, PARA ELE E PARA TODOS OS DA OPOSIÇÃO CONTEM COMIGO MAIS DO QUE NUNCA A DEFENDER OS INTERESSES DE ... E A COMBATER HIPOCRITAS, RADICAIS, E TODOS QUANTOS SÓ PENSAM NO SEU BOLSO. UMA EXCELENTE QUINTA FEIRA PARA TODOS E BOM TRABALHO PARA QUEM É VÁLIDO, PARA QUEM TRABALHA.

60) O Réu, ainda em ...-10-2021, após o ato eleitoral, fez uma publicação na rede social Facebook, da qual consta: ... EM MAIÚSCULAS!!!! DOIS HOMENS QUE SERVIRAM, E CONTINUARÃO A SERVIR ... SEM SE SERVIR DAS POSIÇÕES QUE OCUPAM. NENHUM DELES TEM OS FILHOS EMPREGADOS NA CÂMARA. NENHUM DELES USOU DINHEIROS PÚBLICOS EM PROVEITO PRÓPRIO. NENHUM DELES ANDOU A AMEAÇAR OS SEUS CONCIDADÃOS MUITO MENOS A METER-LHES PROCESSOS COMO TENHO SIDO RECENTEMENTE AMEAÇADO POR DEMOCRATAS DE MEIA TIJELA. NENHUM DELES TEM UM PASSADO VERGONHOSO. UMA PENA NÃO SEREM ETERNOS.......... MAS ... VAI CONTINUAR NO BOM CAMINHO POIS AINDA HÁ HOMENS QUE NÃO SE ASSUSTAM NEM SE VERGAM!!!! DD

61) Junto à publicação referida em 60., na parte inferior, encontrava-se uma fotografia do candidato CC, apoiado pelo Réu.

63) OO, filha do Autor CC, num investimento com montante elegível de € 213.600,00, recebeu um financiamento de € 128.160,00 para um projeto com a descrição: “Criação de Oferta de Animação Turística ... em ..., ...”.

64) O Réu refere que o Autor CC “incentiva ao ódio” por a campanha eleitoral levada a cabo por este ter sido entendida pelo Réu como intencionalmente polarizante, entendendo o Réu que o Autor dividia as pessoas em trincheiras e recorria a linguagem igualmente provocadora e agressiva.

65) O Réu referiu-se ao Autor com a expressão “retardado político”, por entender que o Autor CC, no seu discurso político, usa uma linguagem própria dos tempos do PREC, no sentido que é próprio de outro tempo.

66) O Réu recorreu ao uso da expressão “terrorismo” por entender que o Autor CC criou várias inimizades nos vários sítios por onde passou, criando mau ambiente e envolvendo-se em conflitos com várias pessoas do meio social de ....


**



III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO

§ DA ALEGADA VIOLAÇÃO DAS REGRAS DO ÓNUS DA PROVA E DO PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO (consubstanciada na suposta omissão de adicionais diligências probatórias)

Sustentam os recorrentes que, dada a natureza do processo de tutela da personalidade previsto nos artigos 878º e seguintes do CPC e suas características, não tem o mesmo como requisito de procedência ou pressuposto a prova da existência de danos, tão pouco quais são esses danos, mas apenas de factos demonstrativos de perigo de ilícito.

Sem razão, salvo o devido respeito.

Dispõe o artº 878º do CPC:

Pode ser requerido o decretamento das providências concretamente adequadas a evitar a consumação de qualquer ameaça ilícita e direta à personalidade física ou moral de ser humano ou a atenuar, ou a fazer cessar, os efeitos de ofensa já cometida (destaque nosso).

Daqui se vê que a tutela da personalidade pode ser de natureza preventiva (evitar a consumação de lesão), ou pode ter como objectivo atenuar ou fazer cessar os efeitos de lesão continuada, repetida ou ainda não integralmente consumada[1].

Ou seja, impõe-se aqui distinguir entre a modalidade do processo especial da tutela da personalidade que se aproxima do procedimento cautelar (este que, como dito, visa “evitar a consumação de qualquer ameaça ilícita”), em que cabe ao Autor alegar e provar, precisamente, o perigo de ilícito e, a segunda modalidade, que visa “atenuar” ou “fazer cessar, os efeitos da ofensa já cometida”, sendo que neste caso (segunda modalidade) cabe ao Autor alegar e provar os factos que consubstanciam a(s) ofensa(s) directa(s) e ilícita(s).

Ora, é mais que evidente que com esta demanda se pretende, não um efeito cautelar, mas atenuar ou fazer cessar os efeitos daquilo que os Autores consideraram como ofensas directas e ilícitas (já consumadas, portanto) à sua personalidade moral. Pelo que não é adequado invocarem aqui um suposto perigo de ilicitude, antes, como dito, têm de alegar o dano e…a ilicitude. E, obviamente, fazer a prova desses mesmos factos ilícitos.

Ora, os AA alegaram e provaram os factos – as diversas publicações do Réu, na sua página de Facebook, acerca dos três Autores – , pois o Ré não os impugnou, antes reconhecendo ser o autor de tais publicações. Mas, como decidiu o acórdão recorrido (e bem, a nosso ver, como ao diante melhor se verá), não lograram demonstrar a ilicitude de tais publicações.

No requerimento inicial, o requerente deve justificar a necessidade de tutela concreta do direito de personalidade, envolvendo a alegação de factos ou de circunstâncias que, avaliados à luz do disposto no artº 879º, possam justificar as providências provisórias ou definitivas”. Sendo que “com a petição inicial devem ser apresentadas as provas reveladoras do direito invocado e da necessidade de tutela ou da urgência da resposta”[2].

Assim, temos que os AA alegaram o que tinham de alegar: os factos que consubstanciam as alegadas ofensas directas à sua personalidade e que a seu ver eram ilícitas.

Mas se provaram os factos (as publicações no Facebook), já não lograram provar a sua ilicitude.


Esta questão surge, essencialmente, a propósito das imputações feitas pelo Réu ao 1º Autor (no essencial, a imputação de que o recorrente “tinha gasto” o “dinheiro dos seguros”).

Como referido, os autores alegaram factos relativos à materialidade da imputação e à sua falsidade. Ao réu, cumpria alegar e provar factos que, integrando matéria exceptiva porque impeditiva do direito invocado pelo autor (art. 342.º/2 do CC), permitissem concluir que o mesmo dispunha de fundamento sério para, em boa-fé, reputar como verdadeiras as afirmações que veiculou naquela rede facebook relativamente aos autores. Nomeadamente, e em particular, que o 1º Autor (recorrente) “tinha gasto” o “dinheiro dos seguros”.

Ora, com sustento nos elementos probatórios carreados aos autos, o tribunal recorrido concluiu pela inexistência de ilicitude das imputações propaladas pelo Réu, dado que (o que está em sintonia com o entendimento que vem sido seguido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) nesta matéria da liberdade da imprensa versus direito à honra e bom nome) este dispunha de fundamento sério para, em boa-fé, considerar como verdadeiras tais imputações. O que basta para afastar a ilicitude das imputações – como melhor se verá ao diante.


*


É aqui que surge a questão da alegada violação do princípio do inquisitório.

Com efeito, sustentam os Recorrentes que o juízo de ilicitude a que a Relação chegou seria diferente caso o Tribunal tivesse, oficiosamente, diligências probatórias adicionais com vista ao “apuramento da verdade e à justa composição do litígio”.

Mas não tinha de levar a cabo tais diligências probatórias adicionais.

Diferentemente do entendimento dos Recorrentes, o actual CPC está orientado, com grande prevalência, pelo princípio do dispositivo, que confere às partes do processo civil a autonomia e a responsabilidade para alegar e provar os factos que querem trazer ao conhecimento do Tribunal, assumindo o princípio do inquisitório, na jurisdição cível, um papel bem mais reduzido.

Como referimos já – o que decorre do citado artigo 878.º do CPC – , o Autor tem que demonstrar e provar a ofensa “directa e ilícita”, pelo que muito dificilmente se pode assacar responsabilidades ao Tribunal por não ter requerido diligências de prova de factos que estão alocados ao ónus de prova dos Autores.

O processo especial em apreço, embora apresente algumas notas típicas dos processos de jurisdição voluntária (como, a título de exemplo, a amplitude dos poderes do juiz na conformação da decisão final e na adoção de medidas provisórias mediante a simples análise de meios de prova apresentados pelo requerente), insere-se nos processos de jurisdição contenciosa[3] – pelo que, ao contrário do que defendem os recorrentes, reitera-se que não vigora aqui o princípio do inquisitório com a amplitude que lhe é conferida pelo art. 986.º/2 do CPC, mas na versão mais atenuada consagrada no art. 411.º daquele diploma.

Efectivamente, o processo especial de tutela da personalidade, do nome e da correspondência confidencial, regulado pelos artigos 1474º e 1475º do Código de Processo Civil de 1961, deslocou-se com o Código de Processo vigente, como explicita Maria dos Prazeres Beleza, do âmbito dos processos de jurisdição voluntária para os processos de jurisdição contenciosa[4][5].

Assim, na situação em apreço, não se impunha ao tribunal “a quo” determinar a realização de ulteriores diligências de prova (como sejam a reinquirição dos autores ou a formulação de um pedido de esclarecimentos à companhia de seguros), até porque, ao contrário do que assevera o recorrente, não se vislumbra que o tribunal tivesse permanecido em situação de dúvida acerca da integralidade dos contornos do sucedido. O que o tribunal da Relação considerou – numa asserção que se acompanha – foi que os factos que resultaram apurados constituem uma base sólida para considerar desculpável o erro em que incorreu o recorrido ao formular as imputações falsas. Assim, os factos pertinentes à forma como se processam os pagamentos à companhia de seguros (referidos no ponto O) das conclusões de recurso), para além de não terem sido oportunamente alegados pelo autor, a serem adquiridos para o processo por via do disposto no art. 5.º/2/a) do CPC, não se revelariam susceptíveis a abalar uma base factual considerada suficiente para concluir que o réu agiu de boa-fé quanto à veracidade da alegação. 

O mesmo se diga quanto ao Autor CC: para além de, como se fez notar, não vigorar no presente processo o princípio do inquisitório próprio dos processos de jurisdição voluntária, ao tribunal recorrido não competia realizar oficiosamente diligências probatórias com vista a esclarecer os termos em que os filhos do autor exerceram lugares na autarquia, num contexto em que o próprio autor não alegou, oportunamente, como imposto pelo princípio do dispositivo (cit. art. 5.º/1 do CPC), a matéria que agora afirma ser susceptível de retirar solidez à base factual da imputação em análise.

