Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3202/17.7TGMR.G1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: DUPLA CONFORME
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
MEDIDA DA PENA
PENA PARCELAR
HOMICÍDIO QUALIFICADO
VÍCIOS DO ARTº 410 CPP
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
DEPOIMENTO INDIRECTO
DEPOIMENTO INDIRETO
TESTEMUNHA
DECLARAÇÕES DO CO-ARGUIDO
RECUSA
DIREITO AO SILÊNCIO
PROVA PERICIAL
Data do Acordão: 12/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVA / MEIOS DE PROVA / PROVA TESTEMUNHAL – FASES PRELIMINARES / MEDIDAS CAUTELARES E DE POLÍCIA – JULGAMENTO / AUDIÊNCIA / SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA / HOMICÍDIO QUALIFICADO.
Doutrina:
- Carlos Adérito Teixeira, Depoimento indirecto e arguido – Admissibilidade e livre valoração versus proibição de valoração, Revista do CEJ, nº 2, 1º Semestre de 2005, p. 131-133, 140-142, 149, 150 e 157;
- Costa Andrade publicado, Colectânea de Jurisprudência, Ano VI, 1981, Tomo I, p. 5-11;
- Costa Pinto, Depoimento indirecto, legalidade da prova e direito de defesa, in Estudos e homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. III, Coimbra editora, 2010, p. 1047-1048;
- Figueiredo Dias, Para uma reforma global do processo penal português, AAVV, Para uma nova justiça penal, Coimbra editora, 1983, p. 207-209 e 219;
- Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal. Coimbra, 2013, p. 182-183;
- Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, anotado, 16º edição, 2007, p. 741;
- Medina de Seiça, O conhecimento Probatório do Co-arguido, Boletim da Faculdade de Direito, Studia Iurídica n.º 42, Coimbra Editora, 1999, p. 129;
- Paulo Dá Mesquita, A Prova do Crime e o que se disse antes do julgamento, Coimbra editora, 2011, p. 520 e 532;
- Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa 2007, p. 880;
- Santos Cabral, Código de Processo Penal Comentado, 2.ª ed, Coimbra, 2016, p. 443;
- Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, 3.ª ed., Lisboa, 2008, Vol. I, p. 928;
- Vítor Pereira Pinto, Violência doméstica. Silêncio das ofendidas. Valoração dos depoimentos indirectos (motivação de recurso penal), Revista do Ministério Público, n.º 133, Jan-Março 2013, p.185-213.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 127.º, 129.º, 130.º, N.º 2, ALÍNEAS A) E B), 133.º, N.º 2, 249.º, 355.º, 356.º, N.º 7, 379.º, N.º 1, ALÍNEA C), 400.º, N.º 1, ALÍNEA F), 410.º, N.º 2, 427.º, 428.º E 432.º, ALÍNEA B).



CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 131.º E 132.º, N.º 2, ALÍNEA G).
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGO 6.º, N.º 3, ALÍNEA D).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 4/2009, IN DR N.º 55, SERIE I DE 19-03-2009;
- DE 23-07-1999, PROCESSO N.º 650/98, IN SASTJ, N.º 32, P. 87;
- DE 08-11-2006, PROCESSO N.º 3102/06;
- DE 04-01-2007, PROCESSO N.º 3111/06;
- DE 15-02-2007, PROCESSO N.º 4593/06;
- DE 18-06-2008, PROCESSO N.º 1624/08;
- DE 23-10-2008, PROCESSO N.º 08P1212;
- DE 03-03-2010, PROCESSO N.º 886/07.8 PSLSB.L1.S1;
- DE 27-06-2012, PROCESSO N.º 127/10.0JABRG.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 440/99, PROCESSO N.º 268/99, DE 08-07-1999, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.
Sumário :

I - O STJ sendo um tribunal de revista, só conhece dos vícios aludidos no art. 410.º, n.º2, do CPP de forma oficiosa, por sua própria iniciativa, quando tais vícios se perfilem, que não a requerimento dos sujeitos processuais. É ao tribunal da relação a quem cabe, em última instância, reexaminar e decidir a matéria de facto – arts. 427. E 428.º, ambos do CPP.
II - A discordância do recorrente no modo de valoração das provas, e no juízo resultante dessa mesma valoração, não traduz omissão de pronúncia nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP ao não coincidir com a perspectiva do recorrente sobre os termos e consequências da valoração dessas mesmas provas, pelo que não integra qualquer nulidade, quando o tribunal se orientou na valoração das provas de harmonia com os critérios legais. A valoração da prova integra objecto de recurso em matéria de facto, da estrita competência do Tribunal da Relação.
III - A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido. O acórdão recorrido ao negar provimento aos recursos relativamente aos recorrentes, confirmou as penas aplicadas pela 1.ª instância, entre as quais se incluem as penas não superiores a 8 anos de prisão. Logo não é admissível recurso para o STJ, quanto às penas aplicadas não superiores a 8 anos de prisão, nos termos do art. 432.º, al. b) e art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, sendo apenas admissível recurso relativamente ao crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art. 131.º e 132.º, n.º 2, al. g), ambos do CP em que o arguido recorrente foi condenado em co-autoria na pena de 16 anos de prisão.
IV - A prova por ouvir dizer (art. 129.º do CPP), quando reportada a afirmações produzidas extraprocessualmente pelo arguido é passível de livre apreciação pelo tribunal quando o arguido se encontre presente em audiência e, por isso, com plena possibilidade de a contraditar ou seja, de se defender. Não há prejuízo para o direito de defesa do arguido que, presente, poderá contraditar a informação, ou remeter-se ao silêncio, sem que este o possa desfavorecer. O facto de o arguido nada dizer, significa que não podem extrair-se ilações sobre o seu silêncio. Mas, não significa, que não possam valorar-se depoimentos nas respectivas condições legais por não constituíam provas proibidas por lei, ficando sujeitas à valoração constante do art. 355.º do CPP e à livre apreciação dos termos do art. 127.º do CPP.
V - Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer” pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação, e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe. O art. 129.º do CPP proíbe os testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249.º do CPP.
VI - O art. 356.º, n.º 7, do CPP pretende abarcar a credibilidade e validade da prova, delimitada em actos processuais mas já não exclui a colaboração voluntária e livre de motu proprio, de quem quer que seja, no apuramento dos factos em sede de investigação meramente policial. O depoimento dos agentes policiais apenas tem por objecto a investigação desenvolvida mas já não as declarações dos arguidos, só naquela medida é prova válida.
VII - A ratio do art. 129.º do CPP tem subjacente o propósito de aferir da credibilidade do testemunho indirecto e permitir ao julgador tomar contacto directo com a testemunha e o relato-fonte. No caso, a testemunha de ouvir-dizer é a testemunha C., que indicou claramente a fonte, no caso, E., que foi chamado a depor. Sucede que E. é arguido no processo mãe do qual foi extraída culpa e, nessa qualidade e depois de devidamente advertido, não prestou consentimento com vista aos seu depoimento, recusando-se legitimamente a depor como testemunha, nos termos do art. 133.º, n.º 2, do CPP.
VIII - A doutrina e jurisprudência encontram-se profundamente divididas quanto à questão de saber se pode ser valorado o depoimento indirecto daquele que relata o que ouviu dizer a um terceiro que, chamado a depor, se recusa validamente a fazê-lo. A proibição de valoração inerente ao art. 129.º do CPP cessa de imediato com o chamamento a depor da fonte originária, mesmo que posteriormente a mesma se recuse legitimamente a depor, pois a valoração não depende do conteúdo do depoimento da mesma. A lei limita-se a exigir que o tribunal diligencie no sentido de obter o depoimento da fonte. Se assim se não entender acaba por se reconhecer à fonte um poder de controlar, com o seu depoimento ou com a sua recusa, a valoração da prova disponível.
IX - A recusa em depor por parte do co-arguido E. em processo do qual o presente foi separado, nos termos do art. 133.º, n.º 2, do CPP não tem a virtualidade de implicar o apagamento ou a inutilização do depoimento (indirecto) da testemunha C., não se vislumbrando nesta interpretação a violação de qualquer preceito constitucional ou o art. 6.º., n.º 3, al. d), da CEDH.
X - A manifestação de meras convicções pessoais sobre os factos ou a sua interpretação é admissível quando for possível cindi-la do depoimento sobre factos concretos ou quando tiver lugar em função de qualquer ciência técnica ou arte (art. 130.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP). As afirmações feitas pela testemunha X. não revestem natureza pericial por não exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos mas serem tão só fruto de uma percepção resultante de uma observação visual realizada no local onde foram encontrados vestígios sanguíneos ao alcance de uma pessoa com as qualidades da testemunha em causa, inspector pelo PJ.
Decisão Texto Integral:                                  

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

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     Como resulta do relatório do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17 de Julho de 2017, ora recorrido:

    

I- Relatório

No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 3202/17.7T8GMR do Juízo Central Criminal de Guimarães – J4, por acórdão de 15 de Janeiro de 2018, foi decidido:

«A) Quanto à parte crime julgar parcialmente procedente a acusação pública, por parcialmente provada e, em consequência:

1.º Absolver o arguido AA da prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. f) e 2, alínea e), ambos do Código Penal;

2.º Condenar o arguido AA, em co-autoria, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de três anos de prisão;

3.º Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alínea g), ambos do Código Penal, na pena de dezasseis anos de prisão;

4.º Condenar o arguido AA, em co-autoria, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, nº 2, alínea e), ambos do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão;

5.º Em sede de cúmulo jurídico das penas parcelares de 2 a 4 deste dispositivo, condena-se o arguido AA na pena única de dezoito anos de prisão.

7.º Condena-se o arguido AA no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC, art.º 513.º do C.P.P. e do art.º 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, por referência à Tabela III anexa a este Regulamento.

*

B) Da parte cível.

B1- 1.º Julga-se parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente/demandante BB, condenando-se solidariamente o arguido/demandado AA a pagar-lhes as seguintes quantias:

- a título de danos patrimoniais, a quantia de €26.400,00 (vinte e seis mil e quatrocentos euros);

- a título de danos não patrimoniais, a quantia de €115.000,00 (cento e quinze mil euros).

2.º. No mais que vinha civilmente solidariamente peticionado contra o demandado, vai este absolvido.

3.º Custas do pedido de indemnização civil a cargo do demandado CC ( solidariamente com o co-arguido em processo conexo) e do demandante BB, na proporção do decaimento, nos termos do art.º 527.º, n.º 1, do CPC, ex vi do art.º 523.º, do CPP.

*

B2.

1.º Julga-se totalmente procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante, Centro Nacional de Pensões/Instituto de Segurança Social IP, condenando-se o arguido/demandado CC a pagar-lhe:

- a quantia de €17.264,19 (dezassete mil duzentos e sessenta e quatro euros e dezanove cêntimos)s:

- a quantia que se vier a liquidar em decisão ulterior, a título de indemnização referente ao reembolso das prestações pagas por esta ao herdeiro da vítima mortal.

2.º Juros de mora desde a notificação do pedido, calculados à taxa legal de 4%, até integral pagamento, no que se reporta às quantias pagas até essa data no montante de €17.264,19 e sobre a quantia de €17.264,19 desde 28.09.2017, a que acrescem ainda os juros de mora contados à mesma taxa, ou outra que entretanto entre em vigor, desde a data do pagamento das prestações supervenientemente pagas na pendência da instância cível após a presente data, também até integral pagamento.

3.º Custas do pedido de indemnização civil a cargo do demandado AA (solidariamente com o co-arguido em processo conexo), nos termos do art.º 527.º, n.º 1, do CPC, ex vi do art.º 523.º, do CPP.»

      Vindo o mesmo acórdão a proferir a seguinte decisão:

      “III- Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5UC”

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Inconformado, recorreu o arguido AA, da decisão, apresentando as seguintes conclusões na motivação de recurso:

I -

    Primeira: O Tribunal a quo não apreciou a questão suscitada nas conclusões 38.ª e 39.ª, bem como nas conclusões 36.ª, 37.ª e 40.ª, que com aquelas se conjugam, de saber se a prova produzida impunha decisão diversa sobre a matéria de facto dos pontos 12.º, 14.º, 18.º, 40.º, 44.º, 45.º, 47.º, 48.º, 49.º e 50.º dos factos provados, na parte relativa à vontade do recorrente na produção do resultado morte da vítima, da causalidade das ações que pudesse ter praticado para a produção desse resultado e da existência do domínio do facto pelo recorrente, que teriam como consequência a conclusão da falta de fundamentação para uma condenação na forma de co-autoria, mas apenas, e quando muito, na forma de cumplicidade.

     Segunda: A questão referida na Conclusão Primeira devia ser apreciada no âmbito de impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 3, do art. 412.º do CPP, o que claramente corresponde ao que foi visado com a alegação e as conclusões do recorrente.

     Terceira: O acórdão recorrido enferma de nulidade, que expressamente se vem arguir nos termos e para os efeitos do disposto na al. c), do n.º 1, e no n.º 2, do art. 379.º do CPP, aplicável ex vi n.º 4, do art. 425.º do CPP.

II -

     Quarta: Caso se entenda que não se verifica a nulidade acima alegada nas Conclusões Primeira, Segunda e Terceira, a apreciação feita pelo Tribunal a quo da matéria alegada nas conclusões 38.ª e 39.ª no âmbito de “erro notório na apreciação da prova”, nos termos do disposto na al. c), do n.º 2, do art. 410.º do CPP enferma de erro de julgamento, pois a questão suscitada pelo recorrente devia ser apreciada no âmbito de impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto dos pontos 12.º, 14.º, 18.º, 40.º, 44.º, 45.º, 47.º, 48.º, 49.º e 50.º dos factos provados, nos termos do disposto no n.º 3, do art. 412.º do CPP

     Quinta: Sendo julgada procedente a alegação de erro de julgamento na qualificação e determinação do quadro legal aplicável à alegação constante das conclusões 38.ª e 39.ª, por violação do disposto no n.º 3, do art. 412.º do CPP, que é uma questão de direito que se inclui nos poderes de cognição deste Supremo Tribunal de Justiça, o processo deve baixar ao Tribunal a quo para que este se pronuncie sobre a referida questão da matéria de facto, de acordo com o quadro legal determinado por este Supremo Tribunal, assim se dando cumprimento ao direito ao recurso do arguido, constitucionalmente consagrado no n.º 1, do art. 32.º da CRP.

III -

       a)

     Sexta: A norma constante do n.º 1, do art. 129.º do CPP tem natureza excecional e não admite interpretação analógica, pelo que, tendo em conta a letra da lei, bem como essa natureza excecional, deve concluir-se que a exceção prevista no n.º 1, do art. 129.º do CPP só é aplicável nos casos em que a fonte assume a qualidade processual de testemunha.

    Sétima: A fonte do depoimento indireto da testemunha DD - CC, co-arguido em processo conexo - estava impedida de depor e não prestou consentimento para depor como testemunha, concluindo-se assim, de acordo com o disposto na al. a), do n.º 1 e no n.º 2, do art. 133.º do CPP não era testemunha, pelo que não estavam reunidas as condições legalmente previstas no n.º 1, do art. 129.º do CPP para a valoração do depoimento indireto, não sendo admissível a interpretação analógica da norma, em virtude da sua natureza excecional.

      Oitava: Ao ter valorado um depoimento indireto cuja fonte não era uma testemunha, o Tribunal a quo violou as disposições conjugadas do n.º 1, do art. 128.º, da al. a), do n.º 1, e do n.º 2, do art. 129.º, e do art. 133.º, todos do CPP.

      b)

      Nona: A norma do n.º 1, do art. 129.º do CPP só terá um conteúdo normativo útil, se for interpretada no sentido de que o depoimento indireto só pode ser valorado, se ao arguido for garantida a possibilidade de exercício do contraditório e ao mesmo for atribuída a garantia de um julgamento submetido ao princípio da imediação, sendo que a lei apenas prevê a limitação dessas garantias nos casos excecionalmente previstos na parte final do n.º 1, do art. 129.º.

      Décima: O recorrente não teve qualquer hipótese de controlar a razão de ciência do depoimento indireto da testemunha DD, não teve a mínima possibilidade de se defender e exercer o contraditório sobre a existência, ou teor, daquilo que a testemunha DD diz ter ouvido do seu ex-marido, CC, nem teve a possibilidade de inquirir diretamente a suposta fonte do depoimento indireto, não se tendo verificado qualquer das circunstâncias excecionalmente previstas na parte final do n.º 1, do art. 129.º do CPP.

 Décima Primeira: Não foram asseguradas ao recorrente as garantias do contraditório e da prossecução da imediação, nem se verificou qualquer das circunstâncias excecionalmente previstas no n.º 1, do art. 129.º do CPP, pelo que, também por essa razão, o Tribunal a quo não podia ter valorado o depoimento da testemunha DD e, ao fazê-lo, violou a referida norma.

      c)

  Décima Segunda: Não é compatível com um estado de direito democrático, baseado na dignidade da pessoa humana e informado pelos princípios da garantia dos direitos de defesa do arguido e do respeito pelo contraditório, que uma pessoa possa ser condenada com base num depoimento indireto, não confirmado pela respetiva fonte, nem tendo o arguido, por razões que lhe são absolutamente alheias, sequer tido a possibilidade de inquirir essa fonte, por forma a poder exercer plena e efetivamente o seu direito ao contraditório.

 Décima Terceira: Não é compatível com os princípios constitucionais e de direito internacional da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência e do respeito pelas garantias de defesa do arguido, que o legislador ordinário possa considerar a possibilidade de certeza, para além de toda a dúvida razoável, da prática de factos que consubstanciam a prática de crimes, com base num depoimento indireto, em que a fonte é um co-arguido em processo conexo, que se recusa a prestar consentimento em depor como testemunha.

      Décima Quarta: No confronto entre o princípio do nemo tenetur com os direitos de defesa do arguido, não pode, nem há necessidade, que esse confronto seja resolvido em prejuízo do arguido, daí que não se possa aceitar que o exercício desse direito seja utilizado para valorar um depoimento indireto contra o outro co-arguido, sob pena de violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da presunção da inocência, das garantias de defesa e do contraditório.

