Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
827/21.0T8FNC-A.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
CONTA CORRENTE
DOCUMENTO PARTICULAR
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
EMBARGOS DE EXECUTADO
REPRISTINAÇÃO
SENTENÇA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
VALIDADE
Data do Acordão: 11/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I – Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções, não invocadas, que estejam na exclusiva disponibilidade das partes, é nula a sentença em que o faça (art. 615°/1/d/2ª parte).

II – O título executivo condiciona a exequibilidade extrínseca da pretensão.

III – A abertura de crédito, em si, poderá ser definida como o contrato pelo qual o banco coloca à disposição da outra parte, o beneficiário, uma quantia pecuniária que este tem o direito, nos termos aí definidos, de utilizar pelo período acordado ou por tempo indeterminado.

IV – O banco não se constitui, desde logo, credor de uma prestação pecuniária, pois isso só vem a verificar-se com a posterior mobilização pelo creditado das importâncias disponibilizadas pelo banco.

V – No caso, o contrato de abertura de crédito é, com referência ao anterior art. 46º, nº 1, al. c), do CPC, um documento particular assinado pelos executados e importa a constituição de obrigações pecuniárias a contrair no futuro, determináveis por simples cálculo aritmético, a partir dos saques – cheques, transferências – sobre a conta de depósitos à ordem associada à conta corrente.

VI – Essa determinação deve ser feita pela exequente, juntando a documentação pertinente, demonstrativa dos meios concretamente utilizados pelos executados para movimentação dos fundos disponibilizados pela exequente e com discriminação dos respetivos montantes.

Decisão Texto Integral:
SUMÁRIO1

***


Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:

1. RELATÓRIO

NOVO BANCO, S.A.2, intentou ação de execução para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, contra AA, BB e WENSLEY OVERSEAS LIMITED.

Os executados, AA e BB3, deduziram embargos de executado, pedindo que a execução fosse declarada extinta.

Foi proferida sentença em 1ª instância que julgou improcedentes os embargos de executado.

Não se conformando, o embargante/executado, AA interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão que julgou procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, que substituiu por outra a determinar a extinção da execução.

Inconformado, veio o exequente/embargado, NOVO BANCO, S.A., interpor recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações que apresentou as seguintes

CONCLUSÕES4:

I- Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão da 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 27/02/2025, o qual decidiu julgar procedente o recurso interposto pelo executado/recorrente, revogando a decisão recorrida e determinando a extinção da execução.

II- Com o que o Novo Banco, S.A. não se conforma.

III- As questões que importa dirimir consistem em saber:

- Se o Tribunal da Relação podia ter conhecido da falta do título no acórdão recorrido;

- Em caso afirmativo, se o título apresentado à execução é válido.

IV- Quanto a saber se o Tribunal da Relação podia ter conhecido da falta do título no acórdão recorrido, o embargante interpôs recurso da sentença de 08/07/2024 e, nesse recurso, impugnou o despacho saneador de 17/05/2023.

V- Embora sejam duas as decisões impugnadas (sentença e despacho saneador), o recurso é um só.

VI- No que respeita à questão falta de título executivo, foi a mesma conhecida no despacho saneador, tendo o tribunal recorrido julgado improcedente a exceção dilatória de falta de título executivo.

VII- Não tendo o embargante interposto recurso de apelação autónoma do despacho saneador na parte em que foi julgada improcedente a exceção da falta de título executivo, formou-se caso julgado, pelo que não pode a Relação conhecer da questão da falta de título executivo.

VIII- Trata-se, portanto, de extrair o efeito positivo do caso julgado ou da verdadeira autoridade do caso julgado formado com o trânsito em julgado do despacho saneador, na parte em que decidiu a questão da exequibilidade do título.

IX- Tendo sido apreciada a questão da falta do título, por decisão transitada em julgado, não podia a mesma voltar a ser discutida, neste processo, como foi.

X- Por tudo o exposto, o acórdão recorrido não podia ter conhecido sobre a falta de título executivo.

XI- Por cautela e dever de patrocínio, quanto a saber se o título executivo é válido, o mesmo é um conjunto formado pelos seguintes documentos:

- escrito particular outorgado (no Funchal) em 10/08/2009, denominado «Financiamento n.º FEC .....09»,:cfr. factos A e A1 dos factos provados;

- alterações por dois escritos particulares denominados «Alteração ao contrato de financiamento n.º FEC.....09», que se dão por integralmente reproduzidos, datados de 10/08/2011 e 09/08/2012; cfr. facto C dos factos provados;

- escritura pública de 10/08/2009, na qual os embargantes, AA e a BB, declararam constituir a favor do Banco Espírito Santo, SA, para garantia das «obrigações emergentes do contrato de Financiamento FEC ..... ...... ...... .... ..... .... ..ve», hipoteca voluntária sobre a fração autónoma «BT» do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º ..57 (freguesia de São Gonçalo); cfr. facto E os factos provados;

- extratos bancários¸ cfr. factos D e F dos factos provados, doc.s 2 e 3 do requerimento do embargado de 10/02/2023.

XII- A força executiva de que o contrato de abertura de crédito se reveste, enquanto documento particular, importa adicionalmente que se faça demonstração da realização da prestação pelo credor.

XIII- Ou seja, o contrato de abertura de crédito é um título executivo incompleto quanto às obrigações pecuniárias que resultam das prestações futuras nele convencionadas ou subjacentes. E a sua completude, sendo as obrigações pecuniárias determináveis nos termos da liquidação do exequente, depende de prova complementar do título, assente em documento passado em conformidade com as cláusulas constantes do documento exequendo – extratos de conta-corrente ou outros documentos contratuais.

