Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO (CÍVEL) | ||
Relator: | CATARINA SERRA | ||
Descritores: | NULIDADES DIREITO DE SERVIDÃO SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA TÍTULO CONSTITUTIVO CONDENAÇÃO EM OBJETO DIVERSO DO PEDIDO RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO INADMISSIBILIDADE DUPLA CONFORME OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO | ||
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Data do Acordão: | 11/26/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NÃO ADMITIDA A REVISTA DA AUTORA. NEGADA A REVISTA DA RÉ | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I. Não há condenação ultra petitum quando o Tribunal condena em menos do que é pedido, porquanto o objecto da decisão continua a caber dentro do objecto do pedido, correspondendo apenas a uma sua “redução qualitativa”.
II. Em conformidade com o disposto no artigo 1564.º, 1.ª parte, do CC, no caso de servidão constituída por destinação do pai de família (cfr. artigo 1549.º do CC), aquilo que deve apurar-se para determinar o modo de exercício da servidão é o que acontecia, de facto, no momento da separação dos prédios. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. RELATÓRIO
1. Faria da Costa - peúgas e confecções, Lda., com sede na Rua de …, n.º …, freguesia de …, …, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra Inês Oliveira & Filipe Silva, Lda., com sede na Travessa do …, n.º …, freguesia de …, …, e Rainha do Kako, Lda., com sede na Rua de …, s/n, freguesia de …, …, pedindo que: - se declare a autora legítima proprietária das frações autónomas “C” e “D” e legítima locatária financeira das frações autónomas “A” e “B”, descritas no registo predial sob o n.º 1…6 - …, com a composição referida no ponto 8.º da petição inicial; - se declare que o logradouro comum das frações “A”, “B”, “C” e “D” e a área comum das frações “B”, “C” e “D” descritas no registo predial sob o n.º 1…6 - Ucha, estão oneradas com uma servidão de passagem a favor da fracção “A”, descrita no registo predial sob o n.º 7…3 – …, de que a 1.ª ré é locatária financeira, fracção essa explorada pelas rés; - se declare que essa servidão tem o trajecto / extensão / limites referidos no ponto 40.º da petição inicial, com início na estrada nacional 205 e fim precisamente na entrada da fracção “A”, descrita no registo sob o n.º 7…3; - se condenem as rés por si, seus trabalhadores, clientes, fornecedores e quaisquer pessoas ou entidades que se desloquem às suas instalações no interesse destas, a respeitarem exactamente esse trajeto, não podendo imobilizar, depositar ou aparcar quaisquer veículos ou máquinas nessa servidão de passagem; - se condenem as rés a indemnizarem a autora por cada concreta e individual violação do modo de exercício da servidão de passagem, na quantia unitária de € 500,00 por cada violação que se verifique a partir da citação para a presente acção, seja por si, seja através dos seus trabalhadores, clientes, fornecedores e quaisquer pessoas ou entidades que se desloquem às suas instalações no seu interesse. Alegou a autora, fundamentalmente, que: - através de escritura pública de constituição de propriedade horizontal outorgada em 8.09.2006, foi constituída a propriedade horizontal do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 472.º e descrito na C.R.P. sob o n.º 1…6-… (composta por quatro fracções autónomas e respectivas partes comuns), escritura na qual foi ainda reconhecida pelos respectivos outorgantes a existência de uma servidão de passagem a onerar esse prédio, a favor de um outro prédio contíguo descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 7…3-…, o qual por sua vez havia entretanto sido destacado daquele; - no tocante ao prédio descrito na C.R.P sob o n.º 1…6-…, as fracções “C” e “D” foram adquiridas pela autora através de escrituras públicas de 24.03.2017 e 19.01,2011, respectivamente, enquanto que as fracções “A” e “B” foram adquiridas em 8.08.2008 pelo “Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), S.A.”, o qual as deu de locação nesse mesmo dia à autora; - por sua vez, através de escritura pública outorgada em 19.01.2009, foi constituída a propriedade horizontal do já mencionado prédio descrito na C.R.P sob o n.º 7…3- … (composta por duas fracções autónomas e duas partes comuns de 103 m2 e 49 m2), tendo a fracção “A” sido vendida em 1 de Outubro de 2009 à “Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, que por sua vez na mesma data a deu de locação à 1.ª ré que, juntamente com a 2.ª ré, ocupam a mesma. - as rés têm exercido de forma abusiva o direito de servidão atrás referido, reconhecido na escritura de constituição da propriedade horizontal de 8.09.2006 pois a mesma destina-se apenas ao acesso entre a Estrada Nacional e a fracção “A”, locada à 1.ª ré e ocupada por ambas as rés, e estas últimas utilizam-na para imobilizar ou estacionar veículos automóveis, efetuar cargas e descargas, depositar materiais ou aí permanecer de qualquer outro modo, impedindo a autora de usufruir a área comum das 4 fracções onde se situa a servidão. 2. As rés contestaram, alegando que: - a servidão engloba não só o acesso e passagem para a fracção locada à 1.ª ré mas também cargas e descargas de matérias-primas e produtos acabados, bem como paragem, estacionamento e manobras de veículos e máquinas, pois tal não pode ser efectuado senão por esse caminho de servidão, sob pena de inviabilidade da atividade industrial exercida na fracção; - a utilização pelas rés da servidão nesses moldes ocorre já desde 2007, altura em que a 1.ª ré começou a desenvolver a sua atividade na secção de pintura, existindo sinais visíveis e permanentes desde então dessa serventia, reconhecida e constituída por destinação do pai de família, embora apenas se tenha tornado efetiva quando houve a separação entre o prédio serviente e o prédio dominante. Pedem a improcedência da acção e, em sede de reconvenção, que: - se declare que se acha constituída a favor do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito no lugar de …, da freguesia da …, do concelho de …, descrito na C.R.P. de …sob o n.º 7…3/… e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 876, por destinação de pai de família, um direito de servidão para acesso, a partir da Estrada Nacional …, de pessoas, veículos automóveis e máquinas de diversos tipos e para cargas e descargas de matérias primas e produtos acabados e para paragem, estacionamento e manobras de veículos automóveis e máquinas no espaço identificado no artigo 13.º da contestação / reconvenção, que onera o prédio, em regime de propriedade horizontal, identificado no artigo 69.º do mesmo articulado; - a autora / reconvinda seja condenada a tal reconhecer e a abster-se de, por qualquer forma, criar quaisquer obstáculos ao livre exercício de tal servidão. A autora apresentou réplica a fls. 106, impugnando a factualidade alegada pelas rés respeitante à constituição da servidão por destinação do pai de família, alegando que as mesmas alteraram indevidamente o projeto inicial, tendo construído na área destinada a logradouro do seu prédio e impedindo, dessa forma que as cargas e descargas, manobras e parqueamento se fizessem nesse local. Na sequência de convite do tribunal (despacho de 7.11.2017 - fls. 146 a 148), a autora a fls. 149 a 151 deduziu incidente de intervenção principal provocada de “Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), S.A.” e de “Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”. Admitida a intervenção das mesmas (fls. 154 e 155) apresentaram os seus próprios articulados a fls. 159 e fls. 173 referindo que: - “Banco Bilbao…” – desconhece os factos em causa nos autos; - “Caixa Leasing…” – confirma o contrato de locação financeira que celebrou com a 1.ª ré e que a servidão em causa tem de englobar cargas e descargas de produtos e paragem / estacionamento de máquinas e veículos, devendo a acção ser julgada como apresentado pela 1.ª ré. 3. Em 1.03.2018 (fls. 182 e 183), as rés / reconvintes ampliaram o pedido reconvencional inicialmente deduzido (que retificaram por requerimento de 15-03-2018), aditando os seguintes pedidos: - se declare que o tempo e o modo do exercício da servidão cuja declaração se peticiona sob a al. a) é o que vem referenciado nos arts. 3.º, 4.º e 5.º desse requerimento; - a autora seja condenada a tal reconhecer como ínsito ao direito de servidão cujo reconhecimento se pretende e, consequentemente, a manter desligado e levantado o aludido portão / barreira, de modo a continuar a permitir o livre acesso à fracção “A” da ré / reconvinte assim lhe permitindo usufruir plenamente todas as utilidades decorrentes da mesma servidão. A autora opôs-se a essa ampliação do pedido conforme fls. 185 e 186 do processo físico. A fls. 195 a 198 foi admitida a ampliação do pedido requerida pelas rés / reconvintes, tendo sido proferido despacho saneador e despacho de fixação do objecto do litígio e de enunciação dos temas da prova. 4. As rés em 27.11.2018, a fls. 246 e 247, vieram requerer a junção aos autos de uma nova planta, em substituição da anteriormente apresentada com a contestação, pretendendo que todas as referências feitas nesse articulado para esta última passem a considerar-se feitas para aquela, pretensão que teve a oposição da Autora (fls. 250 e 251). Por despacho de 18.02.2019 foi considerado que se estava perante um novo requerimento de ampliação do pedido reconvencional, ampliação que foi admitida, tendo sido determinado que passe a constar na parte final do artigo 13.º da contestação / reconvenção (para o qual remete o pedido reconvencional) “…tracejado rosa na planta junta em 27.11.2018 (fls. 247-vº do processo físico).”. 