Acresce que, como bem observa o recorrido, é por demais evidente que não cabe aos tribunais do nosso país ocuparem-se com diligências probatórias, requeridas oficiosamente (ao arrepio da prevalência do princípio do dispositivo), com o objectivo de escrutinar toda e qualquer afirmação proferida por um cidadão comum, ainda para mais numa rede social, sobre candidatos a cargos políticos!


*


Em suma: não se descortina qualquer violação, quer das regras do ónus da prova, quer do princípio do inquisitório – assim decaindo esta primeira questão suscitada nas doutas conclusões recursivas.


2.  DO ALEGADO ERRO DE JULGAMENTO DO TRIBUNAL A QUO QUANTO À PONDERAÇÃO ENTRE O DIREITO À HONRA E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO (da eventual necessidade de restrição do direito de liberdade de expressão do réu para salvaguarda do núcleo essencial dos direitos à honra e ao bom nome dos autores).

As instâncias colocaram adequadamente em perspectiva o objecto do presente litígio, que convoca a análise de dois direitos fundamentais que, no caso concreto, se mostram colidentes: por um lado, o direito fundamental à honra, ao bom nome e à reputação dos autores, com consagração no artigo 26º, nº1 da CRP, do artigo 12º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do artigo 70.º do CC, enquanto emanação do direito geral de personalidade; por outra banda, o direito de liberdade de expressão do réu, com assento constitucional no artigo 37.º da CRP e igual consagração no art. 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no art. 19.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e no artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH).

Em causa no presente recurso está dilucidar se o conteúdo das publicações escritas na rede social Facebook pelo réu e dirigidas aos três autores – que, nas eleições autárquicas de 26-09-2023, concorreram ao executivo da Câmara Municipal ..., à sua Assembleia Municipal e à Assembleia de Freguesia ... – se poderá considerar lícita, porque realizada a coberto do exercício da liberdade de expressão do recorrido. Com efeito, se ambas as instâncias convergiram na afirmação de que as sobreditas publicações se mostravam ilícitas, dissentiram, todavia, quanto à susceptibilidade de o direito de liberdade de expressão do réu consubstanciar uma causa de exclusão dessa mesma ilicitude.


**


Passemos à análise decisão recorrida, segmentando-a por referência aos factos pertinentes a cada um dos recorrentes.


2.2. DAS PUBLICAÇÕES ESCRITAS PELO RÉU E DIRIGIDAS AO AUTOR AA

Ficou provado que ao mesmo foi dirigida a publicação de 24.09.2021, a que alude o facto provado n.º 38, e que, com relevância útil para a análise que se empreende, apresenta o seguinte teor: “TODOS SABEM QUE FUGIU DA DIRECÇÃO DOS BOMBEIROS DEPOIS DE SE SABER QUE TINHA GASTO O DINHEIRO DOS SEGUROS DAS AMBULÂNCIAS ANDANDO ESTAS NUM PERIGO IMENSO E PONDO TODOS EM RISCO POIS NÃO TINHAM SEGUROS.”

O acórdão recorrido, salientando ter ficado demonstrada a falsidade das imputações por se encontrar provado nos autos que o pagamento do seguro havia sido feito atempadamente, tendo existido um lapso da seguradora (ponto 41 da matéria de facto), considerou que “não recairia sobre o réu um especial dever de averiguação dos factos em causa, e que os elementos indiciários de que dispunha seriam suscetíveis, de dentro do direito à liberdade de expressão, levar a tais imputações, ainda que, na sequência de averiguações efetuadas no âmbito da presente ação, se tenha vindo a demonstrar que os factos em causa tinham uma explicação e que, como tal, a imputação que a partir deles é feita ao autor era falsa.”

Entendeu, neste âmbito, o tribunal “a quo” que, sabendo-se que a ambulância circulou durante algum tempo sem seguro válido,da matéria de facto dada como provada, não consta que fosse do conhecimento comum que a circulação dos veículos sem seguro se tivesse devido a um lapso da seguradora”, fazendo notar que o autor visado pela publicação, em sede de petição inicial, se limitou a afirmar a falsidade das imputações, “sem qualquer outra explicação, e sem oferecer a sua versão de tais factos, quando, alguns dos pressupostos factuais em que tais imputações assentam são verdadeiros.” Nesta base, concluiu o tribunal da Relação pela existência de uma causa justificativa para a conduta do réu excludente da ilicitude do seu comportamento, tendo em conta o interesse público dos factos que deram origem à imputação em causa, o contexto eleitoral em que a mesma foi proferida e o facto de aquela, embora falsa nas suas conclusões, ter sido proferida por erro desculpável em função das informações então disponíveis.

Insurge-se o recorrente contra o descrito percurso argumentativo, alvitrando que “o acórdão recorrido interpretou incorretamente o quadro legal aplicável, designadamente no que concerne ao confronto que faz entre o que é o direito à “liberdade de expressão”, “o entendimento que o TEDH tem deste direito à Liberdade de Expressão”, com o que considera ser “o direito à honra, consideração e respeitabilidade, previstos e protegidos no nosso ordenamento jurídico”, uma vez que em causa estão “ofensas gratuitas, desproporcionais e desproporcionadas”, as quais, não obstante visarem candidatos autárquicos, “não se inserem no que é a correspondência com o interesse geral.”

Disputa o recorrente, por outro lado, o entendimento do acórdão em análise, no segmento em que, para concluir que não impendia sobre o réu um especial dever de averiguação dos factos em causa, valorou a circunstância de o próprio autor se ter abstido de veicular a sua versão dos factos na petição inicial quanto ao episódio da circulação dos veículos sem seguro. Refere o recorrente que tal entendimento redunda na imposição de especiais deveres de alegação de factos, assim como de um juízo de prognose quanto àquela que seria a defesa a apresentar pelo réu. É neste âmbito que o recorrente imputa ao acórdão recorrido a violação das normas constantes dos arts. 878.º e 879.º do CPC, deixando implícito – o que foi tratado na 1ª questão suscitada – que o tribunal violou o princípio do inquisitório, ao ter omitido o poder-dever que se lhe impunha com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio.


Vejamos.

Como se deixou antever, há que apurar se pelo tribunal recorrido foi efetuada uma correcta operação de concordância prática entre os direitos fundamentais à honra, ao bom nome e reputação do autor AA (que, nas eleições autárquicas de setembro de 2021, foi cabeça de lista ao executivo da Câmara Municipal ...) e o direito à liberdade de expressão e de opinião do réu. Esta análise obriga “naturalmente a convocar, não apenas as normas constitucionais e legais internas, mas também as que integram a CEDH, tal como vêm sendo reiteradamente interpretadas e aplicadas pelo órgão jurisdicional especificamente criado pela Convenção para zelar pela respectiva interpretação e aplicação” (citando o acórdão do STJ de 13-07-2017[6], relatado por Lopes do Rego).

Como particularizou este aresto, debruçando-se sobre um caso em que se discutiam os limites do exercício legítimo da liberdade de imprensa, “a tendência predominante na nossa jurisprudência foi, durante longos anos, a de claramente privilegiar, no caso de conflito de direitos, os direitos fundamentais individuais – à honra, ao bom nome e reputação, vistos como ligados à própria dignidade da pessoa humana – sobre o exercício do direito de liberdade de imprensa - continuando o entendimento, que já vinha de longe, de que, por regra, a ofensa à honra (e usamos esta palavra em sentido lato, abrangendo o que a lei, sem uniformidade terminológica, chama “honra”, “honra e bom nome”, “reputação”, “consideração” e “crédito”) integrava um acto ilícito a demandar, consoante os casos, sanção criminal, indemnização ou ambas. A regra seria a afirmação daquele direito, que só cederia, em casos justificados, que, doutrina e jurisprudência, se encarregaram de ir precisando. Outrossim, nos casos em que a cedência recíproca não resolvesse a questão, havia que dar preferência à honra porque integrante de direito de personalidade. ( Ac. de30/6/2011, proferido por este STJ no P.1272/04.7TBBCL.G1.S1).”

Este paradigma decisório foi, todavia, colocado em causa pela jurisprudência do TEDH, que, em sucessivas condenações do Estado Português, considerou que as decisões nacionais tinham restringido injustificadamente a liberdade de expressão, à luz do art. 10.º da CEDH.

De acordo com a jurisprudência do TEDH, o “prius” da análise deverá residir na afirmação da liberdade de expressão, sendo o direito à honra - não tutelado, no plano geral, por aquele diploma – de configurar como uma restrição ao exercício de tal direito (art. 10.º/2 da CEDH). De resto, também a ordem jurídico-constitucional portuguesa, como sublinha Jónatas Machado, atribui à liberdade de expressão uma posição preferencial, na sua qualidade de pré-condição do funcionamento democrático do sistema político[7].

Os principais tópicos hermenêuticos perfilhados pelo TEDH nesta matéria foram deste modo sintetizados pelo acórdão de 30-06-2011[8] (relatado por João Bernardo): “a liberdade de expressão constitui um dos pilares fundamentais do Estado democrático e uma das condições primordiais do seu progresso e, bem assim, do desenvolvimento de cada pessoa; As excepções constantes deste n.º2 devem ser interpretadas de modo restrito; Tal liberdade abrange, com alguns limites, expressões ou outras manifestações que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade. Os políticos e outras figuras públicas, quer pela sua exposição, quer pela discutibilidade das ideias que professam, quer ainda pelo controle a que devem ser sujeitos, seja pela comunicação social, seja pelo cidadão comum – quanto à comunicação social, o Tribunal vem reiterando mesmo a expressão “cão de guarda” - devem ser mais tolerantes a críticas do que os particulares, devendo ser, concomitantemente, admissível maior grau de intensidade destas; na aferição dos limites da liberdade de expressão, os Estados dispõem de alguma margem de apreciação, que pode, no entanto, ser sindicada pelo próprio TEDH.”