XIV- Ora, nos autos, a junção da tal prova complementar foi efetuada com os extratos de conta, emitidos pelo banco creditante, onde se comprova o depósito em conta titulada pelo executado da quantia de €1.040.000,00, cfr.:

- doc. 4 junto com o requerimento executivo;

- doc.s 2 e 3 juntos ao requerimento do embargado de 10/02/2023, os quais datam de 01/2009 e 08/2009 (onde consta expressamente a utilização de tal montante) e vêm omitidos do acórdão em crise, que assim efetua errada exegese (cfr. designadamente a sua pág. 28); e

- o ponto 38, §7 das condições gerais do contrato de crédito refere expressamente que “7. Os documentos, seja de que natureza forem, incluindo extratos de conta, em que o Cliente figure como responsável e fazer parte integrante para efeitos de execução, nos termos e para os fins do disposto no artigo 46 do Código de Processo Civil” ; cfr. do. 1 junto a tal requerimento de 10/02/2023.

XV- O que significa que a complementaridade, para efeitos de formação do título executivo, entre o documento particular dado à execução e os extratos de conta bancária de depósito à ordem – que comprovam o depósito pela exequente na conta do executado da quantia de1.040.000,00 (factos provados D e F, em conjugação com osdoc.s2 e3juntosaorequerimento do embargado de 10/02/2023) é bastante.

XVI- Concretizando, os escritos particulares dados como título executivo consubstanciam um contrato de abertura de crédito, com sucessivas alterações. Neles se estabelece a possibilidade de ser utilizado um determinado valor; cfr. doc.s 1 a 3 junto ao requerimento executivo.

XVII- Tendo sido complementados pela disponibilização da quantia mutuada; cfr., num primeiro momento, o extrato junto ao requerimento executivo como doc. 4.

XVIII- Trata-se, efetivamente, do extrato bancário n.º 1/2014, alusivo à conta empréstimo – conta corrente, relativo ao período compreendido entre 30/09/2012 a 07/11/2014, o qual reflete a quantia disponibilizada/mutuada de €1.040.000,00, a ausência demovimentos a crédito, e, por isso, a sua ulterior passagem à gestão da direção de recuperação de crédito do embargado, porque não paga.

XIX- Aliás, e ao contrário do aduzido pelo acórdão em crise (cfr. pág. 28), o indicado extrato faz expressa menção ao contrato exequendo mais se indicando que foi remetido para recuperação da divida, nos termos que se transcrevem: “contrato .... .... ..07 remetido a 07/11/2014 para recuperação central da dívida de €1.040.000,00 (sobre este montante acrescem juros, comissões e outros encargos, caso existam).” (destaque nosso)

XX- Vide, pois, e ainda, o aludido extrato, em conjugação com o doc. 1 junto ao requerimento executivo de onde consta na parte superior o número do contrato aposto manuscritamente: .... .... ..07.

XXI- E, num segundo momento, no aludido requerimento de 10/02/2023, o Exequente juntou ainda dois extratos que identicamente confirmam a utilização (débito) do capital peticionado nos autos, a saber, o extrato n.º 1/2009 da conta empréstimo, e o extrato n.º 8/2009, da conta de depósitos à ordem n.º .......................82 da titularidade da “Wensley Overseas Limited”; cfr. docs. 2 e 3 ali juntos.

XXII-

XXIII- Extratos bancários que, por seu lado, sequer foram impugnados pelos embargantes.

XXIV-E que fazem parte integrante do título executivo.

XXV- Com efeito, o ponto 7.º da Cláusula 38.º das Condições Gerais do contrato junto como doc. 1 ao requerimento executivo, cuja versão completa foi junta a 10/02/2023, intitulada “disposições diversas” dispõe expressamente que, “os documentos, seja de que natureza forem, incluindo extratos de conta, em que o Cliente figure como responsável (…) faz parte integrante para efeitos de execução, nos termos e para os fins do disposto no artigo 46.º do Código de Processo Civil.”

XXVI- E, se e quando era admitida a exequibilidade dos títulos particulares, parte da doutrina e da jurisprudência considerava aplicável a tais contratos a previsão do artigo 50 do CPC na versão em causa; explicavam, para aplicação desta norma aos documentos particulares, entre o mais, que se a obrigação de celebrar o contrato real constasse de documento particular exequível, não havia razão para que a prova da realização da prestação, sem a qual não há contrato definitivo, não devesse ser feita nos mesmos termos. Assim, existindo um documento complementar nos termos referidos, comprovava-se a celebração de um empréstimo durante a execução do contrato de abertura de crédito em conta-corrente e admitia-se que o conjunto daquele documento com este contrato, formava um título executivo.

XXVII- Daí que nada obste a que se possa aplicar – e ainda solidificar mais esta interpretação – o artigo 50 do CPC de 1961 (igual ao atual art. 707º do CPC 2013), de forma analógica aos documentos particulares, na parte relativa à prova das prestações e obrigações futuras que baseiam a execução.

XXVIII- Ora, nos autos, a junção da tal prova complementar foi efetuada com os extratos de conta juntos sob o doc. 4 ao requerimento executivo e com os doc.s 2 e 3 juntos ao requerimento do embargado de 10/02/2023 , emitidos pelo banco creditante, onde se comprova o depósito em conta titulada pelo executado da quantia de €1.040.000,00. E o ponto 38, §7 das condições gerais do contrato de crédito refere expressamente que “7. Os documentos, seja de que natureza forem, incluindo extratos de conta, em que o Cliente figure como responsável e fazer parte integrante para efeitos de execução, nos termos e para os fins do disposto no artigo 46 do Código de Processo Civil”, junto também a tal requerimento de 10/02/2023.

XXIX- Considerando a data dos extratos bancários juntos sob os referidos doc.s 2 e 3 (a saber, Janeiro e Agosto de 2009), o título executivo tornou-se completo, e estava em condições de poder ser apresentado em juízo enquanto tal; ou seja, completude do título executivo ocorreu antes do domínio da Lei 41/2013, de 26 de junho, com entrada em vigor em 1 de setembro de 2013 e como tal aplica-se o artigo 46/1-c) do CPC de 1961, em conjugação com o art.º 50.º então vigente (aplicação analógica).

XXX- E, à vista disso, a prova complementar foi validamente feita através de extrato bancário, porque, de resto, assim expressamente previsto no contrato.

XXXI- Tendo, nessa conformidade, sido como provados os factos D e F, com os quais o embargante se conformou.

