Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
146/20.9YRLSB.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: AÇÃO DE HONORÁRIOS
ÓNUS DE CONCLUIR
RETIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
REQUISITOS
REGIME APLICÁVEL
CONVENÇÃO DE HAIA
APLICAÇÃO DA LEI NO ESPAÇO
LEI APLICÁVEL
LEI ESTRANGEIRA
CITAÇÃO EDITAL
CITAÇÃO EM PAÍS ESTRANGEIRO
PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA PORTUGUESA
Data do Acordão: 07/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I – A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado de forma consistente que a lei presume a verificação dos requisitos previstos nas alíneas b) a e) do artigo 980.º do CPC, dispensando o requerente de fazer a respetiva prova, cabendo ao requerido o ónus da prova de que tais requisitos não se verificam, a menos que o tribunal, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nessas alíneas, caso em que, nos termos previstos no artigo 984.º do CPC, deve negar oficiosamente a confirmação.

II – Não tendo a citação edital do réu na ação de honorários, que correu termos no tribunal brasileiro, respeitado a lei brasileira e estando viciada por nulidade nos termos do artigo 280.º do Código de Processo Civil brasileiro, falta o requisito previsto da referida alínea e) do artigo 980.º do CPC, devendo ser negada oficiosamente a confirmação da sentença, nos termos previstos no artigo 984.º do CPC.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1. AA instaurou contra BB ação de delibação, destinada a introduzir, na ordem jurídica portuguesa, os efeitos da Sentença proferida no dia 9 de outubro de 2017 e transitada em julgado no dia 9 de novembro de 2017, no processo 1019636-73.2015.8.26.0562, que correu termos na 7.ª Vara Cível ..., da Comarca..., do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que condenou o réu a pagar ao autor 5% do valor real dos bens indicados nas alíneas “a” e “d” do item 6, II, da escritura de inventário e partilha de folhas 84/99 na época da partilha a ser apurado em fase de liquidação por arbitramento, momento em que se poderá aferir o real valor dos bens, tudo devidamente atualizado por ocasião do pagamento e acrescido dos juros legais, a partir da citação e com o abatimento do valor de 40.000,00 Reais já recebidos pelo autor.

2. Em 16.01.2020, foi proferido o seguinte despacho:

«Determino que, por adequação formal, este processo passe a tramitar de acordo com os seguintes actos:

A. Petição inicial;

B. Vista ao Ministério Público tendo em conta os interesses de ordem pública que a revisão pode afectar, designadamente o sindicato dos requisitos e condições das alíneas c) e f) do artigo 980.º

C. Diligências de prova;

D. Julgamento com antecipação da decisão final;

E. Notificação pessoal do requerido, com a expressa advertência, em caso de procedência do pedido, de que, querendo, deve conduzir oposição nos trinta dias (mais dilação) subsequentes à notificação sob pena de a decisão proferida se consolidar como revisão definitiva da decisão estrangeira».

3. O MP teve vista nos autos e nada opôs a que fosse decretada a revisão da sentença.

4. Em 04.02.2020, foi proferida decisão que julgou procedente o pedido e confirmou a sentença.

O requerido foi considerado validamente notificado e o processo foi arquivado.

5. O requerido interpôs recurso extraordinário de revisão, invocando a alínea e) do artigo 696.º do CPC, alegando falta de citação na ação de delibação e ter corrido o processo à revelia, recurso que foi julgado improcedente por acórdão do Tribunal da Relação (Processo n.º 146/20.9...).

6. Interposta revista para este Supremo Tribunal de Justiça, este tribunal revogou o acórdão da Relação e anulou o processado atinente à notificação pessoal/citação do requerido nos autos de Revisão de Sentença Estrangeira com a consequente repetição dos respetivos trâmites (Acórdão de 9 de dezembro de 2021 proferido no Apenso A – processo n.º 146/20.9...).

7. Baixado o processo, foi o requerido de novo notificado, nos termos ordenados pelo Supremo Tribunal de Justiça.

8. O requerido deduziu oposição, arguindo a nulidade da citação edital no processo tramitado no tribunal brasileiro.

9. O requerente respondeu.

10. As partes e o MP ofereceram alegações. Nas suas, este magistrado requereu a condenação do autor como litigante de má fé.

9. No presente processo de revisão de sentença estrangeira, o Tribunal da Relação de Lisboa apreciou as seguintes questões:

1) Foi a citação edital indevidamente empregada no tribunal brasileiro?

2) Deve o requerente ser condenado por litigante de má fé?

8. Por acórdão datado de 08-09-2022, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte:

«i) julgar improcedente o pedido do requerente e, consequentemente, em negar a confirmação da sentença proferida no dia 9 de Outubro de 2017, no processo 1019636-73.2015.8.26.0562, que correu termos na 7.ª vara Cível ..., da Comarca ... do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil.

ii) julgar improcedente o pedido de condenação do réu por litigância de má fé».

9. Inconformado, o autor interpõe recurso de revista formulando as seguintes conclusões:

«01 - No dia 09 de Outubro de 2017 e no processo 1019636-73.2015.8.26.0562 que instaurou contra o réu, ora recorrido, na 7ª Vara Cível ..., Estado de São Paulo da República Federativa do Brasil, o autor, ora recorrente, obteve sentença prolatada pela Exmª Senhora Juiz de Direito CC que condenou o réu, ora recorrido, a pagar-lhe 5% do valor real dos bens indicados nas alíneas “a” e “d” do item 6, II, da escritura de inventário e partilha de folhas 84/99, na época da partilha, a ser apurado em fase de liquidação por arbitramento, momento em que se poderá aferir o real valor dos bens, tudo devidamente actualizado por ocasião do e acrescido dos juros legais, a partir da citação e com o abatimento do valor de 40.000,00 Reais já recebido pelo autor,

02 Autua e distribuído, o consequente processo foi entregue ao Exmº Senhor Juiz Desembargador Relator DD que no dia 16 de Janeiro de 2020 determinou, por adequação formal, que o mesmo tramitariam da seguinte forma:

A Petição Inicial;

B Vista ao Ministério Público tendo em conta os interesses de ordem pública que a revisão pode afectar, designadamente padra sindicato dos requisitos e condições das alíneas c) e f) do artigo 980º;

C Diligências de Prova;

D Julgamento com antecipação da decisão final;

E Notificação pessoal do requerido, com a expressa advertência, em caso de procedência do pedido, de que, querendo, deve deduzir oposição nos trinta dias (mais dilação) subsequentes à notificação sob pena de a decisão proferida se consolidar como revisão definitiva da decisão estrangeira”,

03 Aberta vista ao Ministério Público o mesmo, perante a petição inicial e os documentos a ela anexos, declarou no dia 29 de Janeiro de 2020 À vista do requerimento inicial, dos documentos a ele juntos e à decisão singular de 16 de Janeiro de 2020, concordando com toda a tramitação processual verificando-se os requisitos a que obedecem os artigos 981º e seguintes do CPC, nada oponho a que seja decretada a revisão da sentença”.

04 - Conclusos os autos ao Exmº Senhor Juiz Desembargador Relator DD o mesmo proferiu no dia 04 de Fevereiro de 2020 decisão singular determinando que “Considerando que o nosso sistema de revisão de reconhecimento de sentenças é de delibação, isto é, o juiz do Tribunal do Estado ad quem não sindica de mérito a sentença estrangeira antes controla a sua regularidade formal e não havendo dúvidas sobre a autenticidade da sentença, nem a respeito da inteligência da decisão proferida e bem assim que a cobrança dos honorários em nada é incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português“não se tendo apurado a falta de qualquer dos demais requisitos exigidos pelo artigo 980º do CPC, há-de proceder a pretensão do requerente julgo procedente o pedido e confirmo a sentença acima referida”,

05 No dia 16 de Outubro de 2020 o réu, ora recorrido, interpôs recurso extraordinário de revisão contra a decisão singular de 04 de Fevereiro de 2020 proferida pelo Exmº Senhor Juiz Desembargador Relator DD, transitada em julgado no dia 08 de Julho de 2020, e pediu que fosse declarada a nulidade do processado posterior à prolação dessa “sentença”,

06 - Após resposta do autor, ora recorrente, no dia 03 de Março de 2021, o Exmº Senhor Juiz Desembargador Relator DD julgou improcedente a revisão e confirmou o processado”,

07 No dia 23 de Março de 2021 o réu, ora recorrido, reclamou dessa decisão singular para a “conferência deste Tribunal da Relação”,

08 - Após resposta do autor, ora recorrente, no dia 22 de Abril de 2021 “a conferência deste Tribunal da Relação” decidiu “acordamos em indeferir a reclamação”, pelo que o recurso extraordinário de revisão terminou com a manutenção da decisão singular do Exmº Senhor Juiz Desembargador Relator DD de 04 de Fevereiro de 2020: “julgo procedente o pedido e confirmo a sentença acima referida”,

09 O réu, ora recorrido interpôs então desse acórdão de 22 de Abril de 2021 recurso, ordinário e de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça o qual veio a ser distribuído à respectiva 7ª Secção, onde tramitou,

10 Por acórdão de 09 de Dezembro de 2021 a 7ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça determinou a anulação do processado atinente à notificação pessoal/citação do recorrente, réu no processo e ora recorrido, com a consequente repetição dos respectivos trâmites,

11 – O processo baixou à 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, a unidade central citou o réu, ora recorrido, no local por ele declinado como sendo a sua residência, o mesmo apresentou contestação e mais tarde, depois de a isso convidadas, o autor, ora recorrente, e o réu, ora recorrido, apresentaram alegações e

12 - No dia 8 de Setembro de 2022, os Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, EE e FF, proferiram o acórdão que nessa data subscreveram, constituído por 1 – Introdução inominada, 2 - Enunciados de facto, com 30 pontos, com relevância para a apreciação de direito que consideraram assentes, 3 - Motivação com 30 pontos, 4 – Do Direito, e 5 – Decisão julgando improcedente o pedido do requerente e, consequentemente, negar confirmação da sentença proferida no dia 09 de Outubro de 2017, no processo 1019636-73.2015.8.26.0562, que correu termos na 7ª Vara Cível ..., da Comarca ... do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil,

13 – É deste acórdão que o autor, ora recorrente, interpõe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, por não concordar com a decisão que dele consta, não só por violar diversas regras jurídicas, não só por conter erros materiais e nulidades (nº 2 do artigo 613º, na alínea a) do nº 1 do artigo 615º e do nº 1 do artigo 617º todos do CPC, por força no nº 1 do artigo 666º do CPC), que cumpre rectificar e expurgar, mas também por essa decisão ser contrária, sem que seja revelado o motivo, às decisões anteriormente tomados no processo – decisões singulares de 04 de Fevereiro de 2020 e de 03 de Março de 2021 pelo Exmº Senhor Juíz Desembargador Relator DD, e colectiva de 22 de Abril de 2021 pelos Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, EE e FF, considerando apenas os factos narrados da petição inicial de 29 de Dezembro de 2019 e os documentos anexos a essa petição inicial – como consta expresso no acórdão de 08 de Setembro de 2022, em recurso – os quais de todos esses Ilustres Magistrados eram conhecidos desde 29 de Dezembro de 2019 e sem que nenhum facto narrado pelo réu, ora recorrido, e/ou documento junto pelo réu, ora, recorrido, e/ou argumento exposto pelo réu, ora recorrido, constituísse fundamento para a decisão constante no acórdão de 08 de Setembro de 2022, em recurso

14 – O mesmo acontece com a promoção do Ministério Público de 29 de Janeiro de 2020 que, com os mesmos factos e documentos, entendeu então estarem verificados todos os requisitos a que obedecem os artigos 981 e seguintes do CPC, nada opondo a que seja decretada a revisão de sentença.

