Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8/15.1GGVNG.P1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA DE MULTA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDE-SE PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / PRESSUPOSTOS E DURAÇÃO.
Doutrina:
- ANDRÉ LAMAS LEITE, A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem - 5, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Separata de ARS IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume II, Coimbra Editora, 2009, p. 629;

- FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, p. 227 e ss.;
- LOURENÇO MARTINS, Nova Lei da Droga: Um Equilíbrio Instável.
- M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO, Código Penal – Parte geral e especial, 2015, 2.ª Edição, Almedina, p. 334 e 386;
- MARIA JOÃO ANTUNES, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 41 e 71; Droga - Decisões de Tribunais de 1.ª instância, Comentários, 1993, p. 296.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 50.º.
LEGISLAÇÃO DE COMBATE À DROGA, DL 15/93, DE 22-01: - ARTIGOS 21.º, N.º 1 E 25.º, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 13-04-2005, PROCESSO N.º 05P459;
- DE 20-12-2006, PROCESSO N.º 3059/06;
- DE 20-12-2006, PROCESSO N.º 06P3379;
- DE 19-11-2008, PROCESSO N.º 08P3454, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-11-2008, PROCESSO N.º 08P3454;
- DE 12-02-2009, PROCESSO N.º 110/09;
- DE 20-01-2010, PROCESSO N.º 18/06.GAVCT.S1
- DE 15-04-2010, PROCESSO N.º 17/09.0PJAMD.L1.S1;
- DE 07-12-2011, PROCESSO N.º 111/10.4PESTB.E1.S1;
- DE 15-12-2011, PROCESSO N.º 706/10.6PHLSB.S1 ;
- DE 27-06-2012, PROCESSO N.º 70/07.0JBLSB-D.S1;
- DE 26-09-2012, PROCESSO N.º 139/02.8TASPS.S1;
- DE 12-12-2012, PROCESSO N.º 605/09.4PBMTA.L1.S1;
- DE 03-07-2014, PROCESSO N.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1;
- DE 09-07-2014, PROCESSO N.º 95/10.9 GGODM.S1;
- DE 10-09-2014, PROCESSO N.º 278/12.7GBSCD.C1.S1 ;
- DE 02-10-2014, PROCESSO N.º 45/12.8SWSLB.S1;
- DE 05-11-2014, PROCESSO N.º 99/14.2YRFLS;
- DE 10-12-2014, PROCESSO N.º 659/12.6JDLSB.L1.S1;
- DE 27-05-2015, PROCESSO N.º 445/12.3PBEVR.E1.S1 ;
- DE 27-05-2015, PROCESSO N.º 220/13.8TAMGR.C1.S1;
- DE 28-05-2015, PROCESSO N.º 421/14.1TAVIS.S1;
- DE 18-06-2015, PROCESSO N.º 270/09.9GBVVD. S1;
- DE 18-02-2016, PROCESSO N.º 35/14.6GAAM;
- DE 09-03-2016, PROCESSO N.º 26/14.7GAAMR;
- DE 07-07-2016, PROCESSO N.º 444/14.0PBEVR.S1, IN SASTJ, SECÇÕES CRIMINAIS, BOLETIM ANUAL, 2016;
- DE 12-10-2016, PROCESSO N.º 15/13.9PEBJA.E1.S1, SASTJ, SECÇÕES CRIMINAIS, BOLETIM ANUAL, 2016;
- DE 04-01-2017, PROCESSO N.º 967/15.4JAPRT.P1.S1, IN SASTJ, SECÇÕES CRIMINAIS, JANEIRO DE 2017;
- DE 30-11-2017, PROCESSO N.º 3466/11.0TALRA.C1.S3, IN SASTJ, SECÇÕES CRIMINAIS, NOVEMBRO DE 2017.
Sumário :

I - A descrição fundamental, a matriz típica do crime de tráfico de estupefacientes encontra-se acolhida no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01.
II - A previsão legal contém a descrição do tipo base, matricial, contemplando, como se tem considerado, um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação.
III - O art. 25.º do DL 15/93 prevê o crime de tráfico de menor gravidade, um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação ao tipo fundamental do art. 21º, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
IV - O crime de tráfico de menor gravidade caracteriza-se, assim se tem considerado, por constituir um minus relativamente ao crime matricial, fundamental, ou seja, ao crime do art. 21.º do DL 15/93, apresentando-se, lê-se no acórdão deste STJ, de 05-11-2014 (Proc. n.º 99/14.2YRFLS – 3.ª Secção), como «um facto típico cujo elemento distintivo do crime-tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações».
V - Perante um tipo legal que apresenta um espaço alargado de indeterminação quanto à caracterização da ilicitude como diminuta, justifica-se o recurso à jurisprudência para que, com alguma constância e previsibilidade, se possa determinar o que integra a menor ilicitude num comportamento de tráfico de estupefacientes.
VI - Neste âmbito, tem-se considerado que será a partir de uma análise global dos factos que se procederá à atribuição de um significado unitário quanto à ilicitude do comportamento, avaliando não só a quantidade, como a qualidade do produto vendido, o lucro obtido, o facto de a actividade constituir ou não modo de vida, a utilização do produto da venda para a aquisição de produto para consumo próprio, a duração e intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores/clientes contactados e o «posicionamento do agente na cadeia de distribuição clandestina», a inexistência de uma estrutura organizativa, a ausência de recurso a qualquer técnica ou meio especial, a actuação numa matriz de simplicidade.
VII - Na situação em apreço, o quadro global da situação em apreço é o de um arguido, que actua sozinho, vendendo canabis directamente aos consumidores, que o procuram, sendo ele próprio um consumidor, desenvolvendo a sua actividade numa área geográfica delimitada não procurando “expandir” o negócio para fora daquela área, detendo, na primeira ocasião uma quantidade de produto estupefaciente que assume algum significado - três placas de canabis resina com o peso líquido global de cerca de 299,394 g., suficiente para preparar cerca de 640 doses individuais.
VIII - Há que conferir o devido relevo a tal quantidade de droga, especialmente no caso que nos ocupa em que temos em concurso um outro crime de tráfico de estupefacientes, praticado em data posterior, em que está em causa a detenção de 3,051 g. de canábis resina, que permitia a preparação de 11 doses individuais e a detenção de cerca de 33,027 e 16,420 g. do mesmo produto, suficiente para permitir a preparação de 185 doses individuais.
IX - À luz das considerações teóricas tecidas dos contributos jurisprudenciais que se recensearam sobre a sua caracterização, factos referidos no ponto anterior integram o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, al. a), do DL 15/93, punível com pena de prisão de 1 a 5 anos.
X - Já o mesmo não sucede com a caracterização jurídico-penal da conduta do arguido reportada a Fevereiro de 2015, cujo último acto então ocorreu, em que já se observa a movimentação de uma quantidade significativa de droga. Circunstância que traduz uma ilicitude de maior gravidade e, por isso, a conduta do arguido deve subsumir-se ao tipo matricial do tráfico – ao art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, por referência à Tabela I-C anexa a tal diploma.
XI - Na questão de saber se deverá ser aplicada ao arguido uma pena de multa pelo crime de detenção de arma proibida, único dos crimes em causa que admite tal pena em alternativa à pena de prisão, há que ter em conta que, não obstante a ausência de antecedentes criminais, o mesmo registou um percurso profissional curto e pouco significativo, sendo o seu percurso de vida condicionado pelo seu comportamento aditivo, designadamente a dependência de drogas, jogo e alcoolismo, não possuindo uma retaguarda familiar estruturada e sem definição de qualquer projecto de vida sólido e estruturado.
XII - Tais circunstâncias não podem deixar de revelar maiores exigências de socialização que justificam, no que ao crime de detenção de arma proibida diz respeito, a preferência por uma pena de prisão.
XIII - O crime de detenção de arma proibida encontra-se em relação de concurso com dois crimes de tráfico de estupefacientes punidos com pena privativa da liberdade, circunstância que determina a fixação de uma pena conjunta.
XIV - Ora, como o STJ tem entendido, sempre que, na pena única conjunta tenha de ser incluída uma pena de prisão, impõe-se, na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas “penas mistas” de prisão e multa.
XV - Na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência deste fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade.
XVI - Estamos, na verdade, perante um tipo de crime onde as necessidades de prevenção geral de integração da norma e de protecção de bens jurídicos são prementes, pois o sentimento jurídico da comunidade apela a uma eliminação do tráfico de estupefacientes destruidor ansiando também por uma diminuição deste tipo de criminalidade e por uma correspondente censura de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas para os efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas.
XVII - À luz dos critérios jurídicos fixados para a determinação da medida da pena, entende-se condenar o arguido na pena de 4 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, do DL 15/93, com referência à Tabela I-C anexa ao diploma, na pena de 3 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade e na pena de 4 meses de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida, penas que se reputam adequadas e equilibradas à gravidade dos crimes e que satisfazem as necessidades de prevenção geral prementes no caso, e, em cúmulo jurídico das mesmas, na pena única de pena única de 5 anos de prisão.
XVIII - Perante a situação apreciada, considera-se ser possível a formulação de um juízo de prognose favorável à reinserção social do arguido em liberdade junto da sua família, na convicção de que a ameaça da pena constituirão para ele uma séria advertência para não voltar a delinquir e satisfaz as exigências de prevenção, sobretudo de prevenção geral, que o caso exige e beneficiará seguramente das vantagens que o cumprimento de um plano de reinserção, devidamente ajustado às suas condições de vida e personalidade, potenciará.
XIX - Assim, ao abrigo do disposto no art. 50.º, do CP, por se considerar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, suspende-se a execução da pena de prisão aplicável por igual período de tempo, mediante regime de prova assente em plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I – RELATÓRIO

           1. Por acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 3 – Comarca do Porto, foi o arguido AA, [...], condenado «como autor imediato, sob a forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, do C.P. e 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C a ele anexa, cujo último ato ocorreu em 10-02-2015, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, do C.P. e 2.º, n.º 1, als. m), ax), n.º 5, al. g), 3.º, n.º 2, al. e), 4.º, n.º 1, e 86.º, n.º 1, al. d), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, praticado em 10-02-2015 na pena de 4 (quatro) meses de prisão, e de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, do C.P. e 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C a ele anexa, cujo último ato ocorreu em 02-02-2016, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão».

            Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

   2. Inconformado, interpõe o arguido o presente recurso «da matéria de facto e de direito da decisão condenatória proferida», extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

            «CONCLUSÕES

            (Art.º 412.º, n.º 1 e n.º 2 do C.P.P.)

Da condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes

1.        Ora, considera o arguido que, face à prova produzida, foi este erradamente condenado pela prática de 2 (dois) crimes de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art.º 21.º n.º 1 do DL 15/93, de 22/1 devendo antes sim ter sido condenado pela prática de 2 (dois) crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previstos e punidos pelo artigo 25.º do acima referido Decreto- Lei.

2.         As substâncias transaccionadas pelo arguido são exclusivamente cannabis, e, não obstante o Decreto-Lei n.º 15/93 não aderir totalmente à distinção entre drogas duras e drogas leves, não deixa no preâmbulo referir uma certa gradação de perigosidade das substâncias, dando um passo nesse sentido com o reordenamento em novas tabelas e daí extraindo efeitos no tocante às sanções, e de afirmar que “A gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respectivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade”, havendo, pois, que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respectiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social.