XXXII- Concluindo: o contrato junto como título executivo é um contrato particular de financiamento, na modalidade de abertura de crédito em conta corrente, e é título executivo na redação anterior (arts. 46.º e 50.º do CPC).

XXXIII- Sob outra perspetiva, insista-se, o embargante sequer colocou em causa a utilização da quantia exequenda.

XXXIV- Aliás, o embargante confessou que o empréstimo nunca foi liquidado e que deve efetivamente a quantia peticionado.

XXXV- Toda a defesa do embargante parte da premissa de que quantia mutuada foi efetivamente entregue, razão pela qual emprega a expressão «empréstimo concedido no âmbito daquele contrato de financiamento» no artigo 26.º da petição inicial.

XXXVI- Vejamos: o artigo24.º da petição inicial não deixa margem para dúvidas: «o Contrato de Financiamento FEC.....09 destinou-se à aquisição de um imóvel, tendo integrado uma operação de rentabilização de ativos financeiros, proposta pelo BES aos aqui Embargantes, e que consistia, em síntese, no seguinte: a). Entrega ao BES pelos Embargantes do valor de € 12.000.000,00 (doze milhões de euros)».

XXXVII- No artigo 26.º, foi expressamente admitida a concessão do empréstimo: «Entre os Embargantes e o, então, BES ficou estabelecido que o pagamento do empréstimo concedido no âmbito dos contratos, seria realizado com o produto das aplicações no valor de € 12.000.000,00 (doze milhões de euros), em produtos mobiliários resultantes da intermediação financeira do BES.»

XXXVIII- E o artigo 43.º também demonstra a confissão: «Atendendo que o montante do contrato de financiamento foi inferior à quantia que foi entregue pelos Embargantes, como garantia de bom cumprimento dos mesmos, é certo que na eventualidade de […] incumprimento teria o […] Embargado na sua posse verbas suficientes para antecipar o pagamento global do contrato – o que, fosse esse o caso, poderia e deveria ter feito.»

XXXIX- Analisando a petição inicial globalmente, facilmente se verifica que lhe subjaz a ideia de que a quantia de 1.040.000,00 € foi efetivamente entregue.

XL- Perante estes elementos, e ao contrário o entendimento do Tribunal da Relação, é mister considerar que, no caso em apreço, os sobreditos documentos, conjugados com a confissão de recebimento efetivo da quantia de € 1.040.000,00 (cf. artigos 24.º, 26.º e 43.º da petição inicial), constituem título executivo, porquanto importam a constituição e/ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante é determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes.

XLI- Tendo, de resto, sido dado como provado o contrato exequendo e as suas subsequentes alterações, bem como a quantia entregue pelo então BES; cfr. factos A F dos factos provados.

XLII- A factualidade assente é antagónica ao desfecho preconizado pelo acórdão em crise.

XLIII- Pelo exposto, merece censura o acórdão em crise.

XLIV- Deve proceder o presente recurso e, consequentemente, ser revogado o douto acórdão em crise, e substituído por outro que declare que a Relação estava impedida de conhecer da questão da falta de título executivo, repristinando a vigência do despacho saneador, sob pena de violação do caso julgado e autoridade do caso julgado ou, quando menos, declare a existência de título executivo válido.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO

Deve proceder o presente recurso e, consequentemente, ser revogado o douto acórdão em crise, e substituído por outro que declare que a Relação estava impedida de conhecer da questão da falta de título executivo, repristinando a vigência do despacho saneador, sob pena de violação do caso julgado e autoridade do caso julgado ou, quando menos, declare a existência de título executivo válido.

O recorrido, AA contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos5, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO

Emerge das conclusões de recurso apresentadas por NOVO BANCO, S.A., ora recorrente, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:

1.) Saber se é nulo o acórdão proferido pelo tribunal a quo por excesso de pronúncia, por ter conhecido da questão da falta de título executivo.

2.) Saber da validade do título executivo apresentado à execução.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA

A. Por escrito particular outorgado (no Funchal) em 10/08/2009, denominado «Financiamento n.º FEC .....09», que se dá por integralmente reproduzido, o BES (através da Sucursal Financeira Exterior/Madeira Branch, titular do NIPC .......58) declarou conceder a Wensley Overseas Limited (segunda outorgante) um crédito no montante máximo de 1.040.000,00 €, em conta-corrente, para «apoio ao investimento», pelo prazo renovável de 365 dias, a ser reembolsado no fim do prazo, tendo sido fixada uma taxa de juro anual efetiva de 2,8479 %.

A.1. De tal escrito, correspondente ao documento nº 1 oferecido com o requerimento executivo, para além da identificação dos outorgantes, consta:

“Condições particulares

1. Crédito: Montante máximo Global de 1.040.000,00 EUR (um milhão e quarenta mil euros)

2. Finalidade: Apoio ao Investimento.

3. Data efetiva: A data efetiva corresponde à data da celebração da escritura pública de constituição de Hipoteca.

4. Conta D/O: .... .... ..01.

5. Prazo: 365 dias.

6. Carência:

- Juros: Não;

- Capital: Não;

7. Utilização

7.1 – Período de utilização

Não aplicável.

7.2- Regime de utilização

Utilização livre, mediante pedidos do cliente.

7.3 – Conta corrente

Sim

Renovável: Sim

7.4 Multidivisas

- Não

8- Juros

8.1 – Taxa de juro:

Correspondente à Euribor a 1 mês, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 1,5 ponto (s) percentual (ais).

8.2 – Fixação da Taxa de juros

A taxa de juro é fixada no primeiro dia de cada período de 12 meses.

8.3 – Taça anual efetiva (TAE: Decreto – Lei nº 220/94, de 23 de agosto): 2,8749 %

8.4 Pagamento de juros

12 meses (…)

12. Garantias do crédito

- Hipoteca da (s) fração (ões) autónoma(s) designada(s) pela letra BT do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Funchal sob o nº ..57, ainda não inscrito a favor do prestador da garantia e inscrito na matriz sob o Art.º ..56 da freguesia de S. Gonçalo, concelho de Funchal”6.

B. Este escrito particular foi também outorgado por AA e BB (terceiros outorgantes), na qualidade de «Prestador(es) de Garantia da Hipoteca».

