Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | MAIA COSTA | ||
Descritores: | DESPACHO ABERTURA DE INSTRUÇÃO ASSISTENTE HERANÇA INDIVISA HERANÇA JACENTE PERSONALIDADE JURÍDICA PERSONALIDADE JUDICIÁRIA | ||
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Data do Acordão: | 05/06/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL - SUJEITOS DO PROCESSO / ASSISTENTE. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL: - ARTIGO 2046.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 12.º, AL. A). CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 68.º, N.º1, AL. E), 287.º, N.ºS1 E 2. | ||
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Sumário : | I -O despacho recorrido não admitiu a herança a intervir como assistente nos autos. Fê-lo por considerar que a herança em referência, estando embora indivisa, não está na situação de jacência, porque os seus titulares a aceitaram, não tendo assim personalidade judiciária. E, não gozando dessa personalidade, não tem interesse legítimo na proteção dos valores jurídicos tutelados pelos crimes imputados. II - Dos elementos juntos aos autos, conclui-se que a herança em causa se encontra no estado de indivisão mas não de jacência. Trata-se de conceitos diferentes. Nos termos do art. 2046.º do CC, jacente é a herança aberta, mas ainda não aceite nem declarada vaga. Indivisa é a herança aceite, mas ainda não partilhada. III -Na situação em apreço, a herança foi aberta, foi aceite pelos diversos herdeiros, mas não se encontra ainda partilhada. Donde, a herança não só não tem personalidade jurídica, como não tem sequer personalidade judiciária (art. 12.º, al. a), do CPC). IV - Mas o que é decisivo é a carência de personalidade jurídica. Com efeito, não sendo a herança indivisa uma pessoa jurídica, ela não tem interesses próprios a defender, não sendo assim possível integrá-la na al. e) do n.º 1 do art. 68.º do CPP, como pretende a recorrente. Consequentemente, mostra-se inteiramente correta a não admissão da herança como assistente nos autos. V - Mas, se ela não é assistente, daí decorre inevitavelmente que não pode requerer a abertura da instrução, por força do disposto no art. 287.º, n.º 1, do CPP. Desnecessário se torna, pois, indagar se o requerimento de abertura da instrução cumpre os requisitos legais previstos no n.º 2 do citado art. 287.º, pelo que o recurso improcede necessariamente. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
A herança aberta por óbito de AA e BB, representada por CC, e este em seu próprio nome, apresentaram queixa junto do Ministério Público neste Supremo Tribunal contra os Juízes-Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto DD, EE e FF, imputando-lhes a prática dos crimes de denegação de justiça, favorecimento pessoal e prevaricação, consubstanciados na prolação da decisão de 18.3.2014, por eles subscrita, proferida no proc. nº 282-R/2000.P1, daquela Relação (fls. 94-101), que julgou procedente a apelação em que o segundo denunciante figurava como recorrido, mantendo a decisão anteriormente proferida em 1ª instância, e depois revogada, de decretar o arresto do quinhão hereditário do cabeça de casal, precisamente o denunciante, na referida herança. Findo inquérito, foi o mesmo arquivado pelo Ministério Público, nos termos do art. 277º, nº 1, do Código de Processo Penal (CPP). Notificada desse despacho, veio a herança, representada pelo segundo denunciante, requerer a abertura de instrução e simultaneamente deduzir acusação contra os denunciados, e ainda requerer a intervenção nos autos como assistente. Por decisão de fls. 268 e ss. do sr. Juiz-Conselheiro a quem o processo foi distribuído, enquanto juiz de instrução, para apreciação desses requerimentos, foram os mesmos indeferidos: a recorrente não foi admitida a intervir como assistente nos autos, por não gozar de personalidade jurídica nem judiciária; e o requerimento de abertura de instrução foi rejeitado, “mesmo que se admitisse a possibilidade de constituição como assistente”, por ausência dos requisitos legais. Desse despacho recorreram a herança e o seu representante, em nome pessoal, concluindo desta forma a alegação:
V - Tempestividade do R.A.I. 2- Tal afirmação é inteiramente falsa, sendo que não nos cabe aqui dissertar sobre as razões de tal afirmação. 5- Podia - se fosse o caso - discutir-se tão só a validade do acto praticado por e-mail; 6- se tal se pretendesse dir-se-ia: c) Nos termos do art.º 132°, nº 2 do C.P.C., podem ser enviados por e-mail, desde que a sua tramitação garanta "a respectiva integralidade, autenticidade e inviolabilidade" . d) Nos termos do art.º 144° do C.P.C. os actos praticados podem ser enviados por via electrónica, "valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição", "ficando dispensada de remeter os respectivos originais"(nº 2 do mesmo artigo), tendo o acto assim praticado "a força probatória dos originais" (nº 4 do mesmo artigo) . 7- Consequentemente, praticados os actos da forma prevista nos termos da lei processual civil, aplicáveis ao processo penal, por analogia e subsidiariamente, nos termos do art.º 4° do C.P.P.: d) O acto do R.A.I. foi praticado legal e legitimamente nos termos do art.º 132º e 144° do C.P.C., no dia da emissão por E-mail (em 27 de Outubro de 2014). e) Ficavam os recorrentes dispensados de apresentar qualquer pretenso original, (ainda que para exibição), sem que fossem notificados para apresentar o pretenso original em papel, em notificação - repita-se - que nunca foi feita aos recorrentes, diversamente do referido no despacho recorrido. f) O parecer do M.P. em que o despacho se escudou, esquece que o regime imposto para o envio dos originais apenas se aplicava aos fax, cujo regime foi revogado. 8- Se - e se fosse extemporânea a apresentação do R.A.I. - fosse a extemporaneidade fundamento de rejeição do R.A.I., ficavam prejudicadas as demais questões a abordar no despacho liminar de abertura de instrução. 9- Na verdade, o único fundamento para rejeitar o R.A.I. é a intempestividade- art.º 287°, nº 3 do C.P.P. VI- Legitimidade da Herança, do cabeça-de-casal, do requerente-recorrente, CC 1- A herança tem capacidade judiciária, não obstante não ter personalidade jurídica - art.º 6°, nº 2 do C.P.C.. 2- Como o titular não está determinado, a herança jacente pode demandar e ser demandada, como expressamente também refere a jurisprudência e a doutrina citada no referido artigo no Código Civil de Abílio Neto e ainda a doutrina expressa pelo Professor Antunes Varela no Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 111 que se transcreve: 3- "Quer isto significar que a herança jacente, embora carecida de personalidade jurídica, pode propor acções em juízo, sendo a herança a verdadeira parte na acção e não o sucessível chamado, o herdeiro, o curador ad hoc ou o Ministério Público que aja em nome dela" 4- Assim sendo como é, diversamente do expendido na decisão recorrida, correndo inventário e não havendo partilha de bens (senão não havia cabeça-de-casal, o recorrente), a herança tem legitimidade para intentar processos. VII- Crimes em causa - denegação de Justiça e prevaricação c) Quando não se decide (independentemente do que seria imposto decidir) há denegação de Justiça; d) Quando se decide contra lei expressa há prevaricação. e) Se o crime de denegação de Justiça não suscita dúvidas (embora haja quem suscite dúvidas quando não se decide em determinado tempo, na perspectiva de que se vai decidir...), o crime de prevaricação, nalguns casos nenhuma dúvida suscita - é o caso dos despachos vinculados que o juiz tem de proferir verificados certos pressupostos - por ex. se a parte citada regularmente não contesta, a condenação é cominativa. f) A dúvida pode suscitar-se nos poderes discricionários em que, estando o juiz liberto das amarras das normas dispositivas, pode decidir optando por decisões diversas. g) No caso dos autos, estão em causa duas questões: - num caso, interposto recurso para o S.T.J. do Acórdão proferido pelos arguidos, não houve despacho a admitir ou a rejeitar o recurso interposto, independentemente de ser admissível por excepcional questão que não é da conta dos arguidos que, se não admitissem o recurso, o mesmo seria sujeito a reclamação-queixa, não podendo porém, deixar de proferir despacho a admitir ou a não admitir esse recurso; - noutro caso, os arguidos alteraram a matéria de facto decidida na 1ª instância face a uma alegada dúvida sobre a credibilidade ou obscuridade e contradições de algumas testemunhas, quando só poderiam alterar a matéria de facto face a documento superveniente que invocassem - ex vi do corpo do art.