15 - A redacção da Decisão Singular proferida pelo Exmº Senhor Juiz Desembargador Relator DD no dia 04 de Fevereiro de 2020 está erradamente transcrita na “introdução inominada” do acórdão de 08 de Setembro de 2022, em recurso, na medida em que os Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, EE e FF declaram aí que: “Em 16 de Janeiro de 2020, foi proferido o seguinte despacho: Determino que, por adequação formal, este processo passe a tramitar de acordo com os seguintes actos: A – Petição Inicial, B – Vista ao Ministério Público tendo em conta os interesses de ordem pública que a revisão pode afectar, designadamente padra sindicato dos requisitos e condições das alíneas c) e f) do artigo 980º, C – Diligências de Prova, E – Notificação pessoal do requerido, com a expressa advertência, em caso de procedência do pedido, de que, querendo, deve deduzir oposição nos trinta dias (mais dilação) subsequentes à notificação sob pena de a decisão proferida se consolidar como revisão definitiva da “decisão estrangeira”, omitindo o conteúdo do ponto D - a realização de julgamento com antecipação da decisão final - entre a realização das diligências de prova (letra C) e a realização da notificação pessoal do requerido (letra E),

16 – Deve ser rectificada essa omissão e deve passar a constar dessa redacção a totalidade da decisão singular de 04 de Fevereiro de 2020 constante o processo:

“Determino que, por adequação formal, este processo passe a tramitar de acordo com os seguintes actos: A – Petição Inicial; B – Vista ao Ministério Público tendo em conta os interesses de ordem pública que a revisão pode afectar, designadamente para sindicato dos requisitos e condições das alíneas c) e f) do artigo 980º; C – Diligências de Prova; D – Julgamento com antecipação da decisão final; E – Notificação pessoal do requerido, com a expressa advertência, em caso de procedência do pedido, de que, querendo, deve deduzir oposição nos trinta dias (mais dilação) subsequentes à notificação sob pena de a decisão proferida se consolidar como revisão definitiva da decisão estrangeira”.

17 - Os Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, EE e FF declararam no ponto 21 dos enunciados de dados de facto com relevância para a apreciação de direito que consideraram assentes apenas que a carta rogatória expedida no processo brasileiro para a Justiça do Reino de Espanha, regressou devolvida ao mesmo processo e a ele junta no dia 13 de Outubro de 2016 com a indicação de não ter sido cumprida,

18 - Considerando as questões em discussão deveriam constar os motivos que determinaram o não cumprimento dessa carta rogatória, reveladores do cuidado e rigor com que o funcionário judicial espanhol cumpriu o mandado que lhe foi entregue para citação do réu, ora recorrido, que consta da certidão judicial, apostilada e anexada pelo autor, ora recorrente, à petição inicial: “1 – Faz-se constar que tentada a diligência acima indicada, não pode levar-se a efeito por não se encontrar pessoa alguma na residência acima indicada, 2 – Feitas as averiguações para determinar se reside efectivamente nesse local ou em outros possíveis ou local de trabalho em que possa ser notificado, produziram o seguinte resultado:, 3 – manuscrito pelo funcionário judicial – Não reside nesta residência. Os vizinhos creem que viveu no ... nestes últimos anos mas que já morreu”,

19 - Os Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, EE e FF declararam no ponto 22 dos enunciados de dados de facto com relevância para a apreciação de direito que consideraram assentes acordaram que “o tribunal notificou o requerente para se manifestar sobre a consulta do paradeiro do réu junto do Banco Central do Brasil”,

20 – Mas não é verdade que assim tenha ocorrido, pois o pedido de informações ao Bacen – Banco Central do Brasil sobre o réu BB, consta da petição inicial de 27 de Julho de 2015, foi objecto de ordem da Exmª Senhora Juiz de Direito CC para a secretaria o formular ao Bacen e foi respondido pelo Bacen, tendo essa resposta, por negativa, sido referida pelo autor no seu requerimento de 16 de Dezembro de 2016 para o processo 1019636-73.2015.8.26.0562 da 7ª Vara Cível ..., dizendo, na parte que aqui interessa, “A consulta ao Bacen se mostrou totalmente infrutífera, pois o réu sequer tem conta bancária no Brasil, demonstrando que ele nunca aqui viveu e que se encontra efectivamente na Europa, onde nasceu, quiçá na Polónia, conforme aponta sua irmã, sem declinar o seu endereço”,

21 – É verdade que a lei brasileira dispõe que: “A citação edital do réu será feita quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar onde se encontrar o citando”, “Considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória” e “o réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço os cadastros de órgãos públicos ou de concessionários de serviços públicos”

22 – Os Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, Relator, EE e FF erram, contudo, quando consideram – nas linhas 3 e 4 da página 10 do acórdão de 08 de Setembro de 2022, em recurso – que “ressalta dos autos, muito claramente, que a Exmª Senhora Juiz do Tribunal Brasileiro não procedeu a qualquer diligência para apurar o paradeiro do réu” - nas linhas 5 e 6 da página 10 do acórdão de 08 de Setembro de 2022, em recurso – que (a Exmª Senhora Juiz do Tribunal Brasileiro) “considerou suficiente a informação do autor de que a consulta ao Bacen (Banco Central do Brasil) se mostrou totalmente infrutífera” e - nas linhas 6,7, 8 e 9 da página 10 do acórdão de 08 de Setembro de 2022, em recurso - que (a Exmª Senhora Juiz do Tribunal Brasileiro considerara suficiente) que o demandante tinha contactado a irmã do réu, sua procuradora, a qual afirmou que seu irmão se encontra na ... a trabalho e que não vem ao Brasil, não declinando o seu endereço na ..., o que inviabiliza sua citação pessoal”

23 – Tais afirmações não correspondem à verdade, bastando para tal ler com cuidado os autos e documentos, certificados e apostilados, anexados pelo autor, ora recorrente, à petição inicial de 29 de Dezembro de 2019,

24 – Não é verdade que ressalte dos autos, muito claramente, que a Exmª Senhora Juiz do Tribunal Brasileiro não procedeu a qualquer diligência para apurar o paradeiro do réu”, quando – apesar de o autor ter na petição inicial de 27 de Julho de 2015 pediu a citação do réu em Espanha na Travessia ..., ... – a Exmª Senhor Juiz de Direito CC não a ordenou de imediato e optou antes ordenar a citação do réu BB:

A - Por mandado de 14 de Setembro de 2015 na pessoa da sua irmã e procuradora GG na Avenida..., SP (consta dos autos brasileiros a procuração pública de 21 de Maio de 2010 que o réu BB outorgou perante o Notário de ..., em Portugal, a favor de sua irmã e lhe declarou pessoalmente que residia habitualmente na Avenida ..., Estado de São Paulo, Brasil)

B – Por mandado de 23 de Outubro de 2015 na pessoa da sua irmã e procuradora GG na Rua ...-SP (o mandado anterior originou a certidão negativa de 18 de Setembro de 2015 da Oficial de Justiça HH (26145) pois GG não morava mais no local e na escritura de partilha de 21 de Junho de 2013 GG irmã e representante do réu BB declarou que residia na Rua ...-SP),

C – O mandado anterior originou a certidão positiva de 31 de Outubro de 2015 da Oficial de Justiça II (26374) que declarou ter citado o réu BB na pessoa de sua irmã e procuradora GG e que esta alegara não ser a procuradora do réu BB e se negara a assinar e eceber a contrafé, pelo que, por despacho de 10 de Dezembro de 2015 a Exmª Senhora Juiz de Direito CC declarou que a citação feita nos termos da certidão de folhas 143 não tinha validade),

D – Só então, esgotadas todas as hipóteses de citar o réu em ... São Paulo, República Federativa do Brasil, a Exmª Senhora Juiz de Direito CC ordenou no despacho de 10 de Dezembro de 2015 a expedição de carta rogatória para a ... para citação do réu BB na Travessia ..., ..., diligência da qual resultou certidão negativa de citação pois não foi encontrado,

E – O Bacen – Banco Central do Brasil enviou para o processo 1019636-73-2015 no dia 23 de Novembro de 2016 o “Detalhamento de Ordem Judicial de Requisição de Informações” sobre o réu BB informando não ter activos, valores e contas bancárias na República Federativa do Brasil,

F – Por requerimento de 16 de Dezembro de 2016 o autor requereu a citação edital do réu BB e só então, em face da situação exposta a Exmª Senhora Juiz de Direito CC ordenou a citação edital do réu BB,

25 – Designadamente A Exmª Senhora Juiz de Direito CC procedeu a todas as diligências cabíveis para encontrar o réu BB:

A – Despacho ordenando à secretaria judicial a citação do réu na residência da sua irmã e procuradora GG na Avenida ..., Estado de São Paulo, Brasil (01),

B - Despacho ordenando à secretaria judicial a citação do réu na residência da sua irmã e procuradora GG na Rua ..., Estado de São Paulo, Brasil (04),