5. Procedeu-se a julgamento e, em 8.05.2019, foi proferida sentença em que se decidiu: “IV - Por tudo o exposto, decide-se: a) julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência: - declarar a autora proprietária das frações autónomas “C” e “D” e locatária financeira das frações autónomas “A” e “B”, que integral o prédio descritos na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1…6 - …, com a composição referida no ponto 8º da petição inicial; - absolver as Rés do restante pedido. b) julgar a reconvenção totalmente procedente e, em consequência: - declarar que se acha constituída a favor do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito no lugar de …, da freguesia da …, do concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 7…3/… e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 876º, por destinação do pai de família, um direito de servidão para acesso, a partir da Estrada Nacional …, de pessoas, veículos automóveis e máquinas de diversos tipos e para cargas e descargas de matérias primas e produtos acabados e, ainda, para paragem, estacionamento e manobras de veículos automóveis e máquinas no espaço comum identificado a tracejado rosa na planta junta em 27-11-2018 (a fls. 247-vº do processo físico), que onera o prédio, em regime de propriedade horizontal, identificado no art. 69º da contestação; - condenar a Autora a tal reconhecer e a abster-se de, por qualquer forma, criar quaisquer obstáculos ao livre exercício de tal servidão, respeitando, integralmente aquele direito; - declarar que o tempo e o modo do exercício desta servidão é o que vem referenciado pontos 38º, 39º e 40º dos factos provados; e - condenar a Autora a tal reconhecer como ínsito a esse direito de servidão e, consequentemente, a manter desligado e levantado o aludido portão/barreira, de modo a continuar a permitir à 1ª. Ré o livre acesso à fracção “A” a si locada. Custas da acção e da reconvenção integralmente pela Autora, visto que a parte do seu pedido que veio a ser julgada procedente não foi posta em causa pelas Rés (arts. 527º nºs 1 e do C.P.C.)”. 6. Inconformada com esta sentença, Faria da Costa - peúgas e confecções, Lda., veio interpor recurso de apelação, pedindo a procedência do recurso, com a revogação parcial da sentença. 7. Em 24.10.2019, o Tribunal da Relação de Guimarães proferiu um Acórdão em cujo dispositivo constava: “Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela A. e, em consequência alteram a decisão recorrida nos seguintes termos: A). Mantém-se o decidido em IV, a), primeiro item. B). Mantém-se o decidido quanto à reconvenção referido nos dois primeiros pontos da alínea b) do número IV do dispositivo. C). Condena-se a 1.ª R., no exercício do direito de servidão acima referido, a evitar e não permitir que ocorra impedimento para a A. ou para quem a procure, em poder aceder livremente às instalações desta quando estejam a ser efetuadas cargas e/ou descargas a favor da 1.ª R, ou por qualquer material depositado no caminho em causa ou veículo que aí se encontre. D). Revogam-se as duas decisões constantes dos itens 3 e 4 do dispositivo quanto à reconvenção. E). Condena-se a A. a facultar à 1.ª R. o livre acesso ao caminho de servidão pela barreira elétrica de entrada para o exercício da atividade industrial desta, adotando as medidas necessárias (por exemplo entregando-se comando à 1.ª R., chave para abrir portão em caso de avaria/falta de eletricidade, exercício de funções por porteiro, comando da barreira à distância ou até manutenção da mesma aberta nos períodos necessários à entrada e saída da 1.ª R. se não houver outro modo de o permitir) para que tal exercício se efetive, improcedendo assim o pedido para se desligar essa barreira. Custas do recurso na proporção de 3/5 a cargo da recorrente/reconvinda e 2/5 para a recorrida/reconvinte”. 9. Continuando inconformada, Faria da Costa - peúgas e confecções, Lda., vem agora recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça. Formula as seguintes conclusões: “1.ª - O acórdão recorrido merece reparo quanto à matéria de direito, porque não esteve bem o Tribunal ao considerar que a servidão foi constituída por destinação do pai de família, já que não se encontram preenchidos, no caso em apreço, os requisitos cumulativos de que legislador faz depender este tipo de servidão: não só porque à data da sua constituição não existiam dois prédios pertença do mesmo dono, ou duas frações do mesmo prédio, como ainda pelo facto de ao tempo da separação dos prédios os proprietários terem registado o modo de exercício da servidão, por acordo entre eles e promitentes compradores do prédio dominante - vd. art. 1549.º in fine do CC - vd. docs. 1 e 3 juntos à petição, a fls. 15 e 23 2.ª - Por seu turno, dúvidas não podem existir de que a servidão foi constituída por contrato: é isso o que resulta expressamente da prova documental junta aos autos, mais especificamente do contrato promessa de compra e venda, datado de 11 de janeiro de 2006, no qual os promitentes vendedores prometem vender uma parcela de terreno e obrigam-se a constituir a seu favor “servidão, destinada ao trânsito de veículos”; posteriormente, procederam à constituição da propriedade horizontal serviente, declarando que nesse caminho se fazia o “acesso a pé, de carro e de quaisquer outros meios de deslocação e transporte” - vd. doc. 1 junto à petição, a fls. 15; doc. 2 junto à petição, a fls. 19 3.ª - Isso também resulta da prova testemunhal de todos aqueles que acompanharam o processo e as negociações da constituição da servidão -designadamente os proprietários do prédio serviente à data e o legal representante da 1.ª recorrida - que esclareceram que por negócio bilateral, negociaram e definiram a constituição de uma servidão para um fim único e específico, do qual ficaram cientes - vd. transcrições dos depoimentos de AA e BB 4.ª - Uma vez que a determinação do modo de exercício da servidão deve ser regulada em função do seu título, então, deveria o Tribunal ter atendido ao que se encontra prescrito no contrato promessa e na escritura de constituição de propriedade horizontal sobre o conteúdo da servidão, onde, por acordo celebrado há quase 14 anos, e sem oposição posterior, ficou definido que a servidão apenas permitiria o acesso e trânsito de pessoas e viaturas - vd. art.º 1564.º do CC - vd. cláusula sétima do doc. 1 junto à petição, a fls. 15 e doc. 2 junto à petição, a fls. 19 5.ª - Esse também seria o conteúdo da servidão caso se venha a julgar que foi constituída por destinação de pai de família: mesmo nesta situação, o seu modo de exercício terá sempre que considerar o que se encontra escrito a esse respeito; além disso, o uso que foi conferido ao longo destes anos pela 1.ª recorrida a esse caminho de servidão sempre foi aceite por mera benevolência, estado os seus legais representantes perfeitamente conscientes que o mesmo era ilícito e abusivo - vd. art.º 1549.º in fine do CC 6.ª - O Tribunal a quo desconsiderou igualmente que nos negócios formais, a declaração não pode ser interpretada de acordo com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, pelo que ao aceitar que aquela “servidão destinada ao trânsito de veículos e pessoas”, assim positivamente definida, se estenda a uma servidão que permita a imobilização de veículos de grande porte para operações de cargas e descargas de materiais, está a desvirtuar a intenção e vontade das partes objetivamente definida no contrato - vd. n.º 1 do art. 238.º do CC 7.ª - Ao decidir como decidiu, o Tribunal compactuou com uma situação de abuso de poder e de abuso de direito, já que as recorridas bem sabem que apenas podem usar o caminho de servidão para acesso às frações que ocupam. Apesar disso, a 1.ª recorrida sempre procurou retirar o maior proveito do mesmo, de maneira a não ter que realizar e suportar as obras no seu logradouro destinado a praticar todos os atos que tem vindo a realizar na propriedade alheia - vd. art.º 334.º do CC 8.ª - Foi ainda desatendido pelo Tribunal da Relação que a servidão deve ser reconhecida como meio de satisfazer as normais e previsíveis necessidades do prédio dominante, com o menor prejuízo para o prédio serviente. Isto porque a prova testemunhal, documental e pericial junta, permite-nos concluir que o uso da mesma nos moldes previstos no seu título constitutivo, não prejudicando as recorridas, permitiria repor o normal funcionamento e atividade da recorrente que se vê, no presente, excessivamente limitada no exercício do seu direito de propriedade, com reflexos negativos na laboração da sua atividade - vd. n.º 2 do art. 1565.º do CC 9.ª - Tais inconvenientes não se justificam por nenhuma necessidade da 1.ª recorrida, mas tão só pelo facto de esta, desrespeitando as obrigações por si assumidas, não ter adaptado a fração que lhe está dada em locação financeira às necessidades da sua atividade - vd. análise global da prova apresentada 10.ª - Esta atuação, que mereceu indevidamente anuência pelo Tribunal, é claramente violadora do núcleo essencial do direito de propriedade - vd. art.º 1305.º CC 11.ª - Merece também reapreciação a decisão impugnada, porquanto não considerou nem relevou que a modificação preconizada, por figurar uma alteração do modo de exercício da servidão, implicará uma alteração à propriedade horizontal e, consequentemente, uma modificação do título, para a qual se exige o acordo de todos os condóminos - vd. art.º 1419.º do CC”. Termina sustentando que: “deve conceder-se provimento à presente revista e, por tal efeito revogar-se o acórdão recorrido, nos pontos “a”, “b” e “c” do dispositivo quanto ao modo de constituição e de exercício da servição em discussão, e condene as recorridas, por si e seus trabalhadores, clientes, fornecedores e quaisquer pessoas ou entidades que se desloquem às suas instalações e no interesse destas: - a respeitarem exatamente o trajeto da servidão de passagem que onera o prédio descrito no registo predial sob o n.º 1…6-…, que tem início na estrada nacional …, entra de seguida no logradouro comum das frações “A”, “B”, “C” e “D”, continua na área comum das frações “B”, “C” e “D” e termina, exatamente, na entrada da fração “A”, dada em locação financeira à 1.