Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
81/15.2YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA
CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇO
VIOLAÇÃO DE LEI
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
PRESSUPOSTOS LEGAIS
ERRO NA APRECIAÇÃO
RECURSO CONTENCIOSO
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apenso:
Data do Acordão: 11/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO MANTENDO-SE A DELIBERAÇÃO IMPUGNADA.
Área Temática:
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / MAGISTRADOS JUDICIAIS / INSPECÇÕES JUDICIAIS.
DIREITO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO / ACTO ADMINISTRATIVO / ATO ADMINISTRATIVO / DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATVO / DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO ADMINISTRATVO.
Doutrina:
- João Pedro Barrosa Caupers, Direito Administrativo (Guia de Estudo), 1995, 53.
- Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, “ Código Do procedimento Administrativo”, comentado, 2ª edição, 600/606, na anotação efectuada ao então artigo 125.º.
- Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, 1992, 13.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA), APROVADO PELO D.L. N.º 4/2015, DE 7 DE JANEIRO: - ARTIGOS 153.º, 163.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 29.º, N.º5, 268.º, N.º3.
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 33.º, 34.º, 81.º, 84.º.
REGULAMENTO DAS INSPECÇÕES JUDICIAIS (RIJ): - ARTIGOS 6.º, N.º1, 13.º, N.º1, 15.º, N.º1, 16.º, N.º1, ALS. B) E A) E B), 21.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 29 DE JUNHO DE 2005; DE 7 DE DEZEMBRO DE 2005; DE 5 DE JULHO DE 2012; 18 DE OUTUBRO DE 2012; DE 18 DE OUTUBRO DE 2012.
-DE 26 DE JANEIRO DE 2010, 20 DE OUTUBRO DE 2011 E 29 DE JANEIRO DE 2014, PROC. N.º 58/13.2YFLSB, OS DOIS PRIMEIROS EM WWW.DGSI.PT E O ÚLTIMO EM SASTJ, SITE DO STJ.
-DE 29 DE JANEIRO DE 2014 E AINDA DA MESMA DATA E DO MESMO RELATOR, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 63/13.9YFLSB, IN SASTJ, SITE DO STJ.
Sumário :

I. O recurso de anulação da deliberação do CSM que atribuiu a classificação de «BOM» à Recorrente, sendo como é, um recurso de mera legalidade, apenas se compreendem nos poderes deste Supremo Tribunal na sua apreciação, sindicar se juízo valorativo expresso decisão impugnada, enferma de erro crasso e/ou grosseiro, ou se os critérios utilizados na avaliação efectuada foram ostensivamente desajustados e/ou violadores dos princípios da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade.

II. Não defluindo do alegatório recursivo, no que a este particular diz respeito, que tenha sido afrontado pelo Recorrido/CSM qualquer dos princípios indicados como sustentadores da sua pretensão, nem tão pouco qualquer erro grave, grosseiro ou crasso que possa abalar de forma lapidar a decisão tomada, não poderá proceder a impugnação.

II Se se verifica que a Recorrente não está de acordo com a notação que lhe foi atribuída, é questão que transcende a competência deste Supremo Tribunal, porquanto o juízo formulado pelo CSM no âmbito dos seus poderes inspectivos, insere-se na margem de discricionaridade das entidades administrativas nesta área da apreciação do desempenho funcional dos administrados, poder este, insindicável, portanto.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

       

I S, Juíz de Direito notificada da deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 5 de Maio de 2015, que decidiu atribuir-lhe a classificação de serviço de “Bom”, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 168º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais, interpor recurso contencioso, com os seguintes fundamentos:

- Pela deliberação impugnada foi decidido atribuir à A., na sequência da inspecção ordinária realizada ao seu serviço, no período de 1 de Setembro de 2008 a 18 de Novembro de 2013, a classificação de “Bom”.

- A decisão consubstanciou-se nos factos já constantes da douta deliberação do Conselho Permanente de 10 de Fevereiro de 2015 e do douto Relatório Final e em alguma factualidade emergente da reclamação apresentada pela A., repetindo, na sua quase totalidade, a argumentação expendida na deliberação do Conselho Permanente do CSM.

- A A., embora a respeite, discorda da apreciação feita pela deliberação impugnada, porquanto considera (i) que se verifica o vício de violação de lei, por desrespeito da norma do artigo 6º, nº 1, do Regulamento das Inspecções Judiciais (RIJ), (ii) para além do vício de falta de fundamentação, (iii) e erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais.

1)     Do vício de violação de lei, por desrespeito da norma do artigo 6º, nº 1, do RIJ

- Estabelece o artigo 6º, nº 1, do RIJ, que “[p]ara efeitos de classificação, devem os inspectores apreciar todo o serviço anterior prestado nos tribunais onde os juízes tenham exercido funções e que ainda não tenha sido apreciado para tal finalidade”.

- Esta norma representa, assim, no que às inspeções judiciais concerne, a consagração do princípio ne bis in idem e que encontra paralelo no nº 5 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa (CRP), quando aí é preceituado que “[n]inguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.

- Ou seja, e conforme se aclara em douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13.04.2011, proc. nº 250/06.6PCLRS.L1-3, disponível em www.dgsi.pt:

“Transcendendo a sua dimensão processual, a proibição do duplo julgamento pelos mesmos factos faz que o conjunto das garantias básicas que rodeiam a pessoa ao longo do processo (…) se complemente com o princípio ne bis in idem ou non bis in idem, segundo o qual o Estado não pode submeter a um processo um acusado duas vezes pelo mesmo facto, seja em forma simultânea ou sucessiva.

Esta garantia visa limitar o poder de perseguição e de julgamento, autolimitando-se o Estado e proibindo-se o legislador e demais poderes estaduais à perseguição (…) múltipla e, consequentemente, que exista um julgamento plural”.

- De resto, o referido principio, apesar de ter na sua génese a aplicabilidade ao processo penal, “é aplicável a todos os procedimentos de natureza sancionatória” (cf. douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.10.2009, proc. nº 0723/09, disponível em www.dgsi.pt),

- E, de facto, o processo de inspecção judicial assume natureza sancionatória, uma vez que determina o mérito do trabalho do juiz sob inspecção conforme se verifiquem ou não factores menos positivos ou até negativos em cada uma dos critérios de avaliação instituídos no artigo 13º do RIJ [exemplo dessa natureza sancionatória é, aliás, o facto do CSM, em caso de atribuição classificação de “Medíocre”, dever instaurar processo de inquérito com vista a determinar inaptidão do juiz para o serviço – cf. artigo 16º, nº 6, do RIJ – ou do CSM poder ter em consideração eventuais condenações em processos disciplinares para determinar a classificação a atribuir – cf. artigo 19º, nº 1, alínea a), do RIJ].

- Assim, e não subsistindo dúvidas que o referido princípio tem incidência no processo de inspecção judicial (como, aliás, parece evidente pela norma do artigo 6º, nº 1, do RIJ), pensa-se que o mesmo foi desrespeitado pela douta deliberação impugnada.

- Na verdade, numa tentativa de fundamentar a atribuição da classificação de “Bom” à A., o R. acaba por alicerçar a sua sustentação em factualidade que foi valorada em anterior inspecção ao serviço da A., nomeadamente quando refere na douta deliberação impugnada que:

«2.2.3. Consideradas as condições em que decorreu o exercício da Reclamante, temos de convir que o facto de a mesma ter dado resposta atempada à totalidade do serviço, com o nível qualitativo que lhe foi reconhecido, acaba por não ser bastante para demonstrar a sedimentação do mérito nos termos que são pressupostos para a atribuição da classificação de Bom com Distinção.

E esta convicção, tributária da deliberação reclamada, ainda mais se acentua se considerarmos que a Reclamante, no início do período sobre o qual recaiu a inspecção (0.09.2008), tinha apenas um ano de exercício efectivo da função. No termo dele, tinha pouco mais de seis anos, entrecortados por duas baixas médicas, consequências de duas gravidezes de risco, e pelo gozo de duas licenças parentais.

Tudo isto ponderado, é clara a incerteza sobre qual será o desempenho da Reclamante quando confrontada com as circunstâncias de um exercício mais exigente, designadamente em termos de carga processual. Por outras palavras, é ainda incerto se a Reclamante perante um incremento de grau de dificuldade – que muito naturalmente irá surgir no respectivo percurso profissional – conseguirá responder ao serviço com qualidade e a tempestividade que evidenciou no período que aqui está em causa ou se, pelo contrário, irá ceder ao “facilitismo” dos despachos procrastinadores, conforme fez no termo do seu exercício objecto de inspecção anterior, no Tribunal Judicial da Comarca de …, em cujo relatório, homologado por este CSM, foi feita menção a “algum arrastamento dos processos, sobretudo na fase final da sua prestação, com despachos sucessivos que poderiam ter sido proferidos de uma só vez, nomeadamente não agendando a tentativa de conciliação ou audiência preliminar no mesmo despacho em que determina a junção de documento, agendamento de tentativas de conciliação, quando era patente a sua ineficácia ou com uma dilação excessiva e até para uma data posterior ao termo das suas funções embora tivesse disponibilidade de agenda para data anterior, com convites nem sempre necessários ou indispensáveis ao aperfeiçoamento dos articulados e esclarecimento dos factos alegados ou injustificada exigência do original de documentos apresentados por fotocópia e não impugnados”».

- Mesmo que assim não se entendesse, sempre o reparo efectuado em anterior inspecção ao serviço da A. não corresponde à verdade, tendo a mesma exercido o direito de resposta e no qual esclarece designadamente que os agendamentos referentes ao mês de Junho ficaram naturalmente condicionados pelo início do período de férias pessoais em 07.07.2008.

- Aliás, evidência de que a douta deliberação impugnada sustentou a decisão sob escrutínio com base em factualidade que já havia sido apreciada e valorada em sede de anterior inspecção à A. é o facto de aí se concluir que “[a] referência que acabámos de fazer ao relatório da anterior serve-nos de mote para um outro aspecto que importa realçar: a classificação que, aqui e agora, vai ser atribuída não é somente o corolário da prestação levada a cabo no período da presente inspecção. Para ela deve contribuir, em conformidade com as considerações preliminares que fizemos, também a prestação desenvolvida pela Reclamante no período de 1 de Setembro de 2007 a 31 de Agosto de 2008”.

- Cremos, assim, que a decisão ora impugnada, porque assenta em factualidade que já havia sido apreciada e valorada em sede de interior inspecção viola frontalmente o disposto no artigo 6º, nº 1, do RIJ.

- Na verdade, a deliberação impugnada considerou que não seria de atribuir uma outra classificação meritória à A., porquanto com base no que havia sido homologado em anterior relatório inspectivo, elaborado em anterior inspecção, surgem dúvidas se a A. será capaz de manter o exercício meritório que evidenciou na presente inspecção.

- Ora, parece-nos, e salvo o devido respeito, que tal factualidade não poderá ser valorada na presente inspecção sob pena de considerar que o serviço da A. está a ser classificado não com base no serviço ainda não inspeccionado, mas sim com referência expressa a factualidade anterior e não respeitante ao período que agora se encontra sob inspecção.

- Tal actuação representa, pelo menos, quanto a nós, manifesta violação do disposto no artigo 6º, nº 1, do RIJ, enquanto norma de consagração do princípio ne bis in idem  e segundo qual ninguém pode ser sancionado duplamente pelos mesmos factos.    

- E não se diga que este segmento decisório da douta deliberação impugnada encontra suporte na norma do artigo 15º, nº 1, do RIJ, mormente quando aí se estatui que “[n]a classificação dos magistrados judiciais, além do relatório elaborado sobre a inspecção respectiva, são sempre considerados os resultados das inspecções anteriores”.

- Com tal norma não se pretende que seja apreciado e valorado o que consta de relatórios de anteriores inspecções, mas tão-só as classificações que foram atribuídas, o que, aliás, faz todo o sentido, pois esta é uma das formas do R. para perceber qual tem sido a evolução do magistrado cujo exercício de funções está sob a alçada inspectiva.

- Assim, e por tudo o quanto se disse, padece a douta deliberação impugnada de vício de violação de lei, por desrespeito manifesto da norma do artigo 6º, nº 1, do RIJ, enquanto premissa instituidora do princípio ne bis in idem no processo de inspecção judicial, sendo, por isso, ilegal, devendo, em consequência, ser anulada, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de Janeiro.

2)    Do vício de falta de fundamentação, por fundamentação contraditória

- Consagra o nº 3 do artigo 268º da CRP que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

- Em concretização de tal obrigação, o artigo 16º do Regulamento Interno do CSM, publicado em Diário da República, 2ª Série, de 27 de Abril de 1993, estabelece que “[a]s deliberações do Conselho Superior da Magistratura serão fundamentadas nos termos da lei geral”.

- Por outro lado, o artigo 152º, nº 1, alínea a), do CPA, preceitua que “[p]ara além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente: a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções”.

- Por sua vez, o artigo 153º, nº 1, do CPA,  institui que “[a] fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo ato”, sendo que “[e]quivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato” (cf. nº 2 do artigo 153º do CPA).

- Ora, conforme preconiza a doutrina e a jurisprudência, de forma, aliás, pacífica e unânime, um dos pilares base de qualquer decisão administrativa é, pois, a sua fundamentação, porquanto as decisões devidamente fundamentadas surgem como o resultado de um processo lógico de ponderação, dando a conhecer ao interessado o itinerário cognoscitivo e valorativo que levou a Administração a decidir naquele sentido e não em qualquer outro (cf., neste sentido, o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.01.2013, processo nº 01772/07.7BEPRT, disponível em www.dgsi.pt).

- No caso sub judice, e face ao que acabámos de expor, a fundamentação da douta deliberação impugnada revela-se manifestamente contraditória, sobretudo se atendermos que a mesma usou da mesma fundamentação de facto para extrair conclusões antagónicas entre si.

- Isto é, procurou a douta deliberação impugnada fazer crer que da mesma factualidade é possível alcançar duas conclusões não compatíveis entre si, que, e utilizando a expressão usada pelos autores acima referidos, se desdizem, porquanto tal factualidade apenas pode relevar para a obtenção de uma dessas duas conclusões.

Vejamos.

- A douta deliberação impugnada sob o ponto 2.2.3, consigna que:

«Consideradas as condições em que decorreu o exercício da Reclamante, temos de convir que o facto de a mesma ter dado resposta atempada à totalidade do serviço, com o nível qualitativo que lhe foi reconhecido, acaba por não ser bastante para demonstrar a sedimentação do mérito nos termos que são pressupostos para a atribuição de classificação de Bom com Distinção.

E esta convicção, tributária da deliberação reclamada, ainda mais se acentua se considerarmos que a Reclamante, no inicio do período sobre o qual recaiu a inspecção (1.09.2008), tinha apenas um ano de exercício efectivo da função. No termo dele, tinha pouco mais de seis anos, entrecortados por duas baixas médicas, consequências de duas gravidezes de risco, e pelo gozo de duas licenças parentais.

Tudo isto ponderado, é clara a incerteza sobre qual será o desempenho da Reclamante quando confrontada com circunstâncias de exercício mais exigente, designadamente em termo de carga processual. Por outras palavras, é ainda incerto se a Reclamante perante um incremento de grau de dificuldade (…) conseguirá responder ao serviço com qualidade e a tempestividade que evidenciou no período que aqui está em causa ou se, pelo contrário, irá ceder ao “facilitismo” (…) conforme fez no termo do seu exercício objecto de inspecção anterior.

(…)

E essa imagem global é a de uma magistrada judicial dedicada à função e conhecimentos jurídicos dignos de registo, mas que ainda não demonstrou ser capaz de, perante situações de exercício exigentes, que ainda não enfrentou, exponenciar as suas capacidades até um nível de exercício que vá além do que é comum, tornando-a credora da classificação de mérito – e, por isso, diferenciadora, sobretudo para os magistrados judiciais com menos de dez anos de exercício efectivo – de Bom com Distinção – que, como escrevemos, funciona como o “abre-te Sésamo” dos lugares de círculo e equiparados».

- Ou seja, entende a douta deliberação impugnada que face ao pouco exercício efectivo de funções por parte da A. existe dúvidas sobre se a mesma está preparada para maior volume e mais exigente serviço, concluindo, que perante essa dúvida, outra não poder ser a sua classificação que não a atribuição da menção de “Bom”.

- No entanto, em momento ulterior da douta deliberação impugnada, na apreciação de um pedido de realização de inspecção complementar efectuado pela A. e com recurso à mesma factualidade, refere-se que:

«Simplesmente não podemos olvidar que, nos termos regulamentares (art. 21/3 do RIJ), o acto de sobrestar de um processo de avaliação do desempenho pressupõe a existência de motivo fundado, nomeadamente a dúvida sobre a nota a fixar, que possa ser ultrapassado mediante a realização de uma inspecção suplementar. E, no caso, a dúvida não existe: considerando tudo o que antecede, há a clara convicção de que, não obstante todos os encómios que a Reclamante merece, as condições em que decorreu o exercício não permitem concluir por um “desempenho meritório ao longo da respectiva carreira”».