A propósito da relacionação entre as diversas fontes normativas, Henriques Gaspar sublinha: “os juízes nacionais estão, assim, vinculados à CEDH e em diálogo e cooperação com o TEDH. Vinculados porque, sobretudo em sistema monista, como é o português (artigo 8.º da Constituição), a CEDH, ratificada e publicada, constitui direito interno que deve, como tal, ser interpretada e aplicada, primando, nos termos constitucionais, sobre a lei interna. E vinculados também porque, ao interpretarem e aplicarem a CEDH como primeiros juízes convencionais (ou juízes convencionais de primeira linha), devem considerar as referências metodológicas e interpretativas e a jurisprudência do TEDH, enquanto instância própria de regulação convencional.”[9]

Esta mesma metodologia é confirmada pelo acórdão do STJ de 31-01-2017[10] (Roque Nogueira), em cuja fundamentação se pode ler: “Tem-se entendido, entre nós, quer a nível doutrinal, quer a nível jurisprudencial, que a CEDH ocupa «uma posição infraconstitucional, estando portanto a sua aplicação na ordem interna dependente da sua conformidade aos preceitos da nossa lei fundamental» e que tem um «valor supra-legal, pelo que as leis internas posteriores a um tratado internamente recebido que contrariem o disposto nos seus comandos não poderão, nessa medida, ser aplicadas pelos tribunais» (Cfr. Rui Moura Ramos, «A Convenção Europeia dos Direitos do Homem – Sua posição face ao ordenamento jurídico português» e «Aplicação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – Alguns Problemas», in Documentação e Direito Comparado – BMJ, 1980 e 1983, respectivamente).”.

Das instâncias nacionais, no diálogo judicial que levam a cabo com a instância europeia, espera-se uma postura de abertura e, novamente nas palavras de Henriques Gaspar, “uma cultura de cosmopolitismo judicial.”[11] Como nota Joaquim Sousa Ribeiro, “não é excessivo dizer-se que está hoje perfeitamente interiorizada e consolidada uma relação comunicante dos nossos tribunais, em particular do Supremo Tribunal de Justiça, com a jurisprudência do Tribunal Europeu. De tal forma que, no campo dos direitos pessoais, esta é uma permanente fonte de razões fundamentadoras, com influência decisiva na evolução, em certos pontos, dos critérios de decisão e, até, em pontuais viragens jurisprudenciais.”[12]

Fazendo um breve bosquejo da jurisprudência do STJ, evidencia-se, pelo menos desde o ano de 2005[13], uma interiorização dos critérios decisórios perfilhados TEDH no presente domínio temático. Tal evolução, que, embora não tendo apresentado uma progressão linear[14], encontra-se agora estabilizada, como demonstram os acórdãos mais recentes proferidos sobre a matéria, todos incidentes sobre casos em que se discutia o exercício da liberdade de imprensa.[15].


*


Regressemos aos autos.

Na situação decidenda, os autores lançaram mão da acção especial de tutela da personalidade, cujos pressupostos se encontram, como dito supra, consagrados no art. 878.º do CPC, norma que estatui que “pode ser requerido o decretamento das providências concretamente adequadas a evitar a consumação de qualquer ameaça ilícita e direta à personalidade física ou moral de ser humano ou a atenuar, ou a fazer cessar, os efeitos de ofensa já cometida.”.

No plano juscivilístico, preceitua o n.º 1 do art. 335.º do CC que “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.”.

Já sob uma perspectiva supralegal, temos, na situação em apreço, direitos que se inscrevem na categoria de direitos, liberdades e garantias pessoais (arts. 26.º/1 e 37.º/1 da CRP), os quais apresentam idêntico valor jurídico, o que inviabiliza qualquer princípio de hierarquia abstracta entre si.

Tendo presente que o direito ao bom nome e à reputação não gozam de garantia autónoma por parte da CEDH, o processo decisório, como deixa escrito Sousa Ribeiro, deverá centrar-se unidireccionalmente «em controlar se a ingerência, enquanto restrição à liberdade de expressão, encontra razão justificativa pelos critérios fixados no n.º 2 do artigo 10.º.” De acordo com esta perspectiva, tão-só são admitidas restrições ao exercício da liberdade de expressão “que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática” à realização da “proteção da honra ou dos direitos de outrem”»[16].

Neste conspecto, se, por forma a garantir o livre debate de questões de interesse público no seio de uma sociedade democrática, se deverá sobrevalorizar a liberdade de expressão quando esta conflitue com o direito ao bom nome, o regime constitucional de restrição de direitos fundamentais consagrado no art. 18.º/2 do CRP não poderá ser postergado, competindo aos tribunais nacionais a irrenunciável tarefa de aquilatar se o núcleo essencial do direito ao bom nome se encontra preservado, segundo um juízo de proporcionalidade[17].


*


Regressando ao caso concreto, vejamos se é possível acompanhar o acórdão recorrido na conclusão de que o réu agiu licitamente relativamente à imputação de factos dirigida ao autor AA – imputação essa que se provou ser falsa – no sentido de que este fugiu da direção dos bombeiros após “se saber que tinha gasto o dinheiro dos seguros das ambulâncias”.

Na doutrina civilística não suscita controvérsia que o exercício de um direito consubstancia uma causa de exclusão da ilicitude, sublinhando-se que o art. 483.º/1 do CC “pressupõe a possibilidade de violação lícita de direitos de outrem ou de normas dirigidas a proteger interesses alheios, o que corresponde à intervenção de uma causa justificativa.”[18]

Ainda no plano jurídico-legal, há que fazer menção ao regime de tutela da honra no âmbito penal. O art. 180.º do CP, que tipifica como crime de difamação a conduta de quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, preceitua, no seu n.º 2, que a conduta não é punível quando “a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.”

Esta norma deverá ser mobilizada, não porque exista uma unidade da ilicitude da ordem jurídica, mas porque, na linha do defendido por João Tornada, “na ausência de normas harmonizadoras semelhantes às do artigo 180.º, n.º 2 e 4 do CP no âmbito da responsabilidade civil, propugnamos pela aplicação da relevância da verdade e da boa-fé objetiva e subjetiva para efeitos da exclusão da ilicitude, mediante uma interpretação conforme à Constituição das normas da responsabilidade civil e por aplicação direta da CEDH.”[19]

Na mesma linha, Jónatas Machado, reflectindo sobre a questão de saber até que ponto a exceptio veritatis pode servir para afastar a ilicitude da conduta, considera que “a solução pode e deve ser procurada recorrendo simultaneamente ao princípio constitucional da concordância prática entre bens jurídicos conflituantes e ao modo como o problema é tratado no direito penal, onde são visíveis os traços essenciais daquela mesma metódica de interpretação e concretização constitucional. Partindo desse enquadramento, o entendimento que nos parece mais consistente, do ponto de vista sistémico, aponta para que, de iure condito, a exceptio veritatis seja admitida quando se trata de imputações difamatórias de natureza valorativa e factual, ou da afirmação de factos injuriosos, neste último caso independentemente da existência, ou não, de um animus injuriandi.[20].

Quanto à legitimidade do interesse da imputação enquanto elemento integrador da justificação, a doutrina penalista realça que se deverá tratar de um interesse público, no sentido de “a narração possuir uma ressonância que ultrapasse o círculo estrito das pessoas envolvidas.” [21] Por outro lado, sublinha-se – ainda que a respeito do exercício da actividade da imprensa – que o legislador admite a possibilidade de justificação mesmo relativamente à imputação de factos falsos, desde que o agente tenha fundamentos sérios para, em boa-fé, os reputar como verdadeiros. Esta boa-fé não poderá assentar numa pura convicção subjectiva, antes pressuporá uma dimensão objectiva, requerendo, da parte do jornalista, o cumprimento de regras de cuidado inerentes à actividade de imprensa que impõem ao profissional o cumprimento do dever de informação antes da publicação da notícia[22].


*


É, pois, altura de convocar os critérios hermenêuticos desenvolvidos pelo TEDH relevantes para apreciar a situação decidenda.

Efetivamente, enquanto não entra em vigor o Protocolo n.º 16, de 2 de outubro de 2013 – que dotou o TEDH de competência para emitir pareceres consultivos, um mecanismo que se poderá considerar análogo ao reenvio prejudicial disponível para o direito da União Europeia[23] – , a metodologia a adpotar pelos tribunais nacionais (que se encontram sujeitos à autoridade interpretativa do TEDH) passará, nas palavras do acórdão do STJ de 13-07-2017[24] (Lopes do Rego), por formular “um juízo de prognose sobre a interpretação que certa norma convencional provavelmente irá merecer se o caso for ulteriormente colocado ao TEDH, partindo, na medida do possível, de uma análise da jurisprudência mais recente e actualizada desse órgão jurisdicional internacional, proferida a propósito de situação materialmente equiparável á dos autos.”. Como salienta o aresto, “esta via metodológica que se propõe não implica que o Supremo Tribunal nacional tenha de seguir automaticamente a orientação que, naquele juízo de prognose, considere que provavelmente decorre da jurisprudência reiterada do TEDH, emitida anteriormente a propósito de situações materiais idênticas ou equiparáveis; na verdade, a prevalência das normas constitucionais sobre o próprio Direito Internacional convencional poderá levar a uma recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da solução normativa que, resultando, naquele juízo de prognose, da jurisprudência reiterada do TEDH, se revele, no caso, conflituante com as normas e princípios da Constituição: ou seja, a verificar-se tal situação (por ex., num caso em que se considere que a compatibilização ou concordância prática dos direitos fundamentais em conflito, tal como emerge da jurisprudência corrente do TEDH, implicaria o desproporcional esmagamento ou esvaziamento de um direito fundamental de personalidade) enunciará o Tribunal esse preciso conteúdo normativo, recusando a respectiva aplicação por o considerar inconstitucional – e abrindo-se, assim, a possível via do recurso de fiscalização concreta, previsto na al. a) do nº1 do art. 70º da Lei do TC.”.


Os critérios interpretativos que têm vindo a ser adoptados pelo TEDH poderão sintetizar-se de acordo com as seguintes ideias, consideradas por João Tornada como “linhas normativas de decisão generalizáveis”[25]: a liberdade de expressão é um fundamento essencial de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso e do direito de manifestação de cada um; a liberdade de expressão vale não somente para as informações ou ideias favoráveis, inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ofendem, chocam ou inquietam; os limites da crítica aceitável são mais largos no caso de um político, ou de uma personalidade pública, em relação a um cidadão comum[26].

