Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
168-A/1994.L1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: FALÊNCIA
LEI APLICÁVEL
DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO HIPOTECÁRIO
CREDITO LABORAL
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 09/11/2012
Votação: MAIORIA COM 2 VOTOS DE VENCIDO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS FUNDAMENTAIS
Doutrina: - Doutrina social da Igreja e as encíclicas papais “Rerum Novarum (1891), Quadragesimo Anno (1931), Mater et Magistra (1961) e Populorum Progressio (1967).
- Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6ª edição, pág. 348.
- Orlando de Carvalho, no seu Estudo sobre o “Negócio Jurídico Indirecto (Teoria Geral)".
- Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva, Código do Trabalho Anotado, 3ª edição, pág.613.
- Radbruch, Filo... do Direito.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 686.º, N.º1, 733.º, 735.º, 744.º, 746.º, 748.°, 749.º, 751.º.
CÓDIGO TRABALHO: - ARTIGO 377.º, N.º1, ALÍNEA B).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 59.º, N.º1 AL. A) E N.º3.
DL N.º512/76, DE 3-7: - ARTIGO 2.º
DL N.º103/80, DE 5-9: - ARTIGO 11.º
LEI N.º17/86, DE 14-6 – “LEI DOS SALÁRIOS EM ATRASO” – LSA: - ARTIGO 12.º.
LEI N° 96/2001, DE 20-8: - ARTIGOS 1.º, 4.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22.10.2009, PROC. 605/04.OTJVNF-A-S1, IN WWW.DGIS.PT.
-DE 6.5.2010, PROC.56.AE/1993.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT .
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
- N.º 257/08, Nº 335/08 E Nº498/2003, DE 22-10, PUBLICADO NO D.R., II SÉRIE DE 3.1.2004, ACESSÍVEIS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 10.5.2004, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

1. A lei aplicável à graduação de créditos laborais e hipotecários, em confronto de prioridade de graduação, é a que vigorava à data do trânsito em julgado da sentença que decretou a falência, momento a partir do qual é despoletada a tramitação do concurso de credores com vista à liquidação universal do património do falido.

2. O Código Civil não consagra a figura dos privilégios imobiliários gerais que os arts. 2º do DL. 512/76, de 3.7 e 11º do DL. 103/80, de 5.9 instituíram para os créditos previdenciais e a Lei 17/86, de 14.6 – vulgarmente designada “Lei dos Salários em Atraso” – LSA – instituiu para os créditos salariais.

3. Não contemplando o Código Civil, a figura dos privilégios imobiliários gerais, existe uma lacuna quanto ao regime de oponibilidade a terceiros dos créditos que beneficiam do privilégio imobiliário geral, sendo certo que, no nº1 do art. 686º do Código Civil, se estabelece que a hipoteca cede perante credor que disponha de privilégio especial.

4. A magna questão da protecção dos créditos salariais em confronto com os créditos garantidos por hipoteca, sobretudo créditos bancários, na perspectiva de colisão do direito ao salário e da protecção da confiança no contexto da graduação de créditos em processo de falência, tem sido objecto de jurisprudência constitucional.

5. Sob a invocação do princípio constitucional da igualdade, – art. 13º da C.R. – não podem desproteger-se os trabalhadores que perdem os seus salários em caso de falência da entidade empregadora, sob pena de se conceder um injustificado “privilégio” a entidades também afectadas pelo colapso da empresa, mas seguramente com perspectivas menos severas, o que afrontaria o princípio da discriminação positiva.
Quando existe uma situação socialmente dramática, como o desemprego e perda de remunerações salariais, sobretudo as vencidas, seria intolerável, num Estado de Direito, não se dotar de garantia sólida e exequível o direito à retribuição salarial, tutelando-o com sólida armadura jurídica.

6. Como se sentenciou no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 6.5.2010, in www.dgsi.pt –“ Tendo em atenção a legislação aplicável ao caso concreto (art. 12.º, n.º 3, da Lei n.º 17/86, e não a Lei n.º 96/2001 que entrou em vigor posteriormente à declaração de falência) é de concluir que os créditos laborais devem ser graduados antes dos créditos garantidos por hipoteca.
A este sentido se chega através de uma interpretação literal dos preceitos relevantes (arts. 748.º e 751.º do Código Civil), assim se alcançando a sua razão de ser sob pena de, na prática, se inutilizar ou diminuir drasticamente a efectividade da protecção que o legislador quis conferir aos créditos emergentes de incumprimento ou de violação de contratos de trabalho, particularmente quando invocados em processo de falência”.

7. Estando em causa direitos fundamentais colidentes, como sejam os que se relacionam com o princípio da confiança ínsito no Estado de Direito, no caso os créditos hipotecários e o direito à protecção do salário, situando-se este num patamar superior àqueloutro, por contender com o indeclinável direito a uma vida digna e ter mais que natureza patrimonial, uma insofismável natureza alimentar, visando a subsistência pessoal e quantas vezes familiar, é este que deve prevalecer, numa hierarquia de normas constitucionais.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

                Declarada, em 22 de Maio de 1995, a falência de AA, Lda., com sede em Santa ..., ..., e aberto o respectivo concurso de credores, foram julgados prescritos no despacho saneador os créditos reclamados por BB, trabalhador da falida, no valor de 239.077$90, referente a vencimentos, subsídios e indemnização por antiguidade, e por CC, trabalhador da falida, no valor de 26.030$00, referente a subsídios de almoço, nos termos do disposto no artigo 38° do DL. n°49408, por ter decorrido mais de um ano entre a data da cessação do contrato de trabalho e a apresentação da reclamação de créditos.

Inconformados, recorreram estes reclamantes, para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Realizado, entretanto, o julgamento, foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em 15.10.2010 – fls. 3018 a 3068 – na qual, por não se terem provado os factos constantes dos quesitos 8° a 12°, 19º, 21°, 22º, 24° a 28°, 30º a 35º, 37º, 39°, 41°, 43º, 44º, 46°, 48°, 49°, 51° a 59º, 61°, 62°, 64° a 67°, 69° a 71°, 73°, 75º, 77º a 79° e 81° a 87º, foram julgados prescritos os créditos a que respeitavam, nos termos do disposto no artigo 38° do D.L. n° 49408 com fundamento no decurso de mais de um ano entre a data da cessação dos contratos de trabalho e a apresentação das respectivas reclamações de créditos.

A mesma sentença, rectificada pelo despacho de fls. 3129, reconheceu o crédito reclamado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica do Distrito de Lisboa, na quantia de 2.024.280$00 e julgou:

“1. Verificados os créditos identificados nas alíneas A) a NA) da especificação e 1), 2), 3), 4) 5), 22), 23), 24) e 25) do questionário, os créditos reconhecidos e reclamados por: Banco DD, S.A., na parte referente ao montante titulado pelas letras cuja certidão se encontra junta a fls. 1568-1571, incluindo os juros de mora, no montante de Esc. 606.162$00; EE, na quantia de Esc. 171.859$00; FF, na quantia de Esc. 70.275$10; GG, na quantia de Esc. 555.600$00; EDP — Electricidade de Portugal, S.A., na parte referente ao capital no montante de Esc. 720.000$00; HH, Comércio e Indústria, S.A., na quantia de Esc. 6.110.401$00; II, para além da constante da alínea AM), a quantia de Esc. 377.251$00; a JJ e a KK & Filhos, Lda; o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica do Distrito de Lisboa, na quantia de Esc. 2.024.280$00; sem prejuízo dos já reconhecidos sob os números: 7) a 11), 13, 14, 16, 18, 20, 21, 24, 26 a 47, 50, 52, 55, 57, 59, 60, 62, 64 a 66, 68, 69, 71 a 79, 82, 86 a 93, 111, 114, 136 a 139, 142, 143, 145°, 148°, 150° a 152, 154 a 184 já se encontravam verificados e reconhecidos logo aquando da prolação do saneador.