- Em suma, a douta deliberação impugnada, num primeiro momento, considera haver uma dúvida fundada na capacidade da A. em exercer as suas funções num contexto que se define por mais exigente face ao seu curto tempo de exercício efectivo de funções (motivo pelo qual não lhe atribui a classificação de “Bom com Distinção”), mas, num segundo plano, e a propósito da possível realização de uma inspeção complementar ao seu serviço, considera que essa dúvida não existe, pois há uma convicção clara que no período sobre inspecção não resultaram motivos bastantes para a atribuição de tal classificação.

- Salvo o devido respeito, tal conclusão é absolutamente contraditória com a própria fundamentação de facto da douta deliberação impugnada, ficando-se, aliás, sem perceber se a A. está a ser avaliada pelo serviço que prestou ou por aquele que eventualmente pode vir a prestar (o que, em bom rigor, sequer é critério de avaliação).

- Isto é, usa a douta deliberação impugnada da dúvida que paira sobre o pouco tempo de serviço efectivamente tido e inspeccionado para não atribuir a classificação de “Bom com Distinção”, pois até reconhece que a mesma tem um desempenho meritório, para, depois, porque não quis assumir o compromisso de realizar inspecção complementar à A. (que, aliás, se encontra nessa disponibilidade), referir que, afinal essa dúvida não existe, pois as condições em que prestou as suas funções e que foram alvo de inspecção não permitem colher tal desempenho meritório.

- Estas conclusões, de facto, desdizem-se, porquanto ou aquela dúvida existe e então é necessário proceder a uma inspecção complementar (porque reunidos os pressupostos essenciais a tanto, nos termos do disposto no artigo 21º, nº 3, do RIJ) para dissipar a incerteza quanto ao facto de a A. perante um maior tempo de serviço efectivo ter evidenciado o mesmo desempenho meritório, ou não existindo essa dúvida, então, porque expressamente reconhecido quer pela douta deliberação impugnada, quer pelo douto Relatório da Exma. Senhora Inspectora Judicial, há que avaliar a prestação da A. no período sob inspecção como meritória e a isso fazer corresponder a classificação de “Bom com Distinção”.

- Entendimento diferente, pelo menos na opinião da A., conduz a uma fundamentação absolutamente contraditória, não podendo a mesma sustentar a validade do ato ora sob crise.

- Por tudo o quanto vai dito, pensa-se que a douta deliberação padece de vício de falta de fundamentação, por essa mesma fundamentação ser contraditória, sendo, assim, ilegal e como tal anulável, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA.

- Para além dessa contrariedade, pensa-se ainda que a fundamentação da douta deliberação é insuficiente, nomeadamente quando se compara a produtividade da A. com aquela que terá sido a produtividade da “Exma. Senhora Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de …, localidade predominantemente rural, o que leva a um predomínio das acções cíveis declarativas que versam temáticas relacionadas com os direitos reais, sempre complexas e trabalhosas”(cf. nota de rodapé na p. 9 da douta deliberação impugnada).

- Em abono da verdade, um destinatário normal (de acordo com os padrões da experiência), colocado perante a douta deliberação impugnada, para além de não conseguir depreender de que forma e com que peso tal matéria de facto contribui para o sentido decisório, sequer conhece se a mesma teve qualquer influência na determinação da classificação de serviço atribuída.

- Isto porque, e salvo o devido respeito, o R. não se preocupou (ainda que sucintamente) em estabelecer uma conexão lógico-dedutiva entre o que é um “predomínio das acções cíveis” e o que são temáticas relacionadas com os direitos reais, complexas e trabalhosas.

- De resto, o que entende o R. por temáticas complexas e trabalhosas? Quais são as pendências do Tribunal de …? Qual a produtividade em concreto da Senhora Magistrada que aí estava colocada? São tais realidades comparáveis? Em que termos? Com base em que estatísticas?

- Salvo o devido respeito, para além do processo de avaliação sequer admitir como critério de classificação a comparação de exercício dos vários magistrados, sequer a douta deliberação procurou estabelecer pontos mínimos mas objectivos de comparação entre o exercício efectivo da A. e o exercício da referida magistrada.

- Assim, e conforme decidido no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.02.2012, processo nº 824/07.8TBLMG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, assentando tal conclusão quanto à produtividade da A. “[n]um juízo meramente conclusivo ou inconcludente, sem nada dizer sobre a concreta actividade (…), não pode esse juízo ser considerado como fundamentação bastante ou suficiente (cf. art. 205º, nº 1, da CRP e arts. 158º, nº 1, e 653º, nº 2, do CPC)”.

- Sendo certo que, em nosso entendimento, uma vez expurgada a douta deliberação de todas as referências ilegais, indevidas e inclusivamente contraditórias, não subsiste qualquer facto que objectivamente fundamente a douta deliberação impugnada.

- Por isso, é a douta deliberação impugnada ilegal por violação do disposto nos artigos 153º, nºs 1 e 2, do CPA, e 16º do Regulamento Interno do CSM, devendo, em consequência, ser anulada, nos termos do disposto nos artigo 163º, nº 1, do CPA [cf., neste sentido, e a título de exemplo, os doutos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo (TCA) Norte, de 11.01.2013, processo nº 01772/07.7BEPRT, e do TCA Sul, de 11.06.2013, processo nº 06739/13, ambos disponíveis em www.dgsi.pt].

3)     Do erro nos pressupostos de facto e de direito

- Vem a douta deliberação impugnada considerar que a factualidade apurada no presente processo de inspecção quando integrada nos normativos que definem a presente lide apenas permite classificar o serviço prestado pela A., no período compreendido entre 1 de Setembro de 2008 e 18 de Dezembro de 2013, com a nota de “Bom”.

- Contudo, não pode a A. conformar-se com tal sentido decisório já que, face aos normativos aplicáveis ao caso em apreço, sempre seria de concluir pela atribuição da classificação de “Bom com Distinção”, como aliás sucedeu em casos muito idênticos ao seu. Senão vejamos:        

- Nos termos do disposto no artigo 33º do EMJ, os Juízes de Direito são classificados, de acordo com o seu mérito, de Muito Bom, Bom com Distinção, Bom, Suficiente e Medíocre.

- Na classificação deve, de acordo com o disposto no artigo 34º, nº 1, do EMJ, atender-se ao modo como os magistrados judiciais desempenham a função, ao volume, dificuldade e gestão do serviço a seu cargo, à capacidade de simplificação dos actos processuais, condições do trabalho prestado, à sua preparação técnica, categoria intelectual, trabalhos jurídicos publicados e idoneidade cívica.

- O artigo 37º, nº 1, do EMJ, prescreve ainda que “nas classificações são sempre considerados o tempo de serviço, o resultado das inspecções anteriores, os processos disciplinares e quaisquer elementos complementares que constem do respectivo processo individual”.

- Por outro lado, o RIJ, aprovado pela deliberação nº 55/2003 do Conselho Plenário do CSM, publicada em Diário da República, 2ª série, nº 12, de 5 de Janeiro de 2003, no seu artigo 13º, estabelece que:

“1 - A inspecção dos magistrados judiciais incide sobre as suas capacidades humanas para o exercício da profissão, a sua adaptação ao tribunal ou serviço a inspeccionar e a sua preparação técnica.

2 - No tocante à capacidade humana para o exercício da função, a inspecção leva globalmente em linha de conta os seguintes factores, entre outros:

a) Idoneidade cívica;

b) A independência, isenção e dignidade da conduta;

c) Relacionamento com sujeitos e intervenientes processuais, outros magistrados, advogados, outros profissionais forenses, funcionários judiciais e público em geral;

d) Prestígio profissional e pessoal de que goza;

e) Serenidade e reserva com que exerce a função;

f) Capacidade de compreensão das situações concretas em apreço e sentido de justiça, face ao meio sócio-cultural onde a função é exercida;

g) Capacidade e dedicação na formação de magistrados.

3 - A adaptação ao serviço é analisada, entre outros, pelos seguintes factores:

a) Bom senso;

b) Assiduidade, zelo e dedicação; c) Produtividade;

d) Método;

e) Celeridade na decisão;

f) Capacidade de simplificação processual;

g) Direcção do tribunal, das audiências e outras diligências, designadamente quanto à pontualidade e calendarização destas.

4 - Na análise da preparação técnica, a inspecção toma globalmente em linha de conta, entre outros, os seguintes factores:

a) Categoria intelectual;

b) Capacidade de apreensão das situações jurídicas em apreço;

c) Capacidade de convencimento decorrente da qualidade da argumentação utilizada na fundamentação das decisões, com especial realce para a original;

d) Nível jurídico do trabalho inspeccionado, apreciado, essencialmente, pela capacidade de síntese na enunciação e resolução das questões, pela clareza e simplicidade da exposição e do discurso argumentativo, pelo senso prático e jurídico e pela ponderação e conhecimentos revelados nas decisões”.

- Já o artigo 15º do RIJ preceitua que:

“1 - Na classificação dos magistrados judiciais, além do relatório elaborado sobre a inspecção respectiva, são sempre considerados os resultados das inspecções anteriores, bem como inquéritos, sindicâncias ou processos disciplinares, relatórios, informações e quaisquer elementos complementares, referentes ao tempo e lugar a que a inspecção respeita e que estejam na posse do Conselho Superior da Magistratura.

2 - São ponderadas as circunstâncias em que decorreu o exercício de funções, designadamente as condições de trabalho, volume de serviço, particulares dificuldades do exercício de função, grau de experiência na judicatura compaginado com a classificação e complexidade do tribunal, acumulação de comarcas ou juízos, participação como vogal de tribunal colectivo e o exercício de outras funções legalmente previstas ou autorizadas”.

- Por sua vez, o artigo 16, nº 1, alínea b), do RIJ, dispõe que:

“b) A atribuição de Bom com distinção equivale ao reconhecimento de um desempenho meritório ao longo da respectiva carreira”.

- Conforme explanado na douta deliberação do Conselho Permanente do CSM, de 20.05.2008, publicada no Boletim Informativo do CSM, de Janeiro de 2009: “Da conjugação dos conteúdos destes dois níveis de valoração do desempenho funcional de um juiz sobressai a conexão entre a evolução (temporal) na carreira e a qualificação, como meritório, desse desempenho.

- Assim, o nível de mérito subjacente à atribuição das notas de Muito bom e de Bom com distinção supõe a existência, na prestação funcional do juiz, de caracteres que permitam identificar um nível qualitativo elevado do seu trabalho; mas também uma carreira com uma dimensão temporal apta a revelar, com segurança, a permanência e sedimentação temporal desse nível qualificativo”.

- Aqui chegados, cumpre neste momento perceber se a matéria fixada na douta deliberação impugnada, quando aliada aos preceitos supra referidos, permite a atribuição da classificação de “Bom com Distinção” ou somente a classificação de “Bom”.

- Em primeiro lugar, no que concerne à capacidade humana para o exercício da profissão (cf. artigo 13º, nº 2, do RIJ), é ponto assente na douta deliberação impugnada (nomeadamente ao remeter para a fundamentação da deliberação do Conselho Permanente, de 10 de Fevereiro de 2015, que, por sua vez, acatou as reflexões do douto Relatório Final, sem nunca as colocar em crise, a não ser na classificação final a que as mesmas conduzem) que “[a] Senhora Juíza S expressa elevada capacidade humana, inextricável da missão de julgar, idoneidade cívica, independência, isenção, relacionamento directo e cordial com os operadores judiciários”.(cf. p. 23 do douto Relatório Final)

- Significa isto que no que tange a este critério de avaliação do desempenho da A. não há que relevar qualquer crítica, antes pelo contrário é de saudar a sua inegável capacidade e sensibilidade humana para o exercício da função de magistrado judicial.

- Em segundo, no que reporta à “adaptação ao serviço”, resulta da douta deliberação impugnada, e após a análise de todos os subcritérios de avaliação previstos no artigo 13º, nº 3, do RIJ, que:

“O índice de produtividade alcançado não deslumbrando, justifica-se pela ausência prolongada ao serviço no quadro temporal em análise, o confortável número de processos a cargo de cada juiz na comarca, e o referido acerca das vicissitudes negativas dos serviços de secretaria, actualmente em franca recuperação.

O certo é que, a Senhora Juiz tramitou e decidiu todos os processos afectos, dinamizando a movimentação dos mesmos e subsequente decisão, revelando segurança e prontidão nas suas decisões. Destaco que a Senhora Juiz Susana deu andamento rápido decisão pronta no conjunto de processos cíveis redistribuídos a quando da saída da Senhora Juiz Auxiliar, e que mostravam severos atrasos. De igual modo, decidiu com prontidão os processos detectados sem movimento aquando da inspecção.  

Mantém-se actuante na objectivação de resultados acrescidos, atenta no acompanhamento e gestão dos serviços da secção, usando com destreza as ferramentas informáticas para tal desiderato.

A Senhora Juiz enfrenta com acutilância as questões a decidir, manifesta determinação e táctica na direcção do processado e preconiza adequada resolução do conflito de cada caso concreto.

Tal atributo estende-se pelos diversos segmentos das jurisdições, sendo certo que, manuseou com à vontade o processado usando de boas práticas na gestão dos autos, demonstrando, consistência na apreensão dos institutos jurídicos e decidindo com eficácia e sem atrasos a mencionar.

É actuante e ponderada na medida da intervenção do Tribunal.

É assídua, pontual e levou a cabo todos os julgamentos e diligências agendadas, sem protelamentos injustificados ou desconsideração pela confiança que os utentes esperam da acção da justiça. Dirige as audiências de julgamento sob as regras da urbanidade, da disciplina e serenidade.

Produtividade / Método / Celeridade / Assiduidade, zelo e dedicação / Capacidade de simplificação processual / Pontualidade e capacidade de direcção das audiências e diligências.

(cf. p. 17 do douto Relatório final)

- Ou seja, não obstante se afirmar que os níveis de produtividade não deslumbram (o que apesar de tudo se encontra justificado, como a Exma. Inspectora Judicial faz expressa menção, pelas ausências justificadas no exercício de funções e bem assim pelo mau funcionamento da secretaria) no que toca à qualidade técnica do seu trabalho, certo é que não deixou de se concluir que “[m]anifestou apego marcante à prontidão da decisão e deu sequência célere a todos os processos, não procrastinando a resposta da justiça, antevendo-se capacitações técnicas e funcionais para enfrentar volume de serviço acrescido e de maior complexidade”, para além de que é “assídua, disciplinada e disciplinadora na gestão e direcção dos que com ela trabalham, na assunção vincada da função do Juiz como titular de órgão de soberania” (cf. p. 23 da douto Relatório Final).

- Por fim, e no que tange ao critério da “preparação técnica”, é referido na douta deliberação impugnada, e mais uma vez após apreciação de todos os subcritérios fixados no artigo 13º, nº 4, do RIJ, que:

“Em pormenor, a jurisdição cível

Tramita o processado com cuidado, apreciando da oportunidade e suficiência da alegação factual dos articulados /requerimentos, e decide de mérito se for o caso.

Processou com prontidão e regularidade os processos urgentes.

Decide cabalmente os incidentes de intervenção de terceiro  e outros, cuja maioria não inclui oposição,  e no saneamento revela acerto, em geral.

Em matéria de recebimento de recursos aplica regularmente a lei processual. Na condensação da matéria de facto, organiza-os, tendencialmente, por ordem lógica e cronológica, e por norma, e bem, dispensou-os nas acções/oposições sumárias dada a sua simplicidade factual.

É detalhada nos despachos de acompanhamento da fase da instrução da causa.

De igual modo, é correcto o tratamento que imprime na homologação de transacção, ou, desistência de pedido ou instância, contextualizadas na lei adjectiva, adequada em matéria de tributação e de imputação das custas. É atenta no âmbito da aplicação do instituto da litigância de má-fé.

Na fase de julgamento, e no tocante à fundamentação dos factos provados e não provados, é laboriosa na explicitação do processo da sua convicção.

É cumpridora dos prazos de decisões de pouca complexidade jurídica, nos despachos de expediente, nos processos urgentes, e similarmente, as decisões de fundo, e as sentenças não apresentam retardamentos. Nos procedimentos cautelares dita, por regra, a decisão de facto e direito no dia da audiência de julgamento.

Nas execuções tramita com regularidade todas as fases processuais, incluindo os apensos de graduação de créditos e embargos de terceiro e de executado, e de oposição.

Revela empenhamento nos processos especiais, como as – insolvências nos seus diversos apensos, e expropriações, e as suas decisões reflectem conhecimento das matérias em questão, apreendendo, as sucessivas alterações legislativas.