C – Despacho, na sequência de pedido do autor, ordenando à secretaria judicial pedido de expedição de carta rogatória para citação do réu na Travessia ..., em ..., pela Justiça do Reino da Espanha (08),

D – Despacho, na sequência de pedido do autor, ordenando à secretaria judicial o pedido de informações ao Bacen (Banco Central do Brasil) sobre a identificação do réu e a sua localização (09),

E – Despacho, na sequência de pedido fundamentado apresentado pelo autor, ordenando a citação edital do réu (10 e 11),

F – Despacho ordenando à secretaria o pedido de designação de Curador Especial ao réu revel (13), de tudo emergindo um grande cuidado e uma atenção excepcional na avaliação das situações de facto por forma a não colocar, nem o autor, nem o réu, numa situação precária em relação ao outro, mas sempre com respeito e obediência pelas normas legais aplicáveis,

27 – Sendo o réu BB revel, por não ter contestado depois de ter sido citado editalmente a Exmª Senhora Juiz de Direito CC ordenou à secretaria que diligenciasse junto da Defensoria Pública do Estado de São Paulo a designação de Curador Especial ao mesmo réu, tendo para isso sido designado o Dr. JJ (cédula ......) que oportunamente apresentou contestação e passou a representar o réu BB no processo,

28 – Não é verdade também a afirmação dos Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, EE e FF de que a Exmª Senhora Juiz de Direito CC tenha considerado suficiente a informação do autor de que a consulta ao Bacen (Banco Central do Brasil) se mostrou totalmente infrutífera, na medida em que foi a Exmª Senhora Juiz de Direito CC quem avaliou as informações do Bacen e extraiu delas o seu entendimento e decisão, ainda que o autor tenha também no seu requerimento de 16 de Dezembro de 2016 exposto a sua,

29 – Não é verdade também a afirmação dos Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, EE e FF que “não houve a precaução de apurar junto da irmã do réu que é, repita-se, sua procuradora, qual o endereço deste, o que uma autoridade com os poderes do tribunal (confrontar artigo 139º CPC) facilmente poderia obter.

30 - A Exmª Senhora Juiz de Direito CC ordenou a citação do réu BB, na pessoa e em casa de sua irmã e procuradora GG, primeiro na Avenida ..., Estado de São Paulo, Brasil e depois na Rua .../SP,

31 – Os Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, EE e FF entenderam que a Exmª Senhora Juiz de Direito CC deveria ordenado diligências em cadastros de órgãos públicos e concessionárias, mas tal não era possível,

32 – O Bacen – Banco Central do Brasil integra uma base de dados sobre todas os cidadãos naturais e/ou residentes no Brasil, abrangeno todos os bancos e/ou instituições bancárias ou para-bancárias com sede ou actividade na República Federativa do Brasil, e estão aí inscritos todos quantos têm negócios ou trabalhem num dos respectivos Estados, pelo que é comum nos tribunais pedir informações sobre partes ou interessados processuais ao Bacen, que quanto ao réu BB informou que não tinha aí registo financeiro, apesar de o autor saber que ele recebeu e vendeu, eventualmente com ilegalidades financeiras, os bens que adquiriu na herança do Pai;

33 – Não residindo então o réu BB no Brasil, não residindo então o réu BB em ..., residindo talvez, por informação de sua irmã e procuradora GG, prestada à Oficial de Justiça II (...6...74) na certidão de citação positiva de 31 de Outubro de 2015, na ... onde trabalharia, em locais que ela não informou, desconhece-se - porque eles também não o disseram - onde e a que autoridades ou concessionários os Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, EE e FF pretenderiam que a Exmª Senhora Juiz de Direito CC mandasse procurar o réu BB,

34 - A 7ª Vara Cível ... e a Exmª Senhora Juiz de Direito CC foram muito exigentes na averiguação do condicionalismo da citação do réu, designadamente para poder ordenar a citação edital do mesmo, exactamente pelas consequências gravosas que tal modalidade acarreta para o efectivo exercício do direito de defesa do citando,

35 – O que verdadeiramente se conclui de tudo o que aconteceu é exactamente o contrário do que resulta concluido pelos Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, EE e FF: no processo brasileiro foi cautelosa e devidamente empregue a citação edital do réu BB, o que tem como consequência ser a mesma completamente admissível e integrada no nosso ordenamento jurídico bem como os efeitos da sentença que pôs termo à cadeia do procedimento, no qual essa citação se integra como um elo, existindo por isso caso julgado, transitado, no processo brasileiro,

36 – O Exmº Senhor Juíz Desembargador DD, Relator, autor das decisões singulares de 04 de Fevereiro de 2020 e de 03 de Março de 2021 e os Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, EE e FF, autores da decisão colectiva de 22 de Abril de 2021, declararam revista e confirmada a sentença de 08 de Outubro de 2017 da 7ª Vara Cível ..., com fundamento nos factos narrados na petição inicial de 29 de Dezembro de 2019 e nos documentos anexos a essa mesma petição inicial. Contudo,

37 – Os mesmos Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, EE e FF, em 22 de Setembro de 2022 no acórdão dessa data, em recurso, de que são autores, declararam – de forma contrária - indeferir a revisão e confirmação da mesma sentença de 08 de Outubro de 2017 da 7ª Vara Cível ..., com fundamento nos mesmos factos narrados na petição inicial de 29 de Dezembro de 2019 e nos mesmos documentos anexos a essa mesma petição inicial, sempre inultrapassável que consignaram isso mesmo nos capítulos 1, 2, 3 e 4 do acórdão de 08 de Setembro de 2022, em recurso,

38 – Na verdade, nesses capítulos 1, 2 3 e 4, em especial os capítulos 2 e 3, em que eles declaram constar os factos assentes e os documentos em que fundamentam a sua decisão, referem apenas factos e documentos introduzidos pela petição inicial apresentada pelo autor, ora recorrente, no dia 29 de Dezembro de 2019 e não incluiem aí quaisquer factos e/ou documentos que tivessem sido introduzidos nos autos pelo réu, ora recorrido, eventualmente pela contestação, pelas alegações ou por qualquer requerimento autónomo,

39 – Desta forma existe completa contradição entre as decisões do Exmº Senhor Juíz Desembargador Relator DD e dos Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, EE e FF prolatadas até 22 de Abril de 2021 e a decisão colectiva por eles prolatada no dia 22 de Setembro de 2022, não sendo conhecido, porque não revelado por eles, o motivo que conduziu a tal contradição,

40 - Cabe ao Tribunal Português com competência para rever e confirmar a sentença estrangeira assegurar, que no processo onde foi proferida a sentença a rever e confirmar, que o réu gozou, no processo onde foi proferida a sentença o direito de contraditório, nos mesmos termos que ele é reconhecido em Portugal,

41 – Ora, em Portugal é também prevista legalmente a citação edital do réu e, tal forma de citação, verificando-se os pressupostos que a determinam, não impede por si só o exercício do contraditório, como resulta da lei e foi já determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça, pelo menos no acórdão supra mencionado,

42 - A lei portuguesa permite, no caso de o réu não residir ou não ser encontrado em Portugal e resida no estrangeiro pode ser citado do estrangeiro, por correio postal registado ou por carta rogatória (artigo 239º do CPC), pelo que

43 - Não sendo possível a citação do réu na sua residência no estrangeiro e encontrando-se o citando em parte incerta, pode proceder-se à sua citação edital, averiguando-se previamente a última residência daquele em território português e procedendo-se às diligências a que se refere os nº 1 do artigo 236º do CPC,

44 – No caso do processo 1019636-73.20154.8.26.0562 da 7ª Vara Cível ..., o réu BB não residia no ..., nem sequer em ..., pelo, depois dos resultados negativos obtidos do Bacen – Banco Central do Brasil, não tinha razão de ser a obtenção de informações nos respectivos serviços de identificação civil e da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres - fossem eles quais fossem – e das autoridades policiais,

45 – Como também seria possível fazê-lo na ..., onde nem sequer se conhecia no processo o local onde ele se poderia encontrar, na medida em que a irmã e procuradora do réu, ora recorrido, não prestou essa informação quando lhe foi pedida, por não querer ou não saber informar,

46 – Sendo a lei brasileira mais favorável ao réu revel na medida em que o tribunal tem de garantir a designação pela Defensoria Pública do Estado de um Curador Especial ao réu revel, que o represente e apresente peças processuais e requeira o mais necessário à respectiva defesa – o que ocorreu no caso em discussão – diligência que não sequer é prevista na lei portuguesa,

47 – Caso o réu, ora recorrido, considerasse verdadeiramente que a citação edital tinha sido mal empregue no processo 1019636-73.20154.8.26.0562, ao mesmo tempo que atacava os presentes autos, deveria também ter reagido nele, invocando essa alegada nulidade e apresentando recurso extraordinário de revisão que, ainda que com denominação diferente, é também admitido pela lei brasileira, a fim de fazer revogar a mencionada sentença de 08 de Outubro de 2017,

48 – Mas não o fez, demonstrando que a sua citação edital nesse processo 1019636-73.20154.8.26.0562 foi consequência natural e legal da situação de facto nele existente. Isso por que

49 - Os presentes autos de revisão e confirmação da sentença de 08 de Outubro de 2017 da 7ª Vara Cível ... têm apenas por efeito fazer com que essa sentença tenha efeitos em Portugal e não interfere com os efeitos que a mesma tem no Brasil, onde a mesma foi prolatada e transitou em julgado,

50 - Mas o réu, ora recorrido, não tomou nesse processo 1019636- 73.20154.8.26.0562 qualquer medida para anular, revogar ou alterar a sentença de 08 de Outubro de 2015 da 7ª Vara Cível ..., pelo que, caso o Supremo Tribunal de Justiça mantenha o acórdão de 08 de Setembro de 2022, em recurso – que o autor, ora recorrente, está seguro não irá acontecer por esse acórdão merecer ser revogado na medida em que viola diversas normas jurídicas – apenas em Portugal a sentença cuja revisão e confirmação o autor, ora recorrente pretende, não teria efeitos,

51 - No Brasil ou em qualquer outro país, designadamente europeu ou americano, onde o autor, ora recorrente, peça a revisão e confirmação dessa sentença, poderá finalmente fazer com que o réu, ora recorrido, lhe pague o que lhe deve, com juros de mora e acréscimos legais, como resulta da condenação de 08 de Outubro de 2017 no processo 1019636-73.20154.8.26.0562 da 7ª Vara Cível ..., Comarca ..., Estado de São Paulo,

52 – O acórdão de 22 de Setembro de 2022 violou o disposto no artigo 236º, no nº 2 do artigo 613º, na alínea a) do nº 1 do artigo 615º e do nº 1 do artigo 617º todos do CPC, por força no nº 1 do artigo 666º do CPC, no artigos 978º e seguintes do CPC, em especial o 983º,

53 – Pelo que deve ser revogado e substituído por outro que declare revista e confirmada para ter efeitos em Portugal a sentença de 08 de Outubro de 2015 prolatada pela Exmª Senhora Juiz de Direito CC, titular da 7ª Vara Cível ..., Comarca... do Tribunal Judicial do Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil, no processo 1019636-73.20154.8.26.0562, transitada em julgado no dia 09 de Novembro de 2017,

ASSIM SE FAZENDO J U S T I ÇA !»