2. Quanto ao único imóvel apreendido sob a verba n°75: Prédio misto sito na ..., Santa ..., ..., com a área total de 20.732 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... com o n° ..., fls. … do Livro …, no qual estão implantados 7 pavilhões para indústria, com a área coberta total de 6.069 m2, a que corresponde o art. 2993 da matriz predial urbana de ..., graduo os mencionados créditos verificados pela ordem seguinte:

2.1. Dar-se-á primeiro pagamento aos créditos que beneficiam de hipoteca, e de acordo com a prioridade do respectivo registo.

2.2. Do remanescente, se remanescente houver, dar-se-á pagamento aos créditos privilegiados, ou seja, os que gozam de privilégio imobiliário geral – créditos dos trabalhadores, em rateio e na proporção dos respectivos montantes.

2.3. Do remanescente, se remanescente houver, dar-se-á pagamento aos demais créditos.

3. Quanto aos bens móveis apreendidos, graduo os mencionados créditos verificados pela ordem seguinte:

3.1. Dar-se-á primeiro pagamento aos créditos privilegiados – Créditos dos trabalhadores –, em rateio e na proporção dos respectivos montantes, tendo-se em consideração os pagamentos obtidos em 2.2.

3.2. Do remanescente, se remanescente houver, dar-se-á pagamento aos demais créditos, em rateio, e na proporção dos respectivos montantes.

Do produto da liquidação da massa falida, saem precípuas as custas da falência e seus apensos, bem como as despesas de administração e as custas pagas, na proporção do produto de cada espécie de bens móveis ou imóveis, nos termos dos arts. 200º, 208º e 249.°, n.° 2 do CPEREF.

Fixa-se a data da falência em 22 de Maio de 1995 (data da sentença que a decretou, por inexistirem nos autos elementos seguros que permitam fixar uma outra data anterior)”.

Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, os seguintes credores reclamantes:

LL, crédito n° 49°, MM, crédito n° 51°, NN — crédito n° 54°, OO — crédito n° 56°, PP — crédito n° 58°, QQ — crédito n° 94°, RR — crédito n° 95°, SS — crédito n° 96°, TT — crédito n° 97°, UU — crédito n° 98°, VV — crédito n° 99° XX — crédito n° 1000, ZZ — crédito n° 101°, AAA — crédito n° 102° BBB — crédito n° 103°, CCC — crédito n° 104° DDD — crédito n° 105°,EEE — crédito n° 106° FFF crédito n° 107° GGG — crédito n° 108°, HHH — crédito n° 109° III — crédito n° 110°, JJJ — crédito n° 113° KKK — crédito n° 115°, LLL – CRÉDITO N° 116° MMM – crédito n°117°, NNN — crédito n° 118° OOO — crédito n°119° PPP — crédito n° 120° QQQ — crédito n° 121° RRR — crédito n° 122°, SSS— crédito n° 123°, TTT – crédito n° 124°, UUU — crédito n° 125°, VVV — crédito n° 126°, XXX — crédito n° 127°, ZZZ — crédito 129°, AAAA — crédito n° 130°, BBBB — crédito n° 131°, CCCC — crédito n° 132°, DDDD — crédito n° 133°, EEEE — crédito n° 135°, FFFF — crédito n° 146°, GGGG — crédito n° 147°, HHHH — crédito n° 1490 e IIII — crédito n° 153°.

Recorreram, ainda os seguintes credores reclamantes:

JJJJ, crédito n° 26°, KKKK — crédito 27°, LLLL crédito n° 28°, MMMM –, crédito n° 29°, NNNN – crédito n° 30°, OOOO – crédito n° 31°,PPPP – crédito n° 32°, QQQQ – crédito n° 33°, RRRR – crédito 34°, SSSS – crédito n° 35°, TTTT – crédito n° 36°, UUUU – crédito n° 37°, VVVV – crédito n° 38°, XXXX – crédito n° 39°, ZZZZ – crédito n° 40°, AAAAA – crédito n° 41°, BBBBB – crédito n° 42°, CCCCC – crédito n° 43°, DDDDD – crédito n° 44°, EEEEE – crédito n° 45°, FFFFF – crédito n° 46°, GGGGG – crédito n° 47°, HHHHH – crédito n° 50°, IIIII – crédito n° 52°, JJJJJ – crédito n° 55°, KKKKK – crédito n° 57°, LLLLL – crédito n° 59°, MMMMM – crédito n° 60°, EE – crédito n°61°, NNNNN – créditos n° 62°, OOOOO – crédito n° 66°, PPPPP – crédito n° 114°, FF – crédito n° 134°, QQQQQ – crédito n° 154°.

A Relação de Lisboa, por Acórdão de 8.10.2011 – fls. 5196 a 5125 –, decidiu:

 “Julgar parcialmente procedente a apelação e revogar o despacho saneador e a sentença recorridos no segmento em que em que julgaram prescritos os créditos dos recorrentes, pelo que, alterando as referidas decisões, se julgam tais créditos verificados, graduando-se os mesmos a par dos demais créditos dos trabalhadores da falida que gozam de privilégio mobiliário geral, em rateio e na proporção dos respectivos montantes.

No mais confirma-se a sentença recorrida.

Custas pela massa falida, atento o disposto nos artigos 248º,n°s 1 e 2, e 49°, n° 2, do CPEREF”.

Inconformados, recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça os reclamantes:

BB,

LL,

MM,

CC.

NN,

OO,

PP,

QQ,

RR,

SS,

TT,

UU,

VV,

XX,

ZZ,

AAA,

BBB,

CCC,

DDD,

EEE,

FFF,

GGG,

HHH,

III,

JJJ,

KKK,

LLL,

MMM,

NNN,

OOO,

PPP,

QQQ,

RRR,

SSS, TTT,

UUU,

VVV,

XXX,

ZZZ,

AAAA,

BBBB,

CCCC,

DDDD,

EEEE,

FFFF,

GGGG,

HHHH,

IIII,

JJJJ,

KKKK,

LLLL,

MMMMA,

NNNN,

OOOO,

PPPP,

QQQQ,

RRRR,

SSSS,

TTTT,

UUUU,

VVVV,

XXXX,

ZZZZ,

AAAAA,

BBBBB,

CCCCC,

DDDDD,

EEEEE,

FFFFF,

GGGGG,

HHHHH,

IIIII,

JJJJJ,

KKKKK,

LLLLL,

MMMMM,

EE,

NNNNN,

OOOOO,

PPPPP,

FF,

QQQQQ.

Aderiram ao recurso os reclamantes – IIs, RRRRR e SSSSS – ut. fls. 5359.

Nas alegações os recorrentes formularam as seguintes conclusões:

1. Funda-se a douta decisão recorrida em, estando o Banco graduado em primeiro lugar garantido por hipoteca, este prevaleceria sobre os dos restantes credores, entre os quais ora recorrentes.

2. Ora sucede que os créditos dos ora recorrentes gozam de um privilégio — o imobiliário que é, nos termos do artigo 735° do Código Civil, sempre especial.

