Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1403/10.8TTGMR.G1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: NULIDADE DO ACÓRDÃO
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ACIDENTE DE TRABALHO
CONTRATO DE SEGURO
FOLHA DE FÉRIAS
Data do Acordão: 01/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO.
DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO / SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS / ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
Doutrina:
- António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2.ª Edição, 2014, pp. 235 e ss., 255; Recursos no Processo do Trabalho – Novo Regime, p. 116.
- Abílio Neto, “Código de Processo do Trabalho” Anotado”, p. 169.
Legislação Nacional:
APÓLICE UNIFORME DO SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO, APROVADA PELA NORMA N.º 1/2009-R, DE 23 DE JANEIRO DE 2009: - CLÁUSULAS 1.ª, 5.ª, 24.º, N.º1, AL. A).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC), NA VERSÃO CONFERIDA PELA LEI N.º 41/2013, DE 26 DE JUNHO.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): – ARTIGOS 602.º, 607.º, 662.º, N.º 1, 674.º, N.º 3 E 682.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 77.º.
NORMA REGULAMENTAR N.º 1/2009-R, EMITIDA PELO INSTITUTO DE SEGUROS DE PORTUGAL, PUBLICADA NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, 2.ª SÉRIE, DE 23-1-09, QUE APROVOU «A PARTE UNIFORME DAS CONDIÇÕES GERAIS DA APÓLICE DE SEGURO OBRIGATÓRIO DE ACIDENTES DE TRABALHO PARA TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM, BEM COMO AS RESPECTIVAS CONDIÇÕES ESPECIAIS UNIFORMES …»: - ARTIGO 5.º.
REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO APROVADO PELA LEI N.º 98/09, DE 4-9, ASSIM COMO AO REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 72/08, DE 16-4, QUE ENTROU EM VIGOR NO DIA 1-1-2009: - ARTIGOS 7.º, 25.º, 26.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 14-11-2007, PROC. N.º 07S2903, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 27-3-2014, PROC. 184/11.2.TTVLG.P1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 14-5-2014, PROC. N.º 260/07, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 24-2-2010 E DE 5/11/2014, 4ª SECÇÃO, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 11-2-2015, PROC. N.º 620/11.8TTLSB.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
*
ACÓRDÃO (AUJ) N.º 10/2001, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, 1.ª SÉRIE, DE 27-12-2001.
Sumário :
I – À luz da norma do art. 77.º do CPT, este Supremo Tribunal não pode conhecer da nulidade que o Recorrente imputa ao Acórdão do Tribunal da Relação quando a sua arguição não é feita, de forma expressa e separada, no requerimento de interposição de recurso.

II – O princípio da livre apreciação da prova, plasmado no n.º 5 do art. 607.º do CPC, vigora para a 1.ª instância e, de igual modo, para a Relação, quando é chamada a reapreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto.

III – Em tal circunstância, compete ao Tribunal da Relação reapreciar todos os elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos e, de acordo com a convicção própria que com base neles forme, consignar os factos que julga provados, coincidam eles, ou não, com o juízo alcançado pela 1.ª instância, pois só assim atuando está, efetivamente, a exercitar os poderes que nesse âmbito lhe são legalmente conferidos. 

IV – A Jurisprudência vertida no Acórdão Uniformizador n.º 10/2001, de 21-11--2001, tem plena aplicação aos casos em que o nome do sinistrado – só após o acidente – foi incluído nas folhas de retribuições enviadas à Seguradora, sendo omisso em anteriores folhas de retribuições, relativas a períodos de tempo em que aquele já se encontrava ao serviço do empregador.

V – Tendo resultado provado que a Ré Empregadora somente incluiu o nome do sinistrado na primeira folha de retribuições recebida pela Seguradora após o acidente, apesar de aquele ser seu trabalhador desde 6-7-2007, e de o contrato de seguro se ter iniciado em 7-10-2007, verifica-se uma situação de não cobertura do sinistrado pelo contrato de seguro firmado entre a empregadora e a Seguradora, o que determina a não assunção de responsabilidade por parte desta.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – 1. AA

Instaurou a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra:

Companhia de Seguros BB, S.A.

Pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
a. uma pensão anual vitalícia no valor de € 7.842,06, com início em 23/3/2011;
b. uma indemnização por ITA, no valor de € 19.605,28;
c. a quantia de € 4.800,00, a título de despesas com intervenção cirúrgica;
d. a quantia de € 262,00 em despesas de transportes;
e. juros de mora, à taxa legal.

Alegou, para o efeito e em síntese, que sofreu um acidente de trabalho enquanto gerente remunerado da empresa CC, Lda., em resultado do qual esteve com incapacidade temporária absoluta e, após a alta, ficou afectado de uma incapacidade permanente parcial, para além de ter suportado despesas por causa do tratamento dessas lesões e do presente processo, tendo aquela empresa transferido para a R. Seguradora a responsabilidade pela sua reparação.

2. O Instituto da Segurança Social – Centro Distrital ..., I.P. veio deduzir contra a R. pedido de reembolso do subsídio de doença pago ao Autor/sinistrado, no período entre 24/8/2010 e 12/5/2011, no valor total de € 13.150,77.

3. A R. contestou esses pedidos, afirmando, em síntese, que à data do acidente não havia seguro relativamente ao sinistrado e que só por causa do acidente é que o A. acabou por ser incluído na folha de férias; para além disso, o acidente foi devido à falta de condições de segurança da empregadora com a inerente responsabilidade desta, para além de que, uma parte da indemnização peticionada pelo A. já foi paga pela Segurança Social.

Terminou pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição de todos os pedidos.

4. Mediante despacho judicial, foi determinada a intervenção da empregadora CC, Lda., como co-Ré.

5. Citada, a referida empregadora apresentou contestação, alegando que o A. exercia as funções de gerente, desde Julho de 2007, mas até Agosto de 2010 as suas funções não foram remuneradas, tendo sido acordado, no final do ano de 2009, que o A. iria passar a auferir vencimento a partir de 1-2-2010.

        Invocou também que o A. foi inscrito na Segurança Social com efeitos a partir daquela data, informação que foi prestada à Seguradora no dia 5-3-2010, pelo que deve considerar-se abrangido pelas garantias do contrato de seguro, celebrado sob a modalidade de prémio variável.

No mais, negou que tivessem sido violadas quaisquer normas de segurança, pelo que, concluiu pedindo a sua absolvição.  

6. No início da audiência foi deferida a ampliação do pedido do A., no tocante ao valor da pensão anual, passando para € 10.451,73, em conformidade com a decisão do apenso de fixação de incapacidade permanente de grau superior.

7. O Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital ..., veio deduzir pedido de reembolso também contra a empregadora – a co-Ré CC, Lda. - relativamente ao subsídio de doença pago ao Autor, no período entre 24/8/2010 e 12/5/2011, no valor total de € 13.150,77.

8. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença nos seguintes termos:

"Pelo exposto, julgo a presente ação provada e procedente nos termos sobreditos e, em consequência:

I – Absolvo a R. "CC, Lda." da totalidade dos pedidos contra si formulados na presente acção.