10. O recorrido não apresentou contra-alegações.

11. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto de recurso, as questões a decidir são as seguintes:

I - Retificação de erro material contido no relatório do acórdão recorrido na parte em que se transcreveu a decisão singular proferida pelo Senhor Desembargador Relator em 04-02-2020;

II - Impugnação da matéria de facto considerada assente pela Relação nos pontos 21 e 22 e omissão de outros factos relevantes decorrentes da documentação junta aos autos;

III - Regularidade da citação edital do réu no processo no qual foi proferida a sentença revidenda à luz do direito brasileiro aplicável;

IV - Contradição entre o acórdão recorrido e o teor das decisões singulares de 04 de fevereiro de 2020, e de 03 de março de 2021, bem como o teor do acórdão de 22 de abril de 2021.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A – Os factos

São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados relevantes para a apreciação de direito, pelo Tribunal da Relação:

«1. O requerente é advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, no dia 19 de novembro de 1969, sob o número 21.831, Cidade e Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil.

2. Desde há mais de 50 anos que exerce a profissão de advogado.

3. Em Maio de 2011, o requerente aceitou diante da irmã do réu, que actuou como representante deste, representá-lo no processo de inventário para partilha dos bens deixados por óbito de seu pai, KK, o qual pendia, com o número ..., na ....ª Vara da Família e Sucessões ....

4. O requerente aceitou patrocinar o requerido não apenas nesse processo, mas também nas acções e incidentes que viessem a surgir relacionados com a partilha desses bens.

5. Passou desde então a representar o requerido não apenas nesse processo de inevntário, mas também nas acções e incidentes que viessem a surgir relacionados com a partilha dos bens deixados por óbito de seu pai, KK

6. O requerente acordou com a irmã do requerido enquanto representante deste, que este lhe pagaria honorários pelos serviços profissionas que lhe prestasse nesse processo de inventário e nas demais acções e incidentes relacionados com a partilha dos bens deixados por óbito de seu pai, KK, no montante de 5% sobre o valor real dos bens que viessem a ser adjudicados ao requerido, acrescidos das despesas que o requerente tivesse de fazer com a respetiva prestação.

7. LL, irmã do réu, entregou ao requerente, em nome do requerido, a provisão de 30.000 Reais por depósito ou transferência para crédito da conta de depósitos 23.507-5 de que o requerente era titular no Banco Bradesco, SA, Agência ..., e 10.000 Reais em numerário.

8. O requerente representou o requerido e defendeu os seus interesses no predito inventário, processos e incidentes durante mais de dois anos, atingindo o inventário mais de vinte volumes.

9. Fê-lo também em acção possessória do apartamento da Rua ..., na defesa em interdito proibitório na Comarca de ..., referente ao F..., no pedido de remoção de inventariante, na prestação de contas, nos bens sonegados e nos bens à colação, nos agravos e nos recursos especiais.

10. O requerente realizou reuniões, inclusivamente aos sábados, com o Colega que representava a parte contrária, para tentar converter a partilha litigiosa em amigável e trabalhou ainda no F... aquando da liminar na acção de interdito proibitório movido pela viúva e inventariante MM.

11. Por intervenção do requerente e dos advogados que representavam os demais interessados, a partilha dos bens deixados por óbito do pai do réu, KK, veio a terminar, nos exactos termos pretendidos pelo réu através de partilha amigável reduzida a escrito em escritura pública perante o Notário do 3.º Tabelião de Notas ....

12. Por escritura pública de partilha foram adjudicados ao requerido um edifício, F..., no valor real de 7.000.000 Reais, 50% das quotas da empresa B... no valor real de 5.000,00 Reais, 15% das quotas deS..., Lda., no valor de 615.000 Reais e 40% das quotas da empresa M..., Lda., no valor de 8.000 Reais.

13. O requerente elaborou e apresentou nota dos seus honorários no total de 353.829,64 Reais.

14. A tabela de honorários da ordem dos Advogados do Brasil fixa para a prestação dos serviços pelos advogados a percentagem de 6% sobre os bens adjudicados aos clientes.

15. O requerido não pagou essa quantia ao Autor.

16. No dia 27 de Julho de 2015, o requerente apresentou na Vara Cível ... uma petição inicial para instaurar contra o requerido uma Acção de Cobrança de Honorários, pedindo a condenação do requerido a pagar-lhe 5% sobre o valor real do “F...” no montante de 7.000.000 Reais, o valor real das quotas de S..., Lda. no montante de 615.000 Reais, no total de 380.000 Reais deduzidos dos 40.000 Reais já recebidos, corrigindo o saldo de 340.075 Reais monetariamente a partir de Junho de 2013, acrescidos de juros legais e de honorários de advogado que viessem a ser arbitrados, das despesas e das custas processuais.

17. Nessa petição inicial, o requerente indicou a residência do requerido na Travessa ..., em ..., e pediu a citação do mesmo nesse local através de carta rogatória a expedir para o Reino de Espanha.

18. O processo emergente dessa acção foi distribuído, no dia 29 de Julho de 2015, à 7.ª Vara Cível ... onde lhe foi atribuído o número 1019636-73.2015.8.26.0562.

19. Por despacho de 11 de Agosto de 2015, a Exmª Senhora Juíza de Direito NN ordenou a expedição de carta rogatória, no prazo de cinco dias, como pedido pelo requerente.

20. Essa carta rogatória foi expedida no dia 24 de fevereiro de 2016 para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mais tarde para o Ministério da Justiça da República Federativa do Brasil e finalmente para o Ministério das Relações Internacionais da mesma República e, com cumprimento das regras aplicáveis, foi entregue à Justiça do Reino de Espanha.

21. A mesma carta rogatória veio a ser devolvida pela Justiça do Reino de Espanha e junta aos autos no dia 13 de Outubro de 2016 com a indicação de não ter sido cumprida.

22. O tribunal notificou o requerente para se manifestar sobre a consulta do paradeiro do réu junto do Banco Central do Brasil.

23. O requerente apresentou requerimento, de que umacópia se encontra a fls. 45 e v. nos termos do qual se afirma: «4. Tentando anteriormente, a citação do Réu BB, na pessoa da irmã GG, sua procuradora, afirmou ela que seu irmão «se encontra na ... a trabalho e que não vem ao ...» não declinando seu endereço na ..., o que inviabiliza a sua citação pessoal; «5. A consulta ao Bacen se mostra totalmente infrutífera, pois o réu sequer tem conta bancária no ..., demonstrando que ele nunca aqui viveu e que se encontra efetivamente na Europa, onde nasceu, quiçá na ..., conforme aponta sua irmã, sem declinar seu endereço».

24. Em face disso, a pedido do requerente, o Exmº Senhor Juiz de Direito OO ordenou no processo 1019636-73.2015.8.26.0562, pendente na 7.ª vara Cível ... da Comarca ... do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por despacho de 19 de Dezembro de 2016, a citação edital do réu.

25. Tal citação edital realizada, através de éditos publicados no dia 3 de Fevereiro de 2017.

26. A Exmª Senhora Juíza CC ordenou a nomeação de curador especial ao requerido.

27. Tal nomeação foi pedida nos termos da lei brasileira à Defensoria Pública de Estado de São Paulo, que designou curador especial do requerido o advogado JJ.

28. No dia 18 de Setembro de 2017, o requerido apresentou, no já mencionado processo 1019636-73.2015.8.26.0562, pendente na 7ª Vara Cível ..., contestação através desse advogado JJ.

29. A Exmª Senhora Juíza CC proferiu, no dia 9 de Outubro de 2017, no processo 1019636-73.2015.8.26.0562, pendente na 7.ª vara Cível ..., sentença “na qual julgou procedente em parte a acção em causa” e em consequência “condenou o réu a pagar ao autor 5% do valor real dos bens indicados nas alíneas “a” e “d” do item 6, II, da escritura de inventário e partilha de folhas 84/99 na época da partilha a ser apurado em fase de liquidação por arbitramento, momento em que se poderá aferir o real valor dos bens, tudo devidamente actualizado por ocasião do pagamento e acrescido de juros legais, a partir da citação e com o abatimento do valor de 40.000 Reais já recebido pelo Autor”.

B – O Direito

1. Nas conclusões do seu recurso de revista, o recorrente argui erros materiais e nulidades do acórdão recorrido, nos termos previstos no “nº 2 do artigo 613º, na alínea a) do nº 1 do artigo 615º e do nº 1 do artigo 617º todos do CPC, por força no nº 1 do artigo 666º do CPC”, que cumpre rectificar e expurgar”. Mas, para além do erro material acima descrito, relativo à transcrição do teor da decisão singular proferida pelo Relator, no Tribunal da Relação, em 04-02-2020, o recorrente não suscitou devidamente as alegadas nulidades do acórdão recorrido no seu recurso de revista, nem concretizou quaisquer outros erros materiais

Como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões delimitam o objeto do recurso, não podendo o tribunal superior conhecer de questões nelas não incluídas, salvo as que são de conhecimento oficioso – assim tem entendido de forma uniforme o Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo, entre outros, nos acórdãos de 18-01-2022 (Revista n.º 243/18.0T8PFR.P1.S1), de 27-04-2023 (Revista n.º 4696/15.0T8BRG.G1.S1); de 12-04-2023 (Revista n.º 1088/09.4TBCTX-A.E1.S1); de 30-03-2023 (Revista n.º 351/16.2T8CTB.C1.S1) e de 15-12-2022 (Revista n.º 2526/17.8T8LRA.C1.S1).