      Décima Quinta: As normas do n.º 1, do art. 129.º, da al. a), do n.º 1, e do n.º 2, do art. 133.º, todos do CPP, com a interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal a quo, no sentido da admissibilidade de valoração de depoimento indireto, cuja fonte é um co-arguido em processo conexo, que não prestou consentimento para depor como testemunha, enfermam de inconstitucionalidade por violação dos princípios constitucionais da presunção de inocência, das garantias de defesa do arguido e direito ao contraditório, consagrados nos n.os 1 e 5, do art. 32.º da CRP, da imediação, decorrente do princípio do estado de direito, consagrado no art. 2.º da CRP, bem como violam o disposto na al. d), do n.º 3, do art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e o disposto no n.º 2, do art. 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, como resulta, designadamente, dos seguintes elementos doutrinários e jurisprudenciais acima citados em III - c), com as respetivas transcrições: Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código do Processo Penal, 3.ª ed. at., Lisboa, 2009, comentário ao art. 129.º, notas 1 e 2, pp. 343-344 e comentário ao art. 134.º, nota 9, p. 359; Ac. do TRG, de 27-09-2010, Proc. 18/07.2GEGMR.G1 (Ana Teixeira); Ac. do TRP de 27-02-2002, proc. 0110702 (Nazaré Saraiva); Ac. do TRP de 02-02-2011, proc. 134/08.3TELSB-A.P1 (Moisés Silva) ; Ac. do TRP de 12-05-2010, proc. 402/07.1PBVRL.P1 (Maria Deolinda Dionísio); Ac. do TRC de 10-12-2014, proc. 155/13.4PBLMG.C1 (Vasques Osório); Ac. do TRC de 19-09-2012, proc. 63/10.0GJCTB.C1 (Eduardo Martins); Ac. do TRC de 07-07-2010, proc. 210/03.9TASEI.C1 (Esteves Marques); e é também nesse sentido que, com todo o respeito, se interpreta o Ac. do TRG de 06-11-2017, proferido no proc. 3202/17.7T8GMR-A.G1, apenso aos presentes autos, em que foi decidido que não resultava fortemente indiciada a prática pelo arguido/recorrente dos crimes de homicídio qualificado, roubo e furto.

IV -

 Décima Sexta: O Tribunal a quo e o Tribunal de 1.ª instância valoraram a parte do depoimento da testemunha EE que se consubstanciou na sua interpretação e nas suas convicções sobre os factos que testemunhou.

      Décima Sétima: O relato da existência dos vestígios encontrados no local é possível sem quaisquer interpretações ou conclusões sobre os mesmos, assim como também parece evidente que a manifestação das convicções da testemunha não decorreu em função de qualquer ciência técnica ou arte.

      Décima Oitava: A testemunha EE não é perito, nem consta que possua conhecimentos técnicos ou científicos para analisar vestígios sanguíneos, pelo que, quando referiu existência de projeções rasteiras, de média velocidade, ou manchas de sangue passivas introduziu elementos técnicos e ou científicos para os quais não estava devidamente habilitado e muito menos estava habilitado para concluir qual terá sido a primeira agressão, ou se a agressão com o bloco de cimento seria necessariamente perpetrada por duas pessoas.

      Décima Nona: Sempre com todo o respeito, também não se vê como é que o Tribunal a quo conseguiria retirar essas conclusões da análise da reportagem fotográfica de fls. 16 e ss., uma vez que as fotografias não são detalhadas, nem nítidas o suficiente para delas se retirar conclusões a esse respeito.

      Vigésima: Ao valorar a parte do depoimento da testemunha EE que incidiu sobre factos de que o mesmo não teve conhecimento direto e que se consubstanciou na manifestação de conclusões e convicções suas, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1, do art. 128.º e no n.º 2, do art. 130.º do CPP e ao valorar a parte do depoimento da testemunha que se consubstancia na introdução de conceitos técnicos e ou científicos para os quais não estava habilitado, violou o disposto no art. 151.º do CPP.

      Vigésima Primeira: O recorrente não pode deixar de dizer que, ao contrário do que se refere no douto acórdão recorrido, não foi “a todo o custo” que se insurgiu (e insurge) contra a decisão o acórdão de 1.ª instância.

      Vigésima Segunda: De facto, da prova produzida resultou que a testemunha EE formou a sua convicção relativamente ao percurso efetuado pela infeliz vítima na data dos factos com base no que viu no local, no próprio dia da notícia da morte da infeliz vítima, sem tomar outras diligências, sendo certo que, em audiência de julgamento, o próprio assistente e as testemunhas descreveram um percurso habitual da infeliz vítima de sentido totalmente contrário àquele que foi considerado pela testemunha EE, o qual, como se disse, resultou da sua exclusiva convicção pessoal, desprovida de qualquer suporte factual de qualquer outra diligência que, de resto, não foi feita.

     Vigésima Terceira: Além disso, como também resultou do seu depoimento, confrontado com tais depoimentos, a própria testemunha EE admitiu a possibilidade de uma versão diferente daquela foi a sua convicção.

     Vigésima Quarta: Não se pode, portanto, aceitar que a manifestação desta posição, que é legítima, em conjunto com os demais elementos do recursos e questões suscitadas, seja considerada uma defesa “a todo o custo”. Constitui, isso sim, o exercício dos direitos de defesa do arguido, constitucionalmente garantidos, sem subterfúgios, de forma digna e respeitosa, com toda a lealdade e honestidade intelectual, por o recorrente não se conformar com uma decisão que tem todo o direito de considerar injusta e que, a tornar-se definitiva, transformará de forma absolutamente gravosa a sua vida, destruindo os seus projetos de vida, no cumprimento de uma pena de dezoito anos de prisão.

V -

      Vigésima Quinta: Não sendo válida a prova colocada em causa, não é possível dar como provado que o recorrente praticou os factos a ele imputados, daí sendo de extrair a necessária consequência legal da sua absolvição.

      Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, com todo o respeito e douto suprimento:

      a) deve ser declarada a nulidade de que enferma o douto acórdão recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto na al. c), do n.º 1, e no n.º 2, do art. 379.º do CPP, aplicável ex vi n.º 4, do art. 425.º do CPP e apreciada a impugnação da matéria de facto constante dos pontos 12.º, 14.º, 18.º, 40.º, 44.º, 45.º, 47.º, 48.º, 49.º e 50.º dos factos provados, na parte relativa à vontade do recorrente na produção do resultado morte da vítima, da causalidade das ações que pudesse ter praticado para a produção desse resultado e da existência do domínio do facto pelo recorrente, que teriam como consequência a conclusão da falta de fundamentação para uma condenação na forma de co-autoria, mas apenas, e quando muito, na forma de cumplicidade;

       ou, quando assim não se entenda:

       b) deve ser declarado que a qualificação feita pelo Tribunal a quo da matéria alegada nas conclusões 38.ª e 39.ª do recurso enferma de erro de julgamento na qualificação e determinação do quadro legal aplicável à alegação do recorrente, com violação do disposto no n.º 3, do art. 412.º do CPP, que exigia que a questão suscitada fosse apreciada no âmbito de impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto dos pontos 12.º, 14.º, 18.º, 40.º, 44.º, 45.º, 47.º, 48.º, 49.º e 50.º dos factos provados, o que claramente corresponde ao que foi visado com a alegação e as conclusões do recorrente, pelo que, tratando-se de uma questão de direito que se inclui nos poderes de cognição deste Supremo Tribunal de Justiça, o processo deve baixar ao Tribunal a quo para que este se pronuncie sobre a referida questão da matéria de facto, de acordo com o quadro legal determinado por este Supremo Tribunal, assim se dando cumprimento ao direito ao recurso do arguido, constitucionalmente consagrado no n.º 1, do art. 32.º da CRP;

            e finalmente:  

      c) o recorrente ser absolvido dos crimes que lhe foram imputados, bem como dos pedidos de indemnização civil contra si formulados.

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Respondeu o Ministério Público à motivação de recurso, apresentando na resposta as seguintes conclusões:

1. O recurso deve ser considerar-se restringido ao conhecimento das questões relativas ao crime de homicídio qualificado, face ao estabelecido no art.º 400.º, n.º 1, al. f);

2. Não se verifica a nulidade emergente de omissão de pronúncia – art.º 379.º, n.º 2, al. c);

3. O depoimento da testemunha DD deverá ser valorado restritamente, quanto à vertente em que corporiza depoimento direto, ficando prejudicada a alegada inconstitucionalidade; compressão que não inquina o sentido da decisão globalmente vista, face à demais prova produzida e que escapa ao escrutínio do Supremo Tribunal de Justiça – art.º 434.º –; e daí que o recurso deva ser rejeitado, por falta de interesse em agir do recorrente – art.os 401.º, n.º 2, 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, al. b);

4. No que tange à aduzida ilegalidade do depoimento da testemunha EE, o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência e também em razão da irrecorribilidade do acórdão a esse propósito – art.os 414.º, n.º 2, 420.º, n.º 1, als. a) e b), e 434.º.

Contudo,

       Vossas Excelências,

                           no mais elevado critério,

                                             melhor apreciarão, fazendo

                                                           JUSTIÇA:”

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     Também o recorrido BB, apresentou resposta, concluindo:

                     I – O presente recurso, sob a aparência da impugnação da interpretação e aplicação da lei, é um verdadeiro recurso da decisão da matéria de facto;

           II – O Acórdão recorrido não cometeu a nulidade de falta de pronúncia, nem deixou de apreciar todos os pontos das alegações e conclusões do recorrente, mesmo aqueles pontos que, escondidos na forma de impugnação, se poderia entender que o recorrente queria que fossem apreciados e decididos;

            III – Designadamente, o Tribunal da Relação apreciou a decisão da matéria de facto, quer sob o ângulo da existência de nulidades previstas no artigo 410º do CPP, quer sob o ângulo do erro de julgamento amplo, e ainda sob o princípio a presunção de inocência;

           IV – A prova por depoimento indirecto não foi única, nem predominante, mas foi conjugada com toda a restante prova e com as declarações do arguido;

            V – O co-arguido, em processo conexo pelos mesmos factos, foi chamado a depor e não se encontra nas condições de impossibilidade de depor, previstas na última parte do artigo 129º, nº 1, do CPP;

            VI – A valoração do depoimento indirecto, tal como aconteceu nos presentes Autos, não viola o artigo 129º do CPP, nem o artigo 32º da CRP.

    Termos em que deve ser negado provimento ao recurso confirmando-se a decisão recorrida,

                Como é de JUSTIÇA.

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     Neste Supremo, o Ministério Público emitiu douto Parecer onde assinala:

Nada obsta á apreciação do recurso

1.

 Por acórdão, proferido nos autos em 10 de Julho de 2018, o Tribunal da Relação de Guimarães, confirmou a condenação do arguido AA, pela prática em co-autoria material e na forma consumada dos seguintes ilícitos penais:

- Um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, n º 1, do CP, na pena de 3 anos de prisão;

- Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art. 131º e 132º, n º 2, alínea g) do CP, na pena de 16 anos de prisão;

- Um crime de furto qualificado, p. e p. pelo arts. 203º, n º 1 e 204º, n º 2, alínea c), do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

 Em cúmulo jurídico na pena de dezoito (18) anos de prisão.

1.1.

Inconformado com tal aresto, dele traz recurso o arguido a este Alto Tribunal, concluindo nos termos documentados a págs.3999-4028.

1.2.

O MP junto do Tribunal da Relação de Guimarães, veio responder pela forma que melhor se colhe da leitura de págs.4018-4028. Começa por anotar, que face ao estabelecido no art. 400º, n º 1, alínea f) do CPP, o recurso deverá considerar-se restrito ao conhecimento das questões relativas ao crime de homicídio qualificado, para além da matéria de direito, que com ele se prenda. O que implica, a rejeição de todas as questões (à excepção das que cabem nos poderes de conhecimento  ex officio) que extravasem o núcleo de cognoscibilidade, assim delimitado. Sustenta igualmente que inexiste a invocada nulidade do acórdão-omissão de pronúncia -ut CPP, 379º, n º 2, alínea c)- conquanto, é patente, que no acórdão recorrido perante a invocação da existência na decisão de erro notório na apreciação da prova, vício previsto no art. 410º, n º 2, alínea c) do CPP o mesmo foi tratado. Como o acabou por ser, também, no ponto mais á frente do acórdão amplamente abordada a perspectiva da impugnação da matéria de facto provada, e bem assim, discutida a questão da coautoria vs cumplicidade, tratando-se assim de caracterizar a comparticipação do recorrente, concluindo, assim, pela inexistência da alegada nulidade da sentença. 

No que tange à censura que o recorrente dirige ao nuclear depoimento da testemunha DD, classificando, globalmente como indirecto, o MP junto da 2ª instância no seu, aliás douto parecer, ao demais, escreve:

"[...] o tema foi profundamente escalpelizado no acórdão recorrido, tendo-se ali estabelecido uma clara distinção, no depoimento da testemunha, do que seriam as componentes directa e indirecta, procurando justificar-se a viabilidade jurídica  da valoração do meio de prova  em causa, em qualquer das suas vertentes. (cf. ponto 3. da resposta a págs. 4023-4024).

Não obstante, alinhou o MP na peça em apreço, um entendimento sectorialmente diverso do perfilhado pelo Tribunal da Relação, na decisão sub judicio. Com efeito, considerou que o depoimento da testemunha DD, em tudo que expresse um relato factual indirecto, em que a fonte é o seu ex-marido, CC coautor, condenado no processo conexo, de que foi extraída culpa tocante, o enquadramento legal da valoração da prova, vai para além da consideração dos artigos 129º e 133º do CPP, para incluir o art. 345º, n º 4 do mesmo diploma legal (na redação que lhe foi dada pela Lei n º 48 / 2007, de 29 de Agosto, que justamente aditou o n º 4 em referência). Com efeito, tendo aquele usado da prerrogativa que lhe é conferida pelo art. 133º, n º 2 do CPP, isto é, não prestando depoimento, sempre haveria uma falta de escrutínio do depoimento por não exercício do contraditório. De todo o modo, conclui-se pela solidez probatória do restante depoimento directo da testemunha  DD.

3.

Diga-se que a análise do douto acórdão em apreço, logo permite refutar as críticas que ao mesmo se mostram, nalguns aspectos diríamos mesmo, temerariamente  feitas. Veja-se por exemplo, o caso da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia. O acórdão obviamente não padece de qualquer omissão de pronúncia antes se distingue pela qualidade dela e pelo elevado tratamento jurídico das questões abordadas, v.g. a problemática da depoimento directo vs. depoimento indirecto, como de resto é timbre do ilustre Desembargador relator.

Anotaremos que a questão suscitada pelo recorrente da valoração do depoimento da testemunha EE, inspector da PJ, parte de uma premissa errada qual seja a de que as suas declarações sobre a projeção do sangue da vítima se integram no domínio da prova pericial, não tendo sido observadas as normas do CPP, a esta atinentes. Na verdade trata-se apenas de um depoimento de um investigador da PJ, que narra ao tribunal o que observou na cena do crime, integrando essa percepção directa, apenas e tão só no domínio da sua experiência profissional, sendo claro que ninguém pretendeu estar a reportar-se ao exame de qualquer prova pericial, claramente inexistente. Coonestamos a proficiente resposta formulada pelo MP na 2ª instância e que supra ensaiamos sintetizar, naquilo que se mostra essencial para a apreciação do recurso.

Somos assim de parecer que o recurso deve ser julgado in tottum improcedente.”

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     Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP, tendo o recorrente apresentado a seguinte resposta:

     “1. Não obstante a corrente jurisprudencial que sustenta a posição do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Guimarães, em que se acolhe o parecer a que se responde, sobre a interpretação do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f) do CPP, quanto à recorribilidade de decisões parcelares, salvo melhor opinião, consubstanciando-se a decisão de condenação numa pena única, e concorrendo as penas parcelares para esse resultado, deve o recurso ser admitido quanto a todas elas, por a pena única aplicada ao recorrente ser de prisão superior a 8 anos.

     Para além disso, no caso dos autos, os factos que foram dados como provados estão ligados por um nexo temporal e causal, conforme decorre da sua leitura na sentença, e a prova que serviu de fundamento para a respetiva motivação é, essencialmente, a mesma. Assim, estando em causa no recurso a apreciação da legalidade da valoração dos mesmos meios de prova que motivaram as várias decisões condenatórias parcelares, deve o mesmo abranger todas elas.

      2. Relativamente à nulidade do acórdão, arguida nas Conclusões Primeira a Terceira do recurso, sobre a falta de apreciação da impugnação da matéria de facto, com todo o respeito, não se vislumbra que assista razão ao parecer a que se responde, na parte em que se refere que “acabou por ser, também, no ponto mais à frente do acórdão amplamente abordada a perspectiva da impugnação da matéria de facto provada, e bem assim, discutida a questão da coautoria vs cumplicidade, tratando-se assim de caracterizar a comparticipação do recorrente, concluindo, assim, pela inexistência da alegada nulidade da sentença”.
      Assim como, sempre com todo o respeito, também não se vislumbra que assista razão ao Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Guimarães, que emitiu parecer de sentido idêntico, com os seguintes termos: “Mas, por outro lado, também nos pontos 6. a 8. do acórdão recorrido - cf. fls. 3952 a 3979 - e após tratar a questão da validade dos depoimentos das testemunhas DD e EE, elaborou, longamente, sobre a vertente da impugnação ampla do julgamento da matéria de facto, em todas as suas perspetivas e com base em todos os argumentos, fundamentos e objeções recursórias, tendo mesmo incidido, com particular ênfase, para efeitos da questionada coautoria/cumplicidade, sobre o nível da comparticipação do recorrente nos factos - cf. fls. 3973 a 3979.”.