II – Condeno a R. "Comp. de Seguros BB, SA ", a pagar ao A. AA:

- a pensão anual e vitalícia de € 10.362,27, com início no dia 23/3/2011 e em prestações de 1/14;

- a indemnização no valor de € 23.303,79, sem prejuízo da dedução do valor correspondente ao já pago ao Autor, no período de 24/2/2010 até 22/3/2011, pela Segurança Social e de que será esta reembolsada pela Seguradora no montante correspondente àquela dedução e a indicar pela mesma;

- as despesas cirúrgicas no valor de € 4.800,00;

- as despesas de transporte, quer para tratamentos quer a este Tribunal, no valor total de € 262,00;

- e os juros de mora, à taxa legal.

II – Condeno a ré "Companhia de Seguros BB, SA" a pagar ao Instituto de Segurança Social – Centro Distrital ..., I.P. a quantia que foi paga por este ao Autor, a título de subsídio de doença, no valor correspondente ao período entre 24/2/2010 e 22/3/2011, com a inerente desoneração do pagamento de tal quantia, por parte daquela ao Autor..."

9. Inconformada, a Ré Seguradora apelou para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por Acórdão de 9-7-2015, deliberou revogar a sentença recorrida e absolver a Ré Seguradora dos pedidos formulados pelo Autor/sinistrado na petição inicial.

10. Irresignado, veio o Autor/sinistrado interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo formulado as seguintes conclusões:

1ª - O Acórdão recorrido é nulo e de nenhum efeito, nos termos do disposto nos artigos 615.º n.º 1 alínea d) e 666.º do C.P.C., ambos aplicáveis por via do art. 674.º n.º 1 alíneas b) e c) do mesmo diploma legal, ex vi art. 87º do C.P.T.

2ª - Ao modificar a matéria de facto constante dos artigos 15° e 16° dos factos dados como provados pela decisão de primeira instância, o Tribunal da Relação violou todas as regras atinentes ao reexame da matéria de facto pelos Tribunais de segunda instância e liquidou os princípios da imediação e da oralidade.

3ª - A alteração da matéria de facto operada pelas Relações apenas deverá ocorrer em casos especialíssimos, de modo que a actuação do Tribunal da Relação de Guimarães encontra-se viciada de manifesta ilegalidade – cf. art. 662º do C.P.C.

4.ª - A Sr.ª Juíza de primeira instância, no uso dos princípios da oralidade e da imediação das provas, deu como provados os factos contidos nos artigos 15° e 16° da matéria controvertida, mormente que o Autor foi "inscrito na Segurança Social com efeitos a partir de 1/2/2010, na sequência do supra aludido acordo".

5ª - A Ré não apresentou testemunhas cujos depoimentos pudessem infirmar a versão das testemunhas apresentadas pelo Autor.

6ª - Assim sendo, como de facto foi, a Relação não podia, na ausência dos conhecimentos propiciados pelo imediatismo das provas e pela forma como foram produzidos os depoimentos, alterar os preditos factos.

7ª - O Tribunal de primeira instância fundou a sua convicção e o seu juízo sobre a prova dos factos em provas concretas, que enunciou e que fundamentou devidamente no douto despacho de fixação da matéria de facto.

8ª - A fundamentação da Relação revela-se de uma singeleza atroz, tanto mais que o argumento de que o Autor não constou nas folhas da firma nos meses seguinte não colhe, pois o Autor encontrava-se de baixa por acidente.

9 ª- A Relação só poderia alterar a matéria de facto se não existissem provas que o Tribunal de primeira instância reputou como concludentes ou se, eventualmente, tivesse sido produzida prova em sentido contrário, o que não sucedeu.

10ª - O depoimento das testemunhas DD e EE foi credível, o que se alcança através de audição completa e atenta desses depoimentos.

11ª - Os referidos depoimentos não são infirmados pelos restantes elementos constantes do processo e o facto de se tratar do filho e de um empregado do Autor não significa, por si só, que os respectivos depoimentos não mereçam credibilidade.

12ª - A reapreciação da matéria de facto pela Relação destina-se essencialmente à sanação de manifestos erros de julgamento e de falhas na apreciação da prova.

13ª - A alteração dos factos só pode ocorrer quando a prova for fundamentada em provas ilegais, contra a força probatória plena de certos meios de prova, ou quando afronte as regras da experiência comum, o que não se verifica no presente caso.

14ª - A Sr.ª Juíza, com base na imediação das provas, tomou uma posição concreta sobre os factos "sub judice", e por este motivo a Relação não pode alterar a matéria de facto como fez.

15ª - A modificação das respostas aos artigos 15º e 16º dados como provados pelo Tribunal de primeira instância é nula e de nenhum efeito, nulidade que deve ser declarada neste recurso de revista – cf. art. 674º nº 1, alíneas b) e c) do C.P.C.

16ª - Devem, por conseguinte, prevalecer as respostas dadas pelo Tribunal de primeira instância aos artigos 15º e 16° dos factos controvertidos, com as legais consequências e a prova de que o Autor se encontra abrangido pelas garantias do contrato de seguro, condenando-se a Ré nos termos da sentença.

17ª - Mesmo com a alteração operada pelo Tribunal da Relação, deverá considerar-se que o Autor se encontra abrangido pelas garantias do contrato de seguro.

18ª - Por um lado, não ficou provada a principal alegação da Ré, ou seja, que foi por causa do sinistro que o Autor se inscreveu na Segurança Social. Não há factos provados que façam sequer presumir tal circunstância.

19ª - Destarte, a inscrição na Segurança Social não tem qualquer efeito juridicamente relevante, não constituindo pressuposto da eficácia jurídica do contrato de seguro.

20ª - Por outro lado, a Ré patronal tinha a responsabilidade infortunística laboral transferida para a Ré "BB", através de um contrato de seguro de acidentes de trabalho na modalidade de prémio variável ou "folhas de férias".

21ª - A Ré patronal enviou à "BB", tal como estava obrigada, as declarações de remunerações remetidas à Segurança Social, relativas às retribuições pagas no mês de Fevereiro de 2010, o que esta recebeu no dia 8 de Março de 2010.

22ª - O envio da folha de remunerações à Companhia de Seguros com o nome do sinistrado foi tempestivo e cumpriu todos os ditames legais e contratuais.

23ª - Basta enviar a folha até ao dia 15 do mês seguinte ao do pagamento.

24ª - Não se pode obrigar a que o envio das folhas de férias ocorra necessariamente antes do momento estipulado contratualmente, e que, tendo-o sido após o conhecimento de um sinistro, já o não seja licitamente.

25ª - Os contratos de seguro do ramo acidentes de trabalho na modalidade de "folhas de férias" permitem situações como a sub judice, uma vez que as pessoas seguras e as suas retribuições são variáveis e o prémio é ajustado no final do ano.

26ª - O Autor encontra-se assim abrangido pelas garantias do contrato, devendo a Ré ser condenada nos termos plasmados na sentença de primeira instância.

