Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | CATARINA SERRA | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISÃO PRESSUPOSTOS TRÂNSITO EM JULGADO RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO FUNÇÃO JURISDICIONAL DECISÃO INCONSTITUCIONALIDADE OBTENÇÃO DE PROVA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ AUDIÊNCIA PRÉVIA ERRO GROSSEIRO VÍCIOS FUNDAMENTOS | ||
| Data do Acordão: | 11/06/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA | ||
| Sumário : | I. Como o seu nome indica, o recurso extraordinário de revisão tem por objecto uma decisão transitada em julgado; comporta, portanto, o risco de afectar a estabilidade das decisões judiciais e a segurança do sistema jurídico, apenas devendo ser admitido em casos excepcionais. II. No caso de ter por fundamento a hipótese prevista no artigo 696.º, al. h), do CPC, o recurso de revisão apenas deve ser admitido quando a decisão a rever seja susceptível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, o que, por aplicação do artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 67/2007, relativa ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas, implica, designadamente, que a decisão a rever esteja ferida de vício(s) qualificado(s), tanto na sua exteriorização como na sua gravidade. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrente: AA Recorrido: Estado português 1. Inconformado com o Acórdão de Conferência proferido em 10.07.2025 pelo Tribunal da Relação de Évora que, confirmando decisão singular, indeferiu o requerimento de recurso de revisão por ele apresentado, AA vem agora interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal. A finalizar as suas alegações enuncia as seguintes conclusões: “1. O erro que o Acórdão recorrido considera não se verificar e não ter sido invocado pelo Recorrente tem vindo a ser apontado pelo mesmo desde que apresentou as alegações de recurso da decisão da primeira instância. 2. Não se pode considerar verificada a tríplice identidade pressuposto da exceção de caso julgado. 3. A douta sentença proferida no processo n.º 98/1995, além de não elencar factos não provados, em nenhum lugar dá “como não provada a ocorrência do acidente de viação em causa. 4. Nunca foi dado por provado que o acidente de viação não ocorreu, nem foi apurada qualquer culpa ou responsabilidade. 5. Isto não invalida que o acidente de viação tenha ocorrido tal qual vem alegado e não invalida que nos presentes autos não possa ser provada tal ocorrência. 6. A decisão proferida naqueles autos não tem força de caso julgado quanto ao facto de o acidente ter ou não ocorrido. 7. Em ambos os processos a causa de pedir não é a mesma e os pedidos são diferentes e têm um enquadramento jurídico também diferente. 8. O facto de o A. e ora Recorrente não ter logrado a prova da ocorrência do acidente de viação em causa na primeira ação do processo n.º 98/1995, não constitui um pressuposto necessário, prejudicial e impeditivo da decisão de mérito a proferir nos presentes autos. 9. Tendo a Ré sido absolvida na anterior ação do processo n.º 98/1995, a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sufragado o entendimento de que tal não impede uma nova ação. 10. Num novo processo, a parte pode deduzir livremente novos factos que ocorreram num momento em que já não podiam ser introduzidos tempestivamente no processo. 11. Não houve caso julgado. Houve um erro de factualidade que levou à instauração de novo processo para a descoberta da verdade e boa decisão da causa. 12. Por via deste erro, o Tribunal não teve em conta que a matéria trazida à colação nos presentes autos não foi julgada antes, já que nos autos anteriores não foi julgado o mérito da causa. 13. A decisão a rever considerou que em ambos os processos “estamos perante a mesma causa de pedir”, o que não se verifica. 14. No Processo n.º 98/1995 foi pedida a condenação da Ré no pagamento ao A. de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos relativos à reparação do veículo, e ainda o pagamento de compensação pelo não uso e imobilização do veículo. Estes danos integram-se no conceito de responsabilidade civil por danos patrimoniais (483º e ss do Código Civil). 15. Nos presentes autos o A. pediu, além do mais, o pagamento de quantia a título de danos não patrimoniais, o que integra especificamente a previsão do artigo 496º do Código Civil. 16. Em relação à condenação por litigância de má-fé, nunca o Recorrente enquanto Autor, ocultou nos presentes autos a existência e o conteúdo da ação respeitante ao processo n.º 98/1995. 17. Quer na PI quer em todas as suas demais intervenções nos presentes autos, nunca o Recorrente excedeu limites para além dos quais se considere ilegítimo o exercício dos direitos processuais, no sentido de poder de forma clara e objetiva fazer verificar as suas razões. 18. A audiência prévia foi realizada na data prevista em 27.09.2019, nenhuns entraves foram causados à sua efetiva realização na data designada pelo Tribunal, nem à prolação da douta decisão final. 19. As três reclamações apresentadas relativamente a recursos decisões interlocutórias que tiveram como decisão o despacho do Tribunal da Relação de Évora de 02/03/2020 com a Refª .....47 tiveram origem em despachos sobre a alegada necessidade de obtenção de prova e sobre a não notificação do ora Recorrente para a audiência prévia. 