B-1. A assinatura de tal escrito em representação dos executados foi efetuada por CC, ali constando a seguinte menção: “Reconheço a assinatura do documento em anexo de CC, feita perante mim pelo próprio signatário, pessoa cuja identidade verifiquei por conhecimento pessoal, que outorga na qualidade de AA, e de BB, com poderes para o ato, qualidade e suficiência de poderes que verifico em face de uma procuração que me foi exibida.(…)”7.

C. Este escrito particular foi alterado por dois escritos particulares denominados «Alteração ao contrato de financiamento n.º FEC.....09», que se dão por integralmente reproduzidos, datados de 10/08/2011 e 09/08/2012.

D. No âmbito da operação referida nas alíneas anteriores, o BES entregou à Wensley Overseas Limited a quantia de 1.040.000,00 €.

E. Por escritura pública de 10/08/2009, que se dá por integralmente reproduzida, os embargantes, AA e a BB, declararam constituir a favor do Banco Espírito Santo, SA, para garantia das «obrigações emergentes do contrato de Financiamento FEC cinco quatro quatro zero barra zero nove», hipoteca voluntária sobre a fração autónoma «BT» do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º ..57 (freguesia de São Gonçalo).

F. Do documento nº 4 junto com o requerimento executivo, consta “extrato de conta … depósito à ordem… conta empréstimo-conta corrente”, “nº de conta .... .... ..07”, aí se mencionando que em 30-09-2012 na conta ali documentada, existia o saldo de € 1.040.000,00 e que em 06-11-2014 por “Aplic deposito” se verificou “passagem a gestão DRC”, tendo o saldo daquela conta ficado em “0,00”. Em tal extrato menciona-se ainda referir-se o mesmo a “contrato 9030 4607 remetido a 07.11.2014 para recuperação central de dívida de € 1.040.000,00 (…)”8.

2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA

1. O contrato dado como título executivo foi integrado numa operação de rentabilização de ativos financeiros proposta pelo BES aos embargantes.

2. No âmbito dessa operação, os embargantes entregaram ao BES a quantia de 12 000 000,00 €.

3. Foi acordado aplicar os 12 000 000 € na aquisição de produtos financeiros do BES, em constituição de empresas offshore, para que estas adquirissem produtos mobiliários ao BES, celebrassem contratos de apoio à tesouraria e investimento, e adquirissem imóveis mediante a celebração de contratos de financiamento com o BES e a constituição de hipoteca legal a favor deste.

4. Foi acordado que os resultados das aplicações do montante de 12 000 000,00 € seriam utilizados para pagar os empréstimos concedidos neste âmbito e capitalização dos lucros sobejantes.

5. Foi acordado que as movimentações das contas de depósito das sociedades offshore seriam feitas, exclusivamente, pelo gestor designado pelo BES.

6. Foi acordado que os empréstimos concedidos seriam também aplicados na aquisição de dois imóveis à escolha dos embargantes, mediante constituição de hipoteca a favor do BES.

7. Foi acordado que o pagamento do empréstimo em causa na presente execução seria feito com o lucro das aplicações feitas com os 12 000 000,00 € em produtos mobiliários resultantes da intermediação financeira do BES.

8. Foi acordado que o BES passaria a gerir os 12 000 000,00 € e que geriria a carteira de ativos mobiliários com a obrigação de prestar informação sobre a situação financeira dos mesmos.

9. Por força da operação de rentabilização de ativos financeiros, o embargado tinha na sua disponibilidade dinheiro suficiente para liquidar o montante em falta em relação ao contrato dado como título executivo.

2.3. O DIREITO

Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).

1.) SABER SE É NULO O ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL A QUO POR EXCESSO DE PRONÚNCIA, POR TER CONHECIDO DA QUESTÃO DA FALTA DE TÍTULO EXECUTIVO.

O recorrente alegou que “Uma das questões suscitadas no recurso é a falta de título executivo, a qual foi conhecida no despacho saneador, tendo o tribunal recorrido julgado improcedente tal exceção”.

Assim, concluiu que “Tendo sido apreciada a questão da falta do título, por decisão transitada em julgado, não podia a mesma voltar a ser discutida, neste processo, como foi”.

Vejamos a questão.

Factos:

- O recorrido, em 15-09-2024, não se conformando com o despacho saneador, “interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que impugna no recurso de apelação interposto da sentença, como do despacho saneador proferido a 17.05.2023”.

- Por despacho de 30-10-2024, por intempestivo, não foi admitido o recurso do despacho saneador.

- Por despacho de 09-12-2024, após reclamação contra a não admissão do recurso do despacho saneador, foi revogado o despacho reclamado, e substituído por outro que o recebeu.

****

É nula a sentença quando o juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimentoart. 615º/1/d, do CPCivil.

Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções, não invocadas, que estejam na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608º-2), é nula a sentença em que o faça9.

Encontra-se vedado ao juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de exceções que não sejam do seu conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, 2º segmento)10.

excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido11.

Limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar: a decisão, seja condenatória, seja absolutória, não pode pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida12.

Quando a lei se refere a questões está a querer dizer que o conhecimento do juiz deve abarcar todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir invocadas e todas as exceções suscitadas, o que significa que o juiz só cometerá a nulidade de excesso de pronúncia se conhecer de causa de pedir não invocada.

Trata-se de nulidade relacionada com o art. 608º/2/2ª parte, onde se proíbe ao juiz de ocupar-se de questões que as partes não tenham suscitado, a menos que a lei lho permita ou lhe imponha o conhecimento oficioso.

In casu, tendo sido interposto e recebido o recurso do despacho saneador, o tribunal a quo não estava impedido de conhecer da questão suscitada no recurso, isto é, saber se havia falta de título executivo.

Tendo sido interposto recurso, mão há violação de caso julgado formal, não tendo a decisão transitado em julgado, não assim estando o tribunal a quo impedido de a conhecer, como veio a conhecer da questão.

Nestes termos, é manifesto que o acórdão proferido pelo tribunal a quo não padece da nulidade prevista no art. 615°/1/d/1ª parte ex vi do art.666º/1, ambos do CPCivil.