3. Nem se diga que, por deficiente formulação legislativa, os créditos de trabalho gozam de privilégio mobiliário geral a partir da publicação da Lei 17/86.

4. Só que tal deficiente formulação, pois inequivocamente se pretendia dizer privilégio mobiliário sobre a generalidade dos bens da empresa falida ou insolvente, não põe de lado a conceitualização consolidada e integrante da lei.

5. E veio tal deficiência ser corrigida pelo actual Código do Trabalho.

6. O privilégio imobiliário de que gozam os créditos de trabalho são especiais – Artigo 735° do Código Civil e, como tal, prevalecem sobre os do banco graduado em primeiro lugar (Artigo 686° do Código Civil).

7. Entendimento este consistente e coerente com o que resulta da evolução legislativa tendente a privilegiar os créditos de trabalho na universalidade dos créditos sobre a massa falida ou insolvente.

8. Tendo em conta os consolidados valores da protecção dos trabalhadores que integram e confirmam a nossa ordem jurídica.

9. Assim não entendendo, violou a douta decisão recorrida os Artigos 735°, 748°, 749°, 751° e 753º-3 do Código Civil e também na melhor interpretação, o Artigo 12° da Lei 17/86, de 14/07, o Artigo 4º da Lei 96/2001, os quais, a prevalecer tal orientação, entrariam em confronto com a Constituição da República, arts. 13°, 20° e 59° al. a), violando-os pelo que, em qualquer caso, deverá, em sede do presente recurso, ser revogada.

10. Os recorrentes identificam-se com o entendimento adoptado no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo n°56-AE/1993.L1.S1-7ª Secção, ao qual inteiramente aderem.

11. Pelo que deverá a decisão recorrida, como tal, ser revogada e reconhecidos em primeiro lugar os créditos dos recorrentes.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

A) A falida é devedora do montante reclamado em 49° por LL, trabalhador daquela até 10.09.89, tendo reclamado o crédito em 15.09.95.

B) A falida é devedora do montante reclamado em 51° por MM, trabalhador daquela até à data da reforma em 31.12.90, tendo reclamado o crédito em 15.09.95.

C) A falida é devedora do montante reclamado em 54° por NN, trabalhador daquela até 02.03.90, tendo reclamado o crédito em 15.09.95.

D) A falida é devedora do montante reclamado em 56° por OO, trabalhador daquela até 07.10.92, tendo reclamado o crédito em 15.09.95.

E) A falida é devedora do montante reclamado em 58° por PP, trabalhador daquela até 31.07.92, tendo reclamado o crédito em 15.09.95.

E) A falida é devedora do montante reclamado em 85° por TTTTT, trabalhador daquela até 1984, tendo reclamado o crédito em 16.01.96.

G) A falida é devedora do montante reclamado em 97° por TT, trabalhador daquela.

H) A falida é devedora do montante reclamado em 100° por XX, herdeira de UUUUU, falecido em 16.06.90.

I) A falida é devedora do montante reclamado em 101° por ZZ, herdeira de VVVVV, falecido em 01.04.95 e cujo contrato de trabalho cessou em 01.04.1989.

J) A falida é devedora do montante reclamado em 103° por BBB, trabalhador daquela.

L) A falida é devedora do montante reclamado em 112° por XXXXX, trabalhador daquela até 1995.

M) A falida é devedora do montante reclamado em 113° por JJJ, trabalhador daquela até 1995.

N) A falida é devedora do montante reclamado em 115° por KKK, trabalhador daquela até 1984, tendo apresentado a reclamação em 17.01.96.

O) A falida é devedora do montante reclamado em 116° por Portugal ZZZZZ, trabalhador daquela até 1984, tendo apresentado a reclamação em 17.01.96.

P) A falida é devedora do montante reclamado em 117° por MMM, trabalhador daquela até 1984, tendo apresentado a reclamação em 17.01.96.

Q) A falida é devedora do montante reclamado em 118° por NNN, trabalhador daquela até 02.03.89, tendo apresentado a reclamação em 17.01.86.

R) A falida é devedora do montante reclamado em 120° por PPP, trabalhador daquela até 1985, tendo apresentado a reclamação em 17.01.96.

S) A falida é devedora do montante reclamado em 122° por RRR, trabalhador daquela até 1985, tendo apresentado a reclamação em 17.01.96.

T) A falida é devedora do montante reclamado em 123° por AAAAAA, trabalhador daquela até 1988, tendo apresentado reclamação em 17.01.96.

U) A falida é devedora do montante reclamado em 124° por TTT, trabalhador daquela até 1986, tendo apresentado a reclamação em 17.01.96.

V) A falida é devedora do montante reclamado em 126° por VVV, trabalhador daquela até 1990, tendo apresentado a reclamação em 17.01.96.

X) A falida é devedora do montante reclamado em 127° por XXX, trabalhador daquela até 1989, tendo apresentado a reclamação em 18.01.96.

Z) A falida é devedora do montante reclamado em 132° por CCCC, trabalhador daquela até 1984, tendo apresentado a reclamação em 18.01.96.

AA) A falida é devedora do montante reclamado em 133° por DDDD, trabalhador daquela até 1989, tendo apresentado a reclamação em 18.01.96.

AB) A falida é devedora do montante reclamado em 140º por BBBBBB, trabalhador daquela até 1984, tendo apresentado a reclamação em 18.0196.

AC) A falida é devedora do montante reclamado em 141° por CCCCCC, trabalhador daquela até 1984, tendo apresentado a reclamação em 19.01.96.

AD) A falida é devedora do montante reclamado em 146° por FFFF, trabalhador daquela até 31.07.93, tendo apresentado a reclamação em 19.01.96.

AE) A falida é devedora do montante reclamado em 147° por GGGG, trabalhador daquela até 1984, tendo apresentado a reclamação em 19.01.96.

AF) A falida é devedora do montante reclamado em 149° por HHHH, trabalhador daquela até 1984, tendo apresentado a reclamação em 23.01.96.

AG) A falida é devedora do montante reclamado em 153° por DDDDDD, trabalhador daquela até 1984, tendo apresentado a reclamação em 29.01.96.

AH) O Banco Pinto & Sotto Mayor, S.A. prestou a pedido da falida três garantias bancárias, sendo, no montante de Esc. 60.000$00 a favor da EDP; no montante de Esc. 2.507.793$00 a favor da Cimpor e no montante de Esc. 1.400.000$00 a favor de Koch de Portugal.

AI) Para garantia das obrigações assumidas pela falida, foi prestada fiança para com o BPSM por EEEEEE a e FFFFFF.

AJ) O Banco DD, S.A. prestou a pedido da falida, duas garantias bancárias a favor da Alfandega de Lisboa, no valor global de Esc. 1.200.000$00, sendo uma de Esc. 500.000$00 e a outra de Esc. 700. 000$00.

AL) Para garantia dessa obrigação foi constituído penhor mercantil sobre máquinas e equipamentos da falida e uma hipoteca sobre os prédios e viaturas da mesma.

AM) A falida deve a II a quantia de Esc. 3.983.492, proveniente de indemnização, vencimento, férias e subsídios de 1982 a 1984, subsídio de almoço, subsídio de férias (1992), subsídio de Natal de 1993, subsídio de férias de 1993, vencimento de Novembro de 1994, férias e subsídios (1994 e 1995).

AN) A falida deve a QQ a quantia de Esc. 69.831$00, referente a vencimentos e subsídios — (20°).

AO) A falida deve a SS a quantia de Esc. 110.475$00, referente a vencimentos e subsídios — (23°).