20. O Recorrente apenas pretendeu demonstrar a necessidade desses meios de prova e o facto de não ter sido notificado para comparência. Logo, os requerimentos que apresentou não foram de uso abusivo, mas foram gerados ao abrigo do princípio da boa cooperação processual. 21. Foi proferido despacho saneador pelo Tribunal onde o processo correu termos inicialmente (Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 18), que declarou a sua incompetência relativa, em razão do território e determinou a remessa dos autos para o Tribunal Judicial da Comarca de Faro. 22. Nessa fase processual, não detetou o Tribunal qualquer conduta por parte do Recorrente que configurasse litigância de má-fé, apesar da Ré já ter apresentado pedido nesse sentido em sede de contestação. Se o Tribunal tivesse verificado alguma conduta grave por parte do ora Recorrente teria decidido de imediato o que tivesse por conveniente. 23. Esse entendimento de que haveria litigância de má fé foi perfilhado apenas na sentença final, o que deixa ainda mais margem para a ponderação de erro que justifica uma nova análise da decisão. 24. Nada nos autos demonstra que o Recorrente tenha exercido o direito de ação “em termos abusivos”, como consta da decisão a rever. 25. O Recorrente nunca agiu da forma descrita no artigo 542º, nº do CPC. 26. Sempre esteve convicto de que a presente ação tinha probabilidades de obter provimento porque litigava com base na verdade e na apresentação de provas de forma honesta. 27. A razão de ser da presente ação foi o facto da anterior ação não se ter pronunciado de forma cabal sobre a prova da ocorrência de qualquer acidente, do qual o Recorrente conseguiu reunir as necessárias provas para melhor descoberta da verdade. 28. O Recorrente não compreende como se pode subsumir a sua conduta numa tipificação de “lide temerária” quando o próprio tribunal em Lisboa remeteu o processo a Faro para que fosse julgado. 29. Foi proferida a decisão a rever, em que foi Relatora a Veneranda Desembargadora, Dra. Florbela Moreira Lança, decorreram cerca de três anos, o Juiz natural foi substituído e nos presentes autos de recurso extraordinário de revisão considera o Recorrente que não obteve ainda um contraditório fundamentado em relação aos argumentos concretos que alega. 30. Ao contrário do que consta na decisão recorrida, além de alegar a inconstitucionalidade e a ilegalidade, o Recorrente tem vindo a apontar o erro que se exige para que exista responsabilidade do Estado. 31. O artigo 542º nº 2 do CPC mostra-se inconstitucional quando interpretado no sentido de que configura litigância de má-fé a interposição de ação em que se considerou verificado o caso julgado sem ponderação sobre o preenchimento dos seus pressupostos, por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa”. 2. O Ministério Público, em representação do Estado português, apresentou resposta às alegações de recurso, nos seguintes termos conclusivos: “1- Em resposta ao recurso apresentado, o Ministério Público é do entender de que carece de fundamento a pretensão aduzida, não merecendo a douta decisão recorrida qualquer reparo. 2- Para que uma decisão possa ser objeto de recurso de revisão ao abrigo da alínea h) do artigo 696.º do Código de Processo Civil, há que alegar, para depois provar, que a decisão transitada em julgado é suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado, por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, o que não ocorreu. 3- Para alguém poder socorrer-se de um recurso de revisão de uma decisão com fundamento na alínea h), do artigo 696.º, do CPC, não poderá somente alegar que a decisão em causa é ilegal ou inconstitucional, devendo alegar-se fundadamente que se trata de erro evidente, crasso e indesculpável de qualificação, subsunção ou aplicação de uma norma jurídica; o erro de facto deve ser clamoroso e grosseiro, no que toca à admissão e valoração dos meios de prova e à fixação dos factos materiais da causa. 4- E, para que se conclua pela verificação do erro, na aceção definida, não basta que a decisão seja desfavorável à parte recorrente ou que se limite a dizer que a decisão é ilegal ou inconstitucional, como fez o Recorrente. 5- No âmbito dos presentes autos não se decidiu no que concerne ao benefício do apoio judiciário concedido ao Recorrente, já que o pedido de apoio judiciário, como decorre dos normativos que integram a Lei n.º 34/2004, de 29/7, é tramitado e decidido em processo próprio, de natureza administrativa, que corre autonomamente termos junto dos serviços do Instituto da Segurança Social, I.P. e no qual o aqui Recorrente é ali parte como Requerente. 6- E, assim sendo, inexistindo fundamento para o recurso extraordinário de revisão nos termos expostos, bem se decidiu indeferir o requerimento apresentado por AA (n.º 1 do art.º 699.º do CPC)”. 3. O Tribunal da Relação de Évora proferiu despacho com o seguinte teor: “Tendo sido tempestivamente apresentado por quem tem legitimidade, admito o recurso de revista que sobe nos próprios autos e com efeito devolutivo. Notifique e remeta ao Supremo Tribunal de Justiça”. * Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a questão a decidir, in casu, é a de saber se o requerimento de interposição de recurso de revisão devia ter sido, como foi, indeferido. * II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Os factos com relevância para a presente decisão são os constantes do Relatório e ainda os factos seguintes, decorrentes da consulta dos autos: 1. O recurso de revisão apresentado pelo recorrente em 4.04.2024 tem as alegações / conclusões seguintes: “1º O ora recorrente interpôs a ação declarativa de condenação, sob a forma comum, nos termos da p.i. que junta como Doc. 1, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Cível de Faro – Juiz 1 sob o n.