Donde que o recurso improcede, nesta parte, quanto à imputação à decisão sob recurso da nulidade prevista no art. 615º/1/d/2ª

parte, do CPCivil (excesso de pronúncia/pronúncia indevida).

2.) SABER DA VALIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO APRESENTADO À EXECUÇÃO.

O recorrente alegou que “O contrato de abertura de crédito é um título executivo incompleto quanto às obrigações pecuniárias que resultam das prestações futuras nele convencionadas ou subjacentes. E a sua completude, sendo as obrigações pecuniárias determináveis nos termos da liquidação do exequente, depende de prova complementar do título, assente em documento passado em conformidade com as

cláusulas constantes do documento exequendo – extratos de conta-corrente ou outros documentos contratuais”.

Mais alegou que “a junção da tal prova complementar foi efetuada com os extratos de conta juntos sob o doc. 4 ao requerimento executivo e com os doc.s 2 e 3 juntos ao requerimento do embargado de 10/02/2023 , emitidos pelo banco creditante, onde se comprova o depósito em conta titulada pelo executado da quantia de €1.040.000,00. E o ponto 38, §7 das condições gerais do contrato de crédito refere expressamente que “7. Os documentos, seja de que natureza forem, incluindo extratos de conta, em que o Cliente figure como responsável e fazer parte integrante para efeitos de execução, nos termos e para os fins do disposto no artigo 46 do Código de Processo Civil”, junto também a tal requerimento de 10/02/2023”.

Assim, concluiu que “Perante estes elementos, é mister considerar que, no caso em apreço, os sobreditos documentos, conjugados com a confissão de recebimento efetivo da quantia de € 1.040.000,00 (cf. artigos 24.º, 26.º e 43.º da petição inicial),

constituem título executivo, porquanto importam a constituição e/ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante é determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes”.

Vejamos a questão.

Podem servir de base à execução os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto – art. 46º/1/c, do CPCivil, na redação anterior.

O título executivo condiciona, assim, a exequibilidade extrínseca da pretensão13.

Trata-se de invólucro onde a lei presume estar contido o direito violado, cuja exequibilidade está condicionada pela certeza e exigibilidade, apresentando-se o título como indício da existência de um direito ou pretensão presumidos, com as características exigíveis14.

Título executivo – é a peça que pela sua força probatória abre diretamente as portas da ação executiva. É, no plano probatório, o salvo-conduto indispensável para ingressar na área do processo executivo. Em síntese é um instrumento probatório especial da obrigação exequente e, consequentemente, distingue-se da causa de pedir já que esta é, em resumo, um elemento essencial da identificação da pretensão processual15.

Na execução a causa de pedir é não o título executivo, mas o que está na base da sua emissão.

O título executivo é o meio legal de demonstração da existência do direito do exequente – ou que estabelece de forma elidível, a forma daquele direito – cujo lastro material ou corpóreo é um documento [...] que constitui, certifica ou prova uma obrigação exequível, que a lei permite que sirva de base à execução16.

O não reconhecimento do documento como título executivo traduz o não preenchimento de um dos pressupostos específicos da ação executiva (arts. 728º a 731º, CPCivil).

Importa, deste modo, determinar se no documento apresentado, necessariamente assinado, se reconhece uma obrigação pecuniária de montante determinado ou determinável por simples cálculo aritmético em conformidade com as cláusulas dele constantes.

O acórdão proferido pelo tribunal a quo entendeu “que o contrato de financiamento FEC .....09, caraterizando-se como um contrato de abertura de crédito em conta corrente, até ao montante máximo global de € 1.040.000,00, para apoio a investimento, celebrado em 10-08-2009 junto como documento nº 1 com o requerimento executivo, não constitui título executivo, dado prever obrigação futura cuja efetivação não resulta demonstrada da análise do título (por si ou conjugado com o extrato de conta junto como documento nº 4 com o requerimento executivo)”.

A questão recursiva diz respeito, assim, à validade do documento particular apresentado enquanto título executivo, documento que formalizara um contrato “de financiamento” (como designaram as partes), a que se reconhecem as características de um contrato de abertura de crédito em conta corrente.

Foi apresentado como título executivo um contrato de abertura de crédito em conta corrente.

Entre os contratos de mútuo comercial contam-se os de mútuo bancário, atípicos (art. 362º do CComercial) 17.

A abertura de crédito, em si, poderá ser definida como o contrato pelo qual o banco (o creditante) coloca à disposição da outra parte, o beneficiário (ou creditado), uma quantia pecuniária que este tem o direito, nos termos aí definidos, de utilizar pelo período de tempo acordado ou por tempo indeterminado18.

A abertura de crédito é simples ou em conta-corrente: no primeiro caso, o crédito disponibilizado pode ser usado uma vez; no segundo, o cliente pode sacar diversas vezes sobre o crédito, solvendo as parcelas de que não necessite, numa conta-corrente com o banqueiro. Nesta última hipótese há, ainda, que lidar com as regras da conta-corrente19.

Entre as suas várias espécies contam-se as que consistem em abertura de crédito em conta corrente, casos em que os clientes podem operar uma pluralidade de levantamentos e depositar parcelas do crédito em determinada conta corrente20.

É uma modalidade de contrato de mútuo comercial bancário regido pelas declarações negociais envolventes, pelos usos do comércio bancário e, subsidiariamente, pelas regras relativas ao contrato de conta-corrente a que se reportam os artigos 344º a 349º do Código Comercial21.

Os contratos de abertura de crédito são aqueles em que o banco (creditante) se obriga a colocar à disposição do cliente (o beneficiário ou creditado) uma quantia pecuniária, que este tem o direito, nos termos aí definidos, de utilizar pelo período de tempo acordado ou por tempo indeterminado, ficando obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respetivos juros e comissões22.