Ap) A falida deve a VV a quantia de Esc. 65.149$00, referente a vencimentos e subsídios — (29°).

AQ) A falida deve a CCC a quantia de Esc. 95.798$00, referente a vencimentos e subsídios — (36°).

AX) A falida deve a DDD a quantia de Esc. 66.690$00, referente a vencimentos e subsídios (38°).

AZ) A falida deve a EEE a quantia de Esc. 98.305$60, referente a vencimentos e subsídios — (40°).

AAA) A falida deve a FFF a quantia de Esc. 108.572$50, referente a vencimentos e subsídios. — resposta ao quesito 42°.

AAB) A falida deve a GGG a quantia de Esc. 74.670$00, referente a vencimentos de 1982 a 1984 e subsídio de almoço — (45°).

AAC) A falida deve a III a quantia de Esc. 121.954$00, referente a vencimentos e subsídios — (50°).

AAD) A falida deve a NNN a quantia de Esc. 109.421$00, relativo a vencimentos, férias, subsídios e subsídio de almoço, referente aos anos de 1982 a 1984 — (60°).

AAE) A falida deve a QQQ, a quantia de Esc. 43.700$00, referente a retribuições, férias e subsídios de 1982 a 1984, e subsídio de almoço referente ao mesmo período, devidos ao seu falecido marido J.....M...... — (63°).

AAF) A falida deve a UUU a quantia de Esc. 70.750$00, referente a vencimentos e subsídios — (68°).

AAG) A falida deve a ZZZ, a quantia de Esc. 91.828$50, referente a vencimentos, férias e subsídios de 1982 a 1984 e subsídio de almoço — (72°).

AAH) A falida deve a AAAA, a quantia de Esc. 61.777$00, referente a vencimentos, férias e subsídio de 1982 a 1984 e subsídio de almoço — (74°).

AAJ) A falida deve a BBBB, a quantia de Esc. 92.650$20, referente a vencimentos e subsídios — (76°).

AAL) A falida deve a EEEE, a quantia de Esc. 86.083$80, referente a vencimentos, férias e subsídio de 1982 a 1984 e subsídio de almoço — (80°).

AAM) A falida deve a RR a quantia de Esc. 138.811$00 de retroactivos, subsídio de natal e férias referente a 1983, parte do vencimento referente ao mês de Setembro de 1984, 50% do vencimento relativo a Junho de 1984 e subsídio de natal e férias relativo a 1984 – (90°).

AAN) A falida deve a UU a quantia de Esc. 290.325$00 de vencimentos, férias e subsídios referentes a 1983 e 1984, férias relativas a 1989 e partes proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal referente a 1989 – (91°).

            Fundamentação:

            Sem do pelo teor as conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

            - se dado o regime legal vigente à data do trânsito em julgado da sentença que declarou a falência, os créditos laborais dos recorrentes – trabalhadores da falida – devem ser graduados antes dos créditos hipotecários para serem pagos pelo produto da venda do imóvel apreendido para a Massa falida;

            - se a interpretação acolhida no Acórdão recorrido ao graduar os créditos dos credores hipotecários antes dos créditos dos recorrentes violou a Constituição da República – seus arts. 13º, 20º e 59º a).

            Antes de entramos na apreciação da pretensão recursiva, seja-nos permitido citar as eloquentes palavras do Professor Doutor Orlando de Carvalho, no seu Estudo sobre o “Negócio Jurídico Indirecto (Teoria Geral)”[2] – não pelo facto do tema ter alguma afinidade com o objecto do recurso, mas pela impressiva actualidade e eloquência que nelas refulgem:

“Perante o desenrolar da vida prática, com necessidades que diariamente se renovam, formas sempre mais complexas e variáveis, não pode o jurista alhear-se como “em torre de marfim”, nos esquemas de uma ciência puramente lógica. De vez em quando, há-de curvar-se para o que lateja à sua volta, avaliar e criticar os seus próprios juízos de valor, vendo a que distância o formulário estrito de uma contingente ordenação fica dos novos interesses e das reais aspirações da prática. É uma sadia reflexão sobre o valor dos sistemas e das ideais, a qual não implica forçosamente um relativismo jurídico-constitucional, pois decorre até de uma atitude prévia em face da Lei e do Direito.

 No fundo, o que dita esta posição renovadora da ciência jurídica é o pensamento de que ela será acima de tudo uma ciência humana, compenetrada dos seus próprios deveres e limitações, do que lhe compete em actividade interpretativa, construtiva e até, por vezes, correctiva das normas; sabendo que não pode vingar nenhuma conduta que teime em desconhecer as realidades humanas, como sabe igualmente – embora admita que o “dever-ser” se determina pelo “ser”, o “sollen” se determina pelo “sein” – que os princípios jurídicos têm de sofrer, como quaisquer outros do inevitável “condicionamento material da ideia” [Radbruch, Filo... do Direito].

A questão decidenda tem sido objecto de larga querela doutrinal e jurisprudencial, não só pela frequência com que o legislador é chamado a regular os direitos e garantias dos créditos dos credores em caso de falência, como também pela complexidade do quadro normativo aplicável, que, pretendendo quiçá ajustar-se ao evoluir da situação jurídica, económica e social, nem sempre encontra a medida de uma equilibrada e justa composição de interesses.

A lei aplicável à graduação créditos laborais e hipotecários, aqui em confronto de prioridade de graduação e pagamento, é a que vigorava à data do trânsito em julgado da sentença que decretou a falência, momento a partir do qual é despoletada a tramitação do concurso de credores com vista à liquidação universal do património do falido – cfr. por todos, Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 22.10.2009 – Proc. 605/04.OTJVNF-A-S1 – in www.dgis.pt.

Não é, pois, aplicável o art. 377º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27.8.

Como se refere no Acórdão recorrido – a fls. 5216:

 “Na verdade, apesar de o Código do Trabalho ter entrado em vigor no dia 1de Dezembro de 2003, por força do disposto no artigo 3º,n°1, da Lei n° 99/2003, de 27 de Agosto, o novo regime dos privilégios creditórios imobiliários que servem de garantia aos direitos de crédito de que são titulares trabalhadores estabelecido no citado artigo 377° só entrou em vigor trinta dias depois da publicação da Lei nº35/2004, de 29 de Julho, que regulamentou a referida Lei n° 99/2003, de 27 de Agosto, ou seja, no dia 28 de Agosto de 2004, estando nesta data já há muito constituídos e vencidos os créditos dos recorrentes, trabalhadores da falida, uma vez que a falência foi declarada em 22 de Maio de 1995”.

É aplicável o art. 12º da Lei nº17/86, que atribui aos créditos laborais privilégio imobiliário geral.

O Código Civil prevê a existência de privilégios creditórios em virtude da natureza de certos créditos – art. 733º – conferindo a certos credores o direito de serem pagos com preferência a outros.

 Os privilégios creditórios não carecem de registo.

            Podem ser mobiliários e imobiliários - nº1 do art. 735º do Código Civil.

Neste normativo (ter-se-á em conta a redacção anterior ao DL.38/2003, de 8.3) consigna-se que os privilégios mobiliários podem ser gerais e especiais; gerais, se abrangem o valor de todos os bens móveis do devedor existentes no seu património à data da penhora ou acto equivalente, e especiais se apenas abrangem certos bens móveis – nº2 do citado preceito.

            No seu nº3, na redacção aplicável, consignava-se: “Os privilégios imobiliários são sempre especiais”.