ª recorrida, que integra o prédio descrito no registo sob o n.º 723 - a respeitarem o teor e alcance da servidão, que serve apenas para trânsito/circulação de pessoas e veículos, ficando por isso aí impedidas de imobilizar, depositar ou aparcar quaisquer veículos ou máquinas, de realizar manobras de veículos e máquinas, de depositar qualquer tipo de materiais e de efetuar cargas e descargas - a absterem-se de, por qualquer forma, criar quaisquer obstáculos ao livre exercício do direito de propriedade da recorrente sobre o prédio serviente”. 10. Igualmente irresignada, interpõe recurso, por sua vez, Inês Oliveira & Filipe Silva, Lda. Formula as seguintes conclusões: 1ª – Com base num pretenso direito de servidão (exclusivamente) de passagem que oneraria o prédio serviente (as ditas fracções autónomas “C” e “D” de que a A. é proprietária e as fracções “A” e “B” de que a mesma é locatária financeira) em benefício do prédio dominante – a aludida fracção “A” de que a 1ª Ré é locatária financeira –, sustentado numa escritura pública de constituição de propriedade horizontal de 08/09/2006, relativa àquele primeiro prédio, e ainda num alegado exercício abusivo desse mesmo direito por parte das RR., traduzido numa diversa utilização da servidão (para imobilizar ou estacionar veículos automóveis, efectuar cargas e descargas, depositar materiais ou aí permanecer de qualquer outro modo), impeditiva da A. poder usufruir da área comum das 4 fracções onde se situa a servidão, esta pediu na acção que: - se declare a A. legítima proprietária das frações autónomas “C” e “D” e legítima locatária financeira das frações autónomas “A” e “B”, descritas no registo predial sob o n.º 1…6 - …, com a composição referida no ponto 8º da petição inicial; - se declare que o logradouro comum das frações “A”, “B”, “C” e “D” e a área comum das frações “B”, “C” e “D” descritas no registo predial sob o n.º 116 - Ucha, estão oneradas com uma servidão de passagem a favor da fração “A”, descrita no registo predial sob o n.º 7…3 – … de que a 1.ª R. é locatária financeira, fração essa explorada pelas RR.; - se declare que essa servidão tem o trajeto / extensão / limites referidos no ponto 40º da petição inicial, com início na estrada nacional 205 e fim precisamente na entrada da fração “A”, descrita no registo sob o n.º 7…3; - se condenem as RR. por si, seus trabalhadores, clientes, fornecedores e quaisquer pessoas ou entidades que se desloquem às suas instalações no interesse destas, a respeitarem exactamente esse trajeto, não podendo imobilizar, depositar ou aparcar quaisquer veículos ou máquinas nessa servidão de passagem; - se condenem as RR. a indemnizarem a A. por cada concreta e individual violação do modo de exercício da servidão de passagem, na quantia unitária de € 500,00 por cada violação que se verifique a partir da citação para a presente ação, seja por si, seja através dos seus trabalhadores, clientes, fornecedores e quaisquer pessoas ou entidades que se desloquem às suas instalações no seu interesse. 2ª – Por seu turno, a Ré reconvinte pediu se declarasse : - que se acha constituída a favor do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito no lugar de …, da freguesia da …, do concelho de …, descrito na C.R.P. de Barcelos sob o nº 7…3/… e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 876, por destinação de pai de família, um direito de servidão para acesso, a partir da Estrada Nacional …, de pessoas, veículos automóveis e máquinas de diversos tipos e para cargas e descargas de matérias primas e produtos acabados e para paragem, estacionamento e manobras de veículos automóveis e máquinas no espaço identificado no art. 13º da contestação/reconvenção, que onera o prédio, em regime de propriedade horizontal, identificado no art. 69º do mesmo articulado; e - se condenasse a A./reconvinda a tal reconhecer e a abster-se de, por qualquer forma, criar quaisquer obstáculos ao livre exercício de tal servidão. E, ainda, adicionalmente, em ampliação do pedido reconvencional, se declarasse que o tempo e o modo do exercício da servidão cuja declaração se peticionou sob a al. a) é o que vem referenciado nos arts. 3º, 4º e 5º desse requerimento; e se condenasse a A. a tal reconhecer como ínsito ao direito de servidão cujo reconhecimento se pretende e, consequentemente, a manter desligado e levantado o aludido portão/barreira, de modo a continuar a permitir o livre acesso à fracção “A” da R./reconvinte, assim lhe permitindo usufruir plenamente todas as utilidades decorrentes da mesma servidão. 3ª – Efectuado o julgamento, o Tribunal de 1ª instância apenas declarou a A. proprietária das fracções autónomas “C” e “D” e locatária financeira das fracções autónomas “A” e “B”, que integram o prédio descrito na CRP de Barcelos sob o nº 1…6/… – direito este que as Rés nunca puseram em causa –, absolvendo as Rés dos restantes pedidos e julgando a reconvenção totalmente procedente. Ora, 4ª – Confirmada pela Relação a improcedência do direito de servidão de passagem que serviu de causa de pedir na acção, tinham forçosamente de improceder, como consequência necessária, todos os pedidos que no mesmo direito se estribaram. Porém, 5ª – Assim não entendeu a Relação recorrida, pois que, mantendo o decidido sob a alínea a), 1º item, do número IV, do dispositivo da sentença da primeira instância, não manteve a decisão do 2º item, da mesma alínea, em que se determinava “- absolver as Rés do restante pedido”, fazendo-o, porém, em passagem anterior à parte dispositiva do acórdão, ao apreciar o pedido de indemnização formulado pela Autora (sob a epígrafe “3). Do pedido de indemnização”), ao concluir por manter expressamente a absolvição desse pedido, embora por razão distinta da primeira instância. 6ª – Mas mais: depois de manter o decidido quanto à reconvenção, no que se refere aos dois primeiros pontos, da alínea b), do dito dispositivo IV, ou seja, após haver reconhecido achar-se constituído a favor do prédio dominante o invocado direito de servidão, por destinação do pai de família, com a finalidade e traçado alegados na reconvenção, e condenado a Autora a tal reconhecer e a abster-se de, por qualquer forma, criar quaisquer obstáculos ao livre exercício de tal servidão, respeitando integralmente aquele direito, condenou a 1ª Ré a, no exercício do direito de servidão acima referido, evitar e não permitir que ocorra impedimento para a A. ou para quem a procure, em poder aceder livremente às instalações desta quando estejam a ser efetuadas cargas e/ou descargas a favor da 1.ª R, ou por qualquer material depositado no caminho em causa ou veículo que aí se encontre. (Cfr. alínea C) do acórdão recorrido) 7ª – Fê-lo, todavia, sem que a Autora, na acção, tenha formulado qualquer pedido no sentido do decretado, e sem que a mesma tenha alegado quaisquer factos e direito que pudessem justificar o conhecimento e decisão de tal matéria. 8ª – O que sucedeu foi que, tomando por base a prova produzida em audiência de julgamento, a Relação recorrida alterou alguns dos factos dados como provados – os dos itens 19º, 22º, 29º e 34º da decisão fáctica –, mas que não constavam dos articulados, e concluiu que o exercício pela 1ª Ré do direito de servidão que lhe foi reconhecido por via reconvencional criou, várias vezes, e pode no futuro voltar a criar “incómodos desnecessários” e “constrangimentos” mais ou menos prolongados aos utilizadores do prédio serviente, decorrentes do facto de estarem a ser efectuadas cargas e/ou descargas a favor da 1ª Ré ou por qualquer material depositado no caminho ou veículo que aí se encontre. 9ª – E, por isso, alegando não dispor o Tribunal de “elementos para poder decidir o horário do uso da servidão por parte da 1ª Ré”, resolveu, por seu livre alvedrio, determinar que esta Ré, no uso do “caminho para aquelas finalidades” a que se destina a servidão que lhe foi judicialmente reconhecida, tinha de “respeitar o direito da Autora em aceder sem constrangimentos prolongados às suas instalações”. 10ª – Quer isto dizer que, sem que nenhuma das partes haja solicitado ao Tribunal qualquer providência no sentido de regular o uso da servidão, e invocado “incómodos desnecessários” ou “constrangimentos” pelo uso pela 1ª Ré do direito de servidão cujo reconhecimento peticionou, a Relação recorrida resolveu, motu próprio, emitir uma decisão condenatória da 1ª Ré, apesar de reconhecer “que se trata de uma declaração genérica que pode dar azo a novas questões”… 11ª – Ora, nos termos do artº 609º do Cód. Civil, a sentença não pode condenar em objecto diverso do que se pedir, 12ª – Cominando o artº 615º, nº 1, als. d) e e), do mesmo Código, a nulidade do acórdão quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento e condene em objecto diverso do pedido. Por outro lado, 13ª – Tendo as instâncias decidido de igual modo declarar que se acha constituído, por destinação do pai de família, o direito de servidão objecto do pedido reconvencional, com a finalidade, traçado, extensão e modo de exercício que as Rés lhe assinalaram, e sendo pacífica a decisão da 1ª instância sobre os factos dos itens 38º, 39º e 40º dos factos provados, tinha a Relação recorrida de declarar exactamente, tal como fez a 1ª instância, que o tempo e modo de exercício dessa servidão era, justamente, o que vem referenciado nesses ditos pontos 38º, 39º e 40º da decisão de facto, 14ª – Em consonância, aliás, com o título constitutivo de tal servidão e com o que no próprio acórdão se defende, de forma lapidar, ao discorrer sobre o mérito do discurso, a propósito da “extensão e modo de exercício” da servidão, como se salienta na parte final do ponto V, das presentes alegações. 15ª – Decorre do exposto que o regime observado sempre esteve consensualizado entre as partes, quer antes (quando pertenciam ao mesmo dono) quer ao tempo da separação dos prédios serviente e dominante, quer posteriormente até ao presente. 