A escritura de abertura de crédito não contém senão uma promessa de empréstimo, não constituindo, só por si, título executivo contra o creditado. A obrigação deste só surge mais tarde, quando, por conta do crédito aberto, o creditado faz algum levantamento ou movimenta determinada quantia; é então que surge o empréstimo definitivo e consequentemente nasce a dívida. Por conseguinte, a prova complementar do título faz-se através de documento passado em conformidade com as cláusulas constantes do negócio jurídico, provando-se, dessa forma, que a obrigação futura, que se pretende executar, foi efetivamente constituída, isto é, que alguma prestação foi, de facto, realizada no desenvolvimento da relação contratual. Daí a necessidade de completar a escritura de abertura de crédito com a prova de que foi efetivamente emprestada alguma quantia ao creditado23,24,25,26.

O título executivo apresentado corresponde a um documento particular de formação composta em dois momentos distintos: por um lado, a celebração do contrato de abertura de crédito, por documento particular; e, por outro lado, a efetiva movimentação das quantias disponibilizadas pelo credor. Deste modo, para que se mostre perfeito enquanto título executivo, para além do contrato, o título teria de integrar também os extratos de conta e os documentos de suporte ou saque27.

Neste contrato, o banco (creditante) obriga-se a colocar à disposição do cliente (o beneficiário ou creditado) uma quantia pecuniária, que pode ser utilizada, de acordo com o escopo e termos definidos contratualmente, pelo período de tempo convencionado ou por tempo indeterminado, mediante o reembolso das somas utilizadas e o pagamento dos respetivos juros e comissões.

Nessa medida, não poderia constituir per se o documento contratual título executivo, uma vez que a obrigação do creditado surge mais tarde, mercê de levantamentos ou movimentos de quantias pecuniárias, pelo que sempre se estaria dependente da prova de constituição de obrigação futura, a complementar com documentos, dentro dos requisitos legalmente exigíveis.

O acordo de abertura de crédito em conta corrente foi celebrado em 2009 (a data do documento é 10-08-2009), data relevante uma vez que a apreciação da existência de título executivo se fará à luz do CPCivil de 1961, por força do art. 6º/3, da Lei n.º 41/2013 de 26/06.

Apesar da alteração levada a cabo pelo legislador em 2013 quanto à exclusão dos documentos particulares do elenco taxativo dos títulos de crédito (do art. 46.º/1/c), do CPCivil de 1961), aplicar-se-á a norma em causa face à declaração de inconstitucionalidade da norma que aplica o art. 703.º do CPCivil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26-06, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do art. 46.º/1/c, do CPCivil de 1961, constante dos arts. 703.º do CPCivil, e 6.º/3, da Lei n.º 41/2013, de 26-06, tendo como principal arrimo a violação do princípio da proteção da confiança (art. 2.º da Constituição) que resultaria dessa aplicação28.

O documento particular que, nos termos do art. 46º/1/c,, do CPC/1961, constituía título executivo, deixou de ter tal natureza, no âmbito do disposto no art. 703º/1, do CPC.

A norma passou a ser aplicável às execuções iniciadas após a entrada em vigor do CPC, nomeadamente, a partir de 01-09-2013 (art. 6º/3, da Lei n.º 41/2013), mas não às iniciadas anteriormente, como no caso vertente.

A opção legislativa acolheu a visão segundo a qual os documentos particulares abrangidos no âmbito do art. 46º/1/c, do CPC de 1961, ofereciam um questionável grau de segurança, mais propensos, por isso, à dedução de oposição à execução29.

A força executiva dos documentos particulares, de acordo com o disposto no art. 46º/1/c, do CPCivil, depende de estarem assinados pelo devedor, de importarem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.

Simplesmente, não se constitui ou reconhece qualquer obrigação pecuniária no contrato de abertura de crédito em causa e também nele não se menciona ter havido entrega de montantes pecuniários.

O documento particular deve ser completado, para efeitos de formação de título executivo, por documentos complementares, como sejam extratos de conta bancária emitidos pelo próprio banco30,31.

O contrato não reconhece, por si só, qualquer dívida exequível; reconhece, no entanto, uma obrigação pecuniária de montante determinado, quanto ao capital, (a totalidade do montante a disponibilizar) e determinável (juros), quanto ao mais, por simples cálculo aritmético.

Por outro lado, a constituição de obrigações futuras implica a consideração de requisitos adicionais quanto à exigência de prova complementar, nos termos do art. 50.º do CPCivil (antes da Reforma, hoje correspondente, com ligeiras alterações, ao art. 707.º “Exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados”).

Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes – art. 707º, do CPCivil.

Obsta à aplicação deste artigo o facto de estramos perante mero documento particular?

Por outro lado, a admitir-se a sua aplicação, o documento complementar apresentado goza da natureza requerida pelo artigo?

No contrato de financiamento em conta corrente, a prova da realização do financiamento pode ser efetuada com extrato bancário do qual se extrai, com certeza, que o financiamento foi concretizado em data anterior à da emissão do extrato, por si, e pelos demais documentos integrantes do requerimento executivo – contrato, alterações ao contrato, constituição de hipoteca32.

Também neste acórdão se pode ler que não obsta a considerar como documento complementar um extrato de data posterior a 2013 (data do novo código), desde que - como é e era o caso - esse extrato demonstre saldos de contas anteriores (de 2012 a 2013).

Sendo de aplicar os arts. 46º/1/c, e 50º (analogicamente) do CPC 1961, por força de execução instaurada com base em incumprimento e resolução de “contrato de abertura de crédito”, em sistema de conta-corrente, celebrado antes de 1/9/2013 (data da entrada em vigor do CPC 2013: Ac. TC n.º 408/2015), o título executivo, enquanto “documento particular” relativo ao reconhecimento de obrigações pecuniárias que resultam das prestações futuras nele convencionadas ou subjacentes e efetivamente realizadas, para ter a completude necessária à sua exequibilidade, necessita de prova complementar, assente em documento passado em conformidade com as cláusulas convencionadas no contrato (nomeadamente, extratos bancários de movimentos de conta-corrente ou outros documentos contratuais)33.