3.         O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art.º 25.º do DL 15/93, de 22-01, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, previsto no art.º 21.º do diploma citado.

4.        Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores do menor grau da ilicitude do facto, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade (haxixe) ou quantidade das plantas substâncias ou preparações.

5.        Tal aferição, consabido que a ilicitude do facto se revela, essencialmente, no seu segmento objectivo, com destaque para o desvalor da acção e do resultado, deverá ser feita a partir de todas as circunstâncias que, em concreto, se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito, quer do ponto de vista da acção, quer do ponto de vista do resultado.

6.        Considerando, porém, a limitada dimensão da actividade de tráfico imputada ao arguido era, ao tempo da prática dos factos ilícitos, adicto de haxixe, esse consumo inegavelmente esbateu-lhe os critérios normais de comportamento socialmente aceite, determinando uma inequívoca diminuição da sua capacidade valorativa e de autodeterminação nomeadamente no que se refere à ilicitude dos actos ligados ao consumo e eventual tráfico de haxixe.

7.         Ilicitude que, destarte, mostra-se diminuída, atenta a ainda pouca significativa quantidade de produto estupefaciente apreendido e o facto de os autos não fornecerem elementos de facto que permita extrair uma actividade matricial de tráfico de estupefacientes, sendo ele próprio consumidor de substâncias psicotrópicas.

8.         Acresce que a quantidade de haxixe apreendida não obstante ser superior ao limite quantitativo máximo de detenção de substâncias psicotrópicas previstas na lei para o consumo, a conduta do arguido enquadrar-se-ia, ainda, atenta essa não muito significativa quantidade de produto estupefaciente apreendido, na previsão do art.º 25.º da Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, sendo certo que a substância estupefaciente apreendida ao arguido era também destinada ao seu consumo pessoal.

9.        Assim, a conduta do arguido deve ser considerada como integrando a prática de 2 (dois) crimes de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º da Lei 15/93 de 22 de Janeiro, e a pena a aplicar deve ser obtida de acordo com os limites daquele normativo e suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova.

10.       Pelo que face à prova produzida nos presentes autos a conduta do arguido deveria enquadrar-se nos termos previstos no art.º 25.º do D.L. 15/93, de 22/01 e não nos termos previstos no art.º 21.º do mesmo D.L.

11.       No caso concreto do arguido AA temos de destacar o número reduzido de consumidores a quem se destinaria parte do produto na posse do arguido, uma vez que ele próprio afectava produto estupefaciente para seu próprio consumo, bem como a natureza pouco viciante da substância apreendida – situada na escala de menor danosidade social – e a actividade circunscrita à área de residência do próprio.

12.       Assim, todas as circunstâncias objectivas, apuradas e descritas no Acórdão, apontam no sentido de uma dimensão pouco gravosa da imagem global do facto, não se vislumbrando possível concluir estarmos em presença de uma estrutura organizativa substancial, antes se destacando o cariz doméstico e os procedimentos básicos de venda do produto estupefaciente, nada inculcando, por outro lado, a existência de qualquer desígnio de obter um diferencial com expressão monetária, ou seja de obtenção de proventos económicos elevados, atenta a pouca quantia em dinheiro que foi apreendida ao arguido Ivo.

13.       Isto posto, temos de concluir que o pouco dinheiro encontrado em casa do arguido não é indicador de uma actividade subsumível à previsão do artigo 21.º, n.º 1.

14.      Parece-nos, pois, que tal circunstancialismo sustentam a subsunção da conduta do arguido ao crime de tráfico de menor gravidade previsto e punido pelo citado art.º 25.º, sendo claramente excessiva a integração no tipo matriz plasmado no artigo 21.º.

15.      Reflectindo-se tal convolação na medida da pena aplicada ao arguido pelo que não pode o arguido concordar de todo em todo com uma condenação pela prática de 2 (dois) crimes de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21.º do DL n.º 15/93 de 22/01, devendo antes sim, ter sido condenado pela prática de 2 (dois) crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25.º alínea a) do mesmo DL n.º 15/93 de 22/01.

Da condenação pelo crime de detenção de arma proibida

16.       O arguido considera que a pena parcelar de 4 (quatro) meses de prisão efectiva pela prática do crime de detenção de arma proibida é manifestamente excessiva e desproporcional atento por um lado o facto de o referido canivete se encontrar no seu quarto e por outro à ausência de antecedentes criminais.

Deficiente fixação da medida concreta da pena:

17.       Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente;

•          A ilicitude do facto grau, o modo de execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

•          A intensidade do dolo ou negligência;

•          Os sentimentos manifestados no cometimento do crime, os fins, os motivos que o determinam;

•          As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

•          A conduta anterior e posterior aos factos;

•         A falta de preparação para manter uma conduta licita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

18.       O arguido necessita de uma oportunidade e não de prisão, pelo que, faria todo o sentido que a pena aplicada fosse muito inferior e, sobretudo suspensa na sua execução.

19.       É evidente que, o tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza. Ou seja, ninguém pode assegurar que um arguido a quem é aplicada uma pena de prisão suspensa não venha, de futuro, e mesmo no decorrer do período da suspensão, a cometer um novo crime.

20.      Porém há sempre que correr algum risco, embora um risco calculado, devendo atender-se na prognose a efectuar à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, ou seja, devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido.

21.       Estamos, assim, em crer que existe uma prognose favorável ao arguido em termos que permitem ser-lhe aplicada uma pena inferior e repita-se, suspender-lhe a execução da pena de prisão em que vier a ser condenado, evitando assim, o contacto com o meio prisional do que resta de saudável da sua personalidade.

22.      Podendo, afirmar-se que relativamente ao arguido é possível formular um juízo favorável no tocante às exigências de prevenção de futuras delinquências podendo formular-se um juízo de prognose social favorável tendo o arguido interiorizado a gravidade dos actos praticados no passado, tendo demonstrado sincera vontade em mudar de vida, contando, para tal, com o apoio incondicional da sua família.

23.       Assim, a pena a aplicar ao arguido terá, por conseguinte, que se situar mais próxima do limite mínimo, legalmente previsto, consideradas as razões económicas e sociais bem como os demais elementos que não fazendo parte do tipo de crime dispõem a favor do arguido, aplicando-se ao mesmo tempo uma pena mais próxima do limite mínimo legal abstractamente aplicável pelas normas incriminadoras.

24.      Pelo exposto, é nosso entendimento que, no caso concreto a pena aplicável ao recorrente deveria ser inferior aos 6 (seis) anos de prisão em cúmulo jurídico em que foi condenado e suspensa a sua execução.

25.      Pelo que tudo ponderado, entende-se que a pena, para ser fixada na medida justa, adequada e necessária e tendo em conta as concretas exigências de prevenção geral e especial e tendo em conta todas as circunstâncias que depõem a favor do arguido, é suficiente a aplicação de uma pena de 4 (quatro) anos de prisão, sempre suspensa na sua execução, sendo esta suficiente para se atingir os fins insertos na norma incriminadora e contribuir para a plena socialização do arguido.

26.      O tribunal a quo não atendeu, assim, em nosso entender, como devia: ao facto do arguido AA ser primário; não valorando como devia as suas declarações; ao facto de ter enquadramento familiar e habitacional, contando assim, com o apoio da família mais próxima, elementos estes fundamentais para se aferir em como o arguido é merecedor de uma oportunidade.

Princípios e disposições legais violadas ou incorrectamente aplicadas:

•          Artigos 40.º, 70.º, 71.º, 72.º; 73.º e 77.º do Código Penal;

•          Artigo 21.º, n.º 1 e 25.º do Decreto-Lei 15/93 de 22-01;

•          Artigo 86.º, n.º 1 alínea d) do Regime Jurídico das Armas e suas munições – Lei n.º 5/2006, de 23-02, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4-09, pela Lei n.º 17/2009, de 6-05, pela Lei n.º 26/2010, de 30-08, pela Lei n.º 12/2011, de 27-04 e pela Lei n.º 50/2013, de 24-07;

•          Artigo 410.º, n.º 2 alínea a) e c) do Código de Processo Penal.

 Nestes termos e nos mais de direito, que V. Ex.as Doutamente melhor suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a, aliás Douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões supra aduzidas.»

            3. Respondeu o Ministério Público, dizendo:

            […].

I:- Integração dos factos no artº 21º ou nº artº 25º, do Dec.-Lei nº 15/93, de 22/01:

Dispõe o 1º artº que : “quem, sem para tal estar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art.º 40.º, plantas, substâncias ou preparações, compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.

Por sua vez o 2º pune quando se estando perante uma situação do artºs 21

“(…) no caso do art.º 21.º (...), a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída,- carregado nosso- tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de um ano a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI”.

Ou seja, para que a conduta do agente possa ser integrada na previsão do artº 25º o facto há-de caracterizar-se por uma considerável diminuição da ilicitude, diminuição esta reportada aos meios utilizados, à modalidade ou às circunstâncias da acção, à qualidade ou quantidade do estupefaciente.

Ora, não decorre dos factos provados, nem o arguido os invoca no recurso, que a verificação de uma qualquer circunstância que permita concluir por diminuição da ilicitude de ambos os crimes, sendo que o segundo, ainda se apresenta com maior ilicitude, pois que ocorreu já depois de o arguido ter sido presente a 1º interrogatório judicial, onde precisamente pelo primeiro crime, ficou indiciado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do Dec.-Lei nº 15/93, de 22/01.

Acresce que quanto ao primeiro crime, ocorrido a 10/02/2015, o arguido detinha vários pedaços de canábis resina com o peso líquido de cerca de 32,567 gramas, o que lhe permitia preparar cerca de 84 doses individuais, e no interior do seu quarto do arguido, um saco plástico de cor branca contendo no interior três placas de canábis resina com o peso líquido global de cerca de 299,394 gramas, suficiente para preparar cerca de 640 doses individuais, e diversos recortes plásticos de cor transparente utilizados para acondicionar o produto estupefaciente.

Ora, a quantidade de canábis detida pelo arguido/recorrente era, deveras, considerável, e muito, muito acima do necessário para o consumo médio diário para o período de 10 dias, pelo que jamais poderia integrar a previsão do reclamado artº 25º do Diploma da Droga

Porém, entendeu-se, e confiando que o arguido iria passar a pautar a sua conduta afastado de tal actividade de detenção e venda a terceiros de canábis, foi-lhe aplicada a medida de coacção, para além do TIR, de obrigação de apresentação, trisemanalmente, no posto policial da área da sua residência, de proibição de contactar, por qualquer meio, com pessoas conotadas com o consumo ou tráfico de estupefacientes e a proibição de frequentar quaisquer locais conotados com o consumo ou venda de estupefacientes, designadamente o bairro social existente nas imediações da sua habitação, a zona da ..., o ... e o ....

Acresce que sendo o preço de mercado de uma dose de canábis de € 5,00, a quantidade deste produto detido pelo arguido/recorrente permitia arrecadar o total de € 3 620,00.

Já na prática do segundo crime de tráfico de estupefaciente, ocorrido logo pouco tempo depois do interrogatório judicial pela prática de primeiro crime, o arguido/recorrente, manifestando um total desprezo pelo Tribunal e pelas medidas de coacção que lhe haviam sido impostas, mostrando uma total ausência de interiorização da gravidade de tais comportamentos e um manifesto sentido de arrependimento, voltou a dedicar-se à venda da canábis a terceiros, sendo que ainda em 2015, o arguido voltou a dedicar-se, nos mesmos locais onde anteriormente o fazia, de forma regular, o que se manteve até ao dia 2 de Fevereiro de 2016.

