Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERNANDO BAPTISTA | ||
Descritores: | OFENSA DO CASO JULGADO AUTORIDADE DO CASO JULGADO EXTENSÃO DO CASO JULGADO TERCEIRO CAUSA DE PEDIR PEDIDO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO ESCAVAÇÕES PROPRIETÁRIO DONO DA OBRA CULPA RESPONSABILIDADE POR FACTO ILÍCITO EMPREITEIRO OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA | ||
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Data do Acordão: | 09/15/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE | ||
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Sumário : | I. Não tendo os Autores sido “parte” numa outra acção, antes se apresentando como terceiros, estranhos à mesma e titulares de uma relação jurídica independente e incompatível com a das ali partes (em causa está a lesão do direito de propriedade dos AA, bem diferente do direito invocado pelos AA daquela outra acção, que visam, por sua vez, o ressarcimento da lesão do seu direito de propriedade, cada um deles imputando responsabilidades diferentes e com base em dados diferentes), não podem ser atingidos pelo caso julgado alheio. II. Aceitar-se a autoridade, nestes autos, relativamente aos AA, do julgado e decidido na outra demanda, seria uma violação do princípio do contraditório, dado que os ora AA, não sendo ali partes, não tiveram possibilidade de lá intervir, fazendo valer a sua versão dos factos (e do direito, maxime no que tange à responsabilidade da Ré Seguradora). III. A expressão “autor das obras” a que se reporta o nº. 2 do artigo 1348º do CC, tem o significado de “proprietário do prédio” onde foram feitas as obras que deram causa aos danos no prédio vizinho, sendo esse proprietário – sejam, ou não, as obras executadas por um empreiteiro – quem responde por tais danos. IV. Nas situações previstas naquele artº 1348º do CC, não se exige a culpa do responsável, configurando-se uma situação de acto lícito que obriga o agente a reparar os danos causados. Ou seja, aquele artº 1348º/2 CC consagra um regime especial face ao que se contem no artº. 483º do Código Civil, na medida em que estabelece responsabilidade extra-contratual, nomeadamente por factos lícitos, independentemente de culpa do seu autor. V. Com efeito, o dono da obra é quem beneficia da empreitada, logo é quem deve arcar com as consequências danosas para terceiros que essa actividade tenha originado, não radicando a obrigação de indemnizar em qualquer relação de comissão. VI. Havendo culpa por parte do empreiteiro, é este responsável solidário (com o dono da obra) pelo ressarcimento dos danos causados no prédio vizinho (ut artº 497º, nº1 do CC). VII. A nulidade ínsita no artº 615º, c) do CPC, 1ª parte – oposição entre os fundamentos e a decisão – só existe quando o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão/decisão for tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta; já, porém, se, mesmo que indevidamente, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, está-se perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora daquela nulidade. VIII. A boa fé assenta, essencialmente, no princípio (cláusula geral) de que as pessoas devem ter um certo comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros – princípio esse vulgarmente denominado de princípio da confiança. IX. A cláusula de seguro, no segmento em que determina que “o contrato apenas produz efeitos em relação a eventos ocorridos sempre no local de risco expressamente mencionado nas Condições Particulares do contrato de seguro” – local de risco esse que, conforme essas Condições Particulares, corresponde à sede da empresa (decorrendo de tais Condições Particulares que o seguro – com um limite máximo de capital garantido pela apólice de € ...00, ...0 – cobre os riscos do próprio edifício e de bens ou equipamentos ali guardados pela subscritora do seguro: “incêndio, queda de raio e explosão”, “tempestades”, “inundações”, “aluimentos de terras”, “demolição e remoção de escombros”, “queda de aeronaves”, “riscos elétricos”, “fumo”, “quebra ou queda de antenas”; “queda de granizo”, “danos em bens do senhorio”…) – , não é contrária à boa-fé – designadamente, por não defraudar o princípio da confiança – , sendo, como tal, válida. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO I - AA e marido BB, intentaram a presente ação, com processo comum, contra: 1º - CC e mulher DD; 2º - S... Unipessoal L.da, com sede no ..., Lote ..., ...; 3º - Açoreana Seguros, S.A., atualmente denominada Seguradoras Unidas, S.A., pedindo a condenação destas no pagamento aos AA.: a) da quantia de € 129.580,00, acrescido de IVA à taxa legal, a título de danos patrimoniais, pelos danos emergentes descritos e quantificados na petição inicial, provocados no prédio de que são proprietários identificado no artigo 1.º da petição, na sequência e por causa da execução pelos 1ºs. e 2ª RR. de furo de captação de águas; b) da quantia de € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais; c) dos custos de reparação dos danos que se vierem a produzir na habitação dos AA., em consequência da execução do furo de captação de águas e que não sejam imediatamente visíveis, se venham a verificar mais tarde ou excedam o valor já quantificado, que relegam para incidente de liquidação. Alegam, em suma, que sofreram danos, patrimoniais e não patrimoniais, por causa de trabalhos para captação de água realizados pela Ré sociedade num prédio dos RR CC e mulher, sendo que a Ré Açoreana Seguros, SA, é demandada por ter celebrado com a Ré S..., Lda., um contrato de seguro “Multirriscos Empresas” que, no entender dos AA, garante o ressarcimento dos danos por estes sofridos, aqui peticionado. Os 1ºs. RR. CC e mulher excepcionaram a sua ilegitimidade. A A 2ª Ré S... Unipessoal L.da., contesta, alegando que a perfuração ocorreu de forma perfeitamente regular e que os danos ocorridos na moradia dos AA. se deveram a uma ruptura na rede de esgotos, de que não é responsável. A 3ª Ré Açoreana Seguros veio contestar por exceção, defendendo que o contrato de seguro “Multirriscos Empresas”, titulado pela Apólice n.º ...01, que celebrou com a 1ª Ré S... Unipessoal L.da, garante apenas a responsabilidade civil extracontratual desta em relação aos sinistros ocorridos na sede da empresa. II – Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A. (atualmente denominada Seguradoras Unidas, S.A.), intentou, acção com processo comum distribuída sob o nº 232/15...., contra S... Unipessoal L.da, pedindo a condenação desta no pagamento de € 2.378,30, acrescida de juros desde a interpelação e até efetivo e integral pagamento. Articula, para o efeito, que celebrou com AA um contrato de seguro do ramo “Casa”, titulado pela apólice ...84, que cobria, entre outros, os danos causados por aluimentos de terras, inundações, danos por água e demolição à residência da segurada onde ocorreram os danos supra peticionados na presente acção nº 2856-15...., tendo pago à sua segurada, AA, a quantia de € 2.120,00 de danos sofridos na sua referida habitação e bem assim € 258,30 pelas averiguações efectuadas. A Ré S... Unipessoal L.da, contestou, procurando afastar a sua responsabilidade, alegando, nomeadamente, que os danos alegados pela A. se ficaram a dever a uma ruptura na rede de esgotos que nada tem a ver com a Ré. A A. veio requerer a intervenção principal provocada de CC e mulher DD, na qualidade de proprietários do prédio contíguo ao da segurada da A. onde foram efetuados os trabalhos de abertura de furos e de donos da obra, intervenção essa que foi admitida. Os chamados contestaram. ** A Companhia de Seguros Tranquilidade veio requerer a apensação do processo nº 232/15.... à presente ação nº 2856/15.3T8AVR, o que foi admitido. Foi deduzido incidente de habilitação de herdeiros do A. BB, falecido no decurso da acção, tendo sido habilitados como sucessores a viúva AA e os filhos EE e Dona FF. Prosseguiram os autos os seus termos normais, com produção de prova, vindo, a final, a ser proferida sentença nos seguintes termos: «Nos termos e pelos fundamentos expostos julgamos as ações procedentes parcialmente e, em resultado disso, condena-se a Ré S... Unipessoal L.da, a pagar: 1º - à A. AA e aos herdeiros habilitados de BB: A) por danos patrimoniais: a) a quantia apurada de € 47.789,93, IVA incluído; b) o montante que se vier a apurar em incidente de liquidação para estabilização do solo da moradia; B) por danos não patrimoniais o montante de € 6.000,00. 2º - À A. Seguradoras Unidas, S.A., a quantia de € 2.120,00. Sobre os montantes apurados em 1º-A-a) e em 2º recaem juros de mora desde a citação. Sobre o montante referido em 1º-B), por estar atualizado, os juros vencem-se a partir da prolação da sentença. 3º - Absolvo a Ré S... Unipessoal L.da, do mais contra ela pedido. 4º - Absolvo os RR. CC e mulher DD dos pedidos feitos contra eles como Réus e como Intervenientes. 5º - Absolvo a Ré Seguradoras Unidas, S.A., dos pedidos. Custas em ambas as ações na proporção de vencido. Na ação principal as custas serão retificadas no incidente de liquidação. Por agora, são suportadas na proporção de 1/3 para a Ré S... e 2/3 para os AA..». ** A Ré S... Unipessoal L.da., Ré veio interpor recurso de apelação (facto e de direito), tendo a Relação do Porto, em Acórdão, proferido a seguinte: «III. Decisão: Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação dos autores e parcialmente procedente a apelação da ré e nessa conformidade: § julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto, com as seguintes alterações: - Ponto 18: Os 1ºs e a 2ª RR. decidiram executar o furo de captação de água no terreno daquele, entre a casa destes e a dos AA.. - Ponto 42: Os métodos de perfuração, da profundidade a atingir e das Factos não provados: - al. k) A seleção do local foi da exclusiva responsabilidade da segunda ré.