No caso dos autos, o recorrente omitiu nas conclusões do seu recurso qualquer menção a eventuais nulidades do acórdão, constando apenas a alusão à violação do artigo 615.º, n.º 1, alínea a), mas sem que seja invocado, ainda que minimamente, em que se consubstancia a alegada falta de assinatura do juiz. Do mesmo modo, não foi concretizado qualquer outro vício de que padecesse o acórdão recorrido.

A falta de inclusão de tal matéria nas conclusões da revista impede, assim, o seu conhecimento por parte do Supremo Tribunal de Justiça, sendo certo que entendemos ser manifesto não se verificar qualquer vício que pudesse ser oficiosamente conhecido por este Tribunal.

I - Retificação de erro material contido no relatório do acórdão recorrido na parte em que se transcreveu a decisão singular proferida pelo Senhor Desembargador Relator em 04-02-2020

2. Alega o recorrente que a decisão singular proferida nos autos em 04-02-2020 foi erradamente transcrita no texto do acórdão recorrido no qual consta o seguinte:

“Em 16 de Janeiro de 2020, foi proferido o seguinte despacho: Determino que, por adequação formal, este processo passe a tramitar de acordo com os seguintes actos:

A – Petição Inicial,

B – Vista ao Ministério Público tendo em conta os interesses de ordem pública que a revisão pode afectar, designadamente padra sindicato dos requisitos e condições das alíneas c) e f) do artigo 980º,

C – Diligências de Prova,

E – Notificação pessoal do requerido, com a expressa advertência, em caso de procedência do pedido, de que, querendo, deve deduzir oposição nos trinta dias (mais dilação) subsequentes à notificação sob pena de a decisão proferida se consolidar como revisão definitiva da decisão estrangeira”

Refere o recorrente que nesta transcrição foi omitido o conteúdo do “ponto D” incluído naquela decisão singular, respeitante à “realização de julgamento com antecipação da decisão final”, a ter lugar entre a realização das diligências de prova (letra C) e a realização da notificação pessoal do requerido (letra E). Conclui que deve passar a constar do texto do acórdão recorrido a totalidade do texto da decisão singular de 04-02-2020.

Com efeito, assiste razão ao recorrente, não se encontrando a decisão singular proferida nos autos em 04-02-2020 corretamente transcrita no relatório do acórdão recorrido, faltando a referência à realização de julgamento com antecipação da decisão final, antes de se proceder à notificação pessoal do requerido. Porém, tratando-se do Relatório do acórdão recorrido (que este Supremo de imediato corrigiu no Relatório do presente acórdão), o alegado lapso material não teve qualquer relevância na decisão final, sendo certo que o que releva é o que consta dos autos, ou seja, o texto da decisão proferida em 04-02-2020.

Como veremos adiante, será considerada a redação correta da referida decisão singular e o seu teor não terá relevância na presente decisão.

II - Impugnação da matéria de facto considerada assente pela Relação

3. O recorrente alega que nos pontos 21 e 22 dos factos provados, a Relação não teve em consideração alguns factos constantes do processo no qual foi proferida a sentença que é objeto desta ação, no que respeita às diligências realizadas pelo tribunal brasileiro para apurar o paradeiro do réu, aqui recorrido, antes de ser ordenada a citação edital do mesmo.

Quanto ao ponto 21, alega o recorrente que foi considerado assente “apenas que a carta rogatória expedida no processo brasileiro para a Justiça do Reino de Espanha, regressou devolvida ao mesmo processo e a ele junta no dia 13 de Outubro de 2016 com a indicação de não ter sido cumprida”, mas “considerando as questões em discussão deveriam constar os motivos que determinaram o não cumprimento dessa carta rogatória, reveladores do cuidado e rigor com que o funcionário judicial espanhol cumpriu o mandado que lhe foi entregue para citação do réu, ora recorrido, que consta da certidão judicial, apostilada e anexada pelo autor, ora recorrente, à petição inicial:

1 – Faz-se constar que tentada a diligência acima indicada, não pode levar-se a efeito por não se encontrar pessoa alguma na residência acima indicada,

2 – Feitas as averiguações para determinar se reside efectivamente nesse local ou em outros possíveis ou local de trabalho em que possa ser notificado, produziram o seguinte resultado:

3 – manuscrito pelo funcionário judicial – Não reside nesta residência. Os vizinhos creem que viveu no Brasil nestes últimos anos mas que já morreu”.

Quanto ao ponto 22, alega que foi considerado assente que “o tribunal notificou o requerente para se manifestar sobre a consulta do paradeiro do réu junto do Banco Central do Brasil, mas não é verdade que assim tenha ocorrido, pois o pedido de informações ao Bacen – Banco Central do Brasil sobre o réu BB, consta da petição inicial de 27 de Julho de 2015, foi objecto de ordem da Exmª Senhora Juiz de Direito CC para a secretaria o formular ao Bacen e foi respondido pelo Bacen, tendo essa resposta, por negativa, sido referida pelo autor no seu requerimento de 16 de Dezembro de 2016 para o processo 1019636-73.2015.8.26.0562 da 7ª Vara Cível ..., dizendo, na parte que aqui interessa, “A consulta ao Bacen se mostrou totalmente infrutífera, pois o réu sequer tem conta bancária no Brasil, demonstrando que ele nunca aqui viveu e que se encontra efectivamente na Europa, onde nasceu, quiçá na ..., conforme aponta sua irmã, sem declinar o seu endereço”.

No que respeita à alteração pelo Supremo Tribunal de Justiça da matéria de facto fixada pela Relação, no âmbito do presente processo especial, como se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-04-2021 (Revista n.º 78/19.3YRLSB.S1), importa ter em consideração que o artigo 985º do CPC dispõe que da decisão da Relação sobre o mérito da causa cabe recurso de revista. Como se salienta nesse Acórdão: «Não se pode deixar de retirar consequências do facto de o legislador ter previsto, para a decisão que recaia sobre o mérito da causa, proferida no âmbito do processo de revisão da sentença estrangeira, o recurso de revista, quando, no art. 974º do CPC (atinente ao processo a que se referem os arts. 967º e segs.), se prevê o de apelação, aí se preceituando que (…). Assim, no que tange ao recurso do acórdão que decida a revisão de sentença estrangeira, não se estabelece nem que seja um recurso de apelação nem que o Supremo Tribunal de Justiça possa alterar ou anular a matéria de facto por reporte ao art. 662º do CPC. O conhecimento do STJ fica, assim, circunscrito, in casu, no que concerne à matéria de facto, aos poderes excepcionais previstos na lei quanto ao julgamento do recurso de revista (arts. 674º, nº 3, e 682º, nº 3 do CPC)».

Tendo em conta estas premissas, importa apreciar o teor da alegação do recorrente.

No que respeita ao ponto 21 da factualidade assente pela Relação, nele consta que “A mesma carta rogatória veio a ser devolvida pela Justiça do Reino da Espanha e junta aos autos no dia 13 de Outubro de 2016 com a indicação de não ter sido cumprida.”

Os factos agora alegados pelo recorrente constam do teor do documento n.º 7 anexo à petição inicial e que consiste numa certidão emitida pelas autoridades espanholas relativas ao resultado da diligência de notificação, que lhes foi solicitada pelas autoridades brasileiras, no âmbito do processo no qual foi proferida a sentença revidenda. O documento em causa constitui uma certidão dessa peça processual constante do referido processo judicial que correu termos na 7.ª Vara Cível da Comarca ... dos Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Nos termos do disposto no artigo 218.º do Código Civil brasileiro aprovado pela Lei n.º 10.406, de 10-01-2002: “os traslados e as certidões considerar-se-ão instrumentos públicos, se os originais se houverem produzido em juízo como prova de algum ato.”

De acordo com o disposto no artigo 365.º, n.º 1, do Código Civil português, os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respetiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal.

A parte contrária não suscitou quaisquer dúvidas sobre a autenticidade do referido documento que integra o processo judicial brasileiro, pelo que, tratando-se de documento emitido por oficial público competente para o efeito, o mesmo tem força probatória plena nos termos previstos no artigo 371.º, n.º 1, do Código Civil português.

Desta forma, cremos que merece procedência, nesta parte, o alegado pelo recorrente, devendo ficar a constar do ponto 21 os factos praticados e atestados com base nas perceções do oficial público responsável pela elaboração do documento, nos seguintes termos:

“21. A mesma carta rogatória veio a ser devolvida pela Justiça do Reino da Espanha e junta aos autos no dia 13 de Outubro de 2016 com as seguintes indicações:

“1 – Faz-se constar que tentada a diligência acima indicada, não pode levar-se a efeito por não se encontrar pessoa alguma na residência acima indicada,

2 – Feitas as averiguações para determinar se reside efectivamente nesse local ou em outros possíveis ou local de trabalho em que possa ser notificado, produziram o seguinte resultado: Não reside nesta residência. Os vizinhos creem que viveu no Brasil nestes últimos anos mas que já morreu”.

Quanto ao ponto 22, foi considerado assente que: “O tribunal notificou o requerente para se manifestar sobre a consulta do paradeiro do réu junto do Banco Central do Brasil.”

Por sua vez, no ponto 23 consta que «O requerente apresentou requerimento, de que uma cópia se encontra a fls. 45 e v. nos termos do qual se afirma: «4. Tentando anteriormente , a citação do Réu BB, na pessoa de sua irmã GG, sua procuradora, afirmou ela que seu irmão “se encontra na Polónia a trabalho e que não vem ao Brasil” não declinando seu endereço na ... , o que inviabiliza sua citação pessoal»; «5. A consulta ao Bacen se mostra totalmente infrutífera, pois o réu sequer tem conta bancária no Brasil, demonstrando que ele nunca aqui viveu e que se encontra efetivamente na Europa, onde nasceu, quiçá na Polónia, conforme aponta sua irmã, sem declinar seu endereço».”