O Código Civil não consagra a figura dos privilégios imobiliários gerais que os arts. 2º do DL. 512/76, de 3.7 e 11º do DL. 103/80, de 5.9 instituíram para os créditos previdenciais e a Lei 17/86, de 14.6 – vulgarmente designada “Lei dos Salários em Atraso” – LSA – instituiu para os créditos salariais.

Importa analisar os dispositivos contidos nas normas que consagraram o privilégio imobiliário em causa, concretamente, os arts. 12° da Lei n°17/86, de 14/6 e o 4° da Lei n° 96/2001, de 20/8.

O art. 12° da Lei nº17/86, de 14.6 (diploma entretanto revogado mas aqui aplicável) consigna:

“1. Os créditos emergentes do contrato de trabalho regulados pela presente lei gozam dos seguintes privilégios: a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário geral;

 2. Os privilégios dos créditos referidos no n°1, ainda que resultantes de retribuições em falta antes da entrada em vigor da presente lei, gozam de preferência nos termos do número seguintes, incluindo os créditos respeitantes a despesas de justiça, sem prejuízo, contudo, dos privilégios anteriormente constituídos, com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da presente lei.

 3. A graduação dos créditos far-se-à pela ordem seguinte: a) Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no n° l do art. 747° do Código Civil, mas pela ordem dos créditos enunciados no artigo 737° do mesmo Código. b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no artigo 747° do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à Segurança Social.”

O art. 4º da Lei 96/2001, de 20.8 estatui:

1. Os créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei n°17/86, de 14 de Junho, gozam dos seguintes privilégios: a) mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário geral.

 2. Exceptuam-se do disposto no número anterior os créditos de carácter excepcional, nomeadamente as gratificações extraordinárias e a participação nos lucros das empresas.

 3. Os privilégios dos créditos referidos no n° l, ainda que sejam preexistentes à entrada em vigor da presente lei, gozam de preferência nos termos do número seguinte, sem prejuízo, contudo, dos créditos emergentes da lei 17/86, de 14.6 e dos privilégios anteriormente constituídos com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da presente lei.

4. A graduação dos créditos far-se-à pela ordem seguinte: a) Quanto ao privilégio mobiliário geral antes dos créditos no n° l do art. 747° Código Civil, mas pela ordem dos créditos enunciados no art. 737° do mesmo Código; b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no artigo 748° do Código Civil e ainda dos créditos devidos à Segurança Social.

 5. Ao crédito de juros de mora é aplicável o regime previsto no artigo anterior”.

 

Por sua vez o art. 686º, nº1, do Código Civil estabelece: 

“A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.

Ora, não contemplando o Código Civil a figura dos privilégios imobiliários gerais, existe uma lacuna quanto ao regime de oponibilidade a terceiros dos créditos que beneficiam do privilégio imobiliário geral, sendo certo que, no nº1 do art. 686º do Código Civil, se estabelece que a hipoteca cede perante credor que disponha de privilégio especial.

Todavia, pelo facto do Código Civil não prever o privilégio imobiliário geral, antes afirmar, taxativamente, que os privilégios imobiliários são sempre especiais, o argumento tirado do referido art. 686º não colhe.

A única previsão de oponibilidade de privilégios imobiliários a terceiros acha-se no art. 751º do Código Civil (na redacção anterior ao DL.38/2003, de 8.3):

 “Os privilégios imobiliários são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores”.  

 

Por sua vez o art. 749.° (na redacção anterior ao DL.38/2003, de 8.3) estatuía – “O privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente”.

Não são, repete-se, aplicáveis ao caso as alterações introduzidas aos artigos 735º, nº3, 749º e 751° do Código Civil, pelo Decreto-Lei nº38/2003, de 8 de Março, tão pouco é aplicável o artigo 4° da Lei nº 96/2001, por ter entrado em vigor após a declaração da falência.

Em confronto com os regimes dos arts 749º e 751º do Código Civil têm alguns tratadistas e certa jurisprudência, encontrado um “caminho” para superar o impasse interpretativo – cfr., inter alia, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10.5.2004, de que foi Relator o então Desembargador Dr. Cunha Barbosa, aresto acessível in www.dgsi.pt e que seguiremos de perto.

Aí justifica-se a aplicação do art. 751º do Código Civil, nos seguintes termos que subscrevemos inteiramente[2]:

 “ […] Assim, não prevendo a lei especial (que criou tal privilégio imobiliário geral) o referido regime jurídico, haverá de procurar-se na lei geral (Código Civil) se dele resulta um regime que se aplique directamente e, para a hipótese de este inexistir, deverá procurar-se nela o regime aplicável que determina a aplicabilidade da lei geral em tudo o que nela se não e não encontra especialmente previsto.

Daí que inexistindo um regime jurídico directamente aplicável, como resulta do já supra exposto, ter-se-á que nos resta ou o regime previsto no art. 749° do Código Civil, por se tratar de um privilégio geral, ou o previsto no art. 751º, por se tratar de um privilégio imobiliário.

 Afigura-se-nos que não poderá deixar de ser o previsto no art.751°, desde logo, porque face ao objecto do privilégio imobiliário – “imóveis” – é neste que se regula a preferência relativamente a outras garantias susceptíveis de terem como seu objecto um imóvel, constituindo este, por isso, o regime mais próximo. […].

Dir-se-á, ainda, que o disposto no nº3, al. b) do art. 12° da Lei nº17/86, de 14/6 e nº4, al. b) do art. 4º da Lei nº96/2001, de 20/8, determinam a aplicabilidade do regime previsto no art. 751° do Código Civil ao privilégio imobiliário por eles criado, na medida em que determina que a graduação do crédito por ele garantido haverá de efectuar-se à frente dos créditos mencionados no art. 748º do Código Civil e que beneficiam de privilégio imobiliário (especial), sendo que, a entender-se que era inaplicável o regime do art. 751° do Código Civil, criar-se-ia uma dificuldade de conjugação de tais normativos sempre que houvesse que proceder à graduação de créditos privilegiados e referidos no art. 748° do Código Civil, créditos garantidos por hipoteca e créditos por salários em atraso, na medida em que estes cederiam, então, perante a hipoteca e aqueles (do art. 748° do Código Civil) teriam de ficar à frente da hipoteca por força do art. 751º do Código Civil que não podia deixar de se lhe aplicar, tornando-se plenamente ineficaz (letra morta) a norma contida naqueles art. 12º, nº3, al. b) da Lei nº 17/86 e 4º, n° 4, al. b) da Lei nº96/2001, relegados que ficariam os créditos por salários em atraso para depois da hipoteca e, por consequência, para depois dos créditos referidos no art. 748º do Código Civil, prejudicando ou impedindo a aplicabilidade de tais preceitos legais”.

Ao recurso, como antes dissemos, não é, todavia, aplicável o n°4, al. b) da Lei nº96/2001, de 20.8.

A controvérsia deverá ser dirimida à luz da interpretação do nº3 do art. 12º da Lei 12/76, de 14.6., que regula a graduação dos créditos emergentes de contrato individual de trabalho, quer quanto ao privilégio mobiliário geral – al. a) – quer, quanto ao privilégio imobiliário geral – al. b) – de que gozam tais créditos, nos termos do nº1 da referida lei.