27ª - A decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 342.° n.º 2 do Código Civil, art.º 4° alínea b), da Apólice Uniforme de Seguro Obrigatório de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem, aprovada pela Norma Regulamentar n.º 1/2009-R, de 8 de Janeiro e artigos 4°, 5°, 662° n° 1, 666° e 674° do Código de Processo Civil, os quais deveriam ser interpretadas nos termos explanados no presente recurso.

11. A Ré Seguradora contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

12. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, neste Supremo Tribunal de Justiça, formulou parecer sustentando a improcedência da revista.

- Considerou, em síntese, por um lado, que a invocada nulidade do Acórdão não obedece aos requisitos do art. 77.º, do CPT, e, por outro, que não têm fundamento as críticas que o Recorrente reporta ao Acórdão no que concerne à matéria de facto.

- Defendeu, ainda, o entendimento de que o contrato de seguro não cobria o acidente de trabalho dos autos, na medida em que a entidade empregadora do sinistrado apenas incluiu o nome deste na folha de férias comunicada à Seguradora no mês seguinte ao da ocorrência do acidente e por virtude dela.

           

13. O mencionado parecer, notificado às partes, não obteve resposta.

14. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação do Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do CPC.

II – QUESTÕES A DECIDIR:         

- Está em causa, em sede recursória, saber se:

       1. O Acórdão recorrido é nulo nos termos dos arts. 615.º, n.º 1, al. d), e 666.º do CPC;

2. O Acórdão recorrido violou as regras atinentes ao reexame da matéria de facto, nos termos do art. 662.º, do CPC;

3. Se a Ré Seguradora deve ser responsável pela reparação do acidente dos autos.

III – FUNDAMENTAÇÃO:

Consigna-se que para a decisão do presente pleito são convocadas as normas do Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, porquanto os autos deram entrada no dia 15/12/2010 e o Acórdão recorrido está datado de 09/07/2015.
No âmbito da matéria relativa ao alegado acidente de trabalho, e porque o caso aqui retratado ocorreu em 23-2-2010, deve atender-se ao regime de reparação de acidentes de trabalho aprovado pela Lei n.º 98/09, de 4-9, assim como ao regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/08, de 16-4, que entrou em vigor no dia 1-1-2009, de acordo com o disposto no art. 7.º daquele diploma.

A) DE FACTO

- As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1. No dia 23-2-2010, pelas 9 h, em …, o A. AA trabalhava com a categoria profissional de gerente, sob a direção e fiscalização de "CC, Lda.".

2. E mediante a retribuição de € 2.500 por 14 meses, acrescida de € 141,02, por 11 meses a título de subsídio de alimentação.

3. Nessas circunstâncias, o A. passava junto de uma máquina (acompanhado do Diretor-Geral de produção) quando foi atingido, no seu olho direito, por um vidro.

4. Em consequência disso, ficou lesionado nesse seu olho.

5. Em consequência dessa lesão, o A. esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho desde essa data até 22-3-2011 (data da alta ou cura clínica).

6. A empresa aludida em 1) e a Ré Comp. de Seguros BB, S.A. haviam celebrado entre si um contrato de seguro de acidentes de trabalho na modalidade de folha de férias, titulado pela apólice n° …, e constante de fls. 11.

7. No dia 8-3-2010, esta Seguradora recebeu a participação deste sinistro por parte daquela empresa relativamente àquela mesma apólice e com os demais dizeres constantes de fl. 13/208.

8. Esta Seguradora pagou ao A. a quantia de € 4.556,36, a título de indemnização por incapacidade temporária, até lhe ser dada alta administrativa, nos termos constantes de fls. 9-10.

9. O A. foi sujeito a exame médico, no Gabinete Médico-Legal de Guimarães, segundo o qual o sinistrado sofrera traumatismo do olho direito do qual resultara muita dificuldade visual – conforme consta de fls. 26 a 30.

10. A fase conciliatória deste processo findou sem acordo, pelas razões constantes de fls. 36 a 38.

11. O Autor nasceu no dia 13-6-1956.

12. A empresa aludida em 1), sediada em ..., tem por objeto a indústria, comercialização, distribuição, exportação e importação de vinhos e seus derivados, tendo o A. sido um dos gerentes, desde 6-7-2007, até que em 30-6-2010 se transformou em Sociedade Anónima, nos termos constantes de fls. 89 a 104.

13. O Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital ..., pagou ao A., seu beneficiário nº …, a quantia de € 13.150,77, a título de subsídio de doença, no período entre 24/8/2010 e 12/5/2011, conforme consta de fl. 78.

14. Aquando do descrito em 3), o A. encontrava-se no interior das instalações da empresa aludida em 1) a supervisionar a linha de produção em funcionamento (que inclui a lavagem, o teste de estanquicidade, o enchimento e o arrolhamento das garrafas de vidro de vinho gaseificado), a cerca de 2,5 m da parte central que inclui o teste de estanquicidade, quando o seu olho direito foi atingido (com perfuração do globo ocular) por um estilhaço ou película de vidro que proviera da mesma.

15. Essa era uma máquina de cerca de 1986, em que não havia marcação CE de conformidade, usada desde então, que ainda continua a trabalhar, dotada de protecção de segurança, através de chapas de inox, e todas aquelas tarefas eram realizadas de forma automática, nomeadamente após a lavagem, e antes do enchimento, a máquina submetia todas as garrafas a um teste de pressão (através de ar comprimido, dentro de uma campânula superior) para verificar a resistência do vidro de cada uma, seguido de um teste de descompressão (enquanto descem nessa campânula e depois para regressarem novamente ao tapete rolante).

16. Aquando do descrito em 3), estava a decorrer o teste de estanquicidade ou resistência do vidro e alguma das garrafas não resistira à pressão do ar comprimido, rebentando e um estilhaço (projectado de modo não concretamente apurado) atingiu o A.

17. Aquando do descrito em 1), o A. não constava das folhas de férias enviadas pela aludida empresa, referentes aos meses anteriores, a propósito do contrato aludido em 6.

18. Só em 5-3-2010 (já depois do sinistro) essa empresa emitiu a folha de férias do mês relativo ao do sinistro, contendo o nome do sinistrado, a qual foi enviada à Seguradora e à Segurança Social, e que a receberam, respectivamente, no dia 8-3-2010 e 11-3-2010, nos termos constantes de fls. 12 e verso, e 473.

19. Apesar de o sinistrado ser gerente dessa empresa desde 6-7-2007 e desse contrato de seguro se ter iniciado em 7-10-2007. (Facto alterado pelo Tribunal da Relação)

20. Tendo o A. sido inscrito na Segurança Social com efeitos a partir de 1/2/2010. (Facto alterado pelo Tribunal da Relação)

21. O A. despendeu a quantia de € 4.800,00, na intervenção cirúrgica realizada no Instituto CUF, no dia 2-11-2010, por ser necessária face ao estado clínico do seu olho direito e à suspensão de tratamentos pela Seguradora.

22. Também despendeu € 250,00, em transportes, para tratamentos ao mesmo olho e € 12,00, em deslocações a este Tribunal, por causa deste processo.