16ª – Por conseguinte, ao revogar a decisão do item 3, da alínea b), referente à reconvenção, do nº IV do dispositivo, os ilustres Desembargadores foram contraditórios com a tese jurídica defendida, violando a lei – artº 1564º, nº 1, 1ª parte do C.Civil – que consideraram ser aplicável ao caso em apreço. 17ª – Quanto à revogação do segmento da sentença que condenou a Autora a manter desligado e levantado o portão/barreira em causa, importa relevar que o acórdão voltou a postergar os mencionados factos dos itens 38º, 39º e 40º da decisão da matéria de facto, tal como já o havia feito ao revogar o item 3, alínea b), do dispositivo IV daquela sentença. 18ª – E isto porque a declaração do tempo e modo de exercício da servidão tem ínsita a manutenção do desligamento e levantamento do mencionado portão/barreira, de forma a continuar a permitir à 1ª Ré o livre acesso à fracção predial de que é locatária. 19ª – Com efeito, o acórdão recorrido desvalorizou especialmente a matéria de facto que, sob o item 40º, foi dada como provada. 20ª – Na realidade, o sistema e regime horário vigentes ao tempo da separação dos prédios serviente e dominante, como já antes dessa separação, quando ambos os prédios pertenciam ao mesmo dono ou quando eram apenas simples partes componentes do mesmo e único prédio, foram claramente consensuais e vigoraram até 26/06/2017, data em que, na sequência da propositura da presente acção, a Autora, unilateral e abusivamente, substituiu a anterior barreira manual pela actual barreira eléctrica. 21ª – Por consequência, sempre foi pacífico entre as partes que o interesse de manter vedado o prédio serviente não devia prevalecer, como não prevaleceu, sobre o interesse de ambas as partes de manter livre o acesso a ambos os prédios (serviente e dominante), no período horário de abertura. Acresce que, 22ª – A ser mantida e posta em funcionamento a barreira eléctrica, ficaria seriamente comprometido o livre-trânsito de clientes, fornecedores, trabalhadores e colaboradores, já que não só seria dispendioso fornecer um comando eléctrico a todos e a cada um deles, como tal se revelaria praticamente impossível relativamente a quem, pela primeira vez, procurasse as instalações de que a 1ª Ré é locatária. 23ª – Os arestos que a Relação recorrida invocou para justificar a sua tese foram proferidos em casos cujas circunstâncias são completamente distintas das dos presentes autos. Em face do exposto, 24ª – Ao decidir como decidiu, a Relação recorrida violou as mencionadas leis substantivas e processuais e incorreu nas apontadas nulidades, 25ª – Pelo que deve o acórdão ser reformado quanto a tais nulidades e revogado quanto às demais ilegalidades. Termina sustentando que: “deve ser julgada procedente a revista e, por consequência: – Suprir-se as arguidas nulidades, revogando-se a condenação constante da alínea C), do dispositivo do acórdão recorrido; – Revogar-se as decisões constantes das alíneas D) e E) do mesmo dispositivo; e – Manter-se, integral e expressamente a absolvição decretada na segunda parte, da alínea a), do dispositivo (IV) da sentença da primeira instância e, bem assim, as decisões constantes dos itens 3º e 4º, da alínea b), relativa à reconvenção desta mesma sentença”. 11. Faria da Costa - peúgas e confecções, Lda., contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso interposto por Inês Oliveira & Filipe Silva, Lda. Apresenta as seguintes conclusões: “1.ª - O acórdão impugnado não padece de qualquer nulidade por condenação em objeto diverso, pressuposto que o objeto da discussão nos autos sempre se prendeu com o conteúdo e extensão da servidão e o uso que da mesma poderia fazer a recorrente. É isso o que precisamente resulta do pedido formulado na petição da recorrida, na reconvenção da recorrente e nas alegações e contra-alegações de recurso da sentença proferida pela 1.ª instância. 2.ª - A recorrente, ao não impugnar o mérito da decisão mas apenas invocar uma nulidade para a qual inexiste fundamento de facto e de direito, parece ter concordado com o seu teor. Quanto a este aspeto, a recorrida teve já, em sede de alegações de recurso por si apresentadas, oportunidade para manifestar os concretos pontos em que discorda do acórdão impugnado. 3.ª - Igualmente não deve reconhecer-se razão à recorrente na parte em que pugna por uma alteração da decisão quanto ao direito que foi reconhecido à recorrida de colocar um portão/barreira à entrada do prédio serviente. Pois que, uma decisão nesse sentido seria violadora do direito de o proprietário gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso e fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, como ainda o direito de, a todo o tempo, poder murar, valar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de qualquer modo - vd. arts. 1305.º e 1356.º do CC 4.ª - A jurisprudência tem unanimemente defendido que é necessário fazer uma ponderação entre os interesses do proprietário do prédio dominante e serviente. E tem concluído que a existência de uma servidão de passagem não impede que o dono do prédio serviente proceda à colocação de um portão no local por onde aquela se exerce, desde que entregue uma chave ao dono do prédio dominante - vd. Ac. TRP de 21.03.2003, Relator Desembargador Lemos Jorge - vd. Ac. do TRP de 18.02.1997, Relator Desembargador Mário Cruz - vd. Ac. TRP de 2.10.1994, Relator Desembargador Azevedo Ramos - vd. Ac. do STJ de 08.06.2006, Relator Conselheiro Pereira da Silva 5.ª -A simples incomodidade de ter de abrir e fechar o portão sempre que utilize a servidão não é de interesse relevante para obstar ao direito de passagem, pelo que não deve merecer acolhimento a posição defendida pela recorrente - vd. Ac. TRE de 31.03.2009, proc. 2854/05.5TBSTB.E1 - vd. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. III, pp. 670-671”. 12. Também Inês Oliveira & Filipe Silva, Lda., contra-alegou, pugnando pela não admissão do recurso interposto por Faria da Costa - peúgas e confecções, Lda., e caso assim não se entenda, pela sua improcedência. Formula as seguintes conclusões: “1ª – Com fundamentação substancialmente idêntica, a Relação a quo confirmou a sentença da primeira instância, decidindo que o direito de servidão em causa não se constituiu por contrato, mas antes por destinação de pai de família, tendo ambas as instâncias, face à matéria de facto provada, julgado preenchidos todos os elementos de que a lei – artº 1549º do C.C. – faz depender a constituição daquele direito por tal forma ou título. Por isso, 2ª – Não tendo havido voto de vencido na prolação do acórdão recorrido, não é admissível revista da decisão da Relação que confirmou a decisão proferida pela 1ª instância na parte em que julgou procedente a reconvenção, referente aos dois primeiros pontos da alínea b), do número IV do dispositivo, conforme o estatuído pelo nº 3, do artº 671º, do Cód. Proc. Civil. Mas, sem prescindir, 3ª – Nem o contrato-promessa de compra e venda, celebrado em 11/01/2006, relativo ao prédio dominante, nem a escritura de constituição de propriedade horizontal de 08/12/2006, relativa ao prédio serviente são susceptíveis de titular a constituição da servidão em causa: 4ª – Em primeiro lugar, porque, à data daquele contrato e deste acto jurídico, ambos os prédios pertenciam aos mesmos proprietários, como resulta dos factos provados, sendo certo que, nos termos do disposto no artº 1543º, do C.C., a constituição de uma servidão implica que os prédios – o que suporta o encargo e o que o aproveita – pertençam a proprietários diferentes. 5ª – Em segundo lugar, porque nem a cláusula (a 7ª) prevista naquele contrato-promessa sobre a obrigação futura dos promitentes-vendedores constituírem a favor do prédio objecto da venda uma servidão sobre o prédio, situado a Sul e a Nascente daquele, de que eles também eram proprietários, tem carácter definitivo, nem a declaração sobre o mesmo assunto, constante da mencionada constituição de propriedade horizontal, assume tal carácter, visto se destinar apenas a “facilitar a prova” da existência (de sinais) dessa servidão, no caso da separação dos prédios em causa. 6ª – Em terceiro lugar, dizemos nós, porque mesmo que assim não fosse – e é –, nunca um mero contrato-promessa teria a virtualidade legal de ser constitutivo de uma servidão, por não representar um contrato definitivo de compra e venda e, ainda, por não observar a forma legal exigida para as compras e vendas relativas a bens imóveis (cfr. artºs 220º e 875º do Cód. Civil), 7ª – Sendo certo que esta terceira razão sempre poderia ser conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça, a título subsidiário, se tal eventualmente se mostrasse necessário – o que só como hipótese meramente académica se admite –, ao abrigo do disposto no artº 636º do CPC. Acresce que, 8ª – Os factos julgados provados sob os itens 3º, 4º, 6º, 9º, 11º, 15º, 17º, 19º a 21º, 26º, 28º, 31º, 32º e 34º (o 19º e o 34º com as alterações que lhes foram introduzidas pela Relação recorrida), preenchem todos os requisitos previstos na lei para que possa ser declarada, como foi, pela 1ª Instância e confirmada pela segunda, a constituição da servidão por destinação de pai de família, a saber: “. anteriormente os atuais prédios descritos sob os nºs. 116 e 723 eram um só pertencente aos acima indicados promitentes vendedores; . depois foram constituídas seis frações autónomas desse único prédio, duas integrando o descrito sob o nº. 723 e quatro o do nº. 116, ainda assim tudo pertencendo aos mesmos donos mas já com declaração de existência de sinais de serventia deste em favor daquele; . posteriormente, os dois imóveis deixaram de ser dos mesmos donos; . há sinais visíveis de serventia de um para o outro como se alcança do assumido pelos promitentes vendedores e corresponde à realidade – factos provados 19 a 21, 34; . não há qualquer declaração de oposição a essa servidão aquando da separação.” Para além disso, 9ª – Da matéria de facto julgada provada nenhum indício resultou que possa configurar da existência de um abuso do direito de servidão por parte da 1ª Ré no exercício da servidão declarada a favor do prédio dominante. De resto, 10ª – Tendo a servidão sido constituída por um acto voluntário (destinação de pai de família), só por outro acto voluntário poderá cessar. Finalmente, 11ª – A decisão judicial de declaração do direito de servidão em causa e a respectiva condenação da Autora a reconhecê-la e a não colocar obstáculos ao seu exercício não só não implica a alteração da propriedade horizontal sobre o prédio serviente, 12ª – Como se impõe aos dois condóminos das fracções que este compõem – o Banco Bilbao Viscaya Argentaria (Portugal), S.A. e a Autora –, devidamente representados em juízo. Aliás, 13ª – Os elementos essenciais da escritura de constituição de propriedade horizontal permanecem intocados, já que a servidão que onera o respectivo prédio, estabelecida, de resto, após tal acto notarial, não tem de ser obrigatoriamente aditada àquele título. 