O art. 46º/1/c, do CPC de 1961, conjugado com o princípio ditado pelo art. 804º/1, do mesmo CPC (aplicável ainda por força do art. 6º, 3, da Lei 41/2013), implica que se veja o contrato de abertura de crédito como um título executivo incompleto quanto às obrigações pecuniárias que resultam das prestações futuras nele convencionadas ou subjacentes. E a sua completude, sendo as obrigações pecuniárias determináveis nos termos da liquidação do exequente, depende de prova complementar do título, assente em “documento passado em conformidade com as cláusulas constantes do documento exequendo – extratos de conta-corrente ou outros documentos contratuais”; assim se prova que, como se enfatizou no Ac. do STJ de 8/6/2021, “a obrigação futura, que se pretende executar, foi efetivamente constituída, isto é, que alguma prestação foi, de facto, realizada no desenvolvimento da relação contratual. Daí a necessidade de completar a (…) abertura de crédito com a prova de que foi efetivamente emprestada alguma quantia ao creditado” 34.

O que está nele [art. 50.º] em causa parece ser a exequibilidade de documentos autênticos ou autenticados que – decorrendo deles já obrigações, a cargo de uma das partes – documentam contratos, que, para além das declarações de vontade, exigem, como requisito constitutivo, a tradição ou a entrega (real ou simbólica) de coisa (v.g. emergente de contrato de comodato, penhor mutuo, depósito, reporte mercantil, abertura de crédito, garantia bancária à primeira solicitação, contrato de factoring). A exequibilidade do documento dependerá, nestes casos, da apresentação de outro documento conforme com as cláusulas desse documento ou de um outro documento (particular) revestido de força executiva própria, que prove que alguma prestação (v.g., depósito na conta bancária do beneficiário de uma abertura de crédito, de uma quantia por ele solicitada ao banco) foi realizada para a conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi contraída na sequência da previsão das partes35.

Temos, pois, que o instrumento particular constitutivo de um contrato de abertura de crédito bancário, desde que contenha as assinaturas dos devedores e seja apoiado por prova complementar, emitida em conformidade com as cláusulas nele firmadas e ateste as quantias efetivamente disponibilizadas, constitui título executivo de natureza compósita ou complexa.

Resta ainda aquilatar da existência e natureza dos documentos complementares uma vez que só com a emissão destes se forma o título executivo.

Ora, o exequente juntou os extratos bancários que constituem os documentos complementares para que fique perfeitamente formado o título executivo munido de exequibilidade, nos termos dos arts. 46º/1/c, e 50º (analogicamente), do CPC de 1961, que permite o reconhecimento de uma obrigação pecuniária de montante determinado, quanto ao capital (a totalidade do montante disponibilizado e levantado por transferência) e determinável (juros aplicados após o momento do incumprimento), quanto ao mais, por simples cálculo aritmético, devidamente assinado pelo devedor (propiciador, portanto, dos requisitos exigidos pelo art. 713º do CPC: certeza, exigibilidade e liquidez)36.

Concluindo, considera-se que há título executivo, procedendo a revista.

Destarte, procedendo o recurso de revista, há que revogar o acórdão proferido pelo tribunal a quo e, consequentemente, repristinar a sentença do tribunal de 1ª instância que julgou improcedentes os embargos de executado.

3. DISPOSITIVO

3.1. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso de revista e, consequentemente, em revogar-se o acórdão recorrido, repristinando-se a sentença do tribunal de 1ª instância que julgou improcedentes os embargos de executado.

3.2. REGIME DE CUSTAS

Custas pelo recorrido (na vertente de custas de parte, por outras não haver), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencido.

Lisboa, 2025-11-1137,38

(Nelson Borges Carneiro) – Relator

(António Magalhães) – 1º adjunto

(Maria João Vaz Tomé) – 2º adjunto

__________________________________

1. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º/7, do CPCivil.

2. Em substituição do Banco Espírito Santo, SA.

3. Foi declarada extinta a instância de oposição à execução mediante embargos relativamente à executada/embargante BB, por falta de constituição de mandatário no prazo concedido, na sequência da renúncia dos mandatários que a representavam.

4. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.

5. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.

6. Facto aditado pelo Tribunal da Relação atenta a sua relevância para a decisão da causa, ao abrigo do disposto nos artigos 607, nº 4 e 663º, nº 2, CPC, tendo por base o conteúdo do documento nº 1 junto com o requerimento executivo.

7. Facto aditado pelo Tribunal da Relação atendendo à sua relevância para a decisão da causa, ao abrigo do disposto nos artigos 607, nº 4 e 663º, nº 2, CPC, tendo por base o conteúdo do documento nº 1 junto com o requerimento executivo

8. Facto aditado pelo Tribunal da Relação atendendo à sua relevância para a decisão da causa, ao abrigo do disposto nos artigos 607º/4 e 663º/2, CPC, tendo por base o conteúdo do documento nº 1 junto com a petição inicial.

9. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., p. 383.

10. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 437.

11. Ac. STJ de 1992-02-06, BMJ 414/413.

12. JOSÉ LEBRE DE FREITAS – A. MONTALVÃO MACHADO – RUI PINTO, Código de Processo Civil, Anotado, Artigos 381º a 675º, volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, p. 681.

13. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A exequibilidade da pretensão, Cosmos, 1991, p. 17.

14. CASTRO MENDES, Acão Executiva, AAFDL,1980, p. 8.

15. ANTUNES VARELA, RLJ, 121-148.

16. REMÉDIO MARQUES, Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto, Almedina, 2000, pp. 55/6.

17. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-12-04, Relator: GONÇALVES DA COSTA, http://www.dgsi.pt /jstj.

18. MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, Direito Bancário, 2017, p. 207.

19. MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 3.ª edição, p. 542.

20. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-12-04, Relator: GONÇALVES DA COSTA, http://www.dgsi.pt /jstj.

21. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-12-04, Relator: GONÇALVES DA COSTA, http://www.dgsi.pt /jstj.

22. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-06-08, Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR, Processo: 1951/16.6T8ENT-A.E2.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.

23. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-06-08, Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR, Processo: 1951/16.6T8ENT-A.E2.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.