O recorrente alega que deveria ter sido considerado assente que o pedido de informações ao Bacen – Banco Central do Brasil – sobre o réu BB, que consta da petição inicial de 27 de julho de 2015, foi objeto de ordem pela Juiz de Direito CC para a secretaria o formular ao Bacen e foi respondido pelo Bacen, tendo essa resposta, por negativa, sido referida pelo autor no seu requerimento de 16 de dezembro de 2016 que se encontra referido no ponto 23. Afirma o recorrente que “o Bacen – Banco Central do Brasil enviou para o processo 1019636-73-2015 no dia 23 de Novembro de 2016 o “Detalhamento de Ordem Judicial de Requisição de Informações” sobre o réu BB informando não ter activos, valores e contas bancárias na República Federativa do Brasil.”

Porém, o autor e recorrente não juntou aos autos qualquer documento que ateste os factos que agora vem alegar, nem tampouco indicou qualquer outro meio probatório de onde tais factos decorram. Pois não se encontra junto aos autos a certidão do despacho judicial que ordenou esse pedido de informações ao Bacen (Banco Central do Brasil) sobre o réu BB, nem consta a resposta vinda desta última entidade. Apenas consta dos autos o aludido requerimento formulado pelo próprio autor no qual o mesmo transcreve a resposta do Bacen, o que foi considerado assente pela Relação.

Refira-se que se encontra junta aos autos, como documento n.º 14 anexo à petição inicial, uma “certidão de inteiro teor”, na qual não constam os atos processuais indicados pelo recorrente. Apesar de ser notório que tal certidão se encontra incompleta, tal facto é imputável ao próprio recorrente.

Pelo exposto, improcede, nesta parte, o alegado pelo recorrente. Refira-se, porém, que, como adiante será exposto, ainda que se considere provada a factualidade agora alegada pelo recorrente relativamente ao pedido de informações dirigido ao Bacen, tal não altera o sentido da decisão que será proferida.

No seu recurso de revista, o recorrente faz ainda alusão à omissão de outras diligências realizadas pela Juiz titular do processo judicial no qual foi proferida a sentença revidenda e que não foram incluídas nos factos assentes pela Relação.

Analisando a totalidade das certidões de peças processuais extraídas do referido processo brasileiro, verificamos que, para além do que consta dos factos assentes, apenas se provam os factos atestados pelo documento n.º 5 junto pelo autor com a sua resposta à oposição, e pelo documento n.º 14 anexo à petição inicial, que constituem peças processuais do referido processo brasileiro.

Nesses documentos resultam os seguintes factos atestados pelo oficial público responsável pela elaboração dos mesmos:

a) Por mandado de 23 de outubro de 2015 n.º 562.2015/086187-0, a Mma. Juíza de Direito da 7.ª Vara Cível do Foro ..., Dra. CC, no âmbito do processo n.º 1019636-73.2015.8.26.0562, emitiu mandado de citação do requerido BB na pessoa de GG, sua procuradora, na Rua ...-SP (documento n.º 5 junto pelo autor com a sua resposta à oposição);

b) Esse mandado originou a certidão positiva datada de 31 de Outubro de 2015, constante de fls. 143 do referido processo judicial, emitida pela oficial de Justiça II, que declarou ter citado o réu BB na pessoa da procuradora GG, certificando também o seguinte: “a Sra. GG alegou não ser a procuradora do requerido e irmão, e por este motivo se negou a assinar e não aceitou receber a contrafé, afirmou ainda que o mesmo se encontra na ... a trabalho e que não vem ao ...” (documento n.º 5 junto pelo autor com a sua resposta à oposição).

c) Por despacho judicial de 10-12-2015 proferido no referido processo n.º 1019636-73.2015.8.26.0562, foi determinado “não tem validade a citação feita nos termos da certidão de fls. 143 porque a procuração de fls. 106/108 não confere a GG o poder para receber citações e representar o réu em Juízo. Assim, o autor deverá providenciar a citação do réu por meio de carta rogatória, no endereço declinado na inicial e conforme requerido a fls. 06, para fins de prosseguimento do feito e a fim de evitar eventual alegação de nulidade (…)» (certidão de inteiro teor junta aos autos como documento n.º 14 anexa à PI).

Assim, entendemos que se devem considerar provados os factos acima referidos, porque demonstrados por documento autêntico, aditando-se os mesmos à matéria de facto assente.

III - Regularidade da citação edital do réu no processo no qual foi proferida a sentença revidenda à luz do direito brasileiro aplicável

4. Nos termos do disposto no artigo 978.º, n.º1, do CPC, «Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada».

No caso dos autos, estando em causa a revisão e confirmação de uma sentença brasileira, desconhece-se a existência de qualquer tratado ou convenção internacional que esteja em vigor e que regule a matéria em causa nos autos.

O Estado português subscreveu a Convenção sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Estrangeiras em Matéria Civil e Comercial e seu Protocolo, concluída em Haia, em 01/02/1971, aprovada para ratificação pelo Decreto do Governo n.º 13/83, de 24/02. Porém, por ocasião do depósito do instrumento de ratificação, Portugal formulou a declaração seguinte: “A aplicação concreta das disposições da Convenção e do Protocolo Adicional entre Portugal e um outro Estado não terá lugar senão depois da conclusão dos acordos complementares previstos no artigo 21 da Convenção e no n.º 3 do Protocolo Adicional” (Aviso do Ministério dos Negócios Estrageiros publicado no DR, I Serie, de 22/07/1983.

Por um lado, o Brasil não subscreveu a referida Convenção segundo informação disponibilizada no site da HCCH (Hague Conference on Private International Law) – “https://www.hcch.net/pt/instruments/conventions/status-table/?cid=78”.

Por outro lado, Portugal não celebrou com o Brasil qualquer acordo tendente ao reconhecimento de sentenças proferidas em cada um dos países.

A União Europeia aderiu em agosto de 2022, em relação a todos os seus membros (exceto Dinamarca), à Convenção concluída em 2 de julho de 2019 sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Estrangeiras em Matéria Civil ou Comercial, mas a mesma apenas entrará em vigor em 01-09-2023 conforme se encontra previsto no artigo 28.º dessa Convenção.

Pelo exposto, aplica-se somente o regime interno, previsto nos artigos 978.º e segs. do CPC.

De acordo com o disposto no artigo 980.º do CPC, para que a sentença seja confirmada é necessário:

“a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;

b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;

c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;

d) Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;

e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;

f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.”

De acordo com o disposto no artigo 983.º, n.º 1, do CPC, “O pedido só pode ser impugnado com fundamento na falta de qualquer dos requisitos mencionados no artigo 980.º ou por se verificar algum dos casos de revisão especificados nas alíneas a), c) e g) do artigo 696.º.”

Por sua vez, de acordo com o disposto no artigo 984.º do CPC, “O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 980.º; e também nega oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

5. No caso dos autos, a confirmação da sentença revidenda foi negada pela Relação com fundamento na falta de preenchimento dos requisitos previstos na al. e) do artigo 980.º, ou seja, considerou-se que o réu BB, aqui recorrido, não foi regulamente citado para a ação que correu termos no tribunal brasileiro, de acordo com a lei brasileira.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado de forma consistente que a lei presume a verificação dos requisitos previstos nas alíneas b) a e) do referido artigo 980.º, dispensando o requerente de fazer a respetiva prova, cabendo ao requerido o ónus da prova de que tais requisitos não se verificam, a menos que o tribunal, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nessas alíneas, caso em que, nos termos previstos no artigo 984.º do CPC, deve negar oficiosamente a confirmação – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-04-2021 (Revista n.º 78/19.3YRLSB), de 21-02-2006 (Processo n.º 05B4168), de 12-07-2005 (Revista n.º 1880/05), todos publicados em www.dgsi.pt, e ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-09-2015 (Revista n.º 85/14.2YRPRT.S19 e de 08-09-2009 (Revista n.º 57/09.9YFLSB), não publicados na DGSI, mas cujo sumário se encontra publicado em www.stj.pt.

Como decorre do Acórdão deste Supremo Tribunal, de 21-02-2006 (processo n.º 05B4168) já era este o regime no anterior Código de Processo Civil (artigo 1100.º):

«I - A acção com processo especial de revisão e confirmação de sentença é uma acção declarativa de simples apreciação em que apenas se verifica se a decisão estrangeira está em condições de produzir efeitos em Portugal, e, assim, tão-somente se averigua se se verificam, ou não, os requisitos para tanto necessários, taxativamente indicados no art.1096º, conforme art.1100º, nº1º, 1ª parte, CPC.

II - Fundado no princípio da estabilidade das relações jurídicas internacionais, está instituído no nosso País sistema de simples revisão formal das sentenças estrangeiras, de que a fundamentação da sentença revidenda não constitui pressuposto, não estando abrangida em qualquer das alíneas do art.1096º CPC.

III - Nesse sistema, o princípio do reconhecimento das sentenças estrangeiras reside na aceitação da competência do tribunal de origem, pelo que, como regra, a revisão de mérito está dele excluída.

No mesmo sentido, veja-se o Acórdão de 12-07-2011 (), onde se sumariou o seguinte:

«I - Em matéria de reconhecimento de sentenças estrangeiras, perfilam-se duas orientações extremas: a da “revisão de mérito” e a da “aceitação plena”: a) no primeiro caso, a recepção de uma sentença impõe uma revisão de mérito, o que implica quase que se ignore o aresto de origem, relegado para a posição de simples fundamento, para que o Estado do foro proceda a julgamento, emitindo a final uma nova decisão de mérito; b) no segundo caso, advoga-se o acolhimento amplo das sentenças estrangeiras, sendo certo que cedo se reconheceu a dificuldade da sua aplicação no estado puro, o que originou a existência de excepções, considerando as peculiaridades dos ordenamentos jurídicos dos países de acolhimento.

II - O sistema português de revisão de sentenças estrangeiras inspira-se no chamado sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal, o que significa que o tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa.

III - Desde que o tribunal nacional se certifique de que tem perante si uma verdadeira sentença estrangeira, deve reconhecer-se os efeitos típicos das decisões judiciais, não fazendo sentido que se proceda a um novo julgamento da causa».

Todavia, há que atentar na norma do artigo 984.º do CPC, que impõe ao tribunal que procede à revisão de sentença estrangeira a verificação oficiosa de determinados requisitos, pela sua importância e essencialidade (alíneas a) e f) do artigo 980.º do CPC). Quanto aos requisitos consagrados nas alíneas b) a e), o requerente está dispensado de fazer prova dos mesmos. Contudo, se pelo exame do processo, ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, o tribunal apurar a falta dos mesmos, nega oficiosamente a confirmação da sentença estrangeira.