* Inconformados, interpuseram recurso de revista os RR CC e mulher DD e a Ré seguradora (agora, Generali Seguros, S.A.), apresentando alegações que rematam com as seguintes CONCLUSÕES A. DOS RR CC E MULHER DD: «A) Como se procurou evidenciar, carecem de fundamento factual e jurídico, as alterações à matéria de facto e à decisão de mérito constantes da douta sentença da 1ª instância, a qual deve ser mantida; B) Andou mal o Tribunal da Relação do Porto, ao revogar a sentença proferida pela 1ª instância e ao decidir pela condenação solidária dos 1ºs RR., ora Recorrentes; C) Como ficou bem decidido pela 1ª instância, os ora Recorrentes são totalmente irresponsáveis, subjetiva eobjetivamente, pelos danos causados no imóvel dos AA.; D) Desde logo, cumpre notar que, também os ora Recorrentes, sofreram avultadíssimos danos no seu imóvel, diretamente resultantes da defeituosa execução da empreitada (abertura de furo para captação de água) por banda da 2ª Ré S... Unipessoal L.da; E) Como ficou bem demonstrado por douta sentença transitada em julgado, proferida em 27-09-2019, no âmbito dos autos do Proc. nº 274/17.8T8AVR, do Juízo Central Cível ... – Juiz ..., Comarca de Aveiro, que se junta em anexo. F) A douta sentença foi confirmada pelo Acórdão de 08-02-2021, da ... Secção Cível, do Tribunal da Relação do Porto, Rel. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha, no âmbito do recurso de Apelação nº 274/17.8T8AVR.P1, interposto pela Ré “S... Unipessoal L.da.” – cfr. Acórdão de 08-02-2021, que se junta em anexo. G) Naqueles autos, com a fundamentação de facto ali expendida, resultou provado que: Facto nº 19: “A seleção do local (a cerca de 2 metros de distância da moradia dos AA.) e das formações geológicas a perfurar foram da responsabilidade 1ª Ré”; Facto nº 20: “A escolha do local da perfuração teve anuência do A. marido, por o representante legal da 1ª Ré ter garantido que, não obstante a proximidade do furo para a habitação e anexo, jamais daí resultariam quaisquer danos patrimoniais”. H) E, consabidamente, transitada em julgado a sentença que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º (autoridade de caso jugado) – art. 619º, nº 1, do Cód. Proc. Civil. I) Já nos presentes autos, cfr. douta sentença da 1ª instância, resultou provado que: Facto nº 18: “A seleção do local foi da responsabilidade da 2ª Ré”; Facto nº 42: “A seleção do local, dos métodos de perfuração, da profundidade a atingir e das formações geológicas a perfurar foram da exclusividade responsabilidade da 2ª Ré” J) Podendo ler-se, na fundamentação, quanto aos nºs 18 e 42 dos factos provados, o seguinte: “Os 1ºs. RR., no depoimento de parte que prestaram, disseram que a seleção do local foi da responsabilidade da 2ª Ré, que garantiu que não havia problema nenhum de o furo ser ali executado. O 1º R. acrescentou que foi o Sr. GG, legal representante da 2ª Ré, que escolheu o método de perfuração. O legal representante da 2ª Ré – GG - disse que o local onde deveria ser executado o furo foi indicado pelo 1º R., mas que o depoente não viu inconveniente nenhum na execução do furo naquele local. Reconheceu que foi a Ré que selecionou os métodos de perfuração. Conjugados os depoimentos de parte, pareceu-nos mais credível a versão dos 1ºs. RR.. Da contestação da 2ª Ré o que parece resultar é que foi mesmo a 2ª Ré a escolher o local onde foi executado o furo. Por outro lado, numa atividade que pode acarretar riscos sérios, a Ré tem de se certificar de qual é o local indicado para abrir o furo. A testemunha HH disse ter contratado a 2ª Ré para abrir um furo numa sua propriedade e que foi o legal representante da 2ª Ré a sugerir o local para o furo. Também os Senhores Peritos referiram, no relatório pericial, que relativamente a métodos de perfuração, profundidade a atingir e formações geológicas a perfurar, a responsabilidade da empresa de S... é predominante (fls. 613)” K) Andou bem o tribunal de 1ª instância, na análise e valoração da prova produzida, e, bem assim, nas conclusões que dela extraiu, em ordem a considerar como provados os factos nºs 18 e 42, que, de resto, correspondem aos factos provados nºs 19 e 20, da douta sentença proferida em 27-09-2019, no Proc. nº 274/17.8T8AVR, que se junta. L) Aliás, os próprios AA., na sua resposta ao recurso interposto pela 2ª Ré S... Unipessoal L.da (ref. ...22, de 30-06-2021) citando a douta sentença recorrida, dizem o seguinte nas suas contra-alegações, pág. 6: “Acresce que, ousando fazer nossas as sábias palavras proferidas na douta sentença, a ilicitude é a violação da propriedade dos AA. que ficou danificada em resultado do mau desempenho da atividade desenvolvida para o fazer. Foi esta Ré (S... Unipessoal L.da) que escolheu o local do furo e a forma de o executar, os métodos da perfuração, a profundidade a atingir e as formações geológicas a perfurar. Só esta posição tem cabimento tanto à luz da prova produzida nos presentes autos, como das disposições legais aplicáveis, pelo que deve improceder totalmente o argumento da Recorrente quanto a este aspeto.”; M) Incorrendo os AA. em nítida e flagrante contradição com o que referem nas suas alegações (ref. ...39, de 20-05-2021), a que ora se responde: Pág. 19 das alegações: “Assim, face aos depoimentos prestados, impunha-se ter sido dado como provados os seguintes factos: 18- A seleção do local foi da responsabilidade do 1º Réu.” (referindo-se ao Réu CC, ora recorrido). Pág. 20 das alegações: “Não podendo restar dúvidas quanto à conduta dos 1ºsRéus, à existência dedanos para os Autores eao nexo decausalidade entre aquela e estes, sempre cumpriria afirmar a sua responsabilidade, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 1348.º do CC. Na medida em que a escolha do local do furo coube ao 1.º Réu, CC, deverá este, ao invés do decidido na douta sentença recorrida, ser responsabilizado solidariamente com a 2.º Ré S... Unipessoal L.da, atento o disposto no n.º 1 do artigo 497.º do CC. N) O simples facto deos 1ºs RR. serem proprietários do terreno ondefoi feito o furo para captação de água e serem os donos da obra (para abertura do furo) não os torna responsáveis com o empreiteiro da obra. Desde logo, por não haver comissão, isto é, relações de dependência ou subordinação entre ambos que os nºs. 1 e 2 do art. 500.º do C. Civil exigem, quando postulam: a) uma relação de comissão; b) danos provocados pelo comissário; c) que os danos tenham sido causados no exercício da função confiada pelo comitente. À falta do requisito de subordinação, não existe relação de comissão, estando afastada, logo por aqui, a aplicação do art. 500.º do C. Civil nas relações entre dono da obra/empreiteiro (Neste sentido de que a responsabilidade pelo risco do art. 500.º do C. Civil não se aplica nas relações entre o dono da obra e o empreiteiro decidiu o Acórdão da RLx, de 05/12/2002 – CJ, Ano XXVII – V – 87/90). O) Por conseguinte, não se vendo porquerazão os 1ºs. RR. estão constituídos na obrigação de indemnizar os AA., nem estes invocando causa de pedir aceitável, os 1ºs. têm de ser absolvidos de todos os pedidos: eles não são os agentes dos factos danosos, nem respondem objetivamente pelos danos. P) Contrariamente ao defendido pelos AA., e agora também, pelo Tribunal da Relação do Porto, parece-nos que a norma ínsita nº 2 do artigo 1348º do Cód. Civil, não tem aplicabilidade no caso dos presentes autos. Q) Considerando, por um lado, queos donos daobra(os 1ºs RR., oraRecorrentes) encontram-se, tal como os AA., ora Recorridos, lesados pelos avultados danos causados no seu imóvel, emergentes da mesma causa petendi (a execução defeituosa do furo por parte da Ré S... Unipessoal L.da); R) E, por outro, que os ora Recorrentes não retiraram qualquer benefício da obra, pois que “os trabalhos foram interrompidos do dia 24 de Fevereiro de 2014, sem conclusão do furo artesiano” – Facto provado nº 40, da douta sentença proferida em 27-09-2019, no Proc. nº 274/17.8T8AVR, que se junta. S) Certamente, o legislador não teria pretendido ir tão longe, no sentido de serem responsabilizados (objectivamente) os donos da obra, ora Recorrentes. T) Acresce que, os ora Recorrentes ainda não receberam qualquer das indemnizações fixadas nadouta sentença, tendo-sevisto obrigados apromover a execução da sentença, e temendo agora, a apresentação à insolvência por banda da 2ª Ré S... Unipessoal L.da. U) Em suma, os Recorrentes não só não retiraram qualquer benefício da obra, como continuam a arcar com os avultados prejuízos causados no seu imóvel, não nos parecendo, pois, ser de aplicar, neste caso, a norma ínsita no nº 2 do art. 1348º do Cód. Civil. V) Tendo sempre presente, que a interpretação (da norma) não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (art. 9º do Cód. Civil). Nestes termos, e nos melhores de direito que Vossas Excelências, Exmos. Senhores Juízes Conselheiros, mui doutamente suprirão, inexistindo razões justificativas para alterar a decisão de facto e a decisão de mérito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e, por via disso, revogar-se o acórdão recorrido, e serem os 1ºs RR, ora recorrentes, absolvidos dos pedidos, assim se cumprindo a Lei, e fazendo a melhor e costumada JUSTIÇA !». B. DA RÉ GENERALI SEGUROS, SA: «A) A presente Revista deve ser admitida, considerando não existir dupla conforme entre a Sentença e Acórdão proferidos no âmbito dos presentes autos. B) Existe uma correspondência de partes entre a presente ação e o processo 274/17.8T8AVR, que correu termos no Juízo Central Cível ... – Juiz ..., no que diz respeito às partes contratantes no contrato de seguro em discussão. C) Na ação 274/17.8T8AVR, na qual existe já decisão final transitada em julgado, as aqui Rés S... e Açoreana eram também Rés, tendo cada uma apresentado os seus argumentos relativamente às coberturas contratuais, tendo a primeira pugnado pela cobertura do sinistro dos autos e a segunda defendido a não cobertura, com base no local de risco contratualmente definido. D) Atento o supra exposto, a decisão já tomada e transitada em julgado no âmbito do referido processo 274/17.8T8AVR deve produzir efeitos na presente ação, tendo, no que diz respeito à questão do contrato, força de caso julgado. E) Devendo, como tal, a absolvição da aqui Recorrente ser novamente declarada. F) Assim não se entendendo, deveria o Acórdão recorrido tera valiado a questão do Acórdão transitado em julgado à luz da autoridade do caso julgado, uma vez que a aplicabilidade/cobertura do contrato de seguro dos autos ao sinistro em apreço constituiu uma questão prejudicial à responsabilização da aqui Recorrente. G) Para além disso, a unidade do sistema jurídico e a segurança jurídica ficam irremediavelmente comprometidas no caso de, em dois processos distintos, a apreciação do mesmo sinistro, à luz do mesmíssimo contrato de seguro,ser feita de forma tão contraditória que resulte em decisões antagónicas e inconciliáveis. H) Assim, tendo já tal apreciação sido feita e confirmada por Tribunal superior (o da Relação do Porto), por decisão transitada em julgado, então essa mesma apreciação teria de ter sido valorada nos presentes autos, impondo a revogação do Acórdão recorrido e a sua substituição por decisão que absolva a aqui Recorrente. O contrato de seguro em análise configura um contrato Multirriscos Empresa e não um contrato de responsabilidade civil profissional, tendo como objeto seguro, e local de risco, o próprio imóvel onde a sede da Ré S... se encontra, sendo que todas as coberturas se encontram intrinsecamente relacionadas com o mesmo. J) Por seu turno, a apólice em causa contém ainda uma cobertura de responsabilidade civil extracontratual que cobre eventos ocorridos na sede da Ré S.... K) O local de risco tal como vem definido nas Condições Particulares