23. Foi fixada (devido à visão nula no olho direito por alterações retinianas pós-traumáticas do sinistrado) uma incapacidade para o trabalho permanente parcial de 40,5%.


B) DE DIREITO

1. A primeira questão que importa dirimir, atento o objecto do recurso, incide sobre a alegada existência de nulidade do Acórdão proferido, por violação do n.º 1, al. d), do art. 615º do CPC, norma aplicável à 2ª instância conforme decorre do art. 666º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

1.1. Resulta do disposto no n.º 1 do art.º 77.º, do CPT, que a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, o que visa que o Tribunal recorrido tome posição sobre a arguição em causa, em conformidade com o disposto no n.º 3 do mesmo artigo.
Quer isto dizer que o Recorrente deve fazer menção expressa da arguição de nulidades da sentença no próprio requerimento em que interpõe o recurso e deve fazê-lo separadamente.
Tem sido este o entendimento jurisprudencial uniforme da Secção Social, deste STJ, o qual encontra acolhimento em diversos Autores[1], cuja justificação radica na necessidade de agilizar a resolução final dos conflitos do foro laboral, possibilitando ao Tribunal a rápida e clara detecção das nulidades arguidas e o respectivo suprimento.

1.2. No caso sub judice, da análise do requerimento de interposição da revista que se encontra a fls. 894-895 dos autos, constata-se que a arguição da nulidade em causa é omitida naquele requerimento, vindo apenas a ser abordada na parte das alegações, mais concretamente a fls. 897 e segts.
O Recorrente não deu, pois, cumprimento ao preceituado no art. 77º, n.º 1, do CPT, porquanto só nas alegações apresentadas – e ao longo destas – veio arguir o que considera constituir a nulidade do Acórdão recorrido, por violação do disposto na alínea d), do n.º 1, do art. 615º, do CPC.
Deste modo, à luz da abordagem que a Jurisprudência deste Tribunal vem fazendo da norma do art. 77.º do CPT, fácil é concluir que este Supremo Tribunal não poderá conhecer da arguição da nulidade que o Recorrente imputa ao Acórdão do Tribunal da Relação em virtude de a mesma não ter sido feita de forma expressa e separada no requerimento de interposição de recurso.

Em face do exposto não se conhece da nulidade imputada ao Acórdão recorrido, mais concretamente da 1ª conclusão das alegações de recurso.

2. Relativamente à segunda questão, sustenta o A., ora Recorrente, que o Tribunal da Relação ultrapassou e violou os poderes que a Lei lhe confere na sindicância da matéria de facto fixada em 1ª instância, nos termos do art. 662.º, do CPC, ao modificar a matéria de facto dada como provada por aquela instância nos pontos de facto nºs. 19º e 20º (a que correspondem os arts. 15º e 16º da matéria de facto controvertida referidos nas conclusões - cf. fls. 252)
Contudo, desde já se adianta que não lhe assiste razão.
Vejamos porquê.

2.1. Decorre do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, que a Relação pode alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto fixada pela 1.ª instância, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Nos termos previstos no n.º 2, do mencionado preceito, a Relação poderá também, ex officio:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o Tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados

Ressalta do citado preceito legal que a decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, uma vez que o legislador lhe atribuiu poderes para proceder, não só à reponderação da decisão recorrida, como também ao reexame da causa, determinando a renovação dos meios de prova produzidos pela 1.ª instância ou até a produção de novos meios de prova, nas circunstâncias ali previstas.
A determinação dos factos pela Relação, após a reapreciação da prova, deve decorrer da análise crítica dos elementos probatórios para o efeito apreciados, de acordo com a própria convicção que a Relação sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito probatório material, ou seja, pelas regras que atribuem força probatória plena a determinados meios de prova e/ou pelas que impõem que a prova de determinado facto se faça por certo meio probatório.

Ou seja, o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no n.º 5 do art. 607.º do CPC, vigora para a 1.ª instância e, de igual modo, para a Relação, quando é chamada ou decide reapreciar a matéria de facto.
Compete, assim, ao Tribunal da Relação reapreciar todos os elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos e consignar, de acordo com a sua convicção, os factos materiais que julga provados, coincidam eles, ou não, com o juízo alcançado pela 1.ª instância, pois só assim actuando está, efectivamente, a exercitar os poderes que nesse âmbito lhe são legalmente conferidos. 
Como explicita Abrantes Geraldes[2], com a clareza que lhe é reconhecida, «(…) sendo a decisão do Tribunal “a quo” o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação (…) a Relação, assumindo-se como verdadeiro Tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia. Afinal nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o Tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores da imediação e oralidade.
Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art.º 413.º) deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: conformar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo

Estes amplos poderes de reapreciação da matéria de facto conferidos à Relação não são, no entanto, extensíveis ao Supremo Tribunal de Justiça, o que, de acordo com o Autor citado[3] se compreende num contexto em que é atribuída a este último Tribunal competência privilegiada para apreciar questões de direito, deixando para as instâncias a circunscrição dos factos.

Efectivamente, em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do apuramento da matéria de facto, é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, nos termos conjugados dos arts. 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2, do CPC, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 deste último preceito legal.
Poderes reconhecidos, ainda recentemente, no aresto desta Secção, de 14-5-2014, conforme resulta do seu sumário, proferido no âmbito da Revista n.º 260/07.[4]
Na verdade, dispõe o n.º 3 do referido art.º 674.º que, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Por seu lado, dispõe o n.º 2 do citado art.º 682.º, que a decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674.º.
E conforme se firmou no Acórdão desta Secção, de 27-3-2014,[5] «com a ressalva do condicionalismo exceptivo decorrente da ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto Tribunal de revista, não pode alterar a matéria de facto fixada nas instâncias recorridas».

Destarte, no que concerne à modificabilidade da decisão de facto, a intervenção do Supremo reconduz-se à verificação da conformidade da decisão de facto com o direito probatório material, nos estritos termos dos normativos citados.
Isto é, ao nível da decisão da matéria de facto, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é limitada à apreciação da observância das regras de direito probatório material (denominada prova vinculada), ficando excluída do seu âmbito de competência a reapreciação da matéria de facto fixada pela Relação no domínio da faculdade prevista no art. 662.º do CPC, suportada em prova de livre apreciação e posta em crise apenas no âmbito da percepção e formulação do respetivo juízo de facto.

Por conseguinte, o Supremo Tribunal de Justiça só pode alterar a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, no respeitante à matéria de facto, quando, nessa fixação:
- Tenha havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto – ou seja, quando tiver sido dado como provado determinado facto sem que tenha sido produzido o meio de prova de que determinada disposição legal faz depender a sua existência;
- Quando exista violação de uma norma que fixe a força probatória de determinado meio de prova – ou seja, quando determinado facto tenha sido dado como provado por ter sido atribuído a determinado meio de prova uma força probatória que a lei não lhe reconhece, ou
- Quando um facto tenha sido dado como não provado por não ter sido atribuído a determinado meio de prova a força probatória que a lei lhe confere.