     Na verdade, percorrendo o acórdão recorrido, a apreciação do Tribunal a quo sobre a matéria de facto cingiu-se, exclusivamente, à determinação da participação, ou não, do mesmo, e não à sua graduação como autor, ou cúmplice nos mesmos, o que se constata, designadamente, das seguintes passagens:

      “Embora do depoimento da testemunha DD não seja possível determinar qual a exacta medida da participação do recorrente nos factos, nomeadamente nas agressões de que resultou a morte da infeliz vítima, não é menos certo de que desse mesmo depoimento ressalta como inequívoca a participação do recorrente.” - cf. pag. 109 do acórdão recorrido;

     “É que, embora do depoimento da testemunha DD não seja possível determinar qual a exacta medida da participação do recorrente nos factos, nomeadamente nas agressões de que resultou a morte da infeliz vítima, não é menos certo de que desse mesmo depoimento ressalta como inequívoca a participação do recorrente” - cf. pag. 117 do acórdão recorrido.

     Ou seja, no âmbito da eventual participação do recorrente nos factos, não foi apreciada a natureza, ou grau, dessa participação, nomeadamente na parte relativa à vontade do recorrente na produção do resultado morte da vítima, das concretas ações que pudesse ter praticado e respetiva causalidade para a produção desse resultado e da existência do domínio do facto pelo recorrente, que teriam como consequência a conclusão da falta de fundamentação para uma condenação na forma de co-autoria, mas apenas, e quando muito, na forma de cumplicidade.

      Conclui-se, assim, que não foi apreciada a questão suscitada nas Conclusões 36.ª a 40.ª do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães, pelo que o acórdão recorrido enferma da nulidade que lhe é imputada nas Conclusões Primeira a Terceira do presente recurso.

      3. Por outro lado, se bem se interpreta o teor do parecer a que se responde, na parte relativa à valoração do depoimento da testemunha DD, o Ministério Público junto deste Tribunal, tal como o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Guimarães, entendem que a parte desse depoimento que se consubstancia em depoimento indireto não podia ser valorada.

Como se depreende da análise da apreciação da restante prova existente e produzida nos autos, bem como da fundamentação do acórdão do Tribunal da 1.ª Instância e da fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, esse depoimento foi essencial para a condenação do arguido, o que, aliás, também parece estar implícito na resposta do Ministério Público junto deste Tribunal, que o qualifica de “nuclear”.

É de realçar, aliás, que a restante prova existente e produzida nos autos é, no essencial, consonante com os factos relatados pelo próprio recorrente, que, além de ter prestado declarações em fase de julgamento, também as prestou em fase de inquérito, no mesmo dia em que participou em diligência de “Auto de Reconhecimento de Locais”.

É, portanto, indubitável, que o depoimento indireto da testemunha DD influenciou, de forma decisiva, o sentido da condenação do arguido, pelo que, não podendo o mesmo ser legalmente valorado, o arguido deve ser absolvido dos crimes de que vem acusado, ou, quando muito, caso assim não se entenda - o que apenas como hipótese se considera - ser a sua alegada participação reconduzida à cumplicidade, com as legais consequências.

4. Relativamente à validade da valoração do depoimento da testemunha EE, a questão suscitada tem por objeto, não apenas a violação do disposto no art. 151.º do CPP - apreciada no parecer a que se responde -, mas também a violação do disposto no n.º 1, do art. 128.º e no n.º 2, do art. 130.º, ambos do CPP, o que não foi apreciado, nem no parecer a que se responde, nem no parecer do Ministério Público, junto do Tribunal da Relação.

Na verdade, tal como se conclui na conclusão Vigésima do recurso, sustentada, além do mais, no ponto IV da respetiva motivação, “ao valorar a parte do depoimento da testemunha EE que incidiu sobre factos de que o mesmo não teve conhecimento direto e que se consubstanciou na manifestação de conclusões e convicções suas, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1, do art. 128.º e no n.º 2, do art. 130.º do CPP (…)”.

Assim, para além de se consubstanciar na introdução de conceitos técnicos e ou científicos, em violação do disposto no art. 151.º do CPP, a valoração do depoimento da testemunha EE, violou, também, o disposto no n.º 1, do art. 128.º e no n.º 2, do art. 130.º do CPP.


       Termos em que se conclui, como no recurso, pela sua total procedência.”

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    Não tendo sido requerida audiência seguiu o processo para conferência, após os vistos legais.

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     Consta do acórdão recorrido,

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II- Fundamentação

1. A) Factos provados (transcrição)

«2.1 Os factos provados (com exclusão das conclusões, das argumentações, das inocuidades, do direito, das menções aos meios de prova e das repetições de factos)

2.1.1. Da acusação

1.º Até finais de janeiro de 2009, o arguido AA e o arguido em processo conexo, CC foram funcionários do posto de abastecimento da “...”, sito na Via Circular, em ..., estabelecimento que integrava ainda um snack-bar, denominado “..., Lda, que tinha por objeto a exploração do estabelecimento de restauração e bebidas, designadamente snack bar e café, relativamente ao qual o aqui arguido tinha uma participação social de 2%, pertencendo ao FF os restantes 98% do capital, exercendo ambos a gerência.

2.º FF residia nas proximidades do referido posto de abastecimento, num prédio vizinho do mesmo, sito na Rua ..., a cerca de pouco mais de 100 metros.

3.º Como funcionários do posto de abastecimento e, o aqui arguido, também como sócio de FF, tiveram oportunidade de conhecer os procedimentos e as rotinas do referido estabelecimento bem como as rotinas pessoais daquele.

4.º Tomaram conhecimento do código que permite desligar o alarme instalado no posto de abastecimento, o local onde, durante a noite, ficava guardada a chave de acesso à gaveta da máquina registadora ( sob a almofada existente por baixo de uma imagem do Menino Jesus que se encontrava colocada numa prateleira do referido estabelecimento), o local onde se encontrava guardada uma quantia monetária que FF mantinha no interior do posto de abastecimento a título de fundo de maneio ( por cima do compartimento do quadro elétrico coberta por uma caixa de cartão); que todos os dias, entre as 22h00m e as 00h00m, FF levava para um canil improvisado junto da sua casa uma sua cadela de raça “pastor alemão”, que durante o dia ficava junto das instalações do posto de abastecimento e que este tinha por hábito, antes de a levar à noite para o canil, passar pelo posto de abastecimento e trazer consigo quantias monetárias.

5.º Em data não concretamente apurada, mas seguramente entre fevereiro e 12 de março de 2009, o aqui arguido AA, juntamente com o CC – já julgado e condenado, sem trânsito em julgado, no âmbito do Processo nº 144/09.3JABRG - tomaram o propósito conjunto de se apoderarem das quantias monetárias que encontrassem no interior do referido estabelecimento e bem assim na posse do próprio FF.

6.º Para o efeito, o arguido AA e o outro individuo acima identificado adquiriram uma quantidade não apurada de uma substância líquida com efeito sonífero, do tipo éter, que pretendiam usar quando abordassem o FF, com vista a pô-lo inconsciente e assim facilitar a concretização dos seus intentos.

7.º Assim, no dia 12 de março de 2009, na prossecução de tal plano, julgando que FF teria nesse dia na sua posse uma quantia de cerca de quinze mil euros, pelas 20h00, o arguido AA e CC encontraram-se na Pastelaria “...”, sita na Praça ..., local onde pretendiam controlar os movimentos do ofendido.

8.º Por volta das 22h30 desse mesmo dia, FF passou junto à Pastelaria “...”, seguindo ao volante do veículo de sua propriedade de marca “Lancia” e matrícula ..., na companhia de seu filho em direcção à casa onde este residia, facto que foi percepcionado pelo aqui arguido AA e CC, que se encontravam na altura, no interior da Pastelaria.

9.º Em hora não concretamente apurada, mas seguramente entre as 22h30m do dia 12 de março e as 01h00m do dia 13 de março de 2009, o arguido AA e outro individuo deslocaram-se para junto do canil onde sabiam que o mesmo, todas as noites, ia guardar a sua cadela, após se deslocar ao posto de abastecimento para recolher dinheiro.

10.º O arguido AA e outro individuo acima identificado, aguardaram junto ao referido canil pela chegada de FF, colocando-se num local escuro onde pudessem ocultar a sua presença e evitar serem reconhecidos por aquele quando chegasse, munidos da aludida substância sonífera e com a qual pretendiam pô-lo inconsciente.

11.º O Eduardo de Oliveira muniu-se de umas luvas de latex e trajava, além do mais, um sobretudo de cor cinza e umas sapatilhas pretas.

12.º Em hora não concretamente apurada, mas seguramente entre as 22h30m do dia 12 de março e as 01h00m do dia 13 de março de 2009, FF deslocou-se ao referido canil para guardar a sua cadela, momento em que foi abordado por trás, ou pelo arguido AA ou pelo outro individuo, que logo lhe colocou sobre a boca e nariz a substância sonífera já referida, para que o mesmo ficasse inconsciente e não tivesse oportunidade de se opor ou defender da intenção de ambos de lhe subtrair os bens que consigo trouxesse.

13.º Sucede que a referida substância não produziu o efeito pretendido e FF manteve-se consciente, tendo o mesmo, inclusive, logrado voltar-se para trás, altura em que reconheceu o co- arguido em processo conexo, CC.

14.º Apercebendo-se de tal circunstância e antevendo que FF gritasse por auxílio e, mais tarde, denunciasse às autoridades as suas condutas, o arguido AA e outro individuo acima identificado, tomaram, naquele momento, o propósito conjunto de lhe tirar a vida com vista a silenciá-lo definitivamente e impedir a descoberta do ilícito que se encontravam a praticar.

15.º Nessa sequência, o arguido AA e outro indivíduo acima identificado, muniram-se, pelo menos, do bloco de cimento que ali se encontrava, documentado na foto nº 16, e com o mesmo desferiram um número indeterminado de pancadas na cabeça de FF.

16.º Posto isto, o arguido AA e o outro indivíduo acima identificado revistaram o vestuário de FF que o mesmo trajava em busca das quantias monetárias que previam que aquele tivesse consigo e de outros objetos que lhes interessasse fazerem seus.

17.º Nessa sequência, o arguido AA e o outro indivíduo retiraram dos bolsos do vestuário de FF, pelo menos os seguintes objectos que fizeram seus:

- um número indeterminado de notas do Banco de Portugal Europeu mas que, seguramente, no total perfaziam uma quantia nunca inferior a 500,00 Euros;

- um telemóvel de marca e modelo desconhecidos com um valor não concretamente apurado;

- um conjunto de chaves com um valor não concretamente apurado;

18.º De seguida, o arguido AA e outro individuo acima identificado, pegaram no corpo de FF e arrastaram-no a sangrar em direcção ao canil ali existente, e, porque o mesmo ainda gemesse ou tivesse tentado reagir, ainda o agrediram junto ao canil com a pedra documentada na foto nº 22, colocando-o depois no interior do canil, onde o deixaram.

19.º O FF, acabou por perder a vida, em momento não concretamente apurado, mas situado entre as 10h00 do dia 12 de março de 2009 e as 01h00 do dia 13 desse mês e ano.

20.º Entre as chaves de que o arguido AA e o outro indivíduo se apropriaram, encontravam-se as chaves de acesso aos serviços do posto de abastecimento e da residência do ofendido,

21.º De seguida, munidos das referidas chaves do posto de abastecimento de que se haviam apropriado, o arguido AA e o outro individuo acima identificado, deslocaram-se para o referido posto com o propósito conjunto de aceder ao interior dos seus serviços e aí se apropriarem dos objetos que lhes interessasse e os fazerem seus.

22.º Chegados ao local, o arguido AA e outro individuo acima identificado colocaram na ranhura da porta a referida chave que previamente subtraído e, depois de a terem destrancado e aberto, introduziram-se no interior do edifício de apoio ao posto de abastecimento onde funcionavam os seus serviços.

23.º Já no seu interior, ou o arguido AA ou o outro indivíduo acima identificado desligou o alarme de segurança do espaço digitando no quadro alfa numérico o respetivo código de desativação.

24.º De seguida, deslocaram-se para o local onde sabiam que se encontrava escondida a chave de acesso à gaveta da máquina registadora e com o uso da mesma abriram a referida gaveta, daí retirando quantia de dinheiro não concretamente apurada.

25.º Posto isto, deslocaram-se para o compartimento do quadro elétrico onde sabiam que FF escondia uma quantia a título de fundo de maneio no interior de uma bolsa colocada em cima do referido quadro e dentro de uma caixa de cartão e retiraram o montante de €125,00, em notas do Banco Central Europeu.

26.º Retiraram ainda, o arguido AA ou o outro individuo, a cassete VHS do sistema de videovigilância do referido estabelecimento comercial e a mencionada chave de acesso à gaveta da máquina registadora.

27.º Munidos de tais objetos e quantias, que fizeram seus, o arguido AA e outro individuo abandonaram depois o referido espaço pelo mesmo local por onde ali haviam entrado.

28.º Ato seguido, deslocaram-se para a residência do FF e munidos com as chaves que anteriormente lhe tinham retirado, abriram a porta da habitação, introduzindo-se no seu interior, local onde estiveram a beber cervejas.

29.º Após, o arguido AA e outro individuo dirigiram-se para as suas residências.

30.º E cerca das 03h00, altura em que já trajava roupa totalmente diferente daquela que tinha vestido quando tinha saído de casa pelas 20h30m, o co-arguido em processo conexo, CC, encontrando-se já na sua habitação, colocou o sobretudo, as calças e a camisa, roupa que envergou para praticar os factos e que se encontrava ensanguentada, num saco de cor vermelha da loja “Worten”.

31.º Em seguida, queimou as sapatilhas, também por se encontrarem ensanguentadas, num forno a lenha existente no interior de uma cozinha localizada nas traseiras da sua habitação.

32.º Após, CC, cerca das 03h30, voltou a sair da habitação munido com o referido saco e dirigiu-se para o Rio ...., local onde arremessou o saco contendo as suas roupas.

33.º Na manhã do dia 13 de março de 2009, pelas 06h30, CC foi surpreendido pela sua mulher DD, sentado num canto da cama de ambos, segurando nas mãos um conjunto de notas do Banco Central Europeu amarrotadas, e uma delas ensanguentada.

34.º Surpreendida por CC ter consigo esse dinheiro, uma vez que no dia anterior se queixara de não ter dinheiro, DD questionou-o sobre o que havia sucedido, tendo o mesmo respondido “fiz uma coisa que não deveria ter feito”.

35.º Após diversas insistências por parte de DD, no final da tarde de 13 de março de 2009, pelas 18h30m, o arguido relatou-lhe os factos supra descritos, que ele e o aqui arguido AA tinham praticado.

36.º No dia 19 de março de 2009, pelas 08h30m, foram efetuadas pela Polícia Judiciária, no âmbito dos presentes autos, buscas à residência de CC por haver suspeitas de que o mesmo pudesse estar envolvido na prática dos factos.

37.º Apercebendo-se de tal circunstância, CC temeu que a sua mulher DD relatasse a alguém os factos que tinha cometido e que lhe havia confessado, caso viesse a ser inquirida no âmbito desses autos.

38.º A partir de então e até, pelo menos, Novembro/Dezembro de 2011, altura em que CC se ausentou para o Brasil, este passou a pressionar constantemente DD para que permanecesse calada, dizendo-lhe que a matava se contasse a alguém o que lhe tinha relatado e apontou-lhe uma pistola, com caraterísticas não concretamente apuradas, dizendo-lhe “se abres o bico, levas um estoiro e ainda te incrimino”.

39.º Receosa do que CC lhe pudesse fazer, DD quando foi inquirida pela Polícia Judiciária não contou nada do que aquele lhe tinha relatado até janeiro de 2012, não obstante ter sido formalmente inquirida pela polícia no âmbito dos presentes autos no dia 3 de fevereiro de 2011.

40.º Ao agir da forma descrita, atuou o arguido AA juntamente com outro indivíduo com o propósito concretizado de retirar pela força ao ofendido FF os bens que o mesmo consigo trouxesse, colocando-o em situação de impossibilidade de resistir àquela subtração, em virtude da força física exercida, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que o faziam contra a vontade do seu legítimo proprietário.

41.º Sabia o arguido AA e o outro indivíduo que ao penetrarem nas instalações do Posto de Abastecimento da “Repsol” e na residência d ofendido da forma descrita, com o uso de uma chave de acesso que sub-repticiamente haviam subtraído e da qual se haviam apoderado ilegitimamente, agiam sem autorização e contra a vontade de quem detinha em exclusivo a disponibilidade de tal espaço.

42.º Quando se apoderaram das quantias e objetos acima descritos nos pontos 24 e 25, agiram o arguido AA e o outro indivíduo com a intenção concretizada de os fazerem seus, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que o faziam contra a vontade do seu legítimo proprietário, FF.

43.º O arguido AA e o outro individuo apoderaram-se e fizeram seus os referidos objetos e quantias, integrando-os na sua esfera patrimonial, em prejuízo do seu legítimo proprietário e em seu único e exclusivo proveito.

44.º Como consequência direta e necessária da conduta do arguido AA e do outro individuo, FF sofreu lesões no hábito externo, concretamente na cabeça – equimose peri-orbicular, bilateral; múltiplas soluções de continuidade com bordos infiltrados de sangue, irregulares e com pontes tecidulares, localizadas nas regiões parietal, temporal e occipital direitas, e parietal e occipital esquerdas, a maior com quatro centímetros de comprimento; na metade esquerda da região frontal, solução de continuidade com bordos infiltrados de sangue, irregulares, contundidos e com pontes tecidulares, e equimose circundante, com quinze milímetros de comprimento; área equimótica interessando a metade esquerda da região frontal e toda hemiface esquerda, nesta área, várias soluções de continuidade com bordos infiltrados de sangue, irregulares, contundidos e com pontes tecidulares, as maiores localizadas na metade esquerda da região frontal e na pirâmide nasal e medem, cada, dois e meio centímetros de comprimento; mobilidade anormal da pirâmide nasal com desvio para a direita; no pavilhão auricular direito, laceração com um e meio centímetros de comprimento; na metade esquerda da região mentoniana, solução de continuidade com infiltração sanguínea dos bordos, que se apresentam irregulares, contundidos e com pontes tecidulares; mobilidade anormal da articulação têmporo-mandibular esquerda – na região dorso-lombar – na região na omoplata esquerda, múltiplas escoriações irregulares, ocupando uma área de dez por dois centímetros de maiores dimensões; na transição entre a região dorsal e a região lombar, múltiplas escoriações irregulares, de coloração avermelhada, ocupando uma área de vinte e oito por quinze centímetros de maiores dimensões; na metade direita da região lombar, escoriação irregular, de co vermelha, com três por dois e meio centímetros de maiores dimensões – no membro superior esquerdo – no dorso da mão direita, múltiplas escoriações, ocupando uma área de oito e meio por seis centímetros de maiores dimensões – no membro inferior direito – na face anterior do joelho, múltiplas escoriações de coloração avermelhada, ocupando uma área de quatro por cinco centímetros de maiores dimensões; no terço médio da face anterior da perna, múltiplas escoriações irregulares, ocupando uma área de seis e meio por dois centímetros de maiores dimensões –no membro inferior esquerdo – na face anterior do joelho, equimose contendo múltiplas escoriações de coloração avermelhada, ocupando uma área de sete por sete centímtros de maiores dimensões; no terço médio da face anterior da perna, múltiplas escoriações irregulares, ocupando uma área de quatro por três centímetros de maiores dimensões.