º 16556/17.6T8LSB. 2º Foi proferida sentença de 25.11.2019 (Refª Citius .......57) que julgou procedente a exceção de caso julgado e condenou o A. como litigante de má-fé (Doc. 2). 3º Em 28/02/2020 o Recorrente apresentou as suas alegações de recurso que se juntam como Doc. 3 (Refª Citius .....50) onde pugnou pela não verificação da exceção de caso julgado. 4º Em 13/10/2022 foi proferido pela 1ª Secção do Tribunal da Relação de Évora o Acórdão com a Refª Citius .....58 que negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida (Doc 4). 5º O supra referido Acórdão que constitui a decisão a rever perfilhou o entendimento da primeira instância no sentido de que estaria verificada a autoridade de caso julgado porque a presente causa teria sido decidida no Processo n.º 98/1995. 6º Sucede que a causa de pedir no Processo n.º 98/1995 e nos presentes autos é diversa. 7º Os diferentes pedidos têm enquadramentos jurídicos também diferentes. 8º No Processo n.º 98/1995 foi pedida a condenação da R. no pagamento ao A. de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos (artigos 483º e ss do Código Civil). 9º Nos presentes autos o A. pediu, além do mais, o pagamento de quantia a título de danos não patrimoniais, o que integra especificamente a previsão do artigo 496º do Código Civil. 10º “Sendo o pedido e a causa de pedir conceitos de matriz e função processual, a sua densificação ou concretização, em termos de determinar em concreto cada causa de pedir, só poderá ser feita com base nas normas substantivas aplicáveis à situação litigiosa singular” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.09.2018, processo 21852/15.4T8PRT.S1 (disponível em www.dgsi.pt). 11º Não pode o Recorrente concordar com o conceito constante na página 23 da decisão a rever, designado por “princípio da causa de pedir aberta”, o que vem desconsiderar a necessária análise das normas aplicáveis a cada pedido. 12º De acordo com a doutrina de Teixeira de Sousa, são as previsões legais que determinam as causas de pedir. 13º Não estão preenchidos os pressupostos para a verificação de caso julgado material. 14º Tendo a Ré sido absolvida na anterior ação do processo n.º 98/1995, a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sufragado o entendimento de que tal não impede uma nova ação. 15º Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 22-09-2016 no processo n.º 106/11.0TBCPV.P2.S1 (in www.dgsi.pt) onde consta que “I. Julgada improcedente determinada pretensão por falta de verificação de um facto (o efectivo desembolso de uma quantia), o caso julgado formado pela sentença não obsta a que seja interposta nova acção na qual seja alegada a verificação ulterior desse facto para sustentação da mesma pretensão material (art. 621º do CPC).” 16º Veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 12.07.2011 no processo n.º 129/07.4TBPST.S1 (in www.dgsi.pt) segundo o qual “a extensão objectiva do caso julgado comede-se ainda – antes de mais nada – pelo próprio teor da decisão. Se ela não estatuir de modo exaustivo sobre a pretensão do autor (o thema decidendum), não excluindo, portanto, toda a possibilidade de uma outra decisão útil, essa pretensão poderá novamente ser deduzida em juízo” (cfr. MANUEL DE ANDRADE, obra citada, pág. 324).” 17º O Tribunal não analisou a sentença proferida no processo n.º 98/1995, não considerou que aí a Ré não foi condenada e não se apurou qualquer culpa ou responsabilidade. 18º Logo, não ocorre uma situação de autoridade de caso julgado. 19º Além do mais, “As respostas aos quesitos numa causa, ainda que as partes sejam as mesmas, não têm força de caso julgado noutra causa” (Ac. STJ de 23.03.1993, CJ 1993, T2, p. 24) e “A força do caso julgado abrange a parte dispositiva da sentença, não a sua fundamentação” (Ac. STJ de 24.06.1993, BMJ 428/495 de 28.06.2018, processo 24075/17.4TSLSB.L1-8, disponível em www.dgsi.pt) 20º E ainda que, por hipótese se verificasse caso julgado, o que não ocorre in casu, sempre se dirá que o seu alcance no caso em apreço não obstaria a que o pedido se renovasse, nos termos do artigo 621º do CPC. 21º Ora, não se verificando a exceção de caso julgado, não estão reunidas as condições legais para a condenação do Recorrente como litigante de má-fé. 22º O Recorrente não poderia ser condenado como litigante de má-fé uma vez que não está preenchida pela sua conduta nenhuma das alíneas do artigo 542º, nº 2 do CPC, já que o Recorrente estava convicto da validade e licitude dos fundamentos que apresentou. 23º O artigo 3.º, n.º 3 do CPC dispõe que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório previamente à tomada de qualquer decisão, a fim de evitar decisões surpresa. 24º Ora, o Recorrente foi confrontado com uma decisão que integra a sua conduta nos requisitos da litigância de má fé, o que se revelou como uma decisão surpresa, tanto mais que o Recorrente tinha consciência de que não praticou qualquer ato de má-fé processual. 25º A consequência legal para a inobservância do contraditório é a anulação da decisão que condena o Recorrente como litigante de má-fé, nos termos do art.