não viola a boa-fé, pois que não desvirtua a intenção das partes contratantes, o próprio objetivo com a contratação do seguro em causa, nem tão-pouco implica que a seguradora nunca venha a ser responsabilizada, no âmbito da cobertura responsabilidade civil extracontratual. L) Aliás, muitas situações/eventos podem ocorrer nas instalações que causem danos a terceiros passiveis de compensação no âmbito da cobertura em análise: a queda de parte da cobertura, de um placar luminoso que se encontre instalado na cobertura, queda de objetos ou equipamentos que atinjam terceiros no interior das instalações da segurada (funcionários dos CTT, empresas de logística, clientes, etc), incêndios que deflagrem no interior das instalações mas que se propaguem para o exterior, etc. M) Acresce referir que a cobertura em causa é secundária, no universo do contrato de seguro em causa, que se destina a proteger as instalações/sede da tomadora/segurada e não a sua concreta atividade de perfuração de solos. N) Dessa forma, a cláusula referente ao local de risco” não desvirtua “o fim que se pretende alcançar com a celebração do concreto contrato de seguro”. O) Atento o exposto, resulta evidente que, com a celebração do contrato de seguro em análise, nunca a Ré seguradora pretendeu segurar a responsabilidadecivilextracontratualdecorrentedoexercíciodaatividadeda Ré S..., tendo apenas incluído, a seu pedido, uma cláusula que cobrisse a responsabilidade civil desta, mas limitada a eventos ocorridos na própria sede. P) Considerando o facto provado nº 37, que estabelece que a cobertura responsabilidade civil, constante do contrato de seguro encontra-se limitada a eventos ocorridos na sede da segurada, o Acórdão recorrido encontra-se ferido de nulidade, por ter proferido decisão no sentido em que tal contrato cubra o evento dos autos. Q) Deve, assim, ser o Acórdão recorrido revogado e substituído por outro que declare a legalidade da cláusula referente ao “local de risco”, absolvendo a Recorrente do pedido, por o sinistro dos autos não encontrar cobertura no contrato de seguro celebrado com a Ré S.... R) Deve ainda a Ré S... ser condenada a pagar à aqui Recorrente a quantia de € 2.120,00, tal como o havia sido em sede de Primeira Instância. Termos em que se requer a V. Exas. Se dignem julgar a presente Revista nos termos das Conclusões supra, absolvendo-se a Ré Generali do pedido, com todas as consequências legais. Assim se fazendo JUSTIÇA.». * Foram apresentadas contra-alegações: dos Autores AA, EE e II às alegações apresentadas pelas Rés S... Unipessoal L.da., e GENERALI SEGUROS,S.A.; da Ré S... Unipessoal L.da, às alegações apresentadas pelos AA. CC e mulher DD e pela ré Generali Seguros, S. A., todos pugnando pela improcedência do recurso a que respondem. * A Relação apreciou e decidiu a nulidade suscitada pela Ré Generali, SA., na al. P) das conclusões do seu recurso, concluindo pela sua não verificação. * Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. ** II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Nada obsta à apreciação do mérito da revista. Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC). ** Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir consistem em saber: A. RECURSO DE REVISTA DOS RR CC E MULHER DD: § Se carecem de fundamento factual e jurídico as alterações à matéria de facto; § Da autoridade de caso julgado da decisão proferida nos autos 274/17.8T8AVR, confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto. § Se a decisão recorrida fez uma errada interpretação e aplicação da lei, concretamente da norma ínsita no nº.2 do artigo 1348º. do Código Civil. B. RECURSO DE REVISTA DA RÉ GENERALI SEGUROS, S.A.: § Se a decisão recorrida é nula por contradição com o facto provado 37. e a decisão, por se ter proferido decisão no sentido em que o contrato de seguro cobre o evento dos autos; § Se há violação da autoridade de caso julgado, na hipótese de se entender não verificada a excepção de caso julgado; § Se a cláusula do contrato refente ao “local de risco” não padece de qualquer nulidade, não se encontrando o sinistro dos autos coberto pelo contrato de seguro celebrado com a ora recorrente; ** III – FUNDAMENTAÇÃO III. 1. FACTOS PROVADOS É a seguinte a matéria de facto provada (após impugnação em recurso): 1 - Na Conservatória do Registo Predial ..., está descrito, sob o n.º ...18 da freguesia ..., o seguinte prédio: Prédio urbano, sito na Rua ..., ..., ..., com a área coberta de 192 m2, descoberta de 658 m2, inscrito na matriz predial sob o artigo urbano n.º ...47, casa de habitação de r/c e 1.º andar com 118 m2, anexos com 74 m2, logradouro com 608 m2 e jardim com 50 m2 - fls. 20 e 21 (A). 2 - Está inscrito, pela Ap. ...05, por compra, a favor de AA, casada com BB no regime de comunhão geral de bens - fls. 20 (B). 3 - Este imóvel é a casa de habitação dos AA., que ali vivem há mais de 15 anos, e encontra-se inserida numa zona urbana consolidada (C). 4 - Este prédio confronta, a norte, com o prédio dos RR. CC e DD descrito na ... sob o n.º ...12, sito na Rua ..., de ..., freguesia ..., com a área coberta de 241 m2, descoberta de 139 m2, inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ...63 - P, que é uma casa de habitação de r/c e 1.º andar, jardim e logradouro - fls. 412 (D). 5 - O prédio dos RR. está inscrito, por compra, a favor de CC, casado, no regime de comunhão de adquiridos, com DD - fls. 412 (E). 6 - A casa dos AA. está edificada na estrema norte do seu prédio contígua ao prédio dos 1ºs. RR. (F). 7 - A casa dos 1.ºs RR. está edificada na estrema oposta àquela que divide o seu prédio do dos AA. (G). 8 - A empresa S... Unipessoal, L.da, é titular do Alvará n.º 14/C/2011 com Licença para o Exercício das Atividades de Pesquisa, Captação e Montagem de Equipamentos de Extração de Agua Subterrânea, emitido pela ARH Centro, IP, a 18/07/2011, tem o NIPC ... e tem sede em ..., concelho ... - fls. 148/149 (H). 9 - S... Unipessoal, L.da, apresentou, a 18/01/2014, a pedido do R. CC, a proposta de orçamento constante de fls. 151/153, que se dá por reproduzido, designadamente quanto à profundidade do furo e técnicas a usar na perfuração, preço e modo de pagamento, o qual (orçamento) foi aceite pelo mesmo R. (I). 10 - A obra foi realizada, em Fevereiro de 2014, ao abrigo da Autorização de Utilização dos Recursos Hídricos - Pesquisa e Captação de Águas Subterrâneas, emitida pela APA, IP, constante de fls. 154/156 da qual era titular o ora R. CC (J). 11 - A ora A. AA celebrou com a Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., o contrato de seguro multirriscos - Ramo Casa -titulado pela Apólice n.º ...84, o qual incluía, além do mais, danos causados por aluimento de terras e por água - fls. 9/11 do Processo apenso (K) 12 - E participou, a 20/04/2014, o seguinte sinistro: “dado o inverno rigoroso (chuvas constantes e intensas), o terreno cedeu e, dado o aluimento de terras, o muro exterior da habitação sofreu danos (fotos anexas). Agradecemos peritagem” - fls. 12/13 do Processo apenso (L). 13 - A seguradora Tranquilidade, por causa deste participado sinistro, 14 - S... Unipessoal L.da, celebrou com a 15 - S... Unipessoal L.da, participou à Açoreana “O segurado fez um trabalho «abrir furo de água» ao Senhor CC, agora o mesmo veio reclamar que os anexos estavam a rachar” - fls. 204/205 e 294 (O). 16 - A Açoreana Seguros, S.A., não assumiu a responsabilidade pelos 17 - O furo de captação da água foi executado no terreno dos 1ºs. RR., entre a casa destes e a dos AA., a uma distância de 5,5 metros da parede de empena da casa dos AA. - fls. 604. 18 - Os 1ºs e a 2ª RR. decidiram executar o furo de captação de água no terreno daquele, entre a casa destes e a dos AA.. (alteração feita pela Relação no recurso da matéria de facto). 19. - Os trabalhos prolongaram-se por cerca de duas semanas. 20. - No desenrolar dos trabalhos, nomeadamente de extração de terras e lamas, apareceu um buraco perto da máquina, tendo sido necessário proceder-se ao enchimento do buraco com cerca de 9 metros de entulho. 21. - A execução do furo levou à extração de uma quantidade anormal de terras e lamas. 22. - Cerca de um mês após o início da execução do furo, o muro que separa os terrenos dos AA. e dos 1.ºs RR. e que une a moradia dos AA. ao respetivo anexo começou a apresentar fissuras de grandes dimensões. 23.- Como estas fissuras aumentavam cada dia, os AA., temendo uma derrocada, contrataram um pedreiro que procedeu ao seu escoramento com escoras metálicas e barrotes de madeira. 24. - Também a viga de madeira e a caleira de alumínio, paralelos ao referido muro, que unem a moradia aos anexos dos AA. e suportam o telheiro do logradouro, começaram a deformar-se, arqueando. - Na mesma altura, começaram a aparecer diversas fissuras, devido a assentamentos e consequente adaptação estrutural, nos alçados lateral e posterior, na empena e em paredes interiores dos seguintes espaços/locais: parede da empena (para a servidão) no quarto do r/c; no canto da janela, na parede frontal e por cima da porta da sala para o hall; na parede da empena e canto do hall de escadas; junto à sacada e rodapé e no canto do quarto da frente do 1º andar; na parede da fachada, na parede lateral e na parede posterior do quarto da frente recuada do 1º andar; na parede da empena e junto à janela para o pátio do quarto de trás do 1º andar. Na garagem é perceptível uma fissura horizontal e uma oblíqua ao canto (fls. 605 e inspeção). 26 - As fissuras começaram a aparecer cerca de um mês após a execução do furo e, logo nessa altura, o piso de betonilha de cimento do logradouro exterior começou também a apresentar fissuras, tendo abatido parcialmente. 27 - A sapata do pilar do canto da moradia mais próximo da viga de madeira e da caleira de alumínio que arquearam ficou descalça, sem base de sustentação, apesar de ter uma profundidade de cerca de 1.50 m. abaixo da cota da soleira. 28 - Na fachada onde veio a verificar-se o abatimento do piso, apareceram fissuras junto à abertura das janelas (fls. 608). 29 - Todos estes problemas sucederam imediatamente após a realização do furo pela 2ª Ré e são consequência direta e imediata das alterações do equilíbrio das tensões no solo, a qual provocou a migração de elementos finos e foi causada pela má realização do furo. 30 - Os AA. pagaram € 2.450,00, acrescidos de IVA, à empresa S..., L.da, para estabilização da sapata do pilar referida em 27 dos Factos Provados com betonagem com betão fluído do buraco aberto. 31 - A reparação dos defeitos que a casa dos AA. apresenta em consequência da execução do furo só é possível após a estabilização do solo. 32 - Só após um estudo geotécnico do terreno e suas conclusões será possível avançar com a solução adequada para a estabilização do solo. 33 - As reparações a efetuar no imóvel dos AA. são: a) - no muro de delimitação da propriedade entre a moradia e o anexo; b) - reparação das zonas fissuradas nas paredes da garagem e a sua pintura; c) - desmontagem do telheiro e colocação de três novas vigas em madeira, reaplicação das telhas e montagem de uma nova caleira, metálica ou em pvc, com cinco metros; d) - reparação das fissuras, de dimensões variáveis, das fachadas exteriores (perícia e inspeção); e) - reparação das fissuras interiores nas paredes e tetos; f) - reparação das fissuras nas betonilhas de cimento dos pavimentos exteriores. 34 - Os custos destas reparações importam no valor total de € 38.853,60, com IVA acrescido. 35 - Quando o seu imóvel começou a apresentar fissuras, brechas e fendas, os AA. ficaram perturbados, ansiosos e assustados, com medo de perder a casa, o que lhes provocou enorme temor, angústia, aflição e forte comoção. 