Os inventários apresentam-se regularmente tramitados, e decidiu adequadamente o direito sucessório e matrimonial.

A estrutura das suas sentenças finais cumpre a sistematização legal. Os relatórios não são extensos, o alinhamento da matéria do facto provada é coerente, desenvolvendo-se pela devida ordenação lógica e cronológica do caso concreto.

No aspecto da fundamentação jurídica manuseia com acerto os institutos jurídicos, mostrando, como se disse, conhecimento sedimentado do ordenamento jurídico e das correntes jurisprudenciais actualizadas, que transparecem em diversas áreas temáticas.

No capítulo da aplicação do direito de menores e família é conseguida na sua intervenção, obtendo inúmeros acordos que homologa com a inserção de todos os elementos importantes, ou na sua impossibilidade, estabelece, por regra, regime provisório, acautelando o interesse dos menores.

As suas decisões manifestam bom senso e suportam-se nos relatórios técnicos juntos pelas entidades competentes, e demonstram inequívoca protecção do interesse dos menores.  No tocante à regulação das relações parentais e dos inúmeros incidentes de incumprimento e alteração que se registam nos Tribunais, decidiu sempre em tempo, e com cuidado, designadamente, na avaliação da vinculação subsidiária do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores, que amiúde abarca situações de mera incúria e negligência dos progenitores no cumprimento do especializado.

Já no domínio do direito matrimonial, revela -se igualmente expedita, e conhecedora dos institutos jurídicos convocados em norma para a ruptura da relação conjugal na tramitação dos divórcios, observando todos os itens necessários.

No tocante à jurisdição criminal

Na área criminal gere com à vontade a lei adjectiva, recebendo a acusação e logo designando data para a audiência de julgamento, não recebendo a acusação em situação de evidente ausência de indícios ou verificação de outras irregularidades. 

É correcto o tratamento do estatuto processual do arguido e do assistente, revelando respeito pelos princípios da razoabilidade, adequação e necessidade, não descurando a tutela e hierarquização dos valores em presença.

Homologa a desistência de queixa com observância do formalismo legal, nomeadamente, após o cumprimento do disposto no artº51, nº3 do CPP.

Aplica as medidas de coacção com estrita observância dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. Decidiu com regularidade e celeridade as questões incidentais suscitadas no decurso  das audiências, à luz do disposto no artº338 do Código de Processo Penal, sendo zelosa na apreciação dos requerimentos de prova.

As sentenças estão bem sistematizadas, e a motivação da sua convicção é compreensível através da sucessão dos factos provados e dos não provados, e após, a respectiva motivação. Na motivação jurídica é completa na dissecação dos elementos típicos do crime. 

Procede a uma avaliação equilibrada dos diversos valores penais juridicamente protegidos em cada caso, na explicação da escolha da pena e medida, e na fixação do valor da indemnização, em caso de demanda conjunta cível.  As penas cominadas são em regra criteriosas e equilibradas na sua graduação. Lança mão, creio, com oportunidade, da atenuação especial da pena e do regime de prova, quanto aos jovens delinquentes, e a suspensão da execução da pena, com frequência, fá-la depender do cumprimento de obrigação acessória, tendente à ressocialização do agente, e em vista a minorar os danos causados com a sua conduta ao ofendido e à sociedade.

É atenta e pormenorizada no tratamento das condições sociais, familiares e económicas do arguido e dos ofendidos. Ao terminar as sentenças pronuncia-se acerca do destino dos objectos apreendidos e lança as instruções aptas à execução da pena e gestão próxima do processo.

Os trabalhos anexos, peças processuais produzidas no decurso da sua actividade, corroboram as considerações de mérito técnico abordadas”.

(cf. pp. 18 a 22 do douto Relatório Final).

- Resulta, assim, desta análise que a preparação técnica da A. é muito positiva, já que “[e]xprime muito bom senso prático e jurídico, a par de uma real capacidade de aferição do complexo dos factores presentes nos diferentes processos, preconizando soluções ponderadas e justas, e em regra, fazendo correcta aplicação do direito”.

- De resto, a própria deliberação impugnada expressamente reconhece que “[d]esde logo se afigura inequívoco – e não foi colocado em causa na deliberação reclamada – que o serviço prestado pela Reclamante denota, em termos de preparação técnica, um nível compatível com a classificação de mérito que é pretendida, [pois] os reparos que lhe foram feitos, com o intuito estritamente pedagógico, para além de serem escassos, não assume especial relevo no contexto global do serviço” (cf. p. 6 da douta deliberação impugnada).

- Aliás, aí se acrescenta ainda que “[a]figura-se também inequívoco que a Reclamante conseguiu dar resposta ao serviço, sendo pouco significativas as situações em que ultrapassou os prazos ordenadores definidos na legislação processual aplicável” (cf. p. 9 da douta deliberação impugnada).

- Ora, se é certo que a douta deliberação impugnada não deixa de dar como assentes alguns reparos à adaptação ao serviço por parte da A. (se bem que com base em matéria que já tinha sido inspeccionada), parece-nos, contudo, e salvo melhor opinião, que tais reparos ou sugestões não são suficientes para deixarmos de afirmar que estamos perante uma prestação meritória por parte da A., como bem se reconhece na douta deliberação impugnada, até porque esses reparos sempre colocam dúvidas não quanto ao serviço prestado, mas antes àquele que a A. pode vir a prestar (o que, reitera-se, sequer constitui, nos termos do RIJ, critério de avaliação).

- Ora, conforme já referimos, a classificação do serviço da A. há-de assentar não na análise individual de cada um dos critérios de avaliação instituídos no artigo 13º do RIJ, mas outrossim na imagem global do seu desempenho como resultado da soma das avaliações individuais apuradas.

- Isto posto, podemos afirmar que, no caso sub judice, a prestação funcional da A. não pode deixar de ser considerada global e amplamente meritória, porquanto da análise individual de cada um dos critérios de avaliação estabelecidos no artigo 13º do RIJ sempre resulta uma actuação positiva ou muito positiva, sendo que somente quanto à adaptação ao Tribunal ou ao serviço, nomeadamente ao nível da produtividade, a A. mereceu reparos/ sugestões.

- No entanto, e conforme já amplamente exposto, esses reparos encontram-se justificados pela ausência prolongada ao serviço e bem assim pelas vicissitudes negativas da secretaria.

- Assim, nos 2 anos e 9 meses de serviço efectivo e que estiveram sob a alçada inspectiva, o serviço da A. foi efectivamente reconhecido de meritório, revelando mesmo capacidades técnicas e funcionais acima da média.

- É certo que, conforme se preconiza na douta deliberação do Conselho Plenário do CSM, de 31 de Maio de 2011, publicada no Boletim Informativo do CSM de Outubro de 2011, “a prestação global não está isenta de algumas práticas menos conseguidas, ou de algumas incorrecções. Porém, será impossível, sobretudo num Juízo de elevada pendência, exigir a ausência de erros para se atribuir a notação máxima. Aliás, o CSM conhece, por dever de ofício, as condições difíceis e adversas em que os Juízes exercem, no dia-a-dia, a sua função. Lapsos e falhas não há decerto ninguém – até porventura os Juízes mais excepcionais – que os não cometa; aliás, pode mesmo dizer-se que é quem mais trabalha, quem mais produz, que mais azo dá a que lhe sejam encontrados lapsos e falhas”.

- Por isso, e acompanhando o entendimento vertido na douta deliberação supra referenciada, no caso em apreço, “[e]entendemos (…) que as situações menos positivas detectadas não afastam a consideração global de que, durante o período considerado, a prestação [da A.] foi, espelhando a sua carreira, elevadamente meritória, decidindo bem e atempadamente os processos a seu cargo, revelando sólidos conhecimentos jurídicos e sensatez, utilizando uma retórica argumentativa que, mesmo quando simplificada, é, [em regra], eficaz no convencimento dos destinatários da decisão e demais cidadãos, revelando capacidades humanas dignas de louvor e uma dedicação invulgar ao trabalho”.

- Com efeito, considerando, por um lado, a sua carreira e a sua prestação francamente positiva durante o período ora sob inspecção (sendo que só esse pode ser valorado, nos termos do disposto no artigo 6º, nº 1, do RIJ), e por outro, a dimensão normativa dos preceitos aplicáveis ao presente caso, a classificação de serviço que melhor se ajusta ao desempenho global da A. é a de “Bom com Distinção”.

- Acresce que a considerar-se que o tempo de serviço efectivo prestado (enquanto um dos subcritérios a avaliar) pela A. pode levantar dúvidas quanto à atribuição dessa classificação de mérito (o que apesar de tudo não se concede), sempre será bom de ver, e ao contrário do que é sufragado pela douta deliberação impugnada, que o caso impõe a realização de inspecção complementar, nos termos do disposto no artigo 21º, nº 3, do RIJ).  

- Ao não entender assim, enferma a douta deliberação impugnada de manifesto erro na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais, sendo, por isso, ilegal, devendo, consequentemente, ser anulada, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA. Termos em que deve a presente acção ser julgada procedente e, em consequência, declarar-se anulada a douta deliberação impugnada, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA e de acordo com os seguintes fundamentos:

- verificação do vício de violação de lei;

- verificação do vício de falta de fundamentação; e

- erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais;

Na resposta o Recorrido CSM, alinhou em síntese as seguintes considerações:

- A argumentação da Recorrente assenta na premissa de que o processo de avaliação reveste uma natureza sancionatória, sendo-lhe, por isso, aplicável o princípio ne bis in idem consagrado no art. 29/5 da Constituição da República.    Para sustentar essa premissa – que, adiantamos já, é de rejeitar em absoluto –, a Recorrente aduz um único argumento: o de que o processo de avaliação, de que a inspecção é um instrumento, determina o mérito do trabalho do juiz conforme se verifiquem ou não factores menos positivos ou até negativos.

- E aduz, em arrimo, que corolário disso é o facto de a atribuição de uma classificação de medíocre conduzir à instauração de um processo de inquérito com vista a determinar a inaptidão do juiz para o serviço, para além da possibilidade de o CSM tomar em conta, na classificação a atribuir, o resultado de eventuais procedimentos disciplinares.

- Salvo o devido respeito, que é muito, esta argumentação é bizarra e não faz qualquer sentido.

- Com efeito, o processo de avaliação não visa a atribuição de uma sanção, necessariamente fundada na prática de um ato ilícito, mas de uma classificação.

- E essa classificação pode ir desde o medíocre até ao Muito Bom, passando pelo suficiente, bom e bom com distinção, tudo dependendo da qualidade global do serviço prestado.

- Apenas a classificação de medíocre tem um significado negativo, na medida em que equivale ao reconhecimento de que o juiz teve um desempenho funcional aquém do satisfatório.

- Todas as restantes classificações têm significado positivo.

- Mesmo a de medíocre não importa a aplicação de qualquer sanção.

- É certo que, nos termos do art. 34/2 do EMJ implica a suspensão do exercício de funções do magistrado e a instauração de inquérito por inaptidão para esse exercício.

- Sucede que a suspensão do exercício de funções é uma medida preventiva, e não uma sanção, que se justifica pela presunção iuris tantum que a atribuição da classificação comporta de inaptidão para o exercício do cargo.

- E tanto assim é que a possível consequência da inaptidão – a aposentação compulsiva – não opera automaticamente.

- Segue-se um inquérito, devidamente participado, destinado a formular um juízo no sentido de confirmar ou infirmar a presunção de inaptidão.

- Se a presunção for confirmada, o magistrado judicial deve ser aposentado compulsivamente.

- Se a presunção for infirmada, cessa a suspensão e o magistrado judicial retoma o exercício de funções.

- E a referida aposentação – que não resulta do processo de avaliação, mas do processo de inquérito – não reveste, em bom rigor, a natureza de uma sanção, pois não é a decorrência de um qualquer ilícito, designadamente de natureza disciplinar, mas de uma insuficiência profissional.

- Por outro lado, se é certo que no processo de avaliação devem ser consideradas as eventuais sanções disciplinares aplicadas ao magistrado judicial, não o é menos que tal se justifica precisamente por este ser um elemento importante para aferir do nível do desempenho, designadamente no que ao prestígio profissional concerne.

- Aliás, esse poder funcional que o CSM tem de atender, nos processos de avaliação, ao registo disciplinar dos magistrados judiciais ainda mais vinca que o processo de avaliação não reveste natureza sancionatória, pois caso contrário estar-se-ia, de facto, a valorar duas vezes o mesmo facto sempre com o objectivo de punir a sua prática.

- Sem prejuízo, sempre acrescentamos que na deliberação recorrida não foi feita qualquer valoração do serviço prestado pela Recorrente no período anterior ao que foi objecto da inspecção.

- O que se considerou foi o resultado da valoração adrede feita, na sua sede própria, apenas para compor todo o percurso profissional da Recorrente.

- E procedeu-se assim com arrimo nas disposições legais e regulamentares relativas à avaliação do desempenho dos magistrados judiciais, das quais decorre que os períodos sobre que recai uma inspecção não podem ser atomizados da restante carreira do magistrado judicial para efeitos de classificação, como se entre eles e tudo aquilo que os antecedeu existisse uma solução de continuidade.

- É que, estando em causa uma avaliação da carreira, a inspecção deve ser integrada no contexto mais vasto que é dado por todo o percurso do magistrado judicial.

- A suportar este entendimento está o disposto no art. 16/1, a) e b), do RI que faz depender a atribuição das classificações mais elevadas – Muito Bom e Bom com Distinção – aos magistrados judiciais que tenham revelado o mérito ou o elevado mérito ao longo das respectivas carreiras.

- Está também o disposto no art. 15 do mesmo diploma, que manda considerar, na avaliação, o resultado das avaliações anteriores, sendo que por resultado não pode entender-se apenas a classificação atribuída, por demasiado redutor, mas tudo aquilo que foi apurado.

- E fácil é perceber porquê: atenta a plasticidade das várias classificações, cada uma delas acaba, necessariamente, por ser aplicável a prestações funcionais qualitativamente distintas.

- A forma de distinguir tais prestações, designadamente por ocasião dos concursos de graduação para o acesso aos tribunais da Relação, consiste em considerar o teor dos relatórios que, uma vez homologados pelo CSM, se transmutam em deliberação.

- E daqui partimos para uma outra consideração, no sentido de refutar o alegado no art. 15.º e no documento que o suporta: em primeiro lugar para dizer que não se percebe como o início de férias em Julho pode condicionar os agendamentos do mês anteriores, em que o magistrado judicial está, em pleno, ao serviço; em segundo lugar para lembrar que no relatório da inspecção anterior não foi apontado apenas o    (sub)agendamento em Junho, mas também o recurso a práticas dilatórias, como a pulverização por vários despachos sucessivos do que podia ser tratado uno acto, convites dispensáveis ao aperfeiçoamento de articulados e designação de tentativas de conciliação de eficácia duvidosa.

- Perante o que antecede, temos forçosamente de concluir que não está verificado o primeiro vício que a Recorrente imputou à deliberação recorrida.

-Sufragamos as considerações teóricas que a Recorrente faz a propósito da fundamentação dos actos administrativos.

- Já no que tange à suposta contradição na fundamentação, refutamos terminantemente o alegado pela Recorrente, que mais não faz que descontextualizar segmentos da deliberação recorrida conferindo-lhes, seguramente por erro de interpretação, um sentido que não têm.

- Assim, pretende a Recorrente que a afirmação de que o seu curto desempenho funcional não é ainda suficiente para poder concluir-se pela sedimentação do mérito – aspeto que a mesma admite essencial para a atribuição da classificação de Bom com Distinção quando, no art. 63.º, cita a Deliberação do Permanente do CSM de 20.05.2008 –, sendo incerto qual será o seu desempenho futuro, é contraditada pela afirmação de que não há dúvida sobre a classificação a atribuir.

- Esquece, todavia, que as duas afirmações referem-se a dúvidas distintas: na 1.ª está em causa a dúvida sobre qual será o desempenho futuro da Recorrente, a qual decorre da circunstância de a mesma, no decurso da respectiva carreira, cujo exercício é ainda muito curto e foi entrecortado por duas gravidezes e subsequentes licenças parentais, se ter deparado sempre com situações pouco exigentes de serviço; na segunda está em causa a dúvida sobre a valoração a fazer do serviço objecto da inspecção, que no caso não existe.

- Sendo as duas dúvidas distintas – a existência da primeira é, de resto, uma das causas da inexistência da segunda – , é manifesto que a fundamentação não enferma de qualquer contradição.

- No seu ataque microscópio à deliberação recorrida, a Recorrente afirma, depois, que a fundamentação é insuficiente na parte em que compara a produtividade da Recorrente com a que foi verificada na avaliação que recaiu sobre o desempenho de uma sua colega no extinto Tribunal Judicial da Comarca de Celorico de Basto.

- Acontece que está em causa um elemento meramente acessório, tanto assim que foi incorporado numa mera nota de rodapé, aspecto que o exclui da fundamentação.