Sufragamos o entendimento perfilhado no douto Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 6.5.2010 – de que foi Relatora a Ex.ma Conselheira Maria dos Prazeres Beleza -Proc.56.AE/1993.L1.S1 – in www.dgsi.pt – assim sumariado:

“ I – A graduação de créditos, num processo de insolvência, deve ser efectuada à luz da lei vigente à data da declaração de falência (trânsito em julgado da sentença respectiva), uma vez que é então que se tornam imediatamente exigíveis as obrigações do falido, se estabiliza o respectivo passivo, se procede à apreensão de bens e se segue a reclamação de créditos, abrindo-se concurso entre os credores.

II – Tendo em atenção a legislação aplicável ao caso concreto (art. 12.º, n.º3, da Lei n.º 17/86, e não a Lei n.º 96/2001 que entrou em vigor posteriormente à declaração de falência), é de concluir que os créditos laborais devem ser graduados antes dos créditos garantidos por hipoteca.

III – A este sentido se chega através de uma interpretação literal dos preceitos relevantes (arts. 748.º e 751.º do Código Civil), assim se alcançando a sua razão de ser sob pena de, na prática, se inutilizar ou diminuir drasticamente a efectividade da protecção que o legislador quis conferir aos créditos emergentes de incumprimento ou de violação de contratos de trabalho, particularmente quando invocados em processo de falência.

IV – A atribuição, como garantia, de privilégios imobiliários gerais, em particular num contexto de um sistema em que, por regra, os privilégios imobiliários são especiais (art. 735.º, n.º 3, do CC, na redacção anterior ao DL n.º 38/2003) tem como objectivo a concessão de uma protecção ainda mais efectiva do que a que resultaria da criação de um privilégio imobiliários especial; sujeitá-lo ao regime definido pelo art. 749.º do CC é, deste ponto de vista, menos adequado” 

 

O texto integral não está publicado naquela base de dados, mas, por a ele termos tido acesso, permitimo-nos citá-lo acolhendo a argumentação nele expendida, para afirmar a prioridade dos créditos laborais sobre os créditos bancários hipotecários.

“ […] Segundo o disposto no nº3 do artigo 12° da Lei n°17/86, a graduação dos créditos (identificados nos nºs anteriores) “far-se-á pela ordem seguinte: b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no artigo 748’’ do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à Segurança Social”.

O artigo 748° do Código Civil esclarece qual a ordem de graduação dos créditos com privilégio imobiliário, referindo-se, nas alíneas b) e c), aos créditos garantidos com privilégio imobiliário especial referidos no seu artigo 744°; não trata dos créditos “por despesas de justiça” porque, para esses, existe a regra específica do artigo 746°.

No confronto com garantias de terceiros, o artigo 751° (na redacção anterior à que resultou do Decreto-Lei n° 38/2003, de 8 de Março) esclarecia que “os privilégios “imobiliários” são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, a hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores”.

Ora, se os créditos garantidos com os privilégios deviam ser graduados antes de créditos que hipoteticamente fossem abrangidos pelo artigo 748° e se estes, a existir, seriam graduados antes dos que beneficiavam de hipoteca anteriormente registada, parece inevitável concluir que aqueles haviam de ser graduados antes destes.

Naturalmente que o artigo 751° do Código Civil tinha inicialmente em conta apenas privilégios imobiliários especiais, pois que, no n° 3 do seu artigo 735° se estabelecia que “os privilégios imobiliários são sempre especiais”. Mas a verdade é que o legislador português, em diplomas posteriores ao Código Civil veio alterar tal configuração dos privilégios imobiliários, criando privilégios imobiliários gerais e acompanhando tal criação de regras destinadas a marcar a sua prevalência mesmo sobre os créditos dos artigos 748º e 751º […]. É este o sentido a que se chega através de uma interpretação literal dos preceitos legais relevantes; e esta a solução determinada pela sua razão de ser, sob pena de, na prática, se inutilizar ou, pelo menos, diminuir drasticamente a efectividade da protecção que o legislador quis conferir aos créditos emergentes de incumprimento ou de violação de contratos de trabalho, particularmente quando invocados em processo de falência (veja-se o artigo 1° da Lei n° 96/2001).

Não seria realmente muito coerente, por um lado, dotar esses créditos de meios de protecção – que valem independentemente de registo – tão agressivos como são os privilégios creditórios imobiliários, e cuja razão de ser se encontra na causa do crédito (artigo 733° do Código Civil), e, por outro, aceitar que não valessem “contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente” (artigo 749° do Código Civil, no texto anterior ao Decreto-Lei n° 38/2003), o que lhes retiraria, senão toda, pelo menos grande parte da eficácia prática.

A atribuição, como garantia, de privilégios imobiliários gerais, em particular no contexto de um sistema em que, por regra, os privilégios imobiliários são especiais (artigo 735°, n°3, do Código Civil, também na redacção anterior ao Decreto-Lei n°38/2003), tem como objectivo a concessão de uma protecção ainda mais efectiva do que a que resultaria da criação de um privilégio imobiliário especial; sujeitá-lo ao regime definido pelo artigo 749ºdo Código Civil é, deste ponto de vista, menos adequado”.

A magna questão da protecção dos créditos salariais em confronto com os créditos garantidos por hipoteca, sobretudo, créditos bancários, na perspectiva de colisão do direito ao salário e da protecção da confiança no contexto da graduação de créditos em processo de falência, tem sido objecto de jurisprudência constitucional.

No Acórdão do Tribunal Constitucional nº335/08[3], de 19.6.2008 – Proc.74/08 – de que foi Relator o Ex.mo Conselheiro Cura Mariano – [a questão decidenda versava sobre a constitucionalidade da aplicação retrospectiva do art. 377º, nº1, do Código do Trabalho] – foi, doutamente, abordada a seguinte problemática: questão da constitucionalidade da interpretação normativa do art. 377.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho; o princípio da protecção da confiança dos cidadãos; a evolução recente da protecção legal aos créditos laborais; a expectativa dos credores hipotecários e interesse público na protecção dos créditos salariais.

Acerca da protecção dos créditos salariais, pode ler-se:

“Mas, mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se entendesse que a recorrente era titular de uma expectativa atendível de que o seu crédito preferia sobre os créditos dos trabalhadores da devedora, em caso de falência desta, tal expectativa deveria ceder perante a sua ponderação com o interesse que motivou a valorização da garantia legalmente atribuída aos créditos laborais.
O regime previsto no art. 377.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, destinou-se nitidamente a melhorar a graduação concedida aos créditos laborais no confronto com outros direitos reais de garantia.
Ora, os salários devem gozar expressamente de garantias especiais segundo a Constituição pelo que o legislador ordinário está constitucionalmente credenciado para limitar ou restringir os direitos patrimoniais dos demais credores para assegurar aquele desiderato (artigo 59.º, n.º 3 da C.R.P.).
Aliás, com o objectivo de reforçar a ténue tutela do salário inicialmente prevista no art. 737.º, n.º 1, al. d), do Código Civil de 1966, tem sido o que tem acontecido sucessivamente com as intervenções legislativas consubstanciadas na aprovação do regime constante do art. 12.º da Lei 17/86 e das suas ulteriores alterações, entre as quais se conta o próprio regime previsto no art. 377.º do Código do Trabalho.
Esta última intervenção do legislador procurou sobretudo evitar que, numa situação de falência da entidade empregadora, os créditos laborais não obtivessem pagamento pelos bens da falida, face a uma preferência dos créditos garanti­dos por hipoteca, os quais, muito frequentemente, pelo seu valor elevado, exaurem a massa falida, colocando a sobrevivência condigna dos trabalhadores e seus agregados familiares em risco.
“A protecção especial de que beneficiam os créditos salariais advém – como refere NUNES DE CARVALHO – da consideração de que a retribuição do trabalhador, para além de representar a contrapartida do trabalho por este realizado, constitui o suporte da sua existência e, bem assim, da subsistência dos que integram a respectiva família.
Fala-se, para designar esta vertente da retribuição, como a dimensão social ou alimentar do salário” (em “Reflexos laborais do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e de Falência”, na R.D.E.S., Ano XXXVII (X da 2ª Série), nº 1 – 2 – 3, pág. 67).
Ou como se disse em recente acórdão deste Tribunal “a retribuição da prestação laboral, quer na sua causa, que na sua destinação típica, está intimamente ligada à pessoa do trabalhador. Ela é a contrapartida da disponibilização da sua energia laborativa, posta ao serviço da entidade patronal. Ela é também, por outro lado, o único ou principal meio de subsistência do trabalhador, que se encontra numa situação de dependência da retribuição auferida na execução do contrato para satisfazer as suas necessidades vivenciais.
É esta dimensão pessoal e existencial que qualifica diferenciadamente os créditos laborais, justificando a tutela constitucional reforçada de que gozam, para além da confe­rida, em geral, às posições patrimoniais activas.” (acórdão n.º257/08, acessível no site www.tribunalconstitucional.pt).
Esta especial consideração pelos créditos laborais afasta qualquer juízo de arbitrariedade sobre a aplicação retrospectiva da norma constante da alínea b), do n.º 1, do artigo 377.º, do Código Trabalho, com a consequência dos créditos laborais garantidos por privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel do empregador onde o trabalhador preste a sua actividade prevalecerem sobre os créditos garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre esses bens em data anterior à da entrada em vigor do referido diploma legal, desde que a data do evento que determinou o concurso entre os dois tipos de créditos – a falência do devedor-empregador – seja superveniente.
Justifica-se seguramente, face ao peso do interesse social almejado perante as frágeis expectativas dos credores hipotecários, que se procure uma rápida unidade e homogeneidade do ordenamento jurídico perante a nova solução legislativa introduzida, evitando-se um protelamento indefinido da sua vigência efectiva, com o consequente agravamento dos males a que essa intervenção legislativa se propôs dar remédio.
E, no cumprimento deste pensamento revela-se perfeitamente razoável fixar o momento definidor da lei aplicável na data da declaração de falência, salvaguardando-se os concursos de credores já iniciados.
Nestes termos, à luz do princípio constitucional da protecção da confiança, não se pode censurar a aplicação retrospectiva da interpretação normativa da alínea b), do n.º 1, do artigo 377.º, do Código do Trabalho, levada a cabo pelo tribunal a quo, pelo que deve ser julgado improcedente o recurso interposto”. (destaque nosso)

Concluímos, assim, sufragando a doutrina do Acórdão constitucional e a do citado Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, que os créditos salariais dos recorrentes devem ser graduados, em primeiro lugar, para serem pagos pelo produto da venda do imóvel apreendido para a massa falida.

Em virtude da decisão revogatória do Acórdão fica prejudicada a apreciação da constitucionalidade da interpretação dos preceitos legais, sustentáculo da decisão da 2ª Instância.

Sempre se dirá, no entanto, que a interpretação dos preceitos legais aplicáveis agora acolhida, não viola a Constituição da República, mormente, o princípio da igualdade – art. 13º.

Para aferir da necessidade social e moral da protecção que deve ser dispensada pela Sociedade aos mais fracos, aos que dependem da força do seu trabalho como única fonte de rendimento, logo de subsistência digna, poderíamos, citar a doutrina social da Igreja e as encíclicas papais “Rerum Novarum (1891), Quadragesimo Anno (1931), Mater et Magistra (1961) e Populorum Progressio (1967).

 Todas elas procuraram descrever os problemas que os trabalhadores enfrentavam na sua época e apontavam algumas soluções, enfatizando que o direito ao trabalho e ao salário são dos valores caros à dignidade humana, e que constitui “pecado social” não pagar a quem trabalha; quedamo-nos pela Lei Fundamental que, a par da consagração do princípio da igualdade e da confiança, também afirma, insofismavelmente, que “os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei” – art. 59º, nº3. 

O nº1 a) expressa: “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:

a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”.

[omissis…].”

 Sob a invocação do princípio constitucional da igualdade – art. 13º da C.R. – não podem desproteger-se os trabalhadores que perdem os seus salários em caso de falência da entidade empregadora, sob pena de se conceder um injustificado “privilégio” a entidades também afectadas pelo colapso da empresa, mas seguramente com perspectivas menos severas, o que afrontaria o princípio da discriminação positiva.

 Quando existe uma situação socialmente dramática, como o desemprego e perda de remunerações salariais sobretudo as vencidas, seria intolerável num Estado de Direito não se dotar de garantia sólida e exequível o direito à retribuição salarial, tutelando-o com sólida armadura jurídica.

O Tribunal Constitucional, não podendo desconsiderar a protecção que a Lei Fundamental confere ao salário, muito doutamente, no seu aresto nº498/2003, de 22.10, publicado no D.R., II Série de 3.1.2004, pronunciou-se pela não inconstitucionalidade da norma constante da alínea b) do nº1 do artigo 12º da Lei 17/86 – LSA – “na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca”, nos termos do artigo 751° do Código Civil, doutrinando:

“…Parece manifesto que a limitação à confiança resultante do registo é um meio adequado e necessário à salvaguarda do direito dos trabalhadores à retribuição; na verdade, será eventualmente, o único e derradeiro meio, numa situação de falência da entidade empregadora, de assegurar a efectivação de um direito fundamental dos trabalhadores que visa a respectiva sobrevivência condigna. Muito embora a falência da entidade empregadora seja também a falência da entidade devedora, é precisamente este último aspecto; ou seja, a retribuição como forma de assegurar a sobrevivência condigna dos trabalhadores, que permitiria justificar em face da Constituição a solução da norma impugnada, na interpretação aludida.”

E quanto às prestações salariais, em sentido lato (diríamos), afirmou:

  “Mas esta consideração carece de ser confrontada com outros aspectos, em particular, com o âmbito da tutela constitucional da retribuição (artigo 59°, n°l, al. a), da Constituição), para saber se incide apenas sobre o direito ao salário ou abrange também os créditos indemnizatórios emergentes do despedimento.

Ora, a verdade é que não se descortinam quaisquer razões que justifiquem uma interpretação do direito constitucional à retribuição dos trabalhadores no sentido de vedar ao legislador ordinário a equiparação, para o efeito agora em análise, da tutela conferida a ambos os créditos.

 No fundo, é manifesto que o crédito à indemnização desempenha uma evidente função de substituição do direito ao salário perdido. Acresce ainda que a inclusão, repita-se, para o efeito agora em causa do direito ao salário e do direito à indemnização por despedimento no âmbito da tutela constitucional do direito à retribuição é a que mais se ajusta à referência constitucional a uma existência condigna, exprimindo o que João Leal Amado (ob. cit., pág. 22) designa por carácter alimentar e não meramente patrimonial do crédito salarial, neste sentido (ou seja, no confronto com os créditos dos titulares de direitos reais de garantia levados ao os ao registo).”