36 - A casa de habitação dos AA. perdeu o conforto e a comodidade que antes lhes dava em resultado dos danos que sofreu por efeito dos trabalhos com a execução do furo de captação da água, o que lhes (aos AA.) provoca tristeza, abatimento e depressão. 37 - A Apólice n.º ...01 que titula o contrato de seguro 38 - Até os 18 metros de profundidade, a 2ª Ré usou o método de perfuração por “rotação com circulação direta”. 39 - A partir dos 18 metros de profundidade, tendo intercetado material mais consolidado, a 2ª Ré procedeu à perfuração pelo método de “rotopercussão” até aos 30 metros. 40 - E aplicou um tubo de serviço de 200 mm. de diâmetro. 41 - Os trabalhos estiveram interrompidos cerca de uma semana à espera de um tubo de ferro. 42. Os métodos de perfuração, da profundidade a atingir e das * Não se provou que: a) a cedência do piso impediu a que a perfuração prosseguisse no mesmo local, tendo sido iniciada a perfuração aproximadamente a 1 metro ao lado do furo inicial; b) qual o valor dos trabalhos adequados para a estabilização do solo; c) as reparações a efetuar no imóvel dos AA. são também: - a destruição e a reconstrução do anexo que se encontra profundamente danificado e irreparável; - reparação das infiltrações, as quais são consequência das brechas, fendas e fissuras exteriores e interiores; - reparação dos azulejos; d) a Apólice n.º ...01 que titula o contrato de seguro “Multirriscos Empresas” celebrado entre a 2ª Ré e a Açoreana Seguros, S.A., garante a responsabilidade profissional da S... Unipessoal L.da; e) as obras de perfuração para captação de água no prédio dos RR. CC e DD foram realizadas segundo as regras de arte da especialidade; f) e foram precedidas do estudo geológico do subsolo; g) a 2ª Ré procedeu à perfuração até aos 60 metros; h) a 2ª Ré utilizou os métodos de trabalhos aconselhados no caso concreto atento o tipo de solos em que a perfuração era feita; i) a alteração do local de perfuração se deveu à existência de uma enorme quantidade de água superficial no primeiro local escolhido e à necessidade de mais espaço para efetuar os trabalhos; j) os danos que os AA. pretendem ver indemnizados foram devidos a uma rutura na rede de esgotos, a qual provocou uma cratera resultante da ação da erosão ao longo do tempo e não dos trabalhos da 2ª Ré. k) A seleção do local foi da exclusiva responsabilidade da segunda ré (acrescentado pela Relação no recurso da matéria de facto). ** III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO Analisemos, então, as questões suscitadas na revista. I. RECURSO DE REVISTA DOS RR CC E MULHER DD - Se carecem de fundamento factual e jurídico as alterações à matéria de facto Insurgem-se os recorrentes contra a alteração da matéria de facto produzida pelo Acórdão recorrido. Sem qualquer razão, porém. Os poderes do STJ, em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, são muito restritos. Em regra, ao Supremo Tribunal de Justiça apenas está cometida a reapreciação de questões de direito ut (art. 682º, nº 1, do CPC), assim se distinguindo das instâncias encarregadas também da delimitação da matéria de facto e modificabilidade da decisão sobre tal matéria. Esta restrição, contudo, não é absoluta, como decorre da remissão que o nº 2 do art. 682º faz para o art. 674º, nº 3, do NCPC, norma que atribui ao Supremo a competência para sindicar o desrespeito de lei no que concerne à violação de norma expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. Assim, portanto, só excepcionalmente o Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar matéria de facto, ou seja: § Se tiver lugar a violação de direito probatório material por ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova ou por ofensa de disposição expressa da lei que fixe a força de determinado meio de prova; § Se houver violação de direito probatório adjectivo[1], designadamente por mau uso que a Relação fez dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto: pelo uso meramente formal dos poderes de reapreciação; pelo estabelecimento de presunções judiciais em oposição a norma legal, em oposição com os factos apurados ou com insuficiência dos mesmos, ou mediante patente ilogicidade; pela anulação de respostas em desconformidade com as regras processuais; § Se houver insuficiência da matéria de facto apurada para a correcta solução jurídica da causa[2]. § Se se verificar contradição essencial na matéria de facto[3]. Ora, é evidente que nenhuma das apontadas situações se verifica, nomeadamente, não se constata ter a Relação, na reapreciação da matéria de facto que levou a cabo, ofendido disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que fixe a forma de determinado meio de prova – nem tal, diga-se em verdade, foi, sequer, alegado pelos réus/recorrentes. Pelo contrário: o tribunal a quo levou a cabo a reapreciação da decisão de facto impugnada (ut pontos 18 e 42 dos factos provados) no âmbito da valoração da prova segundo a livre e prudente convicção do julgador, dentro dos limites do seu poder de cognição estipulados no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, sendo tal reapreciação sustentada em análise crítica nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 4, 1.ª parte, e n.º 5, 1.ª parte, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo Código. Assim, nos sobreditos termos, não pode este Supremo Tribunal sindicar essa reapreciação de facto operada pela Relação. Improcede esta questão.
- Da autoridade de caso julgado da decisão proferida nos autos 274/17.8T8AVR, confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto. Não vemos que assista razão aos recorrentes. A sentença que decida a relação material controvertida, que não seja passível de recurso ordinário ou de reclamação e tenha transitada em julgado (art.628º do C. P. Civil), fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º do C. P. Civil, ressalvado recurso extraordinário de revisão dos arts.696º do C. P. Civil (art.619º do C. P. Civil) e sem prejuízo da oposição à execução baseada em sentença transitada em julgado (art.729º do C. P. Civil). Esta imutabilidade e indiscutibilidade da decisão transitada em julgado, como «garantia processual de fonte constitucional enquanto expressão do princípio da segurança jurídica, própria do Estado de Direito (cf. artigo 2.º da Constituição)»[4], manifesta-se de acordo com a construção doutrinária e jurisprudencial do caso julgado: num efeito negativo e formal, que opera como excepção dilatória – caso em que a decisão anterior impede o conhecimento do objeto posterior; num efeito positivo e material, que opera no conhecimento de mérito da causa, através da autoridade do caso julgado, quando, apesar de existir identidade de sujeitos ou via equiparada a esta, se está perante objetos processuais distintos (estando, então, demandas entre as mesmas partes mas com objectos diferenciados, entre si e ligados por uma relação de prejudicialidade, a decisão impõe-se enquanto pressuposto material da nova decisão: o caso julgado opera positivamente, já não no plano da admissibilidade da acção mas no do mérito da causa, com ele ficando assente um elemento da causa de pedir - efeito positivo do caso julgado). Concordando-se com RUI PINTO, temos que a autoridade do caso julgado tem: a) Duas exigências objetivas: uma negativa de não existir repetição de causas, por falta de algum dos requisitos do art.581º do C. P. Civil - «se uma das partes não é a mesma da primeira causa ou se a parte cativa pretende (i) obter o mesmo efeito jurídico de outros fundamentos, (ii) retirar diferente efeito jurídico dos mesmos fundamentos, ou (iii) obter diferente efeito jurídico de outros fundamentos.»; uma positiva de ocorrer «uma relação de prejudicialidade (…) ou uma relação de concurso material entre objetos processuais ou, pelo prisma da decisão, entre os efeitos do caso julgado prévio e os efeitos da causa posterior, seja quanto a um mesmo bem jurídico, seja quanto a bens jurídicos conexos». b) Uma exigência subjetiva, para que a força vinculativa do caso julgado possa ocorrer fora do seu objeto processual: a identidade dos sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica, nos termos definidos no art.581º, pois «Seria absolutamente inconstitucional, por contrário ao artigo 20.º n.º3 da Constituição, e ilegal perante o art.3.º, que uma decisão vinculasse quem foi terceiro à causa»; ou a existência de situações em que, em alargamento da exigência subjetiva, os terceiros invoquem o caso julgado secundum eventum litis[5]. Ora, é certo que no Juízo Central Cível ... – Juiz ..., correu termos uma ação de processo comum sob o Proc. nº 274/17.8T8AVR, em que foram AA. CC e mulher DD (aqui 1ºs RR.) e em que foram Rés, S... Unipessoal L.da (aqui 2ª Ré) e Seguradoras Unidas, S.A. (aqui 3ª Ré – Açoreana Seguros, S.A), tendo na referida acção, com sustento nos factos aqui invocados – perfuração de um furo artesiano pela Ré S... que provocou danos nos prédios dos AA –, os ali AA. (aqui 1ºs RR.) pedido a condenação das Rés a pagar-lhes: a) o valor de € 68.680,00, acrescido de IVA à taxa legal, a título de danos patrimoniais, pelos danos emergentes descritos e quantificados na petição inicial, provocados no prédio urbano de que são proprietários identificado no art.1.º da petição, na sequência e por causa da deficiente execução pela 1ª Ré do furo de captação de águas; b) o valor de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais; c) os custos de reparação dos danos que vierem a produzir-se na habitação, em consequência da execução do furo de captação de águas e que não sendo imediatamente visíveis, venham a verificar-se mais tarde ou excedam o valor já quantificado, o que se relega para execução de sentença; d) os juros legais vencidos entre a datada produção do facto danoso(24/02/2014) e a data da citação, e os vincendos até efetivo e integral pagamento. Porém, a autoridade do ali julgado não pode estender-se aos aqui Autores. Não se desconhece a posição da maioria da jurisprudência, segundo a qual (como se escreveu no Acórdão do STJ, de 15.01.2013 - processo nº 816/09.2TBAGD.C1.S1), «o alcance e autoridade do caso julgado não se pode limitar aos estreitos contornos definidos nos arts. 580 e 581º do CPC, para a exceção do caso julgado, antes se devendo tornar extensivos a situações em que, não obstante a ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento e razão de ser daquela figura jurídica estejam notoriamente presentes»[6]. Não podemos, porém, olvidar que não apenas em ambas as acções são distintos os sujeitos, os pedidos e mesmo a causa de pedir, como são, também, distintas as consequências invocadas pelos AA das duas acções – distintos são os danos invocados (e, obviamente, distintos são os lesados em ambas as demandas). Para além disso – com especial pendor na questão da autoridade do caso julgado, ora sob apreciação – , os aqui Autores são terceiros relativamente àquela primeira acção (no que respeita ao vínculo obrigacional que emerge do sinistro analisado naquela acção). E nesta perspectiva de terceiros, não vemos como a autoridade do julgado na primeira acção possa estender-se a esta. É que, sendo terceiros, podiam, é certo, beneficiar do efeito favorável do caso julgado, nos termos constantes da lei, como são os casos aludidos nos arts. 552º, 2ª parte, 531º, 2ª parte, e 538º, nº2, todos do CC). Situações, porém, que aqui não se verificam. Assim, para além de serem terceiros, os AA não são credores solidários com alguma das partes desse processo, nem assumem posição concorrente com qualquer dessas partes (os direitos indemnizatórios exigíveis e peticionados em cada acção são perfeitamente autónomos, sustentados em factos autónomos – os danos que cada um alega ter sofrido) e cindíveis, razão pela qual o caso julgado formado naqueles autos nunca seria oponível aos aqui Autores, atento o disposto no referido artigo 531.