Como resulta dos depoimentos das testemunhas por diversas vezes, em diferentes locais das freguesias de ... e ..., algumas vezes após acordo firmado telefonicamente, o arguido/recorrente entregou, entre outros, a BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ e LL , canábis e canábis resina, recebendo destes em troca, como forma de pagamento, quantias compreendidas entre € 2, 5 e € 10 consoante a quantidade de produto transaccionado.

No dia 2 de Fevereiro de 2016, pelas 15h.30m, na Rua --, o arguido/recorrente detinha 2 pedaços de canábis resina com o peso líquido de cerca de 3,051 gramas, o que permitia preparar 11 doses individuais, e a quantia de €90, bem como um telemóvel Samsung com o IMEI --.

Por sua vez, no seu quarto, dentro do guarda-fatos, detinha o arguido/recorrente uma saca de papel contendo 2 sacos de plástico transparentes com vários pedaços de canábis resina com o peso líquido de cerca de 33,027 e 16,420 gramas, permitindo preparar um total de 185 doses individuais

Ou seja, desta feita a canábis detida pelo arguido/recorrente e por si destinado à venda a terceiros iria permitir a obtenção de € 980,00.

Ou seja, o arguido não se agia como um vendedor ocasional para poder obter alguma droga para o seu próprio consumo, não. O arguido dedica-se á venda de canábis tout court.

Ora, é pois a partir do tipo fundamental, concretamente da ilicitude nele pressuposta, que se deve aferir se uma qualquer situação de tráfico se deve qualificar ou não de menor gravidade.

Também neste segundo crime praticado a quantidade de canábis detida pelo arguido/recorrente era, ao contrário do que pretende fazer crer, considerável e nunca enquadrável, quanto a essa circunstância do artº 25º, do Dec.-Lei nº 15/93, de 22/01.

Mas e mesmo que assim se não entendesse, o que mera hipótese se concebe, sempre faltaria a circunstância da qual resultasse uma acentuada diminuição da culpa do facto, o que, como já se referiu, em momento algum foi dado como provado qualquer facto do qual aquela conclusão se possa extrair, nem tão pouco, o arguido isso coloca em causa.

Como ensina o Ac. do STJ de 20.01.2010 (proc. n.º 18/06.CAVCT):

Tal aferição, consabido que a ilicitude do facto se revela, essencialmente, no seu segmento objectivo, com destaque para o desvalor da acção e do resultado, deverá ser feita a partir de todas as circunstâncias que, em concreto, se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito, quer do ponto de vista da acção, quer do ponto de vista do resultado – Ac. Do STJ de 20.01.2010 (proc. n.º 18/06.CAVCT).

Também no Ac. de 13.04.2005 (CJ, 184, p. 173), o STJ referiu-se quanto à densificação do conceito “considerável diminuição da ilicitudeo critério de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, tendo-se estendido o âmbito da norma do art. 25.º, aos “retalhistas de rua”, sem ligações a redes, desprovidos de qualquer organização, meio logístico e sem grandes ou avultadas quantidades de estupefacientes – carregado nosso

Atente-se, ainda no decidido pelo Ac. TRC. de 17.11.2010 (proc. n.º 33/09.1PEFIG), que considerou que:

A opção pelo tipo privilegiado, tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. p. pelo art. 25.º, al. a), do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, não poderá resultar exclusivamente da natureza do estupefaciente em, presença, cannabis. A lei não prevê uma desqualificação automática da gravidade do crime em função da natureza do estupefaciente traficado, ainda que aponte para uma menor gravidade dos crimes envolvendo estupefacientes menos danosos para a saúde pública. O tráfico de cannabis não tem carácter menosprezível do ponto de vista criminal que frequentemente se pretende atribuir-lhe. A ideia, actualmente muito generalizada de que o consumo de cannabis não tem efeitos perniciosos nem gera dependência, não tem fundamento científico”.

Ora, face ao período temporal em que o arguido/recorrente se dedicou à venda de estupefacientes, entre Janeiro de 2015 a 02/02/2016, só por hipótese pretensiosa pode o mesmo vir reclamar que deveria ter sido condenado como autor de crimes de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º al. a), do DL nº 15/93, de 22/01, com a agravante que entre a prática entre o primeiro e o segundo foi detido, levado a 1º interrogatório judicial, e foram-lhe aplicadas medidas de coacção, com as quais não teve qualquer empatia, não as interiorizou nem percebeu, ou desprezou mesmo, a oportunidade que lhe estava a ser dada de arrepiar caminho na prática da actividade de tráfico de droga a que se vinha dedicando.

Ora, atenta a quantidade que o arguido detinha aquando da prática de cada um dos crimes, e não resultar provada qualquer circunstância, em nenhuma das situações, que permita considerar qualquer diminuição da ilicitude dos factos, somos de opinião de não assistir qualquer razão ao arguido/recorrente neste segmento do recurso, pelo que pugnamos pela sua improcedência.

II.- Da pena pelo crime de detenção de arma proibida

Como decorre dos preceitos que punem esta conduta, artºs. 41º, nº 1, 47º, nº 1, e 86.º, n.º 1, al. d), do referido Regime, a moldura penal correspondente é a de prisão de um mês a quatro anos ou com pena de multa de dez até quatrocentos e oitenta dias (cfr. artºs. 41º, nº 1, 47º, nº 1, e 86º, nº 1, al. d), do referido Regime).

Ora o arguido/recorrente foi punido com a pena de 4 meses de prisão, ou seja, muito perto do mínimo da moldura de prisão prevista, sendo que em nenhum facto foi provado que justificasse ter-se optado pela pena de multa. Pelo contrário.

Ao contrário do alegado pelo arguido/recorrente, o mesmo não detinha um canivete! Detinha, isso sim, uma arma de ponta e mola, coisa bem distinta de um simples canivete.

Com efeito, e como bem se afirma no Acórdão ad quo

não obstante o arguido não possuir antecedentes criminais, o certo é que registou um percurso profissional curto e pouco significativo, sendo o seu percurso de vida condicionado pelo seu comportamento aditivo, designadamente a dependência de drogas, jogo e alcoolismo, não possuindo uma retaguarda familiar estruturada. Não tendo definido qualquer projecto de vida sólido e estruturado, a sua inserção social sempre seria condicionada pela prolongada inactividade profissional lícita e pela ausência de hábitos de trabalho. Acresce que o arguido desvaloriza os prejuízos que advêm da sua conduta delituosa, assumindo um discurso de minimização da sua conduta o que demonstra uma ausência de consciencialização da censurabilidade da mesma.

Tais circunstâncias não podem deixar de revelar maiores exigências de socialização que justificam, no que ao crime de detenção de arma proibida diz respeito, a preferência por uma pena de prisão.

Dispõe o artº 40º, nº 1 do Cód. Penal que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (n.º 2 do mesmo artº).

Acrescenta o artº 71º, nº 1 do mesmo diploma, que a determinação da medida concreta da pena far-se-á, dentro dos limites impostos pela moldura penal abstracta, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Para graduar concretamente a pena, há que respeitar o critério fornecido pelo nº 2 do artº 71º do Cód. Penal, ou seja, atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram a sua acção, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, as condutas anterior e posterior ao facto (alíneas a) a e) da mencionada norma).

O art 70º, do Cód. Penal impõe a opção pela pena não detentiva caso não existam razões ponderosas em contrário. Ora, in casu face a toda a envolvência do caso seria socialmente inaceitável (e por isso manifestamente desajustado às finalidades da punição) aplicar ao arguido uma pena de multa, atendendo à sua situação social, familiar e delituosa, concretamente apurada.

Acresce que a medida da pena de prisão não deixou de ser fixada perto do mínimo, quando o máximo da moldura é 4 anos de prisão.

Assim, e atenta a manifesta ausência de circunstâncias que permitisse concluir que a punição, do arguido/recorrente, quanto ao crime de detenção de arma proibida, em pena de multa seria eficaz à realização, de forma adequada e suficiente, às finalidades das penas, outro caminho não existia que não a sua condenação, e bem em pena de prisão, ainda que perto do limiar mínimo.

Assim e quanto à reclamação do arguido/recorrente quanto à pena em que foi condenado pelo crime de detenção de arma proibida, o mesmo carece de razão e não demostrou, minimamente, por que razão não deveria ter sido punido nos termos em que os foi, limitando-se a afirmar, genericamente, que a pena é excessiva.

III. da medida da pena concreta:

Por cada crime de tráfico de droga, p. e p. pelo artº 21º, al. a), o arguido foi condenado na pena parcelar de 4 anos e 6 meses, e, pela prática do crime detenção de arma proibida, na pena parcelar de 4 meses, igualmente de prisão.

Nos termos do disposto no artº 77º, esta situação impões se proceda à condenação do agente numa pena única, sendo a moldura abstracta desta pena única, no seu limite máximo, a soma das penas parcelares, e no seu limite mínimo a mais elevada das penas parcelares aplicadas.

Ou seja, na presente situação a moldura penal abstracta tem como limite máximo 9 anos e 4 meses de prisão e, como limite mínimo, 4 anos e 6 meses de prisão.

Ora ao determinar uma pena única de 6 anos de prisão, o Tribunal a quo, fixou-a mais perto do limite mínimo do que do limite máximo, pois que acrescentou 2 anos a este e afastou-se em 3 anos e 4 meses do limite máximo.

O Tribunal, como bem decorre da sua fundamentação quanto à determinação da pena concreta, obedeceu a todos os critérios fixados no artº 71º, do Cód. Penal.

As condutas do arguido/recorrente traduzem, efectivamente, uma tendência para o crime, não bastando para o seu afastamento da sua prática, a aplicação de medidas de coacção não privativas da liberdade como prognose favorável a que não viesse a recair na prática de crime, sendo que esta reiteração manifesta uma vontade e formação de personalidade livremente escolhida para assim agir.

Não existiu qualquer circunstância exterior, casual, que possa justificar ou diminuir a culpa ou as ilicitudes, acentuadas, dos factos que o arguido/recorrente praticou.

O facto de ser primário é manifestamente irrelevante, pois como já se enfatizou o arguido foi presente a 1º interrogatório judicial, pela prática de crime p. e p. pelo artº 21º, do Dec.-Lei 15/93, de 22/01, e tal não o inibiu de continuar a actividade de tráfico, desprezando a decisão judicial que fundamentou a aplicação de medidas de coacção não privativas da liberdade.

Por toda a sua conduta o arguido assumiu, efectivamente, um comportamento delituoso que reclama uma pena única de prisão, que ainda abaixo da média da moldura penal abstracta, não pode, ser inferior àquela em que foi condenado, concretamente 6 anos de prisão.

Posto isto, também nesta questão da medida da pena concreta, carece, de todo o arguido/recorrente de qualquer razão, não merecendo qualquer benevolência, pelo que também nesta parte, se defende a improcedência do recurso.

Tendo respondido às questões suscitadas no recurso do arguido AA, e almejando tê-lo logrado fazer de modo esclarecido, ainda que modestamente, e convicta da sua manifesta improcedência, pugna-se pela confirmação da decisão recorrida».

            4. Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer que se reproduz:

«1.