- De resto, a fundamentação subsiste perfeitamente sem tal elemento e permite que a Recorrente compreenda – como compreendeu – com clareza a razão pela qual lhe foi atribuída a classificação de Bom – e não, como pretendia, a de Bom com Distinção.

- Esta questão não justifica, portanto, que se perca mais tempo e despendam mais argumentos com ela.

- Tanto assim que o contexto em que surge a dita nota de rodapé – o da produtividade da Recorrente e da sua qualificação como não deslumbrante – não suscita qualquer dissenso.

- Perante tudo o que antecede, há que afirmar que a deliberação recorrida não enferma do vício de falta de fundamentação.

- A Recorrente mais não pretende que substituir o critério do CSM pelo seu próprio critério, reiterando o que já havia dito a propósito da deliberação do Permanente, sem explicar onde reside o erro e, muito menos, porque é que ele é manifesto.

- Não afirma sequer a violação de qualquer princípio legal (v.g., igualdade, imparcialidade, proporcionalidade e justiça).

- É certo que refere, no art. 56, que a classificação de Bom com Distinção foi atribuída em “casos muito idênticos ao seu”

- Contudo, não concretiza essa afirmação, com a identificação dos casos e com a descrição das circunstâncias que os envolveram e que seriam necessárias para se concluir que neles estavam em causa desempenhos funcionais idênticos ao que desenvolveu no período sobre o qual recaiu a avaliação.

- Ademais, parte de uma premissa errada, que inquina todo o seu raciocínio subsequente: a de considerar que a classificação de Bom tem um significado negativo, o que é absolutamente incorrecto.

- Com efeito, como decorre do art. 16/1, c), do Regulamento das Inspecções Judiciais, “a classificação de Bom equivale ao reconhecimento de que o juiz revelou possuir qualidades a merecerem realce para o exercício daquele cargo nas condições em que desenvolveu a actividade.”

- Não deve, por isso, ser entendida como uma censura e, muito menos, como uma sanção…

- Compreendemos que os magistrados judiciais pretendam alcançar as classificações mais elevadas.

- Contudo, tal não deve acontecer de uma forma artificiosa nem precipitada, sob pena de desvirtuamento do sentido de cada uma das classificações possíveis, com o consequente esgotamento do modelo vigente.        

- A classificação da Bom com Distinção, cuja atribuição corresponde, no fundo, ao objectivo pretendido pela Recorrente, apenas pode ser atribuída quando o mérito tenha sido evidenciado “ao longo da respectiva carreira”.

- Como a própria Recorrente admite, tal pressupõe uma sedimentação do mérito em termos que permitam que o CSM, em juízo de prognose, considere que ele será mantido – e até incrementado – no futuro.

- Um exercício que, em termos efectivos, não foi superior a dois anos e nove meses e que decorreu em circunstâncias pouco exigentes não permite esse juízo.

- Daí que se reitere aqui tudo quanto se afirmou na deliberação recorrida.

- Tudo o que antecede permite-nos afirmar que não foi violado qualquer princípio legal – a Recorrente não o afirma –, o que é condição para que o STJ possa intervir nesta matéria, integrada na discricionariedade técnica do CSM.

- Assim sendo, posto que a deliberação recorrida não apresenta erros – e, mais concretamente, erros manifestos, crassos ou grosseiros – nem seguiu um critério desajustado, não existe qualquer fundamento para que seja anulada.

Nas alegações, a Recorrente pugna pela procedência do recurso, e a entidade Recorrida pela respectiva improcedência, o mesmo acontecendo com o Ministério Público, que conclui pela manutenção da deliberação posta em crise.

II Põem-se como questões a resolver no âmbito do presente recurso, as seguintes: i) se se verifica o vício de violação de lei, por desrespeito da norma do artigo 6º, nº 1, do Regulamento das Inspecções Judiciais (RIJ); ii) se ocorre o vício de falta de fundamentação; iii) e se existe erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais

Mostram-se assentes com interesse para a decisão do presente recurso a seguinte factualidade:

- A Recorrente foi objecto de uma acção inspectiva ordinária ao serviço desempenhado no período que mediou entre 1 de Setembro de 2008 e 18 de Novembro de 2013.

- Do Relatório elaborado pela Exª Sra Inspectora Judicial consta o seguinte:

«(…) I. Nota biográfica e curricular

1. Naturalidade e data de nascimento

Natural de …, onde nasceu em…

2. Faculdade, data da conclusão e notação da licenciatura

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, concluso a Julho de 2000 com a notação da licenciatura de 14 valores.

3. Percurso profissional

Após frequência do 23° Curso Normal de Formação de Magistrados no Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa, com início em Setembro de 2004 a Julho de 2006, foi nomeada Juiz de Direito, em regime de estágio, e colocado no Tribunal da Comarca de …, por deliberação do Conselho Superior da Magistratura de 31.07.2006; por deliberação do Conselho Superior da Magistratura datada de 04.07.2007 foi colocado como Juiz de Direito - auxiliar no Tribunal da Comarca de …., seguidamente, por deliberação daquele mesmo órgão, datada de 16.07.2007, foi colocado como Juiz de Direito - efectivo, para o Tribunal da Comarca de …., por deliberação do Conselho Superior da Magistratura datada de 15.07.2008, foi colocada a aguardar acesso final, na bolsa dos juízes ele Évora, por deliberação do Conselho Superior da Magistratura datada 10.09.2008,  foi afecta como juiz de Direito - auxiliar, para o Tribunal Judicial da Comarca de …, por deliberação do Conselho Superior da Magistratura datada de 14.07.2009, foi colocada como Juiz de Direito - efectivo no tribunal Judicial da Comarca de … - 1º juízo, onde permanece até à presente data.

4. Registo individual

4.1. Classificações de serviço

Foi notada com a classificação de Bom, por deliberação do CSM de 10.03.2009, enquanto Juiz de Direito do Tribunal da Comarca da Comarca de …, no período compreendido entre 01.09.2007 a 31.08.2008.

4.2. Pretérito disciplinar

Não tem menção disciplinar registada.

5. Informações suplementares.

Frequentou as seguintes acções de formação: processo de insolvência e seus incidentes, Coimbra 11.12.09; divórcio e responsabilidade parentais. Coimbra 25.02.2010; regulação do exercício das responsabilidades parentais, Lisboa 14.02.2011; crimes contra a autodeterminação sexual e contra a liberdade sexual, Évora 03.06.2011; O Bullying e novas formas de violência entre jovens, Lisboa 23.3.2012,

II. Apreciação e fundamentação

1. Capacidades humanas

1.1. Idoneidade cívica e dignidade de conduta1.2. Independência, isenção

1.3. Relacionamento intersubjectivo 1.4. Prestígio profissional e pessoal

1.5. Serenidade e reserva no exercício da função. 1.6. Inserção sócio-cultural.

Travei conhecimento com a Senhora Juiz S por ocasião das deslocações à comarca, e, particularmente no ano de 2010, mercê do exercício da presidência administrativa. Posteriormente, ao iniciar o périplo inspectivo e, no final dos trabalhos, em habitual briefing e troca de impressões que uso manter, prosseguindo, eminentemente, finalidades reflexivas, pedagógicas, e de aproximação às particularidades do desempenho.

Nessa oportunidade de contacto e diálogo, de contornos naturalmente breves, registo, contudo. notas incisivas de uma Senhora Juiz de trato muito educado, discurso vivo e espírito crítico e postura institucional irrepreensível.

Trata-se de uma Senhora Juiz que revela entrega comprometida à função, determinada nos objectivos, possuindo qualidades humanas aptas a definir a organização do serviço a seu cargo. Segura e expressa nos resultados alcançados, procurou, todavia, ouvir os outros de forma a optimizar a sua prestação e a eficácia da acção do tribunal.

A Senhora Juiz S vem exercendo o seu munus norteada pelo dever de reserva inerente ao exercício do cargo de soberania.

A audição exemplificativa e aleatória do registo sonoro de algumas das audiências de julgamento presididas pela Senhora Juiz inculcam uma imagem de serenidade e firmeza na direcção dos trabalhos, denotando sobriedade nas suas intervenções, respeito pelas instâncias, e trato educado na convocação de todos os intervenientes.

A observação do seu trabalho e, a intercepção dos testemunhos de diversos operadores judiciários que com ela têm contactado, fazem concluir pela sua total isenção e independência no exercício da Magistratura. Os demais elementos que recolhi junto da Exrna. Representante da Ordem dos Advogados em Alcobaça, Magistrados e Oficiais de Justiça devolveram-me o testemunho do seu correcto e cordial relacionamento, frisando a sua isenção e independência, a par de uma boa e consistente preparação técnica, creditando-lhe, pois, respeitabilidade pessoal e profissional.

De todo em todo, é seguro concluir, que a Senhora Juiz conduziu a sua vida pessoal e profissional com a máxima urbanidade e civismo.

Tanto quanto é possível surpreender este vector através da apreciação do trabalho e dos contactos informais mantidos, parece-me que a Senhora Juiz S está sintonizada com as envolvências primordiais das populações locais, como sejam, a avaliação da condição social e económica dos intervenientes processuais, ou a ponderação no contexto familiar e individual da crise recessiva do último triénio; por outro lado, os demais elementos surpreendem a sua maturidade e compreensão na aferição das fundações axiológicas e culturais da comunidade.

2. Adaptação ao Tribunal ou Serviço

2.1. Tempo do exercício sob apreciação

Aportando ao terminus da anterior inspecção, a planificação do ano de 2013, e o despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM inserto a fls.139, esta avaliação reportará ao seu desempenho no período de 1 de Setembro de 2009 a 13 de Novembro de 2013, enquanto Juiz titular do 1 Juízo de ….

Noto que, face à ausência ao serviço da Senhora Juiz em decorrência de gravidez de risco, seguida de licença de maternidade no decurso de 2008/2009 e até Janeiro de 2010, não existe trabalho produzido no Tribunal de … e por igual circunstância, o exercício no Tribunal de … viria a ser interrompido no ano de 2012.

2.2. Faltas ao serviço.

No espaço temporal em análise, a Senhora Dr.ª S esteve ausente do serviço: no ano de 2008, cento e treze dias; no ano de 2009, duzentos e cinquenta e quatro dias de faltas justificadas; no ano de 2010, noventa dias; no ano de 2011, treze dias; e no ano de 2012 cento e vinte e um dias, excluídas as ausências em período de férias. Todas as faltas foram. devidamente justificadas pelos Exmos. Senhores Presidentes dos Tribunais da Relação de … e de …

2.3. Do serviço

2.3.1. Condições específicas do exercício

a. Tribunal de …

O Tribunal da Comarca de … está qualificado de acesso final art.º 16, nº4 da LOFTJ e integra três juízos com competência genérica. (incluindo instrução criminal) definida no art.º 77 da mesma lei, pertence ao Círculo Judicial de … que engloba as comarcas de Alcobaça, sede, Porto de Mós, e Nazaré.

O quadro regulamentar de três Juízes de comarca, desde há muito se estende, pelo menos, a cinco Juízes, atenta a nomeação sucessiva anual de Juízes auxiliares, e, ou, provenientes da Bolsa Complementar de Juízes; de igual modo, o número de Juízes afectos ao Tribunal de Círculo, que funciona em regime de dupla corregedoria, também ultrapassa o quadro previsto, actualmente por dois Juízes efectivos e um Juiz auxiliar.

 b.     Estado dos serviços no início da função

O funcionamento dos serviços de secretaria, que permanece com o quadro incompleto (falta cerca de um elemento por juízo), acusa um lastro de deficiências pretéritas, nomeadamente no desregramento do tempo de movimentação de processos, dilações reiteradas na prossecução dos autos e atraso na elaboração das contas, cuja recuperação encetada, já assume visibilidade.

Para tal estado de coisas contribuíram, a desactualização técnica dos Oficias de Justiça e a parcimónia das chefias, o desproporcionado número de Juízes em relação ao quadro de secretaria, gerando, amiúde, sobreposição e confusão na execução de procedimentos, arrastando, por conseguinte a eficácia da resposta dos serviços, com o retardamento na movimentação e conclusão dos processos para decisão, adensando drasticamente os denominados tempos mortos da instância.

De outro passo, constata-se que, os Oficiais de Justiça não estão alertados para a utilização das melhores práticas de gestão no cumprimento de decisões, ao que não é alheio a dispersão de trabalho por vários Juízes, alguns com curta permanência na comarca e desprovidos de atitude gestionária, gerando ausência de uniformidade de critérios, factores que, afinal, pressionam negativamente a taxa de resolução processual.

C. Presidência administrativa do tribunal

A Senhora Juiz S foi presidente do tribunal de … no ano de 2010/2011, coincidindo com uma época de especial perturbação no serviço do tribunal, em consequência das vicissitudes relativas à redistribuição dos processos afectos à Senhora Juiz Auxiliar Dra…. e, à assunção de medidas, de especial melindre, perante a omissão de entrega de processos, e as queixas de cidadãos provenientes da situação criada.

Nessa altura, constatei que a Senhora Juiz foi pronta e resoluta na tomada de posição, disciplinadora dos procedimentos menos ortodoxos então constatados pela retenção indevida dos processos por aquela Magistrada, contando com a inércia das Senhoras Escrivãs, mostrando a todo o tempo prestimosa disponibilidade para proceder em conformidade com as orientações propugnadas a propósito pelo CSM, nomeadamente logrando a redistribuição rápida dos processos em situação irregular, e vivamente penhorada à satisfação prioritária do interesse dos utentes e da confiança na justiça.

d. Intervenção em tribunal colectivo

A intervenção em tribunal colectivo, como Juiz adjunta, verifica-se de acordo com a regra da afectação do processo julgado, restringindo-se à jurisdição criminal, dado que a generalizada gravação da prova nos processos cíveis determina o julgamento em singular pelo Senhor Juiz de Círculo.

e. Formação de Auditores/Juízes Estagiários

A Senhora Juiz não exerceu até ao momento tal tarefa.

f. Condições das Instalações

O Tribunal de Comarca de … está instalado em edifício próprio, dispondo de amplas instalações, incluindo duas salas principais de audiências e uma pequena, serviços da Procuradoria, e gabinete individual para os Magistrados. Está equipado com ar condicionado e valências de conforto que o tornam apto à casa da Justiça, preservando a dignidade no exercício da função jurisdicional. Os serviços de inspecção, todavia, há que dizer, funcionam ora na biblioteca, ou num outro exíguo espaço, consoante também este último seja utilizado como o gabinete de Juiz Auxiliar.

De qualquer forma, é dever anotar que, a limitação do número de salas de audiências, presente em outros tribunais equivalentes, dita alguma anemia no retorno dos resultados expectáveis face aos recursos humanos crescentemente alocados, oscilando entre 3 Juízes titulares, 2 a 3 Juízes auxiliares, aditando a sede do Círculo, cujo quadro efectivo e auxiliares chegou a ser de 4 juízes.

g. Eventuais vicissitudes nas cargas da distribuição

A Senhora Juiz S foi nomeada Juiz do lº Juízo do Tribunal de … em 14/7/2009,tendo contudo encetado funções efectivas somente em Janeiro de 2010.

Nessa altura, e até Julho de 2010, em conformidade com o provimento de distribuição de serviço vigente desde 2007, tramitou e julgou os processos do lº Juízo pendentes e entrados das rubricas crime 0,1,2,3,4,5,8, 9. e nas rubricas de jurisdição cível (incluindo família e menores) os processos com os números 0,1, 2, 8 e 9.

As Senhoras Juízas Auxiliares da comarca – 2 - ficavam afectas ao jacente de cada um dos três juízos; esta ecléctica divisão ele serviço tendencialmente igualaria o serviço em cerca ele 3/5 da pendência global por cada Juiz.

A partir de Novembro de 2010, consumou-se alteração do método consensual de distribuição que passou a ser transversal a todas as espécies. A Senhora Juiz S passou então a ficar a cargo dos processos do lº Juízo sob os números 0, 1, 2, 7, 8 e 9, e os restantes, afectos em partes iguais às duas Senhoras Juízas Auxiliares, mantendo-se a carga processual equivalente a 3/5 por cada Juiz.

Aplicando esta ordem de grandeza à pendência global do lº Juízo em Janeiro de 2010 – 2457 - processos, a Senhora Juiz S assumiu o conjunto de cerca de 1474 processos, carga processual de nível médio e compaginável com o tipo de comarca e o seu tempo de exercício.

Sublinho, que desse universo processual, desconsiderando as execuções do regime actual e deprecadas, dada a intervenção residual do Juiz - no total de 1479 unidades processuais - fixa-se em 978 o volume de processos do 1º juízo, distribuído ainda pelas Juízas auxiliares; por outro lado, e conforme mencionei, no primeiro ano de exercício, a Senhora Juiz S esteve afecta substancialmente aos processos de jurisdição criminal, tendencialmente de menor complexidade técnica, mas de mais rápido desenvolvimento até à fase final de julgamento.