É apodítico que a situação em apreço se desenvolve na arena política (os três autores integraram a lista denominada “Grupo de Cidadãos Eleitores Mais Concelho ...”, que concorreu às eleições autárquicas de 2021, e que se apresentava como lista concorrente à candidatura apresentada pelo ... (...), apoiada pelo réu – pontos 1 a 3 e 13 da matéria de facto provada). Neste contexto, há que reconhecer que, de acordo com as directrizes desenvolvidas pelo TEDH, os autores, enquanto protagonistas políticos, gozam de uma esfera de proteção diminuída fora da sua vida privada, sendo de reconhecer ao réu uma alargada margem de tolerância no exercício da sua liberdade de expressão na discussão de matérias que assumam indiscutível relevo público – como constitui a divulgação do facto de que o autor, candidato a presidente de uma Câmara Municipal, se terá apropriado de dinheiro destinado ao pagamento dos seguros das ambulâncias de bombeiros, enquanto exercia funções na direcção nesta entidade.

A maior amplitude reconhecida aos limites da crítica admissível dirigida a um homem político, na qualidade de personagem pública, não constitui, ao contrário do afirmado pelos recorrentes, reflexo da degradação do mesmo para um estatuto de “cidadão de segunda”. Com efeito, como explicita Ireneu Cabral Barreto, o homem político expõe-se inevitável e conscientemente a um controlo atento dos seus actos e gestos, tanto por parte dos jornalistas como pela massa dos cidadãos, e deve mostrar uma maior tolerância, sobretudo quando ele próprio produz declarações públicas que se prestam à crítica (…).”[27] O TEDH chega mesmo a afirmar que, de entre os “atores da vida pública”, os políticos são “os que devem ser mais tolerantes às críticas violentas” (cfr. caso Lingens contra Áustria[28]) ou mesmo “insultuosas” (cfr. caso Özgür Gündem contra Turquia, §60[29]).

A publicação, de acesso público, realizada no decurso da campanha eleitoral, no segmento transcrito, implica a imputação de um facto susceptível de comprovação.

Tal asserção torna oportuna a distinção entre facto e juízo, distinção essa que, se não se revela particularmente problemática em termos abstrato-conceituais, levanta, não raras vezes, escolhos de ordem prática.

Faria Costa reconduz à noção de facto “aquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência.” Já o juízo, “independentemente dos domínios em que ele pode ser operatório (juízos psicológico, lógico, axiológico, jurídico), deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa mas ao seu valor. O que é o mesmo que dizer: deve ser entendido relativamente ao grau de consecução dessa ideia, coisa ou facto, se valorados em função do fim prosseguido (a verdade, a beleza, a moral, a justiça, etc).”[30]

João Tornada precisa que “um facto é uma proposição dirigida à existência exterior de um certo dado, sendo por isso comprovável pela experiência real. Já uma ideia/opinião é uma proposição que encerra juízos de valor ou de apreciação relativamente a factos ou a outras ideias/opiniões, pelo que a sua veracidade não pode ser, por natureza, verificada.”[31].


Na situação em análise, se é certo que não se exigia ao réu uma investigação autónoma acerca da veracidade dos factos imputados, sempre se exigiria que o mesmo dispusesse de um fundamento sério para, em boa-fé, ter reputado as afirmações propagadas como verdadeiras.

Como o próprio TEDH afirmou no acórdão de 11-01-2011, proferido no caso Barata Monteiro da Costa Nogueira e Patrício Pereira c. Portugal[32], o artigo 10º da Convenção não garante uma liberdade de expressão sem nenhuma restrição, retirando-se do n.º 2 desta disposição que o exercício daquela «liberdade comporta “deveres e responsabilidades” que são relevantes quando, como no caso, se corre o risco de ofender a honra de particulares e de pôr em perigo os “direitos de outrem”. Assim, a informação divulgada sobre questões de interesse geral está dependente da condição de que os interessados atuem de boa-fé de modo a fornecer informações exatas e dignas de crédito.». A exigência de que o interessado actue de boa-fé de modo a fornecer informações exactas foi pelo TEDH afirmada em outros arestos, de que constituem exemplos os casos, que apreciaram a liberdade de expressão de jornalistas, Fressoz e Roire c. France[33] (cfr. § 54) e Brunet Lecomte et autres c. France[34] n. 42117/04 (cfr. § 47).

Se é verdade que, como faz notar Ireneu Cabral Barreto, louvando-se em jurisprudência do TEDH, as ingerências na liberdade de expressão por parte de um homem político “só devem ser admitidas face a razões imperiosas e impõem um controlo dos mais estritos, pois a margem de apreciação é aqui particularmente reduzida”[35], no âmbito de uma sociedade plural e amplamente participada, a circunstância, sublinhada pelos recorrentes, de o recorrido não ser interlocutor político nas eleições em apreço ou mesmo eleitor do concelho em causa não deverá contribuir para o estreitamento do âmbito da sua liberdade de expressão, considerando que a eleição de titulares de órgãos autárquicos apresenta interesse generalizado por contender com a escolha de decisores públicos. No acórdão mencionado pelos autores no seu recurso, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do processo n.º 8777/21.3T8LSB.L1-7 (disponível em www.dgsi.pt), não foi adoptado qualquer entendimento discrepante ao que se expõe: apenas se afirmou não ser admissível que os autores, cidadãos privados de notoriedade pública, fossem destinatários de uma linguagem excessiva e agressiva por parte do 1º réu, uma figura pública do mundo político, salientando-se que a utilização de tal linguagem tão-só se afiguraria admissível se dirigida contra o interlocutor político do demandado. Ora, a actuação dos autores situa-se, precisamente, na esfera pública (política), mais exposta a ataques contundentes de terceiros.


Entende-se que os factos concretos imputados, dotados de gravidade – já que, colocam em causa a idoneidade de um candidato a uma Câmara Municipal para gerir dinheiro alheio e cumprir os mais elementares deveres na administração de bens, como seja o pagamento de um seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel – encontram, nos factos assentes, uma base factual suficiente, já que ficou demonstrado que, não obstante a seguradora ter vindo a informar que fora por lapso seu que o prémio do seguro, atempadamente pago, não foi considerado (facto n.º 41), o contrato de seguro da ambulância cessou, efectivamente, por falta de pagamento do prémio, tendo os Bombeiros Voluntários procedido ao pagamento deste ao representante da companhia de seguros – o próprio autor AA (facto n.º 40). É possível, assim, constatar, da análise da materialidade adquirida, que a ambulância dos bombeiros circulou efectivamente sem seguro de responsabilidade civil válido, não obstante a respetiva direcção ter procedido ao pagamento atempado do respetivo prémio ao autor. Estes dados, num contexto de campanha eleitoral para os órgãos autárquicos – uma campanha marcada, tipicamente, pela acentuada polarização de posições e pela exaltação de ânimos, tendo em conta a particular proximidade dos cidadãos aos candidatos e às questões locais – consubstanciam uma base fáctica suficiente a esteirar a imputação (que se revelou ser falsa) de que o autor se apropriou do dinheiro do prémio do seguro.


Se é certo que, como salientou o TEDH no já aludido caso Barata Monteiro da Costa Nogueira e Patrício Pereira c. Portugal[36], “quanto mais grave for a imputação, mais sólida deve ser a sua base factual”, na situação presente essa base emerge, de modo suficiente, dos apontados pontos da matéria de facto assente. E é, precisamente, esta base factual que, de acordo com um juízo orientado pelo princípio da proporcionalidade (art. 18.º/2 da CRP), preserva o núcleo essencial do direito à honra e ao bom nome do autor, ante a prevalência que “in casu” é de conceder ao direito à liberdade de expressão do demandado.


*


Como referimos, aquando da abordagem da primeira questão, no plano jusprocessual da alegação fáctica, apesar de os autores terem lançado mão de uma acção especial de tutela da personalidade destinada a atenuar os efeitos de uma ofensa já cometida, cabendo-lhes justificar a necessidade concreta da tutela da personalidade, os autores alegaram o que tinham de alegar: factos relativos à materialidade das imputações feitas pelo Ré na rede social Facebook e à falsidade dos mesmos; cumprindo, por sua vez, ao réu alegar e provar factos que, integrando matéria de excepção (porque impeditiva do direito invocado pelos autores, ut art. 342.º/2 do CC), fossem de molde a se concluir que o mesmo dispunha de fundamento sério para, em boa-fé, reputar como verdadeiras as afirmações feitas (designadamente, como referido supra, de que o recorrente primeiro autor  “tinha gasto” o “dinheiro dos seguros”).

E, como também foi referido, não se tornava necessário que o tribunal a quo determinasse adicionais diligências probatórias, até porque, como igualmente ficou dito, não se vislumbra que a Relação tivesse permanecido em situação de dúvida acerca da integralidade dos contornos do sucedido, tendo entendido que os factos que resultaram apurados constituíam uma base sólida para considerar desculpável o erro em que incorreu o recorrido ao formular as imputações falsas.


*


Também o segmento da publicação em que o réu imputa mentiras ao 1º autor (AA) por ter dito que era ..., apesar de desprimoroso, não extravasa os limites da crítica admissível, por ter sido dirigido a uma personalidade política, de quem é exigível um nível de tolerância superior ao cidadão comum quanto à crítica relacionada com matérias de interesse público (como constitui a matéria qualificação académica de um candidato).

Flui, pois, do exposto que uma ingerência no direito à liberdade de expressão exercido através da escrita da publicação em que o réu visou o autor AA não se afigura necessária, no contexto de uma sociedade democrática. Pelo que, em nossa perspetiva, o recurso interposto por aquele autor deverá improceder, sendo confirmada a decisão recorrida neste segmento.


**


2.2. DAS PUBLICAÇÕES ESCRITAS PELO RÉU E DIRIGIDAS AO AUTOR BB

Com relevância para a apreciação vertente, ficou demonstrada a seguinte factualidade (que se sublinha na parte significativa):

44) O Réu, no dia ...-09-2021, fez uma publicação na rede social Facebook, da qual consta: ..., ... MUNICIPAL, DR. HH.