2.2. No caso em apreço, o Recorrente insurge-se contra o facto de o Tribunal da Relação ter modificado a decisão da matéria de facto, dada como provada pela 1.ª instância, no que concerne aos arts. 15º e 16º dos factos controvertidos (fls. 252) a que correspondem aos pontos 19) e 20) dos factos provados.

Do cotejo do Acórdão recorrido, na parte que aqui releva, a esse propósito exarou-se o seguinte:

«A Recorrente questiona a decisão relativa à matéria de facto no que tange aos itens 11 a 14 e 15 e 16.

(…).

Quanto ao mais vejamos o teor dos itens:

14º - Com vista a eximir-se da responsabilidade de reparação que não havia transferido para a Seguradora no âmbito desse mesmo contrato (iniciado em 7/10/2007 e apesar de o A. ser gerente dessa empresa desde 6/7/2007)?

15° - (ou) O A. só a partir de 1/2/2010 passou a ser remunerado como gerente na sequência de um acordo entre os vários gerentes dessa empresa, no final de 2009 e para vigorar a partir daquela data em que passara a ser possível à empresa despender fundos para pagar vencimento de gerência?

16º - Tendo o A. sido inscrito na Segurança Social com efeitos a partir de 1/2/2010, na sequência do mesmo acordo entre os gerentes dessa empresa?

O que se refere em … 14 resultam do facto 18. A expressão … e "com vista a eximir-se", são conclusivas, resolvendo a questão. Se tal ocorreu deve resultar da factualidade provada.

É de manter o decidido.

Quanto aos itens 15 e 16:[6]

Apoia-se a Recorrente na prova documental junta, invocando os depoimentos de EE e DD, referindo que os mesmos são filho e empregado, pelo que os depoimentos não merecem credibilidade.

A comunicação do sinistro chegou à Seguradora a 8/3/2010, juntamente com a folha de férias, emitida a 5/3. O sinistro ocorrera a 23/2. Após o sinistro não foi efectuada comunicação à Seguradora, em violação do constante da apólice, o que atenta a gravidade do mesmo deixa alguma perplexidade, apenas sendo comunicado com a participação, treze dias depois.

A inscrição na SS (=Segurança Social) ocorre na mesma ocasião, sendo recebida nesta, a 11/3. No mês seguinte já não consta nem nos posteriores – fls. 317 ss. A SS. informa ainda existirem 6 declarações de remunerações do Autor, entregues fora de prazo, uma para Fevereiro referindo um total de 5 dias de trabalho e os meses subsequentes até agosto de 2010, com entrega a 12/1/2011. Deixa estranheza igualmente o facto da inscrição para a Segurança Social não ter ocorrido no tempo devido, nos termos do artigo 2º D.L. 124/84, com a alteração então em vigor – D.L. 330/98 e 14/2007, (a alteração do D.L. 72/2010 não estava ainda em vigor).

Os itens colhem fundamentação no depoimento de DD. Este, num depoimento coincidente com o de EE, confirmou a aquisição da empresa, que se encontrava em situação económica difícil, tendo os gerentes decidido não receber remuneração. O EE referiu que recebiam de outras empresas. Quando se deu a viragem, referiu o Adriano, combinaram ir metendo nas folhas de férias, escalonadamente, o mais novo primeiro, depois o EE e um outro irmão, e por fim o pai. A testemunha Adriano assume a responsabilidade para si da tardia inscrição do Autor na Segurança Social, o erro foi seu, disse. Atentas as ligações do primeiro ao sinistrado, filho, e do segundo à empresa, empregado; e conjugados os depoimentos com os restantes elementos documentais e as estranhezas já referenciadas, a credibilidade das mesmas, sai fortemente abalada. Saliente-se que após o envio da documentação remetida aquando do sinistro, não voltou a ser mencionado na folha de salários enviadas à Segurança Social até final do ano, tendo sido entregues em Janeiro de 2011 várias declarações referentes ao autor, indicando para Fevereiro de 2010, 5 dias. Tudo circunstâncias que põem em causa a verdade do que consta da resposta dada aos itens 15 e 16.

Consequentemente, dá-se por não provados os referidos itens no que tange ao acordo e à remuneração, ou seja, não demonstrada, relativamente a um e outro item, a seguinte matéria: " só a partir de 1/2/2010 passou a ser remunerado como gerente, na sequência do acordado nessa empresa, no final de 2009, e para vigorar a partir do início de Fevereiro de 2010 por ter sido considerado possível à empresa despender fundos para pagar vencimento a este sócio e gerente”.

Da leitura do Acórdão recorrido, em particular do excerto citado, resulta evidente que o Tribunal da Relação reapreciou as provas produzidas no processo em relação aos factos objecto da impugnação, procedeu ao confronto entre elas, explicitou as conclusões da prova que reavaliou e, a final, procedeu à modificação da decisão de facto de acordo com a convicção que formou acerca dos factos em discussão.

Com efeito, depois de ponderar, conjugando entre si:

- A data em que o sinistro ocorreu e foi comunicado à Seguradora;

- A data em que a folha de férias foi emitida e em que ocorreu a inscrição do sinistrado na Segurança Social;

- O facto de o sinistrado não constar nas folhas de férias anteriores ao acidente;

- A circunstância de o Autor não voltar a ser mencionado nas folhas de salários enviadas à Segurança Social até ao final do ano, e de terem sido entregues em Janeiro várias declarações ao mesmo referentes, indicando, para Fevereiro de 2010, apenas cinco dias;

- A credibilidade das testemunhas DD e EE, cujos depoimentos previamente analisou, e que considerou fortemente abalada pelas razões que aduziu,

Concluiu o Tribunal da Relação que estava posta em causa a verdade da resposta dada aos aludidos artigos 15º e 16º da matéria de facto controvertida, tendo consequentemente alterado a sua redacção, nos termos que constam dos pontos 19) e 20) dos factos provados, por considerar que a matéria descrita naqueles pontos impunham decisão diversa.

Ao proceder nesses termos, alterando a decisão de facto proferida pela 1.ª instância, depois de ter reapreciado a prova testemunhal produzida e de a conjugar com outros elementos fácticos assentes em prova documental, o Tribunal da Relação mais não fez do que usar os poderes que a lei lhe confere nesta matéria, com vista a alcançar a verdade material.

E no alargado âmbito de actuação que legalmente lhe é concedido, colocado na mesma posição do Julgador da 1ª Instância, nada impede, como se disse, que o Tribunal da Relação forme a sua própria convicção sobre os pontos da matéria de facto impugnados, tal como o Tribunal da 1ª instância, e proceda às modificações que levou a efeito.

É certo que, ao alterar a redacção dos sobreditos factos, o Tribunal da Relação fez uma valoração da prova diversa da seguida pela 1.ª instância ao considerar que a convicção desta não tinha suporte razoável no conjunto da prova produzida sobre os factos que, depois, acabou por dar como não provados.

Tal circunstância, no entanto, não atenta contra o princípio da livre apreciação da prova, princípio que, conforme referimos supra, vigora nos mesmos termos tanto para a 1.ª instância, como para o Tribunal da Relação quando é chamado a reapreciar a matéria de facto.