45.º Como consequência direta e necessária da conduta do arguido AA e do outro individuo, FF sofreu lesões no hábito interno, concretamente nas partes moles da cabeça - hematoma subgaleal bilateral, músculos temporais envolvidos por hematoma organizado; na abóbada do crânio fratura, cominutiva, com afundamento, com infiltração sanguínea dos bordos, interessando o frontal, ambos os parietais e temporais, correspondendo a uma área de 24 por 14 centímetros de maiores dimensões, fractura linear com infiltração sanguínea dos bordos, de ambas as escamas dos ossos temporais; na base do crânio, fratura, cominutiva, com infiltração sanguínea dos bordos, a nível do andar anterior, interessando o teto de ambas as órbitas, fratura linear, com infiltração sanguínea dos bordos, na metade esquerda do andar médio; na face, fratura dos ossos próprios do nariz e luxação da articulação têmporo-mandibular, esquerda, com infiltração sanguínea; nas meninges, múltiplas lacerações da dura máter, subjacentes às fraturas acima descritas, hematoma subdural bilateral, hemorragia subaracnoideia bilateral; no encéfalo, laceração na base de ambos os lobos frontais, com focos de contusão nos bordos, disposta paralelamente ao plano coronal, com 11 por 3 centímetros de maiores dimensões, interessando também ambos os tratos olfativos, focos de contusão corticais no lobo frontal direito e temporal esquerdo, presença de sangue no IV ventrículo e ventrículos laterias.

46.º Lesões, essas, crânio-meningo-encefálicas de natureza traumática, que determinaram, como consequência direta e necessária, a morte de FF.

47.º Agiu, assim, o arguido AA juntamente com outro indivíduo com o propósito concretizado de tirar a vida a FF, bem sabendo que ao desferirem-lhe várias pancadas na cabeça com um bloco de cimento e uma pedra, o poderiam matar, resultado que quiserem e lograram alcançar.

48.º Atuou o arguido AA e o outro indivíduo com a intenção de silenciar permanentemente FF para que este os não pudesse denunciar às autoridades, tendo em vista encobrir os crimes que se prestavam a praticar e, assim, assegurar a sua impunidade.

49.º Atuou o arguido AA e o outro individuo com total indiferença e desprezo pelo estado em que deixaram a vítima, arrastando o seu corpo até um canil e, em seguida dirigindo-se para o seu estabelecimento comercial e, posteriormente, para a sua residência, local onde ainda permaneceram por algum tempo a beberem cerveja.

50.º O arguido AA e o outro indivíduo atuaram, em conjugação de esforços e vontades, sempre de forma concertada, na prossecução de um plano que lhes era comum.

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2.1.2. Factos respeitantes ao percurso de vida do arguido, sua condição socioeconómica

51.º AA é natural de ..., contexto em que decorreu o seu processo de desenvolvimento junto do agregado de origem, que partilhou com o irmão, mais velho, numa dinâmica familiar disfuncional, e negativamente condicionada pela separação de facto dos progenitores, tinha então cinco anos de idade, e pela posterior emigração do pai para França.

O seu processo educativo decorreu em contexto económico e cultural estável e apoiado. A mãe, funcionária de uma escola, destacou-se como elemento mais próximo no âmbito do seu acompanhamento educativo, não obstante o apoio da avó e tia materna, assim como, posteriormente, do namorado da mãe.

Segundo a mãe, já na infância, AA se mostrava-se uma criança diferente, calmo e reservado, apresentava comportamentos e atitudes de maior maturidade e sentido de observação, designadamente, preferia relacionar-se com pessoas mais velhas.

AA teve um percurso escolar regular até à conclusão do 12º ano, com registos de um desempenho global médio, tendo frequentado paralelamente a ..., onde se habilitou com o 7º ano.

Candidato ao ensino universitário, foi admitido na Universidade em ..., vaga que não aproveitou, optando por se inscrever no ensino superior particular, no ..., o qual abandonou decorridos cerca de dois anos, após o que frequentou um Curso de Informática na ..., em ..., com o qual se certificou.

Com o intuito de poder proporcionar ao arguido alguma estabilidade laboral, a mãe estabeleceu-se com uma loja de lingerie no centro urbano de ..., que encerrou em 2007, onde AA trabalhou em horário complementar aos seus sucessivos empregos, em restaurantes, no Hotel ..., e como monitor no Espaço Internet, da Câmara Municipal  de ....

Após a não renovação do seu contrato laboral neste último posto de trabalho, foi admitido pelo proprietário do Posto de Abastecimento da ..., em ..., segundo refere, para gerir e trabalhar no Snack –Bar naquele espaço comercial, onde exerceu funções de Agosto de  2008 a Janeiro de 2009.

No período a que se reportam os factos, AA integrava o agregado da progenitora, residente em casa própria, com recurso a empréstimo bancário, na morada constante do processo.

O arguido encontrava-se a trabalhar na área da restauração, como empregado de mesa em restaurantes, sem vínculos laborais estáveis, que segundo expressa, na sua maioria não o realizavam nem profissional nem monetariamente, situação que motivou a sua saída do snack bar da Repsol, segundo refere.

Posteriormente iniciou trabalho com um amigo, proprietário do Bar ... Café Bar, onde se manteve em funções, em horário predominantemente noturno, até às 2horas.

Refere ter subsistido com uma situação económica modesta, mas suficiente para beneficiar de algum conforto, decorrente do vencimento da progenitora, e posterior pensão de reforma, e dos proventos que auferia do seu trabalho.

Decorridos cerca de dois anos, na procura de novas oportunidades, em Junho de 2016 emigrou para França, onde inicialmente residiu em casa do irmão, conseguindo trabalho na construção civil. Posteriormente arrendou uma casa, onde residiu com a progenitora, que reformada se juntou a ele, e passou a trabalhar como rececionista de hotel, designadamente, em Paris.

É em contexto profissional que conheceu a sua esposa, de nacionalidade Brasileira, à data hospedada no Hotel onde trabalhava, e com quem veio a casar em Abril de 2016 no Recife, Brasil, pais onde se manteve até à data da prisão. Perspectivavam logo que possível sedentarizar-se em Portugal, onde o casal partilharia o agregado com a filha dela, menor de idade.

O arguido é descrito pela mãe, como um homem equilibrado/controlado, não conflituoso, reservado, e pouco sociável, que não tinha por hábito partilhar os seus problemas e preocupações, e que só fala quando quer e/ou quando tem mesmo que falar.

AA mantinha um relacionamento familiar afetuoso e de entreajuda, beneficiando de apoio essencialmente por parte da mãe e do irmão, o qual ao longo da vida, e não obstante a sua emigração, sempre demonstrou uma atitude protetora para com o arguido.

Socialmente são-lhe conhecidos poucos amigos, uma relação de namoro durante vários anos no passado, convívio com um pequeno círculo de pessoas, transmitindo AA uma imagem de pessoa educada, reservada, pouco comunicativa e pouco empática, que não motivava/facilitava o diálogo com quem a ele se dirigia.

AA deu entrada preventivamente à ordem do presente processo no EP de Braga a 24 de Junho de 2017.

Em contexto prisional tem revelado uma postura relacional reservada, pouco sociável, evitando os contextos recreativos e de convívio com os outros reclusos, optando por se isolar na cela, a ler e a escrever, por vezes a frequentar a biblioteca, deslocando-se ao pátio exterior por curtos  períodos de tempo.

Face ao seu presente confronto judicial, adota um discurso em que não deixa transparecer qualquer tipo de emoção, verbalizando não se rever no teor da acusação que lhe é dirigida.

Perante a problemática criminal em causa, é capaz de emitir juízos de censura, de reconhecimento do ilícito criminal, bem como consciência da gravidade dos danos e vítimas.

AA sinaliza repercussões sociofamiliares e laborais decorrentes do presente processo, designadamente a sua atual privação da liberdade, e consequente distanciamento do seu agregado familiar constituído, que se mantem a residir no Brasil, a inatividade profissional e respetivas consequências económicas.

O arguido recebe visitas assíduas e regulares da mãe, e pontuais do pai e da esposa, em virtude de se encontrarem ambos a residir no estrangeiro.

A existência dos presentes autos é do conhecimento público, nomeadamente através da divulgação pelos meios de comunicação social, não parecendo ter tido significativas repercussões negativas na sua imagem social, em virtude das pessoas ainda se mostrarem incrédulas quanto à sua eventual responsabilidade.

AA regista exposição a uma dinâmica familiar disfuncional, com distanciamento afectivo do pai durante o seu processo de desenvolvimento e socialização.

Valorizou a componente escolar até à conclusão do ensino secundário, tendo abandonado o ensino superior para se dedicar a tempo inteiro ao exercício duma atividade profissional, que exerceu de uma forma globalmente regular, ainda que, com sucessivas mudanças de emprego e com vínculos laborais precários, o que não lhe permitia alcançar uma situação económica consonante com as suas expectativas.

Em contexto prisional tem revelado uma postura relacional reservada, pouco sociável, evitando contextos de convívio com outros reclusos, optando por se isolar na cela.

A nível familiar beneficia e mantém consistentes laços afetivos com o núcleo familiar de origem, e encontra-se ainda numa fase de consolidação do agregado familiar constituído.

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52.º Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido.

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2.1.3. Da contestação do arguido

53.º O arguido nasceu a .../1976, é natural de ..., onde viveu até ... de 2011;

54.º Concluiu o 12º ano de escolaridade em 1995, com a média final de 14 valores;

55.ºDesde que terminou a sua formação académica, o arguido foi recepcionista de Hotel, empregado de mesa, barman e, no período entre Setembro de 2008 e Fevereiro de 2009, trabalhou no estabelecimento comercial ... smack bar, onde teve uma participação social de 2% e exerceu as funções de gerente;

56.º Entre 06/03/2009 e 29/05/2009, o arguido frequentou e concluiu com aproveitamento, o curso de formação profissional “Formação Pedagógica Inicial de Formadores”, da responsabilidade da ...– Cooperativa de Produtores Agrícolas de ...;

57.º Em Junho de 2011, o arguido decidiu emigrar para ...;

58.º Já em ... o arguido procurou emprego através de uma empresa de trabalho temporário Adecco e RSI;

59.º Entre 10/05/2013 e 13/02/2014, passou a trabalhar como responsável do café da manhã no Hotel ..., em Paris;

60.º Entre 14/02/2014 e 31/01/2015, o arguido exercer as funções de recepcionista de noite no Hotel ..., em ...;

61.º Entre 01/02/2015 e 31/08/2015, o arguido passou a exercer as funções de recepcionista de Dia ( Font Desk), sempre no Hotel..., em ...

62.º Enquanto trabalhou no referido hotel, trabalhou ainda em tempo parcial para outras unidades hoteleiras, nomeadamente o ... e Hotel ...;

63.º Em Setembro de 2013, quando trabalhou no Hotel ..., em ..., o arguido conheceu GG, de nacionalidade ..., ... de profissão, especialista em ..., que ali se deslocou de férias com a sua mãe;

64.º A partir daí, o arguido e aquela cidadã mantiveram contato, trocaram mensagens por e-mail e whatsapp, acabaram por estabelecer um relacionamento amoroso;

65.º GG nasceu em .../1977, em ..., ...;

66.º Concluiu o curso de Medicina na Fundação Universidade de .... em 13/12/2001, recebendo o respectivo diploma em 15/01/2002 e está inscrita, desde 25/01/2002 como médica no Conselho Regional de ... do Conselho Federal de Medicina;

67.º Em .../2002, nasceu o primeiro filho de GG e do seu então companheiro e, em .../2003, quando se encontrava grávida da sua filha ..., o seu companheiro faleceu, tendo a filha nascido em .../2004;

68.º O filho foi entregue aos cuidados da família paterna e a filha ficou a cargo de GG;

69.º A certa altura do relacionamento com o arguido surgiu o projecto da GG mudar-se com a filha para França, tendo esta encetado contactos tendo em vista o reconhecimento do seu diploma em medicina nas universidades portuguesas, tendo para o efeito viajado por diversas vezes a Paris;

70.ºA dado momento, em face das dificuldades percepcionadas pela GG de obter o reconhecimento da sua equivalência do seu diploma de medicina na Europa, foi colocada a hipótese do arguido ir viver para o ....

71.º Em 15/09/2015 a 28/09/2015, o arguido viajou para o ..., no ..., onde passou férias com GG e filha desta;

72.º No dia 11/04/2016, o arguido viajou para o ..., com o propósito de ir viver com GG e com ela e sua filha constituir família;

73.º Em 22/04/2016, o arguido registou-se no Cadastro de Pessoas Físicas da Receita Federal do Ministério da Fazenda sob o nº ...;

74.º Em 20/05/2016, o arguido e GG celebraram Escritura Pública Declaratória de União Estável com Separação de Bens perante Tabelião Público no ..., Estado de ...;

75.º Em 01/08/2016, o arguido iniciou funções como Atendente da empresa Comercial da Casa dos Frios, LTDA, no município de ..., no ..., ao abrigo de um contrato de trabalho e Experiência;

76.º Em 24/08/2016, foi emitido termo de titularidade de Certificado Digital de Pessoa Física;

77.º Em 22/09/2016, celebraram Escritura Pública de Pacto Antenupcial com Separação Total de Bens perante Tabelião Público no ..., Estado de Pernambuco, ....

78.º Em 19/10/2016, o arguido e GG contraíram casamento, registado no Registo Civil da ..., 6º Distrito da Capital, no ..., ...;

79.º Em 01/11/2016, foi emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego – Secretaria de Políticas Públicas de Emprego, a Carteira de Trabalho e Previdência Social do arguido;

80.º Em 07/11/2016, foi emitida pelo Departamento Nacional de Trânsito do Ministério das Cidades, da Republica Federativa do ..., a Carteira Nacional de Habilitação para conduções de Veículos Automóveis do arguido.

81.º Em 17/01/2017, o arguido foi detido pelas autoridades ..., ao abrigo dos mandados de detenção internacional emitidos no âmbito do Processo nº 144/09.3JABRG, no qual em 30/05/2017, foi ordenada a separação de processos que deu origem aos presentes autos;

82.º Consta do Processo nº 144/09.3JABRG, a informação de que, em 01/03/2016, foram efectuadas chamadas telefónicas para o nº -- e -- para estabelecer contato com o arguido, sem sucesso;

83.º Consta também do referido processo a informação de que, em 12/03/2016, após deslocação dos OPC à sua residência, em ..., a mãe do arguido informou que o mesmo estaria a residir no ... e que poderia ser contatado através do número ...;

84.º O número correcto do arguido é ..;

85.º O arguido tinha prestado TIR com morada de ... e de ...;

86.º Desde que foi detido no ... e depois de ter permanecido em prisão preventiva em Portugal, a separação da família tem constituído para o arguido um motivo de grande sofrimento, tal como sucede com a sua esposa e filha;

87.º O arguido é pessoa respeitadora e respeitada, de caracter calmo, sensível, embora reservado;

88.º O arguido nunca foi julgado nem esteve preso, tendo bom comportamento anterior e posterior aos factos que lhe são imputados;

2.1.4. Do pedido cível do demandante/assistente BB

89.º FF nasceu em 13.07.1964, faleceu em ....2009, no estado de solteiro sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade tendo-lhe sucedido como único herdeiro, o filho BB.

90.º BB nasceu em ....1994.

91.º BB à data da morte do progenitor vivia com a progenitora.

92.º BB é estudante, encontrando-se matriculado no 2.º ano da licenciatura de bioquímica da Universidade ....

93.º À data do falecimento do pai do demandante aquele prestava-lhe ajuda monetária, em montante não concretamente apurado, e tinha prestativa de receber alimentos daquele até terminar os estudos superiores.

94.º O progenitor do demandante à data do seu decesso era proprietário de um estabelecimento de bombas de gasolina e de um snack-bar.

95.º O progenitor do demandante era uma pessoa saudável, ativa, trabalhadora e auferia rendimentos da sua atividade, de valor não concretamente apurado.

96.º O progenitor do demandante tinha alegria de viver e boas relações sociais e familiares.

97.º Com a morte do pai o demandante viu-se privado, na puberdade, do amparo social, familiar e económico daquele.

98.º Sentindo-se desprotegido, sem uma figura masculina de referência que o acompanhasse nas festas, ao futebol, ao andebol e a outras manifestações desportivas típicas masculinas.

99.º O que determinou grande sofrimento, angústia, tristeza e revolta, perda de alegria de viver e da própria autoestima. E um grande sentimento de mágoa e de impotência, por não ter podido evitar a agressão que o seu pai sofreu.

101.º O FF percebeu que o demandado o ia matar para ocultar os seus crimes de roubo e sentiu-se impotente e indefeso, durante todo o tempo em que foi agredido, até à sua morte.

101.º Sofreu violentas dores físicas, previu a sua morte, teve permanente estado de pânico durante toda a agressão.

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2.1.5. Do pedido cível demandante Centro Nacional de Pensões/Instituto de Segurança Social I.P.

102.º O Centro Nacional de Pensões/Instituto de Segurança Social, pagou ao beneficiário por morte de FF, BB a quantia de €17.264,19, de subsídio de morte e pensão de sobrevivência, sendo €2.901,50 de subsídio por morte e €14.362,69 de subsidio de sobrevivência no período de abril de 2009 a setembro de 2017.