Desde então e até Novembro de 2013, verificou-se diminuição acentuada de entradas nas acções declarativas, subiram exponencialmente as insolvências.

No final do período de exercício, tal como os mapas infra representados, mantendo-se a afectação de dois Juízes auxiliares, é patente que o 1º Juízo logrou diminuir a pendência processual, em todas as rubricas, excepto nas execuções de extinção alheia ao Juiz.

Noto que, a rubrica da regulação das relações parentais subiu, à semelhança da maioria dos tribunais, a par da rubrica "outros", que engloba os apensos das execuções e das insolvências, fruto da recessão económica.

Todavia, a taxa de resolução, com a ressalva sobredita, é muito positiva, sendo manifestamente superior o volume de processos terminados aos entrados neste espaço de cerca de 3 anos.

A aditar que a Senhora Juiz no ano de 2012, em sistema de rotatividade com os demais colegas, assegurou o serviço urgente na Comarca da Nazaré por cerca 15 dias, em razão da ausência ao serviço da Senhora Juiz titular por doença. Também, em …, por igual motivo assegurou a realização das diligências e decisões dos processos terminados em 3, que estavam afectos a Juiz auxiliar.

h. Direcção funcional dos Serviços da Secretaria relativamente à gestão Processual A Senhora Juiz S revelou assertividade e dinamismo na condução dos serviços de secretaria, endividando esforços marcantes na optimização dos resultados, empenhada em implementar as melhores práticas de funcionamento, ordenando a conclusão de processos que constatava sem movimento, em conjugação de esforços com a Senhora Escrivã, que vem acolhendo o incremento de tal desiderato.

Observo que, no período de ausência ao serviço da Senhora Juiz Susana em licença de maternidade, em 2012/2013, trabalhou no lº Juízo um Juiz do Quadro Complementar, que além da sua curta experiência profissional não fomentou a melhor organização do serviço, detectando-se desordem nos serviços, designadamente no tocante à omissão de conclusão para decisão, que rapidamente foi atalhada por intervenção da Senhora Juiz Susana, seguindo a sinalização detectada na inspecção, e de pronto proferidas as decisões. 

2.3.2. Índices de produtividade

Configurado o tempo de exercício efectivo de funções da Senhora Juiz na Comarca em cerca de 2 anos e 9 meses, contabilizei o total de 663 decisões/sentenças finais e 34 despachos saneadores com selecção da matéria de facto controvertida.

(…)

2.3.3. Prazos de marcação/ Tempo de prolação

A Senhora Juiz S agendou as audiências de julgamento em prazo razoável não superior a 3 meses, e actualmente menos espaçadas, as audiências preliminares a cerca de 1 mês, e inferior nas diligências/conferências relativas aos processos de família e menores. Na leitura das decisões sobre matéria de facto, e ou sentenças, segui o método comum de dilação de cerca de uma semana, e as sentenças crime estão depositadas na data de leitura.

Não detectei atrasos injustificados nas suas decisões de fundo ou interlocutórias, e aplicando método disciplinado deu andamento e decidiu com prontidão todos os processos conclusos, genericamente avessa a expedientes dilatórios, conquanto reconheça que com outro incremento do serviço de secretaria, poderia certamente alcançar produtividade acrescida, dadas as capacitações observadas. 

Demonstrou pontualidade e cumprimento dos horários designados, acautelando o princípio da continuidade da audiência, seguindo os adiamentos e ou interrupções a medida do estritamente necessário por dever do restante serviço e ou agendas dos Senhores Advogados, de tudo dando notícia em acta.

Apreciação dos dados expostos

O índice de produtividade alcançado não deslumbrando, justifica-se pela ausência prolongada ao serviço no quadro temporal em análise, o confortável número de processos a cargo de cada Juiz na comarca, e o referido acerca das vicissitudes negativas dos serviços de secretaria, actualmente em franca recuperação.

O certo é que, a Senhora Juiz tramitou e decidiu todos os processos afectos, dinamizando a movimentação dos mesmos e subsequente decisão, revelando segurança e prontidão nas suas decisões. Destaco que a Senhora Juiz S deu andamento rápido decisão pronta no conjunto de processos cíveis redistribuídos a quando da saída da Senhora Juiz Auxiliar, e que mostravam severos atrasos. De igual modo, decidiu com prontidão os processos detectados sem movimento aquando da inspecção.

Mantém-se actuante na objectivação de resultados acrescidos, atenta no acompanhamento e gestão dos serviços da secção, usando com destreza as ferramentas informáticas para tal desiderato.

A Senhora Juiz enfrenta com acutilância as questões a decidir, manifesta determinação e táctica na direcção do processado e preconiza adequada resolução do conflito de cada caso concreto.

Tal atributo estende-se pelos diversos segmentos das jurisdições, sendo certo que, manuseou com à vontade o processado usando de boas práticas na gestão dos autos, demonstrando, consistência na apreensão dos institutos jurídicos e decidindo com eficácia e sem atrasos a mencionar.

É actuante e ponderada na medida da intervenção do Tribunal.

É assídua, pontual e levou a cabo todos os julgamentos e diligências agendadas, sem protelamentos injustificados ou desconsideração pela confiança que os utentes esperam da acção da justiça. Dirige as audiências de julgamento sob as regras da urbanidade, da disciplina e serenidade. produtividade / Método / Celeridade / Assiduidade, zelo e dedicação / Capacidade de simplificação processual/Pontualidade e capacidade de direcção das audiências e diligências.

3. Preparação Técnica

3.1. Categoria intelectual

3.2. Capacidade de apreensão das situações jurídicas em apreço

3.3. Nível jurídico do trabalho inspeccionado

Na prossecução da tarefa da avaliação global da actividade funcional da Senhora Juiz S, aquilatando a sua maturidade e competências técnicas, inspeccionei a maioria dos processos em que teve intervenção, os quais se desdobraram em diversas temáticas de direito substantivo e tramitação adjectiva.

Isto para dizer que, percepcionei no seu trabalho uma boa capacidade de apreensão das situações jurídicas, demonstrando bom senso jurídico e prudência nas decisões, pesando não apenas a conformação do facto à lei, mas também, a apreensão da casuística em apreço.

Estrutura as suas peças com clareza do raciocínio e redacção de fácil leitura e manuseia a linguagem jurídica com rigor conceptual.

As suas sentenças pautam-se por um discurso argumentativo claro, são redigidos em português fluente e de bom nível intelectual.

Cita as correntes da doutrina e jurisprudência actuais, evidenciando estudo e compreensão do meio social e económico envolvente.

No plano do exercício e gestão processual a marcha dos autos é bem dirigida e não pugna por actos/solicitações fragmentados, não fazendo uso de expedientes dilatórios, curando da recolha compacta de todos os elementos necessários à obtenção da solução final.

Em pormenor, a jurisdição cível Tramita o processado com cuidado, apreciando da oportunidade e suficiência da alegação factual dos articulados/requerimentos, e decide de mérito se for o caso.

Processou com prontidão e regularidade os processos urgentes.

Decide cabalmente os incidentes de intervenção de terceiro e outros, cuja maioria não inclui oposição, e no saneamento revela acerto, em geral.

Em matéria de recebimento de recursos aplica regularmente a lei processual. Na condensação da matéria de facto, organiza-os, tendencialmente, por ordem lógica e cronológica, e por norma, e bem, dispensou-os nas acções/oposições sumárias dada a sua simplicidade factual.

É detalhada nos despachos de acompanhamento da fase da instrução da causa.

De igual modo, é correcto o tratamento que imprime na homologação de transacção, ou, desistência de pedido ou instância, contextualizadas na lei adjectiva, adequada em matéria de tributação e de imputação das custas. É atenta no âmbito da aplicação do instituto da litigância de má-fé. 

Na fase de julgamento, e no tocante à fundamentação dos factos provados e não provados, é laboriosa na explicitação do processo da sua convicção. É cumpridora dos prazos de decisões de pouca complexidade jurídica, nos despachos de expediente, nos processos urgentes, e similarmente. as decisões de fundo, e as sentenças não apresentam retardamentos. Nos procedimentos cautelares dita, por regra, a decisão de facto e direito no dia da audiência de julgamento.

Nas execuções tramita com regularidade todas as fases processuais, incluindo os apensos de graduação de créditos e embargos de terceiro e de executado, e de oposição.

Revela empenhamento nos processos especiais, como as insolvências nos seus diversos apensos, e expropriações, e as suas decisões reflectem conhecimento das matérias em questão, apreendendo, as sucessivas alterações legislativas.

Os inventários apresentam-se regularmente tramitados, e decidiu adequadamente o direito sucessório e matrimonia1.

A estrutura das suas sentenças finais cumpre a sistematização legal. Os relatórios não são extensos, o alinhamento da matéria do facto provada é coerente, desenvolvendo-se pela devida ordenação lógica e cronológica do caso concreto.

No aspecto da fundamentação jurídica manuseia com acerto os institutos jurídicos, mostrando, como se disse, conhecimento sedimentado do ordenamento jurídico e das correntes jurisprudenciais actualizadas, que transparecem em diversas áreas temáticas.

No capítulo da aplicação do direito de menores e família é conseguida na sua intervenção, obtendo inúmeros acordos que homologa com a inserção de todos os elementos importantes, ou na sua impossibilidade, estabelece, por regra, regime provisório, acautelando o interesse dos menores.

As suas decisões manifestam bom senso e suportam-se nos relatórios técnicos juntos pelas entidades competentes, e demonstram inequívoca protecção do interesse dos menores. No tocante à regulação das relações parentais e dos inúmeros incidentes de incumprimento e alteração que se registam nos Tribunais, decidiu sempre em tempo, e com cuidado, designadamente, na avaliação da vinculação subsidiária do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores, que amiúde abarca situações de mera incúria e negligencia dos progenitores no cumprimento do especializado.

Já no domínio do direito matrimonial, revela -se igualmente expedita, e conhecedora dos institutos jurídicos convocados em norma para a ruptura da relação conjugal na tramitação dos divórcios, observando todos os itens necessários.

No tocante à jurisdição criminal

Na área criminal gere com à vontade a lei adjectiva, recebendo a acusação e logo designando data para a audiência de julgamento, não recebendo a acusação em situação de evidente ausência de indícios ou verificação de outras irregularidades.

É correcto o tratamento do estatuto processual do arguido e do assistente, revelando respeito pelos princípios da razoabilidade, adequação e necessidade, não descurando a tutela e hierarquização dos valores em presença.

Homologa a desistência de queixa com observância do formalismo legal, nomeadamente, após o cumprimento do disposto no art°51, nº3 do CPP.

Aplica as medidas de coacção com estrita observância dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. Decidiu com regularidade e celeridade nas questões incidentais suscitadas no decurso das audiências, à luz do disposto no artº 338 do Código de Processo Penal, sendo zelosa na apreciação dos requerimentos de prova.

As sentenças estão bem sistematizadas, e a motivação da sua convicção é compreensível através da sucessão dos factos provados e dos não provados, e após, a respectiva motivação. Na motivação jurídica é completa na dissecação dos elementos típicos do crime. 

Procede a uma avaliação equilibrada dos diversos valores penais juridicamente protegidos em cada caso, na explicação da escolha da pena e medida, e na fixação do valor da indemnização, em caso de demanda conjunta cível. As penas cominadas são em regra criteriosas e equilibradas na sua graduação. Lança mão, creio, com oportunidade, da atenuação especial da pena e do regime de prova, quanto aos jovens delinquentes, e a suspensão da execução da pena, com frequência, fá-la depender do cumprimento de obrigação acessória, tendente à ressocialização do agente, e em vista a minorar os danos causados com a sua conduta ao ofendido e à sociedade.

É atenta e pormenorizada no tratamento das condições sociais, familiares e económicas do arguido e dos ofendidos. Ao terminar as sentenças pronuncia-se acerca do destino dos objectos apreendidos e lança as instruções aptas à execução da pena e gestão próxima do processo.

Os trabalhos anexos, peças processuais produzidas no decurso da sua actividade, corroboram as considerações de mérito técnico abordadas.

III. Conclusão

1. Em sinopse final

A Senhora Juiz S expressa elevada capacidade humana, inextrincável da missão de julgar, idoneidade cívica, independência, isenção, relacionamento directo e cordial com os operadores judiciários.

Exprime muito bom senso prático e jurídico, a par de uma real capacidade de aferição do complexo dos factores presentes nos diferentes processos, preconizando soluções ponderadas e justas, e em regra, fazendo correcta aplicação do direito.

Manifestou apego marcante à prontidão da decisão e deu sequência célere a todos os processos, não procrastinando a resposta da justiça, antevendo-se capacitações técnicas e funcionais para enfrentar volume de serviço acrescido e de maior complexidade.

É assídua, disciplinada e disciplinadora na gestão e direcção dos que com ela trabalham, na assunção vincada da função do Juiz como titular de órgão de soberania.

2. Tempo de efectivo exercício na magistratura

A Senhora Juiz S completa nesta data o exercício efectivo da judicatura por 6 anos e 10 meses.

3.     Proposta de classificação

Em síntese e conclusão, no período temporal abrangido pela inspecção, coligidos todos os elementos circunstanciais e temporais em que laborou, proponho ao Venerando Conselho Superior da Magistratura, que seja atribuída à Exma. Senhora Juiz Dr.ª S a classificação

de:

BOM COM DISTINÇÃO

Lisboa, 10 de Maio de 2014(…)», cfr fls 201 a 225 do apenso.

- Por deliberação do Conselho Permanente do CSM, de 10 de Fevereiro de 2015, foi atribuída à Recorrente a notação de «BOM», pelo serviço prestado no período compreendido entre 1 de Setembro de 2008 e 18 de Novembro de 2013, cfr fls 248 a 257 do apenso.

- Desta deliberação reclamou a Recorrente para o Plenário do CSM, órgão este que em 5 de Maio de 2015, proferiu a seguinte decisão que constitui o objecto do presente recurso:

«I. A Exma. Sra. Juíza de Direito S reclamou, para o Plenário do Conselho Superior da Magistratura, da deliberação tomada na sessão Permanente do mesmo órgão, do dia 10 de Fevereiro de 2015, que lhe atribuiu a classificação de Bom pelo respectivo desempenho funcional no período compreendido entre 1 de Setembro de 2008 e 18 de Novembro de 2013.

Invocou, em síntese, que:

- No tocante à preparação técnica, as pequenas falhas que foram apontadas ao serviço que prestou não colocam em causa o nível elevadamente meritório do mesmo, conforme foi reconhecido no relatório da Exma. Sra. Inspectora Judicial;

- No tocante à produtividade, não lhe pode ser imputada a menor expressão dos resultados obtidos referida na deliberação reclamada: por um lado, durante parte significativa do período objecto da inspecção esteve ausente do serviço, consequência de duas gravidezes de risco, seguidas do gozo das correspondentes licenças parentais, e, por outro, quando no exercício de funções, decidiu com prontidão todos os processos que lhe foram conclusos e realizou todas as diligências que se impunham;

- Ainda no tocante à produtividade, discorda do entendimento, expresso na deliberação reclamada, segundo o qual a mesma deve ser aferida exclusivamente em função do número de sentenças proferidas em acções cíveis contestadas, processos comuns singulares e despachos saneadores com selecção da matéria de facto, devendo ser considerados também todos os demais actos praticados pelo juiz, como sejam as sentenças homologatórias, as sentenças proferidas em recursos de contra-ordenação ou as decisões de procedimentos cautelares;

- Ao contrário do referido na decisão reclamada, o exercício sob avaliação não foi prestado “num contexto quase sempre muito favorável”, pois que durante ele viu-se por diversas vezes confrontada com a necessidade de assumir maiores cargas de serviço, designadamente quando teve de assegurar a substituição de outros magistrados judiciais;

- No tocante à adaptação ao serviço, os poucos atrasos que lhe foram apontados revestiram reduzida dimensão e encontram justificação na complexidade das questões que estavam colocadas à sua apreciação;

- Por outro lado, os poucos procedimentos incorrectos que lhe foram apontados não merecem a sua aceitação, com excepção dos relacionados com a não indicação das razões pelas quais as sentenças dos processos n.ºs 1689/09 e 2118/09 não foram ditadas para a acta, como impunha a forma processual aplicável, mas proferidas por escrito.

Em conformidade, concluiu que, na procedência da reclamação, deve ser-lhe atribuída a classificação de Bom com Distinção, que havia sido proposta no relatório da Exma. Sra. Inspectora Judicial, ou, “em alternativa, caso persistam dúvidas quanto à manutenção da [sua] sólida prestação profissional (…), compatível com a requerida classificação de mérito, até termo do período de quatro anos de serviço efectivo, (…) se proceda ao complemento da inspecção (…)”

II. Como decorre do que antecede, a presente reclamação tem como objecto a deliberação, tomada pela composição Permanente deste Conselho Superior da Magistratura, que atribuiu à Reclamante a classificação de Bom pelo serviço por ela prestado no período compreendido entre 1 de Setembro de 2008 e 18 de Novembro de 2013.