... VAI TER, COM TODA A CERTEZA UM REPUTADÍSSIMO ... COMO ... DA ... MUNICIPAL, O DR HH. EXERCEU OS MAIS ALTOS CARGOS POSSÍVEIS NO MINISTÉRIO DAS .... MAIS TARDE RECOMEÇOU A EXERCER O QUE FAZ AINDA HOJE. DISPÔS-SE A AJUDAR A SUA TERRA ... COM PREJUIZO QUER FINANCEIRO QUER A NÍVEL DA SUA VIDA PESSOAL. MAS QUIS AJUDAR PONDO TODO O SEU SABER E EXPERIÊNCIA AO SERVIÇO DO CONCELHO. ESTE SENHOR, ESTE GRANDE SENHOR É DOS QUE DÁ, É DOS QUE VEM PARA CRIAR, PARA FAZER E NÃO PARA TIRAR PARTIDO DO QUE QUER QUE SEJA POIS TEM UMA VIDA PARA LÁ DE CONFORTÁVEL. OPÕE-SE-LHE OUTRO ..., MAS DE DIFERENTE NÍVEL. TODOS O CONHECEMOS, TODOS SABEMOS DO QUE É CAPAZ PARA ATINGIR OS SEUS FINS. MENTIROSO ATÉ Á MEDULA. CAPAZ DE DIZER UMA COISA E NUM VIRAR DE COSTA DESMENTI-LA. O II E O JJ DÃO-LHE LIÇÕES DE HONESTIDADE.....ANDANDO.........QUANDO É QUE TE VAIS EMBORA DE ... COMO ME DISSESTE UMA VEZ??? EU PAGO O BILHETE NEM QUE SEJA EM PRIMEIRA CLASSE. UMA BOA NOITE E DOMINGO VOTEM DR. HH PARA A ... MUNICIPAL OU SEJA .... DD. (sublinhado nosso)

45) Junto à publicação referida em 44., na parte inferior, encontrava-se uma fotografia referente a uma intervenção pública do partido apoiado pelo Réu, ocorrida em período de campanha eleitoral.

O acórdão recorrido, começando por sublinhar estar em causa, não a imputação de factos, mas a formulação de juízos de valor, cuja prova de veracidade se mostra naturalisticamente impossível, realçou que as citadas observações são de enquadrar no âmbito de um ataque político, fazendo notar, uma vez mais, que “as figuras públicas ou pessoas que exerçam cargos públicos encontrar-se-ão mais sujeitas à exposição e às críticas, impondo-se uma maior tolerância no espaço de debate quanto às suas ações, posições, ou quanto à sua pessoa atuante no espaço público.”. Concluiu a Relação de Coimbra, a este propósito, que “na situação em apreço, as expressões em causa (chamando-lhe mentiroso, desonesto, e “afirmando que ele é capaz de tudo”), embora desagradáveis, sarcásticas e claramente ofensivas, usadas enquanto manifestação do desagrado do réu quanto à anterior atuação política do autor, inserem-se num contexto de disputa eleitoral, na qual aquele era candidato a ... da câmara, sem que nelas se encontre qualquer alusão ao autor enquanto mero cidadão ou quanto à sua vida pessoal.”

Cremos que, também nesta sede, o acórdão recorrido fez um adequado balanceamento dos direitos em conflito.

Com efeito, estando em causa juízos de valor, a prova da sua veracidade afigura-se naturalisticamente impossível, sendo tão-só exigível que se demonstre que os mesmos assentam em alguma “base de facto suficiente”.

No caso, ainda que os juízos formulados se revelem ofensivos – por envolverem a qualificação do autor como uma pessoa mentirosa, sem escrúpulos, associando-o a pessoas conotadas, pelo público em geral, com a prática de crimes graves –, não se poderá considerar que os mesmos correspondam a ofensas gratuitas, tendo em conta que, como não passou despercebido ao tribunal recorrido, se inserem num contexto de crítica à actuação política anterior do autor BB e à sua intervenção na denominada “obra das devesas altas” (ponto 42 da matéria de facto provada). A dilucidação dos exactos contornos da aprovação desta obra, referidos pelo recorrente no ponto P) das suas conclusões de recurso, não se mostraria apta a excluir a admissibilidade desta crítica que, em si, encerra juízos valorativos.

Por outro lado, há a considerar que tais expressões foram proferidas no âmbito de uma campanha eleitoral (em concreto, no âmbito da análise comparativa dos perfis de dois candidatos), tendo sido dirigidas ao cabeça de lista à Assembleia Municipal ..., de quem é exigível uma acrescida resistência à crítica.

Salienta Henriques Gaspar, ainda que por referência à actividade jornalística, que “especialmente, tratando-se de juízos de valor em que, ao contrário da imputação de factos, não poderá ser exigida a prova, por natureza impossível, o TEDH adopta uma posição de intervenção máxima e de sobreposição dos seus critérios aos das decisões nacionais, nada deixando praticamente à margem de apreciação nacional — mesmo, por vezes, no que respeita à pura e simples interpretação sobre os factos.”[37]

Se é certo que a liberdade de expressão não é válida apenas para ideias acolhidas favoravelmente, ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas, igualmente, para as ideias que chocam ou inquietam o Estado ou parte da população (cfr., entre outros, os acórdãos do TEDH de 07-02-2012[38], caso Axel Springer Ag contra Alemanha, §78), a jurisprudência do TEDH tem também afirmado que, no âmbito do discurso político ou de questões de interesse geral, há pouco espaço para as restrições à liberdade de expressão, sobretudo quando – como constitui o caso que nos ocupa – não há apelo à violência, ao ódio e à intolerância[39].

Pelos motivos que se deixaram expostos, uma restrição à liberdade de expressão do recorrido quanto às publicações dirigidas ao autor BB não se afigura necessária, devendo o recurso interposto por este autor igualmente soçobrar.


*


2.3. DAS PUBLICAÇÕES ESCRITAS PELO RÉU QUE VISARAM O AUTOR CC

As publicações em causa apresentam o seguinte conteúdo, que se sublinha, na parte considerada relevante:

49) O Réu, no dia ...-09-2021, fez uma publicação na rede social Facebook, da qual consta: (…). HÁ UNS TEMPOS LI UM TEXTO EM QUE ALGUÉM DIZIA '' AQUELES QUE HOJE CLAMAM MAIS POR LIBERDADE, IGUALDADE E TUDO MAIS VÃO SER OS DITADORES DO FUTURO''. O SENTIDO ERA ESTE AS PALVRAS PODIAM SER OUTRAS. TODOS CONHECEM O .... CC (MAIS CONHECIDO POR KK). TRATA-SE DE UM RETARDADO POLITICO QUE PROCURA SEMEAR O ÓDIO ENTRE OS ... COM MENTIRAS E INJURIAS A TODOS QUANTOS SE LHES OPONHAM. RECORDO-ME DO DIRCURSO NAS ANTERIORES ELEIÇÕES ONDE DIZIA PARA AS PESSOAS NÃO TEREM MEDO E MUITO MAIS. MAS AS PESSOAS NUNCA TIVERAM MEDO DAÍ AS VOTAÇÕES TÃO DIFERENCIADAS NO Concelho ... E EM PARTICULAR NA FREGUESIA SEDE. CLAMA ESTE SENHOR QUE '' ELES COMEM TUDO, ELES COMEM TUDO E NÃO DEIXAM NADA'' BEM VEJAMOS ENTÃO, O QUE COMERAM OS TRÊS AUTARCAS DO .... O DR. CC MAIS DO QUE RECEBER DÁ. DÁ CAPACIDADE DE GESTÃO, DÁ TRABALHO, MUITO TRABALHO, DÁ APOIO, DÁ ATÉ DINHEIRO. O VICE ... LL ESTEVE 12 ANOS NA ... MUNICIPAL, MAIS 12 COMO VEREADOR A TEMPO INTEIRO E MAIS 8 COMO VICE .... PARA ALÉM DO SEU SALÁRIO O QUE GANHOU ELE??? A MULHER TRABALHA NA ...?? NÃO!!! AS FILHAS TRABALHAM NA ... OU FORAM BENEFICIÁRIAS DE ALGUM FAVOR??? NÃO!!!! FOI BENEFICIÁRIO ELE OU ALGUÉM DA SUA FAMILIA PRÓXIMA DE ALGUM DINHEIRO EM PROJECTOS COM APOIOS COMUNITÁRIOS, MUNICIPAIS OU OUTROS??? NÃO!!! O MM PARA ALÉM DO SEU SALÁRIO, MULHER FILHO OU NEGÓCIOS??? NADA!!! VEJAMOS ENTÃO ESTE SR. CC DE PROFISSÃO .... OITO ANOS NA ... MUNICIPAL, REPITO SÓ OITO ANOS NA ... MUNÍCIPAL!!! CONSEGUIU QUE OS DOIS FILHOS FOSSEM TRABALHAR PARA A ... (ESTES DOIS SÃO COMPETENTES E TODOS OS OUTROS SÃO UNS INÚTEIS), FOI A FILHA BENEFICIÁRIA DE CENTENAS DE MILHARES DE EUROS, VOLTO A REPETIR DE CENTENAS DE MILHARES DE EUROS EM FUNDOS PÚBLICOS. MAS AQUI É QUE A "PORCA TORCE O RABO" COMO DIZ O POVO. POIS MEUS AMIGOS O VOLUME DE APOIOS RECEBIDOS FACE AO INVESTIMENTO SÓ PODE TÊ-LO SIDO AO ABRIGO DO ESTATUTO DE JOVEM EMPRESÁRIO E ESSE OBRIGA A CINCO ANOS DE TRABALHO EM EXCLUSIVIDADE E ESTA SENHORA SIMULTÃNEAMENTE TORNOU-SE FUNCIONÁRIA PÚBLICA. TRABALHEI, AINDA NA DÉCADA DE OITENTA NUMA EMPRESA QUE MONTAVA PROJECTOS PARA POSTERIOR CANDIDATURA AOS FUNDOS COMUNITÁRIOS E ISTO ERA CLARO COMO A ÁGUA. POIS É SR. ... ''ELES COMEM TUDO, ELES COMEM TUDO E NÃO DEIXAM NADA...." ELES NÃO!!! ELES NÃO!!! O SENHOR E A SUA FAMÍLIA SIM??? ESTE INDIVIDUO PROCURA CRIAR ÓDIO ENTRE OS ... E IA DIZER '' PELA CALADA DA NOITE'' MAS NÃO, O CORRECTO É DIZER Á FRENTE DE TODOS E Á LUZ DO DIA PROCURA ENCHER OS BOLSOS COM AQUILO QUE É DE TODOS!! (…)