103.º O ISS,IP/CNP continuará a pagar ao filho BB as pensões de sobrevivência, enquanto se encontrar nas condições legais, com inclusão de um 13º mês de pensão.

104.º O valor atual e mensal da pensão de sobrevivência é de €122,38.

*

B) Factos não provados (transcrição)

2.2.1. Da acusação

a) Que o co-arguido em processo conexo, CC, depois de terem seguido os movimentos do ofendido, a partir da Pastelaria “...”, se tenham deslocado para a residência do ofendido;

b) Que a substância sonífera referida em 10 dos factos provados foi embebida num pano.

c) Que o sobretudo usado Por CC tivesse botões redondos clássicos.

d) Que, quando abordaram o ofendido por trás, o arguido e o outro indivíduo tenham usado um pano embebido na substância sonífera;

e) Que, por ter permanecido consciente, quando olhou para trás, a vítima tenha conhecido também o aqui arguido;

f) Que o arguido AA e o outro individuo no momento referido em 15.º dos factos provados só tenham parado de desferir pancadas na cabeça do FF quando o mesmo jazia já sem vida no chão e nessa altura o tenham revistado;

g) Que o valor do telemóvel de que se apropriaram não fosse inferior a 120,00 Euros;

h) Que o valor das chaves de que se apropriaram não fosse inferior a 10,00 Euros;

i) Que o arguido AA e outro indivíduo tenham fechado a porta do canil para que o FF não fosse facilmente encontrado;

k) Que tenham retirado do interior da gaveta da caixa registadora a quantia de 35,70 Euros, em notas do Banco Central Europeu;

l) Que da bolsa referida em 25.º dos factos provados, para além da quantia aí referida, tenham retirado mais €12,60, quantia que tinha sido ali colocada, no dia anterior, por HH.

m) Que do interior da residência de FF, tenham retirado a quantia de € 300,00 que se encontrava em cima do frigorífico.

n) Que o arguido tenha atuado com premeditação e calma, aquando do cometimento dos factos que levou à morte de FF.

o) Que quando o corpo foi arrastado até ao canil e aí foi colocado, já jazesse sem vida;

p) Não tiveram assento na factualidade provada os factos relativos aos pontos 51º a 53º da factualidade provada porque respeitam apenas em exclusivo ao co-arguido em processo conexo, CC e, nessa medida, não foram objeto destes autos.

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2.2.2. Do pedido cível deduzido pelo assistente

q) FF auferia mensalmente, contando com salários, lucros e valorização dos meios produtivos, uma quantia nunca inferior a €1.000,00 mensais.

r) FF no momento que estava a ser agredido previu e teve pânico da desgraça que ia cair sobre a sua família, designadamente sobre o demandante que ficaria desprotegido.

s) O demandante sentiu e sofreu alterações da situação económica e financeira, tendo-se visto privado de muitas coisas materiais que estava habituado

<>

Cumpre apreciar e decidir.

Como se sabe, as conclusões da motivação delimitam o objecto do recurso, uma vez que resumem as razões do pedido - artº 412º nº 1 do CPP.

Questão prévia:

Nas conclusões 1 a 3, da motivação do recurso, o recorrente invoca omissão de pronúncia relativa a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, arguindo em consequência a nulidade nos termos e para os efeitos do disposto na al. c), do n.º 1, e no n.º 2, do art. 379.º do CPP, aplicável ex vi n.º 4, do art. 425.º do CPP.

E, “caso se entenda que não se verifica a nulidade acima alegada nas Conclusões Primeira, Segunda e Terceira, a apreciação feita pelo Tribunal a quo da matéria alegada nas conclusões 38.ª e 39.ª no âmbito de “erro notório na apreciação da prova”, nos termos do disposto na al. c), do n.º 2, do art. 410.º do CPP enferma de erro de julgamento, pois a questão suscitada pelo recorrente devia ser apreciada no âmbito de impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto dos pontos 12.º, 14.º, 18.º, 40.º, 44.º, 45.º, 47.º, 48.º, 49.º e 50.º dos factos provados, nos termos do disposto no n.º 3, do art. 412.º do CPP.”

Analisando:

O recorrente na motivação do recurso, diz que “alegou a distinção, no âmbito da comparticipação, entre co-autoria e cumplicidade, especificou os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e indicou os concretos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida.

Assim, com todo o respeito, ainda que entendesse que, em rigor, não se verificava “erro notório na apreciação da prova”, na aceção prevista na al. c), do n.º 2, do art. 410.º do CPP, aquilo que era exigível ao Tribunal a quo, era que apreciasse a questão de saber se a prova produzida apenas permitiria sustentar a inclusão, nos factos provados, de matéria que, quando muito, permitisse fundamentar uma condenação por cumplicidade, no âmbito de impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 3, do art. 412.º do CPP, o que claramente corresponde ao que foi visado com as alegação e as conclusões do recorrente.”

Embora o nº 1 do artº 410º do CPP, refira: “Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, vem sendo entendido por este Supremo, que os vícios constantes do artigo 410º nº 2 do CPP, apenas podem ser conhecidos oficiosamente e, não quando suscitados pelos recorrentes.

È certo que dispõe o nº 2 do artigo 410º:

Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum  (sublinhado nosso):

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada,

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

É certo também que o artº 434º do CPP determina que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410º nºs 2 e 3 , - artº 434º do CPP

Mas, isto significa que sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, só conhece dos vícios aludidos no artigo 410º nº 2, de forma oficiosa, por sua própria iniciativa, quando tais vícios se perfilem, que não a requerimento dos sujeitos processuais.

Mesmo nos recursos das decisões finais do tribunal colectivo, o Supremo só conhece dos vícios do art. 410º, nº 2, do CPP, por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente, que, para o efeito, sempre terá de se dirigir à Relação.

Esta é a solução que está em sintonia com a filosofia do processo penal emergente da reforma de 1998 que, significativamente, alterou a redacção da al. d) do citado art. 432., fazendo-lhe acrescer a expressão antes inexistente "visando exclusivamente o reexame da matéria de direito", filosofia que, bem vistas as coisas, visa limitar o acesso ao Supremo Tribunal, sob pena do sistema vigente comprometer irremediavelmente a dignidade deste como tribunal de revista que é.(v Acórdão deste Supremo Tribunal de 09-11-2006 Proc. n. 4056/06 - 5.a Secção)

Com tal inovação, o legislador claramente pretendeu dar acolhimento a óbvias razões de operacionalidade judiciária, nomeadamente, restabelecendo mais equidade na distribuição de serviço entre os tribunais superiores e garantir o desejável duplo grau de jurisdição em matéria de facto.

Esta posição nada tem de contraditório, já que a invocação expressa dos vícios da matéria de facto, se bem que algumas das vezes possa implicar alguma intromissão nos domínios do conhecimento de direito, leva sempre ancorada a pretensão de reavaliação da matéria de facto, que a Relação tem, em princípio, condições de conhecer e colmatar, se for caso disso, sendo claros os benefícios em sede de economia e celeridade processuais que, em casos tais, se conseguem, se o recurso para ali for logo encaminhado.

Como se decidiu por ex. no Acórdão de 8-11-2006, deste Supremo Tribunal, in Proc. n. 3102/06- desta 3.a Secção: Os vícios elencados no art. 410º, nº 2, do CPP, pertinem à matéria de facto; São anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito. Também o apelo ao princípio in dubio pro reo respeita à matéria de facto.

Se o agente intenta ver reapreciada a matéria de facto, esta e a de direito,, recorre para a Relação; se pretende ver reapreciada exclusivamente a matéria de direito recorre para o STJ, no condicionalismo restritivo vertido nos arts. 432º e 434º do CPP, pois que este tribunal, salvo nas circunstâncias exceptuadas na lei, não repondera a matéria de facto.

É ao tribunal da relação a quem cabe, em última instância, reexaminar e decidir a matéria de facto. - arts. 427º e 428º do CPP.

A reforma do Código de Processo Penal operada pelas Leis nº 48/2007 de 29 de Agosto, nº 26/2010, de 30 de Agosto, e nº  20/2013, de 21 de Fevereiro, não alteraram esse entendimento.

Do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não se perfila  a existência de qualquer dos vícios aludidos no nº 2 do artº 410º do CPP.

A matéria de facto provada é bastante para a decisão de direito, inexistem contradições insuperáveis de fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, não se afigurando, por ouro lado, que haja situações contrárias à lógica ou à experiência comum, constitutivas de erro patente detectável por qualquer leitor da decisão, com formação cultural média.

Como já salientava o Acórdão deste Supremo de 13 de Fevereiro de 1991, (in AJ, nºs 15/16, 7), se o recorrente alega vícios da decisão recorrida a que se refere o nº 2 do artº 410º do CPP, mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no artº 127º do CPP.

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O artigo 379º do Código de Processo Penal, determina que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. (nº 1 al. c))

Mas, a discordância do recorrente no modo de valoração das provas, e no juízo resultante dessa mesma valoração, não traduz omissão de pronúncia ao não coincidir com a perspectiva do recorrente sobre os termos e consequências da valoração dessas mesmas provas, pelo que não integra qualquer nulidade, quando o tribunal se orientou na valoração das provas de harmonia com os critérios legais.

No caso dos autos o recorrente implicitamente questiona o modo de valoração das provas.

Ora a valoração da prova integra objecto de recurso em matéria de facto, da estrita competência do Tribunal da Relação.

Por isso, a nulidade por omissão de pronúncia não se verifica por a matéria de facto fixada, enquanto tal estar subtraída ao conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça, que nela não detecta vícios.

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A alegação de erro de julgamento na qualificação e determinação do quadro legal aplicável é questão de direito que se inclui nos poderes de cognição deste Supremo Tribunal de Justiça, em âmbito de recurso legalmente admissível.

O objecto do recurso, como definido pelo recorrente, convoca a questão prévia da (in)admissibilidade de recurso, quanto a determinados ilícitos criminais

O presente recurso foi interposto posteriormente à data da entrada em vigor da Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, que procedeu à alteração do Código de Processo Penal (CPP).

     Somente é admissível recurso para o Supremo Tribunal de justiça, nos casos contemplados no artigo 432º e, sem prejuízo do artº 433º, do Código de Processo Penal.

     No que aqui importa, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: “De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º” (artº 432º nº 1 al. b) do CPP)

     O artigo 400º nº 1 al. f) do CPP, determina porém, que não é admissível recurso: “De acórdãos condenatórios, proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”

O acórdão recorrido ao negar provimento aos recursos relativamente aos ora recorrentes, confirmou as penas aplicadas pela 1ª instância, entre as quais se incluem as penas não superior a 8 anos de prisão.

Logo não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quanto às penas aplicadas que não sejam superiores a 8 oito anos de prisão, ou seja, somente é admissível recurso para o Supremo das penas que aplicadas que sejam superiores a oito anos de prisão,

Na verdade:

O artigo 400º do Código de Processo Penal, referindo-se às “decisões que não admitem recurso”, na redacção vigente anteriormente à lei nº 48/2007 de 29 de Agosto de 2007, estabelecia:

“1. Não é admissível recurso:

a) De despachos de mero expediente;

b) De decisões que ordenam actos dependentes de livre resolução do tribunal;

c) De acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa:

d) De acórdãos absolutórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância;

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16º nº 3.

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções;

g) Nos demais casos previstos na lei.

Por sua vez, o artº 432º do mesmo diploma adjectivo, ao contemplar o “Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”, referia:

“Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em primeira instância;

     b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º;

     c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri;

     d) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;

     e) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

Com a revisão do Código de Processo Penal, operada pela Lei nº 48/2007 de 24 de Setembro de 2007, o artigo 400º passou a estabelecer:

1. Não é admissível recurso:

a) De despachos e mero expediente;

b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;

c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam a final, do objecto do processo;

 d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância;

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade;

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

g) Nos demais casos previstos na lei.

(…)

E, do artigo 432º passou a constar:

“Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em primeira instância;

     b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º;

     c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri, ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;

     e) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

.

O direito ao recurso inscreve-se numa manifestação fundamental do direito de defesa, no direito a um processo justo, que não demanda o seu exercício em mais de um grau, satisfazendo-se com a reapreciação, em tempo razoável, por um tribunal independente, imparcial e estabelecido por lei, situado num plano superior àquele de que se recorre, como também resulta do art. 13.º da CEDH.

Conforme jurisprudência pacífica deste Supremo, a lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão de que se recorre. (v, entre outros v. g. ac.s de 17.12.69 in BMJ 192,p 192 e de 10.12.1986 in BMJ 362, p. 474)

De harmonia com o acórdão de 29 de Maio de 2008 in proc. nº 1313 da 5ª Secção, para o efeito do disposto no art.º 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, os direitos de defesa, para além dos que têm eficácia em todo o decurso do processo (art.º 61.º, n.º 1), são apenas os que se encontram consignados para a fase processual em curso no momento da mudança da lei.

A prolação da decisão final na 1ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X).

Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.

A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.

É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1ª instância o mandasse admitir.

É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.

A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.

     A lei reguladora da admissibilidade do recurso – e, por consequência, da definição do tribunal de recurso – será assim, a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a da 1.ª instância, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido. – v. Ac. deste STJ de 18-06-2008, Proc. n.º 1624/08 - 3.ª.

     A decisão final da 1ª instância, já no domínio da lei nova, de que foi interposto recurso e que originou a decisão ora recorrida, deu início à fase de recurso, possibilitando ao arguido a inscrição nas suas prerrogativas de defesa do direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.

Face ao art. 400. n.1, f) do Código de Processo Penal na redacção anterior à lei 48/2007 de 29 de Agosto, era jurisprudência comum do Supremo (v. Ac. de 08-11-2006, Proc. n. 3113/06 - desta Secção, entre outros - que não era admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmassem decisão de 1ª instância, em processo por crime a que fosse aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções, face à denominada "dupla conforme".

Entendia-se que a expressão «mesmo em caso de concurso de infracções», constante da al. f) do n.° 1 do art. 400.° do CPP, significava que, apesar de no caso se configurar um concurso de infracções, a regra primária da referida norma continuava a valer, incluindo nela também as situações em que os crimes do concurso se integrem nos limites da primeira referência a «pena aplicável», isto é, em que uma das penas aplicáveis a um dos crimes do concurso não ultrapassasse 8 anos de prisão havendo identidade de condenação nas instâncias.

Nesta ordem de ideias, desde que a pena abstractamente aplicável  independentemente do concurso de infracções, não fosse superior a oito anos, não seria admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, (na tese usualmente seguida pelo Supremo), sendo que uma outra tese, não seguida por esta Secção, entendia que na interpretação mais favorável para o recorrente, apenas seria admissível recurso da pena conjunta que correspondesse ao concurso de crimes a que fosse aplicável pena de prisão superior a oito anos.

Com a revisão do Código de Processo Penal operada pela referida Lei a al. f) do artº 400º deixou de subsistir o critério do “crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos”, para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a 8 anos.

Daí que se eliminasse a expressão “mesmo no caso de concurso de infracções.”

Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo, se a condenação confirmada, não ultrapassar 8 anos de prisão.

Ao invés se ao crime não for aplicável pena superior a 8 anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar oito anos de prisão, decorrente de cúmulo e restrito então o recurso à pena conjunta.

  Como se refere no citado acórdão deste Supremo e desta Secção de 20-02-2008, in Proc. n.º 4838/07): Por efeito da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, foi alterada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, tendo-se limitado a impugnação destas decisões, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos – redacção dada à al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP –, quando no domínio da versão pré-vigente daquele diploma a limitação incidia relativamente a decisões proferidas em processo por crime punível com pena de prisão não superior a 8 anos.

Conforme Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/2009 in DR 55 SERIE I de 2009-03-19:

Nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, é recorrível o acórdão condenatório proferido, em recurso, pela relação, após a entrada em vigor da referida lei, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a oito anos, que confirme decisão de 1.ª instância anterior àquela data.

    As leis posteriores que reviram o Código de Processo Penal, mantiveram a mesma situação.

O artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não confere a obrigatoriedade de um duplo grau de recurso, ou terceiro grau de jurisdição, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.

As legítimas expectativas criadas foram acauteladas constitucionalmente, na situação concreta, com o recurso interposto para a Relação, por força da conjugação do artº 432º nº 1 al. c) e 427º, ambos do CPP, e o contraditório inerente, quer por força do disposto no artº 414º nº 1 do CPP, quer por força do artº 417º nº2, ambos do CPP.

Não há qualquer violação de normas constitucionais.

Ora o que se constata é que foi decidido nos autos:

“ 1.º Absolver o arguido AA da prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. f) e 2, alínea e), ambos do Código Penal;

2.º Condenar o arguido AA, em co-autoria, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de três anos de prisão;

3.º Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alínea g), ambos do Código Penal, na pena de dezasseis anos de prisão;

4.º Condenar o arguido AA, em co-autoria, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, nº 2, alínea e), ambos do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão;

5.º Em sede de cúmulo jurídico das penas parcelares de 2 a 4 deste dispositivo, condena-se o arguido AA na pena única de dezoito anos de prisão.

7.º Condena-se o arguido AA no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC, art.º 513.º do C.P.P. e do art.º 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, por referência à Tabela III anexa a este Regulamento.”

     Por sua vez o Tribunal da Relação acordou em julgar improcedente o recurso,

    

Consequentemente, atenta a dupla conforme, apenas é admissível recurso relativamente ao crime a que foi aplicada pena superior a 8 anos, e que é  o referente ao crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alínea g), ambos do Código Penal, na pena de dezasseis anos de prisão, pelo qual o arguido recorrente foi condenado em co-autoria na pena de 16 anos de prisão, sendo, por conseguinte, também admissível o recurso relativamente à pena do cúmulo.

È pois de rejeitar o recurso quanto aos demais ilícitos criminais por que foi condenado,

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Alega o recorrente nas seguintes conclusões que:

      “A norma constante do n.º 1, do art. 129.º do CPP tem natureza excecional e não admite interpretação analógica, pelo que, tendo em conta a letra da lei, bem como essa natureza excecional, deve concluir-se que a exceção prevista no n.º 1, do art. 129.º do CPP só é aplicável nos casos em que a fonte assume a qualidade processual de testemunha.