14ª – Por tudo isto, é evidente que o acórdão recorrido não violou quaisquer disposições legais, determinantemente as invocadas pela recorrente”. 13. Em 20.02.2020, o Tribunal da Relação de Guimarães proferiu um Acórdão, julgando improcedente a arguição de nulidades suscitada pela recorrente Inês Oliveira & Filipe Silva, Lda., e atinentes ao Acórdão ora recorrido. E, em 26.02.2020, a Exma. Senhora Desembargadora Relatora proferiu o seguinte despacho: “Admito os recursos respetivamente interpostos por Autora e Ré, a subir imediatamente e nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (artigos 671º n.º 1, 675º n.º 1, e 676º n.º 1 “a contrario” todos do Código de Processo Civil)”. 14. Cabe ainda referir que, na sequência do recurso apresentado por Inês Oliveira & Filipe Silva, Lda., a também recorrente Faria da Costa - peúgas e confecções, Lda., apresentou requerimento, pedindo que a eventual admissão do recurso interposto por aquela para o Supremo Tribunal de Justiça fosse decidida apenas após a notificação dela para liquidar e efectuar o pagamento da taxa de justiça correspondente ao valor do processo. Inês Oliveira & Filipe Silva, Lda., respondeu ao requerimento, pugnando pela consideração como correcta da taxa por ela liquidada, sem prejuízo da correcção do valor indicado para o recurso. Em 7.02.2020, a Exma. Senhora Desembargadora Relatora proferiu despacho dando por verificado que a recorrente havia liquidado a taxa correcta pela apresentação do requerimento de interposição de recurso face àquele que era o valor do seu recurso. Faria da Costa - peúgas e confecções, Lda., reclamou deste despacho para a Conferência, tendo Inês Oliveira & Filipe Silva, Lda., mais uma vez, respondido. Por fim, em 7.05.2020, foi proferido Acórdão indeferindo-se a reclamação e, em consequência, mantendo-se o despacho impugnado. 15. Apreciando a admissibilidade dos recursos, proferiu a presente Relatora, em 9.09.2020, um despacho, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 655.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, manifestando fundadas dúvidas sobre a admissibilidade do recurso interposto pela autora Faria da Costa - peúgas e confecções, Lda. 16. No uso do seu direito de audição, veio autora / recorrente apresentar a sua resposta a este despacho, argumentando que “a eventual dupla conformidade da decisão quanto à primeira questão não obstará à admissibilidade da presente revista a título excecional; e quanto à segunda questão, para lá de não reconhecer qualquer correspondência entre as decisões das instâncias inferiores, julga que se encontram também preenchidos os requisitos para admissibilidade da revista a título excecional”.
* Sobre a questão (prévia) da admissibilidade dos recursos: A) Recurso interposto pela autora / recorrente Faria da Costa - peúgas e confecções, Lda. As alegações da autora no presente recurso prendem-se com o facto constitutivo do direito de servidão (segundo ela, a servidão constituiu-se por escritura de constituição de propriedade horizontal e não por destinação do pai de família) e com a finalidade do direito de servidão (segundo ela, a servidão serve apenas para trânsito / circulação de pessoas e veículos e não para depositar ou aparcar veículos ou máquinas, realizar manobras de veículos e máquinas, depositar materiais e efectuar cargas e descargas). Ora, como se demonstrou já no despacho de 7.09.2020, as decisões de ambas as instâncias são coincidentes no que respeita a estes pontos. Na sentença decidiu-se: “- declarar que se acha constituída a favor do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito no lugar de …, da freguesia da …, do concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o nº 7…3/… e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 876º, por destinação do pai de família, um direito de servidão para acesso, a partir da Estrada Nacional …, de pessoas, veículos automóveis e máquinas de diversos tipos e para cargas e descargas de matérias primas e produtos acabados e, ainda, para paragem, estacionamento e manobras de veículos automóveis e máquinas no espaço comum identificado a tracejado rosa na planta junta em 27-11-2018 (a fls. 247-vº do processo físico), que onera o prédio, em regime de propriedade horizontal, identificado no art. 69º da contestação[1]; - condenar a Autora a tal reconhecer e a abster-se de, por qualquer forma, criar quaisquer obstáculos ao livre exercício de tal servidão, respeitando, integralmente aquele direito”. E no Acórdão recorrido esta decisão é inequivocamente confirmada, podendo ler-se: “Mantém-se o decidido quanto à reconvenção referido nos dois primeiros pontos da alínea b) do número IV do dispositivo”. Visto isto, é inevitável concluir que a Relação confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, configurando-se, portanto, uma situação de dupla conformidade das decisões, do conhecimento do recurso da autora por este Supremo Tribunal de Justiça (cfr. artigo 671.º, n.º 3, do CPC)[2]. A autora argumenta ainda, ao abrigo do artigo 655.º do CPC, que há lugar a revista excepcional, nos termos do disposto nas als. a) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC. Não tendo, porém, o recurso sido interposto como revista excepcional (não há qualquer menção a isso no requerimento de interposição, nem, aliás, nas alegações e conclusões de recurso), o seu enquadramento, só agora, na revista excepcional, é inoportuno ou extemporâneo. Assim, não pode deixar de julgar-se inadmissível o recurso interposto pela autora. B) Recurso interposto pela ré / recorrente Inês Oliveira & Filipe Silva, Lda. Em contrapartida, da análise à admissibilidade do recurso interposto pela ré não resultaram quaisquer circunstâncias impeditivas, pelo que cumpre analisá-lo. * Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são as de saber se: 1.ª) o Acórdão recorrido enferma das nulidades referidas no artigo 609.º e nas als. d) e e) do artigo 615.º do CPC bem como na al. c) desta última norma; 2.ª) o Tribunal recorrido devia ter declarado que o tempo e o modo do exercício do direito de servidão é o que vem referenciado nos pontos 38, 39 e 40 dos factos provado e, em particular, devia ter condenado a autora a manter desligada e levantada a barreira para continuar a permitir à ré o livre acesso à fracção “A” a si locada. * II. FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido: 1. Em 11 de janeiro de 2006, CC e marido e “Villa Tribuna - Sociedade Imobiliária, Lda”, como promitentes vendedores e DD, como promitente comprador, celebraram um contrato-promessa de compra e venda de um prédio urbano composto por um armazém, com a área coberta, descoberta e uma garagem, destinada a atividade industrial, sito no lugar de …, freguesia da …, concelho de …, que confronta do norte com caminho público, do sul e nascente com os primeiros outorgantes e do poente com EE, que faz parte do prédio descrito na CRP de Barcelos sob o n.º 001…6 / 89…12-… . 2. Nesse contrato os promitentes vendedores obrigaram-se ainda a, previamente à celebração da escritura de compra e venda, constituir a favor desse prédio uma servidão destinada ao trânsito de veículos e de pessoas sobre o prédio, de que eles também são proprietários, situado a sul e nascente daquele prédio, tendo assinalado o trajeto desse caminho de servidão a marcador amarelo numa planta que declararam ter anexado a esse contrato. 3. Em 15 de maio de 2006, a Câmara Municipal de … certificou o seguinte: “(…) o destaque da parcela de 3 987 m2, a destacar do prédio, localizado em perímetro urbano, com a área 13 523 m2, descrito na conservatória do registo predial de Barcelos sob o n.º 1…6, inscrito na matriz predial sob o artigo 472 urbano, sito no lugar de …, freguesia da …, está dispensado do regime jurídico dos loteamentos previstos no Dec. Lei n.º 555/99, (…), conforme processo de obras n.º 720/84-R, e cumprindo cumulativamente as seguintes condições: a) do destaque não resultam mais de duas parcelas que confrontam com arruamento público; b) a construção erigida na parcela a destacar dispõe de projeto aprovado; c) a parcela de terreno fica a confrontar do norte com caminho público, do sul com EE e FF, do nascente com terreno sobrante do requerente e do poente com EE (…)”. 4. O prédio aludido em 1º corresponde a uma parte da referida parcela com a área de 3.987 m2 parte, a qual veio a ser descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº 7…3 – … . 5. Em 8 de setembro de 2006, os promitentes vendedores referidos em 1º outorgaram escritura pública de constituição de propriedade horizontal da parte restante do prédio descrito na CRP sob o n.