º 615 nº1 al d) do CPC. 26º Ao invés de se verificar tal anulação, a decisão foi confirmada em segunda instância pelo Acórdão a rever. 27º Além do mais, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) proferido em 11/09/2012 no Processo nº 2326/11.09TBLLE.E1.S1 concluiu no sentido de que “A litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão.”, requisito que não se encontra preenchido no caso em apreço. 28º Em 16/11/2022 o A. interpôs recurso da decisão a rever para o Supremo Tribunal de Justiça com a Refª ....87 (Doc. 5) o qual não foi admitido, conforme decisão com a Refª .....89 que se junta como Doc. 6. 29º Foi proferido Acórdão em 12/01/2023 com a Refª .....31 que decidiu pelo indeferimento da arguição de nulidade da decisão surpresa (Doc 7). 30º O A. recorreu desse Acordão em 31/01/2023 apresentando alegações com a Refª ....08 (Doc. 8). 31º Da não admissão do recurso foi apresentada reclamação que foi autuada como Apenso A tendo sido proferido em 23/01/2024 o Acórdão que se junta como Doc. 9 que indeferiu a reclamação. DA AUDIÊNCIA PRÉVIA: 32º Em 27 de Setembro de 2019 realizou-se a audiência prévia conforme Ata que se junta como Doc. 10. 33º A audiência prévia é uma importante fase em qualquer processo e se não for corretamente instruída prejudica todo o processo, como ocorreu nos presentes autos. 34º O Autor manifestou que não foi notificado da data da audiência prévia e que não prescindia de estar presente nessa diligência, porquanto o patrono oficioso não possuía poderes de representação bastantes para intervir no ato (cf. Requerimento de 04.07.2019 que se junta como Doc. 11). 35º Contudo, a audiência prévia realizou-se sem a presença do A. e ora recorrente, o que contraria o direito à tutela jurisdicional efetiva e ao processo equitativo, conforme previsto no artigo 20.º, n.º 1 e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. 36º Por outro lado, verificou-se impossibilidade de cumprir os fins da audiência prévia por falta de obtenção de prova. 37º As finalidades da audiência prévia vêm expressamente previstas no artigo 591.º, n.º 1 do CPC e é indispensável que previamente à sua realização se encontre disponível nos autos a matéria probatória requerida pelo autor na sua petição inicial. 38º O A. e ora recorrente requereu as diligências probatórias constantes no requerimento de 05/07/2019 que se junta como Doc 12. 39º O Tribunal não assegurou a instrução dos autos com os elementos probatórios que o A. requereu, o que constitui inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. 40º Aquele entendimento manteve-se e não foi alterado pela decisão a rever, como deveria ter sido. 41º Outra irregularidade processual foi invocada em 25/05/2022 quando o A. apresentou no Apenso F o requerimento com a Refª ....20 onde alerta para a irregularidade de ter sido certificado o trânsito em julgado de uma decisão que o afetou sem que, durante algum tempo, tivesse patrono nomeado que assegurasse os seus interesses processuais (Doc. 13). 42º Esta questão da falta de patrono nunca foi apreciada. DA INCONSTITUCIONALIDADE: 43º Além da alegada violação do disposto no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, verifica-se que a orientação processual descrita nos artigos anteriores não cumpre o texto legal. 44º Qualquer decisão judicial que altere o disposto no texto legal apenas pode ser tomada se explanar a respetiva fundamentação, o que não se verificou in casu. Desse modo, verifica-se inconstitucionalidade, por referência aos artigos 2º, 147º, 161º, c), 202º, nº 1 e 2, e 20º, nºs. 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa. 45º Também o artigo 542º nº 2 do CPC se mostra inconstitucional quando interpretado no sentido de que configura litigância de má-fé a interposição de ação em que se considerou verificado o caso julgado sem ponderação sobre o preenchimento dos seus pressupostos, por violação do já referido artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO: 46º A condenação por litigância de má-fé é altamente gravosa, causa estigma e não pode tornar-se definitiva, face aos vícios apontados. 47º Tal condenação, bem como a inconstitucionalidade supra referida permitem concluir que a decisão objeto do presente recurso é suscetível de originar responsabilidade civil do Estado. Conclusões: 1. O Acórdão que constitui a decisão a rever perfilhou o entendimento da primeira instância no sentido de que estaria verificada a autoridade de caso julgado porque a presente causa teria sido decidida no Processo n.º 98/1995. 2. Sucede que a causa de pedir no Processo n.º 98/1995 e nos presentes autos é diversa e os diferentes pedidos têm enquadramentos jurídicos também diferentes. 3. Ora, não se verificando a exceção de caso julgado, não estão reunidas as condições legais para a condenação do Recorrente como litigante de má-fé. 4. A decisão a rever é resultante de irregularidades provenientes da fase de audiência prévia e ainda da inconstitucionalidade supra invocada. Atendendo a estas questões e a toda a tramitação processual supra referida, a decisão a rever prejudica e causa danos ao Recorrente, o que permite concluir que tal decisão é suscetível de originar responsabilidade civil do Estado”. 2. A fundamentação do Acórdão ora recorrido, proferido em 10.07.2025, é, na parte que releva, a seguinte: “A revisão de uma sentença transitada tem carácter extraordinário, e apenas pode ocorrer verificando-se o preenchimento das previsões consagradas nos artigos 696.