     Sétima: A fonte do depoimento indireto da testemunha DD - CC, co-arguido em processo conexo - estava impedida de depor e não prestou consentimento para depor como testemunha, concluindo-se assim, de acordo com o disposto na al. a), do n.º 1 e no n.º 2, do art. 133.º do CPP não era testemunha, pelo que não estavam reunidas as condições legalmente previstas no n.º 1, do art. 129.º do CPP para a valoração do depoimento indireto, não sendo admissível a interpretação analógica da norma, em virtude da sua natureza excecional.

     Oitava: Ao ter valorado um depoimento indireto cuja fonte não era uma testemunha, o Tribunal a quo violou as disposições conjugadas do n.º 1, do art. 128.º, da al. a), do n.º 1, e do n.º 2, do art. 129.º, e do art. 133.º, todos do CPP.

     b)

     Nona: A norma do n.º 1, do art. 129.º do CPP só terá um conteúdo normativo útil, se for interpretada no sentido de que o depoimento indireto só pode ser valorado, se ao arguido for garantida a possibilidade de exercício do contraditório e ao mesmo for atribuída a garantia de um julgamento submetido ao princípio da imediação, sendo que a lei apenas prevê a limitação dessas garantias nos casos excecionalmente previstos na parte final do n.º 1, do art. 129.º.

     Décima: O recorrente não teve qualquer hipótese de controlar a razão de ciência do depoimento indireto da testemunha DD, não teve a mínima possibilidade de se defender e exercer o contraditório sobre a existência, ou teor, daquilo que a testemunha DD diz ter ouvido do seu ex-marido, CC, nem teve a possibilidade de inquirir diretamente a suposta fonte do depoimento indireto, não se tendo verificado qualquer das circunstâncias excecionalmente previstas na parte final do n.º 1, do art. 129.º do CPP.

     Décima Primeira: Não foram asseguradas ao recorrente as garantias do contraditório e da prossecução da imediação, nem se verificou qualquer das circunstâncias excecionalmente previstas no n.º 1, do art. 129.º do CPP, pelo que, também por essa razão, o Tribunal a quo não podia ter valorado o depoimento da testemunha DD e, ao fazê-lo, violou a referida norma.

     c)

     Décima Segunda: Não é compatível com um estado de direito democrático, baseado na dignidade da pessoa humana e informado pelos princípios da garantia dos direitos de defesa do arguido e do respeito pelo contraditório, que uma pessoa possa ser condenada com base num depoimento indireto, não confirmado pela respetiva fonte, nem tendo o arguido, por razões que lhe são absolutamente alheias, sequer tido a possibilidade de inquirir essa fonte, por forma a poder exercer plena e efetivamente o seu direito ao contraditório.

    Décima Terceira: Não é compatível com os princípios constitucionais e de direito internacional da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência e do respeito pelas garantias de defesa do arguido, que o legislador ordinário possa considerar a possibilidade de certeza, para além de toda a dúvida razoável, da prática de factos que consubstanciam a prática de crimes, com base num depoimento indireto, em que a fonte é um co-arguido em processo conexo, que se recusa a prestar consentimento em depor como testemunha.

     Décima Quarta: No confronto entre o princípio do nemo tenetur com os direitos de defesa do arguido, não pode, nem há necessidade, que esse confronto seja resolvido em prejuízo do arguido, daí que não se possa aceitar que o exercício desse direito seja utilizado para valorar um depoimento indireto contra o outro co-arguido, sob pena de violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da presunção da inocência, das garantias de defesa e do contraditório.

     Décima Quinta: As normas do n.º 1, do art. 129.º, da al. a), do n.º 1, e do n.º 2, do art. 133.º, todos do CPP, com a interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal a quo, no sentido da admissibilidade de valoração de depoimento indireto, cuja fonte é um co-arguido em processo conexo, que não prestou consentimento para depor como testemunha, enfermam de inconstitucionalidade por violação dos princípios constitucionais da presunção de inocência, das garantias de defesa do arguido e direito ao contraditório, consagrados nos n.os 1 e 5, do art. 32.º da CRP, da imediação, decorrente do princípio do estado de direito, consagrado no art. 2.º da CRP, bem como violam o disposto na al. d), do n.º 3, do art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e o disposto no n.º 2, do art. 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,”

     Vejamos:

Como supra se referiu, a valoração da prova integra objecto de recurso em matéria de facto, da estrita competência do Tribunal da Relação As questões suscitadas relativamente à discordância em relação à forma como o tribunal de 1.ª instância decidiu a matéria de facto, constituem matéria especificamente questionada, integrando-se em objecto de recurso em matéria de facto, estranha aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, que sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do CPP, efectua exclusivamente o reexame da matéria de direito.- artº 434º do CPP.

Sendo certo que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2ª instância, mas dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que lhe tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa e não indiscriminadamente todas as provas produzidas em audiência.

O artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não confere a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, assegura sim, o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.

Ao Supremo Tribunal como tribunal de revista, apenas caberá pronunciar-se sobre nulidades, nomeadamente se foram preteridas provas, se foi omitida a produção de alguma prova ou se foram produzidas provas proibidas, ou se as provas produzidas resultaram de meios de obtenção de prova não permitidos por lei, ou se foram valoradas contra legem,

Por outro lado, cumpre notar que o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127.° do CPP.

O processo penal fundamenta-se e, é conduzido, de harmonia com as exigências legais da produção e exame de provas legalmente válidas, com vista à determinação da existência de infracção, identificação do seu agente e definição da sua responsabilidade criminal.

A actividade probatória consiste na produção, exame e ponderação dos elementos legalmente possíveis a habilitarem o julgador a formar a sua convicção sobre a existência ou não de concreta e determinada situação de facto.

Como se sabe, no sistema processual penal, vigora a regra da livre apreciação da prova, em que conforme artº 127º o CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.- artº 125º do CPP

    Costuma distinguir-se entre prova directa e prova indiciária, referindo-se aquela ao thema probandum, aos factos a provar, e respeitando a prova indirecta ou indiciária a factos diversos (instrumentais) do tema probatório, mas que possibilitam, pelo uso das regras da experiência, extrair ilações no domínio do thema probandum, de convicção racional e objectivável do julgador.

A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em 1.ª instância.,

O citado art. 127.° indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.

O princípio da legalidade da prova perfilhado pelo artº 125º do CPP considera “admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.”

     Como já referia, por ex. o acórdão deste Supremo e desta Secção, de 23 de Julho de 1999, proc. nº 650/98, in SASTJ, nº 32,. 87) Em processo penal não existe um verdadeiro ónus da prova em sentido formal; nele vigora o princípio da aquisição da prova ligado ao princípio da investigação, donde resulta que são boas as provas validamente trazidas ao processo, sem importar a sua origem, devendo o tribunal, em último caso, investigar e esclarecer os factos na procura da verdade material.

     Perante as provas admissíveis, é dos princípios gerais da produção da prova que o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa – v. artº 340º nº 1 do CPP – sem prejuízo do contraditório (v. nº 2 do preceito)

     Vigora, como se referiu, o princípio da livre apreciação da prova, conforme artº 127º do CPP, que dispõe: - Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

     O Código de Processo Penal não enumera taxativamente as provas proibidas, mas aponta limites à produção de provas e à sua valoração.

     Assim, considera métodos proibidos de prova os indicados no artº 126º considerando “nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.” nº 1, descrevendo as que são ofensivas da integridade física ou moral das pessoas, mesmo que com consentimento delas” (nº2) e, ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas as provas obtidas nos termos  do nº 3 do mesmo preceito

Quanto á proibição de valoração de provas, como resulta do artº 355º do CPP, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, ressalvando-se apenas as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas,

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Quanto a depoimentos indirectos :poderá dizer-se:
Como se sabe, a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova. – art~128º do CPP.
Porém, conforme artigo 129º do CPP:
1. Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.
2. O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento da autoria de pessoa diversa da testemunha
3. Não pode em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através dos quais tomou conhecimento dos factos.
Por sua vez, do artigo 343º nº 1 do CPP, resulta que o arguido “tem direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo, sem que no entanto, a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo.”
O Tribunal Constitucional já decidiu – Ac. nº 440/99, de 8 de Julho, proc. nº 268/99, DR, II série, de 9 de Novembro de 1999, que o artigo 129º nº 1 (conjugado com o artº 128º nº 1) do CPP, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido. Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal forma não é inconstitucional.
A prova por ouvir dizer, quando reportada a afirmações produzidas extraprocessualmente pelo arguido é passível de livre apreciação pelo tribunal quando o arguido se encontre presente em audiência e, por isso, com plena possibilidade de a contraditar, ou seja, de se defender.

Como referiu este Supremo, Ac.  25-01-2006, Proc. n.º 184/06 desta Secção, de acordo com o disposto no art. 129.°, n.º 1, do CPP, quando o depoimento indirecto resulta do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, dever-se-á considerar válido e, portanto, valorável, quando depõe perante o tribunal aquele a quem a testemunha ouviu dizer..
Não há prejuízo para o direito de defesa do arguido que, presente, poderá contraditar a informação, ou remeter-se ao silêncio, sem que este o possa desfavorecer.
O facto de o arguido nada dizer, significa que não podem extrair-se ilações sobre o seu silêncio.
Mas, não significa, que não possam valorar-se depoimentos, nas respectivas condições legais por não constituíam provas proibidas por lei, ficando sujeitas à valoração constante do artigo 355º do CPP, e à  livre apreciação nos termos do artigo 127º do CPP, sendo que por outro lado, inclui-se nos poderes de cognição do tribunal, balizado pelos princípios da necessidade, legalidade, adequação e obtenibilidade das provas, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. – artº 340º do CPP.
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Relativamente a depoimentos de agentes policiais, o nº 7 do artº 356º do C.PP., apenas proíbe que os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha possam ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
Concorda-se pois com Maia Gonçalves, (Código de Processo Penal, anotado, 16º edição, 2007, p. 741, nota 7, quando refere: “o nº 7 proíbe apenas a reprodução daquelas declarações cuja leitura não é permitida, como aí claramente se expressa e resulta do pensamento legislativo. Consideramos assim, manifestamente errada a interpretação que por vezes se tem dado a esse dispositivo de que os órgãos de polícia criminal não podem ser testemunhas no processo”
Como se considerou no Ac. deste Supremo e 3ª Secção de 04-01-2007, in Proc. n.º 3111/06 -
Para garantir a eficácia e reforçar a consistência do conteúdo material do princípio nemo tenetur, a lei portuguesa impõe às autoridades judiciárias ou órgãos de polícia criminal, perante os quais o arguido é chamado a prestar declarações, o dever de esclarecimento ou advertência sobre os direitos decorrentes daquele princípio (cf., v.g., arts. 58.º, n.º 2, 61.º, n.º 1, al. g), 141.º, n.º 4 e 343.º, n.º 1, todos do CPP, normas cuja eficácia é, por seu turno, contrafacticamente assegurada através da drástica sanção da proibição da valoração – art. 58.º, n.º 3, do mesmo diploma).
«Não há conversas informais, com validade probatória à margem do processo, sejam quais forem as formas que assumam, desde que não tenham assumido os procedimentos de recolha admitidos por lei e por ela sancionados... (as diligências são reduzidas a auto – art. 275.º, n.º 1, do CPP. Haveria fraude à lei se se permitisse o uso de conversas informais não documentadas e fora de qualquer controlo» (cf. Ac. do STJ de 11-07-2001).
Qualquer arguido goza do direito ao silêncio e à assistência de defensor no acto do seu interrogatório, e sem que o silêncio o possa desfavorecer.

Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.

Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas.

Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.

De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP).

     Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.

Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito.

O que o art. 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249.º do CPP. (v. Ac. do STJ de 15-02-2007, Proc. n.º 4593/06 - 5.ª Secção)

Na verdade, se qualquer suspeito, de sua livre vontade e iniciativa fornece dicas ou informações relevantes para a investigação policial, à autoridade que investiga e que utiliza tais informações na investigação, não se pode dizer que a prova da investigação assenta em conversas informais, mas sim nas diligências e actuações da entidade policial que devem decorrer de harmonia com o princípio da legalidade das provas quer no conteúdo quer na forma, não ficando por isso, inibida a autoridade investigatória de explicar os termos da sua investigação e das bases em que assentou.

    

Há três patamares de recolha de prova:

A voluntariamente cedida à entidade investigatória, que respeitando à mera investigação policial cautelar e urgente, nos termos do artº 249º do CPP, não é proibida

A resultante de conversas informais, havendo já inquérito instaurado, que é proibida, por constituir uma maneira indirecta ou capciosa de obtenção de prova através de confissão, prejudicando o eventual direito ao silêncio do arguido que nunca o pode desfavorecer.

A validamente obtida de harmonia e nos termos do Código de Processo Penal, havendo inquérito instaurado, que é sempre permitida.

     Os depoimentos dos agentes policiais constituiriam meio de prova proibido se na sua investigação policial se fundassem em declarações dos arguidos, obtidas, de forma fraudulenta, sob coacção, ou com meios enganosos,  violando  o direito deles,  á sua livre autodeterminação no exercício do direito de expressão e colaboração, ou, se se substituíssem ás exigências legais ou proibições processuais de produção de prova, desprezando-as ou aniquilando-as.

     O artº 356º nº 7 do CPP, pretende abarcar a credibilidade e validade da prova, delimitada em actos processuais mas já não exclui a colaboração voluntária e livre de motu proprio, de quem quer que seja, no apuramento dos factos em sede de investigação meramente policial.

    

     Se um dos fins do processo penal é a busca da verdade material obtida, não a tudo o custo, mas de forma legalmente válida através de prova não proibida e de meios de prova válidos na sua obtenção, não há contudo, nem podia haver, uma proibição de colaboração ou de ajuda ( mesmo que provenha dos arguidos, voluntariamente),  a quem incumbe o dever de investigar matéria criminal; a busca da justiça interessa a todos - a justiça é para toda a gente ; a vontade de ajudar de forma livre e espontânea, na procura da verdade com vista à justiça, ainda que não integre um dever de colaboração é uma manifestação sã de cidadania.

     O depoimento dos agentes policiais apenas tem por objecto a investigação desenvolvida mas já não as declarações dos arguidos, só naquela medida é prova válida.

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     No recurso interposto para a Relação esta afirmava “as seguintes as questões suscitadas

“ Erro notório na apreciação da prova

 Impossibilidade legal de valoração do depoimento indirecto da testemunha DD e inconstitucionalidade “das normas do n.º 1, do art. 129.º, da al.a), do n.º 1, e do n.º 2, do art. 133.º, todos do CPP, com a interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal a quo, no sentido de que é admissível a valoração do depoimento indireto, cuja fonte é um co-arguido em processo conexo, que não prestou consentimento expresso em depor como testemunha”

 Inadmissibilidade do depoimento da testemunha EE por violação do disposto nos artigos 128.º, n.º1 e 151.º, ambos do CPP.

 Impugnação da matéria de facto provada;

 Violação dos princípios da presunção de inocência, do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova;”

Como assinalou o acórdão recorrido

“3. Erro notório na apreciação da prova.

Na apreciação do depoimento da testemunha DD o recorrente tece longas considerações sobre a distinção entre co-autoria e cumplicidade com longas transcrições de doutos Acórdão do STJ que versam aquela distinção.

[…]

O recorrente parece incorrer num equívoco frequente, confundindo aquilo que segundo ele deveria ter sido considerado provado e não provado com o erro notório na apreciação da prova.

Como a jurisprudência tem insistentemente sublinhado, a discordância entre o que o recorrente entende que deveria ter sido dado como provado e o que na realidade o foi pelo tribunal nada tem a ver com o vício do erro notório na apreciação da prova, tal como estruturado na lei (cfr., v.g., os Acs. do STJ de 24-3-1999, BMJ n.º 485, pág. 281, de 12-12-1998, BMJ n.º 476, pág. 253 e de 16-4-1998, BMJ n.º 481, pág. 325).

Nesta parte, improcede o recurso.

4. Impossibilidade legal de valoração do depoimento indirecto da testemunha DD e inconstitucionalidade “das normas do n.º 1, do art. 129.º, da al. a), do n.º 1, e do n.º 2, do art. 133.º, todos do CPP, com a interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal a quo, no sentido de que é admissível a valoração do depoimento indireto, cuja fonte é um co-arguido em processo conexo, que não prestou consentimento expresso em depor como testemunha”

Segundo o recorrente o depoimento da testemunha DD, na parte relativa à participação do recorrente, “resultou do que ouviu dizer do seu ex-marido, CC, co-arguido em processo conexo, consubstanciando-se, por isso, em depoimento indirecto”.

Como o referido CC se recusou a depor como testemunha, fazendo uso da prerrogativa prevista no n.º 2, do art. 133.º do CPP, o tribunal a quo não podia valorar aquele depoimento indirecto.

Vejamos.

As testemunhas são inquiridas sobre factos de que tenham “conhecimento directo e que constituam objecto de prova”. É a regra estabelecida no artigo 128º nº 1 do Código de Processo Penal (CPP).

Mas esta regra tem excepções.

Sob a epígrafe “depoimento indirectos”, estatui o artigo 129º do CPP:

«1- Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.

2 - O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento de autoria de pessoa diversa da testemunha.
3 - Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos».

A distinção entre depoimento directo e indirecto nem sempre é realizada da melhor forma.

A testemunha tem conhecimento directo dos factos, quando os percepcionou de forma imediata e não intermediada, através dos seus próprios sentidos.

Já no âmbito do testemunho indirecto, segundo a lição do Prof. Germano Marques da Silva, ob. cit., II, 4ª edª., pág. 180, “a testemunha refere meios de prova, aquilo de que se apercebeu foi de outros meios de prova relativos aos factos, mas não imediatamente dos próprios factos”(…) “é o vulgarmente designado testemunho de ouvir dizer

Também o Prof. Costa Pinto (Depoimento indirecto, legalidade da prova e direito de defesa, in Estudos e homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. III, Coimbra editora, 2010, págs. 1047-1048), nos elucida no sentido de que “O depoimento indirecto consiste na revelação processual de factos que não foram objecto do conhecimento directo da testemunha que os descreve, tendo antes origem numa informação que lhe foi transmitida por outra pessoa”. 