º 1…6 - …, mediante a qual o mesmo ficou composto por quatro fracções autónomas: FRAÇÃO “A” - Armazém - no rés-do-chão, lado sul, com a área de 3 000 m2, composta por uma sala de armazém geral, (…); FRAÇÃO “B” - Armazém – no primeiro piso, lado sul, com a área de 2 338,50 m2, composta por uma sala de armazém geral, (…); FRAÇÃO “C” - Armazém - no segundo piso, contígua à fração “B”, com a área de 1378 m2, composta por uma sala de armazém geral, (…); FRAÇÃO “D” - Armazém – no segundo piso, lado norte, contígua à fração “C”, com a área de 739 m2, composta por uma sala de armazém geral, (…). 6. Nessa escritura os outorgantes declararam, ainda, o seguinte: “Existem sinais visíveis e permanentes neste prédio urbano e no prédio urbano que lhe fica contíguo (…) constituído por EDIFÍCIO DE UM PISO E LOGRADOURO, descrito na mencionada Conservatória sob o n.º 7…3 / …, (…), que revelam serventia do prédio onde foi instituído o regime de propriedade horizontal, através do logradouro comum a todas as frações e da área comum das frações “B”, “C” e “D”, para o outro prédio urbano de que igualmente são proprietários, atrás identificado; tais sinais, havendo separação do domínio dos prédios, configuram a existência de uma servidão. Assim, o acesso a pé, carro e de quaisquer outros meios de deslocação e transporte entre a estrada nacional e este prédio é feito através da área comum a todas as frações e também da área comum das frações “B”, “C” e “D” (…)”. 7. Em 29 de dezembro de 2008, a Câmara Municipal de … aprovou o pedido de constituição em regime de propriedade horizontal do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 7…3, em duas frações denominadas “A” e “B”. 8. Na sequência, em 19 de janeiro de 2009, os mencionados promitentes vendedores constituíram a propriedade horizontal sobre este prédio descrito sob o nº 7…3 nas seguintes condições: “(…) FRAÇÃO A - Rés do chão, lado poente, com a área de 965 m2, na qual se inclui uma área exterior de alpendre de 77 m2, destinada a armazém e/ou indústria (…); FRAÇÃO B - Rés do chão, lado nascente, com a área de 900 m2, destinada a armazém e/ou indústria (…). À fração “A” fica afeta para uso exclusivo, uma área de logradouro de 1270 m2, a poente da fração, com acesso pela área comum. À fração “B” fica afeta para uso exclusivo, uma área de logradouro de 700 m2, a poente da fração, com acesso pela área comum. A área coberta de acesso ao edifício, na sua parte posterior, de 103 m2, bem como a área exterior de acesso aos logradouros, com 49 m2, são comuns (…)”. 9. Estas áreas comuns passaram a constituir os acessos próprios a estas duas frações autónomas. 10. O promitente-comprador DD, identificado no contrato-promessa referido em 1º, informou posteriormente os promitentes vendedores que a compra da fração “A” que lhe estava destinada seria efetuada em nome da sociedade de que fazia parte, a 1.ª ré “Inês Oliveira & Filipe Silva, Lda” e que, para efeito dessa aquisição, essa sociedade iria recorrer a um financiamento em regime de leasing, pelo que a compra seria formalizada em nome da interveniente “Caixa Leasing e Factoring - Instituição Financeira de Crédito, S.A.”. 11. No dia 1 de outubro de 2009, os promitentes vendedores identificados em 1º e a interveniente Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A. outorgaram escritura pública de compra e venda através da qual aqueles declararam vender a esta, que por sua vez declarou aceitar, pelo preço de € 170.000,00, a FRAÇÃO “A” - Rés-do-chão, lado poente, destinada a armazém e/ou indústria, com um alpendre, tendo para seu uso exclusivo um logradouro a poente da fração, com acesso pela área comum, que faz parte do prédio urbano sito no lugar de …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz respetiva sob o artigo 876, proveniente do anterior artigo 814, descrito na conservatória do registo predial sob o n.º 7…3 - …, em regime de propriedade horizontal (…)”. 12. Na mesma data, a interveniente Caixa Leasing e Factoring deu de locação à 1.ª ré a referida fração autónoma, passando esta desde então a usufruir da mesma como locatária financeira, aí fabricando e comercializando peças de olaria, efetuando obras de conservação, suportando quaisquer custos da sua laboração, impostos e taxas correspondentes. 13. Porém, apesar da 1ª. Ré apenas ter formalmente assumido a posição de locatário da fração nessa data, já desde 2007 que vinha utilizando e usufruindo o espaço que corresponde agora à fração “A”, onde procedia à pintura de peças de olaria. 14. Em 27 de outubro de 2011, os sócios da 1.ª ré constituíram a 2.ª ré, com sede na mesma fração “A” referida em 11º, tendo ambas, no essencial, o mesmo objeto social. 15. Em 8 de agosto de 2008, CC e marido e a sociedade “Villa Tribuna - Recuperação de Créditos, Lda” venderam ao “Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), SA”, as frações “A” e “B” identificadas em 5º. 16. Nesse mesmo dia, essa instituição de crédito deu de locação financeira à autora essas frações autónomas, que, desde então, com exclusão de outrem, as explora para a sua atividade de confeção de peúgas. 17. Em 19 de janeiro de 2011 e 24 de março de 2017, CC e marido e a sociedade “Villa Tribuna - Recuperação de Créditos, Lda”, declararam vender à autora, que por sua vez declarou comprar, as frações autónomas “D” e “C” identificadas em 5º, respetivamente. 18. O logradouro comum às frações “A”, “B”, “C” e “D” está identificado na planta de implantação da propriedade horizontal (constante do maço dos documentos referente à escritura pública de constituição de propriedade horizontal identificada em 5º e 6º exarada no livro de notas para escrituras diversas número nº 78-A), cuja certidão se encontra junta a fls. 276 a 282 do processo físico, como “área comum” e a área de 398.00 m2, enquanto que a área comum das frações “B”, “C” e “D” está identificada na mesma planta, como “área comum às frações “B”, “C” e “D” ” e a área de 1.080 m2. 19. Desde 2007 que a 1ª. Ré e os seus trabalhadores, clientes e fornecedores têm vindo a imobilizar e estacionar veículos e a colocar e depositar materiais nessa servidão de passagem, o que fizeram sempre com o conhecimento da Autora, opondo-se esta a tal uso quando impede o livre e desimpedido acesso às frações designadas pelas letras “A”, “B”, “C” e “D” por si usadas[3]. 20. A 1ª. Ré serve-se ainda desse caminho de servidão, também desde esse ano de 2007, para acesso, a partir da Estrada Nacional, de pessoas, veículos automóveis e máquinas de diversos tipos, quer para cargas e descargas de matérias primas e produtos acabados, quer, ainda, para paragem, estacionamento e manobras de veículos e máquinas, ficando esses veículos imobilizados nesse caminho por tempo indefinido. 21. Como essas cargas e descargas exigem máquinas e pessoal, no decorrer dessas operações e pelo tempo necessário às mesmas, essas máquinas e pessoal transitam entre esses veículos e o interior da fração “A” dada em locação financeira à 1.ª ré pela interveniente “Caixa Leasing & Factoring, S.A”. 22. A Autora, sempre que a 1ª. Ré procede nos termos referidos em 19º, 20º e 21º e impede o acesso às frações por si usadas como referido em 19.º, impedindo que aí possa circular com veículos, colocar máquinas ou depositar materiais, interpela-as para que retirem dessa área os veículos, materiais e pessoal, argumentando que o seu direito é exclusivamente de passagem, mas a 1ª. Ré ignora repetidamente as interpelações da Autora, situação esta que tem vindo a gerar conflitos e altercações frequentes[4]. 23. A 2ª. Ré “Rainha do Kako, Ldª.” cessou a sua atividade em 31-12-2014. 24. A topografia da totalidade do prédio em causa descrito na CRP sob o nº 1…6-…, antes do destaque da parcela que viria a constituir o prédio descrito na CRP sob o nº 7…3º-… e a reduzida plataforma do caminho público, situado a Norte, não permitiam nem permitem que o acesso, paragem, estacionamento, manobras e cargas e descargas quaisquer veículos ou máquinas automóveis pudesse e possa ser feito doutra maneira que não pelo logradouro comum referido em 18º. 25. Em data anterior ao contrato-promessa referido em 1º estiveram instaladas no conjunto predial referido em 24º diversas unidades industriais da sociedade “Rainha do Cávado, Ldª.”, nelas incluídos o edifício, garagem e logradouro. 26. Enquanto tal sucedeu, sempre os respetivos donos e possuidores ou usufruidores usaram o aludido terreiro comum para que estavam voltados para acesso à parte ou parcela destacada. 27. No edifício de rés-do-chão, funcionava a unidade de tecelagem da referida sociedade (Rainha do Cávado), onde estavam instalados os teares e todos os respetivos serviços de apoio, funcionando a garagem como oficina de manutenção e reparação mecânica de todos os veículos pertencentes àquela unidade industrial, 28. Pelo que o acesso de pé, automóveis ligeiros e pesados e toda a sorte de veículos e máquinas se fazia pelo dito logradouro comum, onde, de resto, eram feitas as cargas e descargas de matérias primas e produtos acabados, onde paravam e estacionavam os veículos automóveis de clientes, fornecedores, trabalhadores e sócios-gerentes da Rainha do Cávado e onde, em suma, todos os veículos automóveis e máquinas faziam as manobras necessárias para os referidos fins. 29. Tanto nos preliminares como na conclusão do contrato-promessa de compra e venda aludido em 1º, bem sabiam os primeiros outorgantes (promitentes-vendedores) que os segundos outorgantes (promitentes-compradores) pretendiam exercer no prédio objeto do contrato a indústria de olaria de barro e que era elemento essencial do negócio que tal prédio continuasse a dispor do referido logradouro e acesso por esse local para a via pública[5]. 30. Se a 1ª. Ré não puder usar o caminho como referido em 19º, 20º e 21º, não consegue carregar e descarregar mercadoria no exercício da sua atividade industrial junto do pavilhão em causa[6]. 31. Em Junho e Julho de 2008, a 1ª. Ré procedeu ao alargamento e pavimentação, com calçada de cubo de granito, da plataforma do caminho que dava e dá acesso ao logradouro do mesmo prédio, na parte assinalada a cor amarela na planta anexa à contestação sob doc. nº 2, em terreno componente do logradouro comum do imóvel de que posteriormente seria desanexado o prédio prometido vender. 