51) O Réu, em ...-09-2021, fez uma publicação na rede social Facebook, da qual consta: ..., JUNTA DE FREGUESIA. O PRINCIPE E O OPORTUNISTA, A VIDA DO LL FALA POR ELE. MAIS DE TRINTA ANOS NA POLITICA, MUITA OBRA FEIRA, MUITA DEDICAÇÃO, UMA ÉTICA IRREPREENSÍVEL E ACIMA DE TUDO MÃOS LIMPAS. (…). DO OUTRO LADO TALVEZ O MAIS ODIOSO DOS .... ..., SEMEIA CONFUSÃO, PROCURA DIVIDIR MAS SEMPRE COM UM OLHO NO COFRE., OU MELHOR OS DOIS. COM UMA PASSAGEM DE OITO ANOS PELA ... MUNICIPAL QUE NINGUÉM RECORDA COM SAUDADE TANTOS FORAM OS SEUS EXAGEROS, OS SEUS DISPARATES E FALTAS DE RESPEITO PARA COM OS SEUS ADVERSÁRIOS. BEM MAS SAI COM A ''VIDINHA'' DA FAMILIA RESOLVIDA. ''ENCAIXOU OS DOIS FILHOS NA ... E PRINCIPALMENTE FOI BUSCAR CERCA DE 250 MIL EUROS, REPITO CERCA DE 250 MIL EUROS A FUNDO PERDIDO PARA UM PROJECTO EM NOME DA FILHA QUE ENTRETANTO SE TORNOU FUNCIONÁRIA PÚBLICA. OU UMA COISA OU A OUTRA, POIS O ESTATUTO DE JOVEM EMPRESÁRIA OBRIGAVA-A A CINCO ANOS DE TRABALHO EM EXCLUSIVO NO PROJECTO BENEFICIADO COM OS FUNDOS. DIZIA-ME HÁ ALGUNS DIAS UM APOIANTE DOS ''INDEPENDENTES'', TUDO BEM, ELE FEZ ISSO MAS OS OUTROS TAMBÉM FAZEM. VERDADE!! O II E OUTROS BILTRES COMO ELE POIS QUE EM ... NEM DR. CC, NEM LL, NEM NN DERAM EMPREGO A FILHOS OU MULHERES E MUITO MENOS FORAM BENEFICIADOS COM FUNDOS DE QUALQUER NATUREZA. ESTA ELEIÇÃO É MUITO, MAS MESMO MUITO SIMPLES. POR UM LADO UM HOMEM COM UM PERCURSO IRREPREENSSÍVEL. POR OUTRO ALGUÉM QUE NA JUNTA OU ONDE QUER QUE ESTEJA SERÁ SEMPRE PIOR QUE PÔR UMA RAPOSA FAMINTA A GUARDAR UM GALINHEIRO. UMA BOA NOITE E DOMINGO VOTEM BEM. LL É O HOMEM DE QUEM SE FALA É O NOSSO PRESIDENTE!!!

54) O Réu, em ...-09-2021, após o ato eleitoral, fez uma publicação na rede social Facebook, da qual consta: (…). NA MINHA TERRA O ... E O DR. CC GANHARAM COM MAIS UMA MAIORIA ABSOLUTA CONFORTÁVEL. ÚNICO ASPECTO NEGATIVO NA FREGUESIA ... O LL FOI PRETERIDO, EMBORA POR UM PUNHADO DE VOTOS, POR UM COMUNA DO PIOR, UM RADICAL, OPORTUNISTA, AGRESSIVO, MAU CARACTER, ODIOSO. FICA ... A PERDER E DE QUE MANEIRA. AGORA VAMOS AO TRABALHO. ALGUÉM TEM QUE O FAZER POIS VÊM AI MAIS 4 ANOS DE FESTAROLAS E FOGUETÓRIO NA FREGUESIA .... SAUDE PARA TODOS E EXCELENTE QUINTA FEIRA.

57) O Réu, em ...-10-2021, após o ato eleitoral, fez uma publicação na rede social Facebook, da qual consta: BOM DIA, BOM DIA..... HOJE ACORDEI A SENTIR-ME IMPORTANTE MAS AO MESMO TEMPO MUITO TRISTE, MAS MUITO TRISTE MESMO SEM QUALQUER ESPÉCIE DE IRONIA. ENTÃO NÃO É QUE ONTEM NA TOMADA DE POSSE DOS NOSVOS ELEITOS PARA A JUNTA DE FREGUESIA DE ... TIVE HONRAS DE CITAÇÃO POR PARTE DO "KK" .......QUE TRISTEZA. O QUE ASSUSTA TANTO ESTA DESPRESIVEL CRIATURA? COMO É POSSIVEL O MEU QUERIDO ... TER MUDADO TANTO AO PONTO DE ELEGEREM UMA ABERRAÇÃO DESTE TAMANHO? PASSOU NA ... FEZ TERRORISMO. Casa do ..., TERRORISMO. NA ... TODOS SÃO INCOMPETENTES EXCEPTUANDO OS SEUS FILHOS. É UM POÇO DE ODIO, VINGATIVO COMO SE VÊ E VAI VER MUITO MAIS. UM DESERTO DE IDEIAS E ALGUÉM QUE SÓ SERVE OS SEUS PROPRIOS INTERESSES. BEM, PARA ELE E PARA TODOS OS DA OPOSIÇÃO CONTEM COMIGO MAIS DO QUE NUNCA A DEFENDER OS INTERESSES DE ... E A COMBATER HIPOCRITAS, RADICAIS, E TODOS QUANTOS SÓ PENSAM NO SEU BOLSO. UMA EXCELENTE QUINTA FEIRA PARA TODOS E BOM TRABALHO PARA QUEM É VÁLIDO, PARA QUEM TRABALHA.

60) O Réu, ainda em ...-10-2021, após o ato eleitoral, fez uma publicação na rede social Facebook, da qual consta: ... EM MAIÚSCULAS!!!! DOIS HOMENS QUE SERVIRAM, E CONTINUARÃO A SERVIR ... SEM SE SERVIR DAS POSIÇÕES QUE OCUPAM. NENHUM DELES TEM OS FILHOS EMPREGADOS NA .... NENHUM DELES USOU DINHEIROS PÚBLICOS EM PROVEITO PRÓPRIO. NENHUM DELES ANDOU A AMEAÇAR OS SEUS CONCIDADÃOS MUITO MENOS A METER-LHES PROCESSOS COMO TENHO SIDO RECENTEMENTE AMEAÇADO POR DEMOCRATAS DE MEIA TIJELA. NENHUM DELES TEM UM PASSADO VERGONHOSO. UMA PENA NÃO SEREM ETERNOS.......... MAS ... VAI CONTINUAR NO BOM CAMINHO POIS AINDA HÁ HOMENS QUE NÃO SE ASSUSTAM NEM SE VERGAM!!!! DD.

No que respeita às publicações de 23 de setembro de 2021 e 24 de setembro de 2021, o tribunal “a quo” fez a seguinte apreciação: “(…) na parte em que contêm a imputação de factos – “ENCAIXOU OS DOIS FILHOS NA ... E PRINCIPALMENTE FOI BUSCAR CERCA DE 250 MIL EUROS, REPITO CERCA DE 250 MIL EUROS A FUNDO PERDIDO PARA UM PROJECTO EM NOME DA FILHA QUE ENTRETANTO SE TORNOU FUNCIONÁRIA PÚBLICA” -, se é certo que podem envolver a imputação de factos suscetíveis de constituir a pratica de factos ilícitos (ou, pelo menos, politicamente passíveis de censura), os mesmos encontram-se demonstrados ou, pelo menos, existem nos autos indícios suficientes que suportem a sua veracidade, sem que se exija que a imputação contenha uma narração absolutamente fidedigna dos factos. Com efeito, quanto às acusações relacionadas com o facto de autor CC colocado dois filhos a trabalhar na Camara Municipal ..., temos de a ter por suficientemente fundada, quando o próprio autor nunca o negou nos articulados da presente ação – nem na descrição que dos factos faz na petição inicial, nem numa eventual resposta à defesa assumida pelo réu na oposição que deduziu à presente ação. Na petição inicial, o autor não nega, nunca, ter tido dois filhos na Camara Municipal ..., nem que a sua filha tenha sido beneficiária de Fundos, nomeadamente enquanto aí trabalhava. E, quanto às imputações relacionadas com o facto de a sua filha ter recebido Fundos da União Europeia, por referência a um projeto por si apresentado enquanto trabalhava na Camara Municipal, a mesma de ter-se por fundamentada, não só, porque o autor não nega a veracidade de tais factos, mas ainda porque encontra provado nos autos que a sua filha “OO, num investimento com montante elegível de 213,600 €, recebeu um financiamento de 128.160,00 € para um projeto com a descrição “Criação de Oferta de Animação Turística ... em ..., ...” (facto nº 63).”

Concorda-se com a argumentação do tribunal recorrido.

Pelas razões que acima se desenvolveram, a circunstância de a imputação de factos atinentes aos dois filhos do autor se encontrar suficientemente fundada – não sendo negado pelo autor que os mesmos trabalharam na Câmara Municipal ... – , tendo resultado demonstrado o recebimento pela sua filha de um financiamento relacionado com a criação de oferta de animação turística (cfr. ponto 63), admite a conclusão de que tal imputação se move, ainda, dentro do legítimo exercício da liberdade de expressão por parte do réu.

Sublinhe-se que se trata de uma matéria de interesse público, uma vez que se traduz na acusação de nepotismo por parte de alguém que, para além de ser candidato à ... de Freguesia ..., exerceu funções públicas prévias. De resto, as imputações ocorreram num plano de análise comparativa com a actuação dos candidatos da lista ... CC e LL e MM, o que reforça a conclusão de que as frases foram proferidas num contexto de refrega eleitoral – que justifica o seu caráter exagerado, excessivo, descomedido e não inteiramente fidedigno (como sucede com o valor que o réu refere ter sido recebido pela filha do autor a título de financiamento). 

Contrapõe o autor CC que “bastaria atender às declarações prestadas pela testemunha do Recorrido, no caso a testemunha EE, ... da Câmara Municipal, para se verificar que a filha deste Autor foi admitida como funcionária da Autarquia porque ficou em primeiro lugar num concurso público que teve inúmeros outros concorrentes e que o filho deste Autor se limitou a fazer um estágio curricular, previsto no próprio plano de estudos.”