Ainda segundo o acórdão do STJ, de 3 de Março de 2010, processo 886/07.8 PSLSB.L1.S1., rel. Cons.º Santos Cabral, “ O depoimento indirecto refere-se a um meio de prova, e não aos factos objecto de prova, pois que o que está em causa não é o que a testemunha percepcionou mas sim o que lhe foi transmitido por quem percepcionou os factos. Assim, o depoimento indirecto não incide sobre os factos que constituem objecto de prova mas sim sobre algo de diferente, ou seja, sobre um depoimento”.

A este respeito a motivação do acórdão recorrido é exemplar, distinguindo de forma muito clara o que é depoimento indirecto de depoimento directo.

Como ali se consignou “o que a testemunha DD transmitiu ao tribunal, através das suas declarações sobre a comparticipação do arguido AA, nos crimes de que vem acusado, não foi por ela presenciado, pois que, não teve uma perceção sensorial imediata dos acontecimentos, nem mesmo os ouviu relatar ao próprio arguido AA”.

O tribunal a quo teve também o cuidado de especificar os segmentos que deveriam considerar-se depoimento indirecto e depoimento directo ao explicitar que:

«(…)tal depoimento, consubstancia depoimento indirecto, no segmento em que a testemunha reporta aquilo que lhe foi reportado pelo seu ex-marido, designadamente:

- no segmento em que reporta que, quando o viu queimar algo no forno a lenha o questionou sobre o que estava a fazer, tendo este explicado que “estava a queimar algo que lhe metia nojo”;

- no segmento em que reporta que, quando viu o então marido a endireitar as notas que segurava na mão, o questionou pela origem daquele dinheiro, tendo o mesmo explicado que aquele dinheiro “foi do que nós fizemos”, esclarecendo que esse só aquela quantidade porque “já havia dividido com o ...”.

- no segmento em que reporta que, quando ao fim da tarde, a depoente regressou a casa vinda do trabalho, encontrou o marido deitado na cama, altura em que já a depoente sabia que o patrão do ex-marido havia sido encontrado morto e, por isso, quis concluir a conversa iniciada naquela madrugada. Por insistência da declarante, o ex-marido confessou-lhe que “ele e o ... fizeram uma coisa que não deviam ter feito”, que tinham estado a estudar as rotinas do ex-patrão, que estavam convencidos que, naquele dia, o mesmo teria na sua posse uma quantia avultada, e, por isso, decidiram assalta-lo naquela noite.

- no segmento em que reporta que, o ex-marido ainda lhe reportou que, após o jantar, vigiaram os movimentos do ex-patrão a partir do café “Sãozinha”, tendo visto a vítima a levar o filho a casa de carro e mais tarde a descer a rua em direcção à habitação.

- no segmento em que reporta que, o ex-marido ainda lhe reportou que, decidiram então esperá-lo no local onde sabiam que o patrão guardava uma cadela, porque sabiam que antes disso ele ia ao posto recolher o dinheiro do dia, quando este se aproximou, abordaram-no por trás, usando uma substancia tipo eter, aplicando-a nas vias respiratórias, para tentar pô-lo inconsciente, mexeram-lhe nos bolsos, tiraram o que tinha, quando vinham embora, a vítima virou-se para trás e disse-lhe, reportando-se ao CC: “Eu sei quem tu és irmão”, altura em que tiveram de se desenrascar, pegaram num tijolo e deram-lhe com o tijolo na cabeça, tendo rasgado as luvas que teria calçado, daí o sangue que tinha nas cutículas das unhas.

- no segmento em que reporta que, também lhe relatou que, depois, com a ajuda do ..., o meteram na casota da cadela e que, nessa altura, ele ainda gemia.

- no segmento em que reporta que, depois disso, foram a casa do ex-patrão, não mexeram em nada, estiveram a beber cerveja, deixando garrafas vazias, tendo manifestado preocupação com as impressões digitais que aí pudessem ter deixado.

- no segmento em que reporta que, este lhe relatou que estava desiludido porque estavam convencidos que o patrão nesse dia teria na sua posse pelo menos 1 500,00 Euros, o que não se confirmou.

- no segmento em que reporta que aquele lhe admitiu que tinha atirado ao rio Matadouro que passa em Fafe, a roupa que usou na noite do crime e que estava dentro do saco da worten;»

(…)

(…) o depoimento desta testemunha configura depoimento directo, com valor probatório indiscutível, nos seguintes segmentos:

- no segmento em que afirma que, na noite em que ocorreram os factos, se apercebeu de contactos telefónicos entre o CC e o arguido ...;

- no segmento em que afirma que, na noite em que ocorreram os factos, a testemunha viu o ex-marido sair vestido com calças de ganga azul, camisa de xadrez branca e azul, sobretudo de cor cinzenta escura e umas sapatilhas cor preta, que a testemunha lhe havia oferecido pouco tempo antes;

- no segmento em que afirma que, quando se deitou, o marido ainda não tinha chegado a casa;

- no segmento em que afirma que, quando já estava na cama, apercebeu-se de uns ruídos estranhos no exterior, provindos da traseira da habitação, local onde estava situada uma cozinha com fogão a lenha.

- no segmento em que afirma que, ao levantar-se apercebeu-se que seriam 03h00 e deslocou-se àquela cozinha, tendo-se apercebido da presença do marido, já vestido com roupa diferente, a queimar qualquer coisa no forno, tendo a depoente chegado a constatar que, afinal estava a queimar as sapatilhas com as quais tinha saído inicialmente naquela noite;

- no segmento em que afirma que o seu ex-marido voltou a sair com roupa diferente, sem dizer onde ia, tendo levado consigo o saco da worten, que deixara à entrada do quarto, em cujo interior estava a roupa com a qual saíra inicialmente, saco esse no qual a declarante reparou quando se levantou e pôde perceber que a roupa que estava no seu interior estava ensanguentada.

- no segmento em que afirma que, nessa altura, a depoente deitou-se novamente e que, por volta das 06h30 a depoente levantou-se novamente e verificou que o marido se encontrava acordado, tendo estado sentado na beira da cama;

- no segmento em que afirma que, nessa ocasião, o então marido segurava na mão um molho de notas amarrotadas, que esfregava com os dedos para as endireitar, a primeira das quais de 50,00 Euros, num valor de cerca de 300, 00 Euros, as quais estavam manchadas com sangue, ostentando ainda o ex-marido sangue nas cutículas das unha».

A questão suscitada nos autos consiste precisamente em saber se o depoimento da testemunha ..., na parte em que deve reputar-se indirecto pode ou não ser valorado.

Como é sabido, na fase de transição que mediou entre a entrada em vigor da Constituição de 1976 e a entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, os textos nacionais que estiveram na génese do novo regime apontavam genericamente para a proibição do testemunho de ouvir dizer [cfr. Parecer do Prof. Costa Andrade publicado na Colectânea de Jurisprudência (CJ), ano VI, 1981, tomo 1, págs 5-11, Figueiredo Dias, “Para uma reforma global do processo penal português”, in AAVV, Para uma nova justiça penal, Coimbra editora, 1983, págs. 207-209 e 219 e o parecer da Comissão Constitucional n.º 18/81 que esteve na base da resolução do Conselho da Revolução n.º 146/81, que declarou inconstitucional o artigo 439.º do CPP de 1929)]. 

A proscrição de testemunhos de outiva ou de ouvir dizer, na linha dos direitos de raiz anglo-saxónica que proibiam a “hearsey evidence”, não foi, porém, consagrada de forma absoluta.

Com efeito, a Lei portuguesa não proíbe de forma absoluta o testemunho de ouvir dizer.

É do seguinte teor o artigo 129.º do CPP, sob a epígrafe “Depoimento indirecto”
1. Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.
2. O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento de autoria de pessoa diversa da testemunha.
3. Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos

É hoje unânime o entendimento segundo o qual o Código português consagrou um regime de “admissibilidade condicionada” (cfr. Carlos Adérito Teixeira, “Depoimento Indirecto e Arguido”, in Revista do CEJ, n.º2, 1º semestre 2005, págs. 131-133, Paulo Dá Mesquita, A Prova do Crime e o que se disse antes do julgamento, Coimbra editora, 2011, pág. 520 e Costa Pinto, Depoimento indirecto, legalidade da prova e direito de defesa, cit., págs 1043 e ss).

Na síntese de Dá Mesquita (A Prova do Crime e o que se disse antes do julgamento, cit., pág. 532):

«O regime português do depoimento indirecto não compreende uma política preventiva que obste à admissão do ouvir dizer, o depoimento faz emergir os deveres procedimentais do tribunal (determinação da fonte e chamamento a depor da mesma) e as proibições não derivam do processo inferencial gerado pelo ouvir dizer, mas traduzem restrições por força do procedimento adoptado. Proibição irrestrita, no caso da fonte indeterminada e dependente do achamento a depor no caso da fonte determinada que não foi inquirida, admitindo-se excepções em que aquela não tem que ser chamada».

Com efeito, o artigo 129.º do CPP permite que o depoimento indirecto seja prestado, mas condiciona a possibilidade da sua utilização processual subsequente.

Desde logo, a testemunha de ouvir-dizer terá de identificar a “testemunha-fonte”, ou seja, a fonte material de onde provém o conhecimento dos factos.

Refira-se que no caso de a testemunha de ouvir-dizer não estar em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos ou se recusar a fazê-lo, o n.º 3 do artigo. 129.º, impede que o seu depoimento sirva como meio de prova. As únicas excepções a este requisito estão previstas na parte final do n.º 1 (morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade das fontes de informação serem encontradas)

A obrigação de indicar a fonte tem como finalidade dissuadir relatos que não possam ser confirmados na fonte em resultado da testemunha de ouvir-dizer ser incapaz de identificar ou individualizar aquela fonte ou por não pretender identificá-la (Carlos Adérito Teixeira, “Depoimento Indirecto e Arguido”, cit., pág. 88)

Um conhecimento desta natureza não tem consistência para servir de prova em processo penal pois a recusa ou impossibilidade de identificação da fonte de informação afectam não apenas a possibilidade de provar o facto probando, mas também a própria credibilidade da testemunha e a possibilidade de contraditório sobre o facto em causa. (Costa Pinto, Depoimento indirecto, legalidade da prova e direito de defesa, cit., pág. 1051)

For dos casos excepcionais em que a inquirição da fonte não seja possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada, a admissibilidade do depoimento indirecto está dependente do poder-dever de o tribunal chamar a depor a testemunha fonte.

A ratio da norma tem subjacente o propósito de aferir da credibilidade do testemunho indirecto e permitir ao julgador tomar contacto directo com a testemunha e o relato-fonte (Carlos Adérito Teixeira, “Depoimento Indirecto e Arguido”, cit., págs. 89- 90).

Assim, chamando o juiz a fonte a depor, o depoimento indirecto pode ser valorado,

Nesta situação é possível o exercício do contraditório na audiência de julgamento, através do interrogatório e do contra-interrogatório, quer da testemunha de ouvir dizer, quer da testemunha fonte, assim se assegurando o respeito pela estrutura acusatória do processo criminal,

Na síntese de Costa Pinto (“Depoimento indirecto, legalidade da prova e direito de defesa”, cit, pág. 1051):

“Se a fonte for chamada a depor, a prova do facto indirectamente conhecido acabará provavelmente por se fazer através do depoimento desse terceiro, que é a fonte primária do conhecimento directo relevante para o processo: o depoimento da testemunha -de- ouvir-dizer é, neste caso, fundamentalmente um conhecimento de investigação que permite chegar à fonte primária da informação e, além disso, um factor de credibilidade das declarações prestadas por esta (pela possível congruência dos dois depoimentos)”.

Revertendo ao caso dos autos, a testemunha de ouvir-dizer, isto é, a testemunha DD, nos segmentos indicados e supra transcritos, indicou claramente a fonte no caso o seu ex marido CC, o qual foi chamado a depor.

Sucede, porém, que o referido CC é arguido no processo mãe do qual foi extraída culpa tocante relativamente ao ora recorrente e, nessa qualidade e depois de devidamente advertido,  não prestou consentimento com vista ao seu depoimento, recusando-se legitimamente a depor a depor como testemunha, fazendo uso da prerrogativa prevista no n.º 2, do art. 133.º do CPP.

É neste contexto especial que deve ser encarada a admissibilidade da valoração do depoimento indirecto da testemunha DD.

A lei não esclarece se a fonte originária para além de identificada e chamada a depor deve comparecer em audiência e prestar depoimento de acordo com as exigências legais, ou se inclusivamente se deve confirmar o conteúdo do testemunho de ouvir dizer.

E, como é sabido, a doutrina e a jurisprudência nacionais encontram-se profundamente divididas quanto à questão de saber se pode ser valorado o depoimento indirecto daquele que relata o que ouviu dizer a um terceiro que, chamado a depor, se recusa validamente a fazê-lo.

 

Na doutrina, os Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques parecem considerar que  não vale como prova o depoimento que resultar do que se ouviu dizer a determinada pessoa, se esta, chamada a depor, se recusa validamente a fazê-lo.

 

Como referem aqueles autores (Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, 3ªed.Lisboa, 2008, Vol. I, pág. 928), o artigo 129.º do CPP “determina a necessidade de uma confirmação do depoimento indirecto com a consequente audição das pessoas a quem se ouviu dizer. Esta confirmação tem em vista a própria validade e eficácia do depoimento, pois o mérito de uma qualquer testemunha tem muito a ver com a razão de ciência da própria testemunha. Assim, o depoimento “ por ouvir dizer” só após confirmação será eficaz como meio de prova, a menos que a inquirição das pessoas referenciadas nesse depoimento não possa te lugar por motivo de morte, anomalia psíquica superveniente ou ausência, ainda que, neste último caso sobreleve o próprio critério da autoridade judiciária confrontada com tal impossibilidade ”.

 

No mesmo sentido parece também inclinar-se o Prof. Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa 2007, pág. 880) quando considera que “o tribunal não pode usar em julgamento uma cassete de uma conversa mantida por uma testemunha que se recusou legitimamente a depor na audiência, quer essa gravação diga respeito a um acto processual ocorrido em fase prévia do processo quer diga respeito a uma acontecimento exterior ao processo, ficando assim prejudicada a jurisprudência anterior do acórdão do STJ de 2.7.1998 (BMJ, 479, 233)”.

Na jurisprudência, pronunciaram-se claramente em sentido negativo, v.g., os Acs da Rel do Porto de 27-2-2002, proc.º n.º 0110702, Nazaré Saraiva, de 2-2-2011, proc.º n.º 134/08.3TELSB-A.P1, rel. Moisés Silva [“Valorar o depoimento indirecto de uma testemunha que o ouviu dizer de uma testemunha que, chamada a depor, se recusou validamente a depor seria esvaziar de conteúdo o direito consignado no art.º 134.º n.º 1 do CPP. Seria uma forma hábil de contornar a lei, o que não está no seu espírito, se a contextualizarmos no âmbito dos direitos, liberdades e garantias e do universo do ordenamento jurídico, considerado na sua globalidade], de 5-5-2011, 219/08.6GAMDB.P1, rel. Olga Maurício e de 12-5-2010, proc.º n.º 402/07.1PBVRL.P1 rel. Maria Deolinda Dionísio, os Acs. da Rel. de Coimbra de 10-12-2014, proc.º n.º 155/13.4PBLMG.C1, rel. Vasques Osório, de 19-9-2012, proc.º n.º 63/10.0GJCTB.C1, rel. José Eduardo Martins, de 7-7-2010, proc.º n.º 210/03.9TASEI.C1, rel. Esteves Marques, o Ac, da Rel. de Lisboa de 11-1-2012, proc.º n.º 689/11.5PBPDL–3, rel. Carlos Almeida e o Ac. da Rel. de Guimarães de 27-9-2010, rel. Ana Teixeira, todos disponíveis em www.dgsi.pt, a maioria deles mencionados pelo recorrente.

Pelo contrário, afirmando a possibilidade de valoração do depoimento indirecto nos casos em que a fonte chamada a depor se recusa lícita ou ilicitamente, a prestar depoimento ou, por exemplo, diz de nada se recordar já, podem citar-se, v.g., o Ac do STJ de 23-10-2008, proc.º n.º 08P1212, rel. Cons.º Rodrigues da Costa e de  27-6-2012, proc.º n.º 127/10.0JABRG, rel. Cons.º Santos Cabral, os Acs. da Rel do Porto de de 7-11-2007, proc.º n.º 0714613, rel. Manuel Braz, de 9-2-2011, proc.º n.º 195/07.2GACNF.P1, rel. Eduarda Lobo e de 5-6-2015, proc.º n.º 138/14.7GCSTS.P1, rel. Pedro Vaz Pato , o Ac. da Rel. de Lisboa de 22-9-2009, proc.º n.º 1496/09.0YRLSB-5, rel. Vasques Osório, os Acs da Rel de Coimbra de 26-2-2002, proc.º n.º 1771/2001, rel. Serafim Alexandre, de 26-11-2008, proc.º n.º 27/05.6GDFND.C1, rel. Vasques Osório e de 18-4-2012, proc.º n.º431/09.0GCACB.C1, rel. Abílio Ramalho, os Acs da Rel. de Guimarães de 3-2-2014, 693/12.6JABRG.G1, rel. Teresa Baltazar, de 5-3- 2012, proc.º n.º 376/10.1TAPTL.G1, rel. Teresa Baltasar e de 22-4-2013, proc.º n.º 533/12.6GAEPS.G1, rel. Maria Luísa Arantes, todos in www.dgsi.pt.

Na doutrina, pronunciaram-se neste sentido, Carlos Adérito Teixeira, in “Depoimento indirecto e arguido – Admissibilidade e livre valoração versus proibição de valoração”, Revista do CEJ, nº 2, 1º Semestre de 2005, págs. 140-142, 149, 150 e 157, Costa Pinto, Depoimento indirecto, legalidade da prova e direito de defesa, cit., pág. 1057, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal. Coimbra, 2013, págs. 182-183. Veja-se também, com interesse, Vítor Pereira Pinto, “Violência doméstica. Silêncio das ofendidas. Valoração dos depoimentos indirectos (motivação de recurso penal)”, Revista do Ministério Público, n.º 133, Jan-Março 2013, pags.185-213.