º do Cód. Civil. Ou seja, não sendo os aqui autores “parte” na aludida acção, antes se apresentam como terceiros, estranhos àquele processo e titulares de uma relação jurídica independente e incompatível com a das partes (em causa está a lesão do seu direito de propriedade, bem diferente do direito invocado pelos AA daquela outra acção, que visam, por sua vez, o ressarcimento da lesão do seu (outro, portanto) direito de propriedade, cada um deles imputando responsabilidades diferentes e com base em dados diferentes), não podem os mesmos ser atingidos pelo caso julgado alheio. Daí termos por certo que o efeito de autoridade de caso julgado formado pela sentença absolutória proferida na referida acção nº 274/17.8T8AVR não pode fazer precludir o direito dos autores formularem o pedido que nesta demanda formulam, nem obstar ao seu conhecimento. Ou seja, não apenas se não verifica a excepção de caso julgado (não há identidade de partes, pedido e causa de pedir), como o caso julgado não pode aqui funcionar por via da figura da autoridade do caso julgado. Os aqui Autores não intervieram, por qualquer forma, naquela outra acção. E nem tinham de intervir, dado que a relação controvertida ali sob discussão não lhes dizia respeito. A aceitar-se a autoridade nestes autos, relativamente aos AA, do ali julgado e decidido, seria uma violação do princípio do contraditório, dado que os ora AA, não sendo ali partes, não tiveram possibilidade de lá intervir, fazendo valer a sua versão dos factos (e do direito, maxime no que tange à responsabilidade da Ré Seguradora Açoreana Seguros, S.A. (actualmente denominada Seguradoras Unidas, S.A.), em que a validade de parte do seu clausulado é posto em causa, não tendo podido ali os ora AA tomar posição quanto à aqui suscitada questão da nulidade das cláusulas do seguro, questão esta que ali não foi, sequer, apreciada e decidida por ter sido extemporaneamente suscitada pela parte a quem aproveitava). Assim, também não podemos deixar de dar razão aos AA, quando dizem, nas suas contra-alegações: “ (…) Admitir-se a existência de uma autoridade de caso julgado sobre questão que não foi expressamente apreciada e decidida, e que essa autoridade vincula os Autores, que lhe são completamentealheios, violaria ainda grosseiramente o princípio do dispositivo. É que os Autores seriam cominados com uma sanção processual que não deriva de uma qualquer conduta sua, muito menos negligente e/ou revel que, por qualquer forma, justificasse a sua punição à luz dos princípios e normas processuais civis. Seriam cominados com sanção derivada de uma actividade processual que lhes é de todo alheia, e veriam parcialmente precludido o seu direito processual/de acção, consagrado nos artigos 2º. do CPC e 20º./4 da Constituição da República Portuguesa (…). Sem que lhes tenha sequer sido concedida oportunidade de cumprir, tempestiva e suficientemente, o ónus de alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e razões de direito que aqui se pretende fazer valer, nos termos do disposto nos artigos 5º./1 e 552º./1/d do CPC, e que constitui único pressuposto do efeito que pretendem obter. Não pode concluir-se que estamos perante questão que já foi apreciada e decidida na outra lide, porque as questões aqui decidendas não foram ali apreciadas nem decididas, a lide não se desenvolveu entre as mesmas partes, as partes que se repetem não intervêm nas mesmas qualidades jurídicas, a causa de pedir não é a mesma e o pedido também não“[7]. E, já agora, não se diga que a apreciação do contrato de seguro celebrado entre a Ré S... e a Ré Seguradora é uma questão prejudicial à responsabilização desta. É que, para além do mais já referido, a questão da validade da cláusula que limita a cobertura dos riscos da actividade da Ré S... à sede da empresa (ou seja, que tem como limite de cobertura os danos sofridos por clientes ou empregados por acidentes pessoais sofridos na sede da S... – como foi decidido naqueles autos, em primeira instância e confirmado pela Relação) é questionada nestes autos, maxime pelos AA, tendo. E, como ficou dito, os AA, não tendo estado naquela acção, não tiveram oportunidade de nela tomar posição sobre esta questão, de crucial importância, designadamente para os próprios Autores, pois é a diferença entre responsabilizar ou não responsabilizar a Ré seguradora pelos danos que os AA sofreram. Como já há muito ensinava o Mestre ALBERTO DOS REIS[8], «estender a eficácia da sentença a terceiros – estranhos ao processo, que não intervieram nele, que não foram ouvidos nem convencidos, que não foram colocados em condições de dizer da justiça, de alegar as suas razões, de exercer qualquer espécie de influência na formação da convicção do juiz – , é uma violência que pode redundar numa iniquidade.»[9]. Assim improcede esta questão.
- Se a decisão recorrida fez uma errada interpretação e aplicação da lei, concretamente da norma ínsita no nº 2 do artigo 1348º. do Código Civil Nenhuma censura nos merece, neste segmento, a decisão recorrida. Com efeito, cremos que o ali decidido está em sintonia com o que pensamos ser a melhor interpretação do citado artº 1348º/2 CC – seguida, ao que cremos, pela generalidade da doutrina e jurisprudência. Temos, com efeito, para nós seguro que é o proprietário do prédio onde se realizam as obras que deram causa aos danos no prédio vizinho – sejam, ou não, executadas por um empreiteiro – quem responde por tais danos, nos termos do artº 1348º, nº2 do Cód. Civil. Com efeito, o dono da obra, sendo o titular do direito de propriedade do prédio onde a obra foi levada a cabo, é quem beneficia da empreitada, logo é quem deve arcar com as consequências danosas para terceiros que essa actividade tenha originado. A obrigação de indemnizar não radica nunca em qualquer relação de comissão, mas, apenas e só, por ter sido executada no prédio, ainda que o seu dono se tenha servido de um terceiro para a levar a cabo. Desenvolvendo. O artº. 1348º/1 do Código Civil dispõe que “o proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra”. E preceitua o nº 2 que “logo que venham a padecer danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizados pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias”. A faculdade de escavação é um corolário do conteúdo do direito de propriedade nas suas vertentes de uso, fruição e disposição limitadas[10]. Assim, o proprietário de imóvel, pelo simples facto de o ser, goza do poder de utilizar a coisa objecto do seu direito o mais amplamente possível (artigo 1305.°, Cód. Civil). Este poder de utilização integra o poder de transformação da coisa[11], o qual, por seu turno, desemboca no poder de fazer escavações quando o objecto do direito de propriedade seja um terreno (artigo 1344.°, Cód. Civil)[12]. Ao fazer a escavação, o proprietário deve, porém, evitar colocar em perigo de ruína o prédio vizinho. O artigo 1348.° do Cód. Civil refere, aliás, o desmoronamento e a deslocação de terras como possíveis consequências da escavação que devem ser evitadas. Fundamental é que ao escavar se não retire ao prédio vizinho o "apoio necessário". O que significa, por exemplo, que o proprietário poderá perfeitamente escavar até grande profundidade, junto à linha divisória, desde que vá escorando as terras conforme for escavando. Assim, portanto, aquele que escava pode ficar vinculado tanto por um non facere como por um facere; tudo depende do que, em concreto, for exigível para preservar o prédio contíguo de eventuais danos. De qualquer modo, ainda que se tomem todas as medidas exigidas pelo n.° 1 do artigo 1348.° do Cód. Civil[13], deverá aquele[14] que procede às escavações ou demolições[15] reparar os danos eventualmente decorrentes das mesmas. O citado artº 1348º/2 CC consagra um regime especial face ao que se contem no artº. 483º do Código Civil, na medida em que estabelece responsabilidade extra-contratual, nomeadamente por factos lícitos, independentemente de culpa do seu autor. Ou seja, nas situações previstas no aludido artº 1348º do CC, não se exige a culpa do responsável, configurando-se uma situação de acto lícito que obriga o agente a reparar os danos causados[16],[17]. Deste modo, ocorrerá sempre responsabilidade civil, nos termos daquele artº. 1348º do Código Civil, pelos danos decorrentes da obra levada a cabo no prédio vizinho desde que tal tenha resultado de escavações[18] efectuadas naquele prédio. Estamos perante uma previsão normativa em que a lei permite a lesão da propriedade alheia, mas impõe o ressarcimento dos danos produzidos, traduzindo a ponderação entre a satisfação de interesse, particular ou colectivo, que considera qualificado, mas devido a critérios de razoabilidade impõe a obrigação de indemnizar[19]. Considera-se não ser justo que o direito ou bens de terceiro sejam sacrificados sem uma compensação[20]. Ao contrário do que sucede para a responsabilidade por factos ilícitos ou por risco, não se encontra um regime único aplicável a todas as situações de responsabilidade por facto lícito, já que o legislador traçou casuisticamente as consequências para cada caso que previu[21]. E, como já supra observámos e tem sido entendido na jurisprudência, o proprietário que proceda a escavações no seu prédio responde civilmente pelos danos causados nos prédios vizinhos nos termos do artigo 1348º nº2, do Código Civil, ainda que as escavações tenham sido efectuadas por empreiteiro mediante contrato de empreitada celebrado com o dono da obra[22]. Como ocorreu na situação sub judice. ** Questão que se tem suscitado - e nos autos é levantada – é a de saber qual o significado da expressão seu “autor das obras” a que se reporta o nº. 2 do artigo 1348º do Código Civil. Tem-se defendido que a mesma deve ser interpretada na envolvência do fim normativo e do elemento sistemático com o significado de “proprietários dos prédios” em que forem feitas as obras, sem excluir, no entanto, sendo caso, e conquanto se verifiquem os respectivos pressupostos, a responsabilização indemnizatória de outras pessoas perante os proprietários dos prédios vizinhos afectados, nomeadamente, empreiteiros ou subempreiteiros[23]. Para o titular do direito de propriedade sobre o prédio vizinho daquele em que a obra é realizada é indiferente que a mesma seja pessoalmente realizada pelo dono do respectivo prédio ou por empregados dele ou por empreiteiros por ele contratados. Aí deve ser colocada a ênfase para interpretação do preceito, já que será mais justo e razoável[24], perante uma previsão de responsabilidade objectiva, que a mesma incida sobre o proprietário[25], que é quem colhe os benefícios inerentes à escavação[26], e que possa dizer respeito ao empreiteiro, caso venha a concluir-se pela sua culpa na execução da obra. Um outro argumento invocado é o de que, tratando-se de uma responsabilidade por facto lícito por dano de obra enquadrada nos artigos 1.346º e seguintes do Código Civil, em que o dono da obra é sempre o responsável independentemente da sua conduta concreta[27], a unidade do sistema jurídico exige que se interprete o artigo 1.348º no mesmo sentido. Portanto, a expressão “dono da obra” deve ser lida com o significado de “proprietário do prédio”. O que, diga-se, já procedia do CCiv de 1867. Como refere o Ac. STJ de 05 de Junho de 2008[28], que recorre ao elemento histórico, «À face do Código Civil de 1867 regia, na matéria, o art. 2323º, em cujo § 2º se dispunha também que “logo, porém, que o vizinho venha a padecer dano com as obras mencionadas, será indemnizado pelo autor delas”. Já procede assim desse diploma a referência ao “autor” das obras e, nem por isso, os comentadores, como se refere no Ac. do STJ, de 28.5.96 (C.J., II, pag. 92), deixaram de se referir à responsabilidade do dono quanto à reparação dos danos (cfr. Dias Ferreira, C.C. Anotado, vol. I, pag. 429 e Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, vol. XII, pag. 65). A expressão “autor delas” utilizada nestes textos legais - continua o mesmo aresto –“explica-se por uma facilidade de redacção e não por quaisquer lucubrações respeitantes à determinação da pessoa responsável. O redactor do texto do nº 2 do art. 1348º não podia lançar mão do vocabulário “proprietário” para a imputação da responsabilidade pela indemnização (expressão essa que, de resto, já usara no nº1, ao qual o subsequente nº 2 está logicamente ligado) pela circunstância de já haver uma referência anterior no mesmo texto a “proprietários vizinhos” e não ser, por isso, aconselhável que a palavra fosse repetida, dados os inconvenientes que tal acarretaria para a clareza do texto. Não se tem, pois, dúvida em afirmar que é ao proprietário do prédio onde é feita a obra que se pretende atribuir, naquele nº 2, a obrigação de indemnizar os proprietários vizinhos. Daí que seja totalmente irrelevante, na perspetiva do vizinho lesado, que a obra seja levada a cabo pessoalmente pelo dono do prédio (ou através de pessoal que dele dependa por vínculo laboral) ou antes por empreiteiro contratado (sob a direção do próprio empreiteiro e sem vínculo de subordinação ao dono da obra); em qualquer das hipóteses, o dono responde pelos mencionados danos»[29]. Em específico, para a situação de realização de um furo artesiano, que cause danos (o caso dos autos), ver o Ac. STJ 20 de abril de 2020, Proc. 1934/16.6T8VCT.