6. No caso dos autos, estando em causa o requisito previsto na al. e) do artigo 980.º, caberia, em princípio, ao réu, o ónus da prova de que não pôde exercer o seu contraditório, por uso indevido de citação edital, na ação de onde promana a sentença revidenda.

Porém, tendo o réu invocado na sua oposição, a irregularidade da sua citação edital no processo que correu termos no tribunal brasileiro no qual foi proferida a sentença revidenda, é possível através do exame dos factos alegados pelo autor, bem como do exame dos documentos juntos aos autos por este último, aferir se a citação edital do réu naquele processo no tribunal brasileiro respeitou ou não a lei brasileira. É que o requisito previsto na alínea e) do artigo 980.º do CPC pode ser causa de negação oficiosa da confirmação, nos termos previstos no artigo 984.º do CPC, e o ato de citação, pela sua natureza, está documentado no processo.

7. Importa, para o efeito, começar por determinar o regime legal aplicável à situação dos autos de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, sendo que, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código Civil português, deve proceder-se à interpretação da lei estrangeira dentro do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas.

Como se defendeu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-02-2015 (Revista n.º 693/10.0TVPRT.C1.P1.S1), esta disposição legal “impõe que se faça apelo à jurisprudência e doutrina dominantes no país de origem, que se tenha, como ponto de partida, a correcção da interpretação usual no Estado estrangeiro e que se actue com sensatez e prudência, de modo a colmatar a inerente menor familiarização com a lei estrangeira, só devendo tal interpretação ser afastada quando puder ser tida como inexacta.”

8. Atendendo a estas premissas, importa apreciar os preceitos relevantes da lei brasileira.

De acordo com os factos alegados pelo próprio autor e considerados assentes pela Relação, no processo brasileiro, em que foi proferida a sentença revidenda, o réu BB foi citado editalmente, discutindo-se se a realização desse tipo de citação respeitou a lei brasileira, nomeadamente, se foi precedida de todas as diligências exigidas por essa lei.

Ao caso dos autos, é aplicável o Código de Processo Civil brasileiro aprovado pela Lei n.º 13105 de 16-03-2015, o qual entrou em vigor em março de 2016 (artigo 1045.º do referido Código), dispondo o artigo 1046.º que “ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973”.

Como se nota no acórdão recorrido, decorre também do artigo 14.º do CPC brasileiro que “A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.”

Uma vez que no presente caso, de acordo com os factos assentes, a citação edital foi ordenada por despacho proferido em dezembro de 2016 e realizada por éditos publicados em fevereiro de 2017, tendo ocorrido tais atos processuais na vigência do novo Código de Processo Civil brasileiro, que entrou em vigor em março de 2016, é este o diploma aplicável. Assim se decidiu no acórdão do Superior Tribunal de Justiça brasileiro de 03-09-2019 (Recurso especial n.º 828.219 - RO 2019/0217390-9, disponível em https://www.jusbrasil.com.br), no qual se defende que “à luz do princípio tempus regit actum e da teoria do isolamento dos atos processuais, os atos do processo devem observar a legislação vigente ao tempo de sua prática. Assim, considerando que, tanto o pedido de citação por edital, como o despacho que o deferiu foram formulados após 18/3/2016, competia ao juízo de origem observar as disposições legais atinentes à citação editalícia constantes no Código de Processo Civil de 2015.”

Dispõe o artigo 256.º do CPC brasileiro o seguinte:

“A citação por edital será feita:

I - quando desconhecido ou incerto o citando;

II - quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando;

III - nos casos expressos em lei.

§ 1º Considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória.

§ 2º No caso de ser inacessível o lugar em que se encontrar o réu, a notícia de sua citação será divulgada também pelo rádio, se na comarca houver emissora de radiodifusão.

§ 3º O réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos.”

Por sua vez, de acordo com o disposto no artigo 240.º, § 2.º do mesmo Código, “incumbe ao autor adotar, no prazo de 10 (dez) dias, as providências necessárias para viabilizar a citação, sob pena de não se aplicar o disposto no § 1º.”

O disposto no § 3.º do referido artigo 256.º, III, tem sido interpretado de forma unânime pelo Superior Tribunal de Justiça brasileiro (tribunal superior com competência para uniformizar a jurisprudência dos tribunais brasileiros na interpretação da lei federal – artigo 105.º, III, al. c), da Constituição da República Federativa do Brasil) no sentido de a citação por edital pressupor o esgotamento dos meios de localização do réu, sob pena de nulidade. Salienta também a jurisprudência desse Tribunal Superior que o novo Código de Processo Civil brasileiro veio reforçar esse entendimento, pois para além de reproduzir a norma que já constava do artigo 231, II, do CPC de 1973, estabeleceu no § 3 do artigo 256.º do novo CPC que o réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações acerca de seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos.

Vejam-se no sentido acima preconizado, as decisões do Superior Tribunal de Justiça brasileiro de 24 de abril de 2018 [Agravo em Recurso Especial n.º 1.148.206 -DF (2017⁄0194075-8)], de 26 de junho de 2018 [Recurso Especial n.º 1.725.788 - SP (2018⁄0039623-5)], de 03 de Setembro de 2019 [Recurso Especial n.º 1.828.219 - RO (2019/0217390-9)], de 16 de novembro de 2020 [Agravo em Recurso Especial ,º 1690727 – SP (2020/0086066-9)], de 22 de março de 2021 (Agravo em Recurso Especial n.º 1789536 – DF) e de 26 de outubro de 2021 (Agravo em Recurso Especial nº 1394396 – GO), todas disponíveis em https://www.jusbrasil.com.br.

Como se defendeu na decisão do Superior Tribunal de Justiça brasileiro de 03-09-2019, acima citada, citando o autor brasileiro Arruda Alvim (Manual de Direito Processual Civil, 18ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais. 2019, p. 648): “incumbe ao autor, que afirmou encontrar-se o citando em lugar incerto não sabido, explicar e comprovar, na medida do possível, que realmente ignorava seu paradeiro, quando da citação por edital. Ademais, recomenda-se que o autor realize todos os atos necessários para tentar localizar o citando, especialmente a busca de informações por meio dos convênios celebrados pelo Poder Judiciário para a troca de informações como o Infojud e o Bacenjud, bem como a expedição de ofícios e demais atos que se mostrem pertinentes, conforme exija o caso concreto”.

No mesmo aresto, citando os autores brasileiros Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: RT, 2015, p. 799): “Para que se considere o réu como localizado em local ignorado ou incerto, é preciso que todas as possibilidades de obtenção de seu endereço tenham sido tentadas. Enquanto transcorre a busca de informações sobre o paradeiro do réu, o autor não perde o direito à interrupção da prescrição”.

No caso dos autos, o autor e recorrente alega que “a Exmª Senhora Juiz de Direito CC procedeu a todas as diligências cabíveis para encontrar o réu BB:

A – Despacho ordenando à secretaria judicial a citação do réu na residência da sua irmã e procuradora GG na Avenida ..., Estado de São Paulo, Brasil (01),

B - Despacho ordenando à secretaria judicial a citação do réu na residência da sua irmã e procuradora GG na Rua ..., Estado de São Paulo, Brasil,

C – Despacho, na sequência de pedido do autor, ordenando à secretaria judicial pedido de expedição de carta rogatória para citação do réu na Travessia ..., pela Justiça do Reino da Espanha ,

D – Despacho, na sequência de pedido do autor, ordenando à secretaria judicial o pedido de informações ao Bacen (Banco Central do Brasil) sobre a identificação do réu e a sua localização,

E – Despacho, na sequência de pedido fundamentado apresentado pelo autor, ordenando a citação edital do réu,

F – Despacho ordenando à secretaria o pedido de designação de Curador Especial ao réu revel (13), de tudo emergindo um grande cuidado e uma atenção excepcional na avaliação das situações de facto por forma a não colocar, nem o autor, nem o réu, numa situação precária em relação ao outro, mas sempre com respeito e obediência pelas normas legais aplicáveis”

9. Como acima se referiu, não existe prova nos autos da diligência acima indicada sob a alínea D (Despacho, na sequência de pedido do autor, ordenando à secretaria judicial o pedido de informações ao Bacen (Banco Central do Brasil) sobre a identificação do réu e a sua localização). Mas ainda que se considere essa e todas as restantes diligências referidas pelo aqui recorrente, segundo a lei brasileira, com a interpretação acima exposta do Superior Tribunal de Justiça brasileiro, estas não são suficientes para permitir o recurso à citação edital. Cabia, nos termos da lei brasileira, ao tribunal de origem realizar outras diligências de apuramento do paradeiro do réu, sendo manifesto que não foram esgotados todos os meios de localização deste.

Desde logo, nos termos do disposto no § 3.º do artigo 256.º, III, do CPC brasileiro, não foram esgotadas as diligências de requisição pelo juízo de informações sobre o endereço do réu nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos.

Para além das bases de dados do Banco Central do Brasil, podia e devia o tribunal brasileiro, sob impulso do autor, ter requisitado informações sobre o domicílio do réu à Secretaria da Receita Federal do Brasil, responsável pela administração tributária e aduaneira de toda a Federação Brasileira (Cf. decisão do Superior Tribunal de Justiça de 26 de junho de 2018, acima citada).

Por outro lado, e como é salientado na decisão do Superior Tribunal de Justiça de 24 de abril de 2018, também acima citado, para além da Receita Federal brasileira, poderiam ter sido requisitadas informações ao departamento do Ministério da Justiça responsável pela identificação civil e criminal (sistema INFOSEGO), ao Departamento Nacional de Trânsito brasileiro (sistema Renajud) ou a empresas de distribuição energética, de distribuição de água ou operadoras de telefonia brasileiras. No caso em apreço dos autos, nenhuma dessas diligências foi realizada.

Alega o recorrente que se havia informação no processo de origem de que o réu não se encontrava no Brasil, seriam infrutíferas as diligências de pesquisa nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos. Porém, segundo o próprio recorrente afirma, havia uma informação, na certidão de citação positiva de 31 de outubro de 2015, de que o réu trabalharia na ... em local desconhecido. Perante essa informação, deveriam ter sido requisitadas informações às autoridades polacas sobre o paradeiro do réu nesse país, quer por carta rogatória às autoridades daquele país, quer por solicitação às representações diplomáticas e consulares da Polónia no Brasil. No entanto, também essa diligência não foi realizada.