Ora, para além de, como se fez já notar, não vigorar no presente processo o princípio do inquisitório próprio dos processos de jurisdição voluntária, não tinha a Relação de levar a cabo oficiosamente diligências probatórias adicionais, no fito de esclarecer os termos em que os filhos do autor exerceram lugares na autarquia, quando, como igualmente já se referiu, o próprio autor não alegou, em tempo oportuno, a matéria que agora afirma ser susceptível de retirar solidez à base factual da imputação em análise.

Sempre se diga, porém, que ainda que ficasse provado que “a filha do autor CC foi admitida como funcionária da Autarquia porque ficou em primeiro lugar num concurso público que teve inúmeros outros concorrentes e que o filho deste Autor se limitou a fazer um estágio curricular, previsto no próprio plano de estudos”, tal facticidade não afastaria a conclusão de que a imputação do réu apresenta uma base factual suficiente – tendo em conta que os filhos exerceram funções na autarquia – , ainda que a mesma não tenha integral adesão à realidade, sendo, nessa medida, polémica[40]. Com isto pretendemos salientar que as expressões utilizadas, sendo desprimorosas em relação ao autor – na medida em que lhe imputam factos dos quais se depreende que o mesmo se aproveitou das funções públicas exercidas para beneficiar os filhos na autarquia – , apresentam um lastro factual mínimo. Esta base factual exclui a gratuitidade do ataque – porque lhe confere uma explicação de índole objectiva – o que, em conjugação com a circunstância de o mesmo ter sido dirigido a um candidato autárquico, num contexto de campanha eleitoral, tornam a restrição ao direito de liberdade de expressão do réu não necessária, à luz de um critério de proporcionalidade.

Dirijamos, por ora, o prisma de análise para as palavras do réu que exprimem juízos de valor dirigidas ao autor CC e que poderão ser encontradas nas publicações do dia ...-09-2021 – “RETARDADO POLITICO QUE PROCURA SEMEAR O ÓDIO ENTRE OS ... COM MENTIRAS E INJURIAS A TODOS QUANTOS SE LHES OPONHAM” – de dia ...-09-2021 – “O MAIS ODIOSO DOS OLEIRENSES. SEMEIA ÓDIO, SEMEIA CONFUSÃO, PROCURA DIVIDIR MAS SEMPRE COM UM OLHO NO COFRE., OU MELHOR OS DOIS (…) TANTOS FORAM OS SEUS ÊXAGEROS, OS SEUS DISPARATES E FALTAS DE RESPEITO PARA COM OS SEUS ADVERSÁRIOS. BEM MAS SAI COM A ''VIDINHA'' DA FAMILIA RESOLVIDA – de ...-09-2021 – “UM COMUNA DO PIOR, UM RADICAL, OPORTUNISTA, AGRESSIVO, MAU CARACTER, ODIOSO” – de ...-10-2021 – “DESPRESIVEL CRIATURA CRIATURA? COMO É POSSIVEL O MEU QUERIDO ... TER MUDADO TANTO AO PONTO DE ELEGEREM UMA ABERRAÇÃO DESTE TAMANHO? PASSOU NA ... FEZ TERRORISMO. Casa do ..., TERRORISMO. UM POÇO DE ODIO, VINGATIVO COMO SE VÊ E VAI VER MUITO MAIS. UM DESERTO DE IDEIAS E ALGUÉM QUE SÓ SERVE OS SEUS PROPRIOS INTERESSES. BEM, PARA ELE E PARA TODOS OS DA OPOSIÇÃO CONTEM COMIGO MAIS DO QUE NUNCA A DEFENDER OS INTERESSES DE ... E A COMBATER HIPOCRITAS, RADICAIS, E TODOS QUANTOS SÓ PENSAM NO SEU BOLSO – e de ...-10-2021 – “NENHUM DELES USOU DINHEIROS PÚBLICOS EM PROVEITO PRÓPRIO. NENHUM DELES ANDOU A AMEAÇAR OS SEUS CONCIDADÃOS MUITO MENOS A METER-LHES PROCESSOS COMO TENHO SIDO RECENTEMENTE AMEAÇADO POR DEMOCRATAS DE MEIA TIJELA. NENHUM DELES TEM UM PASSADO VERGONHOSO.”

É certo que muitas das expressões são grosseiras, rudes, provocatórias e até violentas. No entanto, foram utilizadas como críticas num contexto político, visando o autor na qualidade de candidato, tendo, parte delas – as que se referem ao “uso de dinheiros públicos em proveito próprio” e à “ameaça através de processos judiciais” – um substrato factual suficiente: a circunstância de a filha do autor ter beneficiado de um financiamento público e de o mesmo ter instaurado o presente processo contra o réu.

Como bem salienta o acórdão recorrido, o facto de as publicações de ...-09-2023 e de ...-10-2021 serem posteriores ao acto eleitoral não retira o cunho político ao seu contexto, tendo em conta que as mesmas visaram indubitavelmente, atento o seu teor, o autor enquanto candidato à ... de Freguesia.

Neste conspecto, se é compreensível que o autor se tenha sentido melindrado, desconfortável, ofendido, com as críticas de que foi alvo, a análise integrada das publicações efectuadas na rede social Facebook – um espaço em que, por regra, são veiculadas opiniões de modo informal e hiperbolizado – não permite concluir que as mesmas tenham sido efectuadas de forma gratuita, com o propósito prevalecente de rebaixar ou humilhar o seu destinatário. Antes foram formuladas, no âmbito do exercício da crítica política, com o intuito de divulgação de factos com relevância pública e de questionamento dos perfis dos candidatos. Se as expressões utilizadas pelo réu, atenta a sua natureza grosseira, são certamente violadoras das normas do trato social urbano e cortês, não se mostram ilícitas do ponto de vista jurídico-civil – o que também nos leva a concluir pela improcedência do recurso do autor CC.


**


Em suma, e numa apreciação global dos factos, há que reter que, nos casos – como o presente – em que estão em causa assuntos que interessam à colectividade, a liberdade de expressão, como realça João Tornada, “não tutela apenas o direito de um sujeito isolado em expressar o seu pensamento: satisfaz também o direito da colectividade em ter acesso a todo o tipo de informações.”[41]

Na situação em análise, a circunstância de as publicações do réu visarem os autores na qualidade de candidatos políticos, no contexto de uma campanha eleitoral, e de, referindo-se a matérias de interesse público, apresentarem uma base factual suficiente que permite excluir a gratuitidade dos ataques, leva a concluir, de acordo com o diálogo interjurisdicional efectuado com base nos critérios decisórios perfilhados pelo TEDH na matéria, que a restrição do direito de liberdade de expressão do recorrido não se afigura necessária, sob a óptica de uma sociedade democrática.

Por outro lado, os enunciados tópicos asseguram a preservação do núcleo essencial dos direitos à honra e ao bom nome dos recorrentes, mostrando-se, pois, observado, “in casu”, o regime jurídico-constitucional português de restrição de direitos, liberdades e garantias postulado pelo art. 18.º/2/3 da CRP.


*


Uma nota final para sublinhar que o entendimento normativo que se deixou expendido, tendo sido adotado, de modo fundamentado, na sequência de as partes terem exercido na sua plenitude os direitos processuais legalmente previstos, não viola o art. 10.º da DUDH – invocado pelos recorrentes em termos genéricos e não minimamente circunstanciados – nem a garantia a um processo equitativo que aquele normativo consagra.

Não se vislumbra, como tal, outra opção que não a negação de provimento ao recurso interposto pelos três autores.


**


IV. DECISÃO 

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação.

Custas da revista a cargo dos Recorrentes.


Lisboa, 22 de junho de 2023


Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Catarina Serra (Juíza Conselheira 1º Adjunto)

Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 2º adjunto)

____

[1] RUI PINTO, CPC anot., vl II, p 770 e ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE SOUSA, CPC Anotado, Vol. II (2020 - Reimpressão), p 315.

[2] ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE SOUSA, CPC Anotado, Vol. II (2020 - Reimpressão), p. 315.

[3] Neste sentido, cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume 2, Coimbra, Almedina, 2020, p. 314.

[4] Maria dos Prazeres Beleza, “O processo especial de tutela da personalidade, no Código de Processo Civil de 2013”, A tutela geral e especial da personalidade humana, Coleção Formação Contínua CEJ, 2017, p. 68.

[5] Também dando conta deste aspeto, cfr. o acórdão do STJ de 30-05-2019 (Catarina Serra), processo n.º 336/18.4T8OER.L1.S1, disponível em m www.dgsi.pt/jstj

[6] Processo n.º 1405/07.1TCSNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt

[7] Jónatas Machado, “Liberdade de expressão, interesse público e figuras públicas e equiparadas”, Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXXXV, Universidade de Coimbra, 2009, p. 74.

[8] Processo n.º 1272/04.7TBBCL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt

[9] António Henriques Gaspar, “A influência da CEDH no Diálogo Interjurisdicional - A perspectiva nacional ou o outro lado do Espelho”, Julgar, n.º 7, Coimbra, Almedina, 2009, p. 39.

[10] Processo n.º 1454/09.5TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt. [11] António Henriques Gaspar, “A influência…” cit., p. 44.

[12] Joaquim de Sousa Ribeiro, “Encontros e desencontros entre a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e a jurisprudência nacional”, Gestlegal, Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 4014, ano 148.º, janeiro-fevereiro de 2019, p. 162.

[13] Cfr. acórdão de 13-01-2005 - Processo n.º 04B3924 (Moitinho de Almeida), disponível em www.dgsi.pt.

[14] Vide, neste sentido, Joaquim de Sousa Ribeiro, “Encontros e desencontros…” cit., p. 174.