º 662º do C.P.C.. - fora deste caso, posta em dúvida a credibilidade da testemunha e o sentido do depoimento, na dúvida fundada sobre a prova produzida (dúvida que os arguidos e só os arguidos suscitaram), com tal pressuposto Tribunal superior só poderia e outra coisa não poderia fazer senão ordenar (ainda que oficiosamente) a remessa do processo à 1ª instância nos termos do nº 2 do art.º 662º do C.P.C. e suas alíneas. h) Consequentemente, constitui mero diletantismo intelectual referir-se que os recorrentes apenas manifestam discordâncias por não terem obtido ganho de causa, questão que o despacho coloca no domínio da convicção dos julgadores sobre a matéria de facto, distorcendo o pressuposto invocado e o regime legal imperativo para o Tribunal superior que pretenda alterar a matéria de facto face a dúvidas que encontrou nos depoimentos de algumas testemunhas. Essas extrapolações é que estão no domínio de meras suposições para apoucar os factos vertidos no R.A.I. pelos recorrentes: e) Não se trata de discordâncias sobre a matéria de facto, apenas; f) Nem de discordâncias entre os fundamentos e a decisão contraditória que o despacho recorrido nem sequer qualificar-se como nulidade, evitando-se na qualificação do que é devido qualificar-se; g) Nem discordâncias relativas à questão substantiva integrante das decisões recorridas; h) Nem discordância relativa aos fundamentos invocados sobre a credibilidade das testemunhas e a obscuridade ou contradições referidas sobre algumas testemunhas... i) Trata-se tão só de repetir o que já dissemos: c) Não ter sido admitido ou rejeitado o recurso interposto que, assim, dolosamente, os arguidos omitiram para tornarem definitiva a decisão sua, arbitrária e iníqua face aos preceitos que lhes impunha admitir ou rejeitar o recurso; d) Trata-se tão só (o que os recorrentes não discutiram sobre os depoimentos obscuros ou contraditórios de algumas testemunhas), de, face a esse pressuposto que os arguidos decidiram, de cumprirem e não terem cumprido a disposição imperativa que os obrigava a ordenar a baixa do processo à 1ª instância para alterar ou não a decisão sobre a matéria de facto - ex vi do n° 2 do art.º 662° do C.P.C.. j) Não alimentamos confusões sobre a confusão que se imputa aos recorrentes, tão clara é a matéria que vem suscitada na denúncia, no R.A.I. e agora. k) Se nos limitássemos à simplicidade do que está em causa e se nada mais houvesse a discutir, éramos capazes de aceitar que afinal se tinha declarado que os arguidos tinham violado a lei expressa e imperativa, que isso constituía, no mínimo, nulidade, mas não tinham cometido qualquer crime, referência que nem sequer se fez. l) Pelos vistos, bastaria aos arguidos tão só darem despacho ao recurso interposto e ordenarem que o processo baixasse à 1ª instância para decisão em conformidade com o pressuposto em que os próprios arguidos se vincularam. m) Pelo exposto, não há dúvida de que, não o tendo feito até hoje, é a decisão iníqua e criminosa (por isso este processo) que querem manter. VIII- Falta saber se no R.A.I. estão imputados os factos que constituam elementos típicos dos crimes, não terem decidido a admissão ou rejeição do recurso interposto para o S.T.J. ou não terem ordenado a baixa do processo à 1ª instância para decidir das ambiguidades e contradições que os arguidos imputaram às testemunhas e aos seus depoimentos, bem como os recorrentes não terem alegado os factos que provam a intenção de prejudicar os recorrentes (dolo). 1- Quanto ao dolo: d) Invocaram no art.º 5°, 6°, 7° e 8º do R.A.I. que só estavam em causa alegados danos, mas que os arguidos, no insulto gratuito, até apelidaram o recorrente de "falta de fidalguia" (art.º 9°, 10°, 13°, designadamente), e) Que não apreciaram a questão de, com o arresto contra o recorrente, terem arrestado bens da herança e, quanto ao recorrente, terem arrestado o quinhão e não bens determinados que possui e que era imperioso distinguir, estando o arresto sujeito à dependência hierarquizada do regime de bens nomeados à penhora, só podendo em caso de inexistência de bens móveis e imóveis penhorarem-se direitos ou direitos indivisos (art.