º, e 697.º, do Código de Processo Civil. No caso vertente, importa considerar o que dispõe o artigo 696.º, alínea h, do Código de Processo Civil, invocado pelo Recorrente, que estabelece o seguinte: “A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: (…) h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte.” A Lei nº 117/2019 de 13/9 introduziu no artigo 696º do CPC um novo fundamento de recurso de revisão, o da alínea h) supra reproduzido e bem assim, o art.696 -A, que sob a epígrafe “Responsabilidade civil do Estado”, dispõe: 1 - A revisão de decisão transitada em julgado no caso previsto na alínea h) do artigo anterior só é admissível se o recorrente: a) Não tiver contribuído, por ação ou omissão, para o vício que imputa à decisão; e b) Tiver esgotado todos os meios de impugnação da decisão quanto à matéria suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado.” 2 - O recurso previsto no número anterior é interposto também contra o Estado.” Para que uma decisão possa ser objeto de recurso de revisão ao abrigo da alínea h) do artigo 696.º do Código de Processo Civil, há, pois que alegar, para depois provar que a decisão transitada em julgado é suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado, por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, o que não ocorreu. Para além disso, de acordo com o artigo 696.º-A, do CPC: “A revisão de decisão transitada em julgado no caso previsto na alínea h) do artigo anterior só é admissível, se o recorrente: a) Não tiver contribuído, por ação ou omissão, para o vício que imputa à decisão; e b) Tiver esgotado todos os meios de impugnação da decisão quanto à matéria suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado.” Acresce que, n.º 1, do artigo 13.º, da Lei n.º 67/2007 relativa ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas, refere que “Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto”. Por outras palavras, para alguém poder socorrer-se de um recurso de revisão de uma decisão com fundamento na alínea h), do artigo 696.º, do CPC, não poderá somente alegar que a decisão em causa é ilegal ou inconstitucional, Como se decidiu no Ac STJ de 24/2/2015 ( proc nº 2210/12), em www dgsi. –“ (…) não basta a mera existência de inconstitucionalidade ou ilegalidade, devendo tratar-se de erro evidente, crasso e indesculpável de qualificação, subsunção ou aplicação de uma norma jurídica; o erro de facto deve ser clamoroso e grosseiro, no que toca à admissão e valoração dos meios de prova e à fixação dos factos materiais da causa”. E no Ac STJ de 10/5/2016 ( proc. nº 136/14), em www dgsi – “Para proclamar a existência de erro grosseiro não basta que um tribunal de recurso tenha revogado uma decisão para se considerar que tal decisão está errada, que o julgador da decisão recorrida cometeu um erro indesculpável, se, por exemplo, acolheu esta e não aqueloutra corrente doutrinária ou jurisprudencial não sufragada pelo Tribunal ad quem: Se assim fosse, os tribunais estariam pejados de pedidos de indemnização com base em alegados erros grosseiros. O STJ tem, repetidamente, qualificado como erro grosseiro o erro indesculpável, aquele em que não incorreria um julgador prudente, agindo com ponderação, conhecimento e competência”. Também no Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 28.02.2023, proferido no âmbito do processo 25639/18.4T8LSB.L2.S1-A, que aqui seguimos de perto, se escreveu: Como concretização do art.22 da CRP, o art.13 da Lei nº67/2007 positiva a responsabilidade civil do Estrado por erro judiciário, nomeadamente “pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto”. De acordo com a previsão legal, o erro judiciário pode ser um erro de direito ou um erro de facto. No tocante ao erro de direito, a lei exige que as decisões sejam “manifestamente inconstitucionais ou ilegais”. Este segmento normativo pressupõe uma ligação entre a decisão e a Constituição, e, portanto, um juízo de inconstitucionalidade. Ou seja, o direito aplicado na decisão deve afrontar ostensivamente os princípios e a normas constitucionais, de tal forma que se possa afirmar que a decisão é, na sua ratio decidendi, contrária à Constituição. Contudo, não é qualquer erro, porque a lei postula o erro qualificado, grosseiro, ostensivo, implicando uma decisão proferida contra lei expressa. Como acentua Carlos Cadilha, “ O erro de direito, enquanto fundamento da responsabilidade civil deverá revestir-se de suficiente grau de intensidade, no sentido de que deverá resultar uma decisão que, de modo evidente, seja contrária à Constituição ou à lei, e por isso desconforme ao direito, e que não possa aceitar-se como uma das soluções plausíveis da questão de direito” ( Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, 2ª ed., pág.262 ) (…) A jurisprudência adere à tese do erro qualificado, ou seja, “A previsão legal não impõe a ressarcibilidade de qualquer erro cometido pelo julgador, seja por violação da lei, seja por errónea apreciação dos factos, antes exige um erro qualificado, “grosseiro”, indesculpável, ostensivo, causal de julgamento que evidencia uma solução jurídica manifestamente inconstitucional, ou ilegal ou injustificada, a todas as luzes indefensável, ilógica na apreciação dos factos, ou na subsunção jurídica, insustentável com base numa criteriosa avaliação exigível ao