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt, onde se considerou que: “V - Os trabalhos de escavação no solo com recurso a máquinas de furação com brocas aptas a partir pedra e respectivo compressor, equipamento adequado à captação de água subterrânea, através da execução de um furo artesiano, deve considerar-se, pela natureza dos meios utilizados, como o exercício de uma atividade perigosa, atendendo ainda à profundidade que o furo atinge - art. 493.º, n.º 2, do CC.”. ** Pergunta-se, porém: no caso de haver culpa por parte do empreiteiro (in casu, a Ré S...), será o empreiteiro responsável solidário (com o dono da obra) pelo ressarcimento dos danos causados no prédio vizinho? Obviamente que sim, atento o disposto no arº 497º, nº1 CC. No âmbito da responsabilidade civil decorrente de danos causados por veículos, a lei exclui a responsabilidade derivada do risco no caso de o acidente ser imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo[30]. Resulta do mencionado normativo a inadmissibilidade da concorrência entre o risco de uma pessoa e a culpa de outra com vista à responsabilização de ambas. No entanto, a respectiva disposição legal, cujo âmbito de aplicação se cinge à responsabilidade pelo risco automóvel, porque excepcional, é insusceptível de aplicação analógica à situação de responsabilidade independente de culpa ou mesmo de ilicitude de uns, a que se reporta o artigo 1.348º do Código Civil, e de responsabilidade por culpa de outros[31]. Por isso, a responsabilidade prevista nesta última norma não é meramente subsidiária quando se verifique responsabilidade por facto ilícito e culposo de pessoa incumbida das escavações, mas solidária, nos termos do artigo 497º nº 1 do Código Civil. Assim, os RR proprietários do imóvel e a Ré S... respondem solidariamente[32]. Improcede, assim, esta questão. II. REVISTA DA RÉ GENERALI SEGUROS, S.A. - Se a decisão recorrida é nula por contradição com o facto provado 37 – por se ter proferido decisão no sentido em que o contrato de seguro cubra o evento dos autos (nulidade ínsita no artº 615º, c) do CPC, 1ª parte - oposição entre os fundamentos e a decisão). Diz a Recorrente (al. P) das conclusões da alegação) que “Considerando o facto provado nº 37, que estabelece que a cobertura responsabilidade civil, constante do contrato de seguro encontra-se limitada a eventos ocorridos na sede da segurada, o Acórdão recorrido encontra-se ferido de nulidade, por ter proferido decisão no sentido em que tal contrato cubra o evento dos autos.”. Não se verifica a apontada nulidade da decisão recorrida. É certo que o facto provado nº 37 reza que “37 - A Apólice n.º ...01 que titula o contrato de seguro “Multirriscos Empresas” celebrado entre a 2ª Ré e a Açoreana Seguros, S.A., garante apenas a responsabilidade civil extracontratual da S... Unipessoal L.da, em relação aos sinistros ocorridos na sede da empresa.”. Mas tal não significa que se verifique a alegada oposição entre a fundamentação e a decisão. O que se temos é, tão somente, que a decisão recorrida, fundamentando-o, entendeu que tal cláusula era nula, por contrária á boa fé. Nada mais. Ou seja, o que está em causa na alegação da recorrente é, não qualquer oposição entre o dispositivo da decisão e a respectiva fundamentação, mas, apenas e só, uma discordância sua relativamente à apreciação de direito que é feita no acórdão recorrido, no que tange à cláusula contratual referida no ponto 37 dos factos provados, e respectiva decisão final. Tais discordâncias da Recorrente prendem-se, apenas, com a subsunção dos factos concretos à correspondente hipótese legal, o que se reconduz a erro de julgamento e não a nulidade da decisão. Com efeito, é pacífica a jurisprudência no sentido de que a apontada nulidade «[P]ressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la»[33]. Bem diferente da nulidade da decisão. Pois que, «[A] contradição entre os fundamentos e a decisão corresponde a um vício formal, na construção lógica da decisão, e o erro de julgamento a um vício substancial, concretizado, p. ex., na errada subsunção dos factos concretos à correspondente hipótese legal.».[34]. Portanto, na nulidade enunciada naquela al. c) – oposição entre os fundamentos e a decisão ou ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível –, estamos perante um vício lógico da sentença/decisão que a compromete; «se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença»[35]. Não se trata de um simples erro material (em que o juiz, por lapso, escreveu coisa diversa da que pretendia escrever - contradição ou oposição meramente aparente), mas de um erro lógico-discursivo, em que os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, direcção diferente (contradição ou oposição real)[36]. E, como dito, também não se confunde com o erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção dos factos concretos à correspondente previsão normativa abstrata, nem, tão pouco, a uma errada interpretação desta, vícios estes só sindicáveis em sede de recurso jurisdicional[37]. Na verdade, quando, embora indevidamente, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, está-se perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, verifica-se a apontada nulidade[38]. O que a recorrente questiona consubstancia, portanto, não a apontada nulidade da sentença, mas antes um erro de julgamento, sindicável mediante recurso e não por via da arguição de nulidades processuais. Improcede esta questão. - Da pretensa violação da autoridade de caso julgado, na hipótese de se entender não verificada a excepção de caso julgado. Esta questão foi também suscitada nas conclusões da alegação de recurso dos Autores, tendo sido apreciada na decisão sobre tal recurso, pelo que se remete para o que ali ficou dito, que aqui, por brevidade, se reproduz (onde se concluiu pela não ocorrência, quer da excepção de caso julgado, quer da autoridade do caso julgado). Assim, sem mais delongas, improcede esta questão. - Se a cláusula do contrato refente ao “local de risco” não padece de nulidade, dessa forma não se encontrando o sinistro dos autos coberto pelo contrato de seguro celebrado com a Ré Seguradora/Recorrente.
O contrato de seguro é o contrato pelo qual o segurador, em troca do pagamento de uma soma em dinheiro (prémio) por parte do contratante (segurado), se obriga a manter indemne o segurado dos prejuízos que podem derivar de determinados sinistros (ou casos fortuitos), ou ainda a pagar (ao segurado ou a terceiro) uma soma em dinheiro conforme a duração ou os eventos da vida de uma ou várias pessoas[39]. Já para Moitinho de Almeida[40] o contrato de seguro é aquele pelo qual uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística um conjunto de riscos por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento de uma soma determinada, a, no caso da realização de um risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos. Compreende, assim, o contrato de seguro duas prestações: a da seguradora, de conteúdo complexo, consistente na assunção do risco e na obrigação de pagar um determinado capital se esse sinistro se verificar; a do segurado, consistente na obrigação de pagamento do prémio. "A função económico-social do contrato de seguro é uma função de garantia completada com um elemento de troca (prémio), sempre que a finalidade global e típica do contrato se destine a compensar pecuniariamente a perda ou a desvalorização de um bem (coisa ou crédito) ou a frustração de uma expectativa (diminuição, não-realização ou não-aumento do património activo; aumento ou não diminuição do património passivo; afectação da capacidade de trabalho e/ou emergência de danos morais)" [41].
Os intervenientes neste tipo contratual são, assim: o segurador (o que assume sobre si as consequências do eventual sinistro, ou seja, aquele que toma sobre si o risco alheio[42]); o tomador de seguro (contratante ou segurante, é o devedor ou o garante da obrigação, aquele que assume as obrigações derivadas do seguro, nomeadamente o pagamento dos prémios[43]); e o segurado – o que está sujeito aos riscos nas coisas ou pessoas, podendo ser um terceiro – que não o tomador – o beneficiário, tratando‑se, nesse caso de um estranho ao contrato, mas a favor de quem se destina o pagamento da prestação prometida pelo segurador[44].
Em suma, diremos que se trata de um contrato: — Comercial, pelo menos quanto à seguradora como resulta do art. 425.º C. Com., regulado nos termos do art. 99.º do mesmo Código; — Formal (a lei impõe a forma escrita, como demonstra o art. 426.º C.Com., sendo esta uma formalidade ad substantiam); — Bilateral ou sinalagmático, pois, como vimos, dele resultam obrigações para ambas as partes, verificando‑se um nexo de reciprocidade ou interdependência entre elas; — Oneroso, visto cada parte prosseguir uma vantagem pessoal que é contrapartida daquela que confere à outra (dele resulta para ambas as partes uma atribuição patrimonial e um correspectivo sacrifício patrimonial); — Aleatório: o segurador não sabe se terá ou não de efectuar a prestação ou, se há certeza da prestação, quando se efectuará; já não há incerteza na prestação do segurado (a prestação da seguradora fica dependente de um evento futuro e incerto); — De execução continuada (a sua execução prolonga‑se pela vida do contrato, facto que determina, designadamente, a eficácia ex nunc da resolução); — De adesão; — De boa fé. Não há dúvida que o contrato de seguro é um contrato de adesão, uma vez que o tomador do seguro dispõe tão somente da possibilidade de aderir ou rejeitar em bloco um conjunto de cláusulas contratuais padronizadas, previamente (e unilateralmente) elaboradas pela seguradora[45]. E no contrato em causa nos autos, foi a seguradora (e apenas ela) quem elaborou o seu clausulado geral - as cláusulas, denominadas “Informação Precontratual/Condições Gerais-Açoreana Multirriscos Empresas”, onde se incluem as cláusulas atinentes à cobertura do “risco“, em particular a referida cláusula 6371.l.e 2 -Responsabilidade Civil Exploração. Como tal, está sujeito ao regime ínsito no DL 446/85 de 25/10 (com as alterações introduzidas pelo DL 220/95 de 31 /01 e DL 249/99 de 07/07) – regime das cláusulas contratuais gerais.