A apreciação a fazer deve, assim, tomar como referência o regime normativo relativo à avaliação do serviço dos magistrados judiciais e centrar-se na análise dos argumentos apresentados na deliberação recorrida para justificar a atribuição da classificação de Bom, inferior à que havia sido proposta pela Exma. Sra. Inspectora Judicial, por contraponto aos que foram esgrimidos pela Reclamante.

                                      ***

IV. Definido o objecto, há a dizer que a Reclamante não colocou em causa a factualidade vertida na deliberação recorrida, tributária do relatório e da informação final elaborados pela Exma. Sra. Inspectora Judicial, quando despida de juízos ou conceitos valorativos.

Assim sendo, brevitatis causa, vamos limitar-nos a remeter para ela, nos termos que são permitidos pelos arts. 159/6 do EMJ e 153 do Código do Procedimento Administrativo.

                                     ***

V.1. É então chegado o momento de enunciarmos o quadro normativo a considerar.

A este propósito, começamos por notar, citando Pinto Osório (apud Luís Eloy Azevedo, Magistratura Portuguesa - Retrato de uma Mentalidade Colectiva, Lisboa: Cosmos, 2001, p. 62), que não há um “instrumento de precisão para conhecer os méritos, científicos e morais de cada magistrado” nem balança de precisão para pesar os méritos de inteligência e ilustração de cada um dos juízes”, pelo que essa apreciação, empírica e meramente intelectiva, tem necessariamente de enfermar da falibilidade humana, de superficialidade analítica, de subjectivismo valorativo e de insegurança metodológica.

É desta consciência que nasce a necessidade de objectivar minimamente os critérios classificativos, retirando-lhes tanto quanto possível subjectivismo e permitindo controlo externo. A propósito, vide a Deliberação do Plenário deste Conselho Superior da Magistratura de 12 de Setembro de 2006, Boletim Informativo, II série, n.º 7, ps. 156 e ss.

Nos termos do n.º 1 do art. 34 do EMJ, “a classificação deve atender ao modo como os juízes de direito desempenham a função, ao volume, dificuldade e gestão do serviço a seu cargo, à capacidade de simplificação dos actos processuais, às condições de trabalho prestado, à sua preparação técnica, categoria intelectual, exercício de funções enquanto formador dos auditores de justiça, trabalhos jurídicos publicados e idoneidade.”

Dispõe ainda o art. 37/1 que nas classificações há sempre que ponderar o tempo de serviço, o resultado das inspecções anteriores, os processos disciplinares e quaisquer elementos complementares constantes do respectivo processo individual.

O art. 13 do RIJ, exemplo daquilo que Gomes Canotilho ("A questão do autogoverno das magistraturas como questão politicamente incorrecta", Ab Uno ad Omnes - 75 anos da Coimbra Editora, Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 253) chama de “espaços de folga valorativa” para definir directivas relativamente à promoção e inspecção de magistrados, engloba os critérios de avaliação do mérito em três grandes grupos:

- Capacidade humana para o exercício da profissão (art. 13/2), onde se atende à idoneidade cívica, à independência, isenção e dignidade da conduta, ao relacionamento com sujeitos e intervenientes processuais, outros magistrados, advogados, outros profissionais forenses, funcionários judiciais e público em geral; ao prestígio profissional e pessoal de que goza; à serenidade e reserva com que exerce a função; à capacidade de compreensão das situações concretas em apreço e sentido de justiça, face ao meio sociocultural onde a função é exercida; e à capacidade e dedicação na formação de magistrados;

- Adaptação ao tribunal ou ao serviço (art. 13/3), que é analisada em função do bom senso, da assiduidade, zelo e dedicação, da produtividade, do método, da celeridade na decisão, na capacidade de simplificação processual, na direcção do tribunal, das audiências e outras diligências, designadamente quanto à pontualidade e calendarização destas;

- Preparação técnica, onde se tomam globalmente em conta, entre outros, os seguintes factores: Categoria intelectual; Capacidade de apreensão das situações jurídicas em apreço; Capacidade de convencimento decorrente da qualidade da argumentação utilizada na fundamentação das decisões, com especial realce para a original; Nível jurídico do trabalho inspeccionado, apreciado, essencialmente, pela capacidade de síntese na enunciação e resolução das questões, pela clareza e simplicidade da exposição e do discurso argumentativo, pelo senso prático e jurídico e pela ponderação e conhecimentos revelados nas decisões.

Releva ainda o art. 15 do RIJ do qual decorre que, na classificação dos magistrados judiciais, além do relatório elaborado sobre a inspecção respectiva, são sempre considerados os resultados das inspecções anteriores, bem como inquéritos, sindicâncias ou processos disciplinares, relatórios, informações e quaisquer elementos complementares, referentes ao tempo e lugar a que a inspecção respeita e que estejam na posse do Conselho Superior da Magistratura, assim como são ponderadas as circunstâncias em que decorreu o exercício de funções, designadamente as condições de trabalho, volume de serviço, particulares dificuldades do exercício de função, grau de experiência na judicatura compaginado com a classificação e complexidade do tribunal, acumulação de comarcas ou juízos, participação como vogal de tribunal colectivo e o exercício de outras funções legalmente previstas ou autorizadas.

De harmonia com o disposto no artigo 33 do EMJ, os juízes de direito são classificados, de acordo com o seu mérito, de Muito bom, Bom com distinção, Bom, Suficiente e Medíocre.

A classificação de “Bom” equivale ao reconhecimento de que o juiz revelou possuir qualidades a merecerem realce para o exercício do cargo nas condições em que desenvolveu a actividade (art. 16/1, c), do RIJ). É esta a classificação que se presume no caso de falta de classificação não imputável ao magistrado, pelo que a mesma surge como a “classificação-padrão”, em coerência e como decorrência do rigoroso processo de selecção e formação a que os juízes portugueses são submetidos e do período prévio de experimentação controlada por que passam, factores estes que, tendencialmente, afastam os que não atingiram um patamar de qualidade que lhes permita o exercício do cargo com realce.

Por seu turno, a classificação de “Bom com distinção” equivale ao reconhecimento de um desempenho meritório ao longo da respectiva carreira (art. 16/1, b), do RIJ).

Da conjugação dos conteúdos destes dois níveis de valoração do desempenho funcional de um juiz, sobressai a conexão entre a evolução (temporal) na carreira e a qualificação a título de mérito desse desempenho.

Mas essa conexão não é necessária. Se é certo que a atribuição da nota de Bom com distinção pressupõe uma sedimentação temporal da prestação funcional de qualidade elevada, também o é que a simples progressão temporal na carreira não implica, por si só, o alcance do patamar de mérito inerente a tal classificação.

Assim, o nível de mérito subjacente à atribuição da nota Bom com distinção supõe a existência de uma carreira com uma dimensão temporal que revele, com segurança, a permanência de um nível qualitativo elevado do desempenho funcional do juiz mas também, como é óbvio, a presença de caracteres que permitam identificar esse tal nível qualitativo elevado.

Este mérito do desempenho funcional do juiz há-de identificar-se, como decorre das normas supra analisadas, sobre duas dimensões do seu trabalho – ou melhor, sobre a forma como se conjugam essas duas dimensões: a qualidade intrínseca do trabalho realizado e a eficiência do desempenho funcional.

Na primeira dimensão compreende-se a qualidade técnica das decisões e actos judiciais, o rigor e acerto das fundamentações das decisões de facto e de direito, a boa técnica de condução dos processos até ao seu termo. Na segunda, inserem-se os valores inerentes aos resultados quantitativos, à eficiência e produtividade da prestação funcional. Isto, obviamente, num contexto em que se identifiquem níveis adequados de capacidade humana para o exercício da função.

Face ao exposto, melhor se compreende que a classificação de “Bom com distinção” seja requisito para acesso a lugares de círculo ou equiparados (rectius, de secções centrais) e conditio sine qua non para a promoção à 2.ª Instância.

                                           ***

2.1. Analisada a deliberação reclamada, concluímos que a atribuição da classificação de Bom, em detrimento da de Bom com Distinção que havia sido proposta pela Exma. Sra. Inspectora Judicial, decorreu de se ter considerado que o exercício da Reclamante, por ser, em termos efectivos, de apenas dois anos e nove meses e ter decorrido “num contexto quase sempre muito favorável”, pautado por “uma carga de serviço de baixa expressão”, não evidencia ainda um mérito suficientemente consolidado.

Por elucidativas, respigamos aqui as seguintes passagens da deliberação reclamada:

“Apesar do desempenho em análise ser evidentemente meritório em diversas vertentes, apresentou ainda algumas (poucas, é certo) debilidades (que, não se duvida, radicarão na curta experiência que a Exm.ª Sr.ª Juíza possui e que tenderão a desaparecer com o amadurecimento que lhe advirá do contínuo exercício das suas funções, porventura em contextos de maior exigência), as quais, a par das condições favoráveis em que ocorreu o desempenho que se avalia, da falta de expressividade dos resultados alcançados em termos de produtividade e do curto tempo de exercício efectivo avaliado (dois anos e nove meses, sendo certo que, em regra o período mínimo para a avaliação do desempenho de um magistrado judicial são quatro anos, como decorre do art. 36.º, n.º 1, do EMJ e do art. 5.º, n.º 1, do RIJ), não permitem concluir que a prestação em análise coloca a Exm.ª Sr.ª Juíza notoriamente acima do bom desempenho característico da judicatura e também impedem a indiciação segura de que o constatado mérito acrescido se irá manter e consolidar ao longo da sua carreira.

Ao cabo da exaustiva apreciação do desempenho da Exm.ª Sr.ª Juíza, que merece indiscutivelmente o elogio do CSM, a conclusão não poderá ser outra senão a de que, pese embora toda a qualidade revelada e que aqui expressamente se reconhece, não foi bastante para atingir o patamar de mérito pressuposto pela atribuição da notação de Bom com Distinção.

Todavia, mantendo e consolidando o nível qualitativo que evidenciou e melhorando a sua produtividade, de forma a optimizar a relação entre os aspectos quantitativos e qualitativos do seu desempenho e a evitar situações semelhantes àquelas que aqui se anotaram, sem dúvida que a Exm.ª Sr.ª Juíza atingirá, com facilidade, o patamar de mérito que já reclama no próximo procedimento inspectivo.”

                                         ***

2.2.1. Que dizer?

Desde logo que se afigura inequívoco – e não foi colocado em causa na deliberação reclamada – que o serviço prestado pela Reclamante denota, em termos de preparação técnica, um nível compatível com a classificação de mérito que é pretendida. Os reparos que lhe foram feitos, com o intuito estritamente pedagógico, para além de serem escassos, não assumem especial relevo no contexto global do serviço.

Com efeito, nota-se no relatório da inspecção, em termos que merecem inteiro acolhimento, atenta a qualidade profissional de quem os produziu, que a Reclamante tem “boa capacidade de apreensão das situações jurídicas, demonstrando bom senso jurídico e prudência nas decisões, pesando não apenas a conformação do facto à lei, mas também, a apreensão da casuística em apreço.

Estrutura as suas peças com clareza do raciocínio e redacção de fácil leitura e manuseia a linguagem jurídica com rigor conceptual.

As suas sentenças pautam-se por um discurso argumentativo claro, são redigidos em português fluente e de bom nível intelectual.

Cita as correntes da doutrina e jurisprudência actuais, evidenciando estudo e compreensão do meio social e económico envolvente.

No plano do exercício e gestão processual a marcha dos autos é bem dirigida e não pugna por actos/solicitações fragmentados, não fazendo uso de expedientes dilatórios, curando da recolha compacta de todos os elementos necessários à obtenção da solução final.”

Pormenoriza-se depois, quanto à jurisdição cível, que a Reclamante “tramita o processado com cuidado, apreciando da oportunidade e suficiência da alegação factual dos articulados/requerimentos, e decide de mérito se for o caso.

Processou com prontidão e regularidade os processos urgentes.

Decide cabalmente os incidentes de intervenção de terceiro e outros, cuja maioria não inclui oposição, e no saneamento revela acerto, em geral.

Em matéria de recebimento de recursos aplica regularmente a lei processual. Na condensação da matéria de facto, organiza-os, tendencialmente, por ordem lógica e cronológica, e por norma, e bem, dispensou-os nas acções/oposições sumárias dada a sua simplicidade factual.

É detalhada nos despachos de acompanhamento da fase da instrução da causa.

De igual modo, é correcto o tratamento que imprime na homologação de transacção, ou, desistência de pedido ou instância, contextualizadas na lei adjectiva, adequada em matéria de tributação e de imputação das custas. É atenta no âmbito da aplicação do instituto da litigância de má-fé.

Na fase de julgamento, e no tocante à fundamentação dos factos provados e não provados, é laboriosa na explicitação do processo da sua convicção.

É cumpridora dos prazos de decisões de pouca complexidade jurídica, nos despachos de expediente, nos processos urgentes, e similarmente, as decisões de fundo, e as sentenças não apresentam retardamentos. Nos procedimentos cautelares dita, por regra, a decisão de facto e direito no dia da audiência de julgamento.

Nas execuções tramita com regularidade todas as fases processuais, incluindo os apensos de graduação de créditos e embargos de terceiro e de executado, e de oposição.

Revela empenhamento nos processos especiais, como as – insolvências nos seus diversos apensos, e expropriações, e as suas decisões reflectem conhecimento das matérias em questão, apreendendo, as sucessivas alterações legislativas.

Os inventários apresentam-se regularmente tramitados, e decidiu adequadamente o direito sucessório e matrimonial.

A estrutura das suas sentenças finais cumpre a sistematização legal. Os relatórios não são extensos, o alinhamento da matéria do facto provada é coerente, desenvolvendo-se pela devida ordenação lógica e cronológica do caso concreto.

No aspecto da fundamentação jurídica manuseia com acerto os institutos jurídicos, mostrando, como se disse, conhecimento sedimentado do ordenamento jurídico e das correntes jurisprudenciais actualizadas, que transparecem em diversas áreas temáticas.

No capítulo da aplicação do direito de menores e família é conseguida na sua intervenção, obtendo inúmeros acordos que homologa com a inserção de todos os elementos importantes, ou na sua impossibilidade, estabelece, por regra, regime provisório, acautelando o interesse dos menores.

As suas decisões manifestam bom senso e suportam-se nos relatórios técnicos juntos pelas entidades competentes, e demonstram inequívoca protecção do interesse dos menores. No tocante à regulação das relações parentais e dos inúmeros incidentes de incumprimento e alteração que se registam nos Tribunais, decidiu sempre em tempo, e com cuidado, designadamente, na avaliação da vinculação subsidiária do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores, que amiúde abarca situações de mera incúria e negligência dos progenitores no cumprimento do especializado.

Já no domínio do direito matrimonial, revela -se igualmente expedita, e conhecedora dos institutos jurídicos convocados em norma para a ruptura da relação conjugal na tramitação dos divórcios, observando todos os itens necessários.”

Particulariza-se ainda, quanto à jurisdição criminal, que a Reclamante “gere com à vontade a lei adjectiva, recebendo a acusação e logo designando data para a audiência de julgamento, não recebendo a acusação em situação de evidente ausência de indícios ou verificação de outras irregularidades.

É correcto o tratamento do estatuto processual do arguido e do assistente, revelando respeito pelos princípios da razoabilidade, adequação e necessidade, não descurando a tutela e hierarquização dos valores em presença.

Homologa a desistência de queixa com observância do formalismo legal, nomeadamente, após o cumprimento do disposto no artº51, nº3 do CPP.

Aplica as medidas de coacção com estrita observância dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. Decidiu com regularidade e celeridade as questões incidentais suscitadas no decurso das audiências, à luz do disposto no artº338 do Código de Processo Penal, sendo zelosa na apreciação dos requerimentos de prova.

As sentenças estão bem sistematizadas, e a motivação da sua convicção é compreensível através da sucessão dos factos provados e dos não provados, e após, a respectiva motivação. Na motivação jurídica é completa na dissecação dos elementos típicos do crime.

Procede a uma avaliação equilibrada dos diversos valores penais juridicamente protegidos em cada caso, na explicação da escolha da pena e medida, e na fixação do valor da indemnização, em caso de demanda conjunta cível. As penas cominadas são em regra criteriosas e equilibradas na sua graduação. Lança mão, creio, com oportunidade, da atenuação especial da pena e do regime de prova, quanto aos jovens delinquentes, e a suspensão da execução da pena, com frequência, fá-la depender do cumprimento de obrigação acessória, tendente à ressocialização do agente, e em vista a minorar os danos causados com a sua conduta ao ofendido e à sociedade.