Destarte, a Relação, exercitando poderes que nesse âmbito lhe são legalmente conferidos, reapreciou e reponderou todos os elementos probatórios produzidos nos autos, expressou, a partir deles, a sua convicção com total autonomia e, de acordo com a convicção própria que com base neles formou, exprimiu o seu resultado, eliminando factos materiais que julgou não provados.

Essa reapreciação está contida nos poderes que a lei lhe confere e que, por isso, os pode e deve exercer, sem quaisquer limitações, exceptuadas as impostas pelas regras de direito probatório material.

Por conseguinte, não estava o Tribunal da Relação impedido de alterar, como alterou, a redação dos pontos 19) e 20) (cf. arts. 15.º e 16.º da matéria de facto controvertida), sendo certo que, tratando-se de prova testemunhal, extravasa a sindicância deste Supremo Tribunal, o qual funcionando estruturalmente como um Tribunal de revista, aprecia apenas, em regra, matéria de direito.

Com efeito, ao STJ compete aplicar, à factualidade fixada pelas instâncias, definitivamente, o regime jurídico que entenda adequado, estando por isso impedido de sindicar o uso desse poder de alteração por parte da Relação, na medida em que tal implicaria uma pronúncia sobre a matéria de facto, faculdade que a lei não consente, salvo nos casos do nº 3, do art. 674º, do NCPC.

É, assim, totalmente infundada a alegação do Recorrente de que o Tribunal da Relação violou os poderes previstos no CPC, no que concerne à reapreciação da matéria de facto fixada em 1.ª instância.

Razão pela qual improcedem as conclusões 2.ª a 16.ª das alegações do recurso.

3. A terceira – e última – questão, colocada na presente revista, prende-se com a responsabilidade pela reparação dos danos derivados do acidente dos autos.


No Acórdão recorrido, depois de ponderada, para além do mais, a circunstância de o A. – que prestava funções não remuneradas – não constar das folhas de férias anteriores ao acidente e de não ter ficado demonstrado que o mesmo tivesse auferido, ao serviço da entidade patronal, qualquer remuneração no mês do acidente, decidiu-se que aquele não estava abrangido pelo contrato de seguro celebrado entre as RR., na modalidade de seguro a prémio variável, pelo que a reparação do acidente não poderia ser imputável à R. Seguradora.

Argumenta, contudo, o A./Recorrente, que o envio da folha de remunerações à Compª. de Seguros com o seu nome, em 8-3-2010, foi tempestivo, pelo que deve considerar-se abrangido pelas garantias do contrato de seguro celebrado entre a sua entidade patronal e a R. Seguradora.

Analisando e Decidindo.

3.1. O acidente dos autos ocorreu em 23-2-2010, pelo que se encontra abrangido pelo regime de reparação de acidentes de trabalho aprovado pela Lei n.º 98/09, de 4-9, em cuja vigência ocorreu, assim como pelo regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/08, de 16-4, que entrou em vigor no dia 1-1-2009, de acordo com o disposto no art. 7.º daquele diploma.

É também aplicável à situação dos autos, por força do disposto no respectivo art. 5.º, a Norma Regulamentar n.º 1/2009-R, emitida pelo Instituto de Seguros de Portugal, publicada no Diário da República, 2.ª Série, de 23-1-09, que aprovou «a Parte Uniforme das Condições Gerais da Apólice de Seguro Obrigatório de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem, bem como as respectivas Condições Especiais Uniformes …».
Ou seja, a «apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem», normativa regulamentar que entrou em vigor em 1-1-2009.
Subsequentemente às alterações introduzidas pela aludida norma regulamentar, para adaptação ao regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Dec. Lei n.º 72/08, de 16-4, foi publicada a Portaria n.º 256/01, de 5-7, com o objectivo de dar nova forma jurídica ao novo regime material dos acidentes de trabalho, assim como ao novo regime especial do seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, previsto na Lei n.º 98/09, de 4-9, em conformidade com o disposto no art. 81.º desta Lei.

3.2. Resulta da Cláusula 5.ª, da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho, aprovada pela norma n.º 1/2009-R, de 23-1-09, que enquadra o contrato de seguro cuja execução é objecto da presente revista, que tal contrato pode ser celebrado nas seguintes modalidades:
«a) Seguro a prémio fixo, quando o contrato cobre um número previamente determinado de pessoas seguras, com um montante de retribuições antecipadamente conhecido;
b) Seguro a prémio variável, quando a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pelo Segurador as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro» – (sublinhado nosso).

O objecto do seguro de prémio variável depende da declaração periódica do tomador de seguro[7] que, para não celebrar diversos contratos, de acordo com as flutuações do pessoal, celebra um único contrato, de conteúdo variável em função das alterações do pessoal e respectivas remunerações.

No seguro a prémio variável, o empregador segura a sua responsabilidade pelos danos sofridos por um número variável de pessoas, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pela Seguradora as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro.
Tal variabilidade de pessoal, que implica necessariamente uma variação de massa salarial, terá de repercutir-se no montante dos prémios a cobrar.

De acordo com a alínea a), do n.º 1 da Cláusula 24.ª, da referida apólice uniforme, relativa às obrigações do tomador do seguro, este obriga-se:
«A enviar ao Segurador, até ao dia 15 de cada mês, conhecimento do teor das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à Segurança Social, relativas às retribuições pagas no mês anterior, devendo ser mencionada a totalidade das remunerações previstas na lei como integrando a retribuição para efeito de cálculo da reparação por acidente de trabalho, devendo ainda ser indicados os praticantes, os aprendizes e os estagiários».

Os seguros de prémio variável determinam, assim, para o tomador do seguro a obrigação de enviar à Seguradora até ao dia 15 de cada mês, as folhas de retribuições pagas no mês anterior a todo o seu pessoal, e que devem ser duplicados com remessa para a Segurança Social, com a menção da totalidade das remunerações, porquanto será através dessas folhas de retribuições que se efectua a actualização do contrato, a que corresponde a actualização do prémio por parte da Seguradora.

Por força do disposto no n.º 1 da «condição especial 01», relativa a seguros de prémio variável, «de acordo como o disposto na alínea b) da cláusula 5.ª das condições gerais, estão cobertos pelo contrato os trabalhadores ao serviço do tomador de seguro na unidade produtiva identificada nas condições particulares, de acordo com as folhas de retribuições periodicamente enviadas à Seguradora, nos termos da alínea a) do n.º 1 da cláusula 24.ª das condições gerais da apólice». E, nos termos do n.º 2 da mesma condição especial, «o prémio provisório é calculado de acordo com as retribuições anuais previstas pelo tomador de seguro».
Por tal motivo, estabelece o n.º 3 da mesma Cláusula que, «no final de cada ano civil ou aquando da resolução do contrato, (…) será sempre efectuado o acerto, para mais ou para menos, em relação à diferença verificada entre o prémio provisório e o prémio definitivo, calculado em função do total de retribuições efectivamente pagas durante o período de vigência do contrato».