Porém, ainda mais premente que as diligências acima referidas, é o próprio recorrente que afirma no seu recurso (Alínea A) da conclusão n.º 24), que constava dos autos brasileiros a procuração pública de 21 de maio de 2010 que o réu BB outorgou perante o Notário de ..., em Portugal, a favor de sua irmã e que foi junta a estes autos pelo recorrente como documento 01 anexo à sua resposta à oposição. Ora, nessa procuração, apesar de declarar que vivia no Brasil, o réu BB declarou igualmente que tem nacionalidade portuguesa.

Essa declaração emitida pelo próprio réu quanto à sua nacionalidade, a que acresce o facto dessa procuração ter sido outorgada pelo próprio réu em Portugal, em ..., e ainda o facto declarado pelo autor, aqui recorrente, no artigo 2.º da petição inicial do processo de origem brasileiro (documento 02 anexo à PI) de que em maio de 2011, representado pela Dra. PP, da cidade de ..., em Portugal, foi contactado verbalmente pelo réu BB, representado pela sua irmã, constituem importantes elementos de conexão do réu BB com o nosso país, os quais, constando dos autos do processo brasileiro, tornavam exigível que tivessem sido pedidas informações às autoridades portuguesas sobre o paradeiro do réu em Portugal.

Na verdade, como o próprio recorrente assumiu nos autos, havendo informações contraditórias sobre a nacionalidade do réu, como sendo espanhola, como constava da escritura de inventário e partilha dos bens de 21-06-2013 (documento 03 junto à PI) ou portuguesa como foi declarado pelo próprio réu na procuração outorgada em 21-05-2010 (documento 01 junto à resposta à oposição) e não residindo o réu em Espanha como resultou da carta rogatória emitida pelo tribunal brasileiro às autoridades espanholas, não se compreende a omissão da diligência de solicitação às autoridades portuguesas de apuramento do paradeiro do réu no nosso país. Se o tivesse feito, cremos que rapidamente poderia ser encontrada o local de residência do réu em Portugal, evitando-se a citação por edital do mesmo.

E tendo o autor, aqui recorrente, acesso à informação contida na referida procuração de 21-03-2010 em que o réu declarou ser cidadão português, tinha o mesmo a obrigação legal, nos termos do disposto no artigo 240.º, § 2.º do CPC brasileiro, de promover a obtenção de informações junto das autoridades portuguesas, o que não fez.

De acordo com o disposto no artigo 280.º do CPC brasileiro, “As citações e as intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais.”

10. Em suma, cremos que a citação edital do réu, aqui recorrido, BB, no processo de origem no qual foi proferida a sentença revidenda, não obedeceu à lei brasileira aplicável, sendo por isso nula.

E de acordo com o disposto no artigo 980.º, al. e), do CPC, não tendo o réu BB sido regularmente citado para a ação que correu termos no tribunal de origem brasileiro, nos termos da lei brasileira, podemos desde logo concluir que não é possível a confirmação da sentença revidenda, tal como se entendeu no acórdão recorrido.

IV - Contradição entre o acórdão recorrido e o teor das decisões singulares de 04 de fevereiro de 2020, e de 03 de março de 2021, bem como o teor do acórdão de 22 de abril de 2021

11. Por último, o recorrente alega que “o Exmº Senhor Juíz Desembargador DD, Relator, autor das decisões singulares de 04 de Fevereiro de 2020 e de 03 de Março de 2021 e os Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, EE e FF, autores da decisão colectiva de 22 de Abril de 2021, declararam revista e confirmada a sentença de 08 de Outubro de 2017 da 7ª Vara Cível ..., com fundamento nos factos narrados na petição inicial de 29 de Dezembro de 2019 e nos documentos anexos a essa mesma petição inicial. Contudo, os mesmos Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, EE e FF, em 22 de Setembro de 2022 no acórdão dessa data, em recurso, de que são autores, declararam – de forma contrária - indeferir a revisão e confirmação da mesma sentença de 08 de Outubro de 2017 da 7ª Vara Cível ..., com fundamento nos mesmos factos narrados na petição inicial de 29 de Dezembro de 2019 e nos mesmos documentos anexos a essa mesma petição inicial, sempre inultrapassável que consignaram isso mesmo nos capítulos 1, 2, 3 e 4 do acórdão de 08 de Setembro de 2022, em recurso.

Na verdade, nesses capítulos 1, 2 3 e 4, em especial os capítulos 2 e 3, em que eles declaram constar os factos assentes e os documentos em que fundamentam a sua decisão, referem apenas factos e documentos introduzidos pela petição inicial apresentada pelo autor, ora recorrente, no dia 29 de Dezembro de 2019 e não incluem aí quaisquer factos e/ou documentos que tivessem sido introduzidos nos autos pelo réu, ora recorrido, eventualmente pela contestação, pelas alegações ou por qualquer requerimento autónomo”.

Conclui o recorrente que “existe completa contradição entre as decisões do Exmº Senhor Juíz Desembargador Relator DD e dos Exmºs Senhores Juízes Desembargadores DD, EE e FF prolatadas até 22 de Abril de 2021 e a decisão colectiva por eles prolatada no dia 22 de Setembro de 2022, não sendo conhecido, porque não revelado por eles, o motivo que conduziu a tal contradição”.

Desde já se adianta que não assiste qualquer razão ao recorrente.

Na decisão singular de 04-02-2020, foi julgado procedente o pedido e confirmada a sentença revidenda.

Porém, previamente a essa decisão, em 16-01-2020 foi proferido nestes mesmos autos uma decisão, já transitada em julgado, na qual se determinou que, por adequação formal, a presente ação passaria a ser tramitada de acordo com os seguintes atos e pela seguinte ordem processual:

“A – Petição Inicial;

B – Vista ao Ministério Público tendo em conta os interesses de ordem pública que a revisão pode afectar, designadamente padra sindicato dos requisitos e condições das alíneas c) e f) do artigo 980º;

C – Diligências de Prova;

D – Julgamento com antecipação da decisão final;

E – Notificação pessoal do requerido, com a expressa advertência, em caso de procedência do pedido, de que, querendo, deve deduzir oposição nos trinta dias (mais dilação) subsequentes à notificação sob pena de a decisão proferida se consolidar como revisão definitiva da decisão estrangeira.”

Desta forma, a referida decisão singular que julgou confirmada a sentença revidenda foi proferida previamente à notificação pessoal do requerido.

Apesar de nos presentes autos, o Tribunal da Relação ter considerado como realizada essa notificação pessoal do requerido, sem que tenha sido deduzida oposição no referido prazo de 30 dias, foi interposto pelo réu recurso extraordinário de revisão que correu no apenso A, no qual foi proferida decisão pelo Supremo Tribunal de Justiça, já transitada em julgado, que anulou o processado atinente à notificação pessoal/citação do réu na presente ação, com a consequente repetição dos respetivos trâmites.

Realizada novamente essa notificação pessoal do réu, o mesmo veio deduzir oposição que foi apreciada pela Relação e na sequência da qual foi proferido o acórdão recorrido, que negou a confirmação da sentença revidenda.

A referida decisão singular de 04-02-2020 nunca se tornou definitiva, não produzindo qualquer efeito de caso julgado pois a parte contrária não havia ainda sido citada para a ação.

É, assim, evidente que não se formou qualquer caso julgado, pelo que os juízes, que subscreveram o acórdão recorrido, não estão vinculados ao decidido anteriormente, tanto mais que essa decisão foi anulada pelo Supremo Tribunal de Justiça, que mandou baixar o processo para se proceder à notificação pessoal do requerido (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de justiça, de 09-12-2021, proferido no Apenso A deste processo e que constituiu um recurso extraordinário de revisão interposto pelo requerido, que anulou o caso julgado proferido no processo principal).

Quanto à decisão singular de 03-03-2021, que julgou improcedente o recurso extraordinário de revisão no apenso A, e o acórdão de 22-04-2021, que indeferiu a reclamação para a conferência, confirmando aquela decisão singular, foi interposto recurso de revista deste último acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça que admitiu o recurso e, apreciando-o, revogou a decisão da Relação, julgando procedente o recurso extraordinário de revisão e sumariando a seguinte orientação:

«Deve proceder o recurso de revisão quando se conclua, com base nos elementos constantes dos autos principais, que o requerido não foi devidamente citado/notificado pessoalmente, conjugando um aviso de recepção assinado por um terceiro com o facto de ter sido devolvido o envelope contendo os elementos destinados a ser entregues ao requerido e com a menção “mudou-se”, aposta pelos serviços postais do país estrangeiro em data quase coincidente com a da assinatura daquele aviso de recepção».

Pelo que é evidente que as decisões singulares e o acórdão invocados pelo recorrente não têm qualquer força de caso julgado que se impusesse ao acórdão recorrido.

12. Não havendo caso julgado, os Juízes do Tribunal da Relação não estão vinculados ao entendimento manifestado em decisões anteriores, nada os impedindo de mudar de posição, mesmo que estejam em causa os mesmos factos.

Improcede, assim, de forma manifesta, o alegado pelo recorrente.

13. Em conclusão, entendemos que improcede totalmente a revista, devendo confirmar-se a decisão recorrida.

14. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I – A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado de forma consistente que a lei presume a verificação dos requisitos previstos nas alíneas b) a e) do artigo 980.º do CPC, dispensando o requerente de fazer a respetiva prova, cabendo ao requerido o ónus da prova de que tais requisitos não se verificam, a menos que o tribunal, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nessas alíneas, caso em que, nos termos previstos no artigo 984.º do CPC, deve negar oficiosamente a confirmação.

II – Não tendo a citação edital do réu na ação de honorários, que correu termos no tribunal brasileiro, respeitado a lei brasileira e estando viciada por nulidade nos termos do artigo 280.º do Código de Processo Civil brasileiro, falta o requisito previsto da referida alínea e) do artigo 980.º do CPC, devendo ser negada oficiosamente a confirmação da sentença, nos termos previstos no artigo 984.º do CPC.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Lisboa, 11 de julho de 2023


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria João Vaz Tomé (2.º Adjunto)