É atenta e pormenorizada no tratamento das condições sociais, familiares e económicas do arguido e dos ofendidos. Ao terminar as sentenças pronuncia-se acerca do destino dos objectos apreendidos e lança as instruções aptas à execução da pena e gestão próxima do processo.”

                                       ***

2.2.2. Afigura-se também inequívoco que a Reclamante conseguiu dar resposta ao serviço, sendo pouco significativas as situações em que ultrapassou os prazos ordenadores definidos na legislação processual aplicável para os actos da competência do juiz que se impunha fossem praticados.

Nessa medida, a deliberação reclamada apenas deu relevância a esses atrasos ao considera-los no contexto em que decorreu o exercício – que considerou ter sido, quase sempre, muito favorável, tomando para tanto como apoio os índices de produtividade da Reclamante, que deu resposta a todo o serviço que lhe surgiu. O emprego do advérbio quase revela-nos claramente que na deliberação reclamada houve o cuidado de reconhecer que houve episódios – que disso não passaram – em que a Reclamante se viu confrontada com situações de serviço mais exigentes, como quando teve de assegurar a substituição de colegas.

E, de facto, um total de 663 decisões/sentenças finais, nos dois anos e nove meses de exercício, nas quais se incluem quer as que comportaram um acto de julgamento, quer as que homologaram negócios de auto-composição do litígio, quer ainda as que se limitaram a declarar a extinção da correspondente instância, perfaz uma média mensal de vinte decisões/sentenças finais por mês; Um total de trinta e quatro despachos saneadores com selecção da matéria de facto, nos dois anos e nove meses de exercício, perfaz uma média mensal de um despacho saneador, números que não deslumbram, para utilizarmos a expressão da Exma. Sra. Inspectora Judicial.

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2.2.3. Consideradas as condições em que decorreu o exercício da Reclamante, temos de convir que o facto de a mesma ter dado resposta atempada à totalidade do serviço, com o nível qualitativo que lhe foi reconhecido, acaba por não ser bastante para demonstrar a sedimentação do mérito nos termos que são pressupostos para a atribuição da classificação de Bom com Distinção.

E esta convicção, tributária da deliberação reclamada, ainda mais se acentua se considerarmos que a Reclamante, no início do período sobre o qual recaiu a inspecção (1.09.2008), tinha apenas um ano de exercício efectivo da função. No termo dele, tinha pouco mais de seis anos, entrecortados por duas baixas médicas, consequências de duas gravidezes de risco, e pelo gozo de duas licenças parentais.

Tudo isto ponderado, é clara a incerteza sobre qual será o desempenho da Reclamante quando confrontada com circunstâncias de exercício mais exigente, designadamente em termos de carga processual. Por outras palavras, é ainda incerto se a Reclamante perante um incremento do grau de dificuldade – que muito naturalmente irá surgir no respectivo percurso profissional –, conseguirá responder ao serviço com a qualidade e a tempestividade que evidenciou no período que aqui está em causa ou se, pelo contrário, irá ceder ao “facilitismo” dos despachos procrastinadores, conforme fez no termo do seu exercício objecto da inspecção anterior, no Tribunal Judicial da Comarca de …, em cujo relatório, homologado por este CSM, foi feita menção a “algum arrastamento dos processos, sobretudo na fase final da sua prestação, com despachos sucessivos que poderiam ter sido proferidos de uma só vez, nomeadamente não agendando a tentativa de conciliação ou audiência preliminar no mesmo despacho em que determina a junção de documento, agendamento de tentativas de conciliação, quando era patente a sua ineficácia ou com uma dilação excessiva e até para uma data posterior ao termo das suas funções embora tivesse disponibilidade de agenda para data anterior, com convites nem sempre necessários ou indispensáveis ao aperfeiçoamento dos articulados e esclarecimento dos factos alegados ou injustificada exigência do original de documentos apresentados por fotocópia e não impugnados.”

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2.3. A referência que acabamos de fazer ao relatório da anterior inspecção serve-nos de mote para um outro aspecto que importa realçar: a classificação que, aqui e agora, vai ser atribuída não é somente o corolário da prestação levada a cabo no período da presente inspecção. Para ela deve contribuir, em conformidade com as considerações preliminares que fizemos, também a prestação desenvolvida pela Reclamante no período de 1 de Setembro de 2007 a 31 de Agosto de 2008. Essas duas fases da carreira da Reclamante não são estanques entre si. Entre elas não há uma solução de continuidade. Uma seguiu-se à outra e as duas, no seu conjunto e dinamismo, transmitem-nos a imagem global da (ainda curta) carreira da Reclamante.

E essa imagem global é a de uma magistrada judicial dedicada à função e com conhecimentos jurídicos dignos de registo, mas que ainda não demonstrou ser capaz de, perante situações de exercício exigentes, que ainda não enfrentou, exponenciar as suas capacidades até um nível de exercício que vá além do que é comum, tornando-a credora da classificação de mérito – e, por isso, diferenciadora, sobretudo para magistrados judiciais com menos de dez anos de exercício efectivo – de Bom com Distinção – que, como escrevemos, funciona como o “abre-te Sésamo” dos lugares de círculo e equiparados (rectius, dos lugares de secção da instância central).

                                       ***

2.5. Dito o que antecede, é possível concluir que não vislumbramos razão para divergir da conclusão a que chegou a deliberação reclamada, de modo que nos resta apreciar a questão colocada pela Reclamante no sentido de ser alargado o período da inspecção, com o consequente sobrestar do procedimento.

Prima facie, somos tentados a admitir essa possibilidade: afinal, o exercício da Reclamante no período em causa foi, nos termos sobreditos, interrompido em termos que reduziram a respectiva efectividade a escassos dois anos e nove meses.

Simplesmente, não podemos olvidar que, nos termos regulamentares (art. 21/3 do RIJ), o acto de sobrestar de um processo de avaliação do desempenho pressupõe a existência de motivo fundado, nomeadamente a dúvida sobre a nota a fixar, que possa ser ultrapassado mediante a realização de uma inspecção suplementar. E, no caso, a dúvida não existe: considerando tudo o que antecede, há a clara convicção de que, não obstante todos os encómios que a Reclamante merece, as condições em que decorreu o exercício não permitem concluir por um “desempenho meritório ao longo da respectiva carreira.”

Mais relevante ainda é a consideração de que nada nos permite concluir que a dita inspecção complementar seria susceptível de remover o eventual estado de non liquet. Apenas assim poderia suceder se a mesma fosse recair sobre um serviço mais exigente que aquele que já foi apreciado, o que não sucede: a Reclamante permaneceu colocada, até 31 de Agosto de 2014, no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de … e, depois da reorganização judiciária, foi movimentada para o lugar correspondente de Juiz 1 da Secção de Cível da Instância Local de …. Continua, portanto, grosso modo, a enfrentar o mesmo serviço.

Deste modo, em juízo de prognose, o alargamento do período sob inspecção teria como única consequência a subtracção do tempo acrescido àquele que a Reclamante tem de perfazer até ao próximo processo avaliativo, o que redundaria num prejuízo para ela.

                                              ***

3. Dito isto, duas notas finais se impõem.

A primeira para dizer que o CSM está consciente que só a utilização generalizada de critérios rigorosos permite que os juízes sejam, efectivamente, diferenciados ao longo das respectivas carreiras e permite defender, de iure condendo, a tese segundo a qual as classificações, a par da antiguidade, devem ser o critério decisivo a ter em conta no momento em que hão-de ser providos em lugares de círculo ou equiparados ou promovidos à 2.ª instância. Caso contrário, atribuindo-se uma classificação de mérito a quem ainda o não justificou, ter-se-á aceitar que, naqueles momentos decisivos, as classificações obtidas ao longo da carreira nada diferenciam e que a graduação seja feita com recurso a outros factores, alheios à judicatura, como sejam os títulos académicos e o exercício de outras funções que não a de julgar, com o risco de não estarem a ser providos ou promovidos os juízes que efectivamente se distinguem do comum dos seus pares.

A segunda para realçar que, depois de lidos os bens elaborados trabalhos apresentados pela Reclamante, gostaríamos que a conclusão deste procedimento correspondesse às expectativas que a mesma nele depositou, com a consequente atribuição de uma classificação de mérito. Não é, todavia, admissível que obnubilemos as incertezas que, perante as condições favoráveis de exercício, subsistem quanto àquela que será, no futuro, a prestação da Reclamante na relevante componente avaliativa da adaptação ao serviço. Com isto não estamos a privilegiar critérios quantitativos em detrimento de critérios qualitativos, mas a frisar que é importante o equilíbrio dos dois e que só demonstrado ele, em condições exigentes de serviço, é possível reconhecer-se que uma prestação funcional suplantou o patamar da normalidade.

                                            ***

VI. Nestes termos, deliberam os membros que compõem o Plenário do Conselho Superior da Magistratura a improcedência da presente reclamação e a consequente confirmação da classificação de Bom atribuída à Reclamante, Exma. Sra. Juíza de Direito S, pelo respectivo exercício funcional no período compreendido entre 1 de Setembro de 2008 e 18 de Novembro de 2013.

Notifique.»

1.Do vício de violação de Lei, por desrespeito da norma inserta no artigo 6º, nº1 do RIJ.

Insurge-se a Recorrente contra a deliberação impugnada uma vez que na sua tese a mesma assenta em factualidade que já havia sido apreciada e valorada em sede de interior inspecção, violando frontalmente o disposto no artigo 6º, nº 1, do RIJ, já que considerou que não lhe seria de atribuir uma outra classificação de mérito com base no que havia sido homologado no relatório então elaborado naqueloutro procedimento inspectivo, sendo, por isso, ilegal, devendo, em consequência, ser anulada, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA.

Dispõe o mencionado normativo do RIJ que «Para efeitos de classificação, devem os inspectores apreciar todo o serviço anterior prestado nos tribunais onde os juízes tenham exercido funções e que ainda não tenha sido apreciado para tal finalidade, incluindo o serviço de turno, ainda que, quanto a este último, possa ser apenas por amostragem.», pretendendo a Recorrente na sua tese fazer crer que o CSM na deliberação em crise, se arrimou no serviço que a mesma prestou no Tribunal Judicial da Comarca de Moura e que já havia sido objecto de anterior inspecção e consequente notação, assim violando o principio ne bis in idem, aplicável ao caso sujeito, por entender que o processo avaliativo a que os Senhores magistrados estão sujeitos, tem uma natureza sancionatória.

Todavia, falece-lhe a razão, neste particular.

Se não.

Como deflui do relatório de inspecção ao serviço prestado pela Recorrente no período de 1 de Setembro de 2008 a 18 de Novembro de 2013, sobre o qual incidiu a deliberação em crise, o mesmo apenas teve em conta, como aliás não poderia deixar de ser, o trabalho efectuado pela Recorrente no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça.

 

Lê-se naquele Relatório a este propósito «(…) por deliberação do Conselho Superior da Magistratura datada de 15.07.2008, foi colocada a aguardar acesso final, na bolsa dos juízes ele Évora, por deliberação do Conselho Superior da Magistratura datada 10.09.2008,  foi afecta como juiz de Direito - auxiliar, para o Tribunal Judicial da Comarca de …, por deliberação do Conselho Superior da Magistratura datada de 14.07.2009, foi colocada como Juiz de Direito - efectivo no tribunal Judicial da Comarca de … - 1º juízo, onde permanece até à presente data.(…) Aportando ao terminus da anterior inspecção, a planificação do ano de 2013, e o despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM inserto a fls.139, esta avaliação reportará ao seu desempenho no período de 1 de Setembro de 2009 a 13 de Novembro de 2013, enquanto Juiz titular do 1º Juízo de …. Noto que, face à ausência ao serviço da Senhora Juiz em decorrência de gravidez de risco, seguida de licença de maternidade no decurso de 2008/2009 e até Janeiro de 2010, não existe trabalho produzido no Tribunal de … e por igual circunstância, o exercício no Tribunal de … viria a ser interrompido no ano de 2012.(…)».

Foi este e tão só o serviço objecto do processo inspectivo, sem prejuízo de no mesmo se ter tido em conta o desempenho da Recorrente aquando a mesma serviu no Tribunal da Comarca de …, em cumprimento do preceituado no artigo 15º, nº1 do RIJ onde se predispõe que «Na classificação dos magistrados judiciais, além do relatório elaborado sobre a inspecção respectiva, são sempre considerados os resultados das inspecções anteriores, bem como inquéritos, sindicâncias ou processos disciplinares, relatórios, informações e quaisquer elementos complementares, referentes ao tempo e lugar a que a inspecção respeita e que estejam na posse do Conselho Superior da Magistratura.».

Daí ter sido chamada à colação a prestação então desenvolvida pela Recorrente no período de 1 de Setembro de 2007 a 31 de Agosto de 2008, porquanto como se diz e bem na deliberação em crise «(…) A referência que acabamos de fazer ao relatório da anterior inspecção serve-nos de mote para um outro aspecto que importa realçar: a classificação que, aqui e agora, vai ser atribuída não é somente o corolário da prestação levada a cabo no período da presente inspecção. Para ela deve contribuir, em conformidade com as considerações preliminares que fizemos, também a prestação desenvolvida pela Reclamante no período de 1 de Setembro de 2007 a 31 de Agosto de 2008. Essas duas fases da carreira da Reclamante não são estanques entre si. Entre elas não há uma solução de continuidade. Uma seguiu-se à outra e as duas, no seu conjunto e dinamismo, transmitem-nos a imagem global da (ainda curta) carreira da Reclamante.

E essa imagem global é a de uma magistrada judicial dedicada à função e com conhecimentos jurídicos dignos de registo, mas que ainda não demonstrou ser capaz de, perante situações de exercício exigentes, que ainda não enfrentou, exponenciar as suas capacidades até um nível de exercício que vá além do que é comum, tornando-a credora da classificação de mérito – e, por isso, diferenciadora, sobretudo para magistrados judiciais com menos de dez anos de exercício efectivo – de Bom com Distinção – que, como escrevemos, funciona como o “abre-te Sésamo” dos lugares de círculo e equiparados (rectius, dos lugares de secção da instância central).(…)».

Ademais, não nos podemos esquecer que qualquer classificação de mérito – Muito Bom ou Bom Com Distinção - tem de ter o seu suporte numa análise global da carreira, nomeadamente ao nível do especial cumprimento das funções que conduza inequivocamente à consagração de uma diferenciação do sujeito por entre os seus pares através da respectiva atribuição.

Assim, não é em vão que o artigo 16º do RIJ estipula no seu nº 1, alíneas a) e b):

«1 — As classificações dos juízes de direito são atribuídas de acordo com os seguintes critérios:

a) A atribuição de Muito bom equivale ao reconhecimento de que o juiz de direito teve um desempenho elevadamente meritório ao longo da respectiva carreira;

b) A atribuição de Bom com distinção equivale ao reconhecimento de um desempenho meritório ao longo da respectiva carreira;».

É nesta perspectiva e não naquela em que a Recorrente põe a tónica que tem de ser vista a menção que foi feita na decisão em crise, ao seu desempenho aquando serviu na Comarca de …, pois confrontando-se o Recorrido com «(…) um total de 663 decisões/sentenças finais, nos dois anos e nove meses de exercício, nas quais se incluem quer as que comportaram um acto de julgamento, quer as que homologaram negócios de auto-composição do litígio, quer ainda as que se limitaram a declarar a extinção da correspondente instância, perfaz uma média mensal de vinte decisões/sentenças finais por mês; Um total de trinta e quatro despachos saneadores com selecção da matéria de facto, nos dois anos e nove meses de exercício, perfaz uma média mensal de um despacho saneador, números que não deslumbram, para utilizarmos a expressão da Exma. Sra. Inspectora Judicial.(…)», parece não se poder por em causa que se questione o futuro da carreira da Recorrente, se confrontada com outro nível de exigência de serviço, como bem se ponderou «(…) designadamente em termos de carga processual. Por outras palavras, é ainda incerto se a Reclamante perante um incremento do grau de dificuldade – que muito naturalmente irá surgir no respectivo percurso profissional –, conseguirá responder ao serviço com a qualidade e a tempestividade que evidenciou no período que aqui está em causa ou se, pelo contrário, irá ceder ao “facilitismo” dos despachos procrastinadores, conforme fez no termo do seu exercício objecto da inspecção anterior, no Tribunal Judicial da Comarca de Moura, em cujo relatório, homologado por este CSM, foi feita menção a “algum arrastamento dos processos, sobretudo na fase final da sua prestação, com despachos sucessivos que poderiam ter sido proferidos de uma só vez, nomeadamente não agendando a tentativa de conciliação ou audiência preliminar no mesmo despacho em que determina a junção de documento, agendamento de tentativas de conciliação, quando era patente a sua ineficácia ou com uma dilação excessiva e até para uma data posterior ao termo das suas funções embora tivesse disponibilidade de agenda para data anterior, com convites nem sempre necessários ou indispensáveis ao aperfeiçoamento dos articulados e esclarecimento dos factos alegados ou injustificada exigência do original de documentos apresentados por fotocópia e não impugnados.”(…), sendo, como é, ainda recente a carreira da mesma.