º 17°, 18°, 19° do R.A.I.) f) Os recorrentes imputaram o dolo dos arguidos já em decisões anteriores, designadamente no processo 201/08 em que o então titular do processo de inventário era, pelos ora arguidos, tratado como ofendido e o recorrente tratado como um "vilão" (artº 21 ° e 24° do R.A.I.) 2- Quanto aos crimes imputados: c) Não ordenou que o processo baixasse à 1ª instância (art.º 11°, b) do R.A.I.), suscitada a questão (art.º 13° do R.A.I.), os arguidos cometeram os crimes (art.º 26° do R.A.I.) d) Em consequência, o R.A.I. descreve com absoluta precisão quais são os actos de denegação de Justiça e prevaricação e a imputação do dolo na decisão proferida. IX- O despacho recorrido violou as disposições citadas, designadamente, art.º 369° C.P. e 68°, nº 1 e) C.P.P..
Respondeu a sra. Procuradora-Geral Adjunta, nos seguintes termos:
1º Verificadas as conclusões da alegação de recurso temos que o recorrente centra a sua discordância relativamente ao douto despacho recorrido em três ordens de razões, a saber: (1) tempestividade do requerimento de abertura de instrução; (2) Legitimidade da herança para se constituir assistente; (3) existência e verificação dos elementos típicos do crime de denegação de justiça ou prevaricação. 2º Não se entende o recurso interposto pelo assistente no segmento enunciado em (1) e a que corresponde o ponto V das motivações de recurso, uma vez que o recorrente pretende discutir uma questão relativamente à qual obteve vencimento e que, por não ter sido interposto recurso por parte do MºPº, passou em julgado. 3º Na verdade, o douto despacho recorrido considerou, em obediência ao princípio da lealdade processual, que o requerimento de abertura de instrução foi apresentado em prazo. Neste segmento da decisão, como já referimos, o recorrente não tem legitimidade para interpor recurso uma vez que tendo-lhe sido favorável a decisão, não tem interesse em agir. 4º Já no que respeita à não admissão da herança como assistente nos autos é manifesto que a decisão recorrida não deve ser alterada. A decisão recorrida distingue corretamente a personalidade jurídica da personalidade judiciária para concluir que, não sendo a herança dotada desta última característica, por ter titulares determinados que já a aceitaram, não lhe pode ser concedido o estatuto processual de assistente. 5º Acrescentando à falta de capacidade judiciária também é inquestionável que também não detém, a dita herança, qualquer interesses legítimo em relação aos interesses protegidos pela incriminação, como bem se refere na decisão recorrida. 6º Pretende o recorrente que sempre se verifica denegação de justiça quando não se decide e prevaricação quando se decide contra lei expressa. 7º Defende o recorrente que basta a indicação das decisões que não foram proferidas e o sentido que defende ser ilegal, daquelas que foram proferidas, para se estar perante uma acusação em moldes sobreponíveis às exigências do artº 283º, nº 3 do C.P.P. e, como corolário, para a conformação do requerimento de abertura de instrução aos requisitos do artº 287, nº 2 do mesmo diploma. 8º Não vale a pena muito acrescentar sobre esta matéria. O requerimento de abertura de instrução não refere qualquer facto, repetimos, facto, que conduza à indiciação suficiente do elemento subjetivo da infração, ou seja, em lado algum se refere um facto sequer que permitisse concluir que os visados na denúncia tivessem agido com o intuito, com a consciência de assim fazer, de decidir em violação de lei expressa. 9º Diz-se no acórdão deste STJ de 7/3/2007, Pº nº 06P4688, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar: “…III – No caso de instrução requerida pelo assistente, o limite tem de ser definido pelos termos em que, segundo o assistente, deveria ter sido deduzida acusação e, consequentemente, não deveria ter sido proferido despacho de arquivamento – no rigor, por um modelo de requerimento que deve ter o conteúdo de uma acusação alternativa, ou , materialmente, da acusação que o assistente entende que deveria ter sido deduzida com base nos elementos que integram o crime, de forma a possibilitar a realização da instrução, fixando os termos do debate e o exercício do contraditório…”. 10º Não foi em obediência a estes parâmetros que o ora recorrente veio requerer a instrução. O modo como o faz não permite verificar os elementos que constituem o crime. 11º Não merece, pois censura o douto despacho recorrido.