Discorrendo acerca do princípio da democracia social, que não consideramos alheio à complexa problemática do recurso, cabem as considerações do Professor Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6ª edição, pág. 348:

 

“Para além da dimensão subjectiva do princípio da democracia social, implícita no reconhecimento de numerosos direitos sociais (direitos subjectivos públicos), o princípio da democracia social, como princípio objectivo, pode derivar-se ainda de outras disposições constitucionais. Desde logo, a dignidade da pessoa humana (cfr. art. 1°) é considerada noutros países como um princípio objectivo e uma “via de derivação” política de direitos sociais.

 Do princípio da igualdade (dignidade social, art. 13°), deriva-se a imposição, sobretudo dirigida ao legislador, no sentido de criar condições sociais (cfr., também, art. 9º/d que assegurem uma igual dignidade social em todos os aspectos (cfr. por ex., arts. 81.°/a, b e d e 93°/c).

 Do conjunto de princípios referentes à organização económica (cfr. arts. citados) deduz-se que a transformação das estruturas económicas visa também uma igualdade social.

 Neste sentido, o princípio de democracia social não se reduz a um esquema de segurança, previdência e assistência social, antes abrange um conjunto de tarefas conformadoras, tendentes a assegurar uma verdadeira “dignidade social” ao cidadão e uma igualdade real entre os portugueses (art.9º/d)”.

 Resultando, a nosso ver, da decisão do Tribunal Constitucional, de que citámos excertos, que estando em causa direitos fundamentais colidentes, como sejam os que se relacionam com o princípio confiança ínsito no Estado de direito no caso os créditos hipotecários, e o direito á protecção do salário, situando-se este num patamar superior àqueloutro, por contender com o indeclinável direito a uma vida digna, e ter mais que natureza patrimonial, uma insofismável natureza alimentar visando a subsistência pessoal e quantas vezes familiar, é este que deve prevalecer, numa hierarquia de normas constitucionais.

Pelo quanto dissemos, o Acórdão recorrido não pode manter-se.

Decisão:

Nestes termos, concede-se a revista, revogando o Acórdão recorrido, na parte em que graduou em segundo lugar os créditos salariais dos recorrentes para serem pagos pelo produto da venda do imóvel apreendido para a massa falida, ficando graduados em segundo lugar os créditos hipotecários, decretando-se, agora, que os créditos dos recorrentes são graduados em primeiro lugar, sendo graduados em segundo lugar os créditos hipotecários.

Custas pela massa falida.

 Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Setembro de 2012


Fonseca Ramos ( Relator)

Salazar Casanova (vencido conforme declaração que junto)

P. 168-A/19994.L1

As alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março aos artigos 735.º, 749.º e 751.º do Código Civil tiveram por objetivo, dado que a Lei n.º 17/86, de 14 de junho, conferia aos créditos laborais privilégio imobiliário geral, dissipar as dúvidas sobre se tais créditos laborais preferiam ou não à hipoteca.

O artigo 751.º do Código Civil, na redação anterior, atribuía preferência sobre a hipoteca ao crédito com privilégio imobiliário e o artigo 735.º/2 prescrevia que os créditos imobiliários são sempre especiais e o artigo 749.º prescrevia que o privilégio geral não vale contra terceiros.

E quanto aos créditos laborais com privilégio imobiliário geral? Não sendo créditos com privilégio especial, entendiam uns que não preferiam à hipoteca; no entanto, segundo outros, porque a própria lei conferia aos créditos laborais com privilégio imobiliário geral preferência sobre créditos do Estado, estes com privilégio imobiliário especial, então tinham de preferir sobre a hipoteca.

A partir das referidas alterações, a lei passou a prescrever que os privilégios imobiliários estabelecidos no Código Civil são sempre especiais (artigo 735.º do Código Civil) e que os privilégios imobiliários especiais preferem à hipoteca (artigo 751.º do Código Civil) deixando, uma vez clarificado o regime legal, de subsistir as razões que tinham originado as referidas dúvidas.

Note-se que não se optou por alterar a Lei n.º 17/86 no sentido de passar a atribuir aos créditos laborais privilégio imobiliário especial conferindo à alteração legal natureza de lei interpretativa por se entender que a atribuição aos créditos dos trabalhadores de um privilégio imobiliário geral a graduar antes de créditos com privilégio imobiliário especial tinha em vista o mesmo escopo da atribuição de um privilégio imobiliário especial.

Note-se ainda que o regime da Lei n.º 17/86 com a atribuição aos créditos laborais de privilégio imobiliário geral não deixava de conferir importante posição aos trabalhadores visto que a lei (artigo 12.º) determinava que os seus créditos seriam graduados antes dos créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à Segurança Social, ou seja, antes de créditos imobiliários especiais, o que significa que o Estado abdicava da sua preferência face aos créditos dos trabalhadores sem, no entanto, interferir no que respeita a créditos que não são, em regra, detidos pelo Estado como é, por exemplo, o caso dos créditos hipotecários.

À luz destas alterações passou-se a entender que a Lei nº 38/2003 - e parece-me que bem - tinha natureza interpretativa. Vejam-se as revistas 4238/07 (Paulo de Sá), 2194/07 (Azevedo Ramos) e 10655/09 (Serra Batista).

A sentença de 1ª instância, no caso vertente, já foi proferida depois daquelas alterações.
Acresce que a jurisprudência do S.T.J. vem decidindo, como disse, maioritariamente no indicado sentido.

Nós próprios acompanhámos essa posição maioritária: revista 734/05 (João Camilo); ver ainda: revista 518-A/99 (Hélder Roque), 3308/08 (Sousa Leite), 1369/08 (Ferreira de Sousa), 873/08 (Lázaro Faria), 4423/07 (Nuno Cameira), 1084/07 (Silva Salazar), 1309/07 (Salvador da Costa), 580/07 (João Camilo), 4775/06 (Silva Salazar) e 91/09 (Lopes do Rego).

Confirmaria, assim, a decisão recorrida

(Salazar Casanova)


Fernandes do Vale

Marques Pereira

Azevedo Ramos (Vencido em conformidade com a declaração de voto do Exmo.
Conselheiro Salazar Cazanova).


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[1] Publicado, em 1952, no Boletim da Faculdade de Direito (Suplemento X) da Universidade de Coimbra.
[2] O art. 377º do Código do Trabalho estabelece: “l – Os créditos emergentes ao contrato de trabalho e da sua cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade. 2 – A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte: a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no n.° l do artigo 747.° do Código Civil; O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748.° do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social.”
No Código do Trabalho Anotado, 3ª edição, de PEDRO ROMANO MARTINEZ, LUÍS MIGUEL MONTEIRO, JOANA VASCONCELOS, PEDRO MADEIRA DE BRITO GUILHERME DRAY e LUÍS GONÇALVES DA SILVA, na pág.613, consta: “São três as novidades relativamente ao direito anterior. A primeira consiste no alargamento do âmbito de aplicação dos privilégios creditórios a todos os “créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador”. Surge-nos, depois, a graduação do privilégio mobiliário geral “antes dos créditos referidos no nºl do artigo 747º do Código Civil claramente diferente da que constava dos artigos 12.°, n.°3, alínea a), da LSA e 4.°, n.°4, alínea a), da Lei n.°96/2001”. Refira-se, finalmente, a substituição do privilégio imobiliário geral, criado pelo artigo 12.°, n.°l, alínea b), da LSA, e alargado a todos os créditos emergentes do contrato de trabalho pela alínea b) do mesmo preceito, por um privilégio imobiliário especial sobre os “bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade, graduado nos mesmos termos em que o era aquele”. 
[3] O Acórdão apreciou a questão da constitucionalidade suscitada pela decisão proferida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Dezembro de 2007, ao que cremos não publicado.