O argumentário de uma e outra posição é conhecido pelo que nos vamos limitar a enunciar as razões pelas quais sufragamos este último entendimento, acolhido no acórdão recorrido.

A letra da lei não exige a necessidade de prestação efectiva de depoimento, nem a confirmação da conversa mantida com a testemunha de ouvir dizer, nem tão pouco a coincidência de conteúdo na descrição do facto probando.

A lei limita-se a exigir que o tribunal diligencie no sentido de obter o depoimento da fonte.

A proibição de valoração inerente ao artigo 129.º cessa de imediato com o chamamento a depor da fonte originária, mesmo que posteriormente a mesma se recuse legitimamente a depor, pois a valoração não depende do conteúdo do depoimento da mesma.

Sendo a fonte da informação chamada ao processo uma de duas situações se pode verificar: ou é impossível encontrar a fonte para esta ir depor ou ela comparece em juízo. Quer um caso quer o outro, basta para ser ultrapassada a proibição de valoração enunciada no artigo 129.º, n.º1 do CPP.

Aliás, não faria sentido que o legislador condicionasse a relevância de um meio de prova à obtenção de outro meio de prova, sem contemplar no elenco de excepções a impossibilidade jurídica de o conseguir efectivamente obter, quando essa impossibilidade pode resultar da opção do próprio legislador (v.g. em casos de impedimentos ou recusa, previstos nos artigos 133.º e 134.º do CPP).

Como se assinalou no referido Ac. da Rel do Porto de de 7-11-2007, proc.º n.º 0714613, rel. Manuel Braz, “Se essas pessoas a quem se ouviu dizer forem chamadas a depor, mas nada disserem, alegando esquecimento ou negando-se a depor, lícita ou ilicitamente, o testemunho de ouvir dizer vale como prova, só por si. O que a lei proíbe é a valoração do depoimento indirecto na falta da chamada a depor da pessoa a quem se ouviu dizer. Cumprido este requisito, desaparece a proibição de valoração do testemunho de ouvir dizer. E isto será assim porque a mera presença na audiência da pessoa a quem se ouviu dizer, ainda que remetendo-se ao silêncio, dá ao depoimento que resulta do que se lhe ouviu dizer, perante a possibilidade de confronto, uma força que não teria sem essa presença, sendo a apreciação deste depoimento e, em alguns casos, da própria postura de silêncio daquela, feita segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artº 127º do CPP.”

A proibição de valoração cessa a partir do momento em que a fonte é inquirida em juízo.

Se assim se não entender acaba por se reconhecer à fonte um poder de controlar, com o seu depoimento ou com a sua recusa, a valoração da prova disponível. Como justamente acentua o Prof. Costa Pinto, não existe fundamento suficientemente convincente para legitimar um resultado tão iniquo numa situação controvertida de carência de prova.

Conclui-se, deste modo que legalmente não impede o uso do depoimento indirecto o facto de se identificar alguém como fonte de informação que, uma vez chamada a depor, invoca um regime legal de segredo para não responder a alguma ou a todas as perguntas formuladas ou alega uma causa de recusa legitimada por lei.

No caso em apreço, a recusa em depor por parte da testemunha fonte foi exercida ao abrigo do artigo 133.º, n.º2 do CPP

Não existe um fundamento específico que tutela a confidencialidade da informação.

Por outras palavras, não existe uma tutela do direito do arguido recorrente à confidencialidade mas apenas um direito subjectivo de um terceiro que derroga o dever geral de colaboração com a justiça, o qual deriva de uma relação com o objecto do processo.

Não está em causa tutela um interesse do arguido no julgamento em causa, ora recorrente, mas sim da testemunha contra a auto-incriminação ou, como pretende Medina de Seiça expressão duma irrestrita liberdade de (não) declaração, de não tomar posição sobre os factos que constituem (…) objecto da sua imputação e deve persistir mesmo quando se trate de declarar noutro processo que não o seu” (O conhecimento Probatório do Co-arguido, Boletim da Faculdade de Direito, Studia Iurídica n.º 42, Coimbra Editora, 1999, pág. 129). 

Como o Tribunal Constitucional tem salientado, as cautelas de que se rodeia a admissibilidade do depoimento do co-arguido são impostas pela protecção dos direitos e da posição processual do arguido chamado a prestá-lo e não daquele contra o qual é valorado (cfr. acórdãos n.º 133/2010, 181/2005, 304/2004).

A recusa em depor por parte do co-arguido CC em processo do qual o presente foi separado, nos termos do artigo 133.º, n.º2 do CPP não tem a virtualidade de implicar o apagamento ou a inutilização do depoimento (indirecto) da testemunha DD.

Não ocorreu, pois, a pretendida violação do disposto nos artigos 128º, n.º1, 129.º, n.º1 al. a) e n.º 2 e 133.º, todos do Código de Processo Penal.

Não se vislumbra igualmente que o regime legal português assim interpretado viole o direito previsto no artigo 6.º, n.º3 al. d) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que reconhece a todo o acusado o direito de “interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação”.

Segundo dá conta o Prof. Costa Andrade, na Alemanha onde, no silêncio da lei positiva, a jurisprudência vem sustentando de forma uniforme a admissibilidade generalizada dos testemunhos de ouvir dizer, o BGH já decidiu que para efeitos daquele dispositivo convencional “testemunhas de acusação são, não as anónimas pessoas de confiança, mas sim os agentes da polícia que vêm depor na base do que ouviram dizer” e que “segundo aquele tribunal superior, a norma da Convenção Europeia não impõe ao direito interno germânico um determinado e específico conceito de testemunha de acusação. Como tal tanto pode valer aquele que afirma que algo lhe aconteceu, como aquele outro que diz que alguém lhe comunicou algo sobre o evento (….) o que acima de tudo dá sentido ao texto da Convenção (…) é o propósito de salvaguardar em qualquer hipótese a igualdade de armas entre a acusação e a defesa. Uma intencionalidade que o recurso aos testemunhos de ouvir dizer não poderá, só por si comprometer” (Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992, págs. 165-166).

A jurisprudência do TEDH admite a validade dos testemunhos de ouvir dizer desde que a ausência do testemunho directo esteja devidamente justificada (cfr. Sentenças do TEDH 19 de Dezembro de 1990, Delta c. França, § 37, de 19 de Fevereiro de 1991, Isgro c. Itália, § 35 ; de 26 de Abril de 1991, Asch c. Austria , § 28, de 28 de agosto de 1992, Artner c. Austria , §§ 22-24 e de 14 de Dezembro de 1999, A.M . c. Itália , § 25) e desde que a condenação não seja fundamentada (...) uniquement ou dans une mesure déterminante (...) sur des dépositions faites par une personne que l’accusé n’a pu interroger ou faire interroger ni au stade de l’instruction ni pendant les débats (CEDH 27 de Fevereiro de 2001, Lucà c Itália, § 40). Esta última regra dita “de la preuve unique ou déterminante » foi abandonada pelo Ac da Grande Câmara de 15-12-2011, n° 26766/05 et 22228/06, Al-Khawaja e Tahery v. Reino Unido (cfr. detalhadamente, Nicolas Hervieu, Admissibilité des preuves par ouï-dire et droit de contre-interrogatoire en matière pénale, in licithttp://combatsdroitshomme.blog.lemonde.fr), abandono reafirmado no Ac. Schatschaschwili c. Alemanha , n.º 9154/10, de 15 de Dezembro de 2015.

No caso em apreço, a impossibilidade da audição da testemunha fonte está perfeitamente justificada já que reside no facto de esta última se ter recusado licitamente a depor, não consentindo em depor como testemunha 

Finalmente, não se vislumbra igualmente que as normas do n.º 1, do art. 129.º, da al. a), do n.º 1, e do n.º 2, do art. 133.º, todos do CPP, com a interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal a quo e que agora se sufraga, no sentido de que é admissível a valoração do depoimento indirecto, cuja fonte é um co-arguido de um mesmo crime já condenado por sentença ainda não transitada em julgado, que não prestou consentimento expresso em depor como testemunha no processo separado, viola “os princípios constitucionais da estrutura acusatória do processo penal e do contraditório, consagrados no n.º 5, do art. 32.º da CRP, bem como o princípio da imediação, decorrente do princípio do estado de direito, consagrado no art. 2.º da CRP”, e o disposto no art. 48.º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

O Tribunal Constitucional (TC) já considerou o regime legal vigente constitucional em hipóteses bem mais graves como sejam a valoração do depoimento indirecto em caso de impossibilidade de chamamento da testemunha fonte (em virtude de morte, anomalia psíquica superveniente ou de impossibilidade de ser encontrada) e em caso de declarações de co-arguido que incrimina outro, que se recusa a prestar declarações, usando o direito ao silêncio

Assim, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 213/94, relatado pelo Conselheiro Ribeiro Mendes, depois de fazer uma excursão doutrinal sobre essa problemática, conclui que a regulamentação consagrada na norma do nº 1 do art. 129º CPP revela-se «como proporcionada, nela se precipitando uma adequada ponderação dos interesses do arguido em poder confrontar os depoimentos das testemunhas de acusação, os da repressão penal, prosseguidos pelo acusador público, e, por último, os do tribunal, preocupado com a descoberta da verdade através de um processo regular e justo (“due process of law”).

Também no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 440/99, Proc. n.º 268/99, de 8/7/1999, relatado pelo Conselheiro Messias Bento, também disponível em www.tribunalconstitucional.pt/, se concluiu que (…) o artigo 129.º, n.º 1 (conjugado com o artigo 128.º, n.º 1) do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas que relatem conversas tidas com um co-arguido, que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido.

Nesta parte, improcede o recurso.”

     Acrescentou ainda:

“5. Inadmissibilidade do depoimento da testemunha EE por violação do disposto nos artigos 128.º, n.º1 e 151.º, ambos do CPP.

Na versão do recorrente (conclusões 41.º a 45.º) “o Tribunal a quo socorreu-se da apreciação e das conclusões que a testemunha EE fez sobre os factos, designadamente no que diz respeito à versão segundo a qual a vítima teria sido agredida, num primeiro momento, com o bloco de cimento identificado como vestígio 2, nas fotos n.ºs 12 e 15, a fls. 22 e 23 dos autos e, posteriormente, com a pedra assinalada como vestígio 7, nas fotos n.ºs 12 e 22, a fls. 22 e 28 dos autos, bem como à versão de que a agressão com o referido bloco de cimento teria sido cometida por mais do que uma pessoa”.

“A testemunha EE não é perito, nem consta que possua conhecimentos técnicos ou científicos para analisar vestígios sanguíneos, quando refere a existência de projecções rasteiras, de média velocidade, ou manchas de sangue passivas está a introduzir elementos técnicos e ou científicos para os quais não está devidamente habilitado, e também não demonstrou estar habilitado para concluir qual terá sido a primeira agressão, ou se a agressão com o bloco de cimento seria necessariamente perpetrada por duas pessoas”.

Também ”não se vê como é que o Tribunal a quo conseguiria retirar essas conclusões da análise da reportagem fotográfica de fls. 16 e ss., uma vez que as fotografias não são detalhadas, nem nítidas o suficiente para delas se retirar conclusões a esse respeito”.

“Ao valorar a parte do depoimento da testemunha EE que incidiu sobre factos de que o mesmo não teve conhecimento directo, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1, do art. 128.º do CPP, e ao valorar a parte do depoimento da testemunha que se consubstancia na sua apreciação e nas suas conclusões sobre os factos violou o disposto no art. 151.º do CPP”.

Se bem se compreende a argumentação acima transcrita, o recorrente considera que as referências feitas pela testemunha a projecções rasteiras, de média velocidade, a manchas de sangue passivas bem como a conclusão de que a vítima terá sido agredida num primeiro momento com um bloco de cimento e que essa agressão terá sido cometida por duas pessoas, por não respeitarem a factos de que a testemunha tivesse conhecimento directo implicam a violação do disposto no artigo 128.º, n.º1 do CPP

Segundo o artigo 128.º, n.º1 do CPP a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e constituam objecto de prova. 

Na lição do Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal vol. II, 5ªed., 2011, pág. 221, “o primeiro limite do depoimento testemunhal respeita desde logo aos factos que constituem objecto da prova. A testemunha não pode ser inquirida sobre factos que não sejam objecto da prova”.

“A testemunha – continua aquele Mestre – também só pode ser  inquirida sobre os factos de que possua conhecimento directo, salvas as limitações decorrentes  do art.129.º. Conhecimento directo dos factos é aquele que a testemunha adquire por se ter 

Na expressão de Bentham as testemunhas são “os olhos e os ouvidos da justiça”, “pois é por seu intermédio que o juiz tem, ou não, a percepção dos factos sobre cuja existência deve decidir”(Cons.º Santos Cabral, in Código de Processo Penal Comentado, 2ªed, Coimbra, 2016, pág. 443).

Posto isto, convém, antes do mais, esclarecer que quando a testemunha se refere ao bloco de cimento, à pedra assinalada como vestígio 7 e à existência de vestígios sanguíneos esses factos constituem objecto de prova (cfr. artigo 124.º, n.º1 do CPP) sobre os quais a testemunha tem conhecimento directo, por os ter visto.

Já quanto às referências feitas pela testemunha a projecções rasteiras, de média velocidade, a manchas de sangue passivas bem como a conclusão de que a vítima terá sido agredida num primeiro momento com um bloco de cimento e que essa agressão terá sido cometida por duas pessoas, as mesmas não respeitam efectivamente a factos de que a testemunha tivesse conhecimento directo, mas a convicções pessoais da testemunha e à sua interpretação sobre os factos.

Simplesmente, a manifestação de meras convicções pessoais sobre factos ou a sua interpretação é admissível quando for impossível cindi-la do depoimento sobre factos concretos ou quando tiver lugar em função de qualquer ciência técnica ou arte (artigo 130.º, n.º2 alíneas a) e b) do CPP).

 Neste contexto era impensável que a testemunha, inspector da Polícia Judiciária que procedeu ao exame do local onde os factos ocorreram e que descreve os vestígios ali encontrados não pudesse dar a sua interpretação sobre aquilo que viu!

Não ocorreu, pois, qualquer violação do disposto no artigo 128.º, n.º1 do Código Penal.

Sustenta ainda o recorrente que o tribunal a quo ao valorar a parte do depoimento da testemunha EE que se consubstancia na sua apreciação e nas suas conclusões sobre os factos violou o disposto no art. 151.º do CPP.

Estão em causa as referências às projecções rasteiras, de média velocidade, e às manchas de sangue passivas.

Também nesta parte não pode sufragar-se o entendimento do recorrente.

Como bem observa o Exmo PGA no seu esclarecido parecer, aquelas afirmações não revestem natureza pericial por não exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos mas serem tão só fruto de uma percepção resultante de uma observação visual realizada no local onde foram encontrados vestígios sanguíneos ao alcance de uma pessoa com as qualidades da testemunha em causa, inspector da Polícia Judiciária.

Na reposta o recorrente observa que as referências às projecções rasteiras, de média velocidade, e às manchas de sangue passivas não são do domínio do conhecimento geral nem podiam resultar de uma simples observação visual realizada por parte de uma pessoa sem especiais conhecimentos técnicos e/ ou científicos.

Mas a circunstância de um facto não ser do conhecimento geral não implica que sobre o mesmo recaia um juízo de natureza pericial, sob pena de todos os factos, com excepção dos factos notórios só poderem ser comprovados com recurso à prova pericial.

Por isso que a prova pericial só tenha lugar “quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos” (artigo 151.º do CPP; itálico nosso).

Também nesta parte, improcede o recurso.”

      O tribunal da Relação analisou o recurso em matéria de facto, como consta do ponto 6:

      “6. Impugnação da matéria de facto

§1. O recorrente impugna a matéria de facto constante dos factos provados sob os n.ºs 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º e 50.º, 101.º e 101.º (repetido) dos factos provados, considerando que tais factos deveriam ter sido dados como não provados.” e acabou por concluir que:

“Nada há, assim, a censurar na opção do tribunal recorrido, não se justificando a alteração da decisão em matéria de facto pretendida pelo recorrente.

Por outras palavras, o acórdão recorrido expôs de forma clara os elementos de facto que fundamentam a sua decisão, o processo lógico que lhe subjaz, optando por uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, suportada pelas provas invocadas na fundamentação da sentença, não se detectando nenhum erro patente de julgamento, nem tendo sido utilizados meios de prova proibidos.”

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A decisão recorrida analisou pois devidamente as questões postas, com obediência à lei, na aplicação aos factos, não ocorreu em omissão de pronúncia, nem em interpretações  ilegais. mantendo-se válida a fundamentação explicitada.

Inexistiram provas proibidas nos termos dos nºs 1 a 3 do artigo 126º”, ou métodos proibidos de prova, que tenham servido para fundamentar a condenação do recorrente, pelo que não ocorrem nulidades de que cumpra conhecer nos termos dos artºs 410º nº3 . e 434º do CPP.

Inexistiu qualquer violação de normas constitucionais, nomeadamente do artº 32º nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, na dimensão interpretativa abrangida pelos artºs 128°, 129º e 147º do CPP

     Em síntese, e contrariamente ao explicitado na conclusão vigésima quinta do recorrente, cumpre concluir que é válida a prova colocada em causa, que deu como provado que o recorrente praticou os factos a ele imputados, pelo que não é de extrair a consequência legal da sua absolvição.

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  Termos em que decidindo:

Acordam os juízes deste Supremo, em:

- Rejeitar o recurso, por inadmissibilidade legal, relativamente às ilicitudes a que foi aplicada pena não superior a oito anos de prisão, de harmonia com o disposto nos artigos 400º nº 1 al. f), 417º nº 6 al. b) e 420º nº 1 al. b), do CPP.

- Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA

    

Tributam o recorrente em 6 UC de taxa de justiça, e condenam-no no pagamento da importância de 6 UC, nos termos do artº 420º nº 3 do CPP.

  Supremo Tribunal de Justiça

  Elaborado e revisto pelo relator

 Pires da Graça (relator)
Raul Borges