O arguido AA, por acórdão proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia-Juiz 3, mostra-se condenado pela prática como autor imediato, sob a forma consumada e em concurso efectivo, dos seguintes crimes:

•         Um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, p. e p. pelos arts.14º, n º 1, 26º, ambos do CP e 21º, n º 1, do DL N º 15 / 93 de 22 de Janeiro, por referência à tabela anexa I-C (cujo último acto ocorreu em 10-02-2015), na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

•          Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. arts. 14º, n º 1, 26º, ambos do CP e 2º, n º s 1, als. m), ax), n º 5, al. g), 3º, n º 2, al. e), 4º, n º 1, e 86º, n º 1, al. d), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, praticado em 10-02-2015, na pena 4 (quatro) meses de prisão;

•         Um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, p. e p. pelos arts.14º, n º 1, 26º, ambos do CP e 21º, n º 1, do DL N º 15 / 93 de 22 de Janeiro, por referência à tabela anexa I-C (cujo último acto ocorreu 02-02-2016), na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

•          Em cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

1.1.

Inconformado como o julgado, dele traz o arguido recurso ao STJ, concluindo pela forma que melhor se colhe de págs.503v-507.

2.

O MP na 1ª instância respondeu nos termos de págs.512-518, propugnando pela improcedência in tottum do recurso.

3.

Como é consabido, nos termos do art. 412º, n º 1 do CPP, as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação definem o objecto do recurso, sem prejuízo dos poderes de cognição ex officio do tribunal de recurso, compreendendo, os vícios do artº 410º, n º 2, alíneas a), b) e c), cf. AC. n º 7 / 95, in DR IS-A de 28.12.1995 e as nulidades previstas nos arts.379º e 410º, n º 3, todos do CPP. In casu, o recorrente suscita as seguintes questões:

a.

Qualificação jurídico-penal dos crimes de tráfico, que ao contrário do que vem decidido pelo Tribunal Colectivo se deveriam, a seu ver, enquadrar no tipo legal do art. 25º, al. a) do DL n º 15 / 93, de 22 de Janeiro, tráfico de menor gravidade e não no do art. 21º, n º 1, do mesmo diploma legal, tráfico e outras actividades ilícitas;

b.

Medida da pena parcelar aplicada pela comissão de um crime de detenção de arma proibida;

c.

Medida da pena única e suspensão da sua execução.

3.1.

Como se sabe, no diploma penal extravagante, que regula o "Tráfico e Consumo  de Substâncias Psicotrópicas", o DL. nº 15 / 93, de 22 de Janeiro, o legislador entendeu tipificar no art. 21º, o crime base, matricial, de «tráfico e outras actividades ilícitas». A par deste fattispecie, prevê-se no art. 24º um tipo de crime agravado. Por seu turno, procurando visar situações em que «a imagem global do facto» aponta para uma conduta menos desvaliosa do agente, tipifica-se no art. 25º o crime de tráfico de menor gravidade, que claramente se prefigura como um crime privilegiado, prevendo-se, por seu turno, no art. 26º, do referido diploma, o tipo legal traficante-consumidor (vide Capítulo III, do diploma em apreço).

Este bosquejo pelos tipos legais supra enunciados, vem naturalmente a propósito da pretensão do recorrente AA, de que na procedência da revista, sejam os dois crimes de tráfico pelos quais vem condenado (cf. supra 1.) agora integrados, na previsão do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. como vimos acima de consignar, no art. 25º, do DL. nº 15 / 93, de 22 de Janeiro. Para tal, como bem se expende no douto acórdão sub judicio partindo, naturalmente, dos factos provados e que se têm que ter por assentes, haveria que se poder retirar deles numa avaliação geral, que nos conduza numa apreciação da imagem global do facto, à verificação de um grau de ilicitude consideravelmente diminuído, maxime á luz dos meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção ou a quantidade e qualidade das substâncias compreendidas in casu na tabela anexa I-C- resina de «cannabis».

Essa ilicitude «consideravelmente diminuída» é justamente aquilo que não se pode retirar, também a nosso ver, dos factos provados no atinente aos crimes sub judicio. Seria despiciendo aprofundar hic et nunc esta questão, vista a detalhada análise que dela se faz no acórdão em apreciação, de resto reiterada pelo MP na sua resposta. De todo o modo, sempre se anotará como elementos que contrariam a pretensão do recorrente, o período em que o mesmo se dedicou em exclusividade ao tráfico, as quantidades de resina de «cannabis» que lhe foram apreendidas, adequadas a perfazer 920 doses individuais (cf. fundamentação de facto), o escrito apreendido com anotações de clientes, bem como os habituais recortes de plástico para acondicionar as doses do produto, e telemóveis, a persistência em prosseguir após o 1º interrogatório judicial de arguido detido, em 11 de Fevereiro de 2015, na via da obtenção de lucros fáceis, não obstante as medidas de coacção então aplicadas. Tudo a evidenciar o acerto da qualificação jurídico-penal, perfilhada pelo Tribunal Colectivo, neste segmento decisório.

Neste conspecto, temos que a moldura penal abstracta aplicável ao crime do art. 21º, n º 1, do DL N º 15 / 93 de 22 de Janeiro, por referência à tabela anexa I-C, é a de pena de prisão de 4 a 12 anos.

3.2.

Ao recorrente, como flui da matéria provada foi apreendido no decurso de uma busca realizada no dia 10 de Fevereiro de 2015, à sua residência sita na ..., mais concretamente «em cima da cómoda, um canivete de abertura automática, em metal, composto por um cabo que encerra uma lâmina cuja disponibilidade é obtida instantaneamente por acção de uma mola sob tensão contendo resíduos de canabis» sic da fundamentação de facto a págs. 470v. Não vem posta em causa a qualificação jurídico-penal dos factos relativos a esta faca de abertura automática, integrando uma arma da classe A, no quadro das disposições conjugadas dos arts. 2º, n º s 1, als. m), ax), n º 5, al. g), 3º, n º 2, al. e), 4º, n º 1, e 86º, n º 1, al. d), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, a que corresponde, em sede de moldura penal abstracta pena prisão até quatro anos.

3.3.

No que se refere á determinação pelo tribunal a quo da medida das penas, parcelares e única, não vemos que as operações ou o procedimento seguido, a ponderação dos factores relevantes em tal sede, a consideração das supra apontadas molduras penais abstractas, bem como da culpa e das necessidades de prevenção, mereça qualquer censura deste tribunal.

Diga-se também, que o Tribunal Colectivo, fundamentou, como lhe cumpria a pena única que fixou em seis (06) anos de prisão, procurando avaliar «a gravidade do ilícito global perpetrado e a " culpa pelos factos em relação" [...]». Anote-se, por fim, que não vemos qualquer ofensa ao princípio da necessidade, da proporcionalidade e da adequação, no quantum das penas em causa, sendo que a moldura penal abstracta do concurso vai de quatro (04) meses a nove (09) anos e quatro (04) meses.

Neste conspecto, a questão da reclamada suspensão da execução da pena de prisão, não se coloca, por inexistência do seu pressuposto formal, sendo certo que, de todo o modo, também o pressuposto material do instituto, sempre se deveria ter por inverificado, por claras razões de prevenção geral positiva.

Somos assim de parecer que o recurso deve in tottum ser julgado improcedente.»

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, nada foi dito.

6. Colhidos os vistos e realizada a conferência, por não ter sido requerida a audiência, cumpre decidir.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

            1. Os factos

            O Tribunal Colectivo registou os seguintes:

           

            «FACTOS PROVADOS:

           

AA, aqui arguido, desde pelo menos Janeiro de 2015, nas freguesias de ... e ..., dedicava-se regularmente à entrega de canabis resina a diversos indivíduos, em troca de dinheiro que recebia destes.

           No dia 10 de Fevereiro de 2015, pelas 15h.10m, na Rua ..., o arguido trazia consigo, no bolso interior do casaco que trajava, acondicionados num bolsa de tecido, vários pedaços de canabis resina com o peso líquido de cerca de 32, 567 gramas, o que lhe permitia preparar cerca de 84 doses individuais, bem como os telemóveis de marca Samsung e Vodafone com os Imei’s -- e -- e a quantia de € 75, sua propriedade.

           No interior do quarto do arguido, sito na sua residência localizada na --, pelas 15h.50m o arguido detinha os seguintes objectos, sua propriedade:

          - Em cima de um pufe, debaixo de peças de roupa, um saco plástico de cor branca contendo no interior três placas de canabis resina com o peso líquido global de cerca de 299,394 gramas, suficiente para preparar cerca de 640 doses individuais, e diversos recortes plásticos de cor transparente utilizados para acondicionar o produto estupefaciente;

            - Em cima da cómoda, um canivete de abertura automática, em metal, composto por um cabo que encerra uma lâmina cuja disponibilidade é obtida instantaneamente por acção de uma mola sob tensão, contendo na lâmina resíduos de canabis;

            - Em cima da prateleira inferior do roupeiro, uma faca com cabo em madeira e uma régua plástica, contendo resíduos de canabis;

            - No interior da gaveta de um móvel, um pedaço de papel com dezassete nomes, alcunhas e números.

            A faca, o canivete e a régua eram utilizados pelo arguido como instrumento para a preparação e doseamento das doses de canabis para posterior venda.

            Os telemóveis que o arguido detinha eram por si usados, para além do mais, no desenvolvimento da actividade de tráfico de estupefacientes, como forma de estabelecer os inerentes contactos com fornecedores e compradores.

            A quantia apreendida ao arguido era proveniente de anteriores vendas de produto estupefaciente por si realizadas.

           O arguido destinava o produto estupefaciente que detinha à venda a terceiros.

           Na sequência da detenção em fragrante delito do arguido, o mesmo foi submetido a primeiro interrogatório judicial de arguido detido em 11 de Fevereiro de 2015 findo o qual foi considerado indiciada a prática pelo arguido de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C a ele anexa, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d), por referência ao art.º 3.º, n.º 2, al. e), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, tendo determinado que o mesmo aguardaria os ulteriores termos do processo sujeito às obrigações decorrentes do termo de identidade e residência, à obrigação de apresentação às terças, quintas-feiras e sábados, entre as 09h.00m e as 19h.00m, no posto policial da área da sua residência, à proibição de contactar, por qualquer meio, com pessoas conotadas com o consumo ou tráfico de estupefacientes e à proibição de frequentar quaisquer locais conotados com o consumo ou venda de estupefacientes, designadamente o bairro social existente nas imediações da sua habitação, a zona da ..., a título de medidas de coacção, o que lhe foi comunicado.

            Não obstante, em data não concretamente apurada mas situada após a data do interrogatório judicial e a aplicação das sobreditas medidas de coacção, e ainda em 2015, o arguido voltou a dedicar-se, nos mesmos locais, de forma regular, à actividade de venda de canabis resina a consumidores de tal substância, o que foi efectuando até ao dia 2 de Fevereiro de 2016.

            Na verdade, nesse período compreendido, por diversas vezes, em diferentes locais das freguesias de -- e --, algumas vezes após acordo firmado telefonicamente, o arguido entregou a diversas pessoas, entre os quais BB, CC

, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ e LL, consumidores de canabis, quantidades não concretamente apuradas de canabis resina, recebendo destes em troca, como forma de pagamento, quantias compreendidas entre € 2, 5 e € 10 consoante a quantidade de canabis transaccionada.