julgador” ( cf., por ex., Ac STJ de 10/5/2016 ( proc. nº 136/14, em www dgsi.pt ).” Conclui-se desta forma que, para que se conclua pela verificação do erro, na aceção definida, não basta que a decisão seja desfavorável à parte recorrente ou que se limite a dizer que a decisão é ilegal ou inconstitucional, como fez o Recorrente. Na verdade, sendo certo que o Recorrente não concorda com as decisões a que faz referência, não justifica, segundo o critério objetivo, onde está o erro crasso, ostensivo, na aceção já referida, cuja solução não assenta em qualquer solução plausível de direito. Para ele, o erro existe porque a decisão lhe foi desfavorável. Mas conforme orientação jurisprudencial a que já se fez referência, não basta sequer a revogação da decisão recorrida (que no caso não existiu), nem o simples erro de direito para o recurso extraordinário de revisão. Sublinhe-se que nada se decidiu no âmbito destes autos quanto ao benefício do apoio judiciário concedido ao Recorrente, precisamente por se considerar que o pedido de apoio judiciário, como decorre dos normativos que integram a Lei n.º 34/2004, de 29/7, é tramitado e decidido em processo próprio, de natureza administrativa, que corre autonomamente termos junto dos serviços do Instituto da Segurança Social, I.P. e no qual o Recorrente nestes autos é ali parte como Requerente Termos em que, sem necessidade de mais considerações, inexistindo fundamento para o recurso extraordinário de revisão nos termos expostos, importa indeferir o requerimento (n.º 1 do art.º 699.º do CPC)”. O DIREITO Questão prévia – Da admissibilidade do recurso No presente recurso impugna-se um Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que, confirmando decisão singular, indeferiu o requerimento de recurso de revisão que havia sido apresentado pelo ora recorrente. Explica Francisco Lucas Ferreira de Almeida que “o processo de revisão [se] inicia[ ] com a apresentação em juízo de um requerimento de interposição de recurso (artº 698º), a que se segue a prolação de um despacho de indeferimento ou de admissão do recurso (artº 699º, nºs 1 e 2)”1. Como precisa o autor adiante, a fase rescindente contempla o exame preliminar do requerimento de interposição do recurso, que “pode ser seguido de despacho de indeferimento, seja pelos motivos gerais de indeferimento plasmados no nº 2 do artº 641º, seja pelos motivos especiais previstos no nº 1 do artº 699º, designadamente (…) quando se torne, desde logo, patente não existir motivo para revisão. (…)[D]o despacho de indeferimento cabe recurso (para a Relação ou para o Supremo, conforme o grau hierárquico do tribunal que proferiu a decisão a rever), mesmo que o valor da causa se contenha nos limites da alçada do tribunal a quo, em termos em tudo idênticos aos do indeferimento liminar da petição inicial (artºs 569º, nº 2, 590º e 629º). Se a rejeição (liminar) for decretada pela Relação, ‘a admissibilidade do recurso encontra-se dependente da prévia reclamação para a conferência (artº 653º, nº 3)”2. O que ocorre no presente caso é exactamente o que se prevê neste excerto: o recorrente apresentou um requerimento de recurso de revisão, este requerimento foi indeferido (decisão singular de 29.05.2025), o recorrente reclamou para a Conferência e a Conferência proferiu Acórdão que confirmou a decisão de indeferimento (acórdão de 10.07.2025). É deste Acórdão que o recorrente vem agora interpor recurso de revista, recurso este que, por ser admissível, passa de seguida a apreciar-se. * Objecto do recurso – Da decisão de indeferimento do recurso de revisão O Tribunal a quo disse tudo o que era necessário para se compreender por que motivo o requerimento de recurso de revisão tinha de ser indeferido. O recurso de revisão é interposto ao abrigo do artigo 696.º, al. h), do CPC. Dispõe-se aí: “A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: (…) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte”. O artigo seguinte é o artigo 670.º-A do CPC, onde se preceitua: “1 - A revisão de decisão transitada em julgado no caso previsto na alínea h) do artigo anterior só é admissível se o recorrente: a) Não tiver contribuído, por ação ou omissão, para o vício que imputa à decisão; e b) Tiver esgotado todos os meios de impugnação da decisão quanto à matéria suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado”. Estas disposições não podem ser dissociadas do artigo 13.º do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (RRCEE), que tem a epígrafe “Responsabilidade por erro judiciário” e o seguinte teor: “1 - Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto. 2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente”. Explicam a propósito disto José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre: “A Lei 117/2019, de 13 de setembro, acrescentou mais um fundamento de recurso de revisão, na sequência de uma decisão do TJUE. Pela alínea h), para tanto aditada, passa também a poder ser objeto de recurso extraordinário de revisão a decisão transitada em julgado quando ‘seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte’ (artigo 696-A, também aditado). Resulta (…) que a alínea j) do art. 696, bem como os arts. 696-A e 701-A foram aditados para tentar resolver ‘o delicado problema da dualidade de regimes que, por força do Acórdão do TJUE de 9 de setembro de 2025’ (proc. C-160/94): João Filipe da Silva Brito e outro contra o Estado Português) aplicáveis no domínio da responsabilidade do Estado no exercício da função jurisdicional (regime decorrente da violação do direito europeu e da violação do direito interno, por uma decisão jurisdicional). Com efeito, a Lei 67/2007, de 31 de dezembro, aprovou o Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (RRCEE), cujo art. 13-1 estatui que, ‘sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável por danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto’. O n.