32. Esse alargamento implicou que a 1ª. Ré executasse um muro de suporte, em alvenaria irregular de granito, com cerca de 13 metros de comprimento e com uma altura variável entre 1 e 4 metros, mas implantado no logradouro do prédio objeto do contrato de compra e venda, junto à estrema com a parte sobrante do prédio donde o mesmo foi destacado. 33. A 1ª. Ré procedeu, ainda, no mesmo local a arranjos ajardinados exteriores, à conceção dos espaços de implantação dos edifícios relativamente ao logradouro comum, portões, portas e janelas e à instalação de um depósito de gás. 34. A utilização pela 1ª. Ré do caminho de servidão nos moldes referidos em 19º, 20º e 21º tem vindo a ocorrer desde 2007 ininterruptamente, à vista de toda a gente, de forma pacífica, com a consciência de não lesar ninguém, na convicção de quem exerce um direito próprio de servidão, somente com a oposição referida em 19[7]. 35. Apesar de, com as obras efetuadas pelos promitentes-compradores, as frações “A” e “B” em que se dividiu o prédio dominante, tivessem também passado a dispor, a partir do caminho público situado a Norte, junto ao cunhal formado pelas estremas Norte e Poente do respetivo edifício, para acesso à parte posterior deste, de uma área comum coberta de acesso, com 103 m2 e de uma área exterior, igualmente comum, com 49 m2, para acesso aos logradouros das mesmas frações, esse acesso não permite a entrada de veículos pesados com altura superior a 3,70 metros[8]. 36. Quando, em 2006/2007, os promitentes-compradores procederam ao desaterro da parte posterior do terreno do logradouro do prédio que lhes foi prometido vender para criação do dito novo acesso à parte posterior do respetivo edifício e logradouro, constataram a existência de um alicerce ou sapata em betão armado, que se estende ao longo de 24 metros, com a largura média de 1,30 metros, que é parte componente do pavilhão industrial de GG, que lhe fica contíguo pelo Poente. 37. Tal sapata, após o desaterro, encontrava-se a uma quota entre 0,70 metros e 1 metro acima do terreno dos promitentes-vendedores, dificultando o acesso, manobra e cargas e descargas de veículos pesados de média dimensão. 38. Na entrada do prédio referido em 5º, junto à E. N. n.º …, desde tempos anteriores à celebração do contrato promessa identificado em 1º, existe uma barreira (que inicialmente era manual, tendo sido substituída em 26/06/2017 pela atual barreira elétrica) que esteve sempre levantada, todos os dias úteis, entre as 6 horas da manhã e as 24 horas. 39. Aos sábados, domingos e feriados e, ainda, nas férias de verão (no período em que estas coincidam entre todas as empresas ou firmas instaladas nas diversas frações prediais dos prédios referidos em 5º e 8º), aquela barreira encontrava-se descida e o seu levantamento impedido com um cadeado. 40. Nestes períodos de fecho, quer a gerência das Rés e a da firma BORGESPINTA, Comércio de Artigos de Decoração, Lda., quer a gerência da A., sempre dispuseram de uma chave do cadeado para abrir e fechar a barreira quando e para quem entendessem e para se proceder da forma descrita em 19º, 20º e 21º. E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido: a) Os promitentes vendedores assumiram então a obrigação de constituição de uma servidão pelo facto de, nessa altura, esse prédio urbano a destacar não dispor de um acesso direto para a via pública. a1) Nesse acordo referido em 29, dos factos provados, o acesso pelo logradouro ali referido fosse essencial para se ter acesso à via pública[9]. b) A partir de 27 de outubro de 2011, a 2.ª ré exerce também, ininterruptamente, a sua atividade nesta fração, fabricando artigos cerâmicos e comercializando vasos e louças de uso doméstico e ornamental. c) Os promitentes-vendedores referidos em 29), dos factos provados soubessem que no prédio objeto do contrato se iam fabricar e artigos de uso doméstico e de ornamentação em barro, porcelana e grés fino, fazendo-se comércio e exportação de artigos fabricados e ainda comércio, importação e exportação de artigos adquiridos a terceiros, bem como atividades de pintura dos artigos referenciados. d) A Autora não se tenha oposto a que a 1.ª Ré, seus trabalhadores, clientes e fornecedores, imobilizem, estacionem veículos, coloquem e depositem materiais no caminho referido no facto provado 6 quando impede o livre acesso às frações por si usadas como referido em 19[10]. e) Tal oposição tenha surgido desde finais de 2016[11]. O DIREITO 1.ª questão – Das nulidades do Acórdão recorrido Nas conclusões 1.ª a 12.ª, a ré / recorrente alega que o Tribunal recorrido devia ter-se abstido de condenar no dever de evitar a ocorrência de certos “incómodos” para a autora e que, ao fazê-lo, violou o artigo 609.º e o artigo 615.º, n.º 1, als. d) e e), do CPC (cfr., em especial, conclusões 6.ª, 11.ª e 12.ª). Dispõe-se no artigo 609.º do CPC que “[a] sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”. Dispõe-se no artigo 615.º, n.º 1, do CPC que [é] nula a sentença quando: (…) d) O juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”. As regras enunciadas são consequência do princípio do dispositivo, significando que são as partes quem – através do pedido e da defesa – circunscreve o thema decidendum[12]. A decisão que a recorrente visa é a contida no ponto C) do dispositivo do Acórdão recorrido e em que o Tribunal decidiu “[c]ondena[r] a 1.ª R., no exercício do direito de servidão acima referido, a evitar e não permitir que ocorra impedimento para a A. ou para quem a procure, em poder aceder livremente às instalações desta quando estejam a ser efetuadas cargas e/ou descargas a favor da 1.ª R, ou por qualquer material depositado no caminho em causa ou veículo que aí se encontre”. O vício que a recorrente, fundamentalmente, imputa ao Acórdão recorrido, nesta parte, é o de condenar as rés num pedido que, alegadamente, o autor contra elas não deduziu – condenação ultra petitum. Recordando, porém, que a autora pede, inter alia, que as rés sejam condenadas, por si, seus trabalhadores, clientes, fornecedores e quaisquer pessoas ou entidades que se desloquem às suas instalações no interesse destas, a respeitarem exactamente o trajecto que, segundo ela, tinha a servidão, não podendo imobilizar, depositar ou aparcar quaisquer veículos ou máquinas nessa servidão de passagem, logo se vê que decisão de condenação das rés no dever de não impedir ou perturbar a autora no livre acesso às suas instalações, ou de quem aí a procure, não envolve desvio ao pedido. De facto, o objecto da decisão continua a caber dentro do objecto do pedido, correspondendo apenas a uma sua “redução qualitativa”[13]. Nas palavras do Acórdão que se pronunciou sobre as nulidades, aquela decisão é, enfim, um minus em relação ao pedido (concede-se menos do que é pedido): “em vez da proibição da paragem/imobilização e realização de cargas e descargas, definiu-se que estas atuações teriam de ser realizadas sem criar o constrangimento mencionado na alínea C) do dispositivo – livre acesso às instalações pela A. ou de quem a aí procure”. Diga-se, de qualquer forma, que cabe sempre nos poderes do tribunal adequar ou concretizar a decisão judicial de modo a alcançar a solução que considera justa[14], sem que isso consubstancie desvio ao pedido ou extravasamento dos limites do pedido. Concluindo: não procede a alegação de violação do artigo 609.º, n.º 1, do CPC nem a arguição das nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, do CPC. Na conclusão 16.ª, a recorrente alega ainda que o Acórdão recorrido enferma de uma contradição (“ao revogar a decisão do item 3, da alínea b), referente à reconvenção, do nº IV do dispositivo, os ilustres Desembargadores foram contraditórios com a tese jurídica defendida”). Podendo retirar-se daqui que a recorrente imputa, implicitamente, ao Acórdão a causa de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, ou seja, uma contradição entre os fundamentos e a decisão. Adiantando-se que não assiste razão à recorrente, uma vez que a matéria em causa se prende directamente com a 2.ª questão, remete-se a sua apreciação para aí. 2.ª questão – Do tempo e do modo do exercício da servidão, em particular da situação da barreira Nas conclusões 13.ª a 22.ª, a recorrente alega que o Tribunal da Relação devia ter declarado que o tempo e modo de exercício do direito de servidão é o que vem referenciado nos pontos 38, 39 e 40 da decisão sobre a matéria de facto (cfr., em especial, conclusões 13.ª a 16.ª) e, em consequência disso, condenado a autora na obrigação de manter a barreira desligada e levantada (cfr. conclusões 17.ª a 22.ª). Recorde-se que a decisão do Tribunal a quo neste ponto foi: “Condenar a A. a facultar à 1.ª R. o livre acesso ao caminho de servidão pela barreira elétrica de entrada para o exercício da atividade industrial desta, adotando as medidas necessárias (por exemplo entregando-se comando à 1.ª R., chave para abrir portão em caso de avaria/falta de eletricidade, exercício de funções por porteiro, comando da barreira à distância ou até manutenção da mesma aberta nos períodos necessários à entrada e saída da 1.ª R. se não houver outro modo de o permitir) para que tal exercício se efetive, improcedendo assim o pedido para se desligar essa barreira”. Discorreu aquele Tribunal a quo, a título de fundamentação, assim: “Resultou provado que: Facto provado 38) - na entrada do prédio referido em 5º, junto à E. N. n.º 205, desde tempos anteriores à celebração do contrato promessa identificado em 1º, existe uma barreira (que inicialmente era manual, tendo sido substituída em 26/06/2017 pela atual barreira elétrica) que esteve sempre levantada, todos os dias úteis, entre as 6 horas da manhã e as 24 horas. Facto provado 39 - aos sábados, domingos e feriados e, ainda, nas férias de verão (no período em que estas coincidam entre todas as empresas ou firmas instaladas nas diversas frações prediais dos prédios referidos em 5º e 8º), aquela barreira encontrava-se descida e o seu levantamento impedido com um cadeado. O tribunal recorrido decidiu que a A. tem de manter desligado e levantada a barreira para a 1.