           No dia 2 de Fevereiro de 2016, pelas 15h.30m, na Rua --, o arguido tinha na sua posse 2 pedaços de canabis resina com o peso líquido de cerca de 3, 051 gramas, o que permitia preparar 11 doses individuais, e a quantia de € 90, bem como um telemóvel Samsung com o IMEI --.

           O arguido tinha então no quarto da sua residência, dentro do guarda-fatos, uma saca de papel contendo 2 sacos de plástico transparentes com vários pedaços de canabis resina com o peso líquido de cerca de 33, 027 e 16, 420 gramas, permitindo preparar um total de 185 doses individuais.

            O telemóvel que o arguido então detinha era por si usado, para além do mais, no desenvolvimento da actividade de tráfico de estupefacientes, como forma de estabelecer os inerentes contactos com fornecedores e compradores.

            A quantia apreendida ao arguido era proveniente de anteriores vendas de produto estupefaciente por si realizadas.

           O arguido destinava o produto estupefaciente que detinha à venda a terceiros.

           O arguido não exercia, no período temporal acima referido, nenhuma actividade profissional remunerada nem auferia qualquer subsídio, assegurando a respectiva subsistência através dos lucros resultantes das vendas do produto estupefaciente a que se dedicava, e pretendia continuar a fazê-lo com o produto da alienação do estupefaciente que, nas sobreditas datas, tinha consigo.

            O arguido não era titular de qualquer licença que lhes permitisse deter, transportar ou trazer consigo o dito canivete.

           O arguido agiu sabendo e querendo deter o dito canivete, cujas características cortantes e perfurantes e inequívoco potencial letal para uso em agressão face à sua abertura automática conhecia, bem sabendo que não a podia ter na sua posse, bem como adquirir, comprar, receber, deter, guardar, vender e distribuir canabis (resina), cuja natureza estupefaciente e características psicotrópicas bem conhecia e destinava à venda a terceiros.

           O arguido agiu livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

           Por força da instabilidade emocional e incapacidade parental decorrente do alcoolismo e dependência de ansiolíticos da mãe do arguido e pela toxicodependência do pai, o arguido foi criado pela avó materna, comerciante, falecida em 2007, familiar que lhe proporcionou boas condições ao nível material revelando contudo lacunas ao nível da imposição de regras e disciplina.

   AA apresenta como habilitações académicas o 9.º ano de escolaridade, tendo abandonado o ensino quando frequentava o 10.º ano. Apresenta experiência profissional pouco significativa como operário fabril e empregado de armazém, encontrando-se inactivo há sensivelmente 14 anos.

            Tal situação de prolongada inactividade laboral estará associada aos comportamentos aditivos que o arguido foi registando a partir dos 16 anos, altura em que começou a ser frequentador habitual de espaços onde jogava cartas e bilhar a dinheiro e de casinos. Paralelamente, a partir dos 19 anos iniciou o consumo de cocaína e o consumo abusivo de bebidas alcoólicas, situação que o levou a várias intoxicações alcoólicas graves, que motivaram o recurso aos serviços de urgência hospitalares. A partir dos 23 anos foi perdendo os hábitos de trabalho, situação que se mantém, denotando desmotivação pela inserção em actividades de natureza laboral ou formativa.

           Reside em habitação social, de tipologia 2, inserido numa urbanização caracterizada pela incidência de fenómenos de exclusão social e marginalidade.     Naquele meio residencial, o arguido apresenta uma imagem social descrita como adequada, muito embora seja associado à inactividade laboral e à toxicodependência.

           O arguido apresenta uma situação económica carenciada, usufruindo do Rendimento Social de Inserção atribuído à sua progenitora no valor de € 266, 17.

  AA após a primeira detenção referida recorreu à Equipa de Tratamento de Vila Nova de Gaia do Centro de Respostas Integradas do Porto Central, onde tem sido acompanhado em consultas.

  Possui uma personalidade influenciável sendo invadido por sentimentos de vazio existencial, o que tem contribuído para a persistência dos comportamentos aditivos na sua trajectória de vida.

   Anteriormente esteve por duas vezes na ‘...’, em Lisboa, onde se submeteu a tratamento à toxicodependência em 2007 e ao alcoolismo em 2010, tendo contudo retomado posteriormente o consumo dessas substâncias.

           AA padece de doença pulmonar obstrutiva crónica, sendo seguido na ..., em ...

           O seu quotidiano é preenchido sobretudo com actividades de lazer, designadamente o convívio com amigos em cafés situados junto à zona residencial.       Convive ainda com a namorada, de 27 anos, desempregada, com a qual mantém um relacionamento amoroso há cerca de 7 meses.

           O arguido encara o presente processo com preocupação e intimidação, receando vir a ser alvo de uma pena privativa da liberdade.

            A mãe mostra-se solidária com o filho.

           O arguido tende a desvalorizar os prejuízos que advêm para as vítimas e para a sociedade em geral com o tráfico de estupefacientes.

            Goza de boa reputação junto dos seus amigos.

            Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido.»

            2. Delimitação do objecto do recurso

           Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites de cognição do Tribunal Superior.

   

            Perante as conclusões do recurso, são as seguintes as questões que o recorrente suscita:

- A qualificação jurídico-penal dos crimes de tráfico de estupefacientes, pretendendo o seu enquadramento no tipo legal do artigo 25.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 15 / 93, de 22 de Janeiro – tráfico de menor gravidade;

- A medida da pena parcelar aplicada pela comissão de um crime de detenção de arma proibida;

- A medida da pena única e suspensão da sua execução.

            3. Apreciação

            3.1. A qualificação jurídico-penal dos crimes de tráfico de estupefacientes

3.1.1. A descrição fundamental, a matriz típica do crime de tráfico de estupefacientes encontra-se acolhida no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que dispõe[1]:

«1. Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar fabricar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas ou substâncias, ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.»

Esta previsão legal contém a descrição do tipo base, matricial, contemplando «um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação».

Consagra-se no citado artigo 21.º, n.º 1, um tipo de crime que, tem sido sistematicamente caracterizado como um crime de perigo comum e abstracto.

Convocando-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 19-11-2008 (Proc. n.º 08P3454)[2]:

«A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.

 Crime de perigo abstracto é o crime que não pressupõe nem o dano nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para uma ou mais espécies de bens jurídicos protegidos abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para casuar um perigo para um desses bens jurídicos. Os tipos de perigo abstracto descrevem acções que, segundo a experiência conduzem á lesão não dependendo a perigosidade do facto concreto mas si de um juízo de perigosidade geral

 É, assim, de um crime de perigo que tratamos, e de perigo comum, visto que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos designadamente de carácter pessoal, reconduzidos à saúde pública. Finamente é, também, um crime de perigo abstracto porque não pressupõe nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos abstraindo de algumas das outras circunstancias necessárias para causar um perigo desses bens jurídicos.»

3.1.2. O artigo 25º do Decreto-Lei n.º 15/93 prevê o crime de tráfico de menor gravidade, estabelecendo que:

«Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

           a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V a VI

           b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.»

Como justificação, em temos dogmáticos, da existência deste tipo legal, tecem-se importantes considerações no acórdão de 19-11-2008, há pouco citado, retomadas no acórdão de 18-02-2016, proferido no processo n.º 35/14.6GAAM – 3.ª Secção, que importa apreender:

 «Trata-se, como é entendido na jurisprudência e na doutrina de um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre “consideravelmente diminuída” em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.

A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), aferida em função de um conjunto de itens de natureza objectiva que se revelem em concreto, e que devam ser globalmente valorados por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de “considerável diminuição de ilicitude”.

As referências objectivas contidas no tipo para aferir da menor gravidade situam-se nos meios; na modalidade ou circunstâncias da acção e na qualidade e quantidade das plantas. Na sua essência o que pretende é estabelecer-se a destrinça entre realidades criminológicas distintas que, entre si, apenas têm de comum o facto de constituírem segmentos distintos de um mesmo processo envolvido no perigo de lesão. Na verdade, o legislador sentiu a aporia a que era conduzido pela integração no mesmo tipo leal de crime de condutas de matriz tão diverso como o tráfico internacional envolvendo estruturas organizativas integradas e produto de quantidades e qualidades muito significativas e negócio do dealer de rua, último estádio de um processo de comercialização actuando isoladamente, sem estrutura, e como mero distribuidor. Num segmento intermédio, mas nem por isso despojado, em abstracto, de significativa ilicitude situa-se o tráfico interno, muitas vezes com uma organização rudimentar (e com tendência a uma compartimentação cada vez maior dificultando a investigação).

Função essencial na interpretação do tipo em questão assume a referência feita pelo legislador no proémio do D.L. 430/83 quando já aí demonstrava a sensibilidade á diversidade de perfis de actuação criminosa dizendo que “Daí a revisão em termos que permitam ao julgador distinguir os casos de tráfico importante e significativo, do tráfico menor que, apesar de tudo, não pode ser aligeirado de modo a esquecer o papel essencial que os dealers de rua representam no grande tráfico. Haverá assim que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que ao invés se force ou use indevidamente uma atenuante especial”.

A relevância de tal pressuposto também é adequada para a prossecução de relevantes finalidades de prevenção geral e especial, justifica as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes traficantes (artigos 21º, 22º e 24º) e os pequenos e médios (artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substâncias que consomem (artigo 26º)».

O crime de tráfico de menor gravidade caracteriza-se, assim se tem considerado, por constituir um minus relativamente ao crime matricial, fundamental, ou seja, ao crime do art. 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, apresentando-se, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 05-11-2014 (Proc. n.º 99/14.2YRFLS – 3.ª Secção), como «um facto típico cujo elemento distintivo do crime-tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações».

Como também já se dava nota no acórdão de 20-01-2010 (Proc. n.º 18/06.GAVCT.S1 – 3.ª Secção), constitui jurisprudência constante deste Supremo Tribunal o entendimento de que o privilegiamento do crime de tráfico dá-se exclusivamente, em função de uma considerável diminuição da ilicitude do facto.

Como se considera no citado acórdão de 05-11-2014, «a aferição de qualquer situação de tráfico no sentido de saber se se deve ou não qualificar como de menor gravidade não pode prescindir de uma análise de todas as circunstâncias objectivas que em concreto se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito.

Assim, e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, já atrás citados, há que ter em conta todas as demais susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) àquele tipo privilegiado, como vem defendendo este Supremo Tribunal, torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa do crime-tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência (ausência) daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades contemplados no crime-tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime-tipo (v. acórdão do STJ de 20-12-2006, proferido no processo n.º 3059/06 – 3ª Secção).

Como este Supremo Tribunal tem entendido, o tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade procura dar resposta, em nome da proibição de excesso, da equidade e da justiça, àquelas situações que, sem atingirem a gravidade pressuposta no tráfico simples, merecem reprovação, sendo injusto, sem se lançar mão de atenuação especial, não eficazes métodos para se atingir o tráfico no seu escalão médio e de maior dimensão[3].

Os critérios de proporcionalidade que devem estar ínsitos na definição das penas constituem também, como justamente se salienta no acórdão deste Supremo Tribunal de 19-11-2008 (Proc. n.º 08P3454), um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».

Acresce, como se pondera no acórdão do Supremo Tribunal de 13-04-2005 (Proc. n.º 05P459), «a densificação da noção de “ilicitude considerável diminuída”, tendo, embora, como referências ainda a indicação dos critérios da lei, está fortemente tributária da intervenção de juízos essencialmente prudenciais, permitidos (e exigidos) pela sucessiva ponderação da praxis judicial perante a dimensão singular dos casos submetidos a julgamento».