º 2 deste artigo exige que o pedido de indemnização seja fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente. (…) Perante [aquela] decisão, e em vez de alterar o art. 13-2 RRCEE, o legislador criou novo fundamento de recurso extraordinário de revisão, regulando-o no artigo seguinte. Por este modo, evita-se a discussão de acórdãos das Relações ou do STJ na 1.ª instância, com fundamento na responsabilidade civil do Estado (…)”3. Que conclusões é possível retirar? Da leitura conjugada dos arts. 696.º, al. h), e 670.º-A do CPC retira-se que a interposição de recurso de revisão com fundamento em que a decisão a rever gera a responsabilidade civil do Estado por exercício da função jurisdicional é, em princípio, admissível, mas depende da verificação de duas condições: primeiro, que o recorrente não tenha contribuído, por acção ou omissão, para o vício que imputa à decisão; segundo, que ele tenha esgotado todos os meios de impugnação da decisão quanto à matéria susceptível de originar a responsabilidade civil do Estado. Ora, desde logo, o recorrente não se refere ao preenchimento, in casu, desta segunda condição. Sabendo que a decisão a rever é um Acórdão do Tribunal da Relação, não pode descartar-se a possibilidade de interposição de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso de revista é um recurso ordinário, que, se fosse admitido, permitiria apreciar a decisão da Relação à luz dos argumentos que o recorrente agora invoca em recurso extraordinário e que “travaria” o trânsito em julgado daquela decisão. Não havendo indicação de que existisse algum impedimento ao uso deste instrumento, era necessário que o recorrente tivesse apresentado recurso de revista para se considerar que tinham sido esgotados todos os meios de impugnação da decisão judicial. Mas, além disto, há que ponderar o disposto no artigo 13.º do RRCEE, norma que, como se disse atrás, não pode ser dissociada da al. h) do artigo 696.º do CPC. Determina-se aí que para se configurar a hipótese de responsabilidade civil do Estado por erro judiciário é preciso que a decisão a rever seja “manifestamente inconstitucional ou ilegal ou injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto”. Ora, a verdade é que as alegações / conclusões do recurso de revisão não permitem considerar que a decisão a rever é manifestamente inconstitucional ou ilegal, como determina a lei. O recorrente limitou-se a dizer, no essencial, que a autoridade de caso julgado referida pelo Tribunal não se confirmava e que, consequentemente, os requisitos da litigância de má fé em que o Tribunal o condenou não se verificavam, em vez de demonstrar, como lhe competia, a violação ostensiva da lei ou das normas constitucionais que alegava. Diz o recorrente, mais precisamente, que “[o] Acórdão que constitui a decisão a rever perfilhou o entendimento da primeira instância no sentido de que estaria verificada a autoridade de caso julgado porque a presente causa teria sido decidida no Processo n.º 98/1995” e que “a causa de pedir no Processo n.º 98/1995 e nos presentes autos é diversa e os diferentes pedidos têm enquadramentos jurídicos também diferentes”, por conseguinte, “não se verificando a exceção de caso julgado, não estão reunidas as condições legais para a condenação do Recorrente como litigante de má-fé” (cfr. conclusões 1, 2 e 3). Refere-se, por fim, aos vícios da decisão como “irregularidades provenientes da fase de audiência prévia e [ ] inconstitucionalidade supra invocada” (cfr. conclusão 4). Estas afirmações parecem, enfim, não ser mais do que a expressão da discordância do recorrente com a decisão. Ora, como bem se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.06.2025 (Proc. 25112/16.5T8LSB.E1-D.S1), “o recurso de revisão (ut artigo 696.º do CPC) [ ]não pode transformar-se num recurso ordinário”. E a verdade é que mesmo em caso de recurso ordinário aquelas afirmações dificilmente seriam suficientes para suscitar uma cabal apreciação da decisão em causa. A leitura das alegações não autoriza uma conclusão diferente, antes pelo contrário. Veja-se que o recorrente chega aí a dizer que “[n]ão pode [ ] concordar com o conceito constante na página 23 da decisão a rever (…)” (cfr. alegação 11). O fundamento do recurso de revisão na manifesta ilegalidade ou inconstitucionalidade não está, pois, cabal ou suficientemente demonstrado. No que toca, em particular, à inconstitucionalidade arguida, tenha-se presente o que se diz no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.02.2023 (Proc. 25639/18.4T8LSB.L2.S1-A): “I - O recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do art. 696.º, al. h), e art. 696.º-A do CPC (introduzidos pela Lei n.º 117/2019, de 13-09),com base em erro judiciário, nos termos do art. 13.º, n.º 1, da Lei n.