24. O contrato de abertura de crédito subdivide-se em dois momentos. No primeiro momento, verifica-se uma eficácia preparatória: produz-se um acordo de concessão de crédito que “visa a disponibilidade futura do dinheiro, eventualmente em conta-corrente, ficando perfeito com o acordo das partes, sem necessidade de qualquer entrega monetária”. Este acordo é intrinsecamente preparatório, funcionando como um contrato promessa de empréstimo. Num segundo momento surge uma eficácia final, ou seja, levantada a quantia concreta constitui-se o mútuo, dada a natureza real quoad constitutionem. Ora, se é certo que o mútuo em si mesmo pode ser título executivo da obrigação de restituição da quantia mutuada, desde que celebrado na forma legalmente exigida, o mesmo não se passa com o mútuo prometido em concessão de crédito. Aqui, o mútuo não apresenta autonomia formal. O único documento que o credor tem é o da abertura de crédito; tudo o mais são atos materiais de entrega e de restituição de quantias. Daí que se compreenda que, para fins executivos, essa falta de documento de mútuo autónomo seja colmatada por meio do artigo 707.º, desde que o exequente prove que entregou efetivamente o montante a recuperar – RUI PINTO, A Ação Executiva, AAFDL, 2018, Lisboa, p. 188).

25. Num contrato de abertura de crédito, o Banco apenas se vincula a realizar no futuro as prestações que o cliente venha a exigir nos termos contratados, consistindo a prestação imediata do Banco apenas na manifestação de vontade de vir a tornar-se credor. O cliente não fica desde logo titular efetivo de qualquer soma em dinheiro, apenas tendo a disponibilidade de a ele vir a recorrer (que pode ou não vir a utilizar), dependendo a disposição dos fundos da sua manifestação de vontade. A mera junção do contrato de abertura de crédito, como título executivo, não demonstra a efetiva concessão de crédito ao cliente, o aproveitamento, por este, de qualquer parcela de capital, tornando-se necessária a junção de documentação complementar bastante para que haja título executivo e assim a dívida exequenda possa ser executada – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-03-08, Relator: FARIA ANTUNES, Processo: 04A4359, https://www.dgsi.pt/jstj.

26. Pode definir-se a abertura de crédito como o contrato pelo qual um banco se obriga a ter à disposição da outra parte uma quantia pecuniária, que esta tem direito a utilizar nos termos aí definidos, por certo período de tempo ou por tempo indeterminado. O banco não se constitui, desde logo, credor de uma prestação pecuniária, pois isso só vem a verificar-se com a posterior mobilização pelo creditado das importâncias disponibilizadas pelo banco. No caso, o contrato de abertura de crédito é, com referência ao anterior art. 46º, nº 1, al. c), do CPC, um documento particular assinado pelos executados e importa a constituição de obrigações pecuniárias a contrair no futuro, determináveis por simples cálculo aritmético, a partir dos saques – cheques, transferências – sobre a conta de depósitos à ordem associada à conta corrente. Essa determinação deve ser feita pela exequente, juntando a documentação pertinente, demonstrativa dos meios concretamente utilizados pelos executados para movimentação dos fundos disponibilizados pela exequente e com discriminação dos respetivos montantes – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-04-10, Relator: PINTO DE ALMEIDA, Processo: 18853/12.8 YYLSB-A.L1.S2, https://www.dgsi.pt/jstj.

27. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-03-25, Relatora: MARIA DA GRAÇA TRIGO, Processo: 6528/18.9T8GMR-A.G1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.

28. À luz da decisão proferida pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 408/2015 de 23 de Setembro (publicado no Diário República, I.ª Série, de 14.10.2015) – que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, na redação aprovada pela Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do art. 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC de 1961 (norma essa resultante da conjugação do art. 703.º CPC com o 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013) por violação do princípio da proteção da confiança –, sendo o doc. n.º 3 junto aos autos datado de 27.01.2004, ao tempo da sua celebração ele seria título executivo por força daquele art. 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC, desde que, estando assinado pelo devedor, importasse a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante fosse determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, o que efetivamente ocorreria se estivesse em causa um contrato de mútuo - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-03-25, Relatora: MARIA DA GRAÇA TRIGO, Processo: 6528/18.9T8GMR-A.G1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.

29. ABÍLIO NETO, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2.ª edição, 2014, p. 856).

30. Essa determinação deve ser feita pela exequente, juntando a documentação pertinente, demonstrativa dos meios concretamente utilizados pelos executados para movimentação dos fundos disponibilizados pela exequente e com discriminação dos respetivos montantes – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-04-10, Relator: PINTO DE ALMEIDA, Processo: 18853/12.8 YYLSB-A.L1.S2, https://www.dgsi.pt/jstj.

31. O documento particular dado à execução, complementado pelos extratos bancários juntos, importa o reconhecimento de obrigação pecuniária de montante determinado, quanto ao capital, e determinável, quanto ao mais, por simples cálculo aritmético – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-05-13, Relatora: MARIA DA GRAÇA TRIGO, Processo: 15465/16.0T8LSB-A.L1.S1, https://www.dgsi. pt/jstj.

32. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2025-07-03, Relatora: FÁTIMA GOMES, Processo: 779/21.6T8FNC-A.L1.S1, https://www. dgsi.pt/jstj.

33. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2024-03-30, Relator: RICARDO COSTA, Processo: 1466/20.8T8ALM-D.L1.S1, https://www. dgsi.pt/jstj.

34. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2024-03-30, Relator: RICARDO COSTA, Processo: 1466/20.8T8ALM-D.L1.S1, https://www. dgsi.pt/jstj.

35. REMÉDIO MARQUES, Curso de Processo executivo comum à face do Código Revisto, Almedina, 2000, pp. 68-69.

36. O título executivo apresentado corresponde a um documento particular de formação composta por dois momentos distintos: por um lado, a celebração do contrato de abertura de crédito, por documento particular; e, por outro lado, a efetiva movimentação das quantias disponibilizadas pelo credor. Para que se mostre perfeito enquanto título executivo, para além do contrato, o título terá de integrar também os extratos de conta e os documentos de suporte ou saque - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-03-25, Relatora: MARIA DA GRAÇA TRIGO, Processo: 6528/18.9T8GMR-A.G1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.

37. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.

38. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.