[15] - acórdão do STJ de 19-04-2016 (Processo n.º 755/13.2TVLSB.L1.S1, não publicado in www.dgsi.pt.), em que se considerou que “I - A liberdade de expressão constitui um dos pilares fundamentais do Estado democrático e uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada pessoa. II - O direito à honra e ao bom nome não está tutelado autonomamente na CEDH, mas apenas como uma exceção à liberdade de expressão, nos termos do art. 10.º, n.º 2, da referida Convenção, a ser interpretada de forma restritiva, de acordo com a jurisprudência do TEDH, vinculativa para o Estado português. III - A expressão «calote», integrada no título de uma notícia, foi usada como um substantivo para se referir a uma dívida em tom jocoso ou popular, e não como um adjetivo a qualificar depreciativamente a pessoa do devedor. Esta palavra, interpretada no contexto de uma notícia redigida em linguagem objetiva e neutra, sem considerações injuriosas sobre a pessoa do devedor, não viola o seu direito à honra ou ao bom nome de forma a justificar a ingerência da ordem jurídica na liberdade de expressão, nos termos do art. 10.º, n.º 2, da CEDH. IV - A jurisprudência do TEDH, em obediência ao pluralismo, à tolerância e à abertura típica de uma sociedade democrática, protege não só a liberdade de expressão, mas a forma como ela se exerce, por exemplo, através de palavras exageradas, que choquem ou inquietem.  V - Não compete a este Supremo Tribunal «policiar» as palavras usadas nos títulos dos artigos até porque se deve presumir, em democracia, a maturidade dos leitores, e que estes leem, não apenas os títulos mas o conteúdo integral das notícias, que sabem avaliar independentemente do título que lhe é aposto.”.

- acórdão do STJ de 06-09-2016 (José Raínho - Processo n.º 60/09.9TCFUN.L1.S1, consultável em disponível em www.dgsi.pt), em cujo sumário se pode ler: “(…) III. Tendo sido veiculada informação jornalística que, no essencial, assenta em factos verdadeiros e que incidiu sobre temática com relevância pública, não pode concluir-se, apesar do dano daí advindo para outrem em termos de reputação e bom nome, pelo exercício ilícito do direito à liberdade de expressão e de informação. IV. Isto não deixa de ser válido pela circunstância dos factos aparecerem misturados com opiniões grosseiras e desprimorosas, quando se trata de informação veiculada por um jornal cujo estatuto editorial aponta expressamente para o uso da irreverência, sarcasmo, caricatura e hipérbole, bem como para o propósito de consciencialização cívica.”.

- acórdão do STJ de 13-07-2017 (Lopes do Rego - Processo n.º 1405/07.1TCSNT.L1.S1, disponível em disponível em www.dgsi.pt.), cujo sumário apresenta o seguinte teor: “(…) II - Não podem considerar-se ilícitos os artigos de opinião que – embora redigidos de forma mordaz, contundente e desprimorosa, se situam no cerne do debate e crítica à acção política e governativa, traduzindo essencialmente juízos valorativos profundamente negativos sobre a capacidade e idoneidade política do visado – podendo este escrutínio público envolver a formulação de juízos valorativos claramente críticos e negativos e, consequentemente, implicar prejuízo à imagem do político visado como homem de Estado junto dos eleitores, sem que tal configure ilícita violação de direitos de personalidade. III - As peças jornalísticas, situadas no âmbito da chamada imprensa cor de rosa, que referenciam e comentam aspectos da vida pessoal e relacionamentos do visado, situadas fora do perímetro da sua actividade política, não envolvem violação do direito à reserva da vida privada quando – como decorre da matéria de facto – o A. sempre tornou públicos aspectos da sua vida privada e familiar, participando abertamente em eventos sociais, concedendo entrevistas, participando em iniciativas e autorizando a publicação de imagens em revistas ditas cor de rosa.  IV - Não geram ilicitude, traduzida em violação ilegítima dos direitos de personalidade, geradora de responsabilidade civil, as notícias, enquadradas em crónica social, em que se referem aspectos factuais que se apurou serem inverídicos ou inexactos – e envolvendo, nessa medida, violação de regras deontológicas do jornalismo – num caso em que, pela natureza dos factos em questão, tal divulgação não é objectivamente susceptível de afrontar o direito à honra e consideração pessoal do visado.”.

- acórdão do STJ de 30-03-2017 (João Trindade - Processo n.º 1064/12.0TVPRT.L1.S1, disponível em disponível em www.dgsi.pt.), de cujo sumário se extrai: “(…) III - Existindo verdadeiro “interesse público” (e não meramente um “interesse do público”) em que a comunidade seja informada sobre certas matérias, o dever de informação prevalece sobre a discrição imposta pelos interesses pessoais; porém, a divulgação só justificará a ofensa dos direitos de personalidade fundamentais na medida em que da mesma sobressaia o referido interesse, esbatendo-se a identificação das pessoas envolvidas.  IV - Não sendo as notícias publicitadas num jornal susceptíveis de levar à identificação dos envolvidos, não se pode dizer que tenha sido ultrapassado o que se mostra necessário ao cumprimento da função pública da imprensa.”. 

- acórdão do STJ de 02-12-2020 (Fátima Gomes - Processo n.º 24555/17.1T8LSB.L1.S1, disponível em disponível em www.dgsi.pt), em que se deixou escrito que“(…) III. Nos casos em que haja necessidade de ponderar se a liberdade de expressão ofende o direito ao bom nome de uma pessoa, legitimando a reprovação da ordem jurídica, importa um balanceamento concreto (não podendo aferir-se em abstracto). IV. Neste sentido, a mais recente orientação jurisprudencial do STJ tem entendido ser de exigir um juízo de prognose sobre a hipotética decisão que o TEDH adoptaria se o caso lhe tivesse sido submetido, no sentido de se verificar se é de admitir como muito provável que, se a questão viesse a ser colocada ao TEDH, tal órgão jurisdicional entenderia que os artigos em causa extravasariam os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação.”;

- acórdão do STJ de 20-04-2022 (Jorge Arcanjo - Processo n.º 28126/17.4T8LSB.L1.S1, disponível em disponível em www.dgsi.pt), em que se considerou que tinha existido exercício abusivo do direito de liberdade de expressão relativamente a declarações, proferidas num programa televisivo diário da manhã, dirigidas a uma figura pública que, de acordo com as notícias veiculadas, teria pedido a audição do filho em tribunal num contexto de regulação do exercício das responsabilidades parentais, declarações essas com o seguinte teor: “Oh AA, você diga-me lá uma coisa: você droga-se ou injecta-se com lixívia? Porque tem que haver aqui…uma destas duas é certa, porque um pai, já nem falo de um cidadão, mas um pai que submete àquilo que você tem submetido os seus filhos, desta forma absolutamente ver-go-nhosa. E olhe que eu sou separado, portanto eu falo com conhecimento de causa (…)”.

- acórdão do STJ de 24-05-2022 (Maria Olinda Garcia - Processo n.º 14570/16.8T8LSB.L1.S1, acessível em disponível em www.dgsi.pt), em que se entendeu que “(…) o ato de recolher e divulgar informação não autorizada, criminalmente punido por decisão transitada em julgado, não suscita qualquer conflito entre o direito ou liberdade de informação, por um lado, e direito à honra ou ao bom nome, por outro, pois trata-se de um comportamento que (pelo seu sancionamento criminal) está indubitavelmente para além dos limites da liberdade de informação.”.

[16] Joaquim de Sousa Ribeiro, “Encontros e desencontros…” cit., p. 168.

[17] Neste sentido, cfr. Joaquim de Sousa Ribeiro, “Encontros e desencontros…” cit., p. 168.

[18] Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, 3.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, p. 567.

[19] João Tornada, “Liberdade de expressão ou liberdade de ofender”?...” cit., p. 138.

[20] Jónatas Machado, Liberdade de expressão – dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, Editora, 2002 p. 769.

[21] José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial, tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 617.

[22] José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal… cit., p. 623.

[23] Sobre este ponto, cfr. Joaquim de Sousa Ribeiro, “Encontros e desencontros…” cit., p. 177.

[24] Processo n.º 3017/11.6TBSTR.E1.S1, disponível em disponível em www.dgsi.pt.

[25] João Tornada, “Liberdade de expressão ou liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150, I, 2018, p. 139.

[26] Acentua-se, a este respeito, que a aplicação de sanções no contexto do debate político, no caso da actividade jornalística, em que se joga o exercício da liberdade de imprensa, apresenta o risco de dissuadir os jornalistas de contribuírem para a discussão pública de questões que interessam à vida da colectividade. No que à imputação de factos concerne, é sublinhado que os jornalistas agem de boa-fé caso se baseiem em fontes credíveis, não lhes sendo exigível que desenvolvam uma investigação autónoma, sob pena de a sua função de controlo sair prejudicada.

[27] Ireneu Cabral Barreto, ob. cit., p. 324.

[28] Acórdão de 08-07-1986, disponível em disponível em www.dgsi.pt.

[29] Acórdão de 16-03-2000, disponível em disponível em www.dgsi.pt.

[30] José de Faria Costa, Comentário Conimbricense … cit.,p. 610.

[31] João Tornada, “Liberdade de expressão ou liberdade de ofender”?... cit. p. 129.

[32] Queixa n.º 4035/08, disponível em disponível em www.dgsi.pt.

[33] Processo n.º 29183/95, acessível em disponível em www.dgsi.pt.

[34] Processo n.º 42117/04, disponível em disponível em www.dgsi.pt.

[35] Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 6.ª edição, 2020, p. 310.

[36] Queixa 4035/08, disponível em disponível em www.dgsi.pt.

[37] António Henriques Gaspar, “Liberdade de expressão: o art. 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Uma leitura da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, volume I, 2009, Coimbra, Coimbra Editora, p. 699.

[38] Queixa n.º 39954/08, disponível em https://hudoc.echr.coe.int/fre#{%22itemid%22:[%22001-109034%22]}

[39] Assim, Ireneu Cabral Barreto, ob. cit., p. 321.

[40] Cfr., a este respeito, o acórdão do TEDH de 28-09-2000, indicado pelo recorrido na sua resposta, no caso Lopes Gomes da SILVA c. Portugal, disponível em https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/caso_lopes_gomes_da_silva_c_portugal_queixa_37698-97.pdf , onde se lê que “(…) Decerto que os escritos do requerente, e em particular as expressões utilizadas, podem passar por polémicos. Apesar disso, estes não contêm um ataque pessoal gratuito, porque o autor dá neles uma explicação objectiva. O Tribunal considera a esse respeito que, neste domínio, a invectiva política extravasa, por vezes, para o plano pessoal: são estas os riscos do jogo político e do debate livre de ideias, garantes de uma sociedade democrática. O requente exprimiu, pois, uma opinião, suscitada pelas posições políticas do Sr. Silva Resende, ele próprio um jornalista com presença habitual na imprensa. Certamente que tal opinião podia, na ausência de qualquer base factual, revelar-se excessiva, o que todavia, à luz dos factos estabelecidos, não se verifica neste caso.

[41] João Tornada, “Liberdade de expressão ou liberdade de ofender”?... cit. p. 154.