Distribuídos os autos como recurso, o sr. Procurador-Geral Adjunto disse nada ter a acrescentar à resposta ao recurso junta pela sua Exma. Colega. Posteriormente, veio a recorrente apresentar uma resposta às contra-alegações do Ministério Público, a que chama erradamente “parecer”, resposta essa que não está prevista na lei, pelo que não será considerada. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
Antes de mais, importa esclarecer quem é de facto o recorrente. Na verdade, a queixa foi apresentada pela herança e também pelo seu representante. Contudo, o requerimento de abertura da instrução e de constituição como assistente foi formulado apenas pela herança (fls. 243), sendo paga aliás só uma taxa de justiça para a constituição como assistente e outra para a abertura da instrução (fls. 256 e 257). A petição de recurso vem formulada, no entanto, pela herança e pelo seu representante em nome pessoal. Não tendo, porém, como ficou referido, este último requerido a constituição como assistente, a conclusão a retirar é que a herança é a única recorrente, e já não o seu representante em seu nome pessoal. Posto isto, vejamos agora as questões colocadas pela recorrente. O despacho recorrido não admitiu a herança a intervir como assistente nos autos. Fê-lo por considerar que a herança em referência, estando embora indivisa, não está na situação de jacência, porque os seus titulares a aceitaram, não tendo assim personalidade judiciária. E, não gozando dessa personalidade, não tem interesse legítimo na proteção dos valores jurídicos tutelados pelos crimes imputados. Dos elementos juntos aos autos, conclui-se que a herança em causa se encontra no estado de indivisão mas não de jacência. Trata-se, como se sabe, de conceitos diferentes. Nos termos do art. 2046º do Código Civil, jacente é a herança aberta, mas ainda não aceite nem declarada vaga. Indivisa é a herança aceite, mas ainda não partilhada. É esta última a situação que os autos mostram. A herança foi aberta, foi aceite pelos diversos herdeiros, mas não se encontra ainda partilhada. Donde, a herança não só não tem personalidade jurídica, como não tem sequer personalidade judiciária (art. 12º, a), do Código de Processo Civil). Mas o que é decisivo é a carência de personalidade jurídica. Com efeito, não sendo a herança indivisa uma pessoa jurídica, ela não tem interesses próprios a defender, não sendo assim possível integrá-la na al. e) do nº 1 do art. 68º do CPP, como pretende a recorrente. Consequentemente, mostra-se inteiramente correta a não admissão da herança como assistente nos autos. Mas, se ela não é assistente, daí decorre inevitavelmente que não pode requerer a abertura da instrução, por força do disposto no art. 287º, nº 1, do CPP. Desnecessário se torna, pois, indagar se o requerimento de abertura da instrução cumpre os requisitos legais previstos no nº 2 do citado art. 287º. Assim, o recurso improcede necessariamente.
III. Decisão
Com base no exposto, nega-se provimento ao recurso. Vai a recorrente condenada em 5 UC de taxa de justiça.
Lisboa, 6 de maio de 2015 Maia Costa (Relator) Pires da Graça |