O contrato em análise regula-se pelas disposições da respectiva apólice não proibidas por lei, pelas normas constantes do Regime do Contrato de seguro (DL n.º 72/2008, de 16 de Abril – com as subsequentes alterações) e, nas questões não reguladas pelo mesmo, pelas correspondentes disposições da lei comercial e civil — art. 4.º do citado Regime. As condições gerais são as que se aplicam a todos os contratos de seguro de um mesmo ramo de actividade; as especiais são as que — completando ou especificando as condições gerais — são de aplicação generalizada a determinados contratos de seguro do mesmo tipo; as condições particulares as que se destinam a responder em cada caso às circunstâncias específicas do risco a cobrir. ** Regressando aos autos, temos que a sentença – para efeitos da responsabilidade da Seguradora – considerou que o seguro titulado pela Apólice n.º ...01, que tem por epígrafe “Multirrisco Empresas” – fls. 235 –: a) cobre a responsabilidade civil (extracontratual) da exploração até o montante de € 50.000,00; b) tem como local do risco o “..., Lote ..., ... – ... .... Ou seja, entendeu-se na sentença que tal seguro, contratado pela Ré S..., não cobre os riscos da atividade dessa Ré exercida fora da sede da empresa. Antes, está limitado, na sua cobertura, aos danos sofridos por clientes ou empregados por acidentes pessoais sofridos na sede da Ré S.... Reza, com efeito, a sentença: “… o seguro não cobre a responsabilidade civil por danos que a atividade da Ré S... pudesse causar a terceiros. Portanto, o risco desta atividade não está, pura e simplesmente, coberta pelo seguro. Não tendo o seguro por objeto a atividade “profissional” da Ré S..., não está garantida esta pelo seguro. Logo, o problema não é de exclusão da atividade. É de modalidade do seguro que não dá cobertura a tal risco, por o contrato ser, repete-se, um simples seguro multirrisco da sede”. E conclui: “A comprovada falta de cobertura dos riscos da atividade da Ré S... em relação a terceiros, importa a absolvição da Ré Seguradora dos pedidos” – como veio, efectivamente, a decidir. Já ao invés, o acórdão recorrido, discordando deste entendimento, considerou nula a cláusula inserta no contrato de seguro que limita a responsabilidade aos danos ocorridos na sede da empresa do tomador do seguro. Quid juris? ** Provado está (para o que ora importa) que: - A Ré S... Unipessoal L.da, celebrou com a Açoreana Seguros, S.A., contrato de seguro “Multirriscos Empresas” titulado pela Apólice n.º ...01, com início a 16/11/2012, renovável, o qual incluía “responsabilidade civil extracontratual – exploração” até o montante de € 50.000,00 e responsabilidade civil extracontratual proprietário/arrendatário até ao montante de € 25.000,00 – fls. 235 e 289 (N) – facto 14. - S... Unipessoal L.da, participou à Açoreana Seguros, S.A., o seguinte sinistro: “O segurado fez um trabalho «abrir furo de água» ao Senhor CC, agora o mesmo veio reclamar que os anexos estavam a rachar” – fls. 204/205 e 294 (O) – facto 15. - A Açoreana Seguros, S.A., não assumiu a responsabilidade pelos danos por entender que não estavam cobertos pelo seguro – fls. 206 (P) – facto 16. - A Apólice n.º ...01 que titula o contrato de seguro “Multirriscos Empresas” celebrado entre a 2ª Ré e a Açoreana Seguros, S.A., garante apenas a responsabilidade civil extracontratual da S... Unipessoal L.da, em relação aos sinistros corridos na sede da empresa – facto 37. Em causa está, assim, o seguinte clausulado (das Condições Particulares do Contrato, Secção II) do seguro contratado, ao dispor que a cobertura de “Responsabilidade civil exploração” garante: - Cláusula 63 “1. A responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado, em consequência da exploração normal da atividade identificada nas Condições Particulares. 1.1 Salvo convenção em contrário expressa nas respetivas Condições Particulares, o contrato apenas produz efeitos em relação a eventos ocorridos em Portugal e sempre no local de risco expressamente mencionado nas Condições Particulares do contrato de seguro. 1.2 […] 2. A cobertura garante os danos patrimoniais e/ou não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros em consequência de sinistros ocorridos em Portugal e sempre no local de risco expressamente mencionado nas Condições Particulares do contrato de seguro, até aos limites do capital indicado nas Condições particulares” – destaque nosso. Nas Condições Particulares é mencionado, como atividade normal, “Perfurações e Sondagens”. E como local de risco indica-se ali o “..., Lote ..., ... - ... ...”. Quer dizer, o seguro contratado, tal como reza o seu clausulado, não cobre os riscos da actividade da Ré S... exercida fora da sede. * Note-se que nas cláusulas em causa, obviamente, não há qualquer exclusão da responsabilidade ou limite à mesma. Ou seja – como bem diz o Ac. recorrido – , tais cláusulas “não assumem a natureza de cláusulas de exclusão ou de limite da responsabilidade, na medida em que das mesmas resulta a delimitação, pela negativa, do objeto do contrato, a natureza dos riscos assumidos pela seguradora. Resulta dos termos da estipulação que a seguradora apenas assume a indemnização pelos danos causados no que ficou definido como “local de risco” nas Condições Particulares do contrato de seguro. Desta forma, as cláusulas não são suscetíveis de se enquadrar na previsão do art. 18º/b), c) do DL 446/85 de 25/10, com as alterações introduzidas pelo DL 220/95 de 31 /01 e DL 249/99 de 07/07 (motivadas pela Directiva Comunitária nº 93/12/CEE do Conselho de 05/04 de 1993)”. * Considera, porém, a decisão recorrida que a apontada cláusula 63/1.1.e 2, no segmento em que determina que “o contrato apenas produz efeitos em relação a eventos ocorridos sempre no local de risco expressamente mencionado nas Condições Particulares do contrato de seguro” – local de risco esse que corresponde à sede da empresa – é nula, nos termos dos art.12º, 15º e 16º DL 446/85 de 25/10, com as alterações introduzidas pelo DL 220/95 de 31 /01 e DL 249/99 de 07/07, e por isso, não produz qualquer efeito, por considerar que a mesma cláusula é “contrária à boa-fé”[46], “pois limita direitos que resultam da natureza do contrato de tal forma que o fim, o “escopo” do contrato é posto em causa”. Esta a dúvida que se impõe dissipar. ** O acórdão recorrido, após sinalizar a diferença entre cláusulas de exclusão ou da limitação da responsabilidade e cláusulas e cláusulas limitativas do objecto do contrato, conclui que a aludida cláusula (64/1.1. e 2) inserida no contrato dos autos, no segmento em que determina que “o contrato apenas produz efeitos em relação a eventos ocorridos sempre no local de risco expressamente mencionado nas Condições Particulares do contrato de seguro” (local de risco esse que é a sede da empresa), se não exclui ou limita a responsabilidade, limita (ou delimitativa – pela negativa) o objecto do contrato de seguro firmado, a natureza dos riscos assumidos pela seguradora. E sendo assim, tal cláusula é, não absolutamente proibida no sentido ínsito no artº 18º do Dec-Lei nº 446/85, de 25.10 (com as referidas alterações), mas nula (nos termos dos arts. 12º, 15º e 16º desse mesmo diploma legal) por contrária à boa fé, na medida em que, ao ser inserida no contrato singular dos autos (contrato de adesão) desvirtua o fim que se pretende alcançar com a celebração do concreto contrato de seguro (garantir a indemnização dos danos imputáveis ao segurado em sede de responsabilidade civil). Com efeito – diz a decisão recorrida – , a aceitação dessa cláusula violaria o princípio da confiança, na medida em que a actividade, de perfurações e S..., desenvolvida pelo tomador do seguro não é exercida no local indicado nas condições particulares como “local de risco” – local este, como dito, “que corresponde à sede da empresa” – , acrescentando o acórdão que “Seria difícil conceber uma situação de facto que se enquadrasse na previsão da “cláusula 63.1.1.1. e 2.” o que acabaria por conduzir à sistemática exclusão da responsabilidade da seguradora”. Será assim? * Antes de mais, para aferir se tal cláusula é contrária à boa fé, impõe-se esclarecer este conceito, no âmbito contratual. A boa fé (ou seja, comportar-se segundo a boa fé) é a conduta honesta, leal, correcta, própria de uma pessoa de bem[47]. Agir de boa fé é «agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesse da contraparte, e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar»[48]. Trata‑se de um princípio que se desentranha numa série interminável de deveres secundários de prestação e, principalmente, de deveres acessórios de conduta que recaem por igual sobre ambos os sujeitos da relação creditória [49]. Ensinam P. Lima e Antunes Varela [50] que a expressão boa fé, juridicamente, reveste um duplo significado. Umas vezes tem um sentido puramente psicológico: é a ignorância do vício de que padece determinada situação; outras vezes assume um sentido acentuado ético e objectivo: age de boa fé quem actua de acordo com os padrões da diligência, da honestidade e da lealdade exigíveis do homem no comércio jurídico. Escreve Vaz Serra [51] que “quem entra em negociação com outrem para a conclusão de um contrato dá lugar à constituição de uma relação jurídica que o obriga a proceder de boa fé nos preliminares e na formação do contrato, constituindo-o, nomeadamente, em deveres de cuidado, precaução ou cautela.” A boa fé (que está, assim, presente, quer na preparação como na formação do contrato – ut art. 227.º do C. Civil – , quer, também, no cumprimento das obrigações e no exercício do direito correspondente – ut art. 762.º, do mesmo Código), é um princípio que constitui uma trave mestra, certa e segura da nossa ordem jurídica, vivificando‑a por forma a dar solução a toda a gama de problemas de cooperação social que ela visa resolver no campo obrigacional — princípio, é certo, que deve ser observado com as restrições apontadas por Salvatore Romano, em “Enciclopédia del Diritto”, Milão, 1959 - “Buona Fede”, pp. 667 e ss. [52].
Em suma, portanto, temos que a boa fé assenta, essencialmente, no princípio (cláusula geral) de que "as pessoas devem ter um certo comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros" [53]. Princípio esse vulgarmente denominado de princípio da confiança.