A qualificação diferencial entre os tipos base (artigo 21º, nº 1) e de menor intensidade (artigo 25º) «há-de partir, lê-se no mesmo acórdão, da consideração e avaliação global da complexidade específica de cada caso em avaliação, não obstante, segundo modelos objectivos e com projecção de igualdade, e não exasperadamente casuística ou fragmentária.

A gravidade à escala assim delineada encontra tradução na conformação da acção típica, enquanto não prescinde de a ilicitude, ou seja o demérito da acção típica, na sua expressão de contrariedade à lei, ser consideravelmente reduzida, um acto de repercussão ética de menor gravidade, em função da consideração, além do mais, dos meios utilizados, da modalidade ou circunstância da acção, da qualidade ou quantidade das substâncias ou preparações – alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93.

Essa ponderação, tal como este STJ tem repetidamente afirmado, não prescinde, antes exige, uma valoração global do evento, sem fazer avultar um seu elemento em detrimento do outro».

3.1.3. Perante as considerações expostas, dir-se-á, em síntese conclusiva, que o que distingue o crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, do crime previsto no artigo. 25.º do mesmo diploma, reside na menor ilicitude da conduta punida neste último dispositivo.

Segundo a lei constituem factores relevantes dessa menor ilicitude, os meios utilizados na venda do estupefaciente, a modalidade e circunstância em que a conduta é realizada, a qualidade e quantidade do produto vendido, entre outros factores que se revelem no caso concreto que possam diminuir a ilicitude da conduta realizada.

Refira-se também que, perante um tipo legal que apresenta o já referido espaço alargado de indeterminação quanto à caracterização da ilicitude como diminuta, se justifica o recurso à jurisprudência para que, com alguma constância e previsibilidade, se possa determinar o que integra a menor ilicitude num comportamento de tráfico de estupefacientes.

Neste domínio, tem-se considerado que será a partir de uma análise global dos factos que se procederá à atribuição de um significado unitário quanto à ilicitude do comportamento (neste sentido, o acórdão do STJ de 07-12-2011, proferido no processo n.º 111/10.4PESTB.E1.S1 – 5.ª Secção), avaliando não só a quantidade, como a qualidade do produto vendido, o lucro obtido, o facto de a actividade constituir ou não modo de vida, a utilização do produto da venda para a aquisição de produto para consumo próprio, a duração e intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores/clientes contactados e o «posicionamento do agente na cadeia de distribuição clandestina» [acórdão do STJ de 15-04-2010 (proc. n.º 17/09.0PJAMD.L1.S1 – 3.ª Secção)], a inexistência de uma estrutura organizativa, a ausência de recurso a qualquer técnica ou meio especial, a actuação numa matriz de simplicidade (v. acórdão do STJ de 19-11-2008, já citado).

Segundo o acórdão deste Supremo Tribunal de 02-10-2014, proferido no processo n.º 45/12.8SWSLB.S1 – 5.ª Secção, constituem, entre outros, factores relevantes da menor ilicitude da conduta punida no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, os meios utilizados na venda do estupefaciente, a qualidade e a quantidade do produto traficado, o lucro obtido, o facto de a actividade constituir ou não modo de vida, a utilização do lucro da venda para aquisição de produto para consumo próprio, a duração e intensidade da actividade desenvolvida, o número de clientes contactados e o posicionamento do agente na cadeia de distribuição clandestina.

Como também se pode ler no acórdão deste Supremo Tribunal de 26-09-2012 139/02.8TASPS.S1 – 3.ª Secção:

«O crime de tráfico de menor gravidade contempla, como a própria denominação indica, situações em que o tráfico de estupefacientes, tal como se encontra definido no tipo base, se processa de forma a ter-se por consideravelmente diminuída a ilicitude, ou seja, em que se mostra diminuída a quantidade do ilícito.

    A título exemplificativo, indicam-se no preceito como índices, critérios, exemplos padrão, ou factores relevantes, de graduação da ilicitude, circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações objecto do tráfico, os quais devem ser analisados numa relação de interdependência, já que há que ter uma visão ou perspectiva global, uma mais ampla e correcta percepção das acções desenvolvidas (actividade disseminadora de produtos estupefacientes) pelo agente, de modo a concluir-se se a conduta provada fica ou não aquém da gravidade do ilícito justificativa da integração no tipo essencial, na descrição fundamental, do artigo 21.º, n.º 1.»

A aplicação do artigo 25.º, que encerra um específico tipo legal de crime, tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição do ilícito; pressupõe um juízo positivo sobre a ilicitude do facto, que constate uma substancial diminuição desta, um menor desvalor da acção, uma atenuação do conteúdo de injusto, uma menor dimensão e expressão do ilícito.

     Ainda segundo o acórdão que se vem acompanhando:

«Os pressupostos da disposição respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto no sentido positivo, constatando, face à específica forma e grau de realização do facto, que o caso se situará forçosamente aquém da necessidade de pena expressa pelo limite mínimo do tipo base, uma substancial diminuição desta.

     Os índices, exemplos padrão, ou Regelbeispiel, enumerados no preceito, a par de outros, são atinentes uns, à própria acção típica (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da acção), outros ao objecto da acção típica (qualidade ou quantidade do estupefaciente), ou seja, pertinem todos estes factores ao desvalor da conduta, à execução do facto, fazendo parte do tipo de ilícito, não entrando em acção qualquer consideração relativa ao desvalor da atitude interna do agente, à personalidade deste, a juízo sobre a culpa.

     Haverá que proceder à valorização global do episódio, não se mostrando suficiente que um dos factores interdependentes indicados na lei seja idóneo em abstracto para qualificar o facto como menos grave ou leve, devendo valorar-se complexivamente todas as circunstâncias.

      O critério a seguir será a avaliação do conjunto da acção tendo em conta o grau de lesividade ou de perigo de lesão (o crime de tráfico é um crime de perigo abstracto) do bem jurídico protegido (saúde pública).

      Valerá o tipo privilegiado ou atenuado para os casos menos graves e equivale aos casos de pouca importância do facto da lei italiana, sendo de assinalar a similitude e paralelismo com os pressupostos gerais da atenuação especial da pena, mas quedando-se aqui a “atenuação” em função do juízo de ilicitude, sem intervenção da culpa do agente e da necessidade de pena, presentes no artigo 72.º do Código Penal, pois o princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.»

Como pondera MARIA JOÃO ANTUNES, o artigo 25.º «exige do intérprete, fundamentalmente, que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras fixadas nos artigos 21º e 22º, sob pena de a reacção criminal ser, à partida, desproporcionada», sendo que o legislador «consagrou para o efeito o critério da diminuição considerável da ilicitude do facto, adoptando a denominada técnica dos exemplos padrão, uma vez que só exemplificativamente fornece o substrato a partir do qual se poderá concluir por aquela diminuição»[4].

O artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93 constituirá uma «válvula de segurança do sistema», destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo, evitando-se que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial[5].

3.1.4. No caso presente, de acordo com a factualidade provada, desde pelo menos Janeiro de 2015, nas freguesias de -- e --, que o arguido se dedicava regularmente à entrega de cannabis resina a diversos indivíduos, em troca de dinheiro que deles recebia.

           Em 10 de Fevereiro de 2015, o arguido trazia consigo vários pedaços de canábis resina com o peso líquido de cerca de 32,567 gramas, o que lhe permitia preparar cerca de 84 doses individuais.

           Tinha consigo dois telemóveis e a quantia de € 75, sua propriedade.

           No interior do quarto do arguido, sito na sua residência, o arguido três placas de canabis resina com o peso líquido global de cerca de 299, 394 gramas, suficiente para preparar cerca de 640 doses individuais, e diversos recortes plásticos de cor transparente utilizados para acondicionar o produto estupefaciente.

           O arguido destinava o produto estupefaciente que detinha à venda a terceiros.

           Apesar de ter sido detido e lhe ter sido aplicada medidas de coacção, ainda em 2015, o arguido voltou a dedicar-se, nos mesmos locais, de forma regular, à actividade de venda de canabis resina a consumidores de tal substância, o que foi efectuando até ao dia 2 de Fevereiro de 2016. Nesse período temporal, o arguido entregou a diversas pessoas, entre os quais 10 que são referenciadas, consumidores de canabis, quantidades não concretamente apuradas de canabis resina, recebendo destes em troca, como forma de pagamento, quantias compreendidas entre € 2, 5 e € 10 consoante a quantidade de canabis transaccionada.

           No dia 2 de Fevereiro de 2016, pelas 15h.30m, na Rua --, o arguido tinha na sua posse 2 pedaços de canabis resina com o peso líquido de cerca de 3, 051 gramas, o que permitia preparar 11 doses individuais, e a quantia de € 90, bem como um telemóvel.

            No quarto da sua residência, dentro do guarda-fatos, uma saca de papel contendo 2 sacos de plástico transparentes com vários pedaços de canabis resina com o peso líquido de cerca de 33, 027 e 16, 420 gramas, permitindo preparar um total de 185 doses individuais.

            O arguido era ele próprio consumidor de estupefacientes.

           Perante estes factos, podemos concluir que o quadro global da situação em apreço é o de um indivíduo – o arguido – que actua sozinho, vendendo canabis directamente aos consumidores, que o procuram, sendo ele próprio um consumidor, desenvolvendo a sua actividade numa área geográfica delimitada (freguesias de .. e ..), não procurando “expandir” o negócio para fora daquela área.

            A quantidade de produto estupefaciente que detinha na primeira ocasião – em 2 de Fevereiro de 2015 – assume algum significado. Recorde-se que o arguido detinha então três placas de canabis resina com o peso líquido global de cerca de 299, 394 gramas, suficiente para preparar cerca de 640 doses individuais.

           Há que atribuir relevância a tal quantidade de droga, especialmente no caso que nos ocupa em que temos em concurso um outro crime de tráfico de estupefacientes, detectado em 2 de Fevereiro de 2016, em que está em causa a detenção de 3,051 gramas de canábis resina, que permitia a preparação de 11 doses individuais e a detenção de cerca de 33,027 e  16,420 gramas do mesmo produto, suficiente para permitir a preparação de 185 doses individuais.

           Nas duas ocasiões referidas não são elevadas, aí não se incluindo substâncias de maior de lesividade, como sucede com as designadas «drogas duras» (v.g. heroína e cocaína).

           As vendas de estupefaciente eram feitas directamente ao consumidor final que contactava o arguido, num modus operandi pautado pela simplicidade, não se observando a utilização de quaisquer meios sofisticados ou a existência de uma «organização» montada para o tráfico com recurso a colaboradores.

           Por seu lado, a importância monetária que o arguido detinha assume pequeno valor, sendo que não se observam sinais de riqueza.

            É verdade que o arguido persistiu na actividade de tráfico após a sua detenção e aplicação de medidas de coacção, circunstância que respeita à culpa e ao inerente juízo de censura que merece.

            Porém, tendo em consideração que a «atenuação» contemplada no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93 é feita em função do juízo de ilicitude, sem intervenção da culpa do agente, a conduta do arguido, relativamente a essa situação, não deve, por isso, ser agravada em termos de qualificação jurídica dos factos.

            Essa persistência merece evidentemente ser censurada, mas em sede de medida da pena, cuja determinação é um procedimento posterior ao da subsunção dos factos.