3.3. A propósito da questão de saber «se no caso do contrato de seguro de prémio variável, a omissão do nome do sinistrado na folha de férias não afecta a validade do contrato, importando a responsabilização da Seguradora, ou determina a exclusão do trabalhador/sinistrado omitido do âmbito do seguro», este Supremo Tribunal proferiu o Acórdão n.º 10/2001, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 27-12-01, que uniformizou a Jurisprudência nos seguintes termos:
«No contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias remetidas mensalmente pela entidade patronal à Seguradora, não gera a nulidade do contrato nos termos do art. 429.º do Cód. Comercial, antes determina a não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro».

A fundamentação deste Acórdão fornece elementos relevantes no sentido do enquadramento da situação do presente processo.
Referiu-se, com efeito, naquele Acórdão, no contexto dos fundamentos da decisão proferida, o entendimento que se segue e que não pode deixar de se transcrever:
«6.3 - Conforme já referido, mais do que uma posição em termos de dogmática jurídica relativamente à questão da natureza jurídica do contrato de seguro de acidentes de trabalho, a solução da situação sob apreciação assenta particularmente na relevância das declarações do tomador.
Com efeito, neste âmbito, as mesmas são por demais importantes, até porque, e desde logo, a efectivação do seguro delas depende essencialmente, pois que elas estabelecem a medida exacta do risco que a Seguradora assume com a celebração do contrato.
Sendo fundamental, no contrato de seguro, a confiança nas declarações emitidas pelos contraentes, para prevenir as eventuais tentativas de fraude, a lei sanciona com a invalidade (…) os contratos em que tenha havido declarações inexactas, incompletas ou prestadas com reticências (…), com omissões por parte do tomador de seguro e que influam sobre a existência (…) ou condições do contrato, sendo inócua a intenção do segurado, cf. artigo 429.º do Código Comercial (e cláusula 25.ª da apólice uniforme).
Não obstante se poder concluir, da simples leitura do supra-referido preceito, que a relevância das declarações para efeitos de validade do acordo opera apenas no momento da celebração do negócio, quer a jurisprudência quer a doutrina têm vindo a defender a aplicabilidade de tal regime sempre que se verifique qualquer modificação que altere (aumente) o risco, ou seja, sempre que estiverem em causa circunstâncias ou elementos relevantes para a determinação do conteúdo concreto do contrato, no caso da sua permanente actualização.
A avaliação do que sejam declarações inexactas ou omissões relevantes, determinantes do regime de invalidade do negócio, terá de ser feita caso a caso, sendo que a solução paradigmática encontrada por certa jurisprudência relativamente à omissão do nome do trabalhador nas folhas de férias a enviar à Seguradora, nos seguros de modalidade de prémio variável, parece desajustada da realidade do contrato em causa (…).[8]
Na verdade, nesta modalidade de seguro, a entidade patronal transfere a sua responsabilidade infortunística pelos danos sofridos por um número variável de pessoas. Por conseguinte, tal variabilidade de pessoal, que implica necessariamente uma variação de massa salarial, terá de repercutir-se no montante dos prémios a cobrar.
O objecto do seguro de prémio variável depende, pois, da declaração periódica do tomador de seguro que, para não celebrar diversos contratos consoante as flutuações do pessoal que emprega, firma um único contrato com conteúdo variável, sendo consequentemente variável a respectiva obrigação de seguro (…).
Compreende-se, assim, a obrigação da empregadora de incluir o trabalhador nas folhas de férias a enviar à Seguradora até ao dia 15 do mês seguinte ao início das respectivas funções – n.º 4 da cláusula 5.ª da apólice uniforme – já que é através dessas folhas de férias ou salários que se efectua a actualização do contrato, a que corresponde a actualização do prémio, por parte da Seguradora.
A vantagem desta forma de contratação, que tem subjacente a variabilidade da identidade ou do número de pessoas que estão ao serviço do tomador de seguro, reside no facto de, pela celebração de um único contrato, poder ser dado cumprimento ao que, no fundo, são obrigações de seguro independentes, porquanto cada uma destas obrigações surge relativamente a cada prestador de serviço e depende das condições próprias da prestação de trabalho (…), pelo que, e consequentemente, a responsabilidade a assumir pela Seguradora depende, necessariamente, da identificação do pessoal.
Assim, não se encontrando determinado trabalhador incluído nas folhas de férias enviadas à Seguradora, verifica-se, segundo cremos, uma situação de não cobertura e não de omissão de declaração relevante para efeitos de nulidade do contrato, pois o comportamento omissivo por parte do tomador de seguro/empregador nada influenciou os riscos de verificação do sinistro assumidos pela Seguradora relativamente aos demais trabalhadores.
De outro modo, poderia verificar-se, no caso de produção de acidente com um trabalhador regularmente inscrito, a possibilidade da Seguradora invocar a nulidade do contrato em virtude de, ao serviço do mesmo tomador do seguro, um (ou outros) trabalhador(es) nunca ter(em) sido mencionado(s) nas folhas de férias.
O contrato de seguro de prémio variável exige, assim, o cumprimento de várias obrigações de seguro, independentes entre si, embora unidas por um único contrato cujo objecto vai sendo determinado caso a caso.
O incumprimento, por parte do tomador de seguro, da obrigação consubstanciada na inclusão do(s) trabalhador(es) ao seu serviço na folha de férias a enviar à Seguradora até ao dia 15 do mês seguinte ao do início das funções do(s) respectivo(s) trabalhador(es), determina, consequentemente, a não assunção de responsabilidade, por parte da Seguradora, pelos danos sofridos pelo trabalhador omitido, pois verifica-se uma situação de não cobertura, decorrente do não preenchimento das condições necessárias estabelecidas pelas partes, para a assunção da responsabilidade, tendo a entidade patronal de suportar o pagamento do que for devido ao trabalhador».

Por força desde Acórdão Uniformizador, é actualmente pacífico o entendimento de que o contrato de seguro de acidentes de trabalho a prémio variável é ineficaz em relação aos trabalhadores não incluídos nas folhas de retribuições, sem que isso afecte a validade do próprio contrato de seguro relativamente aos demais.

Esta Secção tem mantido a doutrina decorrente daquele Acórdão aos casos em que o nome do sinistrado só é integrado nas folhas de retribuições após a ocorrência do sinistro, sendo disso exemplo o Acórdão de 14-11-‑2007, proferido na revista n.º 07S2903[9], de onde foi extraído o seguinte sumário:
«1. Na sequência do Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 10/2001, de 21.11.2001, é pacífico o entendimento de que o contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, é ineficaz em relação aos trabalhadores não incluídos nas folhas de retribuições, sem que isso afecte a validade do próprio contrato de seguro.
2. Essa doutrina é extensível aos casos em que o nome do sinistrado só após o acidente foi incluído nas folhas de retribuições enviadas à Seguradora, sendo omitido em anteriores folhas de retribuições relativas a períodos de tempo em que se encontrava já ao serviço do empregador.
3. Provando-se que o empregador, durante cerca de sete meses, omitiu o nome do sinistrado nas folhas de retribuições, cujo nome apenas surge incluído na primeira folha de retribuições recebida pela Seguradora após o acidente, verifica-se uma situação de não cobertura do sinistrado pelo contrato de seguro firmado entre o empregador e a Seguradora, o que determina a não assunção de responsabilidade pela Seguradora