Ora, atento o clausulado plasmado no contrato de seguro firmado entre a Ré S... e a Ré Seguradora e todo o enredo factual provado, com a respectiva “explicação” plasmada na motivação da matéria de facto[54], não vemos como poder afirmar-se ter sido violado o princípio da boa fé, nos sobreditos termos, ou seja, que qualquer das partes contratuais não tenha tido, ao longo da relação contratual, um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, sem defraudar a legítima confiança ou expectativa da contra parte (o aludido princípio da confiança). * Começamos por observar, com segurança, que a cláusula em causa é perfeitamente clara, perfeitamente perceptível, ao limitar/delimitar a responsabilidade da seguradora ao local de risco, ou seja, à sede da empresa. Isto foi, seguramente, entendido pela tomadora do seguro, S..., Lda., pois qualquer pessoa minimamente atenta, ao ler esse clausulado, não terá dúvidas quanto a isso. Por isso, sabendo a tomadora do seguro com o que contar quando celebrou o contrato – independentemente de concordar ou não com tal limitação do objecto do contrato, que aqui não está em causa – não se vislumbra como pode dizer-se, com propriedade, que o princípio da confiança foi violado, isto é, que a legítima confiança ou expectativa, relativamente à cobertura dessa cláusula inserta no contrato que aceitou subscrever, tenha sido defraudada. Aceita-se, perfeitamente, que: “O princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e que a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Assim tem de ser, pois, …, poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e de cooperação entre os homens. Mais ainda: esse poder confiar é logo condição básica da própria possibilidade da comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação (logo, da paz jurídica)”[55]. Sendo que entre nós, e à semelhança do que acontece com outros ordenamentos jurídicos, a protecção da confiança se efectiva por duas vias: através de disposições legais específicas (v.g., as disposições legais relativas à representação aparente nos contratos de agência e de seguro e o artigo 269º do Código Civil) e através dos princípios gerais do direito, maxime do princípio estatuído no artigo 334º do Código Civil. A situação da confiança pode, em regra, ser expressa pela ideia de boa fé subjectiva e, por isso, a posição da pessoa que não adira à aparência ou que o faça com desrespeito pelos deveres de cuidado merece menor protecção. E daí que, como se decidiu no ac. STJ de 09.01.97[56], quem age negligentemente, sem as cautelas requeridas pelo contrato, não pode invocar a tutela da boa fé. A justificação da confiança requer que esta se tenha alicerçado em elementos razoáveis, susceptíveis de provocar a adesão de uma pessoa normal[57]. E por isso há que atender sempre ao caso concreto, que o julgador apreciará... * Ora, face ao referido clausulado no contrato de seguro, percute-se que se não almeja que a confiança da Ré S... tenha sido frustrada, no segmento aqui está em causa – a delimitação do local do risco – , pois que, alicerçando-se essa confiança “em elementos razoáveis, susceptíveis de provocar a adesão de uma pessoa normal”, a aparência do sentido dessa cláusula, decorrente da sua letra, corresponde perfeitamente à cobertura do risco que nos autos a Seguradora lhe dá e que a sentença sufragou (seja, que o local de risco é a sede da empresa). Era esse o sentido que um declaratário razoável (diligente, sagaz e experiente), colocado na posição concreta do real declaratário (ut artº 236º CC – seguindo a denominada teoria da impressão do destinatário, também aqui aplicável) daria a tal cláusula. Assim, parece que dúvidas não haverá que o seguro celebrado, como é perfeitamente perceptível do seu clausulado, é, não um seguro de responsabilidade civil tout court, mas, sim, um seguro multirriscos (“Multirriscos Empresas”), cuja apólice apenas garante a responsabilidade civil extracontratual da S... Unipessoal L.da, em relação aos sinistros corridos na sede da empresa – facto 37. O que, diga-se, bem se compreende: se fosse um seguro de responsabilidade civil, tout court, não faria qualquer sentido mencionar, expressamente, um local do risco, já que então seguraria a generalidade dos eventos ocorridos, pelo menos (salvo inserção de qualquer cláusula limitativa), em território nacional! Qualificação contratual que igualmente bem ressalta das condições particulares, delas ressaltando à saciedade que o seguro cobre os riscos do próprio edifício e de bens ou equipamentos ali guardados pela “S...”: “incêndio, queda de raio e explosão”, “tempestades”, “inundações”, “aluimentos de terras”, “demolição e remoção de escombros”, “queda de aeronaves”, “riscos elétricos”, “fumo”, “quebra ou queda de antenas”; “queda de granizo”, “danos em bens do senhorio”…). ** Da mesma forma, não vemos que assista qualquer razão ao Acórdão recorrido na afirmação de que “seria difícil conceber uma situação de facto que se enquadrasse na previsão da “cláusula 63.1.1. e 2”, o que acabaria por conduzir à sistemática exclusão da responsabilidade da seguradora”. Não é verdade, salvo melhor opinião. Podem, com efeito, conceber-se as mais variadas situações de acidentes ocorridos no local de risco constante do seguro contratado – a sede da empresa – e que possam gerar a responsabilidade civil do segurado. A recorrente Generali Seguros, SA, elenca, aliás – com toda a pertinência – , algumas dessas possíveis situações: “- imagine-se a queda de um reclame luminoso instalado na cobertura da sede, que danifica um automóvel de um terceiro; - a queda de um funcionário dos CTT ou de uma empresa de logística em piso que se encontrava molhado, sem a devida sinalização; - um incêndio ocorrido na empresa que alastre para o exterior e danifique bens de terceiros ou culmine mesmo em queimaduras em terceiros apeados que pelo local passassem; - a queda, por exemplo, do braço de uma grua ou de um outro equipamento, no interior das instalações, que atinja um cliente ou um funcionário de um cliente…”. Mas muitas outras situações se podiam elencar, sem qualquer dificuldade. E, como observa a Recorrente, estamos aqui perante “situações que estão cobertas pela cláusula 63.1.1.1. e 2º, porque, não tendo deixado de ocorrer nas instalações comerciais da empresa (e, por isso, no contexto do desenvolvimento da sua atividade), onde esta guarda os equipamentos, recebe e expede correspondência, recebe clientes, prepara orçamentos, tem os escritórios onde são feitos os estudos geológicos previamente aos trabalhos de perfuração, não o foram na sequência do exercício da concreta atividade da empresa, que é a execução de trabalhos de perfuração de solos.”. * E, ao contrário do que se possa dizer, é claro que o capital segurado não é irrelevante na economia desta questão da cobertura do seguro acordado. Aspecto, como tal, também a considerar na apreciação da validade da cláusula ora sob apreciação – e, outrossim, na alegada desproporção entre as obrigações assumidas pelos contraentes. Não podemos deixar de dar razão à recorrente Seguradora quando observa que se se pretendesse celebrar um seguro de responsabilidade civil, “o capital seguro seria seguramente superior”. Diríamos, mesmo, que seria seguramente…muito maior. Com efeito, sendo de €50.000,00 o limite máximo de capital garantido pela apólice de seguro, é claro que o mesmo seria quase irrisório se se quisesse estender a cobertura do risco à actividade profissional da “S...”. Veja-se, por exemplo, que só nesta acção os AA peticionam a condenação da Ré, por danos causados na sua habitação de r/c e 1ª andar, no montante de €129.580,00 acrescido de IVA + danos morais + mais os custos de reparação que se vierem a produzir na sua habitação, em consequência dos trabalhos executados pela S..., Lda. Imagine-se, então, o que não seria se os danos fossem causados num edifício de vários andares, ou causassem a morte de alguém, etc., etc.! Então, poderíamos estar perante situações em que o capital seguro ficaria muito, mas muito aquém dos danos eventualmente sofridos pelo segurado da Ré. O que, convenhamos, não se compreenderia, nem se coaduna com o patamar de responsabilização que é suposto existir em situações desse género. E, nesta senda, estender a cobertura do risco nos termos pretendidos pelos AA, seria, também, aceitar um desequilíbrio no sinalagma contratual, na medida em que o prémio pago pela S..., Lda., foi acordado em função do respectivo capital coberto. Pelo que se a S..., Lda prendia estender a cobertura para além daquela que consta da cláusula aqui em causa (cobertura apenas dos acidentes/danos havidos no local do risco, que se clausulou como sendo a sede da empresa), então teria de aceder a pagar um prémio de seguro seguramente muito mais elevado do que aquele que paga para a cobertura de…€50.000,00! É também isto que é imposto pela boa fé ora trazida à colação. Mas o que se constata é que só agora parece interessar à ré S..., Lda., trazer à colação a boa fé contratual, no fito de ver anulada a referida cláusula contratual; já não se tendo importado com tal princípio …aquando da celebração do contrato e fixação do montante do prémio a pagar (porque se na altura observasse à ré Seguradora que a dita cláusula, que fixava a sede da empresa como o local do risco, não podia ser aceite – por violadora do princípio, ora invocado, da confiança – , e que tal local de risco tinha de ter a abrangência que a S..., Lda., agora vem defender, seguramente que a mesma Seguradora, ou não aceitaria celebrar o contrato, ou estipularia um prémio substancialmente mais elevado). Assim, portanto, estamos perante um contrato de seguro multirriscos, com uma cláusula adicional de responsabilidade civil, mas limitada a eventos havidos no local seguro (o local de risco expressamente estipulado nas condições particulares), que é o local da sede da empresa. Não tendo, como tal, a Seguradora pretendido segurar a responsabilidade civil decorrente da sua própria actividade, mas limitar a sua responsabilidade civil aos eventos ocorridos naquele local seguro, a sede da empresa. Como tal, a inserção de tal cláusula limitadora da responsabilidade civil aos eventos ocorridos na sede da empresa não viola o princípio da boa fé. A mesma não exclui a responsabilidade, antes delimita o âmbito do objecto do próprio contrato. E parece-nos claro que, face ao explanado (cfr., v.g., exemplos citados – e inúmeros outros que se poderiam indicar – de eventual responsabilidade civil do segurado por eventos ocorridos na sede da empresa), essa cláusula de forma alguma desvirtua “o fim que se pretende alcançar com a celebração do concreto contrato de seguro”. Em suma, considerando que: - O risco constituiu um elemento essencial do contrato de seguro, traduzindo-se na possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto, de natureza fortuita, com consequências prejudiciais para o segurado, nos termos configurados no contrato e que deve existir ainda durante a vigência do mesmo; - sendo o sinistro a ocorrência concreta do risco previsto no contrato, tendo a qualificação de um evento ou facto como sinistro de ser feita em função dos contornos tipológicos do risco tal como foram desenhados nas cláusulas contratuais; - tal risco está expressamente configurado no contrato de seguro, nos termos expostos supra; - é ao segurado que cabe fazer a prova das ocorrências concretas em conformidade com as previsões ínsitas nas cláusulas de cobertura do risco, como factos constitutivos do seu direito de indemnização (ut art. 342º, nº 1, do CC); - prova essa que não logrou fazer – pois não se provou que o sinistro tivesse ocorrido nas instalações da sede da empresa 1ª Ré e que o contrato de seguro abrangesse o risco da actividade fora da sede dessa Ré, isto é, que entre os “multirriscos” contratados estivesse o risco da atividade “profissional” desenvolvida pela 1ª Ré de abertura de furos artesianos; - antes se tendo provado estar-se perante seguro - multirrisco da sede – diverso de um de responsabilidade profissional (como emerge com toda a clareza da “apólice nº ...01 que titula o contrato de seguro “Multirriscos Empresas” celebrado entre a 2ª Ré e a Açoreana Seguros, S.A.,”e “garante apenas a responsabilidade civil extracontratual da S... Unipessoal L.da., em relação aos sinistros ocorridos na sede da empresa””); - não tendo, como tal, a Ré seguradora pretendido segurar a responsabilidade civil extracontratual decorrente do exercício da actividade da Ré S..., tendo apenas incluído, a pedido desta, uma cláusula que cobrisse a responsabilidade civil desta, mas limitada a eventos ocorridos na própria sede; não se vislumbra – atento todo o explanado supra – , ao contrário do defendido no acórdão recorrido, qualquer violação do “princípio da boa fé”. Donde se não poder deixar de dar razão à Ré Seguradora, excluindo a sua responsabilidade pelo ressarcimento dos peticionados danos decorrentes do evento descrito nos autos. ** IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pelos RR CC e mulher DD, negando-lhes a revista, e procedente o recurso interposto pela Ré Seguradora, concedendo-lhe a revista, nos seguintes termos: 1. Condenam-se, solidariamente, os RR S... Unipessoal L.da, e CC e mulher DD no pagamento da indemnização arbitrada, na sentença, à autora AA e aos herdeiros habilitados do Autor BB; 2. Absolve-se a Ré Seguradoras Unidas, S.A., dos pedidos contra si formulados. 3. No mais, confirma-se o decidido. ** As custas (totais – em ambas as instâncias) ficarão a cargo dos AA (decaíram quanto ao pedido de condenação da Ré seguradora), da Ré S... Unipessoal L.da, e dos RR CC e mulher DD, na proporção de 1/3 para cada parte. Lisboa, 15 de setembro de 2022 Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator) Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º adjunto) Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 2º Adjunto) _______ [1] Cfr. acórdãos do STJ de 05.02.2020 (proc. 13097/17.5T8LSB.L1.S1), de 20.02.2020 (processo 1893/12.4TBSCR.L2.S2) e Ac. no proc. 6126/15.9T8BRG.G1.S1. Ainda, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., págs.434-436. III. Não tendo o ora autor intervindo em ação anterior, intentada por uma sociedade da qual era sócio, contra uma das ora rés, a decisão absolutória, nela proferida e transitada em julgado, e que negou à sociedade autora o reconhecimento do direito de propriedade sobre metade de um prédio rústico, não tem força nem autoridade de caso julgado na ação posterior, proposta pelo autor contra esta mesma ré e outros e em que a questão decidenda consiste em saber se o autor é titular do direito de propriedade sobre o prédio urbano, entretanto edificado sobre o mesmo prédio rústico e que alterou a sua natureza jurídica. |