           À luz das considerações teóricas que se teceram e dos contributos jurisprudenciais que se recensearam sobre a sua caracterização, estamos claramente perante uma situação de menor gravidade no que diz respeito aos factos cuja execução cessou em Fevereiro de 2016.

            Considera-se, pois, que tais factos integram o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, punível com pena de prisão de 1 a 5 anos.

           Já o mesmo não sucede com a caracterização jurídico-penal da conduta do arguido reportada a Fevereiro de 2015, cujo último acto então ocorreu, em que já se observa a movimentação de uma quantidade significativa de droga. Circunstância que traduz uma ilicitude de maior gravidade e, por isso, a conduta do arguido deve subsumir-se ao tipo matricial do tráfico – ao artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a tal diploma.

                       

            3.2. Escolha e medida da pena

            3.2.1. O arguido-recorrente foi condenado na pena de 4 meses de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida, pena que considera «manifestamente excessiva e desproporcional tento por um lado o facto de o […] canivete se encontrar no seu quarto e por outro à ausência de antecedentes criminais».

            O crime de condução de detenção de arma proibida é punido com uma pena de prisão de 1 mês a 4 anos ou com pena de multa de 10 até 480 dias – artigos 41.º, n.º 1, 47.º, n.º 1 e 86.º, n.º 1, alínea d), do regime Jurídico das Armas e suas Munições.

            De acordo com o disposto no artigo 70.º do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

            Como referem M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO, «[p]erante a previsão abstracta de uma pena compósita alternativa (…) o tribunal tem de escolher a espécie de pena, dando preferência à pena não privativa da liberdade sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades da punição». Ainda segundo estes autores, «as finalidades da punição são exclusivamente preventivas (art. 40.º)», devendo o tribunal «ponderar unicamente as necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto reclame»[6].

           Também JOSÉ SOUTO DE MOURA considera que, «[n]a medida em que o art.º 70º do C.P. elege como critério da escolha da pena a melhor prossecução das finalidades da punição, na aplicação deste preceito importa, naturalmente, ter em atenção o disposto no art.º 40º do mesmo C.P. O qual (…) atribui à pena, sempre, um fim utilitário, pelo menos de acordo com a leitura largamente maioritária que é feita do preceito.

            Assim sendo, a culpa, ou o grau de culpa, não são realidades a ponderar especificamente na tarefa de escolher a espécie da pena, antes têm o seu campo de incidência, privilegiado, na escolha da medida da pena. Daí que importe ver, se a opção pela pena de prisão se mostra necessária, adequada e proporcionada, ao serviço dos objectivos da prevenção geral e especial.

            E, se em regra são razões de prevenção especial que respondem pela não aplicação da prisão, em nome de uma melhor reinserção social do arguido, também geralmente são motivos de prevenção geral, que afastam a aplicação de uma pena de substituição, não detentiva»[7].

           No mesmo sentido, o entendimento de MARIA JOÃO ANTUNES quando salienta que são «finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção espacial (artigos 70.º e 40.º, n.º 1, do CP), que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade (pena alternativa ou pena de substituição), sem perder de vista que a finalidade primordial é a de protecção de bens jurídicos. Não, por conseguinte, uma qualquer finalidade de compensação da culpa. Se a culpa é limite da pena (artigo 40.º, n.º 2, do CP), desempenha esta função estritamente ao nível da determinação da medida concreta da pena principal ou da pena de substituição (artigo 71.º, n.º 1, do CP)»[8].

           No caso presente, a opção pela pena de prisão é assim justificada no acórdão recorrido:

            «No sistema jurídico-penal português as reacções criminais não privativas da liberdade assumem preferência sobre as penas detentivas, desde que as primeiras satisfaçam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, isto é, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente de um crime na sociedade (cfr. arts. 40.º e 70.º, do C.P.).

            Ora, serão exclusivamente finalidades preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, que justificam a preferência por uma pena alternativa e a sua efectiva aplicação, sendo considerações atinentes à culpa estranhas a este procedimento de escolha da pena.

           Prevalência decidida não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, na perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. Deste modo, deve ser negada a aplicação de uma pena alternativa à pena de prisão quando a execução desta se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela.

            Contudo, mesmo que imposta ou aconselhada à luz de exigências de socialização, a pena alternativa não será fixada se a aplicação de uma pena de prisão se mostrar indispensável para a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafática das expectativas comunitárias.

            No caso sub judice, importa aquilatar se deverá ser aplicada ao arguido uma pena de multa pelo crime de detenção de arma proibida, único dos crimes em causa que admite tal pena em alternativa à pena de prisão. Ora, não obstante o arguido não possuir antecedentes criminais, o certo é que registou um percurso profissional curto e pouco significativo, sendo o seu percurso de vida condicionado pelo seu comportamento aditivo, designadamente a dependência de drogas, jogo e alcoolismo, não possuindo uma retaguarda familiar estruturada. Não tendo definido qualquer projecto de vida sólido e estruturado, a sua inserção social sempre seria condicionada pela prolongada inactividade profissional lícita e pela ausência de hábitos de trabalho.            Acresce que o arguido desvaloriza os prejuízos que advêm da sua conduta delituosa, assumindo um discurso de minimização da sua conduta o que demonstra uma ausência de consciencialização da censurabilidade da mesma.

           Tais circunstâncias não podem deixar de revelar maiores exigências de socialização que justificam, no que ao crime de detenção de arma proibida diz respeito, a preferência por uma PENA DE PRISÃO».

           Concordamos com esta decisão pois entendemos que as circunstâncias apontadas referentes às exigências de prevenção desaconselham a opção pela pena não privativa da liberdade relativamente ao crime de detenção de arma proibida.

            Entende-se, na verdade, que tal espécie de pena não se afigura adequada e suficiente perante as exigências de prevenção geral e especial aqui presentes.

            Importa ainda sublinhar que o mencionado crime encontra-se em estreita conexão com os crimes de tráfico de estupefacientes punidos com pena de prisão.

           Ora, segundo o acórdão deste Supremo Tribunal de 12-02-2009, proferido no processo n.º 110/09, da 5.ª Secção, convocado no acórdão de 07-07-2016, proferido no processo n.º 444/14.0PBEVR.S1 – 3.ª Secção[9], «Sempre que, na pena única conjunta tenha de ser incluída uma pena de prisão, impõe-se, na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas “penas mistas” de prisão e multa».

            No caso presente deparamo-nos com uma relação de concurso entre os três crimes praticados pelo arguido, dois dos quais (os crimes de tráfico de estupefacientes) punidos com pena privativa da liberdade.

           Ora, como justamente é salientado no citado acórdão de 07-07-2016, «o juízo a fazer sobre a preferência pela aplicação de uma pena de multa, em detrimento da pena privativa da liberdade, é completamente diferente quando, face à prática de outro ou outros crimes, seja certo o cumprimento de uma pena de prisão por outro(s) crime(s)».

            Perante o exposto, tendo presente o ilícito global em apreciação e o contexto em que os factos se passaram a pena de prisão a aplicar pelo crime de detenção de arma proibida perderá alguma autonomia e peso específico uma vez que vai ser englobada na pena única a aplicar em cúmulo jurídico com as penas a fixar pelos crimes de tráfico de menor gravidade.

           Mostra-se, pois, correcta, a opção assumida no acórdão recorrido de aplicação da pena de prisão em detrimento da pena de multa pela prática do crime de detenção de arma proibida.

           3.2.2.   O Tribunal Colectivo apresenta a seguinte fundamentação para as penas de prisão fixadas:

            «A determinação da medida de cada uma das penas tem como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção, sendo a função desempenhada por cada um destes critérios definida de acordo com a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico (cfr. art.º 71.º, n.º 1, do C.P. e ANTUNES, Maria João, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, pág. 41 e segs.).

            Deste modo, a prevenção geral de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto óptimo de protecção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar (cfr. art.º 40.º, n.º 1, do C.P.).

            Por seu turno, a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva (cfr. art.º 40.º, n.º 2, do C.P.).

           Ora, dentro desses limites cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à socialização do agente.

           Assim, importa ter em conta, dentro dos limites abstractos definidos pela lei, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o arguido, na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para exigências preventivas.

            O arguido agiu com a modalidade mais intensa do dolo que se mostra directo, sendo certo que a conduta demonstrada no que ao crime de tráfico diz respeito é uma das mais graves das supostas pelo tipo em apreço, sendo elevadas as quantidades em causa na primeira situação, o número de vendas e o período em que as levou a efeito, na segunda, o que é revelador de destacável ilicitude e censurabilidade. Não obstante, o certo é que o estupefaciente não integra as denominadas drogas duras

            Por outro lado, e quanto à arma, a ilicitude do facto cometido é elevada, dado que se trata de objecto fortemente limitativo da possibilidade de defesa quando usado como arma de agressão.

           O arguido não tem ocupação profissional estável, não possui projecto de vida estruturado, minimiza a sua conduta e revela completa indiferença perante a administração da justiça ao voltar a cometer o crime de tráfico após ter sido detido e confrontado com a censurabilidade da sua conduta. Acresce que mantém comportamento aditivo, sendo que no passado se mostraram infrutíferos os tratamentos a que se submeteu. Ora, a reunião de todas estas circunstâncias constitui um inegável factor de risco.

            Tudo ponderado julga-se adequado aplicar ao arguido […], pelo crime de detenção de arma proibida a pena de 4 (quatro) meses de prisão e por cada um dos crimes de tráfico a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão».

           Concordando com a justificação constante do acórdão recorrido, no segmento respectivo, consideramos adequada e proporcionada a pena de 4 meses de prisão aplicada pela prática do crime de detenção de arma proibida, em medida muito próxima do limite mínimo da moldura penal, pelo que se mantém.

           Concorda-se igualmente com a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, aplicada no acórdão recorrido por considerarmos proporcionada à gravidade do ilícito e que satisfaz adequadamente as exigências de prevenção, especialmente de prevenção geral, que se fazem sentir neste tipo de criminalidade.

           Relativamente ao crime de tráfico de menor gravidade, nova qualificação jurídico-penal da conduta cujo último acto executivo cessou em Fevereiro de 2016, a pena será aplicada na moldura legal contida na alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93. Tal crime é punível com pena de 1 a 5 anos de prisão.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código.

Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal).

Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 15-12-2011, proferido no processo n.º 706/10.6PHLSB.S1 – 5.ª Secção, convocado no acórdão de 27-05-2015, proferido no processo n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1 – 3.ª Secção:

«Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP).

Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.

Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.).

Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231).

Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.»

Como se considera no acórdão deste Supremo Tribunal, de 03-07-2014, proferido no processo n.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1 – 3.ª Secção, «a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização».

Vem sendo salientado por este Supremo Tribunal, como justamente se dá conta no acórdão que se vem citando, que «na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade».

Na verdade, há que sublinhar que estamos perante um crime de perigo abstracto e pluriofensivo.

Por outro lada, não obstante se considerar uma parte da actividade de tráfico desenvolvida pelo arguido de pequena gravidade para efeitos da sua integração jurídico-penal, há que reconhecer, como justamente se dá nota no acórdão deste Supremo tribunal de 28-05-2015 (Proc. n.º 421/14.1TAVIS.S1 – 5.ª Secção), o malefício causado à sociedade pelo pequeno ou médio traficante, pelo «dealer» de rua já que o abastecimento normal do consumidor normal faz-se através deles.