Os fundamentos da citada Jurisprudência permanecem actuais, não obstante as alterações legislativas entretanto verificadas no enquadramento jurídico do contrato de seguro, decorrentes da entrada em vigor do regime jurídico aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 72/08, de 16-4, conforme se alcança da disciplina estabelecida nos arts. 24.º e seguintes daquele regime, nomeadamente sobre os deveres que oneram as partes no contrato e sobre as consequências do incumprimento desses deveres decorrentes dos arts. 25.º e 26.º do mesmo regime.
Isto porque, conforme se refere no Acórdão de 11-2-2015, proferido na revista n.º 620/11.8TTLSB.L1.S1[10], «… no contrato de seguro vigora uma exigência de boa-fé, que tem de estar presente não só nos deveres de comunicação inicial do risco pelo tomador ou pelas alterações supervenientes do mesmo, mas em toda a execução do contrato.
A concretização dos riscos cobertos tem uma particular importância na formação do contrato, devendo o tomador do seguro fornecer, com verdade, todos os elementos necessários à caracterização do risco cuja transferência pretende, sendo essa caracterização elemento essencial da proposta que apresenta à Seguradora.
Para além de sujeitar a celebração do contrato ao princípio da boa fé, a Lei é particularmente rigorosa no que se refere ao incumprimento do dever de verdade na negociação do contrato e na respectiva execução».


3.4. Posto isto, e reportando-nos ao caso dos autos, verifica-se que:
De acordo com a matéria de facto provada, no dia 23-2-10, pelas 9 h, em …, o A. trabalhava com a categoria profissional de gerente, sob a direção e fiscalização de CC, Lda., mediante a retribuição de € 2.500,00, por 14 meses, acrescida de € 141,02, por 11 meses, a título de subsídio de alimentação, quando foi atingido no seu olho direito por um vidro, no momento em que passava junto de uma máquina acompanhado do diretor geral de produção.
Deflui, igualmente, da matéria de facto que, em consequência disso, o A. ficou lesionado nesse olho e esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho, desde essa data até 22-3-2011 (data da alta ou cura clínica), altura em que lhe foi fixada (devido à visão nula no olho direito por alterações retinianas pós-traumáticas do sinistrado) uma incapacidade para o trabalho permanente parcial de 40,5%.

Resulta, também, do quadro factual provado, que a R. Empregadora e a Ré Seguradora haviam celebrado entre si um contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de folha de férias, titulado pela apólice n° …, e que no dia 8-3-2010, a Seguradora Ré recebeu a participação deste sinistro, por parte daquela empresa, relativamente àquela mesma apólice.

Finalmente, resultou ainda provado que, aquando do acidente, o sinistrado não constava das folhas de férias enviadas pela respectiva entidade patronal, referentes aos meses anteriores, a propósito do contrato de seguro de acidentes de trabalho identificado nos autos e que só em 5-3-2010 (portanto, já depois do sinistro) a R. Empregadora emitiu a folha de férias do mês relativo ao do sinistro, contendo o nome do sinistrado, a qual foi enviada à R. Seguradora e à Segurança Social, respectivamente, nos dias 8-3-‑2010 e 11-3-2010.

Sendo certo que na data do acidente o sinistrado já se encontrava ao serviço da empresa co-Ré, sendo gerente da mesma, desde 6-7-2007, e de o contrato de seguro aqui em causa se ter iniciado em 7-10-2007.

Acresce o facto de o sinistrado também só ter sido inscrito na Segurança Social com efeitos a partir de 1-2-2010.

Ou seja: o sinistrado foi vítima do acidente em 23-2-2010 e, apesar de trabalhar por conta da Ré CC, Lda. desde Julho de 2007, e de o contrato de seguro se ter iniciado no mesmo ano de 2007, só foi incluído anos depois, na folha de férias relativa ao mês de Fevereiro de 2010 – remetida pela Ré CC, Lda. à Seguradora em 8-3-2010.

Assim sendo, face ao circunstancialismo fáctico provado e ao enquadramento jurídico e jurisprudencial explanado supra, e in extenso, impõe-se concluir que o contrato de seguro a prémio variável celebrado entre as RR. é ineficaz em relação à produção dos efeitos pretendidos pelo Recorrente, relativamente ao acidente de que nos dá conta os presentes autos, não permitindo considerar tal acidente abrangido pelo referido contrato de seguro celebrado com a Ré Seguradora.
Conclusão reforçada pelo facto de inexistir motivo relevante para a inclusão do sinistrado na folha de férias relativa ao próprio mês do acidente, e remetida à Seguradora 13 dias após a ocorrência do sinistro, tanto mais que não se provou que o A. tivesse auferido ao serviço da sua entidade patronal qualquer remuneração no mês do acidente, e que só por isso tenha passado a constar da folha de férias (cf. resposta restritiva dada pelo Tribunal da Relação ao facto descrito sob o art.º 15.º, da matéria de facto controvertida).
Verifica-se, por conseguinte, uma situação de não cobertura do sinistrado pelo contrato de seguro firmado entre a empregadora e a Seguradora, o que determina a não assunção de responsabilidade por esta.

Falecem, por tal motivo, as conclusões 17.ª a 27.ª das alegações do recurso.

IV – DECISÃO:

- Termos em que se acorda em julgar improcedente o presente recurso de revista, mantendo-se integralmente o Acórdão recorrido.

- Custas a cargo do Recorrente, parte vencida – art. 527º, n.º 1, do CPC.

- Anexa-se sumário do presente Acórdão.

 Lisboa, 28 de Janeiro de 2016.

 Ana Luísa Geraldes (Relatora)

 Ribeiro Cardoso

 Pinto Hespanhol

_________________
[1] Citam-se, a este propósito, os Acórdãos do STJ., datados de 24/2/2010 e de 5/11/2014, 4ª Secção, in www.dgsi.pt..
Cf. tb. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Processo do Trabalho” – “Novo Regime”, pág. 116, e Abílio Neto, in “CPT Anotado”, pág. 169.
[2] Cf., neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2.ª Edição, 2014, págs. 235 e segts. Sublinhado nosso.
[3] Ibidem, ob. citada, pág. 255.
[4] Cf. Acórdão proferido no âmbito do Proc. 260/07, e disponível em www.dgsi.pt.
[5] Acórdão proferido no âmbito do Proc. 184/11.2.TTVLG.P1.S1, Relatado por Melo Lima, e disponível em www.dgsi.pt.
[6] Os sublinhados são nossos.
[7] Entendido, nos termos da cláusula 1ª da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho, aprovada pela norma n.º 1/2009-R, de 23 de Janeiro de 2009, como sendo «a entidade empregadora que contrata com a Seguradora, sendo responsável pelo pagamento dos prémios».
[8] Este, como os restantes sublinhados deste texto, é nosso.
[9] Cf. o citado Acórdão, Relatado por Pinto Hespanhol, e disponível em www.dgsi.pt
[10]Ac. Relatado por Leones Dantas, e disponível em www.dgsi.pt