Não se vislumbra, pois, por aqui, qualquer vício na decisão recorrida que possa conduzir á anulação propugnada.

De outra banda, ainda nesta senda recursiva, se refuta a ideia de que o processo avaliativo de serviço possa ter natureza sancionatória, sem prejuízo de em determinadas circunstâncias específicas, maxime, de violação grave de deveres funcionais, a ele poder conduzir.

A esta conclusão se chega facilmente através da análise do normativo inserto no artigo 13º, nº1 do RIJ onde se lê «A inspecção dos magistrados judiciais incide sobre as suas capacidades humanas para o exercício da profissão, a sua adaptação ao tribunal ou serviço a inspeccionar e a sua preparação técnica.», resultando este procedimento inspectivo do preceituado nos artigos 33º e 34º do EMJ, que impõem a classificação dos Juízes de Direito.

Coisa diversa é o procedimento disciplinar aludido nos artigos 81º a 84º daquele mesmo EMJ, o qual pressupõe prima facie a prática de factos, ainda que meramente culposos, praticados, além do mais, em violação dos deveres profissionais que impendem sobre os Magistrados Judiciais.

É óbvio, que aqueles procedimentos são diversos e distintos entre si e que o principio ne bis in idem, constitucionalmente consagrado no artigo 29º, nº5 da CRPortuguesa que impede o julgamento, por mais do que uma vez, da mesma pessoa pela prática do mesmo crime, não tem qualquer cabimento no caso em análise, mesmo como lugar paralelo, em relação ao processo inspectivo em causa, porquanto, além do mais, como se viu, a Recorrente não foi objecto de duas inspecções sobre o trabalho que desenvolveu no Tribunal Judicial da Comarca de …, tendo o seu desempenho naquela jurisdição sido chamado como coadjuvante da apreciação global da sua actividade de harmonia com o preceituado nos artigos 15º, nº1 e 16º, nº1 do RIJ.

Claudicam as conclusões da Recorrente quanto a este conspectu.

2.Do imputado vício de falta de fundamentação.

Impugna ainda a Recorrente a deliberação em crise, uma vez que, no seu entender, ali se considera, num primeiro momento, haver uma dúvida fundada na sua capacidade da em exercer as suas funções num contexto que se define por mais exigente face ao seu curto tempo de exercício efectivo de funções (motivo pelo qual não lhe atribui a classificação de “Bom com Distinção”), mas, num segundo plano, e a propósito da possível realização de uma inspecção complementar ao seu serviço, entende que essa dúvida não existe, pois há uma convicção clara que no período sobre inspecção não resultaram motivos bastantes para a atribuição de tal classificação, o que conduz a uma fundamentação absolutamente contraditória; por outro lado, a aludida deliberação é ainda insuficiente, nomeadamente quando se compara a sua produtividade com aquela que terá sido a produtividade da “Exma. Senhora Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de …”, porquanto, em abono da verdade, um destinatário normal (de acordo com os padrões da experiência), colocado perante aquela deliberação, para além de não conseguir depreender de que forma e com que peso tal matéria de facto contribui para o sentido decisório, sequer conhece se a mesma teve qualquer influência na determinação da classificação de serviço atribuída.

Analisemos.

Resulta do disposto no artigo 153º CPA, aprovado pelo DL 4/2015 de 7 de Janeiro, aqui aplicável (mas correspondente ao artigo 125º, nº1 do CPA pregresso), em consonância com o preceituado no artigo 268º, nº3 da CRPortuguesa, no que concerne aos direitos e garantias dos administrados que: 1) «A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respectivo acto.»; 2) «Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.».

A fundamentação tem de possibilitar ao administrado visado a apreensão dos motivos que estão subjacentes ao acto em causa e as razões de facto e de direito que lhe subjazem, propiciando, assim, a respectiva sindicância.

De outra banda, a fundamentação terá de se adequar às especificidades da questão em causa, vg, à natureza do acto praticado, bem como à relação administrativa que lhe esteja subjacente, cfr Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, in Código Do procedimento Administrativo, comentado, 2ª edição, 600/606 na anotação efectuada ao então artigo 125º, a propósito do dever de expressão e fundamentação do acto ser sucinto «(…) A exigência tem, obviamente, um carácter relativo: há fundamentações que se podem formular num parágrafo, outras que exigem folhas. Trata-se, no fundo, de harmonizar a necessidade de uma fundamentação suficiente com a sua clareza, da sua apreensibilidade – requisitos que variam “em função do acto administrativo” – e, por isso, dificilmente a exigência funcionará por si só: uma fundamentação que poderia ser expressa num parágrafo, e o foi em dez, não é só por isso, ilegal. Se for clara, que mal há nisso? (…) Em verdade, a experiência portuguesa até leva a recear mais as fundamentações breves, do que as extensas: estas podem pesar algo a digerir, mas traduzem frequentemente um maior cuidado na instrução do procedimento e na ponderação dos interesses envolvidos. Se a desnecessária extensão da fundamentação prejudicar a sua clareza – ou, até (podia admitir-se teoricamente), se dificultar a possibilidade de impugnação tempestiva e plenamente consciente do acto (existem recursos administrativos que devem ser deduzidos em prazos curtíssimos) – então, é claro que haverá lugar à invalidade e à consequente anulação. Não será por vezes, um problema de extensão da fundamentação, mas sim do “emaranhado” dos seus fundamentos.(…)»; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, 1992, 13; João Pedro Barrosa Caupers, Direito Administrativo (Guia de Estudo), 1995, 53; e entre outros os Ac STJ, desta secção de contencioso, de 29 de Junho de 2005 (Relator Araújo de Barros); de 7 de Dezembro de 2005 (Relator Henriques Gaspar); de 5 de Julho de 2012 (Relator João Camilo); 18 de Outubro de 2012 (Relator Pires da Graça); de 18 de Outubro de 2012 (Relator Fernandes da Silva).

Por seu turno, o vício de contradição entre os fundamentos e a decisão traduz-se em apurar se a situação factual especificada no recurso, enquadra ou não um vício lógico-formal do acto impugnado, quer dizer, um erro lógico da argumentação e raciocínio que deveria, se formulado correctamente, ter levado a um resultado diametralmente oposto ao alcançado, afectando o conteúdo ou substância do acto.  

A Recorrente, neste particular, ataca a deliberação em duas frentes: por um lado aponta-lhe uma contradição, caracterizada no seu entender pela circunstância de a decisão impugnada considerar num primeiro momento, haver uma dúvida fundada na sua capacidade da em exercer as suas funções num determinado contexto, dúvida essa que obstaculariza a atribuição da notação de mérito embora num segundo momento, a propósito da possível realização de uma inspecção complementar ao seu serviço, entende que essa dúvida não existe, pois há uma convicção clara que no período sobre inspecção não resultaram motivos bastantes para a atribuição de tal classificação; por outro lado, na sua óptica, a mesma deliberação continua a ter uma fundamentação insuficiente, porquanto não se compreende a comparação efectuada entre a sua produtividade, com aquela que terá sido a produtividade da “Exma. Senhora Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de …”.

No que tange à apontada contradição, veja-se que a deliberação em crise ao analisar o pedido efectuado pela aqui Recorrente, aquando da reclamação apresentada, no sentido de ser alargado o período da inspecção se consignou o seguinte «(…) Dito o que antecede, é possível concluir que não vislumbramos razão para divergir da conclusão a que chegou a deliberação reclamada, de modo que nos resta apreciar a questão colocada pela Reclamante no sentido de ser alargado o período da inspecção, com o consequente sobrestar do procedimento.

Prima facie, somos tentados a admitir essa possibilidade: afinal, o exercício da Reclamante no período em causa foi, nos termos sobreditos, interrompido em termos que reduziram a respectiva efectividade a escassos dois anos e nove meses.

Simplesmente, não podemos olvidar que, nos termos regulamentares (art. 21/3 do RIJ), o acto de sobrestar de um processo de avaliação do desempenho pressupõe a existência de motivo fundado, nomeadamente a dúvida sobre a nota a fixar, que possa ser ultrapassado mediante a realização de uma inspecção suplementar. E, no caso, a dúvida não existe: considerando tudo o que antecede, há a clara convicção de que, não obstante todos os encómios que a Reclamante merece, as condições em que decorreu o exercício não permitem concluir por um “desempenho meritório ao longo da respectiva carreira.”

Mais relevante ainda é a consideração de que nada nos permite concluir que a dita inspecção complementar seria susceptível de remover o eventual estado de non liquet. Apenas assim poderia suceder se a mesma fosse recair sobre um serviço mais exigente que aquele que já foi apreciado, o que não sucede: a Reclamante permaneceu colocada, até 31 de Agosto de 2014, no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de … e, depois da reorganização judiciária, foi movimentada para o lugar correspondente de Juiz 1 da Secção de Cível da Instância Local de …. Continua, portanto, grosso modo, a enfrentar o mesmo serviço.

Deste modo, em juízo de prognose, o alargamento do período sob inspecção teria como única consequência a subtracção do tempo acrescido àquele que a Reclamante tem de perfazer até ao próximo processo avaliativo, o que redundaria num prejuízo para ela.(…)».

Inexiste o pretendido antagonismo no excurso efectuado, porquanto se considerou e bem que, como a Recorrente continuou a desempenhar funções idênticas às que desempenhava e que foram objecto do processo inspectivo, não se justificaria um alargamento do período a classificar, com o consequente sobrestar da classificação, já que nenhuma razão válida havia, maxime, por subsistir alguma dúvida sobre a nota a fixar.

É certo que o artigo 21º, nº3 do RIJ prevê que o CSM pode «por iniciativa própria ou a requerimento do inspeccionado, sobrestar a atribuição da classificação quando, por motivo fundado, nomeadamente em caso de dúvida sobre a nota a fixar, decidir ordenar a realização de inspecção complementar ao serviço do magistrado judicial.», mas como se considerou na deliberação impugnada não havia, no caso, qualquer «motivo fundado», para que se sobrestasse a atribuição da classificação, existindo antes, como ali se deixou expresso uma « clara convicção de que, não obstante todos os encómios que a Reclamante merece, as condições em que decorreu o exercício não permitem concluir por um “desempenho meritório ao longo da respectiva carreira.”», sem prejuízo de igualmente se ter considerado que «gostaríamos que a conclusão deste procedimento correspondesse às expectativas que a mesma nele depositou, com a consequente atribuição de uma classificação de mérito. Não é, todavia, admissível que obnubilemos as incertezas que, perante as condições favoráveis de exercício, subsistem quanto àquela que será, no futuro, a prestação da Reclamante na relevante componente avaliativa da adaptação ao serviço. Com isto não estamos a privilegiar critérios quantitativos em detrimento de critérios qualitativos, mas a frisar que é importante o equilíbrio dos dois e que só demonstrado ele, em condições exigentes de serviço, é possível reconhecer-se que uma prestação funcional suplantou o patamar da normalidade.».

Quer dizer que, ex adverso do porfiado pela Recorrente, o Recorrido CSM em ambas as afirmações que aquela aponta de antagónicas, concluiu de forma idêntica: a actuação da Recorrente, sem quaisquer dúvidas, no período em questão sobre o qual incidiu o procedimento inspectivo, pautou-se pela normalidade, não sendo de crer que em iguais condições de serviço, tal normalidade pudesse ser suplantada (pelo menos não havia motivos fundados para assim se concluir), sem prejuízo de no futuro, num outro contexto de maior complexidade e de maiores exigências funcionais, a sua prestação não possa vir a ultrapassar o que agora é normal.

No que tange ao segundo aspecto apontado, da insuficiência da fundamentação baseada na incompreensão da comparação efectuada entre a produtividade da Recorrente e aquela que terá sido a produtividade da “Exma. Senhora Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de ….”, também lhe falece a razão.

A sobredita «comparação», soit disant, surge na deliberação de uma forma bastante precisa e concisa, revelando uma extraordinária clareza, após efectuar a abordagem do número de decisões finais/sentenças e despachos saneadores com selecção de matéria de facto (estes em número de trinta e quatro) que foram elaboradas pela Recorrente, tendo-se constatado que «nos dois anos e nove meses de exercício, perfaz uma média mensal de um despacho saneador, números que não deslumbram, para utilizarmos a expressão da Exma. Sra. Inspectora Judicial.», em nota de pé de página, a propósito dos números que não deslumbraram deixou-se consignado o seguinte «É comum encontramos juízes colocados em comarcas de 1º acesso que apresentam índices de produtividade superiores (como exemplo, veja-se o processo de inspecção nº2013-379/IO, que recaiu sobre o serviço prestado entre 04.09.2012 e 31.08.2013 pela então Exma Sra Juíza de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de …, localidade predominantemente rural, o que leva a um predomínio das acções cíveis declarativas que versam temáticas relacionadas com os direitos reais, sempre complexas e trabalhosas).», sendo este argumento utilizado como exemplificativo de outras situações, em comarcas que em princípio indiciariam uma menor densidade de serviço, mas cujos índices de produtividade se vieram a verificar serem bastantes superiores ao da Recorrente. Um mero obiter dictum, portanto, porquanto o que releva da deliberação, no que à Recorrente concerne é o de se ter qualificado de não deslumbrante a sua produtividade, factor este que também foi decisivo na menção de «BOM» que se lhe atribuíu.

Improcede a argumentação recursiva também por aqui.

3.Do erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais. 

Impugna ainda a Recorrente a deliberação recorrida, uma vez que na sua tese considerando, por um lado, a sua carreira e a sua prestação francamente positiva durante o período ora sob inspecção (sendo que só esse pode ser valorado, nos termos do disposto no artigo 6º, nº 1, do RIJ), e por outro, a dimensão normativa dos preceitos aplicáveis ao presente caso, a classificação de serviço que melhor se ajusta ao seu desempenho global e amplamente meritório é a de “Bom com Distinção”, sendo certo que ao decidir-se em sentido contrário, ocorreu um manifesto erro na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais, sendo, por isso, ilegal, devendo, consequentemente, ser anulada, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA.

Dispõe o supra aludido normativo que «São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção.».

Daqui se abarca que o presente recurso de anulação do acto em crise, que atribuiu a classificação de «BOM» à Recorrente, sendo como é, um recurso de mera legalidade, apenas se compreendem nos poderes deste Supremo Tribunal na sua apreciação, sindicar se juízo valorativo expresso na deliberação impugnada pelo Recorrido, CSM, enferma de erro crasso e/ou grosseiro, ou se os critérios utilizados na avaliação efectuada foram ostensivamente desajustados e/ou violadores dos princípios da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade, cfr inter alia os Ac desta secção de contencioso de 26 de Janeiro de 2010 (Relator Oliveira Mendes), 20 de Outubro de 2011 (Relatora Isabel Pais Martins) e 29 de Janeiro de 2014, proc 58/13.2YFLSB (Relator Álvaro Rodrigues), os dois primeiros em www.dgsi.pt e o último em SASTJ, site do STJ.

Do alegatório recursivo da Recorrente, no que a este particular diz respeito, deflui que a mesma não invoca que tenha sido afrontado pelo Recorrido/CSM qualquer dos princípios indicados como sustentadores da sua pretensão, nem tão pouco qualquer erro grave, grosseiro ou crasso que possa abalar de forma lapidar a decisão tomada.

O que deflui à evidência de toda a alegação apresentada pela Recorrente é que não está de acordo com a notação que lhe foi atribuída, mas esta é questão que transcende a competência deste Supremo Tribunal, porquanto o juízo formulado pelo Recorrido no âmbito dos seus poderes inspectivos, insere-se na margem de discricionaridade das entidades administrativas nesta área da apreciação do desempenho funcional dos administrados, cfr o apontado Ac STJ de 29 de Janeiro de 2014 e ainda da mesma data e do mesmo Relator, proferido no processo 63/13.9YFLSB, in SASTJ, site do STJ.

Improcede assim a fundamentação recursiva.

III Destarte, julga-se improcedente o recurso interposto mantendo-se a deliberação impugnada.

Custas pela Recorrente artigo 539º, nº1 do NCPCivil, com taxa de justiça em 6 Ucs, nos termos do artigo 7º, nº1 do RCP.

Fixa-se o valor da causa, nos termos do artigo 34º, nº2 do CPTA em € 30.000,01.

Lisboa, 17 de Novembro de 2015

(Ana Paula Boularot)

(João Martins de Sousa)

(Santos Cabral)

(Mário Belo Morgado)

(Isabel Pais Martins)

(Silva Gonçalves)

(Sebastião Póvoas, Presidente)