º R. poder continuar a ter livre acesso á fração “A” a si locada, assim entendendo por tal ser uma decorrência da procedência do pedido principal. A 1.ª R. reconhece que a A. pode mudar a barreira manual por uma elétrica desde que respeitasse o horário de fecho e abertura anteriormente existente – contra-alegações a fls. 460 verso. Estando o imóvel em causa (descrito sob o nº. 116) constituído em propriedade horizontal (facto provado 5), desconhece-se quem constitui a administração e como foi tomada essa decisão; mas o que nos importa é a regulação do exercício do direito de servidão em causa e aí sabemos que desde antes de 11/01/2016 existiu uma barreira manual no local até que em 26/06/2017 foi substituída por uma elétrica. Ora, para que a servidão de passagem que existe a favor da 1ª R. possa ser exercida satisfazendo as necessidades normais e previsíveis do prédio onde a mesma se encontra, tem de existir a possibilidade de se entrar nesse terreno dominante e daí sair sem incómodos para a atividade da 1.ª R. sendo que a função da barreira é controlar a entrada e saída de pessoas e veículos. Se antes a barreira estava sempre levantada nos dias úteis entre as 06.00 e as 24.00 horas e noutros períodos estava descida, dispondo as RR. de chave para o abrir quando o entendessem, então a solução passa não por impedir que a A. coloque uma barreira ou a coloque a funcionar, mas sim que efetivamente continue a permitir a entrada e saída nos mesmos termos em que existia antes da substituição. Determinar que a A. tivesse de retirar essa obra seria atribuir à 1.ª R. o poder de eventualmente influir em decisões no âmbito de condomínio alheio sem que exista a violação do seu direito de servidão, além de o próprio tribunal não ter elementos para concluir que essa nova barreira não pode aí estar colocada; o que importa é assegurar a manutenção do exercício da servidão e desde que seja efetivamente permitido (entregando-se comando à 1.ª R., chave para abrir portão em caso de avaria/falta de eletricidade, exercício de funções por porteiro, comando da barreira à distância ou até manutenção da mesma aberta nos períodos necessários à entrada e saída da 1.ª R. se não houver outro modo de o permitir), não há impedimento à colocação de uma nova barreira no mesmo local onde antes existia a antiga (veja-se Ac. da Relação de Coimbra de 30/04/2019, no mesmo endereço onde, numa situação semelhante, se escreve “o que os RR. não podem é impedir o exercício da servidão e para tal, colocando portões no início do caminho, têm é que dar as chaves dos mesmos à A., sendo nesta obrigação – de entregar as chaves e não de retirar os portões”. A 1.ª R. alega que esta situação só pode ser alterada por acordo entre prédio dominante e serviente, acordo que não concede; porém não está provado que aquele período de abertura e fecho da barreira se devia somente às necessidades da 1.ª R., ou seja, se esta necessitava da barreira aberta naquele período dos dias úteis ou se, ao invés, tal abertura se devia de algum modo à maior facilidade em evitar delongas nas entradas e saídas. Assim, não se pode concluir nem que existia um acordo entre as partes quanto a essa abertura, acordo esse que não está expresso em qualquer factualidade, nem assim que a A. o esteja a alterar. Desse modo, o que se tem é que a A. não pode estorvar o exercício da servidão pela 1.ª R. (artº. 1568º, nº. 1, do C.C) o que se atinge, na nossa visão, com aquelas possibilidades acima referidas. Deste modo, não será decretada a condenação a desligar a barreira, mas antes a permitir o acesso pela mesma, em funcionamento, nos termos acima referidos. Veja-se sobre esta matéria o recente Ac. da Rel. do Porto de 12/09/2019 (www.dgsi.pt)”[15]. Os factos relevantes para os presentes efeitos são os seguintes: 38. Na entrada do prédio referido em 5º, junto à E. N. n.º 205, desde tempos anteriores à celebração do contrato promessa identificado em 1º, existe uma barreira (que inicialmente era manual, tendo sido substituída em 26/06/2017 pela atual barreira elétrica) que esteve sempre levantada, todos os dias úteis, entre as 6 horas da manhã e as 24 horas. 39. Aos sábados, domingos e feriados e, ainda, nas férias de verão (no período em que estas coincidam entre todas as empresas ou firmas instaladas nas diversas frações prediais dos prédios referidos em 5º e 8º), aquela barreira encontrava-se descida e o seu levantamento impedido com um cadeado. 40. Nestes períodos de fecho, quer a gerência das Rés e a da firma BORGESPINTA, Comércio de Artigos de Decoração, Lda., quer a gerência da A., sempre dispuseram de uma chave do cadeado para abrir e fechar a barreira quando e para quem entendessem e para se proceder da forma descrita em 19º, 20º e 21º. Ora, como bem nota o Tribunal recorrido, daqui não resulta qualquer impedimento para a autora quanto à colocação e ao funcionamento de uma barreira. Dos factos provados resulta, sim, que existindo um direito de servidão com certa finalidade para a ré, o portão / a barreira não impedia que esta finalidade se realizasse. É, então, suficiente que se continue agora a assegurar o mesmo, ou seja, que, tal como antes, a colocação e o funcionamento da barreira não impedem ou perturbam a realização daquela finalidade – para usar as palavras do artigo 1568.º, n.º 1, do CC, que o uso da servidão não é estorvado. E disponibilizando-se à ré um comando para abrir à distância a barreira – que agora é eléctrica – e uma chave para a abrir manualmente em caso de avaria ou falta de eletricidade, pondo-se em funções de controlo da barreira um porteiro e / ou convencionando-se a manutenção da barreira aberta quando seja necessário é quanto basta para tal. Quer dizer: não é necessário que a barreira tenha de estar desligada e aberta em permanência. Alega a recorrente que a omissão de declaração do tempo e do modo constitui violação do artigo 1564.º, 1.ª parte, do CC. O teor desta norma, na parte relevante, é o seguinte: “As servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo respectivo título”. É o próprio Tribunal a quo quem começa por afirmar que esta norma é aplicável e a interpreta. Diz ele “[c]omo se refere na sentença recorrida, a extensão e o exercício são regulados pelo título constitutivo (artº. 1564º, nº. 1, 1ª parte, do C.C.[16]); no caso da servidão por destinação do pai de família, há que aferir o que de facto sucedia no momento da separação dos prédios (ou frações do mesmo)”[17]. Aferindo, depois, aquilo que, de facto, sucedia no momento da separação dos prédios e decidindo de forma a manter a situação anterior, a decisão do Tribunal não só não viola o disposto na norma como está em plena conformidade com ela. Chegados aqui, torna-se quase dispensável explicar por que improcede a alegação de contradição entre os fundamentos e a decisão que a recorrente imputa ao Acórdão recorrido neste ponto. Como e viu, a decisão não desrespeita a lei e nem desrespeita o que, em obediência à lei, se aferiu que, de facto, sucedia no momento da separação dos prédios. Acontece, simplesmente, que do que se aferiu que sucedia, de facto, não se retira o que pretende a decorrente. A decisão não só não é, assim, contraditória com os fundamentos como, pelo contrário, é o resultado lógico de tais fundamentos. * III. DECISÃO Pelo exposto, decide-se: I. julgar inadmissível o recurso de revista interposto pela autora / recorrente Faria da Costa - peúgas e confecções, Lda.; II. negar provimento ao recurso de revista interposto pela ré / recorrente Inês Oliveira & Filipe Silva, Lda.; e, em consequência, III. confirmar, in totum, o Acórdão recorrido. * Custas por cada um dos recorrentes na medida do respectivo decaimento. * Catarina Serra (Relatora) Bernardo Domingos Rijo Ferreira Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1.05, declaro que o presente Acórdão tem o voto de conformidade dos restantes Exmos. Senhores Juízes Conselheiros que compõem este Colectivo. _________ [1] Sublinhados nossos. [2] Sobre a dupla conforme como obstáculo à admissibilidade do recurso de revista cfr., por todos, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), pp. 361 e s. [3] Facto alterado pelo Tribunal recorrido na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. [4] Facto alterado pelo Tribunal recorrido na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. [5] Facto alterado pelo Tribunal recorrido na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. [6] Facto alterado pelo Tribunal recorrido na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. [7] Facto alterado pelo Tribunal recorrido na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. [8] Facto alterado pelo Tribunal recorrido na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. [9] Facto aditado pelo Tribunal recorrido na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. [10] Facto aditado pelo Tribunal recorrido na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. [11] Facto aditado pelo Tribunal recorrido na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. [12] Cfr., neste sentido, por todos, Manuel de Andrade, Noções elementares de processo civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1979, p. 374. [13] Cfr. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º - Artigos 362.º a 626.º, Coimbra, Almedina, 2018 (3.ª edição), p. 715. [14] Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.04.2016, Proc. 842/10.9TBPNF.P2.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt), no exercício destes poderes, “é [mesmo] lícito ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao A., por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente á pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter”. [15] Sublinhados nossos. |