O grau de ilicitude, isto é, o sentido de desvalor jurídico-penal revelado pelo comportamento do arguido não pode deixar de se acentuar, ainda que, como já foi dito, se considere que a actividade de tráfico envolveu, numa das ocasiões, quantidades não significativas de produto estupefaciente.

 Por outro lado, há que atentar na natureza e qualidade do estupefaciente objecto da actividade de tráfico – canabis (resina) –, não se observando a presença de substâncias mais agressivas e nefastas, como sucede com as designadas «drogas duras».

Efectivamente, como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal de 04-01-2017, proferido no processo n.º 967/15.4JAPRT.P1.S1 – 3.ª Secção[10], que o agora relator subscreveu como adjunto, «apesar de o Decreto-Lei n.º 15/93 não aderir totalmente à distinção entre drogas duras e drogas leves, não deixa de no preâmbulo referir uma certa gradação de perigosidade das substâncias, dando um passo nesse sentido com o reordenamento em novas tabelas e daí extraindo efeitos no tocante às sanções, e de afirmar que “a gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respectivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade”, havendo, pois, que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respectiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social». Neste sentido, se orientou também o acórdão deste Supremo Tribunal de 30-11-2017, proferido no processo n.º 3466/11.0TALRA.C1.S3 - 3.ª secção[11], relatado pelo Ex.mo Conselheiro Adjunto.

Vem sendo salientado pelo Supremo Tribunal de Justiça que na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência deste fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade.

Estamos, na verdade, perante um tipo de crime onde as necessidades de prevenção geral de integração da norma e de protecção de bens jurídicos são prementes, pois o sentimento jurídico da comunidade apela a uma eliminação do tráfico de estupefacientes destruidor ansiando também por uma diminuição deste tipo de criminalidade e por uma correspondente censura de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas para os efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas.

À luz das considerações expostas, entende-se condenar o arguido, agora recorrente, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, com referência à Tabela I-C anexa  ao diploma, e na pena de 3 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, penas que se reputam adequadas e equilibradas à gravidade dos crimes e que satisfazem as necessidades de prevenção geral prementes neste caso.

3.3. Determinação da pena conjunta

O artigo 77.º do Código Penal estabelece as regras da punição do concurso de crimes, dispondo no n.º 1 que «[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena», em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente»[12].

O n.º 2 do mesmo preceito estabelece «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes».

Sobre a pena única e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, considera MARIA JOÃO ANTUNES que «o direito português adopta um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico»[13].

A pena única do concurso, formada nesse sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.

Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 20 de Dezembro de 2006 (Proc. n.º 06P3379), «na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita a avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso».

Por seu lado, lê-se no mesmo acórdão, «na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente».

Neste domínio, dá-se nota no acórdão deste Supremo Tribunal, de 27 de Maio de 2015, proferido no processo n.º 220/13.8TAMGR.C1.S1-3ª Secção, «o Supremo Tribunal tem entendido, em abundante jurisprudência, que, com “a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, e, assim, [i]mportante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos (-), tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele (-)»[14].

           Na determinação da pena conjunta, impõe-se atender aos “princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso”[15], imbuídos da sua dimensão constitucional, pois que “[a] decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu - se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido”, sem esquecer, que “[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização”»[16].

No caso presente, verificamos que a actividade delituosa no âmbito dos crimes em concurso se desenvolveu, num primeiro momento, entre Janeiro de 2015 e 10 de Fevereiro de 2015 e, no segundo momento, durante o ano de 2015 até ao dia 2 de Fevereiro de 2016.

Observa-se uma evidente conexão relativamente aos crimes praticados, um deles integrado em actividade de tráfico de pequena dimensão e de pequena gravidade ao nível da ilicitude. O próprio crime de detenção de arma proibida pode encontrar-se associado a tal actividade, cumprindo recordar que a arma em causa se encontrava no interior da residência do arguido.

O arguido não tem antecedentes criminais e tem aguardado a tramitação deste processo em liberdade.

Os crimes foram praticados no ano de 2015 e Fevereiro de 2016. Tinha o arguido 35 anos de idade.

De acordo com o disposto no artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, a pena aplicável no concurso de crimes tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

No caso sub judice, a moldura penal do concurso está compreendida entre o limite mínimo a pena de 4 anos e 6 meses de prisão e o limite máximo de 7 anos e 4 meses de prisão.

Nesta moldura estão compreendidas duas penas de dimensão próxima  daí que, como tem sido entendido, só deva contar para a pena conjunta uma fracção menor de cada uma dessas penas.

Com efeito, se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta (proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar no conjunto de todas elas).

Como a este propósito é salientado no acórdão deste Supremo Tribunal, de 09-07-2014 (Proc. n.º 95/10.9 GGODM.S1), «é aqui que deve aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras».

Acresce ser indiscutível que a ilicitude global do comportamento do arguido é marcada essencialmente pelo crime de tráfico previsto pelo artigo 21.º do citado Decreto-Lei n.º 15/93.

À luz das considerações tecidas, temos por justa e adequada a fixação de uma pena única de 5 (cinco) anos de prisão.

3.4. Suspensão da execução da pena

A pena aplicada ao arguido, porque não superior a 5 anos, poderá ser suspensa na sua execução desde que verificado o pressuposto material enunciado no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal

            De acordo com esta disposição, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Pressuposto material de aplicação da suspensão da execução da pena é, segundo M. MIGUEZ GARCIA e J.M. CASTELA RIO, «que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida. À sua conduta anterior ou posterior ao crime e às circunstâncias deste, conclua na sentença por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente no domínio das normas penais. Não bastam considerações ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto. O prognóstico favorável vai exclusivamente ao encontro da ideia de socialização em liberdade (prevenção especial de socialização), de afastar o delinquente, no futuro, da prática de novos crimes. A suspensão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as finalidades da punição, portanto, de defesa do ordenamento jurídico»[17].

A suspensão da execução da pena tem sido entendida como uma medida de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido. Na sua base está o já referido juízo de prognose favorável ao arguido, juízo que deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a protecção dos bens jurídicos violados, reflectindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta antes e após o crime e sobre todo o circunstancialismo que rodeou a infracção.

Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto.

Acompanhando-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 18-06-2015 (Proc. n.º 270/09.9GBVVD. S1 – 5.ª Secção):

«É sabido que só se deve optar pela suspensão da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime.

 Também importa acrescentar que esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se pois de uma convicção subjectiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso (Cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 344).

De um lado, cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição. Numa perspectiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado.

Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal. Acresce que a aposta que a opção pela suspensão, sempre pressupõe, há-de fundar-se num conjunto de indicadores que a própria lei adianta. Personalidade do agente, condições da sua vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste.»

No caso presente, o arguido encontra-se laboralmente inactivo há sensivelmente 14 anos. A factualidade provada revela carências económicas. Apresenta, no seu meio residencial, uma imagem social descrita como adequada. A sua mãe mostra-se solidária consigo.

Após ter sido detido em Fevereiro de 2015, o arguido recorreu à Equipa de Tratamento de Vila Nova de Gaia do Centro de Respostas Integradas do Porto Central onde tem sido acompanhado em consultas.

O facto de se ter mantido em liberdade sem que se tenha notícia do seu envolvimento em actividades delitivas pode constituir indício de que o arguido está integrado na sociedade, justificando-se uma aposta na sua reabilitação em liberdade.

Assim, consideramos ser possível a formulação de um juízo de prognose favorável à reinserção social do arguido em liberdade junto da sua família, convictos de que a ameaça da pena constituirão para ele uma séria advertência para não voltar a delinquir e satisfaz as exigências de prevenção, sobretudo de prevenção geral, que o caso exige.

E beneficiará seguramente das vantagens que o cumprimento de um plano de reinserção, devidamente ajustado às suas condições de vida e personalidade, potenciará.

Como observa ANDRÉ LAMAS LEITE, «Suspender a execução da pena de prisão, e em geral, lançar mão de uma medida substitutiva importa uma aposta no condenado, a qual não pode deixar de ser de “risco permitido”, visto que esta categoria dogmática só se liberta de anátemas economicistas quando se reforça em eficácia e em balanceamento dos interesses presentes. Todavia, e mesmo assim se operando, é sempre com renovada confiança antropológica que se cauciona o infractor de uma norma violadora dos mais íntimos fundamentos comunitários»[18].

Assim, ao abrigo do disposto no artigo 50.º do Código Penal, por se considerar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, suspende-se a execução da pena de prisão aplicável por igual período de tempo, mediante regime de prova assente em plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social.

            III. Decisão

           Com base no exposto, concede-se provimento parcial ao recurso, nos seguintes termos:

a) Manter a pena de 4 meses de prisão aplicada ao arguido na decisão recorrida pela prática do crime de detenção de arma proibida;

b) Manter a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada no acórdão recorrido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C a ele anexa;

c)  Condenar o arguido AA pela prática de uma crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de três anos de prisão;

d) Em cúmulo jurídico das referidas penas, condenar o mesmo arguido na pena única de 5 (cinco) anos de prisão;

e) Suspender a execução da pena única de prisão por igual período de tempo, ficando o arguido sujeito a regime de prova, em cumprimento de plano de reinserção social a elaborar pelos competentes Serviços de Reinserção Social.

            Sem custas (artigo 513.º do CPP)

            (Texto processado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)

           SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 18 de Setembro de 2018

Manuel Augusto de Matos (Relator)

Lopes da Mota

Vinício Ribeiro

-----------------------------------


[1]              Acompanha-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-10-2016 (Proc. n.º 15/13.9PEBJA.E1.S1 – 3.ª Secção, relatado pelo agora relator, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Boletim anual – 2016, Assessoria Criminal.
[2]              Disponível nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt, como os demais que se citarem sem outra indicação quanto à respectiva fonte.
[3] V. acórdãos do STJ de 10-09-2014 (Proc. n.º 278/12.7GBSCD.C1.S1 – 3.ª Secção, e de 05-11-2014, já citado no texto, que agora se acompanha.
[4]  Droga - Decisões de Tribunais de 1.ª instância, Comentários, 1993, pág. 296.
[5]  , Nova Lei da Droga: Um Equilíbrio Instável.
[6]              Código Penal – Parte geral e especial, 2015 – 2.ª Edição, Almedina, p. 386.
[7]              “A Jurisprudência do S.T.J. sobre fundamentação e critérios da escolha e medida da pena”, 26-04-2010, em http://www.stj.pt/ficheiros/estudos/soutomoura_escolhamedidapena.pdf.
[8]    Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 71.
[9]              Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais - Boletim anual – 2016 - Assessoria Criminal.
[10]             Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais – Janeiro de 2017.
[11]             Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais – Novembro de 2017.
[12]             Segue-se o acórdão de 09-03-2016, proferido no processo n.º 26/14.7GAAMR – 3.ª Secção, relatado pelo ora relator.
[13]             Ob. cit., p. 56.
[14] Acórdão de 12 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 605/09.4PBMTA.L1.S1.
[15]    Acórdão de 10 de Dezembro de 2014, processo n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1.
[16]             Acórdão de 27-06-2012 (Proc. n.º 70/07.0JBLSB-D.S1).
[17]  Código Penal – Parte geral e especial, 2015 – 2.ª Edição, Almedina, p. 334.
[18]             “A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal”, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem - 5, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Separata de ARS IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume II, Coimbra Editora, 2009, p. 629.