º67/2007, de 31-12 (“responsabilidade por erro judiciário”) exige, que as decisões sejam “manifestamente inconstitucionais ou ilegais”. II - Este segmento normativo pressupõe uma ligação entre a decisão e a Constituição, e, portanto, um juízo de inconstitucionalidade. Ou seja, o direito aplicado na decisão deve afrontar ostensivamente e de forma arbitrária os princípios e a normas constitucionais, de tal modo que se possa afirmar que a decisão é, na sua ratio decidendi, contrária à Constituição, pelo que o erro tem de ser ostensivo, a grosseiro, evidente, arbitrário, revelando uma actividade dolosa ou gravemente negligente. III - Para o preenchimento da causa da al. h) do art. 696.º do CPC não basta alegar que a decisão é inconstitucional ou que a interpretação normativa viola o art. 20.º da CRP, ou ainda que viola o Estado de Direito, o princípio da confiança, dada a expectativa que tinha na procedência da acção”. O mesmo é de dizer quanto ao fundamento na injustificação da decisão por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto. Reproduzindo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2011 (Proc. 346/08.0TCGMR.G1.S1), deve entender-se que só releva para o efeito o erro que seja “grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas, demonstrativa de uma actividade dolosa ou gravemente negligente”4. Neste contexto merece também destaque o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.05.2016 (Proc. 136/14.0TBNZR.C1.S1), em cujo sumário, com especial interesse para o caso em apreço, pode ler-se: “Para proclamar a existência de erro grosseiro não basta que um tribunal de recurso tenha revogado uma decisão para se considerar que tal decisão está errada, que o julgador da decisão recorrida cometeu um erro indesculpável, se, por exemplo, acolheu esta e não aqueloutra corrente doutrinária ou jurisprudencial não sufragada pelo Tribunal ad quem: Se assim fosse, os tribunais estariam pejados de pedidos de indemnização com base em alegados erros grosseiros”. Veja-se, por último, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.07.2018 (Proc. 237/16.0T8STR.E1.S2), onde se afirma que “está excluída a responsabilidade do Estado pelo erro banal ou comum, por actos de simples interpretação do direito e/ou de apreciação e valoração dos factos, com uma intenção prática de uma racionalidade prático-normativa, porque inseridos na essência da especificidade da função jurisdicional, que, por isso, deve ser salvaguardada”. Voltando ao caso e concluindo: as alegações do recurso de revisão são visivelmente insuficientes para demonstrar o fundamento de vício qualificado da decisão a rever, tornando-se patente não existir motivo para a revisão pretendida. O resultado a que se chega é o mesmo que se chegou em casos próximos decididos nos recentes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, em que formularam as seguintes premissas orientadoras: - “Assentando o recurso de revisão na alínea h) de art.º 696.º do CPC, não havendo erro de direito grosseiro, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas, não há fundamento para responsabilidade do Estado e, por ligação directa, para revisão da decisão judicial” [cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.06.2025 (Proc. 25112/16.5T8LSB.E1-D.S1)]; - “Não há fundamento para rever uma decisão quando: 1) A solução que fundamentou o acórdão em revisão não se apresenta de todo desrazoável, não evidencia um desconhecimento do Direito ou uma falta de cuidado ao percorrer o “iter” decisório; 2) A decisão judicial examinou cuidada e aprofundadamente a questão e os elementos doutrinários e jurisprudenciais a ela atinentes e chegou a uma conclusão que não pode facilmente ser apodada de errada, e nem sequer se lhe pode assacar ter havido uma atitude negligente dos julgadores, e, ainda muito menos, de provir de uma negligência indesculpável e intolerável, pelo que nunca existiria actividade culposa relevante para o efeito de responsabilidade civil do Estado” [cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.07.2024 (Proc. 17375/17.5T8LSB.L1-B.S1)]. Enfim, depois de tudo, não resta senão concluir que o Tribunal recorrido procedeu correctamente quando indeferiu o requerimento do recurso de revisão O resultado a que chega in casu é perfeitamente compreensível tendo presentes a natureza e a função e os efeitos do recurso de revisão. Como o seu nome indica, estes recursos são extraordinários, respeitando a decisões transitadas em julgado. Comportam, portanto, o risco de afectar a estabilidade das decisões judiciais e a segurança do sistema jurídico. Devem ser admitidos apenas em situações excepcionais – em que a decisão esteja ferida de vício(s) qualificado(s), tanto na sua exteriorização como na sua gravidade. III. DECISÃO Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido. * Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que eventualmente beneficie. * Catarina Serra (relatora) Isabel Salgado Ana Paula Lobo _________ 1. Francisco Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, Coimbra, Almedina, 2015, p. 567 (sublinhados do autor). 2. Idem, Ibidem, p. 586 (sublinhados do autor). A frase citada é de Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, p. 355. 3. Cfr. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, Coimbra, Almedina, 2022 (3.ª edição), pp. 315-317 4. Cfr., ainda, no mesmo sentido, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.02.2012 (Proc. 825/06.3TVLSB.L1.S1), de 29.01.2014 (Proc. 277/11.6TBEAVR.C1.S1), de 23.10.2014 (Proc. 1668/12.0TBSLB.L1.S1), e de 24.02.2015 (Proc. 2210/12.9TVLSB.L1.S1). |